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ALFREDO BOSI

(Da Universidade de S. Paulo)

HISTÖRIA CONCISA
DA
LITERATURA BRASILEIRA

EDITORA CULTRIX
sAO PAULO
3." edi<,:3o,12.° tiragem

1NDICE

!. A CONDI<;:AO COLONIAL
Literatura e situacäo, 13. Textos de infarmacäo, 15. A cana
de Caminha, 16. Gandavo, 18. 0 "Tratado" de Gabriel Soares,
20. A informa~iia das jesultas, 21. Anchieta, 22. Os "Dialoges
das Grandezas da Brasil", 27. Da crOnica a hist6ria: Frei Vicente,
Antonil, 28.
II. ECOS DO BARROCO
0 Barroca: espfrito e estilo, 33. 0 Barroco no Brasil, 39. A
"Prosapopeia" de Bento Teixeira, 41. Greg6rio de Matos, 42.
Botelho de Oliveira, 45. Menores, 48. A prasa. Vieira, 48. Prosa
<i!.:g6rica, 52. As Academias, 53.
III. ARCADIA E ILUSTRA<;:AO
Dois momentos: a poCtico e o ideol6gico, 61. Cliiudio Manuel
da Costa, 68. Basflio da Gama, 72. Santa Rita Duriio, 75. Arca-
des ilustradas: Gonzaga, Alvarenga Peixoto, Silva Alvarenga, 78.
Da Ilustraciio ao Pre-ramantismo, 89. Os generos pU.blicos, 92.
IV. 0 ROMANTISMO
.Caracteres gerais, 99. A situacao <los varios romantismos, 99.
Temas, 101. 0 nivel estCtico, 104. 0 Romantismo oficial no
Brasil. Goncalves de Magalhäes, 106. Porto..Alegre, 109. A histo..
riagrafia, 109. Teixeira e Sausa, 111. A poesia. Gon~ves Dias,
114. 0 romantismo eg6tica: a 2.• geracäo, 120. Alvares de Azevedo,
121. Junqueira Freire, 124. Laurindo Rabelo, 125. Casimiro de
Abreu, 127. Epl'.gonos, 128. Varela, 129. Castro Alves, 132. Con-
dores, 137. Sausiindrade, 137. A ficcio, 139. Macedo, 143. Ma-
nuel Antönia de Almeida, 145. Alencar, 148. Sertanistas: Bemardo
Guimaräes, Taunay, Tavora, 155. 0 teatro, 163. Martins Pena,
163. Goni;:alves Dias, 167. Alencar, 168. Agrario de Meneses.
Paula Eir6, 169. A cansciencia hist6rica e cdtica, 171. Tradiciona·
lismo, 172. Radicalismo, 174. Permanencia da Ilustrac&o. J. Fran-
cisco Lisboa, 175.
V. 0 REALISMO
MCMLXXXVIII Um nava ideario, 181. A ficcao, 188. Machado de Assis. 193.
Raul Pompeia, 203. Aluisio Azevedo e os principais naruralistas,
209. lngl@s de Sousa, 214. Adolfa Caminha, 216. 0 Naruralismo
Direitos rescrvados. e a inspirai;:iiö regional, 217. Manuel de Oliveira Paiva, 218. Na-
EDITORA CULTRIX LTDA. turalismo estilizada: "art nouveau", 219. Caelho Neto, 222. Afr3.-
nia Peixoto, 230. Xavier Marques, 231. 0 regionali~ma como
Rua Dr. M<irio Vicente. 374, 04270 Sio Paulo, SP-fone 63-3141. pragrama, 232. Afanso Arinas, 234. Valdomiro Silveira1 236.
Simöes Lopes Neta, 238. Alcides Maia, 240. Hugo de Carvalho
Ramos, 241. Manteira Labato, 241 A Poesia, 244. 0 Parna-
lmpresso MS oficüu:zs grdficas daEditoraPensamento.
sianismo, 246. Albeno de Oliveira, 247. Raimundo Correia, 250
r
1
Olavo Bilac, 254. Outros parnasianos, 257. Francisca JUlia, 257.
Anur Azevedo, 258. Vicente de Carvalho, 260. Neoparnasianos.
262. Raul de Leoni, 264. Teatro, 268. Artur Azevedo, 268. Ma- 1
chado de Assis, 271. Qorpo-Santo, Um corpo estranho, 273. A
consciencia hist6rica e critica, 275. Capistrano de Abreu, 276. Silvio
Romero, 278. Araripe Jr., 282. JosC Vedssimo, 283. As letras como
instrumento de a~äo, 286. Rui Barbosa .. 287.
VI. 0 SJMBOLISMO
Caracteres gerais, 295. 0 Simbolismo no Brasil, 300. Poesia.
Antes das "BroquCis'', 303. Cruz e Sousa, 304. Alphonsus de
Guimaräes, 312. A difusäo do Simbolismo, 316. Augusto das
Anjos, 323. A prosa de ficr;äo, 329. 0 pensamento critico, 332.
0 Simbolismo e o "renouveau catholique", 334. Farias Brito, 335.
VII. PRE-MODERNISMO E MODERNISMO
Pressupostos hist6ricos, 341. PrC-modernismo, 345. Euclides
da Cunha, 346. 0 pensl."!mento social, 352. Um crftico indepen-
dente: Joäo Ribeiro, 355. 0 romance social: Lima Barreto, 357.
Um espirito aberto: Grar;a Aranha, 367. 0 Modernismo: um clima
estCtico e psicol6gico, 375. 0 Modernismo: a "Semana", 381. Des
dobramentos: da Semana ao Modernismo, 385. Grupos modernis·
tas nos Estados, 389. Os Autores e as Obras, 391. Maria de An-
drade, 392. Osw.ald de Andrade, 402. Manuel Bandeira, 408.
Cassiano Ricardo, 413. Menotti del Picchia, 415. Raul Bopp, 417.
Plfnio Salgado, 419. Guilherme de Almeida, 420. 0 prosador do
Modernismo paulista: Alcantara Machado, 422 Dois ensalstas:
Sergio Milliet e Paula Prado, 424.
VIII_ TENDENCIAS CONTEMPORANEAS
0 Modernismo e o Brasil depois de 30; 431. DependCncia e
supera~äo, 433. Dois momentos, 434. A fio;äo, 438. As trilhas
do romance: uma hip6tese de trabalho, 440. Jose Americo de
Almeida, 445. Raquel de Queiroz, 446. Jose Lins do Rego, 448.
Graciliano Ramos, 452. Jorge Amado, 457. Erico Verl'.ssimo, 459.
Marques Rebele, 462. Jose Geraldo Vieira, 464. LUcio Cardoso,
466. CorntElio Pena, 469. Outros narradores intimistas, 472. Da Para
fic~ao "eg6tica" a fic~äo suprapessoal. Expet:i€ncias. Clarice Lis-
pector, 476. PermanCncia e transforma~äo do regionalismo, 481.
Otto Maria Carpeaux,
Joäo Guimaräes Rosa, 484. A poesia, 491. Carlos Drummond de mestre de cultura
Andrade, 493. Murilo Mendes, 500. Jorge de Lima, 505. Auguste e de vida
Frederico Schmidt, 511. Vinlcius de Moraes, 513. Cecflia Meireles,
515. Outros poetas, 518. Poesia e programa: a "gera~o de 45",
519. Poesia, hoje, 523. Joäo Cabral de Melo Neto, 524. Ferreira
Gullar. A poesia participante, 528. Miirio Faustino, 530. A poesia
cono-eta, 531. Desdobramento da vanguarda concretista, 539. Poe-
sia ainda, 541. Tradu~s de poesia, 543. A crltica, 545.
Para
BJBLIOGRAFIA, 554.
EcMa,
1NDICE DE NoMES, 564. dimidium animae meae.
1

A CONWCAO COLONIAL


T
r

Llleratura e altu~äo

0 problema das origens da nossa litcratura näo pode formu-


lar-se er.a termos de Europa, onde foi a matura~ao das grandcs
na~öes modernas quc condidonou toda a hist6ria cultural, mas
nos mesmos termos das outras literaturas americanas, isto e, a
partir da afirma~io de um complexo colonial de vida e de pcn·
samento.
A colonia e, de inkio, o objeto de uma cultura, o "outro"
em rela~iio a metr6pole: em nosso caso, foi a terra a ser ocupa-
da, o pau-brasil a scr explorado, a cana-de- a~car a scr culti-
vada, o ouro a ser extraido; numa palavra, a materia-prima a
ser carreada para o mercado externo ( 1 ) • A colönia s6 deua de
o ser quando passa a sujeito da sua hist6ria. Mas essa passa-
gem fez-se no Brasil por um lento processo de acultura~iio do
portugues e do negro a terra e as ra~as nativas; e fez-se com na-
turais crises e descquilibrios. Acompanhar este processo na es-
fera de nossa consciencia hist6rica e pontilhar o direito e o avesso
do fenömeno nativista, complemento necessario de todo comple-
xo colonial ( 2 ) •
Importa conhecer alguns dados desse complexo, pois foram
ricos de conseqüend as econömicas e culturais que transcenderam
os limites cronol6gicos da fase colonial.
Nos primeiros seculos, OS ciclos de ocupa,ao e de explora-
r;äo formaram ilhas sociais ( Bahia, Pernambuco, Minas, Rio de
( 1} Para a analise em profundidade do fenömeno colonial, reco-
mendo a leitura <los ensaios de J.-P. Sartre ( "Le colonialisme est un sys-
teme", in Les Temps Modemes, n. 123 ) e de Georges Balandier ("Socio-
0

logie de la dependance", in Cahiers l nternationaux de Sociologie, vol. XII,


1952). V. a Bibliografia fi nal deste volume onde sao arrolados alguns
estudos brasileiros ja "classicos", merecendo dcstaque os de Caio Prado
J r., Fernando Novais e Jacob Garender.
( 2) V. Afranio Coutinho, A Tradir;iio Afortunada, Jose Olympio
Ed., 1968, onde o critico estuda o fator "nacionalidade" em varios momen·
tos da critica brasileira .

13
Janeiro, Säo Paulo), que deram a Colöni~ a fisionomia de um visor de aguas entre um gong6ri~o portugu~s e 0 baiano Bote-
arquipelago cultural. E nilo s6 no facies geografico: as ilhas de- lho de Oliveira, ou entre um cirCade coim.bräo e um lirico mi-
vem ser vistas tambem na dimensäo temporal, momentos suces- neiro. E e sempre necesscirio distinguir um nativismo estatico,
sivos que foram do nosso passado desde o serulo XVI ate a In- que se exaure na menc;ä:o da paisagem, de um nativismo dinä-
dependencia. mico, que integra o ambiente e o homem na fantasia poetica (Ba-
Assim, de um lado houve a dispersäo do pals em subsiste- silio da Gama, Silva .A!varenga, Sousa Caldas}.
mas regionais, ate hoje relevantes para a hist6ria liter:iria ( ~}; 0 limite da consciencia nativista e a ideologia dos inconfi-
de outro, a seqüencia de influxos da Europa, respons:ivel pelo dentes de Minas, do Rio de Janeiro, da Bahia e do Recifc. Mas,
paralelo que se estabeleceu entre os momentos de alem-Atliintico ainda nessas pontas-de-lan~a da dialetica entre Metr6pole e Co-
e as esparsas manifesta~oes liter:irias e artfsticas do Brasil-Colö- lonia, a ultima pediu de emprestimo a Fran~a as formas de pen·
nia: Barroco, ArcB.dia, Ilustrat;äo, Pre-Romantismo ... sar burguesas e liberais para interpretar a sua pr6pria realidade.
Acresce que ci paralelismo näo podia ser rigoroso pela 6bvia De qualquer modo, a busca de fontes ideol6gicas näo-portugue-
razäo de estarem fora os centros primeiros de irradia~äo men- sas ou näo-ibericas, em geral, ja era uma ruptura consciente com
tal. De onde, certos descompassos que causariam especie a um o passado e um caminho para modos de assim~o mais dinii-
estudioso habituado as constela~oes da cultura europeia: coexis- micos, e propriamente brasileiros, da cultura europtia, como se
tem, por exemplo, com o barroco do ouro das igrejas mineiras deu no per1odo romiintico.
e baianas a poesia arddica e a ideologia dos ilustrados que da Resta, porem, o \lado preliminar de um processo colonial,
cor doutrinaria as revoltas nativistas do seculo XVIII. C6di- que se desenvolveu nos trCs primeiros seculos da vida brasilei-
gos literB.rios europeus mais mensagens ou conteUdos ja colo-- ra e condicionou, como nenhum outro,, a totalidade de· nossas
niais conferem aos tres primeiros seculos de nossa vida espiritual rea,5es de ordern intelectual: e se se prescindir da sua analisc,
um carater hfurido, de tal sorte que parece uma solu~ilo aceita- creio que näo poder3 ser compreendido na sua inteira dinami~a
vel de compromisso cham:i-lo luso-brasileiro, como o fez Antö- ~em 0 pr6prio fenömeno da mestic;agem, ntlcleo do nosso mru.s
nio Soares Amora na Hist6ria da Literatura Brasileira ( ** l- fecundo ensafsmo social de Sflvio Romero a Euclides, de Olivei-
Convem lembrar, por outro lado, que P"ortugal, perdendo a ra Viana a Gilberto Freyre.
autonomia politica entre 1580 e· 1640, e decaindo verticalmen-
te nos seculos XVII e XVIII, tambem passou para a categoria
de nac;äo periferica no contexto europeu; e a sua literatura, de- Textos de lnforma<;ao
pois do climax da epica quinhentista, entrou a girar em torno
de outras culturas: a Espanha do Barroco, a Italia da Arcadia,
a Fram;a do Iluminismo. A situa,äo afetou em cheio as inci- Os primeiros escritos da nossa vida documentam precisa-
pientes letras coloniais que, ja no limiar do seculo XVII, refle- mente a instaurat;äo do processo: säo informtlföes que viajantes
tiriam correntes de gosto recebid11$ "de segunda mäo". 0 Bra- e mission3rios europeus colheram sobre a natureza ~ o homem
sil reduzia-se ii condi~äo de subcolönia ... brasileiro. Enquanto informa~äo, nilo pertencem il. categoria do
literario, mas a pura crönica hist6rica e, por isso, ha quem as
A rigor, s6 laivos de nativismo, pitoresco no seculo XVII c
omita por escn\pulo estetico (Jose Ver!ssimo, por exemplo, na
ja reivindicat6rio no seculo segnintc, podem considerar-se o di-
sua Hist6ria da Literatura Brasileira}. No entanto, a pre-hist6-
ria das nossas letras interessa como reflexo da visä:o do mundo
( *) No ensaio Uma Interpreta,äo da Literatura Brasileira, Viana e da linguagem que nos legaram os primeiros observadores do
Moog da enfase ao ilhamento cultural das v:irias regiöes brasileiras; des-
contados certoS exageros, a tese e plenamente sustent8.vel (V. o cstudo,
pafs. E gra,as a essas tomadas diretas da paisagem, do fndio c
datado de 1942, agora incluido em Temas Brasileiros de diverses autorcs, dos grupos sociais nascentes, que ca~tamos as condit;Oes primi-
Rio, Casa do Estudante do Brasil, 1968). tivas de uma cultura que s6 mais tarde poderia contar com o fe-
(**) S. Paulo, Ed. Saraiva, 1955. nömeno da palavra·arte.

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1'
1..
E nilo e s6 como testetnunhos do tempo quc valem tais noticia da terra achada, insere-se em um genero copiosamente
documentos: tambem como sugestöes tematicas e formais. Ern representado durante o seculo XV em Portugal e Espanha: a
mais de um momento a inteligCncia brasileira, reagindo contra literatura de viagens ('). Espirito observador, ingenuidade ( no
certos processos agudos de europeiza\äo, procurou nas rafzes da sentido de um realismo sem pregas) e uma transparente ideolo-
terra e do nativo imagens para se afirmar em face do estrangei· gia mercantilista batizada pelo zelo mission.irio de uma cristan-
ro: entäo, os cronistas voltara,m a seP. lidos, e atC glosados, tan- dade ainda medieval: eis os caracteres que saltam a primeira lei-
to por um Alencar romäntico e saudosista como por um Maria tura da Carta e diio sua medida como documenta hist6rico. Des-
ou um Oswald de Andrade modernistas. Dal o interesse obli· crevendo os indios:
quamente estc!itico da "literatura 11 de informa\äo. A feir;äo deles e serem pardos maneiras d'avermelhados de bons
Dos textos de origem portuguesa merecem destaque: rostros e bons narizes bem feitos. Andam nus sem nenhuma co-
bertura, nem estimam nenhuma cousa cobrir nem mostrar suas ver-
a) a Carta de Pero Vaz de Caminha a el-rei D. Manuel, gonhas e estä:o acerca disso com tanta inocencia como tem de mos-
referindo o descobrimento de uma nova terra e as primeiras im- tra o rosto.
pressöes da natureza e do aborigine;
h) o Ditirio de Navega(iio de Pero Lopes e Sousa, escri- Ern relevo, a postura solene de Cabral:
viio do primeiro grupo colonizador, o de Martim Afonso de
0 capitäo quando eles vieram estava assentado em uma cadei-
Sousa (1530); ra e uma alcatifa aos pC:s por estrado e bem vestido com um colar
c) o Tratado da Terra do Brasile a Hist6ria da Prov!n- d'ouro mui grande ao pesc~o.
cia de Santa Cruz a que Vulgarmente Chamamos Brasil de Pero
Magalhiies Giindavo (1576); Atenuando a impressiio de selvageria que certas descri,öes po-
d) a Narrativa Epistolare os Tratados da Terra e da Gen- deriam dar:
ie do Brasil do jesuita Ferniio Carclim ( a primeira certamente
de 1583 ); Eles porem contudo andam muito bem curados e muito limpos
e naquilo me parece ainda mais que s!io como aves ou alimirias
e) o T ratado Descritivo do Brasil ~ Gabriel Soares de monteses que lhes faz o ar melhor pena e melhor cabelo que as
Sousa ( 1587); mansas, porque os corpos seus sä:o täo limpos e täo gordos e tio
f) os Ditilogos das Grandezas do Brasil- de Ambr6sio Fer- fremosos que näo pode mais ser.
nandes Brandiio ( 1618).
g) as Cartas dos missionarios jesuftas escritas nos dois pri- A conclusiio e eclificante:
meiros seculos de catequese ( 8 ) ;
h) o Ditilogo sobre a Conversiio dos Gentios do Pe. Ma- De ponta a ponta ~ toda praia. . . muito chi e muito frcmosa.
( ... ) Nela ate agora näo pudemos saber que haja Ouro nem pra-
nuel da N6brega; ta ... por6n a terra em si e de muito bons ares assim frios e tem.-
i) a Hist6ria do Brasil de Fr. Vicente do Salvador (1627). perados como os de Entre-Doiro-e-Minho. .Aguas säo muitas e in-
findas. E em tai maneira e graciosa que querendo-a aproveitar,
dar-se-9 nela tudo por bem das 8guas que tem., pottm o melhor fruto
que nela se pode fazer me parece que serif. salvar esta gentc c csta
A carta de Camlnha deve ser a principal semente quC vossa alteza em ela devc ~.
0 que para a nossa hist6ria significou uma aut~ntica cer-
tidiio de nascimento, a Carta de Carninha a D. Manuel, dando

( 4) Duas boas edit;öes do documento säo: A Carta de P. V. de Ca-


(8) Ha volumes antol6gicos preparados pelo Pe. Serafim Leite S. J.:
minba, com um estudo de Jayme Cortesä:o, Rio, Livros de Portugal, 1943,
Cartas Jesuiticas, 3 vols„ Rio, 1933; Novas Cartas ]esuiticas, S. Paula, C. e A Carta, estudo crl'.tico de J. F. de Almeida Prado; texto e glossirio de
Ed. Nacional, 1940. V. tambem: N6brega - Cartas do Brasil e Mair Es- Maria Beatriz Nizza da Silva, Rio, Agit, 1965
critos, ed. org. por Serafim Leite, Coimbra, 1953.

16 17
Gcmdavo lsto posto, pode-se entrever certo ot1m1smo ( que em via-
jantes näo portugueses chega a ser visionario) quanto ils poten·
Quanto a Pero de Magalhäes G!J.ndavo, portugues, de ori- cialidades da coJonia: e quem respingou OS ]ouvores desses cro-
gem flamenga ( o nome deriva de Gand), professor de Huma- nistas, ainda imersos em uma credulidade pre-renascentista, pöde
nidades e amigo de Camöes, devem-se-lhe os primeiros infor- falar sem rebuc;os em "visä:o do parafso„ como leitmotiv das des-
mes sistematicos sobre o Brasil. A sua estada aqui parece ter cri,öes: Eldorado, Eden recuperado, fonte da eterna juventude,
coinciclido com o governo de Mem deSa. 0 Tratado foi recligi- mundo sem mal, volta a Idade de Ouro ( • J.
do por volta de 1570, mas näo se publicou em vida do autor, Mas o tarn predominante e s6brio e a sua simpleza vem de
vindo il luz s6 em 1826, por obra da Aeademia Real das Cien- um esplrito franco e atento ao que se lhe depara, sem apelo fa-
cias de Hist6ria de Portugal; quanto a Hist6ria, saiu em Lisboa, cil a construc;öes imagin3.rias.
em 1576, com o titulo completo de Hist6ria da Provincia de Gändavo da noticia geografica da terra em geral e das capi-
Santa Cruz a ·'que V ulgarmente Chamamos Brasil. Ambos os tanias em particular. Lendo-o aprende-se, por exemplo, que a
textos säo, no dizer de Capistrano de Abreu, "uma propaganda escravidäo come,ou cedo a suportar o önus da vida colonial:
da imigra~äo", pois cifram-se em arrolar os bens e o clima da
colönia, encarecendo a possibilidade de os rein6is ( "especialmen- E a primeira cousa que [ os moradores] pretendem adquirir
te aqueles que vivem em pobreza") virem a desfruta-la. säo escravos para lhes fazerem suas fazendas, e se uma pessoa che-
ga na terra a alcanc;ar dous pares, ou meia dUzia deles ( ainda que
G!J.ndavo estava ciente de seu papel de pioneiro outra cousa näo tenha de seu), logo tem remedio para poder hon-
radamente sustentar sua familia: porque um lhe pesca e outro lhe
A causa principal que rne obrigou a lan~r mäo da presente ca~a, os outros lhe cultivam e grangeiam suas r~s e desta manei-
hist6ria, e sair com ela a
luz, foi por näo haver ategora pessoa ra näo fazem os homens despesa em mantimentos com seus escra-
que a empreendesse, havendo ja setenta e tantos anos que esta Pro- vos nem com suas pessoas ( cap. IV).
vfncia e descoberta ( Pr6logo)
Ha na obra descri.Oes brevcs mas vivas de costumes indl-
e procurou cumpri-lo com cliligencia, o que lhe valeu os enc6- genas: a poligamia, a "couvade", as guerras e os ritos de vingan-
mios de Camöes nos Tercetos com que o- poeta apresenta a ~a, a antropofagia. Nem faltam passagens pinturescas; no ca-
Hist6ria: . pitulo "Das plantas, mantimentos e fruitos que ha nesta Provfn..
Tem claro estilo, engenho curioso. cia", fazem-nos sorrir certos sfmiles do cronista maravilhado com
a flora tropical:
Trata-se naturalmente de uma objetividade relativa ao uni- Uma planta se da tambCm nesta Provincia, que foi da ilha de
verso do autor: humanista, cat6lico, interessado no proveito do Säo TomC, com a fruita da qual se ajudam muitas pessoas a sus-
Reino. Assim, lamenta que ao nome de Santa Cruz tenha o tentar na terra. Esta planta e mui tenra e näo muito alta, näo
"vulgo mal considerado" preferido o de Brasil, "depois que o tem ramos senäo umas folhas que seräo seis ou sete palmos de
pau da tinta come~ou de vir a estes Reinos ao qua! chamaram comprido. A fruita dela se chama banana. Parecem-se na fei~o
com pepinos e criam-se em cachos. ( ... ) Esta fruita e mui sabrosa,
brasil por ser vermelho, e ter seinelhan,a de brasa". Quem e das boas, que hii na terra: tem uma pele como de figo ( ainda que
fala e o letrado medieval portugues. A sua atitude Intima na mais dura) a qual lhe lan~am fora qdo. a querem 001.ner: mas faz
esteira de Camöes, e que se rastreara ate OS epicos mineiros, dano 8. sa6de e causa fevre a quem se desmanda nela ( c. V).
consiste em louvar a terra enquanto ocasiäo de gl6ria para a
metr6pole. Por isso, näo devemos enxergar nos seus gabos ao {6) Cf. Sergio Buarque de Holanda - Visäo do Paraiso. Os Motivos
clima e ao solo nada alem de uma curiosidade solerte a servi,o Ed2nicos no Descobrimento e Colonizafäo do Brasil, Rio, Jose Olympia,
do bem portuguf:s. 0 nativismo, aqui como em outros cronis- 1959. Uma excelente revisäo do mito do bom selvagem e de suas fontes
tas, si tua-se no nfvel descritivo e näo tem qualquer conotac;äo quinhentistas encontra-se no ensaio de Giuliano Gliozzi, "II mito del buon
subjetiva ou polemica. selvaggio", nella storiografia tra Ottocento e Novecento'', in Rivista di
Filoso/ia, Turim, set. 1967, pp. 288-335.
18
19
Dos ananases diz que "nascem como alcachofres" e do caju
Notlcias de Varnhagen sobre o autor däo-no como portu-
que ·ue de fei\30 de peros repinaldos e muito amarelo".
gues, miliar de engenho e vereador na Cämara da l!ahia, onde
Sua atitude em face do Indio prende-se aos.comuns padröes registrou suas observa\Öes durante os dezessete anos em que Ia
culturais de portugues e cat6lico-medieval; e vai da observac;äo morou ( 1567-1584 ). Tendo herdado do irmäo um roteiro de
curiosa ao juizo moral negativo, como se ve neste comentfilio minas de prata que se encontrariam junta As vertentes do Rio
entre serio e jocoso sobre a lingua tupj: Säo Francisco, foi a Espanha pedir uma carta-regia que lhe con-
Esta e mui branda, e a qualquer nac;äo facil de tomar. Alguns cedesse o direito de capitanear uma entrada pelos sertöes minei-
voc.fbulos h:l nela de que näo usam senäo as femeas, e outros que ros; obteve-a, mas a expedi\'.äo malogrou vindo ele a perecer
näo servem senäo para os machos: carece de tres letras, convCm em 1591.
a saber, näo se acha nela F, nem L, nem R, cousa digna de espanto
porque assim näo tCm Fe, nem Lei, nem Rei, e desta maneira vi- 0 Tratado consta de duas partes: "Roteiro Gera) com Lar-
vem desordenadamente sem terem alem disso conta, nem peso, nem gas Informa<;öes de Toda a Costa do Brasil", de car:lter geo-his-
medido (Cap. X). t6rica e bastante minuciaso; e o "Memorial e Declarac;äo das
Grandezas da Bahia de Todos os Santos, de sua Fertilidadc e
A Hist6ria termina com uma das ton1cas da literatura in- das Outras Partes que Tem".
formativa: a preocupa\äo com o ouro e as pedras preciosas que Partilha com Gandavo o objetivo de informar os poderes
se esperava existissem em grande quantidade nas terras do Bra- da Metr6pole sobre as perspectivas que a calönia oferecia, ace-
sil, a semelhan\:a das peruanas e mexicanas. E, espelho de toda nando igualmente, ao cabo do livra, com as minas de oura, pra-
a mentalidade colonizadora da epoca, afirma ter sido, sem dU- ta e esmeralda, por certo aquela mitica Vupahu"1 ( "alagoa gran-
vida, a Providencia a atrair os hamens cam a tenta<;äo das rique- de"} em cuja procura acharia a morte. Mas e muita mais varia
zas, desde o ämbar do mar ate as pedrarias da sertäa, e sugestivo que o autor da Hist6ria da Provincia de Santa Cruz;
como o interesse seja o que mais leva os homens trils si que com um zelo de naturalista que espantaria um antrop6logo mo-
outra nenhuma cousa que haja na vida, parece manifesto querer derno da altura de Alfred Metraux ( 7 ), Gabriel Soares de Sou-
entrete-Ios na terra com esta riqueza do mar, atC chegarem a des-
cobrir aquelas grandes minas que a mesma terra promete, pera que
sa percorre toda a fauna e a flora da Bahia fazendo um invenul·
assi desta maneira tragam ainda toda aquela cega e bUrbara gente rio de quem ve tudo entre atento e encantado. Os capltulos so-
que habita nestas partes, ao lume e conhecimento da nossa Santa , bre o gentia acercam-se do relat6rio etnagr0.fica, pois näo s6 eo..
FC Cat61ica, que ser3 descobrir-lhe outras maiores no ceu, o qual ' brern a informa<;äo b0.sica, da cultura material a religiosa, coma
nosso Senhor permite que assim seja pera gl6ria sua e salva~äo de sublinham tra<;os peculiares: säo de ler as d_escri\:Öes vivas da
tantas almas ( cap. VIII).
"couvade" das suicidas camedores de terra, das exibicionistas
e dos feiti~eiros chamadares da morte.
No mesmo paragrafo, e em tranqüilo convlvio, o m6vel eco-
nömico e a cfuldida justifica~o ideol6gica.
•. A lnformai;äo dos lesuitas
0 "Tratado" de Gabriel Sciarea
Paralelamente 1t cr6nica leiga, aparece a dos jesult11s, täo
Quanto a Gabriel Soares de Sousa ( 1540?-1591), a crltica rica de informa\:Öes e com um "plus" de inten<;äo pedag6gica e
hist6rica tem apontado o seu Tratado Descritivo do Brasil em moral. Os nomes mais significativos do seculo XVI säo os de
1587 ( 6 ) como a fonte mais rica de informa\:iles sobre a colönia Manuel da N6brega e Fernäo Cardim, merecendo um lugar 1t
no sOOtlo xv1; parte, pela relevancia literaria, o de Jose de Anchieta.
( 8) Edi~o aconselhif.vcl, a inclufda na C.ol. Brasiliana, vol. 117, Cia.
Ed. Nacional, 1938. (7) "Soares de Sousa a un esprit scientifique etonnant pour son
epoque", em La Civilisation materielle des tribus tupi-guarani, Paris,' 1928.
20
21

_L
De N6brega, alem do epistohlrio, cujo valor hist6rico näo acharemos exemplos daquele veio mistico que toda obra religio-
se faz mister encarecer, temos o Didlogo sobre a Conversäo do sa, em Ultima an<ilise, deve pressupor.
Gentio ( 1558? ), d<>cumento notavel pelo equilibrio com quc Ha um Anchieta diligente anotador dos sucessc:is de uma
o sensato jesufta apresentava os aspectos "negativos" e "positi- vida acidentada de ap6stolo e mestre; para conhec€:-lo precisa-
vos„ do lndio, do ponto de vista da sua abertura ~ conversäo. mos ler as Cartas, Informa(öes, Fragmentos Hist6ricos e Ser-
E va1e a pena citar um trecho em qu~ com agudeza rare para o möes que a Academia Brasileira de Letras publicou em 1933.
tempo, mostra desprezar argumentos de ordern racial: ~1as e o Anchieta poeta e dramaturgo que interessa ao estudio-
so da incipiente literatura colonial. E se os seus autos sä:o de-
Tcrem os romanos e outros mais gentios mais pollcia [ = ci-
vilizac;iio, urbanidade] que estes näo lhes veio de terem natural-
finitivamente pastorais ( no sentido eclesial da palavra ), destina-
mente melhor entendimento, mas de terem melhor criac;äo e cria dos a edifica\'ä:O do lndio e do branco em certas cerim6nias li-
rern-se mais poBticamente ( Ditilogo, 93 ). turgicas (Auto Representado na Festa de S. Lourem;o, Na Vila
de Vit6ria e Na Visitarao de Sta. Isabel), o mesmo nao ocorre
lgual realismo, mas menor perspic3cia, encontra-sc nas rela- con1 os seus poemas que valem em si mesmos como estruturas
~öes que o Pe. Fernao Cardim, na qualidade de Provincial, en- li ter<irias.
viava a seus superiores europeus; rela~öes que circulam enfeixa- A linguagem de uA Santa In€:s", "Do Santlssimo Sacra-
das sob o titulo de Tratado da Terra e da Genie do Brasil ( 8 ). mento" e "Ern Deus, meu Criador" molda-se na tradic;ä:o medie-
val espanhola e portuguesa; em metros breves, da "medida ve-
Anchieta. Assim como os cronista• se debru~aram sobrc lha", Anchieta traduz a sua visäo do mundo ainda alheia ao Re-
a terra e o nativo com um espirito ao mesmo tempo ingenuo e nascimento e, portanto, arredia em relac;ä:o aos bens terrenos:
pratico, os missionarios da Companhia de Jesus, aqui chegados Näo h:i cousa segura.
nem bem criada a ordern, uniram a sua fe ( neles ainda de todo Tudo quanto se ve
iberica e medieval) um zelo constante pela conversao do gentio, se vai passando.
de ,que os escritos catequeticos sao cabal documenta. E, se um A vida näo tem dura.
0 bem se vai gastancto.
N6brega exprime em cartas incisivas e no Dialogo o tra~o prag- T oda criatura
matico do administrador; ou, se um Fernäo Carclim lembra Gan- passa voando.
davo e Gabriel Soares pela c6pia de informes que sabe recolher
nas capitanias que percorre, s6 em Jose de Anchieta ( • l e que Contente assim, minh'alma,
do doce amor de Deus
toda ferida,
(8) Edic;äo aconselh<ivel, a da Brasiliana (Cia. Ed. Nacional, 1939), o mundo deixa em calma,
com introduc;äo de Rodolfo Garcia e notas de Capistrano de Abreu e buscando a outra vida,
Batista Caetano. na qual deseja ser
(9) JosE DE ANCHIETA. Nasceu na ilha de Tenerife, uma das Cana- absorvida.
rias, em 1534 e faleceu em Reritiba (Espirito Santo) em 1597. Veio para ( Em Deus, meu Criador)
o Brasil ainda novic;o em 1553; logo fez sentir sua a~o apost6lica fundan-
do com N6brega um colegio em Piratininga, ntlcleo da cidade de S. Paula.
Pelo zelo religioso e pela sensibilidade humana, Anchieta ficou na hist6ria Os fragmentos que nos chegaram transpöem o t6pico do
da colönia como exemplo de vida espiritual particularmente her6ica nas "desengaiio" do mundo, constante do Cancioneiro Geral de Gar-
condic;öes adversas em que se exerceu. Suas Poesias em portugues, caste- cia de Resende e em Gil Vicente. Mas em Anchieta o tra~o as-
lhano, tupi e latim foram transcritas e traduzidas por M. de Lourdes de cetico, dominante nos Exerclcios Espirituais do seu mestre In8-
Paul:i Martins, S. Paula, Comissäo do IV Centenario, 1954. 0 De Beata cio de Loyola, nä:o ocupa toda a <irea de seu pensamento; ao
Virgine foi traduzido pelo Pe. Armando Cardoso S. J. (Rio, Arquivo Na-
cional, 1940). Cf. Domingos Carvalho da Silva, "As origens da poesia'', in contr<irio, est.i subordinado a valores positivos de esperanc;a e
A Lit. no Brasil, vol. 1, t. 1, Rio, 1956; LeodegS.rio de Azevedo Filho, alegria. Pode-se dizer mesmo que o vetor afetivo de Anchieta
Anchieta, a Idade Media e o Barroco, Rio, Gernasa, 1966. f: a consolac;ä:o pelo amor divino. Assim, no poema citado acima:

22 23
Do p~ do secro mont" Santa podelrinha,
meus olhos levantando morta com cutelo
ao a1 to cume, sem nenhum farelo
vi estar aberta a fonte ~ vossa farinha.
do verdadeiro lume, Ela e mezinha
que as trevas do meu peito com que sara o povo, ·
todas consume. que com vossa vinda
Correm doces licores tera trigo novo.
das grandcs aberruras 0 piio que amassastes
do penedo. dentro em vosso peito
Levantam-se os errores, e0 amor perfeito
levanta-se o degredo com que a Deus amastes.
e tira-se a amargura
do fruto azedo.
E, ao lado desse veio, outro, igualmente religioso. mas ti-
Uma analise mais detida das imagens que se reiteram nos rante a um cömico simples, quase simpl6rio no trato das com-
melhores poemas, "Do Santfssimo Sacramento" e u A Santa Ines" parat;öes, como e o caso da glosa "O Pelote Domingueiro" que
mostra que aqueles tra~os de mortifica~äo ( exasperados mais Anchieta compös para o mote: "Ja furtaram ao moleiro / o pe-
tarde pelo jesuitismo barroco) neles servem de contraponto ao lote domingueiro'', onde o moleiro e figura de Adäo a quem as
motivo mais abrangente do alimento sagrado, sfmbolo da uniäo manbas de Satanas surripiaram a gra\a divina ( o pelote domin-
com Deus: gueiro), deserdando assim toda a sua gera\äo:
Ö que piio, 6 que comida,
6 que divino manjar Os pobretes cachopinhos
se nos da no santo altar ficaram mortos de frio,
cada dia! quando o pai, com desvario,
deu na lama de focinhos.
Cercou todos os caminhos
Este da vida imortal, o ladriio, com seu bicheiro,
este mata toda fome, e rapou-lhe o domingueiro.
porque nele Deus e homem
se contem. Na segunda parte passa o mote para "J<:i tomaram ao mo·
leiro / o pelote domingueiro", glosado como a reden<;äo que
qu'este manjar tudo gaste, Jesus, "neto do moleiro", trouxe ao homem:
porque e fogo gastador
que com seu divino amor Trinta e tres anos andou,
tudo abrasa. sem temer nenhum perigo,
moendo-se como trigo,
( Oo Santissimo Sacramento) ate que o desempenhou.
Com o seu sangue resgatou
para o pobre do moleiro
Corno ocorre na melhor tradi~iio popular anterior a Renas- o pelOte domingueiro.
cent;a, säo os slmiles mais· correntes, tomados ~s necessidades
materiais, como a nutrit;äo, o calor e o medicamento, que o poe- Quanta aos autos atribuidos a Anchieta ( 10 ), deve-se insistir
ta prefere para concretizar a emo~äo religiosa: na sua menor autonomia estetica: säo obra pedag6gica, que chega
a empregar ora o portugues, ora o tupi, conforme o interesse ou
Cordeirinha linda,
como folga o povo o grau de compreensä:o do pUblico a doutrinar. Formalmente,
porque vossa vinda 0 teatro jesultico, nessa fase mission<:iria inicial, esta preso a
lhe da lume novo!
. ......................... .
~
(10) Ver Teatro de Anchieta, S. Paula, Ed. Loyola, 1977 .

24 25
r
!

tradic;äo ibCrica dos vilancicos, que se cantavam por ocas1ao das Mas Anchieta, homem culto, educado em colegios da Com-
festas religiosas mais importantes. A documenta~ao do teatro panhia na Coimbra humanlstica dos meados do seculo XVI, e
rnedieval portugues e, como se sabe, escassissima; Leite de Vas- tambem destro versejador latino no poema De Beata Virgine Dei
concelos refere-se a uns "arrernedilhos" do perfodo trovadoresco Matre Maria, composto em 1563, na praia de lperoig, onde se
e a uma farsa incluida no Cancioneiro Geral ( *). Assim, e na encontrava como refem dos Tamoios.
tradic;äo oral que mergulha rafzes o teatro de Gil Vicente, cujo A obra, que narra a vida e as gl6rias de Nossa Senhora,
Mon6logo da Vaqueiro e
o primeiro documenta, sem dllvida apesar de vazada em corretos disticos ovidianos, est<i impregna·
tardio, do teatro portugues ( 11 ). da da linguagem bfblica e liturgica, e de glosas de Santo Arnbr6-
Os autos de Anchieta, como os rnist§rios e as moralidades sio e Säo Bernardo. Trata-se de um livro de devoc;äo marial a
da Idade Media, que estendiam ate o adro da igreja o rito litur- que o versa latino deu apenas uma p<itina renascentista. Ern
gico, materializam nas figuras fixas dos anjos e das demönios Anchieta, esse enxerto clcissico numa subst3ncia ingenuamente
os p6los do Bern e do Mal, da Virtude e do Vlcio, entre os quais medieval niio produz nenhum conflito, dado o carater ainda epi-
oscilaria 0 cristäo; daf, 0 seu realismo, que a primeira vista pa- dt!rmico do contato entre ambas as culturas. S6 no seculo
rece direto e 6bvio, ser, no fundo, alegoria. Dos oito autos que XVII, quando a Contra-Reforma ja tiver formado mais de uma
se costuma atribuir a Anchieta o mais importante e
o intitula- gera~äo em luta com a Renascen<;a e a Re"forma, e que nascerß
do Na Festa de Sao Lourenr;o, representado pela primeira vez um estilo feito de contradic;öes entre a mente feudal ( que sobre-
em Niter6i, em 1583. Consta de quatro atos e uma danc;a can- vive em nivel polemico) e as formas do "Cinque.::ento", que
tada em procissäo final. A maior parte <los versos est<i redigida vicejam e se multiplicam por sua pr6pria forc;a: esse estilo sera
em tupi, e o restante em espanhol e portugues. 0
Teatro de re- a ret6rica do barroco jesultico. Mas para o ap6stolo dos tupis,
vista indigena", chamou-lhe um leitor moderno, näo oferece, de o umaneirismo" ainda näo ultrapassou o plano escolar e o seu
fato, unidade de a<;äo ou de tempo: cenas nativas, luta contra verso e apenas o de um zeloso leitor de Virgllio e de Ovldio.( *)
os franceses, corridas, escorribandas diab6licas e fragmentos de
predica mistica superpöem-se nessa raps6dia e visam a converter Os "Dialogos das Grandezas do Brasil"
recreando ( 12 ). Os versos em portugues, em nUmero de qua-
renta, trazem a fala do Anja que apresenta as figuras simb61i- Nos primeiros decenios <lo seculo XVII, com a decadencia
cas do Amor e Temor, fogos, segundo ele, que o Senhor manda da extra<;äo de pau·brasil e o malogro das "entradas", firmou-se
para abrasar as almas, como o fogo material abrasara a de Säo a economia do ac;Ucar como a base material da Colönia ( 13 ): era,
Lourenc;o: portanto, de esperar que insistissem nessa tönica os escritos de
Deixai-vos dele queimar informac;äo e de louvor.
como o ma:rtir Säo Lourent;o
e sereis um vivo incenso, 0 documenta mais representativo, no caso, säo os Difllogos
que sempre haveis de cheirar das Grandezas do Brasil, datados de 1618 e atribuidos ao cris-
na corte de D~us imenso. täo-novo portugues Ambrosia Fernandes Brandiio ( 14 ) _ A obra
compöe-se de seis di<ilogos entre BrandOnio, que faz as vezes do
(*) Textos Arraicos, 4." ed., Lishoa, Livraria Cl<issica, Ed., 1959, colonizador bem informado, e Alviano, recem-vindo da Metr6pole
p. 212.
( 11) 0 Mon6logo ( 1502) foi escrito em espanhol, com notas ct:ni· ( ,, l A Anchieta atribui-se tambem a composir;äo do poema epico De
0
cas cm portugut:s. Scgundo palavras do pr6prio G. Vicente ( "e por ser Gestis .1.\fendi de Saa, em que se narram as lutas do 3. Governador-Geral
cousa nova cm Portugal ... "), infere-se que o A. foi o primeiro a lcvar contra os franceses. Edir;äo recomend<ivel, a cuidada pelo Pe. Armando Car-
para fora do espm;o religioso uma declama<;äo teatral (Ob. Compl., Lisboa, doso S. J ., que ta1nbem traduziu e comentou o texto ( S. Paulo, S. e., 1970).
Sa da Costa, 1959, vol. !, p. 7). (13) Cf. Von Lippmann, Hist6ria do Ap/car, 2 vols., 1941-42; Celso
Furtado, Hist6ria Econ6mica do Brasil, Rio, 1954.
(12). Cf. Claude-Henri Freches, "Le theUtre du P. Anchieta; con-
( 14) Ver DiJ/ogos das Grandezas do Brasil, S. Paula, Ed. Melhora-
tenu et structure'', in Annali, Institute Orientale, N<ipoles, 1961, vol
III. n.• 1 mentos, 1977.

26 27
e sequioso de notfcias sobre as riquezas da terra. E o quadro A atitude atravessarci, de resto, todo o perfodo- colonial, que trans-
destRs ja vem na abertura do livro: correu sob o signo da politica mercantilista do Antigo Regime:
bom exemplo dela seria, no princfpio do seculo XVIII a obra
BrandOnio - ( ... ) Pelo que, come~ando, digo que as rique- do jesulta italiano Antonil ( pseudönimo de Joao Antonio An-
zas do Brasil consistem em seis coisas, com as quais s·eus povoado-
res se fazem ricos, que sao estas: a primeira a lavoura do a0lcar a dreoni, 1650-1716?), Cultura e Opulencia do Brasil, quase toda
segunda a mercantia, a terceira o pau a que chamam da Brasil,' a centrada na economia e na politica a~ucareira ( j:i entäo em cri-
quarta es algodöes e madeiias, a quinta a lavoura de mantimentos se), motivo, ao que parece, da sua apreensäo e destrui~äo pelo
·a. sexta e Ultima a cria~ao de gados. De todas estas coisas o prin~ governo luso. E prova que, na condi~äo colonial, a informa-
c1pal nervo e subst3.ncia da riqueza da terra e a lavoura dos \äo e Util ate certo ponto ... ( 16 )
a~cares.
Um balan~o da prosa do primeiro seculo e meio da vida
Os Dialogos continuam nesse diapasao justapondo mil e um colonial da-nos elementos para dizer que 0 puro carater infor-
informes Uteis para o futuro povoador da terra. mativo e referencial predomina e pouco se altera ate o advento
Seria, talvez, precoce, nesta altura, tomar os elogios do do estilo barroco. E s6 com a presen~a deste na cultura euro-
reinol cU.pido por fatores nativistas em nossa literatura. Mas a peia, e sobretudo iberica, que surgid entre n6s uma organiza-
insistencia em descrever a natureza, arrolar os seus bens e his- ~äo estCtica da prosa: os sermöes de Vieira, a historiografia gon-
toriar a vida ainda breve da Colonia indica um primeiro passo g6rica de Rocha Pita e mesmo a alegoria moral de Nuno Mar-
da consciencia do colono, enquanto homem que ;a näo vive na ques Pereira ( apesar do didatismo que a marca) ja serao exem-
Metropole e, por isso, deve enfrentar coordenadas naturais dife- plos de textos literarios, isto e, de mensagens que näo se esgo-
rentes, que o obrigam a aceitar e, nos casos melhores, a repen- tam no mero registro de conteUdos objetivos, o que lhes acresce
sar diferentes estilos de vida. igualmente o peso ideol6gico.
E a medida que o mero conhecimento geogdfico vai sendo
dominado, abre-se caminho para sentir o tempo que correu, con-
di~ao primeira de toda historiografia.

Da cronica a historia: Frei Vicente, Antonil

Nero sempre e facil distinguir a cronica da hist6ria quando


se lida com textos coloniais. Entretanto, se e um fato que as
paginas de Gändavo e de Gabriel Soares de Sousa sabem antes
a relat6rio que a reflexäo sobre acontecimentos, joi na Hist6ria
do Brasil de Frei Vicente do Salvador ( 15 ) reponta o cuidado
de inserir a experiencia do colono em um projeto hist6rico Iu-
so-brasileiro. 0 que explica as crl'ticas de Fr. Vicente a relutfui-
cia do portugues em deixar o litoral seguro ( onde vive "como
caranguejo") e o conseqüente desleixo em face da riqueza po-
tencial da terra.
Pela vincula~ao constante que o historiador estabdece en-
tre informa>iio e poder, lembra de perto o autor dos Diillogos.
( 16) Do texto de Antonil h<i uma ecli~äo prefaciada por Afonso de
(15) FREI VICENTE DO SALVADOR (no seculo, Vicente Rodrigues Pa· Taunay (S. Paulo, Ed. Melhoramentos, 1923) c outra pela Profa. Alice
lha). Nasceu em Matoim, Bahia, em 1564 e morreu na mesma capitania Canabrava, Cia. Ed. Nacional, 1967. Cf. Jose Paulo Paes, "A A1ma do
entre 1636 e 1639. A Hist6ria do Brasil foi concluida em 1627, mas s6 Neg6cio", in Mistbio em Casa, S. Paulo, Comissäo de Literatura, 1961.
veio a ser publicada em 1889 por obra de Capistrano de Abreu.

28 29
,-
1

ECOS 00 BARROCO

L_
0 Barroco: espirlto e estilo

Seja qua! for a interpretac;äo que se de ao Barroco ( 17 ), e


sempre util ref!etir sobre a sua situac;äo de estilo p6s-renascen-
tista e, nos paises germänicos, p6s-reformista. ·
A Renascenc;a, fruto maduro da cultura urbana em alguns
centros italianos desde o prindpio da seculo XV, foi assumindo
configurac;öes especiais a medida que penetrava em nac;öes ainda
marcadas por uma poderosa presenc;a do esplrito medieval. No
caso portugues e espanhol, os descobrimentos marftimos leva-
tam ao apice uma concepc;äo triunfalista e messiiinica da Coroa
e da nobreza (rural e mercantil), concepc;äo mais pr6xima de
certos ideais cesaro-papistas da alta Idade Media que da dou-
trina do prlncipe burgues de Maquiavel. E durante todo o
secu!o XVI vincaram a cultura iberica fortes trac;os arcaizantes,
que a Contra-Reforma, a Companhia de Jesus e o malogro de
Alcacer-Quibir viriam carregar ainda mais ( 18 ).
Ora, o estilo barroco se enraizou com mais vigor e resistiu
mais tempo nas esferas da Europa neolatina que sofreram o
impacto vitorioso dos novos estados mercantis. E na estufa
da nobreza e do clero espanhol, portugues e romano que se
incuba a maneira barroco-jesultica: trata-se de um mundo ja em
defensiva, organicamente preso a Contra-Reforma e ao Imperio
filipino, e em luta com as areas liberais do Protestantismo e do
racionalismo crescente na Inglaterra, na Holanda e na Franc;a.
E instrutivo observar que o barroco-jesuitico näo tem nlti-
das fronteiras espaciais, ma• ideol6gicas. Floresce tanto na Aus-
tria como na Espanha, no Brasil como no Mexico, mas ja näo
se reconhece nas s6brias estruturas da arte coetiinea da Suecia e

( 17) V. Bibliografia, in fine.


( 1s) 0 seculo XVI foi o periodo aureo da Escolastica em Coimbra
e em Salamanca. Na literatura, a "medida velha", o teatro vicentino com
sua descendencia espanhola, a novela de cavalaria, a crönica de viagens e a
prosa ascetica e devota ilustram. a permanCncia das formas medievais.

jJ
da Alemanha, cujo "barroco" luterano ( que enforma a musica tante e vigiar-se para que 0 dogmatismo de uma op,ao näo nos
de Bach) e infenso a cxtremos gong6ricos da imagem e do som. Ea,a mergulhar na ininteligencia de uma das poucas atividades
Ha, portanto, um nexo entre o barroco hispin.ico-romano e to- que resgatam a estupidez humana: a arte.
da uma realidade social e cultural que se inflecte sobre si mes·
ma ante a agressiio da modernidade burguesa, cientifica e leiga. Suposto no artista harroco um distanciamento da praxis
( e do saber positivo ), entende-se que a natureza e o homem se
Tal inflexäo nio poderia ser, e a.äo foi, um mero retorno constelassem na sua fantasia como quadros fenomCnicos instS-
ao medieval, ao g6tico, a menie feudal da Europa pre-humanis- veis. lmagens e sons se mutuavam de v3rio modo sem que pu-
tica. A atmosfera do Barroco esta saturada pela experiencia do desse determinar com rigor o peso do identico, do ipse idem.
Renascimento e herda as suas formas de elocu>iio maduras e
crepusculares: o classicismo e o maneirismo. No entanto, a vi· A paisagem e os objetos afetam-no pela multiplicidade dos
seus aspectos mais aparentes, logo cambiantes, com os quais a
da social e outra; ourra a ret6rica em que se rraduzem as rela-
imagina,iio estetica vai compondo a obra em fun~iio de analo-
>öes quotidianas. Decalda a virtu renascimental em discrici6n
gias sensoriais. 0 orvalho e a pele clara podem valer pelo cris-
astuta quando niio hip6crita, mortificados os anseios humanisti- tal; 0 sangue peJo cravo Oll peJo rubi; 0 espeJho pela agua pura
cos, de que eram alto e belo exemplo a filosofia de _Pico della e pelo meta! polido. No mundo dos afetos, a "semelhan>•" en-
Mirandola, a pintura de Leonardo, o riso sem pregas de Ariosto volve os contrastes, de modo a camuflar toda perceP>iio nltida
e Rabelais, ensombra-se de melancolia o contato entre o artis· das diferen>as objetivas:
ta e o mundo: Tasso e Camöes, Cervantes e o Ultimo Shakespea-
re ja siio mestres de desengaiio. Incc!ndio em mares d'ligua disfar~do,
Rio de neve cm fogo convertido
Mas o esfriamento da antiga euforia niio destr6i os andai-
mes de uma linguagem construlda desde Giotto e Petrarca; ao ( Greg6rio de Matos)
contr:irio, säo os puros esquemas que restam e sustentam, nio
raro solitariamente, a vontade-de-estilo dos artistas. 0 c6digo lgual processo de identific3'1io ( ilus6ria, sensorial-näo ra-
sobreleva a mensagem: triunfa o maneirism~. cional) opera nos jogos de palavras, nos rrocadilhos e nos enig-
mas, fundados na similitude da imagem sonora de termos seman-
A aprecia,iio do Barroco tem oscilado entre a seca recusa, ticamente dispares:
comum aos cr!ticos da mensagem (De Sanctis, Taine, Croce) e
a quente apologia, peculiar aos anatomistas do estilo ( Woelfflin, Jaz a ilha chamada Itaparica
Balet, Spitzer, Damaso Alonso). As lacunas de ambas as pers- A qual no nome tem tambem ser rica.
pectivas niio siio diflceis de apontar: a nega>iio da arte barroca (Fr. Manuel Itaparica)
pela sua "carencia de conteUdo" e cega, pois e claro que o alhea·
mento da realidade, a fuga ao senso comum, enfim o descom· 0 labirinto dos significantes remete quase sempre a con-
promisso hist6rico e tambem conteudo. Quanta a atitude for- ceitos comuns que interessam ao poeta näo pelo seu peso con-
malista, resume-se em atribuir a priori um valor ao que se to- teud!stico, mas pelo fato de estarem ocultos. E o princlpio mes-
mara por objeto preferencial, OS esquemas, herdados peJa tradi- mo do conceptismo usar "de palavra peregrina que velozmente
>iiO classica e apenas rransfigurados ·por for,a de um complexo indique um objeto por meio de outro" ( Gracian, Arte de Inge-
ideol6gico. Ern suma, desvalorizar um poema barroco porque nio). 0 que importa, pois, e niio nomear plebeiarnente 0 obje-
"vazio" ou mitiza-lo porque rebuscadamente estilizado e, ainda to, mas envolve-lo em agudezas e tomeios de engenho, criterios
e sempre, cometer o pecado de isolar espfrito e forma, e nä.o basicos de valor na arte seiscentista. Os te6ricos da epoca siio,
atingir o plano da sintese estetica que deve nortear, em ultima nesse ponto, concordes:
instancia, o julgamento de uma obra. A tenta'8o, de resto, pa-
rece fatal, e näo sei de homem culto, por equilibrado que se Esta C a ArgUcia, grande mäe de todo conceito engenhoso, cla-
r:fssimo lumc da Orat6ria e P~tica Elocu-;äo, csplrito vital das
professe, que näo tenha alguma vez caido nela; mas o impor· mortas pSginas; prazeroslssimo condimento da Civil Conversa~o;

34 JJ
-~-. ·-==-------------------.--------------------------------
Ultimo esfor~o do lntelecto, vestigio da Divindadc na Alma Humana. so de uma sociedade que ja se liberou do absolutismo por direito
O falar dos Hamens Engenhosos tanto sc diferencia dos Plebeus,
quanto o falar das Anjas do das Hamens ( Emmanuclc Te- divino e come~a a praticar um misto de Ilustra~ä:o e gßlante li-
sauro) ( 19). bertinagem.
E na ace~ä:o estrita de "ret6rica pela ret6rica" Benedetto
Baltasar Graci:ln define a agudeza como "esplendida con- Croce esconjurou o Barroco definindo-o "forma pratica e näo es-
cordincia, correla~ä:o harmoniosa entri dois ou tr!s extremes ex- tetica do espfrito" (isto e, da VOfltade e näo da intuii;tio) e CO·
presses em um Unico ato de entendimento"( 20). mo tal, "varietä. del brutto"( 23 ).
A obsessiio do novo a qualquer pre~o e contraponto de uma Seja como for, a rejei~iio de uma certa poetica do Barroco
ret6rica ja repetida a saciedade. Valoriza-se naturalmente o que niio dispensa o crltico de esmiu~ar os tra~os de estilo das poe-
näo se tem: e mister "procurar coisas novas para que 0 mundo mas da epoca nem de sondar-lhes a genese cultural e afetiva.
resulte mais rico e n6s mais glorioses", diz o maior estilista bar·
roco italiano, Daniele Bartoli ( 21). 0 primeiro passo para o deslinde da morfologia barroca loi
A poetica da novidade tanto no plano das ideias ( conceptis· dado pelo historiador de arte Heinrich Woelfflin, cujo texto
mo) como no das palavras ( cultismo) desagua no efeito ret6ri- Renaissance und Barock ( 1888) abriu uma nova problematica
co-psicol6gico e na explora~iio do bizarro: que ainda hoje preocupa os estudiosos da forma. Mas s6 nos
Conceitos Fundamentais de Hist6ria da Arie ( Kunstgeschichtli-
E del poeta il fin la maraviglia, che Gründbegriffe), definiria a passagem ideal do c/Jssico ao
chi non sa far stupir vada alla striglia ba"oco em termos de uma passagem
( Giambattista Marino)
do linear ao pict6rico,
0 limite inferior dessa arte e o cerebrino. Corno diz Octa· da visäo de superficie a visiio de profundidade,
via Paz: "G6ngora niio e obscuro: e complicado" ( 22 ). E foi da forma fechada a forma aberta,
esse o limite das imitadores de G6ngora e de Marino, como um da multiplicidade a unidade,
certo Claudio Achillini que, apostrofando o 1ogo no trabalho da da clareza absoluta das objetos a clareza relativa.
forja, clamava:
Sudate o fochi a preparar metalli. Pict6rico inclui "pitoresco" e ucolorido"; projundo impli-
ca desdobramento de planes e de massas; aberto denota pers-
0 rebuscamento em abstrato e sem duvida 0 lado esteril do pectivas mU.ltiplas do observador; uno subordina, por sua vez, os
Barroco e o seu estiolar-se em barroquismo. Contra essa dete- vSrios aspectos a um sentido; clarez.a relativa sugere a possibili-
riora~iio do espfrito criador iriam reagir em Portugal e Espanha, dade de formas de expressiio esfumadas, ambiguas, näo-finitas.
nos meados do seculo XVIII ( e meio seculo antes, na ltalia) OS Na mesma esteira de analise interna, e contrapondo Classi·
poetas arcades, . ja imbuidos de ·neoquinhentismo e do "bom cismo e Barroco, de forma supratemporal, como duas categorias
gosto" frances. E o Rococ6 do seculo XVIII pode-se explicar eternas da arte, Eugcnio D'Ors (Du Baroque, 1913) inclui na
como um Barroco menor, mais adelga~ado e polido pelo consen- primeira "as formas que pesam" e na segunda uas formas que
voam".
(19) Apud Anceschi, Del Barocco e altre prove, Florenc;a, Vallecchi, Todos esses caracteres quadram bem a um estilo voltado
1953, p. 10. - H para a alusao ( e niio para a c6pia) e para a ilusii.o enquonto fuga
( 20) Apud R. Wellek, Hist6ria da Critica Moderna, Sao Paula, er- da realidade convencional.
der, vol. 1, p. 3.
(21) Apud Anceschi, op. cit., p. 15.
(22) Ern Corriente Alterna, Mt!xico, Siglo XXI, 1965, p. 6. (23) Ern Storia de!i'etll barocca in ltalia, Bari, Laterza, 1929.

36 J7
Pela riqucza de pormenoreS que encerra, transcrevo ahaixo XVIII pareceram de desvairado mau gosto, como ja pareciam
uma descric;äo da arquitetura barroca feita pelo crltico de arte perversöes do Classicismo a um Galileo, Ultima voz da imeli-
Leo Balet, que acentua a vo!Upia do movimento: gencia florentina, e aos cartesianos da corte de Luis XVI ( 25 ).
Na arquitctura o movimcnto ja aparcce nas plantas baixas quc
E entenderemos tambem a imagem barroca da vida como um so-
cm plena expansio rompem com as formas gcomCtricas fundamcn- nho (La vida es sueiio, de Calder6n), como uma comedia (EI
tais e por mcio de curvas c dobras~ caprichosas, saliCncias c recn· gran teatro del mundo). como um labirinto, um jogo de espe-
träncias abrandam toda a rigidez. As fachadas de igrcjas, dividi- lhos, uma festa, na llrica de G6ngora, de Marino, de Lope. Ern
das muitas vczcs cm cinco partes, os muros que se torcem como suma, entenderemos o triunfo da ilusäo que um desenganado mo-
serpentcs, os tetos que se arqueiam e as torrcs que se alargam c se
afina.m, saltam c se precipitam para cima sempre com novos arre- ralista napolitano, Torquato Accetto, Jouvou sob o nome de udis-
messos e, quando pcnsamos que a sua indocilidade vai finalmente simulazione onesta" e o seu contemporineo Graci:in estimava
acalmar-se, atiram ainda, atrevidamente, por cima das massas arqui· como o "dom de parecer".
tetdnicas algumas pontas semelhantes a foguetes cm ~o a imen-
sidade do cCu. Nas igrejas c castclos, onde cstcs eram de certo mo-
do acessiveis, antepunha-se um sistema de escadarias que, como cas-
catas de pedra, pareciam irrompcr do intcrior e larga e pesadamen- 0 Barroco no Brasil
tc;. prccipitar-se sobre o terreno. AtC mesmo a coluna de suporte, o
mais estatico dos elementos construtivos, foi animada. Torciam-se No Brasil houve ecos do Barroco europeu durante os seculos
cm espirais pelos altarcs acima. Tudo o que cra iispero se abran-
dava. Frisas bojudas saiam das superficies planas, encurvavam.-sc XVII e XVIII: Greg6rio de Matos, Botelho de Oliveira, Frei
os ingulos, as volutas volteavam-se sobre si mcsmas e rolavam como Itaparica e as .primeiras academias repetiram motivos e formas
vagas. 0 interior dos edificios era atapetado de ornamentos em do barroquismo iberico e italiano.
forma de folhas e ramos c, depois, de rocalhas, quc sc csgueiravam
pclas molduras. Nenhum m6vel permanccia, afinal, cstavel. Tudo
Na segunda metade do seculo XVIII, porem, o ciclo do
oscilava e dant;ava sobre pernas recurvadas, atravO das salas que ouro ja daria um substrato material a arquitetura, a escultura e
palpitavam de uma vida misteriosa, e que, com as paredcs de espe- a vida musical, de sorte que parece llcito falar de um "Barroco
lhos, eram inatingfveis, ilimitadas e infinitas. Tudo era construido brasileiro" e, ate mesmo, "mineiro", cujos exemplos mais signifi-
sobrc luz e sombras para assim completar a 1Iusäo dos ediffcios quc cativos foram alguns trabalhos do Aleijadinho, de Manuel da
se moviam e respiravam em todas as suas pa.rtes ( 24).
Costa Ataide e composic;öes sacras de Lobo de Mesquita, Marcos
Coelho e outros ainda mal identificados ( 26 ). Sem entrar no me-
E de esperar que os recursos dessa visäo do mundo· sejam, rito destas obras, pois s6 a analise interna poderia informar sobre
na poesia, as figuras: sonoras (alitera~io, assonincia, eco, ono- o seu grau de originalidade, importa lembrar que a poesia coeta-
matopeia ... ), sintaticas ( elipse, inversäo, anacoluto, silepse ... ) nea delas ja näo e, senäo residualmente, barroca, mas rococ6, ar-
e sobretudo semänticas (metafora, metonlmia, sinedoque, anti·
c::idica e neocl3ssica, havendo portanto uma discronia entre as
tese, cHtnax ... ), enfim todos os processos que reorganizam a
formas expressivas, fenömeno que pode ser variamente expli-
linguagem comum em fun~äo de uma nova realidade: a obra, o
cado. Acho razoavel a hip6tese de que o nivel de consciencia
texte, a composi~o. ·
Se partirmos da cxegese do estilo barroco em termos de cri·
se defensiva da Europa pre-industrial, aristocratica e jesuitica, ( 25) Galileo rejeita o cultismo e declara preferir a clareza de Ariosto
perante o avan~o do racionalismo burguSs, entio entenderemos ä.s sombras de um T asso prC-barroco ( Considerazioni intorno alla Geru-
o quanto de angilstia, de _desejo de fuga e de ilimitado subjetivis- salemme Liberata). Na F.rant;a cai logo em ridiculo a "prCciosit6" c, no
mo havia nessas lormas. Aos esplritos racionalistas do seculo plano Ctico, um Pascal janscnista satiriza o laxismo dos jesuftas tiio grato
a nobreza (Les Provinciales; d. a bela analise de L. Goldmann, Le Dieu
cacbe, Gallimard, 1956).
(24) Apud Hannah Levy, A Prop6rito de Trer Teoriar robre o Bar- ( 26) Cf. Fernando Correia Dias, "Para uma sociologia do Barroco
roco, Pub!. do GrCmio da Faculdade de Arquitctura e Urbanismo da Univ. mine:iro", in Barroco, Revista de Ensaio c Pcsquisa. ano 1, n.• 1, 1969,
de S. Paulo, 19'5, p. 18. pp. 63-74.

JB J9
dos produtores da literatura arddica se achava muito mais pr6-
1
1

ximo da Ilustrac;äo burguesa europeia do que o dos mestres-de-


-obra e compositores religiosos de Minas e Bahia ( cujos modelos
remontam ao Barroco seis-setecentista). Assim, o Aleijadinho;
gue esculpe e constr6i nos !ins do seculo XVIII, ignora o Neo-
classicismo; e a musica de Lobo de Mesquita e de Marcos Coe-
lho Neto lembra Vivaldi e Pergolese e quando nos sugere ca-
dencias de Haydn, trata-se antes do Haydn sacro, mel6dico e
italianizante (logo, ainda barroco) do que do mestre da sinfo- AUTORES E OBRAS
nia clBssica ( 27 ).
De qualquer modo, e possivel distinguir: a) ecos da poe- l
sia barroca na vida colonial ( Greg6rio, Botelho, as academias) A "Prosopopeia" de Bento Teixeira
e b) um esrilo colonial-barroco nas artes plBsticas e na mUsica,
que s6 se tornou uma realidade cultural quando a explorac;äo
1
Na esteira do Camöes c!pico e das epopCias menores das
das minas permitiu o florescimento de nucleos como Vila Rica, fins do seculo XVI, o poemeto em oitavas her6icas A Prosopo-
Sahara, Mariana, Sao Joäo d'El Rei, Diamantina, ou deu vida no- peia, de Bento Teixeira ( 28 ), publicado em 1601, pode ser con-
va a velhas cidades quinhentistas como Salvador, Recife, Olinda siderado um primeiro e canhestro exemplo de maneirismo nas
e Rio de Janeiro. letras da colönia ( 29 ) •
A intens:äo e encomiastica e o objeto do louvor Jorge de
Albuquerque Coelho, donatario da capitania de Pernambuco, que
encetava a sua carreira de prosperidade gras:as a cana-de-a<;Ucar.
A imitac;iio de Os Lusiadas e assfdua, desde • estrutura ate 0 USO
dos chavöes da mitologia e dos torneios sintaticos. 0 que ha de
näo-portugues ( mas näo diria: de brasileiro) no poemeto, como
a "Descris:äo do Recife de Pernambuco", "Olinda Celebrada" e
o canto dos feitos de Albuquerque Coelho, entra a tftulo de lou-
vat;äo da terra enquanto colönia, parecendo precoce a atribuic;äo
de um sentimento nativista a qualquer dos passos citados.
( 28) BENTO TEIXEIRA ( 1561, Porto - 1600, Lisboa). Cristäo-novo,
priroeiro caso de intelectual leigo na hist6ria do Brasil: formou-se no Cole.
gio da Bahia onde ensinou atf fugir para Pemambuco, af se homiziando
por ter assassinado a esposa. A redac;äo da Prosopo:peia data desse perfodo
e tera sido ditada pela urg~ncia de assegurar o benepltlcito <los poderosos.
Processado e preso pela lnquisic;äo, que o acusa de pr8ticas judaizantes,
confessa e abjura pouco antes de morrer. Ver Galante de Sousa, Em torno
do poeta Bento Teixeira. S. Paula, Instituto de Estudos Brasileiros, Univ.
de S. Paula, 1973.
( 29) 0 termo entende-se aqui: a) na sua ace~o mais pobre de
estilo (J maneira de um autor jS: consagrado, no caso, a maneira de Ca-
( 27) Cf. Curt Lange, "La mUsica en Minas Gerais durante el siglo
XVIII", in Revista S.O.D.R.E., Montevideu, 1957. Idem - "A Or-
ganiza\iio musical durante o periodo colonial brasileiro", nas Actas do V
l möes; b) na ace~ao de prb-barroco, s6 enquanto ilustra a tendbtcia lite-
rS:ria, pr6pria dos fins do seculo XVI, de retomar como valores em si
modos de expressao do Renascimento tardio (Cf. Fidelino de Figueiredo,
Col6quio Internacional de Estudos Luso-Brasileiros, Universidade de Coim- A Epica Portuguesa no Seculo XVI, S. Paulo, Faculdade de Filosofia,
bra, 1966, vol. IV. \ Ciencias e Letras da Universidade de Sao Paula, 1938),

40 1 41
1

1
j
1

Greqorio de MatOt1 Muitos mulatos desavergonhados,


1
Trazidos sob os pCs de homens nobrcs,
Pocsia muito mais rica, a do baiano Greg6rio de Matos Guer- Postaa nas palmas toda a picardia,
ra ( 162.3-1696), que interessa näo s6 como documcnto da vida 1 Estupendas usuras nos mcrcados,
Todos os que näo furwn muito pobres:
~
social dos Seiscentos, mas tambem pelo nfvel artfstico quc E eis aqui a cidadc da Bahia.
atingiu (so ).
("Descrwe o que era natJuele Jempo a cidade da Bahia")
Greg6rio de Matos cra homem de boa forma~io bumanfs-
tica, doutor in utroque ;ure pela Universidade de Coimbra: ma· ~ As suas farpas dirigiam-se de preferencia contra os fidalgos
zclas e azarcs tangeram-no de Lisboa para a Bahia quando ja se "caramurus" em que ja acusa a presen~a de sangue indio:
abeirava dos cinqüent'anos; mas entre n6s nao perdcu, antes cs- Quc c fidalgo nos ossos cremos n6s,
pica~ou o vezo de satirizar os desafetos pessoais c politicos, mo- Pois nisso consistia o mor brasäo
Daqueles que comiam seus avcSs.
tivo de sua deporta~io para Angola de onde voltou, um ano an-
tes de morrer, indo parar em Recife que foi a sua Ultima morada. E como isto lhc vcm por gerar;äo,
Lhe ficou por costwne cm seus teir6s
Tcm-se acentuado os contrastes da produ~äo literliria de Gre- Mordcr os que prov~ de outra na~ .
g6rio de Matos: a satira mais irreverente altema com a contri· ("A certo fidolgo caramuru")
~äo do poeta devoto; a obscenidade do "capad6cio" (Jose Verls·
simo) mal se casa com a pose idealista de alguns sonctos petrar- Greg6rio moteja aqueles senhores de engenho que, ja me.s-
quizantes. Mas cssas contrad~öes nao devem intrigar quC'm co- ti~ados de portugues e tupi, presumiam igualar-se em prosap1a
nhece a ambigüidade da vida moral que servia de fundo a edu- com a velha nobreza branca que formaria o "antigo estado" da
ca~ao iberico-jesuftica. 0 desejo de gozo e de riqueza säo mas- Bahia. E e com olhos de saudade e culpa que o poeta ve o novo
carados formalmente por uma ret6rica nobre e moralizante, m~s mercador lusitano e OS associados deste na Colönia avidos de
afloram com toda brutalidade nas rela~öes com as classes servts lucro e interessados em trocar por ninharias o ouro doce das
que delas saem mais aviltadas .. D~i.' o "populi~mo" chu~o .que moendas. No forte e bem travado soneto "Triste Bahia", Gre-
irrompe as . vezes e, longe de s1gruf1car uma autude antiaris:o- g6rio se identifica com a sua terra espoliada pelo negociante de
e
cratica, nada mais que valvula de esca~e p~~-a i.relhas obsessoes fora, o " sagaz Brichote", e impreca a Deus que fa~a tomar o
sexuais ou arma para ferir os poderosos mveia~os . Conhece,?l:se velho tempo da austeridade e da contensäo:
as diatribes de Greg6rio contra algumas autortdadcs da c5>lorua, Triste Bahia! 0 quio dessemelhante
mas tambem palavras de desprezo pelos mesti~os e de cobi~a pefas Estlis e estou do nos5o antigo esta.do!
Pobre te vejo a ti, tu a mi cmpcnhado,
mulatas. A situa~äo de "intelectual" branco näo bastante pres- Rica te vi eu jli, ni a mi abundante.
tigiado pelos maiores da terra ainda mais lhe pungia o amor-pro-
A ti trocou-te a m'quina mercante,
prio e o levava a estiletar as cegas todas as classes da nova so- Que em tua Jarga barra tem entrado,
ciedade: A mim foi-me trocando, e tem trocado,
A cada canto um grande ·-conselheiro. Tanto neg6cio e tanto negociante.
Quc nos quer governar caba~a e vinha; Dcste em dar tanto a~car excclcntc
Näo sabcm governar sua cozinha, Pelas drogas imltcis, que a~clhuda
E podem governar o mundo inteiro. Simples aceitas do sagaz Brichote.
Ern cada porta um bem freqücnte olheiro,
Que a vida do vizinho c da vizinha Oh se quisera Deus que de repente
Pesquisa, cscuta, cspreita c esq.uadrinha,
Um clia amanhcceras tio sisuda
Que fora de algodio o teu capote!
Para o levar ii prar;a c ao terre1ro.
Araripe JUnior, n~ 7studo que. dedico~ .a Gr~g6rio, deixou
( 30) Cf. a edir;äo mais completa de suas poesias, cm 7 vols., pela Edi- claro que 0 tipo de com1Cldade peculiar ao satlro baiano e 0 opos-
tora Janaina, Bahia, 1968. Sobre o poeta: S. Spina, Greg6rio de Matos, cm to da "alegria gaulesa" de Rabelais, tolerante no ~u descansado
A Literatura no Brasil (dir. de Afranio Coutinho), Rio, Ed. Sul-America-
na, 1955, vol. 1, t. 1, pp. 363,376; Jose Miguel Wisnik, Greg6rio de Matos epicurismo. "Nada disso se encontra em Greg6rio de Matos.
- Poemas Escolhidos, S. Paulo, Cultrix, 1977.
42 I· 4)
\.
1
Ü efeito para OS leitores de hoje e COffilcO e talvez mais ludico
Pessimismo objetivo, alnia maligna, carater rancoroso, relaxado
por temperamento e costumes, o poeta do "Marinicolas" verte do que satirico; mas no contexto da cultura do tempo decerto
fel em todas as suas satiras; e, apesar de produto imediato do soava forte a nota mordaz, ja que o alvo de Greg6rio era pör
meio em que viveu, desconhece a sua cumplicidade, pensa rea- em ridkulo os fumos das "principais da Bahia", "cujo torpe
gir quando apenas o traduz, cuida moralizar quando apenas se idioma e Cobepa" :
enlameia" ( si). • Ha coisa como ver wn Paiaia
A truculencia do juiz e a outra face do trovador obsceno: Mui prezado de ser Caramuru,
contraste primario que, dada a mediania humana e ardstica de Descendente do sangue de tatu,
Greg6rio, näo desagua no eros religioso atingido pela alta poesia .1 e
Cujo torpe idioma Cobepa?
i) A linha feminine e Carima,
barroca de Tasso e Donne, Silesius e Sor Juana Ines de la Cruz. Muqueca, pititinga, caruru,
Resta ver a for<;a artesanal, que e patente em um verseja- Mingau de puba, vinho de caju
dor habil como Greg6rio. Alguns de seus sonetos sacros e amo- Pisado nwn piliio de Piraja.
rosos transpöem com brilho esquemas de G6ngora e de Queve- A masculina e um Arioobe,
do e valem como exemplos do gosto seiscentista de compor s1- Cuja filha Cobe, c'um branco Pai
miles e contrastes para enfunar imagens e destrin<;ar conceitos. Dormiu no promont6rio de Passe.
Concretizando, por exemplo, a intui<;ao do tempo fugaz, 0 branco e um Marau que veio aqui:
assim fecha um soneto quase-plagio de G6ngora: Ela e uma fndia de Mare;
Copeba, Aricobe, Cobe, PaL
0 niio aguardes, que a madura idade
Te converta essa flor, essa bele2a, Ern toda a sua poesia o achincalhe e a demincia encorpam-
Em tetra, em cinza, em p6, em sombra, em nada. -se e movem-se a for~a de jogos sonores, de rimas burlescas, de
Ou, moralizando sobre a vaidade da vida terrena, motivo uma sintaxe apertada e ardida, de um l6xi.co incisivo, quando
barroco por excelencia, distribui sabiamente as imagens da rosa, näo retalhante; tudo o que da ao estilo de Greg6rio de Matos
da planta e da nau para reuni-las enfim no Ultimo terceto: uma verve näo igualada em toda a hist6ria da satira brasileira
E a vaidade, Fabio, nesta vida,
Rosa, que da manhii lisonjeada,
- posterior.
PUrpuras mil, com ambicao dourada, Botelho de Olivei:ra
Airosa rompe, arrasta presumida.
:B plante, que de abril favorecida Mas nada ilustra tao cabalmente a presen~a do gongorismo
Por mares de soberba desatada, entre q6s do que a obra de Manuel Botelho de Oliveira ( 1636-
Florida galeota cmpavesada, -1711 ) , tambem baiano e bacharel em Direito pela Universida-
Sulca ufana, navega destemida. de de Coimbra. Deu a publico em 1705 a col~o das seus poe-
E nau enfim, que em. breve ligeireza. mas sob o tftulo de Musica do Parnaso - dividida em quatro co-
Com a presuncao de Fen~ generosa,
Galhardias apresta, alentos preza: ros de rimas portuguesas, castelhanas, italianas e latinas, com seu
descante comico reduzido em duas comedias ["Hay amigo para
Mas ser planta, ser rosa, nau vistosa
De que importa, se aguarda sem defesa amigos" e " Amor, Engafios y Celos"] ( 82 ).
Penha a nau, ferro a planta, tarde a rosa? Estamos diante de um poeta-literato stricto sensu, capaz de
( Desenganos da vida humana metaforicamente) escrever com igual perkia em quatro idiomas e nas varias for-
Um veio novo, aberto pelo poeta nesses anos de triunfo do mas fixas herdadas aos trovadores e aos renascentistas: sonetos,
cultismo iberico, foi o recurso a vozes da Hngua tupi (e, mais ( s2) Ed. recomendavel e a 3.•, prefaciada e organizada por Antenor
raramente, africana), fiando-as no tecido da sua dic~äo barroca. Nascentes (Rio, Institute Nacional do Livre, 1953 ). De edi~äo recente
e a Lyra Sacra (S. Paula, Comissao Estadual de Literatura, 1971), cujo
(31) Em Greg6rio .de Matos, Rio, 1849; citado da Obra Critica, Rio, pr6logo vem datado de 1703.
MEC, 1960, vol. II, p. 389.

44 45

l
)
madrigais, redondilhas, romaro:es, epigramas, oitavas, dCcimas ...
O virtuosismo em Botelho de Oliveira apela abertamente para
OS modeios da epoca, que eie cita llO pro!ogo chamando-Jhes 0
l Cito ao acaso dos Coros de rimas portuguesas, lembrando
que naturalmente s6 os contextos esclar!'cem os slmiles ocultos ...
Os jogos anal6gicos remetem a uma perspectiva inst8vel e ex-cen·
delicioso Marino, o culto G6ngora, o vastlssimo Lope. E a lei- trica do homem no mundo. Tudo se parece, e os extremos que
tura da Musica da Parnaso da um mostruano completo das fi- se tocam podem fundir-se por obra da metamorfose, outro prin-
guras repisadas pelos barroquistas, cuia anBlise ja foi feita pa- dpio iluminador dos processos barrocos.
cientemente por Eugemo Gomes no ensaio "0 Mito do Ufanis- Outra constante da linguagem marinista e o acentuar dos
mo"( 33 ) para o qua! remeto o leitor interessado. contrastes, reduzindo-os ao paradoxo, isto e, a violenta jun~äo
Parece-me, porem, util insistir em duas matrizes que subja- dos opostos. Estilo do "eterno retorno", precisa do diferente,
zem aos diversos processos estilisticos de Botelho, pois valem do outro, mas s6 para explorar o amalgama dos contrarios. Que
para o gongorismo em geral. a fusäo se opere apenas no plano sonoro ou imagis tico e näo no
A primeira reside no principio da analogia desfrutado em plano l6gico-semiintico, e prova do carater arbitrario, ludico, da
todas as suas possibilidades; gra~as a ele, qualquer aspecto da visäo barroca da existf:ncia. As combina~öes engenhosas säo uma
realidade sera refrangido em imagens tomadas • contextos se- casca pintada da ordern vislvel a ocultar o acaso, a desordem
manticos diversos. Se, por exemplo, o poeta quer fa!ar da for- real e o alheamento do artista em relac;äo a uma natureza racio-
mosura da amada, a analogia-chave com o so! abre-se em leque: nal. E no fundo, a ideologia do barroco iberico e a negai;äo da-
e o sol voltar:i como esfera, luz, chama, raio e sombra ("Sol e quele real, c6smico e humano, cognosdvel, que fora o objeto
Anarda"). Chora a bela Anarda? Aljöfar, fio, chuva, cristais e do pensamento renascentista e que a filosofia de Descartes, de
prata serao seu pranto ( Ponderafiio das lagrimas de Anarda). Bacon e de Locke estavam procurando abra~ar.
Ou e o porte de mulher inacess!vel que encanta o poeta? Entao
a indiferen~a sera vento, seta de prata, nuvem denegrida, golpe, Essa ideologia faz do poema o ponto de encontro das trans-
tormento e tempestade ( Rigores de Anarda por ocasiiio de um forma~öes imposslveis:
temporal). E vao por ai as metaforas e os slmbolos, mais co- Ardem chamas n'tigua, e como
piosos na llrica barroca do que em qualquer oiltro estilo hist6rico. vivem das chamas, que apura,
A analogia, aproximando palavras em f~ao de suas cama- säo ditosas Salamandras
as que säo nadantes turbas.
das senslveis ou l6gicas, tambem conduz a colagens bizarras de
substantivos e adjetivos cujo efeito e 0 puro ins6lito: Meu peito tamb6D, que chora
de Anarda ausencias perjuras,
lagrimoso alento, o pranto em rio transforma,
nOcar lastimoso, o suspiro em vento muda.
resplandor queixoso,
propinas forfosas, ( Anarda passando o T eio em uma barca)
ingrato sol,
males desvefiuJos, E bem. que desate Anarda
piedosas grandezas, de tanto sangue os embargos,
belas suieiföes, sendo o sangue rio alegre,
tempestades lagrimosas, sendo Anarda abril galhardo.
pasmos lindos,
azeviche tibio,
brigas fermosas. Se bem num e noutro efeito,
laz Amor milagre rare;
(SS) Em A Literatura no Brasil, vol. I, t. 1, cap. 12 (V. Bibliografia, pois a neves "Une rosas,
in fine). 0 leitor tambem encontrarii. uma boa caracterizat;äo formal de Bo-
pois dezembros une a maios.
telho e de toda a poesia gong6rica brasileira em P&icles EugCnio da Sil-
va Ramos, Poesia Barroca, Antologia, Ed. Melhoramentos, 1967, pp. 9-26. ( Anarda sangrada)

46 41
Contra amorosas venturas
E de Medusa teu !osto, t~nio Vieira ( Llsboa, 1608 - Bahia, 1697 ). Figuras secunda-
E nos castigos do gosto tlas, ~as de modo algum medlocres, Q Padre Eusebio de Matos
Sao cobras as iras duras; (Babia, 1629-92), irmäo do poeta Greg6rio eo Padre Antönio
As transformai;öes seguras de Sa (Rio, 1620-78). '
Achariis em meus amores;
Pois ficando nos ardores Existe um Vieira brasileiro, um Vieira portugues e um Viei-
Todo mudado em finez.as, ra ~uropeu, e es.sa riqueza de ~öes deve-se näo apenas ao
Sou firme pedra as tristezas, carater supranaoonal da Companhla de Jesus que ele täo bem
Sou dura pedra aos rigores.
( Compara,äo do rosto de Medusa com o de Anarda) encarnou, como 8. sua estatura humana em que näo me parece
exagero recoohecer tra~s de genio.
Costuma-se lembrar de Botelho de Oliveira o poemeto A
Ilha da Mar~ - Tenno desta Cidade da Bahia, em tudo gong6- No fulcro da personalidade do Padre Vieira estava o dese-
rico, e que tem sido destacado da Musica do Parnaso por mera jo da a>äo. A religiosidade, a s6lida cultura humanfstica e a pe-
razäo de assunto: descreve um recanto da paisagem baiana e alon- ri.cia verbal serviani, nes~c m~tante incanstivel, a projetos gran-
ga-se na exalta~äo do clima, dos animais, das frutas. 0 criterio diosos, quase. sempre qwmet1':°s, mas todos nascidos da utopia
nativista privilegiou esses versos ( que näo raro afloram o ri- contra-reform1sta de uma lgreia Triunfante na Terra sonho me-
diculo) vendo nos encömios aos melöes e as pitombas um tra- clieval que um Imperio portugues e missionario to;naria afinal
realidade.
~o para afirmar o progresso da nossa consciencia liter3ria em
detrimento da Metropole. Mas um criterio formal rigoroso niio Antönio Vieira nasceu em Lisboa mas ainda menino veio
chegaria por certo 3.s mesmas conclusöes com os pais para a Bahla. Af estudou' no Colegio dos jesultas.
0 seu brilho de precoce orador e latinista despertou a aten~iio
Menores dos superiores que o incumbiram de ensinar Ret6rica aos novi-
0 mesmo se da com a Descrifäo da Cidade da Ilha de Ita- >Os de Olinda. Ordenado em 1634, encetou a carreira de pre-
parica, poema de Frei Manuel de Santa Maria ltaparica ( Bahla, gador que logo cooheceu o exitQ do Sermäo pelo bom sucesso das
1704 -? ) , autor tambem de uma epopeia sacra, Eustaquidos armas de Portugal contra as de Holanda, celebre pela "ap6stro-
( 1769). Ern ltaparica, menos do que uma"voz do puro culris- fe atrevida" a Deus para que sustasse a vit6ria dos hereges fu-
mo e mais acertado ver um fraqulssimo imitador de Camöes e . turos destruidores das imagens sagradas: Exsurge, quare obdor-
dos epicos menores do seculo XVII. Outro camoniano, Diogo mi.<, Domine? As guerras· do seculo entre as potencias mercan-
Grasson Tinoco, provavelmente paulista, autor de um poema tis pelo monop6lio do a.Ucar afiguravam-se ao jovem levita for-
sobre 0 descobrimento das "esmeraldas"' s6 e conhecido em vir- midandos embates teol6gicos e ele faz seus os anatemas do ca-
tude da men~äo que lhe faz Clauclio Manuel da Costa no poema tolicismo espaohol contra os calvinistas.
"Vila Rica", transcrevendo-lhe quatro estincias, as Unicas que Mal chega il Bahla a notlcia da restaura~o, Vieira parte pa-
chegaram ate n6s. Pelo fragmento depreende-se que a obra de ra Lisboa. Com~va o compromisso com a tenta>äo jesuftica
Grasson Tinoco seria um documet;tto estim3vel das bandeiras nos de dar cobertura ideol6gica aos projetos do poder, como faria,
fins dos Seiscentos. com mais Cxito, o seu contempor3neo Bossuet no T raite de Po-
Pernambuco, invadido pelos holandeses, conheceu tambem litique tiree de l'fi.criture Sainte. Mas o.Portugal de D. Joäo IV,
o seu epico, Frei Manuel Calado, autor de V aloroso Lucideno e egresso de sessenta anos de dominio espanbol, atado pela Inqui-
Templo da Liberdade ( 1648), em louvor de Joiio Fernandes Viei- si~äo e pela ruinosa politica de preda>iio colonial, näo era a
ra, o her6i portugues da resistencia. A maneira e toda camoniana- Fran>a ascendente de Luls XIV. E os sonhos de Vieira, mais
A prosa. Vieira. ousados que os tacteios da Casa de Bragan,a, passaram a cho-
ca~-se com toda sorte de resistencias.
A prosa barroca esta representada em primeiro plano pela
orat6ria sagrada dos jesultas. 0 nome central e o do Padre An- No seu esplrito verdadeiramente barroco fermentavam as
ilusöes do estabelecimento de um Imperio luso e cat6lico, respei-
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tado por todo o mundo e .servido·pelo zelo do rei, da nobreza, nos ha de fazer duas covas de mandioca? Häo de ir nossas mu-
do clero. A realidade era bem outra; e do descompasso entre lheres? Häo de ir nossos filhos?"), responde virilmente: "Quan-
ela e os planos do jesulta lhe adveio mais de um reves. Corno do a necessidade e a consdenda obrigam a tanto, digo que sim,
interprete fantasioso dos textos biblicos em fun>äo do sebastia· e torno a dizer que sim; que v6s, vossas mulheres, que vossos
nismo popular ( 34). ve frustradas as suas profecias alem de atrair filhos, e que todos n6s nos sustentissemos dos nossos bra9Js;
suspeitas para as suas obras "heretica§" Quinta Imperia, Hist6· porque melhor e sustentar-se do suor pr6prio, que da sangue
ria da Futura e Clavis Praphetarum. alheio. Ah! fazendas do Maranhäo, que se esses mantos e essas
Advogado dos cristäos-novos (judeus conversos por medo capas se torceram, haviam de lan~ar sangue!"
ils persegui~öes), suscita o 6dio da lnquisi,äo que o mantera a . Nem se diga que Vieira foi insensivel ao escravo negro pre-
ferros por dois anos e lhe cassara o uso da palavra em todo Por- terindo-o no ardor da defesa ao indigena. No Sermäa XIV da Ra-
tugal. Enfim, batido na Europa, conhece no Maranhäo as iras sario, pregado em 1633 a Irmandade dos Pretos de um engenho
dos colonos que näo lhe perdoam a inoportuna defesa do nativo. baiano, ele equipara os sofrimentos de Cristo aos dos escravos,
0 saldo de suas lutas foi portanto um grande malogro. E ideia tanto mais forte quando se lembra que os ouvintes eram os
a Portugal näo restava senäo palmilhar o caminho da decadencia pr6prios negros:
resumido no desfrute cego das riquezas coloniais, entäo o a.Ucar, "Ern um engenho sois imitadores de Cristo Crucificado: por-
logo depois o ouro, que iria dar seiva ao capitalismo ingles em que padeceis em um modo muito semelhante o que o mesmo
gesta~äo. Senhor padeceu na sua cruz, e em toda sua paixäo. A sua cruz
De Vieira ficou o testemunho de um arquiteto incansavel de foi composta de dois madeiros, e a vossa em um engenho e de
sonhos e de um orador complexo e sutil, mais conceptista do que tres. ( ... ) Cristo despido, e v6s despidos; Cristo sem comer,
cultista amante de provar ate o sofisma, eloqüente ate a ret6- e v6s famintos; Cristo em rudo maltratado, e v6s maltratados
rica, m~s assim mesmo, ou por isso mesmo, estupendo artista da em tudo." Ao engenho de at;Ucar chama udoce inferno" pin-
tando-o com todas as cores que a sua imagina~äo medieval e ina-
palavra.
ciana Ihe sugeria. No entanto, esse poder de fantasia näo ene-
E de leitura obrigat6ria o Sermäa da Sexagesima, proferido voava na consdenda do homem o fato bruto da explora~ao do
na Capela Real de Lisboa, em 1655, e no qua! o orador expöe servo pelo senhor: "Eies mandam, e v6s servis; eles dormem, e
a sua arte de pregar. v6s velais; eles descansam, e v6s trabalhais; eles gozam o fruto
Ao leitor brasileiro interessam particularmente: de vossos trabalhos, e 0 que v6s colheis deles e um trabalho so-
- o Sermäa da Primeira Daminga da Quaresma, pregado bre outro. Näo ha trabalhos mais doces que os das vossas ofid·
no Maranhäo, em 1653. Nele o orador tenta persuadir os colo- nas; mas toda essa do~ra para quem e? Sois como as abelhas,
nos a libertarem os indigenas que lhe fazem evocar os hebreus de quem disse o poeta: "Sie vos non vobis mellificatis apes"( 35 ).
cativos do Fara6. Prevenindo as obie>öes dos senhores ( "Quem Vieira mostrou-se superior ao meio em que o destino o co-
nos ha de ir buscar um pote dagua, ou um feixe de lenha? Quem locara, e onde fatalmente deveria malograr aquele arquiteto de
sonhos.
( 34) CL J, LU.cio de Azevedo, A Evolufäo do Sebastianismo, Lisboa; 0 nome do Padre Antönio Vieira esta hoje incorporado a
Livraria Cl:issica Ed., 1947. Os textos de base para entender os anelos
messi8.nicos do tempo säo as Trovas de Goni;alo Anes, sapateiro de al- lenda e soa na palavra do poeta:
cunha o Bandarra; escritas por volta de 1540 e sujeitas logo a processos
da Santo Oficio, foram adaptadas, primeiro a figura de D. Sebastiäo 0 cfu estrela o azul e tem grandeza.
(t 1578) e, mais tarde, por Vieira, sucessivamente a D. Joäo IV, Afonso Este, que teve a fama e a gl6ria tem,
VI e D. Pedro. Bandarra falava apenas no Encoberto que viria estabele· Imperador da lingua portuguesa,
cer para sempre o reino da Justic;a. Foi·nos um ceu tambem.
Para os textos de Vieira recomenda-se a edic;äo das Obras Escolhidas,
em 12 vols., aos cuidados de Ant6nio Sergio e Hern3ni Cidade ( Lisboa, (35) Verso atribufdo a Virgilio: "Assim v6s, mas näo para v6s, fa-
Livr. Sa da Costa Editora). bricais o mel, abelhas".

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No imcn~o. espa~o seu de meditar,
Constelado de forma e de visio, da "precursora do romance brasileiro" ( 36 ). Escrevendo j::i em
Surge, prenUncio claro de luar, meados do seculo XVIII, Teresa Margarida ultrapassa os Jimi.
El-Rei Dom Sehastiio. tes do Barroco niio s6 hist6rica mas ideo!Ogicamente: o conteil-
do das suas alegorias tem ja um sabor iluminista · e atras de
Mas nä:o, niio C luar: C luz do ctCreo.
uma prosa ainda afetada de cultismos entrev~-se o ~or il ordern,
i;: um dia; e, no cCu amplo_ de dcsejo,
A Madrugada irreal do• Quinto Imp&io
ii simplicidade e As virtudes racionais que a ciwcia e a nova pe-
Doira as margens do Tejo. dagogia afrancesada vinham pregando. Alias, o seu pr6prio men-
tor literario, Fenelon, ja estava mais pr6ximo daclareza carte-
( Fer114ndo Ptssoa, Mcnsagem)
siana e da piedade iluminada dos jansenistas que da mente bar-
toco-jesultica. E säo igualmente tr~ jansenistas, Jaicizados
pelo clima ilustrado, que predominam nas paginas do "classico
Prosa aleq6rlca. esquecido" Matias Aires (1705-1763): as Reflexöes söbre a Vai·
dade dos Hamens traem uma visäo desenganada da natureza hu·
mana, tal como a legaram alguns pensadores franceses do seculo
Curioso exemplo de prosa narrativa barroca deparamos no classico, Pascal, La Rochefoucauld e Vauvenargues, para os quais
Compendio Narrativo do Peregrino da America, de Nuno Mar- o amor pr6prio e o m6vel Unico e Ultimo de tödas as a~öes.
ques Pereira (Bahia, 1652-Lisboa, 1728). Trata-se de uma lon- Mas tambem essa obra, escrita por um paulista, foi pensada e
ga alegoria dialogada, muito pr6xima do estilo dos moralhtas es- composta na Europa, dela niio se podendo dizer que guarde qual-
panh6is e portugueses que trocaram em miudos os principios as- quer vincula~äo com a vida da colönia.
ceticos da Contra-Reforma. 0 objetivo do Compendio, editado
em 1718, e apontar as mazelas da vida colonial e ''contar o co-
mo esta introduzida esta quase geral rulna de feiti~aria e calun-
dus nos escravos e gente vagabunda neste Estado do Brasil; alem As Academias.
de outros muitos e grandes pecados e super~ti~s de abusos täo
dissimulados dos que t~m obriga~iio de castigar" (Pr6logo). A Ate os prindpios do seculo XVIII, as manifesta~öes cultu-
esse ponto de vista säo reduzidos os casos da.terra, narrados pe- rais da Colünia näo apresentavam qualquer nexo entre si, pois
las ·duas Unicas "personagens" do livro: o Peregrino e o Anciäo. a vida das poucos centros urbanos ainda näo propiciara condi-
A paisagem que serve de fundo aos dialogos e um misto de rea- ~öes para socializar o fenOm.eno liter::irio. Foi necess::irio esperar
lismo e alegoria: ao lado de indica~öes topograficas muito pre- pela cristaliza~iio de algumas comunidades ( a Bahia, o Rio de
cisas estende-se o "territ6rio dos deleites", alteia-se o "pal<icio Janeiro, algumas cidades de Minas) que a economia do ouro
da satide" e a "torre intelectual", servindo de sa{da a "porta do reanimara, para ver religiosos, militares, desembargadores, altos
desengano". Corno nas paginas do Padre Manuel Bernardes, em- fllncion::irios, reunidos em gremios eruditos e liter:irios a exem-
bora com menos gra~a e fluidez,. ressurge inteira a simbologia plo dos que entiio proliferavam em Portugal e em toda a Euro-
medieval de que o barroco iberico parece As vezes mera con-
( 36) Trisüio de Ataide, em 0 Romance Brasileiro, volume coorde-
trafa~o. nado por Aurelio Buarque de Holanda, Ed. 0 Cruzeiro, Rio, 1952, p. 13.
0 romance didatico foi tambem cultivado por Teresa Mar· A primeira edi.;äo do livro ( Lisboa, 1752) trazia o titulo Mtlximas de V ir-
garida da Silva e Orta cujas Aventuras de Di6fanes se calcaram tude e Formosura, com que Di6fanes, Climineia e Hemirena, Principes de
sobre o modelo das Aventuras de T elemaco de Fenelon. N asci- Tebas, venceram os mais apertados lances da desgr(Jfa, Oferecidas a Prin-
cesa Nossa Senhora, a Senhora D. Maria Francisco Isabel Josefa AntOnia
da em Säo Paulo, em 1712, foi muito pequena ainda para Por- Gertrudes Rita ]oana, por D. Doroteia EngrOssia Tavareda Dalmira. 0
tugal ( como seu irmiio, o moralista Matias Aires), onde recebeu pseudönimo final e anagrama perfeito de Teresa Margarida da Silva e Orta.
esmerada educa~o classica e de onde niio mais regressou. A ri- Na 2.• ed., conservou-se o pseudönimo, o que levou alguns eruditos a dis-
gor, nao pertenceria il nossa literatura apesar de ter sido chtma- cuurem sobre a autoria do Iivro, mas alterou-se o tftulo para Aventuras de
Di6fanes Imitando o Sapientissimo Fenelon na sua Viagem de Telemaco.
pa ( 37 ) , Das Academias brasileiras pode-se dizer que foram: m~a que, mctendo na boca wnas perolas, e revolvendo-as, que-
a) o Ultimo centro irradiador do barroco liter:irio; b) o primei- brou alguns dentes", ou ainda uA.mor com Amor se paga e Amor
ro sinal de uma cultura humanfstica viva, extraconventual, em com Amor sc apaga"; e do que resultou e diflcil d izcr se mais
nossa sociedade. Par isso, talvez tenham sido mais relevantes as espanta a frivolidade dos assuntos ou o virtuosismo da elocu~äo.
suas contribui.;öes para a Hist6ria e a erucli~äo em geral que o Eis o soneto de Rocha Pita para o Ultimo tema:
pesado rimario gongorico compilado por seus versejadores ( •),
Deste Apotema vigilante, c ccgo
Foram baianas as academias mais fecundas, a Brasilica dos Uma partc confirmo, outra rcprovo,
Esquecidos ( 1724-25) e a Brasilica dos Renascidos ( 1759), Te- Quc o Amor com Amor sc paga provo,
ve tamhem alguma relev0.ncia como fenömeno de agremia~äo Quc o Amor com Amor se apaga nego.
cultural no Rio de Janeiro, entre 1736 e 17 40, a Academia dos Tendo os Amorcs um iguaJ sossego,
Felizes. Se cstio pagando a f~ sempre de novo,
Ao lado dessas institui~öes, podem-se citar os atos acade- Mas a crcr quc se apagam mc nio movo,
Sende fogo, e mat6ia Amor, e emprcgo.
micos, sessöes liter:irias que duravam algumas horas e tinham por Se de incE:ndios costuma Amor nutrir-se,
firn celebrar datas religiosas ou engrandecer os feitos de autori- Uma chama com outra ha de aumentar-se,
dades coloniais: neste caso figura a chamada Academia dos Se- Que em si mcsmas niio devcm consumir-se.
letos do Rio de Janeiro ( 1752), que se resumiu numa serie de Com razäo devc logo duvidar-se
Quando um Amor com outro sabe unir-sc,
panegfricos rimados em louvor do general Gomes Freire de An- Corno um fogo com outro ha de apagar-se?
drada, impressos mais tarde em Lisboa sob o titulo de Jtibilos
da America. Os Esquecidos foram cerebrinos fazedores de acr6sticos e
A Academia Brasilica dos Esquecidos, fundada pelo vice-rei, mes6sticos, sonetos joco-serios e plurilingües, centöe> bestial6gi-
Vasco Fernandes Cesar de Meneses, por ordern de D. Joäo V, cos c ate engenhos prC-concretos como este Labirinto Ctibico de
escolheu para leva a expressäo "Sol oriens in occiduo" e os seus Anastacio Ayres de Pcnhafiel, que dispös de v:irio modo a fra.
membros se apelidaram, a maneira dos confrades portugueses, Nu- se latina in utroque Cesar ('"):
biloso, Infeliz, Obsequioso, Inflamado, Ocupado, Menos Ocupa- INUTROQUECESAR
do, etc. Eram seus planos estudar a hist6ria natural, militar, NI NUTROQUE·CESA
eclesi!Jstica e politica do Brasil e discutir nas' sessöes os versos UNI NUTROQUECES
compostos pelos academicos. 0 nome do Academico Vago, Co- TUN I NUTROQ'UECE
ronel Sebastiäo da Rocha Pita ( 1660-1738) e o mais lembrado RTUN I NUTROQUEC
do grupo: autor da ampulosa Hist6ria da America Portuguesa ORTUNINUTROQUE
participou intensamente na vida da Academia em cujas sessöes QORTUNINUTROQU
glosou temas ~omo estes: "Uma dama que sendo formosa näo UQORTUN I NUTROQ
falava por näo mostrar a falta que tinha nos dentes" ou "Uma EUQORTUNINUTRO
CEUQORTUN I NUTR
( 37) As Academias portuguesas remontam ao sCculo XVII. Fideli-
no de Figueiredo cita, entre outras, a Academia dos Singulares, a dos Ge- ECEUQORTUN I NUT
nerosos, a dos Solitlirios, a dos Ünicos, a Instantänea e a dos llustrados SECEUQORTUN I NU
(V. Hist6ria da Lit. ClOssica, 2.• Cpoca, Lisboa, 1922). ASECEUQORTUN IN
( *) EstS publicando-se a sCrie completa dos textos academicos sob RASECEUQORTUN I
o titulo geral de 0 Movimento Academicista no Brasil, 1641 - 1820/22
(dir. de Jose Aderaldo Castello), S. Paula, Cons. Estadual de Cultura, Da Academi4 Br11Sllica tlos Ren11Scitlos, cujo simbolo era a
1969 .. '
Para os textos e a anSlise do Barroco literS:rio mineiro säo de consulta
Fenix entre chamas c a divisa "multiplicabo dies'', sabe-se que
indispensavel as obras de Affonso Avila: Residuos Seiscentistas em Minas, ( 38) Apud Pericles Eugenio da Silva Ramos, Poesia Barroca, cit.,
Belo Horizonte, Centro de Estudos Mineiros da Universidade, 1967; e p. 161.
0 LUdico e as Proje~8es do Munda Barroco, S. Paula, Perspectiva, 1971.

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precisou dissolver-se por teJ: caldo em desgra~a o fundador, Jose Divinissimo Sacramento da Igreja da Senhora do Rosfzrio para
Mascarenhas. Nos seus c6dices encontram-se os mesmos exemplos um Novo Templo da Senhora do Pilar em Vila Rica ... aos 24
de cultismo da Academia dos Esquecidos que ela se propunha re- de maio de 1734. Nesta, como em outras manifesta,öes publi·
viver. Salvaram-se da produ~äo ligada ao gremio obras em prosa cas, dava-se um misto de espet3culo devoto e inten~äo encomi3s-
de valor documenta!: o Orbe Serfzfico Novo Brasilico ( 1761) de tica. Assim, o pequeno burgo de Säo Paulo conheceu clias inten·
Fr. Antönio de Santa Maria Jaboatäo, cronista dos franciscanos sos de exihi>iio de carros aleg6rkos, 6pera mitol6gica, fogos de
na Colönia; a Hist6ria Militar 'do Brasil de Jose Mirales; a No- artiffcios e "folias" de pretos pelas ruas representadas pelos se-
biliarquia Pernambucana de Antonio Jose Vitorino Borges da minaristas, nos meados de agosto de 1770, por ocasiäo da vinda
Fonseca e Desagravos do Brasil e Gl6rias de Pernambuco do da imagem de Sant'Ana. Os sermöes, o texto da 6pera e os poe-
beneditino Domingos de Loreto Couto, muito apreciado por Ca- mas entäo escritos foram compilados sob o titulo de Academia
pistrano de Abreu pela simpatia com que viu o nosso in- das Felizes a exemplo do grupo fluminense ( •0 ).
digena ( 39 ) . As academias e os atos academicos significam que a Colo-
Da Academia dos Felizes, reunida entre 1736 e 17 40 no Rio nia ja dispunha, na primeira metade do seculo XVIII, de razoa-
de Janeiro, pouco se sabe: a origem palaciana do fundador, ? vel consistencia grupal. E embora se tenham restringido a imi-
Brigadeiro Jose da Silva Pais que entiio substitula Gomes Fre1- tar os sestros da Europa barroca, ja puderam nutrir-se da hist6-
re de Andrada; o lema "Ignavia fuganda et fugienda" e, romo ria local, debru~ando-se sobre os embates com os holandeses no
slmbolo, um Hercules amea~ando o 6cio com a clava. Näo se Nordeste ou sobre as bandeiras e o ciclo mineiro no Centro-SuL
conhece o seu esp6lio literario. Quanto as nobiliarquias, pernambucana e paulista, eram sin-
Alem das institui~öes, houve os atos academicos sessöes tomas do orgulho de famllias que ja contavam com um passado
que duravam horas e tinham por firn comemorar datas religio- propriamente brasileiro; e a prosapia do patriciado colonial viria
sas ou engrandecer homens de pro! no regime colonial. Este a ser um dos m6veis da Independencia tal como se efetuou no
ultimo eo caso da chamada Academia dos Seletos (Rio, 1752), come>o do seculo XIX: movimento de cima para bai:xo, de pro·
paneg!rico em prosa e verso oferecido a Gomes Freire de Andr~­ prietarios desgostosos com as medidas recolonizadoras da Corte.
da e publicado sob o t!tulo de ]ubilos da America. Festa reh- Hoje, a historiografia mais avisada ja e capaz de pör a nu
giosa, mas tansbem lndice da nova sociabilidad!' que as min~s en- as relat;öes concretas que existiam entre os interesses e modos de
sejavam foi o Triunfo Eucarlstico . .. na Solene Translada~ao do pensar da classe dominante na Colönia e o fenömeno "cm pro-
gresso" do nativismo. Ora, foi o facies da tradi~iio, vis(vel nas
academias e no zelo geneal6gico dos linhagistas, que acabou pre-
( S9) Paralela a historiografia acadf:mica do Nordeste e a obra <los valecendo no processo da Independencia, relegando a um inco·
eruditos e linhagistas de Säo Paulo, onde ji se firmava, nos meados do modo segundo plano as correntes ilustradas, sobretudo as racli-
sCculo XVIII a pros~pia das famflias bandcirantes. Pedro Taques de Al·
meida Pais ~me (17J4?-1777) deixou uma vasta rela~äo de biografias dos cais, que permearam as "inconfidencias" ( 41 ), todas malogradas,
paulistas aqui radicados desde a chegad, de Martim Afonso em 1532 ( N°: precisamente por terem deixado alheias ou receosas as camadas
biliar4uia Paulistana); escrevcu .tamb6n a Hist6ria da Capit.ania .de~· Vt·
cente, a InformtZfäO sobre as Mtnas de Säo Paulo e a Notlc:a H1st6r1ca da
Expulsäo dos Jesultas de Säo Paulo em 1640. Outro erud1to, Fr. Gaspar ( 40) Encontra-se uma longa relai;äo dos atos acadf:~icos e ~as _fun·
da Madre de Deus ( 1715-1800), supranumer.!rio da Academia dos Renas·
c;öes religiosas que deixaram algum trac;o documental, dueto ou 1nd1reto,
cidos, redigiu as Mem6rias para a Hi.rt6ria da Capitanüz de Säo Vicente,
em Manifesta(Öes Literarias da Era Colonial de Jose Aderaldo Casteilo
boie cbamada de S. Paulo, fonte preciosa de infonpa~ de que se tCm
valide todos os pesquisadores do pedodo bandeirante. (S. Paulo, Cultrix, 1962, pp. 90-93).
( 41) Assim foram chamadas, a imitai;io da lnconfidCncia Mineira,
Para o conhecimento destes e de outros cronistas menores do sCculo as sedi<;öes do Rio de Janeiro (1794), da Bahia (1798) e _de Perna?lbu·
XVIII ler-se-4 com proveito o meticuloso ensaio de PCricles da Silva Pi· l-O { 1801). Para uma interpretai;äo ampla das fatores s6:io-culturats da
nheiro, Manifesttl{öes Liter4rias em Säo Paulo "" Spoca ColonUd, S. Paulo, Colönia, v. Caio Prado Jr„ Forma(äO Do Bras.il Conte'!'??'a~eo, S. Paulo,
Conselho Estadual de Cu!tura, 1961. Brasiliense, 4.1 ed., 1953; Jose Hon6tio Rodrigues, C1vilt%tl,ao e Reforma

56 57
T
1
1

que podiam promover, de fato, a eri:lancipa~äo politica: os senh<>-


res de terras e a alta burocracia. Sobrevindo o momento opor-
tuno, foram estes os grupos que cerraram fileiras em torno do
herdeiro portugues, dando o passo que Ihes convinha.
Quanto OS ideoJogias inovadoras, Oll eJegeriam a franca OpO-
si~aO (de que säo exemplo as revoltas -sob Pedro I e na fase re-
gencial), au tentariam compor-se, onde e quando possfvel, com
um sistema assentado no latifU.ndio e no brac;o escravo ('as mar-
chas e contramarchas liberais durante o Segundo Reinado).
Nas esferas etica e cultural esta ainda por fazer-se o inven-
tario da heran~a colonial-barroca em toda a AmCrica Latina ( 42 ).
Entre os caracteres mais ostensivos lembrem-se: o meufanismo
verbal, com toda a seqüela de discursos familiares e academicos;
a anarquia individualista, que acaba convivendo muito bem com 111
o mais cego despotismo; a religiosidade dos dias de festa; a dis-
plicencia em materia de moral; o vlcio do geneal6gico e do heral-
dico nos conservadores; o culto da aparencia e do medalhäo; o ARCADIA E ILUSTRA«;XO
vezo dos tltulos; a educac;äo bacharelesca das elites; os surtos
de antiquarismo a que näo escapam nem mesmo alguns esplri-
tos superiores.
Esses tra>os näo se transmitem pela ra>a nem se herdam
no sangue: na verdade, eles se desenvolveram com as estruturas
sociais que presidiram a forma~äo de nossas _elites e tem reapa-
recido sempre que o processo de modernizac;äo se interrompe ou
cede a for,a da inercia.

no Brasil, Rio, Civ. Brasileira, 1965; .Carlos Guilherme Mota, ldJia de


Revoluflzo no Brasil no Final da Sec. XVIII, S. Paulo, ed. Universittiria,
1967; Fernando Novais, "O Brasil nos Quadros do Antigo Sistema Colo-
nial'', em Brasil em Perspectiva, S. Paula, Difusäo Europeia do Livro,
1968; Fernando Novais, "Considera~öes sobre o Sentido da Coloniza~äo",
separata da Revista da Institute de Estudos Brasileiros, n. 0 6, Universida-
de de Säo Paulo, 1969; A Estrutura e a Dinßmica da Antigo Sirtema
Colonial, S. Paula, Brasiliense, 1974.
{ 42) Inventtirio que, no caso bq1.sileiro, näo dispensara a plataforma
de alguns ensaios segmentarc;s ja cltissicos, como a Evolu~äo do Povo Bra-
sileiro {1924) de Oliveira Viana, Casa Grande e Senzala { 1933) e Inter-
pretaflzo do Brasil ( 1947) de Gilberto Freyre, e Raizes da Brasil ( 1935)
de Sergio Buarque de Hollanda.

58
T

Dois momentos: o poetico e o ideolOgico.

A passagem do Barroco ao "barocchetto" e ao rococ6 foi


um processo estilistico interno na hist6ria da arte do seculo
1 XVIII e consistiu em uma atenua~o das aspectos pesados e ma-
cic;os das Seiscentos. Nessa viragem prefiguram-se as tenden-
cias estfticas do Arcadismo como a busca do natural e do sim-
ples e a adoc;lio de esquemas rftmicos mais graciosos, entenden-
do-se por grafa uma forma especifica e menor de beleza.
A Arcadia enquanto estilo melifluo, musicalmente facil e
1 ajustado a temas buc6licos, näo foi criac;äo da seculo de Metas-
tasio: retomou o exemplo quatrocentista de Sanazzaro, a lira
t pastoril de Guarini (II Pastor Fido) e, menos remotamente, a
tradic;äo anticultista da Italia que se opös a poetica de Marino
e as vozes que na Espanha se haviam levantado contra a idola-
tria de G6ngora ( 43 ). Mas o que ja se postulava no per!odo iiu-
reo do Barroco em nome do equilibrio e do bom gosto entra, no
seculo XVIII, a integrar todo um estilo de pensamento voltado
para o racional, o claro, o regular, o verossimil; e o que antes
fora modo privado de sentir assume foros de teoria poftica, e a
Arcadia se arrogarii o direito de ser, ela tambem, "philosophi-
que" e digna versäo liter3ria do Iluminismo vitorioso.
Importa, porem, distinguir dois momentos ideais na literatu-
ra dos Setecentos para näo se incorrer no equlvoco de apontar
contrastes onde houve apenas justaposic;äo: a) o momento poetico
que nasce de um encontro, embora ainda amaneirado, com a na-
tureza e os afetos comuns do homem, refletidos atraves da tradi-
c;äo classica e de formas bem definidas, julgadas dignas de imita-
c;äo ( Arcadia); b) o momento ideol6gico, que se impoe no meio
( 43) A primeira Arciidia foi fundada em Roma, em 1690, por al-
guns poetas e crfticos antimarinistas que j3. antes costumavam reunir-se
nos salöes da ex-rainha Cristina da SuCcia. 0 programa comum era "ex-
terminar o mau gosto onde quer que se aninhasse"; o emblema, a flauta
de Pa coroada de louros e de pinheiros. Os s6cios tomavam I!Omes de
pastores gregos ou romanos.

61
)
do seculo, e traduz a critica da burguesia culta aos abusos da 1 rompido: o mau gosto e a deprava~äo se juntam como a cara e a
1
nobreza e do clero ( Ilustra~äo). A rnedida que se prossegue no coroa da rnoeda. Muratori concilia o hedonisrno literario do ar-
tempo, vai-se passando de um Arcadismo tout court ( os sonetos 1 cade com a pr6pria rlgida etica de rneios e fins. E näo foi por
de CLiudio Manuel da Costa, por exemplo) ao engajamento pom- acaso que Pietro Metastasio, arcade por excelencia e disdpulo
balino da epica de Basilio da Garna, para chegarrnos enfim a amado de Gravina, buscou harmonizar nas suas arias o cantabile
satira politica, velada no Gonzaga das .Cartas Chilenas, mas aber- facil do rnelodrarna e a rnoral her6ica da tragedia classica.
ta no Desertor de Silva Alvarenga. E a literatura do seculo XIX Insisto nas fontes italianas da Arcadia, porque säo elas que
anterior ao Rornantisrno ainda juntara residuos arddicos e filo- ressalvarn o papel da fantasia e do prazer no tecido da obra poe-
sofernas tornados a Voltaire e a Rousseau: fale por todos o ver- tica. A outra exigbicia, a da raziio, vincula-se ao enciclopedismo
so prosaico de Jose Bonifacio de Andrada c Silva. frances e impöe-se a rnedida que a Ilustra~äo exerce o seu ma-
Denorninador cornum das tendbicias arcadicas e a procura 1 gisterio sobre a cultura luso-brasileira.
do verossimil. 0 conceito, herdado da poetica renascentista, tern I' 0 pioneiro no esfo~o de reforrnar a mente barroco-jesuiti-
11
por fundarnentos a n~iio de arte corno c6pia da natureza e a ca em Portugal foi Luis Antonio Verney, cujo Verdad<'iro Me-
ideia de que tal rnirnese se pode fazer por graus: de onde, o todo de Estudar expunha todo um sisterna pedag6gico construi-
rnatiz idealizante que esbate qualquer pretensäo de um realisrno l do sobre modelos racionalistas franceses e escudado na pr3tica
absoluto. Ja os prirneiros te6ricos da Arcadia propunham rne- escolar dos Padres Oratorianos, de tend&lcia cartesiana e jan·
dia~öes entre o natural e o ideal nas suas f6rrnulas aureas de senista. Sob o patrodnio do Marques de Pornbal opera-se, em
bom gosto. Para Gian Vincenzo Gravina, cujo tratado Della parte, a reforma do ensino que teve por mentor o ilustrado An·
Ragion Poetica data de 1708, a fantasia deve joeirar os dados da tönio Nunes Ribeiro Sanches, redator das Cartas sobre a Educa-
experibicia a firn de apreender a natureza Ultima das coisas ( a (ÖO da Mocidade (1760),
Ideia platönica), que coincidira corn a sua beleza. Segundo essa No campo das poeticas, o rnodelo da nova corrente nao po-
Jinha de pensarnento, OS mitos gregos, que OS arcades cultivariio deria deixar de ser a Art Poetique de Boileau, aceita por Voltai·
il saciedade, valern corno belas aparencias do real, do mesrno real re como a exposi\80 mais razo3:vel das normas classicas. Tradu·
que a filosofia cartesiana atinge corn os seus conceitos: "A fa- zida ja em 1697 pelo quarto Conde de Ericeira, influiu direta-
bula e 0 ser das coisas transforrnado ern genios humanos, e e a mente nos dois te6ricos ibericos da Arcadia, o espanhol Ignacio
verdade transvestida ern aparbicia popular: o poeta da corpo aos de Luzan e o portugues Francisco Jose Freire ( Cindido Lusita·
conceitos, e por animar o insensato e envolver de corpo o espi· no) cuja Arte Poetica ( 1748) valeu corno texto de base para
rito, converte em imagens visiveis as contempla~öes suscitadas os nossos poetas neocl3ssicos.
pela fantasia: ele e transforrnador e produtor" ( Livro I ) . Por Para Verney, "um conceito que näo e justo, nem fundado
isso as imagens, os sons, enfim a materia significante do poema sobre a natureza das coisas, näo pode ser belo, porque o funda-
näo vale por si pr6pria como na arte barroca, em que o arbitrio mento de todo conceito engenhoso e a verdade" ( 44 ).
do criador ignorava os limites da natureza e podia comprazer-se
ad libitum no jogo dos signos, - aproximando-se ( como diria E para Candida Lusitano, rnais pr6ximo das fontes italia-
Nietzsche)· rnuito rnais da musica do que de qualquer outra for- nas: "Para chegarmos, pois, com a matC.ria a causar maravilha
ma expressiva. e deleite, e preciso representar os objetos dos trCs mundos, n8o
Ern Ludovico Antonio Muratori (Delta Perfetta Poesia Ita- como eles ordinariamente sao, mas como veros._similmente po·
liana, 1706), faz-se nitida a servidiio da poesia aos valores con- dem, ou deveriam ser na sua completa forma" (Arte Poet., 1, 66).
ceptuais e eticos. A arte deve exercer um papel pedag6gico e, Se Gravina e Muratori e Metastasio deram a Gndido Lu-
corno no conselho de Horacio, unir o util ao agradavel. Quan- sitano exemplos de poesia em ato e de uma reflexäo idealista
ta ao born gosto, sera o deleite que se prova ao perceber a gra- em torno da arte, Boileau e Voltaire contribulram para fixar ca.
~ que acompanha toda justa mirnese do Bern e do Verdadeiro.
Quern se agrada de falsos ouropeis ja esta ontologicamente cor- (44) Verd. Met. de Estudar, Lisboa, sa da Costa, V. II, p. 209.

62 63
.,.
'

nones que precisaram. as distin~öcs dos g!neros classicos e as dici, vibrante de imagens primaveris e tingido de realismo po-
nonnas tradicionais de linguagem e de metrica. E OS arcades ze- pular, ainda possivel na Floren>• quatrocentista; a pastoral prC-
laram pelo ajustamento da sua poesia ilqueles cinones, tanto que -barroca de Guarini, que mal dissimula a licen>a da corte renas-
materiä freqüente das sessöes da Arcadia Lusitana ( 1756-1774) centista em decllnio e ja macerada pela censura da Contra-Refor·
e dos encontros entre os liricos mineiros era a leitura e a critica ma; e enfim a lira do nosso Gonzaga, rococ6 pelo jogo das ima-
mUtua a que submetiam os seus versqs. gens galantes, alheias a qualquer toque de anglistia e bem pr6-
Se verossimilhan>a e simplicidade foram as notas formais prias do magistrado de extra>iio burguesa em tempos de mode-
ra~äo e antibarroco.
especialmente prezadas pelos arcades, que mensagens veiculou
de preferencia a nova poetica? E sabido que ambientes e figu- E ha um ponto nodal para compreender o artificio da vida
ras buc6licas povoaram os versos das autores setecentistas. A rustica na poesia arddica: 0 mito do homem natural cuja for-
genese burguesa dessa tem3tica, ao menos como ela se apresen- ma extrema e a figura do bom selvagem. A luta do burgues
tou na Arddia, parece hoje a hip6tese sociol6gica mais justa. culto contra a aristocracia do sangue fez-se em termos de Ra·
Nas palavras de um crltico penetrante, Antonio Cindido, ela e zäo e de Natureza. 0 Iluminismo que enformou essa luta exibe
assim formulada: duas faces: ora. a secura geomc!trica de Voltaire, vitoriosa nos
salöes libertinos, ora a afetividade pre-romfultica de Rousseau,
"A poesia pastoral, como tema, talvez esteja vinculada ao porta-voz de tendencias passionais, mais populares. Voltaire e
desenvolvimento da cultura urbana, que, opondo as linhas arti- ponta-de-lan~a dos meios urbanes contra os preconceitos da no-
ficiais da cidade il paisagem natural, transforma o campo num breza e do clero; mas e Rousseau quem abre as estradas largas
bem perdido, que encarna facilmente os sentimentos de frustra- do pensamento democratico, da pedagogia intuitiva, da religio-
>1io. Os desajustamentos da convivencia social se explicam pela sidade natural. De qualquer modo, ambos renegam o universo
perda da vida anterior, e o campe surge como cen3rio de uma hierarquico do absolutismo instaurado pela nobreza e pelo alto
perdida euforia. A sua evoca,äo equilibra idealmente a angtis- clero desde OS fins do seculo XVI; e fazem-no recorrendo il li-
tia de viver, associada a vida presente, dando acesso aos mitos berdade que a naturexa e a razäo teriam dado ao homem. A
retrospectivos da idade de ouro. Em pleno prestlgio da existen- volta a natureza, fonte de todo bem, e o lema do Emile de Rous-
cia citadina os homens sonham com ele ii maneira de uma felici- seau; e nessa atitude reconhecemos a paixäo do escritor que nä:o
dade passada, forjando a conven,iio da naturalidade como forma · encontrou na antiga sociedade aristocr:itica um modo de reali-
ideal de rela,iio humana" ( •s ) . · zar-se como homem livre e sensivel. A partir do seculo XVIII,
E de fato, se dermos uma vista d'olhos na hist6ria da poe- o binömio campo-cidade carrega-se de conota>öes ideol6gicas e
sia buc6lica, verificamos que ela tem vingado sempre em am- afetivas que se viio constelando em torno das posi\öes de varios
bientes de requintada cultura urbana, desde Te6crito em Siracusa grupos sociais. Antes da Revolu\äo Industrial e da Revolu\iio
e Virgilio na Roma de Augusto, Poliziano na Floren,a mediceia Francesa, o burgues, ainda sah a tutela da nobreza, via o campo
e Sanazzaro na corte napolitana de Alfonso Aragones, atc Gua- com olhos de quem cobi,a o Parafso proibido idealizando-o como
rini. e Tasso na Ferrara do Ultimo Renascimento. 0 bucolismo reino da espontaneidade: e a substiincia do idilio e da ecloga ar-
foi para todos o ameno artiflcio que permitiu ao poeta fechado ddica. Com o triunfo de ambas as revolu,öes, a burguesia mais
na corte abrir janelas para um cenario idilico onde pudesse can· pr6spera tomara de vez 0 poder citadino, e sera a vez do no-
tar, liberto das constriccöes da etiqueta, os seus sentimentos de bre ressentido cantar a paz do mundo niio maculado pela indus·
amor e de abandono ao fluxo da existencia. Mas näo se pode tria e pela vulgaridade do comercio: 0 saudosismo de Chateau-
esquecer que a evasiio se faz dentro de um determinado sistema briand, de Scott e do nosso Alencar traduz bem a nostalgia ro-
cultural, em que e muito reduzida a margem de espontaneidade: m3.ntica da natureza que os novos tempos ignoram com insolbi-
o que explica as diferen\as entre o idilio de um Lorenzo de' Me- cia ( 46 ). Mas tanto no contexto arcade-ilustrado como no ro-
( 45) Forma~äo da Literatura Brasileira, S, Paulo, Martins, 1959, ( 46) :E a tese de Karl Mannheim segundo a qual o Romantismo de
vol. !, p. 54. tipo medieviSta, sentimental e voltado para uma natureza de reiügio, rea-

64 65
mantico-nostalgico ha um 4pelo a -natureza como valor supremo o gosto da clareza e da simplicidade gra~s ao qua! puderam su-
em ultima instancia defesa do homem infeliz. As diferem;as re- perar a pesada maquinaria cultista; os mitos do homem natural,
sidem no grau de intensidade com que o eu do homem moderno do bom selvagem, do her6i paclfico; enfim, certo mordente sa-
procura afirmar-se; e nesse sentid_o o poeta romRntico, mais iso- tirico em rela,äo aos abusos dos tiranetes, dos julzes venais, do
lado e impotente em face do mundo que o cerca do que o poeta clero faniitico, mordente a que se limitou, de resto, a consci!n-
arcade, ira muito mais longe na exa~a,äo dos valores que atri- cia libertaria dos intelecruais da Conjura~iio Mineira.
bui a natureza: a emotividade que 0 pressiona e projetada na A anilise a que a historiografia mais recentc tem submeti-
paisagem que se torna, segundo a palavra intimista de Amiel, um do o conteudo ideol6gico da Inconfidetlcia e, nesse ponto, ine-
verdadeiro "ftat d'3me„. qu!voca: zelosos de manter o fundamento jurldico da proprie-
Creio que o aprofundamento deste ultimo ponto levara a dade ( que a Revolu,iio Francesa, na sua linha central, iria rati-
reconhecer no chamado pre-romantismo nao tanto um estilo au- ficar), os dissidentes de Vila Rica apenas se propunham evitar
tönomo quanto uma corrente de sensibilidade que afeta todo o a sangria que nas Hnan,as mineiras, ja em crise, operaria a eo·
seculo XVIII e responde as inquietudes de grupos e pessoas do bran,a de impostos sobre o ouro ( a derrama). Na medida em
Ancien Regime corroldas por um agudo mal-estar em rela,äo a que impedir a execu~äo desta imporrava em alterar o estaruto
certos padröes morais e esteticos dominantes. E na obra de al- polftico, os Inconfidentes eram "revoluciorulrios", ou, do ponto
guns poetas fortemente passionais do firn do sCculo, como Fos- de vista colonial, "sediciosos". Claudio Manuel da Costa, por
colo, Chatterton e Blake, que vai aflorando aquele humor me- exemplo, falava em "interesses da Capitania", lesados pela admi-
lanc6lico, prenuncio do mal do seculo e do spieen romanticos e nistra,iio lusa; para Alvarenga Peixoto, senhor de lavras no sul
claro signo do homem refratario a engrenagem da vida social; de Minas, os europeus estavam "chupando toda a subst&ncia da
e e nesses poetas que a natureza se turva e passa da buc6lica fofr Colönia"; as "pessoas grandes" ou "alentadas" viam com apreen 4

te 5erena a mar revoltoso e cfu ensombrado. Renasce o gosto siio a derrama, sentindo-se como o Coronel Jose Ayres, "pode-
da poesia de Dante profeta, do Shakespeare selvagem, do bru· roso com o senhorio que tem e.m. mais de quarenta e tantas ses-
moso celta Ossian, fingido pelo pre-romantico Macpherson; e marias, .. _ acerrimo inimigo dos filhos de Portugal". Ern To·
pretere-se com impaciE:ncia tudo o que, poc excessivamentc re- mas Antonio Gonzaga, colhe-se boa messe de profissöes de fe
gular, parece o contrario do "genio„, como a lirica de Petrarca proprietista, como 0 famoso ue bom ser dono" da Lira 1 . - . J

e a tragedia de Racine ( 47 ). do pr6prio Tiradentes sabe-se que niio pretendia abolir a escra-
No Arcadismo brasileiro, os tra,os pre-romanticos säo pou· vatura caso vingasse o levante, opiniäo, partilhada pelos outros
cos, espa~ados, embora as vezes expressives, como ern uma ou inconfidentes, salvo o mais radical dentre todos, o Padre Carlos
outra lira de Gonzaga, em um ou outro rond6 de Silva Alvaren- Correia de Toledo e Melo ( 49 ).
ga. Ern nenhum caso, porem, rompem o quadro geral de uni Vinham, pois, repercutir no contexto colonial as vozes da
Neoclassicismo mitigado, onde prevalecem temas 3rcades e ca- inteligencia francesa do sCculo, que na sua blblia, a Encyclopedie,
dencias rococ6s. E sem dUvida foram as teses ilustradas, que ainda se aferrava aos princfpios de "classe" e "pr~priedade",
clandestinamente entraram a formar a bagagem ideol6gica dos mais resistentes, pelo que se constatou depois, do que a bandei·
nossos 3rcades ( 48 ) e lhes deram mais de um tra~o constante: ra Liberte-Egalite-Fraternite.
ge contra os esquemas culturais da burguesia ascendente (cf. Essays on
Sociology and Social Psychology, Londres, Routledge-Kegan, 2." ed., 1959
(47) V. o ensaio analftico de Van Tieghem, Le preromantisme, Pa- ( 49} Para um contato direto com a ideologia <los Inconfidentes,
ris, 1948. säo fontes obrigat6rias os Autos de Devassa da Inconfid§ncia Mineira, Bi-
(48) V. o curioso livro de Eduardo Frieiro, 0 Diabo na Livraria blioteca Nacional, Rio, 1936-1938. Para o conhecimento preciso da sirua-
do COnego (Belo Horizonte, Itatiaia, 1957), ende estä:o elencados os li· ~ao na Bahia, o melhor testemunho vem de um "colono ilustrado", Luis
vros de estofo iluminista que se encontraram na biblioteca da Padre Lu1s dos Santos Vilhena, que deixou uma RecopiLzfäo de Noticias Sotero-
Vieira da Silva, inconfidente mineiro. politanas e Brasilicas (ano de 1802), Salvador, 1921.

66 67
. . . mas temendo ( ... ) que me condenes o muito uso das me-
tS:foras, bastarli, para te satisfazer, o Iembrar-te que a maior parce
destas Obras foram. compostas ou em Coimbra ou pouco depois,
nds meus primeiros anos; tempo em que Portugal apenas princi-
piava a melhorar de gosto nas belas letras. n infeliddade que haja
de confessar que vejo e aprovo o melhor, mas sigo o contrlirio na
execu~.

0 gosto melhor tem por vigas o motivo buc6lico e as ca-


OS AUTORES E AS OBRAS dbicias da soneto camoniano. Os cem sonetos de Claudia ( dos
quais catorze em razoavel italiano de calque metastasiano) com-
J:>Öem um cancioneiro ondc näo uma s6 figura feminina, mas ya·
Claudio Manuel da Costa rias pastoras, em geral inacesslveis, constelam uma tenue bio-
grafia sentimental:
Mais de um fatar cancarreu para que Claudia Manuel Pouco importa, formosa Daliana,
da Cas ta ( 50 ) fasse a nassa primeira e mais acabado poeta neo- Que fugindo de ouvir-me, o fuso tomcs,
classico: a sobriedade do carater, • s6lida cultura humanlstica, • Se quanto mais me affiges, e consomes,
Tante te adoro mais, hela s.!tl'an&-
forma~äo literaria partuguesa e italiana e o talento de versejar
compuseram em Glauceste Sarurnia o perfil do arcade par ex· Nisa? Nisa? onde estM? Aonde espera
celencia. E assim j<i o viam os seus contemporineos que, como Achar-te uma alma, que por ti suspira;
Se quanto a vista se dilata, e gira,
Tomcis Antönio Gonzaga, o tiveram sempre por mentor na arte Tanto mais de encontrar-te desespera.
de escrever.
Formosa e manso gado, que pascendo
Claudia estreou como cultista e, sem duvida, ecos do Barro- A relva andais por entre o verde prado,
co eram os versas que se produziam na Coimbra que ele conhe- Venturoso rebanho, feliz gado,
ceu adolescente, e da qua! partiria para Minas, em 1753, antes Que a bela Antandra estas obed=do.
portanto da funda~äo da Arcadia Lusitana. Datam desse perio-
do coimbräo o Mum!sculo Metrico, ramance her6ico, o Epict!dio Os prados e os rios, os mantes e os vales servem näo s6
em Mem6ria de Frei Gaspar da Encarna(äO, o Labirinto de de pano de fundo ~s inquiet»öes amorosas de Glauceste como
Amor, o Culto Metrico e os Nt!meros Harm6nicos, todos escri- tambem de seus confidentes:
tos entre 1751 e 1753. De todos esses apusculos o poeta es- Sim., que para lisonja do cuidado
cusou-se no pr6logo das Obras (1768): Testemunhas seriio de meu gemido
Este monte, este vale, aquele prado.

(50) CLAun10 MANUEL DA CosTA "(Vargem de ltacolomi, Minas Ge-


0 processo remonta a Pettarca, quc soube inventar uma
rais, 1729-0uro Preto, 1789). Filho do portugueses ligedos a minerac;äo.
Estudou com os jesuitas do Rio de Janeiro e cursou Direito em Coimbra. rede de torneios frasicos e rltmicos, assumidos depois como ver-
Voltando para Vila Rica, ai exerceu a advocacia e geriu os bens fundili.- dadeiras f6rmulas por quase todos os llricos europeus ate o adven-
rios que herdou. Era ardente pombalino e certamente foi lateral o scu to do Romantismo. Chamar a natureza para assistente e conso-
papel na lnconfidencia; preso e interrogado uma s6 vez, foi encontrado lo dos pr6prios males, au dar-lhe a fun~iio de ponto referencial
morto no .carcere, o que se atribui a suicidio. Das Obras Polticas, d. a para evocar as venturas passadas niio C ainda, necessariamente,
eclii;äo de Joäo Ribeiro (Garnier, 1903) e das outras poesias o que foi
recolhido em 0 Incon/idente Cliludio Manuel da Costa de Caio de Melo sinal de pre-romantismo. Nem mesmo o uso reiterado de certos
Franco (Rio, 1931). V. A. Soares Amora; "lntrodui;äo" 9.s Obras, Lisboa, ep!tetos melanc6licos ou negativos (tristes lembran~as, triste al!-
Bertrand, s. d. vio, somhra escura, sombra ft!nebre, ft!nebre arvoredo, sorte du-
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69
0

ra, pelago infeliz, alamo sdmbrio, h6rrida figura ... ) pode ale- ! Por outro lado, o mancirismo dos contrastcs
gar-sc como premoni~io de cad&lcias rominticas. 0 Jeitor do
Canzoniere a Laura, do Camöcs, e sobrctudo do Tasso llrico re- ( quanto a vista se dilata e gira
conhecc de pronto ncssa c6pia de adjetlvos elegfacos uma cons- tanto mais de encontrar-te descspera!)
tante da poesia amorosa dcsde o dolce stil nuovo a~ os ultimos
maneiristas da Renascen~. Mas, cmbora reduzida a tema de transpöe para o reino do litcrario aquela fratura ernotiva.
exerckio pelos poetas menores, essa constantc näo cra um sim- Claudio tentou, com menor exito, a pocsia narrative e com·
ples t6pico pois resultava de uma situa~io cxistencial complexa: pos a Fizbula do Ribeiräo do Carmo eo poemcto epico Vita Rica.
a vida amorosa, desnudada pcla poesia er6tica antiga, se retraiu na Ambos säo curiosos documentos da oscila~o que sofria o escri-
procura de formas de distanciamcnto, cxigidas pela etica medie- tor entre o prestfgio da Arcadia e as suas montanhas minei-
val e contra-reformista da sublima~äo. Com o surto da vida ras ( 52 ). Contraste que divide a inteligencia de toda colönia: a
urbana a partir do s&ulo XIII cLi-sc uma nova Cnfasc aos m6- materia " bruta" que a paisagem oferecc aos sentidos do poeta s6
veis terrenos, centrados no desejo de afirma~äo pcssoal, que crcs- e aceita quando vazada nas formas da metr6pole. 0 nosso Clau-
ceria sem cessar na ldade Modema. Pctrarca, amantc de Laura, dio da testemunho ainda ingenuo dessa dupla valencia; caberia
mas ao mesmo tempo reu confesso de mundanidade ( 51 ) ja e, aos romanticos reduzi-la a padröes un{vocos, que se chamaram
porem, uma consciencia infeliz dessa ~tura que nio pode con· "nacionalismo" e "indianismo''.
ciliar O inquieto dcsejo do homem citadino C QS ideais asceticos
da moral rcligiosa. Com ele, e depois dele, a lfrica amorosa ~ 1 No arcade admirador de Pombal o colooialismo e patente:
frera no pr6prio cerne cssa contradi~o: e uma forma de. resol-
ve-la e dar por ideal distante ou perdido 0 objeto dos c-u1dados
de amor. Toda uma vertente platonizante sulca a poesia ·
cJ.assiC1l.
l Correi de leite e mel, 6 Patrios rios,
E abri dos seios o metal guardado;
Os borbotöes de prata, e de oiro os fios
Saiam de Luso a enriquecer o estado

Mas o que e radical cm Camöcs ou em Tasso aparecc cm ( Ca~to Her6ico)


Claudia Manuel da Costa como fcnomeno capilar: Ou
Faz a imag.in~äo de um bcm amado Competir näo pretendo
Que ncle sc transforme o pcito amante; Contigo, 6 cristalino
Daqui vem, que a minha ahna delirante Tejo, que mansamente vais correndo:
Se näo distingue ja do meu cuidado. Meu ingrato destino
Me nega a prateada majestade,
Nesta doce loucura arrebatado Que os muros banha da maior cidadc
Anarda cuido ver, bem que distante.
Mas ao passo que a busco, neste instante ( Fabula do Ribeiräo do Carmo)
Me vejo no mcu mal dei;cnganado.
Pois se Anarda em mim vive, c eu nela vivo, No entanto, ja observou Antonio Cindido, "de todos os
E por for~ da iMia me converto poetas mineiros talvez seja c;le 0 mais profundamente preso as
Na bela causa de meu fogo ativo; emoc;öes e valores da terra" ( 53 ). E o critico o prova real~ando
Corno nas tristes Iagrimas, que vcrto,
Ao qucrcr contrastar seu gcnio esquivo,
Tao longe dela estou, e estou täo pcrto! ( 52 ) "Niio säo estas as venturosas praias da Amidia, oodc o som
das aguas inspirava a harmonia dos versos. Turva e feia a corrente destes
ribeiros primeiro que arrebatc as ideias de um Poeta, deixa ponderar a
ambiciosa fadiga de minerar a tcrra que lhes tcm pervertido as cores"
( 51) Ao Cancioneiro Petrarca antepös uma severa autocritica, peni-
(Do Pr6logo As Obras).
tenciando-se do amor a Laura como "prima giovenile errore".
( 53 l Ern Formarao da Lit. Bras. , cit., pag. 80 e segs.

70
71
o retörno da imagem da pedra em ti>da a lirica de Claudio, resis- Basflio da Gama, sustentando abertamente o Marques con-
tente nisso as sugestöes emolientes do puro bucolismo. tra os religiosos, cai, em mais de um passo, no laudat6rio e no
caricato, tributos da poesia ao parti-pris. Exemplo disso e o
epis6dio em que a india Lind6ia, sabendo morto o amado, Ca-
Basilio da Gama cambo, "aborrecida de viver, procura todos os meios de encon-
trar a morte". Mas a feiticeira Tanajura conduz a jovem a uma
A mesma ambivalencia e o mesmo esfl'ir1;0 para resolv~la gruta e por artes magicas a desvia do triste intentc suscitando
no trato com a palavra encontra-se em Jose Basilie da Gama( 54 ). em seu espirito a visäo . . . de Lisboa reconstrufda pelo Marques
0 seu Uraguai ( 1769), poemeto epico, tenta conciliar a louva- de Pombal. E para completar täo edificante sonho, mostra-lhe
'äo de Pombal e o heroismo do indigena; e o jeito foi fazer re- a expulsäo dos jesuitas e o firn ingl6rio das missöes do Sul:
cair söhre o jesufta a pecha de viläo, inimigo de um, enganador
. . . ve destrulda
do outro. a repU.blica infame e bem vingada
0 Uraguai l~se ainda hoje com agrado, pois Bas!lio era a morte de Cacambo.
poeta de veia facil que aprendeu na Arcadia menos o artiflcio
dos temas que o desempeno da linguagem e do metro. 0 ver- No entanto, o que escapa ao programa do ex-inaciano ocupa-
so branco e o balan,o entre os decassilabos her6icos e saficos do em näo deixar rastro, constitui poesia de boa qualidade, agil
aligeiram a estrutura do poema que melhor se diria lirico-narra- e expressiva, e, no conjunto, a melhor que se fez na epoca en-
tivo do que epico. tre n6s.
Nada ha no Uraguai que lembre as rigidas divisöes do poe- As cesuras do verso e os enjambements säo varios e vivos:
ma her6ico. 0 principio, ex-abrupte, traz ao leitor a materia
mesma do canto: Dura inda nos valcs
o rouco som da irada artilharia.
Fumam ainda nas desertas praias
Lagos de sangue, tepidos e imputos, Tcce o emaranhadissimo arvoredo
Ern que ondeiam cadaveres despi<i&os, Verdes, irregulares e torcidas
Pasto de corvos. Ruas e pra~. de uma e de outra banda,
E o aqui-e-agora que urge sobre a sensiöilidade de Basilio. cruza.das de canoas.
0 que ainda se sente e se sabe, a luta que mal terminara entre
os lusos-castelhanos e os mission3rios das Sete Povos. A quase- A na tureza e colhida por imagens densas e rapidas; näo
-contemporaneidade dos sucessos cantados retira ao poema a au- säo ja mero arcadismo, mas caminho para o paisagismo romän-
ra de mito que cerca a epopeia tradicional, mas da-lhe a garra tico, rela~äo mais direta dos sentidos com o mundo.
do moderno, imergindo o leitor do tempo nos motivos mais can- Medrosa deixa o ninho a vez primeira
dentes: o jesuitismo, a a~io de Pombal, os litigios de fronteiras, Aguia, que depois foge a humilde terra,
a altivez guerreira do Indio ... E vai ver mais de perto, no ar vazio,
0 espa~ azul, onde näo chega o raio.
( 54) JosE BASiLIO DA GAMA (Arraial de S. Jose do Rio das Mor-
tes, hoje Tiradentes, Minas Gerais, 1741 - Llsboa, 1795). Era estudante Enfim, junto a um ribeiro, que atravessa,
jesu.ita quando o decreto da expulsäo das padres o atingiu; viaja entäo para Sereno e manso, um curvo e fresco vale,
a Italia e Portugal onde logra obter a prot~äo do Marques de Pombal Acharam, os que o campo descobriram,
escrevendo um epitalämio para as nUpcias de sua filha. A reda~äo do U ra- Um cavalo anelante e o peito e as ancas
guai confirma a sua subserviCncia ao "despota ilusttado". Deixou tambem Cobertos de suor e branca espuma.
o poemeto QuitUbia (Lisboa, 1791). V. Jose Verissimo, "Pref3cio" 3.s
Obras Potticas de Basilio da Gama, Rio, 1902. Para o contexto de Ura-
guai, leia-se A RepUblica "Comunista" Cristä dos Guaranis, de C. Lugon, E estes versos ricos de efeitos sonoros produzidos pela sa·
2.• ed., Rio, Paz e Terra, 1976. bia distribui~ao das vogais:

72 73
A tarda e fria n6voa, cscura e densa (CEP:ß) . . . todos sabem
................................ Que cstas terras, que pisas, o du llvrcs
0 ceu cinzento de ondeadas nuvens Deu aos nossos Av6s; n6s tamb6n livrcs
································ As rccebemos dos Antepassados:
Livrcs häo de as herdar os nossos filhos.
Ou das consoantes:
Nesse passo, como no da morte de Lind6ia, os valores ca-
As leves asas o lascivo vento
pazes de inspirar poesia säo encarnados pelos natives. E em-
..... ····················· .... bora eles se acabem curvando aos pes da Coroa lusa, perrnane-
Tinha a face na mäo e a mäo no tronco
De um fUnebre cipreste, que espalhava cem como as Unicas criaturas dignas de falar em Natureza e em
Melanc6lica sombra. Libcrdade.
Esse rn6vel pano de fundo, que as vezes vale por si prö-
prio deslocando-se para o prirneiro plano da tessitura narrativa,
Santa Rita Duräo.
e a novidade de Basllio no trato da epopeia. Infelizmente, o
canto modulado de uma "fabula americana", entoada ä manei·
ra idllica de Tasso e de Metastasio, näo pöde produzir-se. Foi Tarnbern no Caramuru de Fr. Jose de Santa Rita Duräo ( 55 )
sufocada pelo desfgnio polltico. o Indio e materia-prima para exernplificar certos paclröes ideol6gi-
cos. Mas scra uma cortente oposta ii. de Basilio, voltada para o
Cai a infrene Repllblica por terra. passado jesultico e colonial, e ern aberta polernica com o seculo
Aos pes do general as toscas armas
Ja tem deposto 0 rude Americano, das luzes:
Que reconhece as ordens e se humilha Poema ordenado a pör diente dos olhos aos Libertinos o que
E a imagem do seu rei prostrado adora ! a natureza inspirou a homens, que \.iviam täo remotos das que eles
chamam "preocu~ de cspfritos d&cis.
0 ilustrado reponta, no entanto, na crltica a cegueira da (Rcflaöes Prmas c Argumcnto).
guerra:
Vinha logo de guardas rodeado, Se, pela c6pia de alusöes ii. flora brasllica e aos costurnes in-
Fante de crimes, militar tesouro,
Por quem deixa no rego o curvo arado dlgcnas, o Caramuru parece dotado de Indole mais nativista do
0 lavrador, que näo conhece a gl6ria; que o Uraguai, no cerne das inten~Oes e na estrutura, a epopeia
E vendendo a vil pre~o o sangue e a vida, de Duräo esd muito mais distante do homem americano do que
Move e nem sabe por que move a guerra. o poerneto de Basllio. 0 frade agostinho via os Tupinambas sub
specie Theologiae, como almas capazes de ilustrar para os liberti·
Rejeitando o belicisrno facil corn que os nobres se serviam nos europeus a verdade dos dogrnas cat6licos.
dos carnponeses, Basilio e hornern do firn do seculo XVIII, cujos
valores pre-liberais prenunciam a R-evolu~äo e se rnanteriarn com
o idealisrno rorniintico. Cantam no mesrno tom o her6i paclfico, (55) FREI JosE DE SANTA RtTA Dutlo (Cata Preta, Minas Gerais,

Tornas Antönio Gonzaga, Silva Alvarenga e Santa Rita Duräo. 1722 - Lisboa, 1784 ). Estudou com os jesuftas no Rio de Janeiro e
doutorou-se em Filosofia e Teologia em Coimbra. Passou-se para a Or-
E quanto niio diz ao her6i oficial do poema, a fala dos ver- dem de Sto. Agostinho, mas desaveni;as no meio eclesiistico fizeram-no
dadeiros her6is Cacambo e Cepe, como apologia da vida natural, fugir para a 1taJ.ia, onde levou durante mais de vinte anos uma vida de
avessa as hierarquias da milfcia, da corte. e da cllria? cstudos. Voltando com a "viradeira" ( queda de Pombal e restaurac:;äo da
cultura passadista), ocupa uma c8tedra de Teologia, mas sua principal
(CACAMBO) Gentes da Europa: ntinca vos trouxera atividade C a redai;äo do Caramuru que ta ao fanitico purista e pi..;.ritano
0 mar e o vento a n6s. Ah! näo debalde JosC Agostinho de Macedo para assegurar-se de que näo incorreri nos
Estendeu entre n6s a natureza lapsos cam.onianos ... Cf. Artur Viegas, 0 Poeta Santa Rita Duräo, Bru·
Todo esse plano espac;o imenso de ltguas. xelas-Paris. 1914.

74 l:J
0 !ndio como o outro;· objetci de coloniza~o e catequese, p~a mais insensato do que cmprcgar um poeta batizado os
perde no Caramuru toda autenticidade etnka e regride ao marco dtsfarces do panteäo helenico. E o mesmo argumento, na ver-
zero de espanto ( quando antrop6fago), ou a exemplo de edifica- dade extra..,stetlco, ~erviria aos romilnticos de estirpe medievis-
,äo ( quando religioso). t•: com? Cha!eaubrtand> e Scott, para repudiar todo recurso il
1D1to~og1a paga e empreender a constru~o da epopeia bfblico-
No primeiro caso esta o trecho narrativo:
·?>edieval. Nesse ponto, Durio antecipa certas atitudes romiln-
Correm depois de vC-10 ao pasto horrendo, ucas voltadas contra a impiedade dos ilustrados mais radicais.
E retalhando o corpo em mil pe~. Outro problerna a considerar e a fortuna crftica do Caramu-
Vai cada um famClico trazendo,
Qual um pe, qual a mäo, <i.uaI outro os bra~os: ru que, pouco es~ad? na epoca de sua publi~o. foi erigido
Outro na crua carne iam comendo; em ancestral do Indianismo pelos nossos romilnticos por motivos
Tanto na infame gula eram. devassos. estreitamente nacionalistas ( ••).
Tais ha, que as assam nos ardentes fossos,
Alguns torrando estäo na chama os ossoS. No conjunto, porem, a sua extreme fidelidade aos m6dulos
Que horror da Humanidade! ver tragad8______...-- classicos e as hierarquias mentais da Contra-Reforma inserem-no
Da pr6pria espCcie a carne ja corrupta! de pleno direito na linhagem conservadora que cm Portugal re-
sistiu • mare iluminista.
(Canto I, estrofes 17-18).
0 her6i do poema e Diogo Alvares akunhado o Caramuru
:e verdade que a polemica antilibertina urgia mais no espl- pelos Tupinambas ( Duräo traduz o term~ por "filho do troväo")
rito do poeta que o horror 8s praticas nativas, pois, tendo clama· e responsavel pela primeira 8'äo colonizadora na Bahia. Menos
do .contra estas, da um passo atras e considera nos maus fil6sofos her6i de luta do que her6i culrural ele e 0 fundador 0 homem
efeitos piores que os da antropofagia: providencial que ensinou ao barbar~ as virrudes e as l~is do alto.
Como no Eneias virgiliano e no Godofredo rassesco, a sua gran-
Feras! mas feras näo; que mais monstruosos )
deza reside na vida reta e na constancia de inimo:
S-ao da nossa aima os birbaros efeitos;
E em. corrupta razäo mais furor cabe_
Que tanto um bruto imaginar näo sabe
1 De um variio em mil casos agitado
Que as praias discorrendo do Ocidente,
(C /, 25). l Descobriu o RecOncavo afamado
Da Capital brasilica potente:
Do Filho do Troväo denominado,
E, no outro extremo, as palavras do selvagem que diz ao ~ 0 peito domar soube a fera gente;
missioniirio ja ter recebido em sonho, "como em s.ombra mal 0 valor cantarei na adversa sorte,
Pois s6 conh$ Her6i quem nela C fortc
formada", a essencia da doutrina crisrä (1, 45-59).
A poetica que presidiu a feitura do poema era hfhrida. De (Canto I, 1)
um lado, esquemas camonianos, '~corrigidos" pela preseni;a ex-
clusiva do maravilhoso cristäo. De. outro, a tradi~o colonial-bar- Domando a "fera gente" e as pr6prias paixöes, Diogo c mis-
roca que se reflete no gosto das enumeras:öes profusas da flora to de Colono portuguCs e mission3rio jesufta, sfntese que näo con-
tropical hauridas no ultragong6rico Rocha Pita. 0 uso do mara- vence os conhecedores da hist6ria, mas quc da a medida jusra
vilhoso cristäo e o desejo de superar em coerencia 0 s Lusiadas dos valores de Frei Jose de Santa Rita Duräo. Na medida em
explicam-se nesse passadista renitente por uma tendCncia nova que o her6i encarna, alias ossifica tais valores, ele se enrijece e
na cultura do seculo XVIII: a crltica aos hibridismos da Renas- acaba perdendo toda capacidade de ativar a trama epica. Salvo
cens:a em materia de mitologia. Durao esteve atento aos conse- 0 epis6dio transmitido pela lenda, em que 0 naufrago passa •
lhos de Jose Agostinho de Macedo, polemista vitrioloso que en-
dossou todas as teses retr6gradas da "viradeira", mas que con- (56) Cf. AntOnio Cändido, "Estrutura literSria e funi;äo hist6rica" em
Literatura e Sociedade, S. Paula, Cia. Ed. Nacional, 1965. '
servou do Iluminismo o dlnone d• vcrossimilhan'°. Nada lhe

76 77
senhor dos Indios fazendo fogo con'I o seu fuzil ( 11,44), proeza Ha em Tomas Antonio Gonzaga ( 57) um homem de letras
repetida na luta contra J araraca ( IV, 66), a •l'äO e antes sofrida jurldicas e de alta burocracia que escreveu ainda jovem um cau-
do que empuxada por Diogo-Caramuru. De resto essa paralisia teloso Tratado de Direito Natural com o intuito de galgar um
e sempre razäo do louvor setecentista ao her6i civil e padfico, pösto na Universidade de Coimbra, e viven a vida toda metido
tanto mais que este ja alcan\'OU, mediante expedientes magicos em oflcios e pareceres. Sua perfcia lhe valeu posi,öes de presti-
(e aqui se regride ao barroco), formas .duradouras de domina,äo: gio mesmo quando exilado em MQl'ambique. Mas houve, den-
tro do quarentäo s6lido, pratico e prudente, um lirico que a in-
Quanto merece mais, que em douta Lira
Se cante por Her6i 1 quem pio e justo, c!ina,äo por Marllia fez despertar, e um satirico a quem picaram
os desmandos de um tiranete.

,•
Onde a cega Nacäo tanto delira,
Reduz a humanidade um Povo injusto? 0 ponto de media,äo entre o desembargador e o poeta acha-
Se por her6i no mundo s6 se admira 1
-se no tipo de personalidade que se poderia definir, negativa-
Quem tirano ganhava um nome augusto,
Quanta 0 sera maior que 0 vil tirano mente, como näo-romiintica. Desfeitas as lendas do enamorado
Quem nas feras infunde um peito humane? perpetuo, do rebelde amigo de Tiradentes, do homem que ensan·

l1
1
(C. II, 19)
deceu no degredo, ficou livre o caminho para a compreensäo do
/iterato que em tudo revelaria equilfbrio entre os sentidos e a
A. partir do Canto VI, tudo e descritivo. Durio cede il razio.
tend~ncia retrospectiva da epopeia classica espraiando-se na crö- Gonzaga e conaturalmente arcade e nada fica • clever aos
nica do descobrimento e das riquezas coloniais, näo esquecidas confrades de escola na Italia e em Portugal. As /iras säo exem·

l
as gl6rias do apostolado jesultico. plo do ideal de aurea mediocritas que apara as demasias da na-
tureza e do sentimento. A "paisagem", que nasceu para arte
como evasäo das cortes borrocas, recorta-se para o neoclassico
Arcades ilustrados: nas dimensöes menores da cenografia idflica. Esta prefere ao
mar e a selva o regato, o bosque, o horto e o jardim. A natu-
Gonzaga, Sllva Alvarenqa. Alvarenqg Pelxolo reza vira refUgio ( /ocus amoenus) para o homem do burgo opri-
. tnido por distinl'Öes e hierarquias. Todas as culturas urbanas do
Entre Basllio e Santa Rita Duräo as aproxima,öes säo for- Ocidente, nos estagios mais avan,ados de moderniza,äo, acabam
tuitas. Seria talvez mais correto pör o Caramuru entre par~te­
ses e lembrar os tra\'OS mais modernos e llricos do Uraguai para
(57) ToMAs ANTÖNIO GoNZAGA (Porto, 1744 -
retomar 0 fio da poesia arcadica. Que leva a leitura de Gonzaga, Mo;ambique,
1810?). Filho de um magistrado brasileiro, passou a inf:lncia na Bahia
de Alvarenga Peixoto e de Silva Alvarenga. Ha um ar de fa- onde estudou com os jesuftas. Formou-se em Canones em Coimbra para
mllia que nos faz reconhecer em Basllio e nesses poetas a mes- cuja Faculdade preparou a tese sobre Direito Natural. Exerceu a magis·
ma disposi,äo constante para atenuar em idllio tudo 0 que .e tratura em Beja durante alguns anos. Em 1792 chega a Vila Rica para
tenso, conflitante; o sentimento, ·mediado pela maneira buc6li- exercer a ouvidoria e a procuradoria. Cedo comeca.m as suas desaven~as
com as autoridades locais (motivo das Cartas Cbilenas que correram anö-
ca e rococ6, e comum a todos; como a todos e comum o convf- nimas). mas tambem o seu idflio com a adolescente Maria Joaquina Doro-
vio COffi 0 Iluminismo que Jevou OS Ultimos a participa\'ftO em t€ia de Seixas, a Marflia das Liras. Nomeado desembargador da Rela~äo
grupos hostis ao regime. Gonzaga e Alvarenga Peixoto, nascidos da Bahia, esperava casar para partir, quando e delatado e preso como con·
ambos em 1744, estiveram envolvidos na Inconfid~cia e sofre- jurado e conduzido a Ilha das Cobra:s. Julgado depois de tr€:s anos, de·
gredam-no para M~ambique. A1 obtem uma alta posi~äo administrativa
ram a mesma pena de degredo .Para a Africa. Silva Alvarenga, e se casa com Dona Juliana Mascarenhas, filha de um riqulssimo merca-
pouco mais jovem, foi mentor de reuniöes liberais no Rio de dor de escravos.
Janeiro e satirizou as leis retr6gradas da Corte, vindo a conhe- Edi~äo recomend3.vel: Obras Completas, aos cuidados de Rodrigues
cer tr~s anos de duro carcere. E justo aproxima-los como os me- Lapa (Rio,_ 2 vols., 1957). Sobre Gonzaga: Rodrigues Lapa, Introdu~äo
lhores exemplos da vertente arcade-ilustrada. 4s Obras, cit.; Eduardo Frieiro, Como era Gon:{aga?, Be1o Horizonte. 1950

78 79
reinventando o natural e fingindo 11a arte a grac;a espontinea do
tc cobrc as faces, que s!o cor da neve.
Eden que os cuidados infinito• da cidade fizeram perder. Para Os teus cabelos säo uns fios d'ouro·
os romänticos, que levariam o processo ao limite, a natureza era teu lindo corpo balsamos vapora. '
o lugar sagrado da paixao, o cenario divino dos seus pr6prios· so-
nhos de liberdade e de gl6ria. Mas para o arcade ela ainda c! A oscila~ao entende-se como comprornisso arcade entre o
pano de fundo, quadro onde se fazia. posslvel expressar as in- real <; os pa~öes de beleza do lirismo petrarquista. A dubieda-
clinac;öes sensuais ou nostalgicäs que o decoro das func;öes civis de ~11.'.'ge, alia~, outras areas: Dirceu ora e pastor, quando o pede
relegava a esfera da vida intima. • fic<;ao buc6lica, ora e juiz, quando isso lhe da argumento para
0 processo de alargamento, ate coincidirem sujeito e natu- mover a admirai;äo de Marllia:
reza, comec;a no seculo XVIII com Rousseau e os pre-rornßnticos
Eu, Marllia, näo fui nenhum vaqueiro
ingleses. Mas s6 em pleno Romantismo tomaräo o mesrno cris- fui honrado pastor da tua aldeia. . . '
ma homem e paisagem. A linha arcadica parece timida e modes-
ta em comparac;äo com o "primitivo", o "batbaro", o "telllrico" Verlis em cima da esp~osa mesa
dos romi\nticos. E nao s6 nos temas. As liras, os rond6s e os altos volumes de enredados feitos·
madrigais ordenavam melodicamente um universo reduzido de ver-me-2s folhear os grandes livro;
e decidir os pleitos. •
emoc;öes; e o pequeno nUmero e o rigor metrico dessas formas
ja significavam o limite a que se impunham os poetas, para quem
a arte sabia ainda a exercicio de linguagem. Um leitor romänti- Mas, pastor ou juiz, Dirceu insiste em frisar o seu status
superior ( ").
co de Gonzaga por certo se decepcionara com a monotonia dos
temas e com algo que parece indiferen~a de quem niio se empe- ~an_ibem a paisagem e ora nativa, com minucias de cor Jo-
nha muito na materia do seu canto. Mas seria uma leitura ana- ca! mmeira, ora lugar ameno de virgiliana mem6ria:
crönica: ao arcade basta para cumprir sua missao li terilria a fa-
tura de um quadro onde as linhas da narureza ora contrastem Tu näo verifs, Marllia, cem cativos
tirarem o cascalho e a rica terra,
ora emoldurem uma tenue hist6ria sentimestal. ou dos cercos dos rios caudalosos,
Assim, a figura de Marilia, os amores aüida näo realizados ou da minada serra.
e a m<igoa da -separac;äo entram apenas como "ocasiöes" no can- Näo veras separar ao habil negro
cioneiro de Dirceu. Näo se ordenam em um crescendo emotivo. do pesado esmeril a grossa areia,
Dispersam-se em liras galantes em que sobreleva o mito grego, e ji brilharem os granctes de oiro
a paisagem buc6lica, o vezo do epigrama. Ja foi notado, com no fundo da bateia.
ingenuo escandalo, que os cabelos de Marilia mudam de uma li-
ra para outra e aparecem ora negros, ora dourados: (
58
) As suas palavras de desprezo a Tiradentes escritas na prisä:o
Os scus compridos cabel~. com o intuito de defesa, ferem a tecla da "infcrioridade;, social do Alfercs:
que sobre as costas ondeiam,
säo que os de Apolo mais belos, Ama a gente assisada
mas de loura cor näo säo. a honra, a vida, o cabedal, täo pouco,
Tbn a cor da negra noitc; que ponha uma ai;äo destas
e com o branco do rosto nas mäos dum pobre, sem respeito e louco?
fazem, Marllia, um composto
da mais formosa uniäo.
························· ·········
A prudencia e trati-lo por demente;
Os teus olhos espelham luz divina, ou prend!-Io, ou entregi-lo,
a quem a luz do sol cm väo se atreve; pua delc zombar a m~ gcntc.
papoila ou rosa delicada e fina (Lir• 64)

80
Bl
Niio ver8s derrubal: os virgens matos Contemporineas da 1 Parte das Liras säo as Cartas Chilenas
queimar as capoeiras inda novas,
servir de adubo a. terra a fertil cinza,
que suscitaram dU.vidas de autoria durante mais de um s&ulo ( 59 )
lan~ os gräos nas covas. Gonzaga as escreveu no intuito de saririzar seu desaleto politico,
o. Governador Luls da Cunha Meneses, que nelas aparece sob o
Näo veris enrolar negros pacotcs disfarce de Fanfarräo Minesio.
das secas folhas do cheiroso f;µmo;
nem espremer entre as dentad'as rodas Säo doze cartas assinadas por Critilo e dirigidas a um ami-
da docc cana o su.m.o. go, Doroteu. A s8tira e o processo constante, mas o tom, desde
OS VetSOS de abertura, e mais jocoso do que azedo:

Num. sftio ameno, Amigo Doroteu, prezado amigo


cheio de rosas, abre os olhos, boceja, estende ;,, bra~
de brancos lirios, e lim~ das pestanas carregadas
murtas vi~sas, o pega1oso hum.or, que o sono ajunta.
dos seus am.ores e
Critilo, o tcu Critilo, quem te chama;
na companhia, ergue a ca~ da engomada fronha
Dirceu passava acorda, se ouvir queres cousas r~.
alegre o dia.
As "cousas raras" däo pretexto para descrever o mundo as
Enquanto pasta alegre o manso gado, avessas, o Chile ( isto e, Minas) i1 merce de Fanfarräo Minesio:
minha bela Marilia, nos sentemos
a sombra deste cedro levantado. entao veriis leöes com ~ de pato,
Um pouco meditemos veriis voarem tigres e camelos,
na regular beleza, veras parirem homens, e nadarem
que em tudo quanto vive nos descobre 08 roll~ penedos sobre as ondas.
a sS:bia natureza.
Tudo sabe a divertimento literario nas cartas do Ouvidor
Mas tudo säo contrastes aparentes, focos de aten~o cliversos de Vila Rica. Fanfarräo lhe evoca ora Sancho escanchado no
do mesmo olhar e do mesmo espfrito cujo lema e sempre o otium Rocinante a dar senten~as, ora Nero, primeiro piedoso, depois
cum dignitate do magistrado a quem a fortuna deu talento para enraivecido, no trato dos sU.ditos. E reaparece em cores caricatas
fazer versos. Mesmo nas liras compostas no cSrcere, o desejo o realismo da vida domestica esquecido pela tradi~o lirica mais
de temperar as pr6prias dares com novas galanterias e torneias "nobre". Na Carta Terceira, 18-se uma descri~äo da vida pachor·
mi tol6gicos e prova de um carater incapaz de extremos. Ainda renta dos 3rcades, vindo a tona 0 "velho Alcimodonte" entre
nesses momentos fala o homem preocupado s6 em achar a ver- os seus alfarrabios ( Claudio Manuel da Costa) e o "terno Flori-
säo literaria mais justa das seus cuidados: doro" ( Alvarenga Peixoto) fruindo das lazeres da vida familiar.
Nessa obra de circunstancia agrada sempre a fluencia da
Nesta cruel masmorra tenebrosa decassilabo solto que vai marcando com brio os abusos do mau
ainda vendo estou teus olhos belos,
a testa formosa,
politico, sem deixar em branco as suas maneiras de "caduco
os dentes nevados, Adonis" exibidas por ocasiäo dos esponsais de· D. Joiia e Dona
os negros cabelos. Carlota J oaquina.
Vejo, Marllia, sim; e vejo ainda ( 59 ) Ern favor de Cl&udio, cf. Caio de Melo Franco, 0 Inconfidente
a chusma dos Cupidos, que pendentes ClOudio Manuel da Costa, Rio, Schmidt, 1931. Provando definitivamente
dessa boca linda, a autoria de Gonzaga, v. Manuel Bandeira, "A Autoria das Cartas Chile-
nos ares espalham nas'.' (in R~sta ~o Brasil, .abril de 1940) e Rodrigues Lapa, As Cartas
suspiros ardentes. Chilenas, Rio, Insntuto Nacronal do Livro, 1958.

82 BJ
.E escusado dizer que .a denqncia de Critilo näo vai alem Ern geral, A. Pcixoto combina a loa do progressismo com a
das pessoas e, se deixa passar algum versa de piedade pelos aceita~äodo governo forte: e 0 despota ilustrado 0 seu ideal, ti-
negros, rano a quem se rende a Colönia na pessoa do nativo. Nas oita-
que näo tCm mais delitos que fugirem vas do "Canto Genetlfaco", escritas em 1782, por ocasiäo do
as fomes e aos castigos, que padecem
no poder de senhores desumanos, nascimento do filho do Governador das Minas ja o nativismo
sentimental se funde no poder Juso:
näo toca em ponto algum do-regime·nein incrimina "as santas Biirbaros filhos destas breohas duras,
leis da Reino". E a certa altura reconhece como legais as sevl- nunca mais recordeis os males vossos;
cias feitas pelos donos das escravos: revolvam-se no horror das sepulturas
dos primeiros av6s os frios ossos:
Tu tamb6n näo ignoras que os a9)utes que os her6is das mais altas cataduras
sci se däo, por desprezo, nas esp3:duas, principiam a ser patdcios nossos;
que ai;outar, Doroteu, em outra parte e o vosso sangue, que esta terra ensopa,
s6 pertence aos senhores, quando punem ja produz frutos do melhor da Europa.
os caseiros delitos das escravos.

Bastariam esses passos ( colhidos de um poema em que pre- Quando preso na Ilha das Cobras, a sua nega,äo sistemati·
valece a intenc;ä:o critica!) para situar a ideologia de Gonzaga: ca de ter participado no movimento levou-o ao paroxismo da sub-
despotismo esclarecido e mentalidade colonial. serviencia com D. Maria I, pondo na boca do Piio de A,ucar, mu·
Trac;os esparsos, mas fortes, de nativismo acham-se na obra dado em Indio, estes versos categ6ricos:
exigua de Alvarenga Peixoto ( 60 ). Come\'.OU a escrever corno Sou vassalo, sou leal;
neocla'.ssico, pagando depois tributo a lira laudat6ria: ~om sincero como tal,
entusiasmo ao cantar Pombal, mas por urgCncia do 1ndulto, no fiel, -constante,
sirvo a gl6ria da imperante,
ca so de D. Maria I. sirvo a grandeza real.
Ao Marques dedicou uma trabalhada Ode em que o tema do Aos EHsios descerei,
her6i pacffico atinge a sua mais clara expre.osäo. Ao quadro d~ fiel sempre a Portugal,
guerra ( "o horror, o estrago, o susto") o poeta contrapöe. o un1- ao famoso vice-rei,
verso do labor e da ordern, cujo pano de fundo traz a prusagem ao ilustre general,
as bandeiras que jurei.
mitica da Arddia:
Grande Marques, os Siitiros saltando 0 mesmo espfrito, modulado em versos menos infelizes, re-
por entre verdes parras, conhece·se na Ode a D. Maria, "Invisfveis vapores", em que
defendidas por ti de estranhas garras; o Indio manobra as suas palavras no sentido de dar a Inconfi·
os trigos ondeando
nas fecundas searas; dencia uma dimensiio luso-brasileira.
os incensos fumando sobre as aras, Quanto ao juizo estetico sobre a lfrica de Alvarenga Peixo-
9. nascente cidade to, esta pendente de poucas composi~öes, sendo algumas de au·
mostram a verdadeira heroicidade.
toria discutfvel. Dos sonetos descobertos entre os manuscritos
(tiO) lNAcro JosE DE ALVARENGA PEIXOTO (Rio, 1744; Ambaca, An- da Biblioteca Nacional de Lisboa por M. Rodrigues Lapa ( 1959),
gola, 1792). Doutorou-se cm Leis pela Universidade de Coimbra em 1767. pode-se dizer que apresentam tra~os pre-romanticos temperados
No Brasil exerceu a funi;S:o de ouvidor no Rio das Mortes onde conheceu pela inten~äo geral, neoclassica:
Barbara Heliodora, com quem se casou. Comprou lavras no sul de Minas
e C sem dUvida como propriet:lrio descontente com a "derrama" que tc- Ao mundo esconde o Sol seus resplandores,
ria participado na InconfidWcia: foi preso e desterrado, vindo a morrer e a miio da Noite embrulha os horizontes;
no presfctio africano. a. Vida e Obra de Alvarenga Peixoto, por Rodri- näo cantam aves, näo murmuram fontes,
gues Lapa, Rio, l.N.L., 1%0. nao fala Pi na boca dos pastores.

84 85
Atam as Ninfas, cm lugar. de flores, 0 verso e o redondilho maior acentuado sempre na 3."
mortais dpre&tes Sobre as tristes frontes; sllaba.
erram. chorando nos desertos montes,
sem arcos, sem aljavas, os Amores. Mais livres, os madrig~is de Glaura articulam-se em estrofcs
variamente rimadas, que väo de 8 a 11 versos. Corno na tradi-
V!n.us, Palas e as filhas da Mem6ria,
deixando os grandes templos esquecidos, ~äo italiana dessa forma, aos decassllabos misturam-se hcxas-
näo se lembram de altares nqn de gl6ria. sllabos:
Andam os elementos confundidos: Nesre aspcro rochedo,
ah, Jönia, Jönia, dia de vit6ria A quem imitas, Glaura sempre dura.
sempre o mais triste foi para os vencidos ! Gravo o triste scgredo
Dum amor estremoso e sem ventura.
Silva Alvarenqa d:l-nos a imagem cabal do militante ilus- Os Faunes da espessura
Com sentimento agreste
trado( 61 ). Aqui mcu nome cubram de cipreste,
Mas a aten~o do leitor amante de poesia logo se voltaril Ouvem o teu as ninfas amorosas
para a coerencia formal da sua. obra, Glaura, composta de ron- De goivos, de jasmins, lirios e rosas
d6s e madrigais. 0 rond6, de origem francesa, foi convertido (Madrigal VI).
por Silva Alvarenga em um conjunto de quadras com um estri-
bilho que abre e fecha a composi~o, alem de se intercalar en- Os t6picos de Alcindo formam o exempl:irio do Rococ6:
tre series de duas estrofes. Assim, em um rond6 de treze qua- locus amoenus, carpe diem, otium cum dignitate. E sempre a
dras, o estribilho aparece cinco vezes, o que da um alto indice de figura de Glaura como esquiva pastora envolta em um halo de
redundilncia e favorece a mem6ria musical do poema. Na mes- galante sensualidade.
ma esteira de repeti~äo, os estribilhos se dispöem sempre com Ultimo dos neocl:issicos de relevo, autor de uma Epistola
rimas internas: a Basilio da Gama forrada de preceitos horacianos, Silva Alva-
Cajueiro desi;ra~ado ( a ) , renga ja foi considerado, no entanto, "o elo que prende os arca-
A que Fado (a) te entregaste (b), - des e os romftnticos" (Ronald de Carvalho). A expressäo trai
Pois brotaste ( b} em terra dura ( c)
Sem cultura ( c) e sem senhor uma crftica externa, se näo superficial: o fato de se inclufrem
nos rond6s nomes de Srvores brasileiras, o cajueiro e a manguei-
(Rond6 III)
ra a cuja sombra repousa Glaura, alem de näo ser tra~o exclusi-
Conscrvai, musgosas pcnhas (a), vo do poeta, pode explicar-se como simples nativismo de paisa-
Nestas brenhas (a) minha gl6ria (b); gem, comum a barrocos e Srcades. E o ameninamento das comw
E a mem.6ria (b), que inda existe (c), para~öes ( com pombos e beija-flores) e dos adjetivos ( ternos
Torne um triste (c) a consolar
Amores, tenra flor, purpura mimosa, mimosa Glaura) tem um
(Rond6 Vill).
que de Metastasio dengoso e acariocado que se entende a mara-
(61) MANUEL INAc10 DA SILVA AivARENGA (Vila Rica 1749 - Rio vilha quando se evoca o tipo do mesti~o culto nos tempos colo-
de Janeiro, 1814 ). Fez liumanidades no Rio e Cinones em Coimbra entre niais, näo se fazendo mister a etiqueta uromintico„ para
1_773 e 1776, perfodo em. que defendeu com ardor a nova polftica educa- defini-lo( 62 ).
ctonal do Marqu!s, como testemunha 0 seu poemeto her6i-c0mico 0 v~
sertor, 5'tira da ran~ pedagogia coimbrä. Voltando para o Brasil, adve> cindo Palmireno), coligidas por Joaquim Norberto em 2 vols., Rio, 1864;
gou em Rio das Mortes, fixando-se depois no Rio como professor de Re-
t6rica e PoCtica. Membra ativo da Sociedade LiterO.ria dcsde 1786, fez-se Glaura, com pref3cio de Afonso Arinos, Rio, l.N.L., 1944.
{ 62) Tra~os que se percebem ainda mais nitidamente nos versos de
conhecer pelas id6as "afrancesadas", o que lhe custou trCs anos de prisäo
( 179497). Liberado, continuou a ensinar e chegou a ser um dos DOSS06 DOMINGOS CALDAS ßARBOSA (Rio, 1738 - Lisboa, 1800), filho de portu-
primeiros /ornalistas com a fun~ dO Patriota, Glaura publicou-se em gues e angolesa. Na. colet&nea de seus poemas, Viola de Lereno (Lishoa,
1799. &li~: Obras Poeticas de Manuel Inacio da Silva Alvarenga (Al- 1798), reconhece-se a gra~ f3cil e sensual dos lunduns e das modinhas

86 87
E verdade tambem qµe jogar com as linhas e as cores da Da llustra~ao ao Pre-romanUsmo
paisagem para exprimir os pr6prios afetos ~ ser pre-rom8:ntico
em sentido lato. A analise näo deve, porem, borrar os planos de Nos primeiros decenios da seculo XIX as f6rmulas ard·
enfoque. No nlvel mais generico, a Ilustra~o, de matiz sensis- dicas servem de meio, cada vez menos adequado, para transmi-
ta ou rousseauniana, desagua no egotismo, a grande linha de for. tir os desejos de autonomia que a inteligencia brasileira ja ma·
\a do Romantismo. Ambos siio etapis de um processo de afir· nifestava em diverses pontos da Colönia.
ma\iio da sensibilidade, que acabara incorporando a Natureza e Seria curiaso investigar o porque de tanta ma poesia du·
a Hist6ria; ambos integram o curso do individualismo que, näo rante esse perfodo rico de mudanc;as econömicas e polfticas na
cessando de crescer desde a Renascen\a, tem lastreado a ideolo- sociedade brasileira. A rigor, entre a Glaura de Silva Alvaren-
gia corrente da civiliza\iio ocidental. ga e OS Primeiros Cantos ( 1846) de Gon,alves Dias niio veio a
Mas, no interior desse longo processo, acham-se em tensäo luz nenhuma obra que merecesse plenamente o t!tulo de poetica.
dialetica diversas configura\öes de estilo, diferentes graus de E mesmo que a data final fosse recuada para 1836, ano da pu-
liberdade. A efusäo romantica, centrada no emissor da mensa- blica\iio das Suspiros Poeticos e Saudades de Gon,alves de Ma-
gem, rejeita o velho c6digo da mitologia grega e das formas fi- galbiies, marco da literatura romäntica, ainda assim terlamos tres
xas, que os arcades ainda sentiam como veiculo adequado de co- decadas e meia e certamente duas gera\öes de curtissimo fölego
municai;ä.o. Nesse ponto, a ruptura romfuttica sera um fato es- lirico.
retico muito bem marcado que näo convem esfumar pela insis- Uma hip6tese para explicar o fenömeno e ver no hibridis-
tCncia no relevo de trai;os premonit6rios. mo cultural e ideol6gico desse perlodo a carencia de mordente
0 mesmo cuidado vale para o reconhecimento da ideolo- capaz de organizar um estilo forte e duradouro. Todo o pro-
gia liberal ja difusa entre os seculos XVIII e XIX. 0 espirito cesso da Independfu>cia (de 1808 a 1831) fez-se gra,as a inter-
de distin\lio deve ficar alerta para näo confundir homens de todo ven\iiO das classes dominantes do pals, que herdaram da vida
passadistas, como Santa Rita Duräo, e os ilustrados, alguns bem colonial mais recente uma serie de ambigüidades: Ilustra•iio-rea·
cautos e prontos a voltar atrcls nas ocasiöes penosas, como Gon- \ao; pombalismo-jesuitismo; delsmo-beatice; pensamento-ret6ri-
zaga e Alvarenga Peixoto, mas outros coereJ).tes no seu percurso ca . . . As elites brasileiras, ainda forradas da linguagem coim-
do pombalismo ( como libera\iio e näo refor\o da tirania ) para brä, tomavam ciencia das novidades europeias, que eram nada
a critica do sistema colonial. E esse o caso de Silva Alvarenga menos do que os frutos da Revolu>iio Industrial e da Revolu~o
que vimos cantar na juventude a reforma da Universidade e en- Francesa; mas nä:o se sentiam ·maduras para recusar os mitos au-
contramos, consumada a "viradeira", entre os animadores da torit:lrios que a Santa Alian\a fizera circular pela Europa do Con-
Sociedade Literaria, agindo de modo a despertar as suspeitas da gresso de Viena ( a Austria, a Russia, Espanha e Porrugal e a
Conde de Resende que o mantem por tres anos no c3rcere; e que, pr6pria Fran\a restaurada de Lu!s XVIII e Carlos X). A divi-
cnfim, temos entre os redatores dO Patriota, a primeira revista säo de aguas entre liberais e conservadores, que marcou o ho-
de cultura impressa depais da vinda de D. Joäo. E e tambem mem europeu na primeira metade do seculo, esbateu-se entre ~6s
o caso do medico mineiro Francisco de Melo Franco ( 1757-1823); pelo fato de ter vindo de cima a consecu>~o, ~· Indepen~enCia:
presa pela Inquisi\iio em Portugal como livre-pensador, persis- De Cayru, valido de Joäo VI, a Jose Bo111faC10, conselhetro de
tiu na crftica mordaz ao reacionarismo coimbräo, desmascaran- Pedro I temos uma inteligencia que repete, em um vasro pa!s
do-o no Reino da Estupidez, poemeto her6i-cömico qüe s6 logrou recem-egresso do sistema colonial, a experiencia dos intelcctuais
ver impresso em Paris, em 1818. europeus junto aos despotas mais ou menos esclarecidas(").
afro-brasileiras que ele transp& para esquemas arciidicos, durante o seu
( 63) Alguns historiadores tbn acentuado o car3ter de compromisso
longo convfvio com os poetas da corte de D. Maria 1. t um caso dpico
de contaminatio da tradi~äo oral, falada e cantada, com a linguagem eru- t;n!f
de que se revestiu a Independencia: 11 AtC As v~peras; · ., e aqucles
mesmos que seriam seus principais fautores, nada ~avta que m. I~ um
dita (V. a lntrodu~äo de Francisco de Assis Barbosa a Viola de Lereno,
Rio, l.N.L., 1944). pensam.cnto separatista daro e definido. 0 pr6pno J~ Bonifiicio, que

89
88

I
Näo e de admirar qul' atitudes ideol6gicas a rigor lncom- facio de Andrada e Silva ( 64 ), cujo relevo de estadista tem dei-
patlveis viessem tecer uma s6 rede mental: padrcs cram ma~ns, xado em segundo plano ( e näo sem justi~a ... ) as veleidades do
os religiosos professavam-se liberais e ate um tradutor dos Sal- poeta.
mos se fez interprete da teoria do bom selvagem. A nossa vida
espiritual näo sentiu os cboques violentos que abalavam a Eu- Faltas de estro, a "Ode aos Baianos" e a "Ode aos Gregos",
ropa, pois näo tinham amadurecido aqui os grupos de pressiio que arrastado e ret6rico o "Poeta Desterrado", lCem-se hoje apenas
lutavam arduamente no Velho Munda desde as primeiras crises pelo que ilustram a biografia de um homem de inteligbicia ro-
do feudalismo. As opiniaes radicalmente opostas de um Voltai- buste e voltada para o mundo. No Patriarca, as leituras dos r0-
re e de um Rousseau, ou de um Byron e de um Chateaubriand, manticos ingleses, que ele cita com louvor, ficaram no plano de
calam na rarefeita elite brasileira como p"'as de um mosaico ideal vagas sugestöes sem que o arcade pudesse, sexagenario, absorver
que um pouco de habilidade verbal poderia compor. o esplrito realmente novo que soprava da Europa. ~ no plano
dos detalhes formais despregados do todo que ele recebeu a li-
0 ecletismo teve nos generos publicos e na poesia rct6rica \äo romilntica:
a sua melhor expressäo.
Pot poesia ret6rica entende-se aqui o verso que se propöe . .. e quanto a monotönica regularidade das estäncias, que se-
guem a risca franceses e italianos, dela S.s vezes me apartei de pro-
abertamente ensinar, persuadir, moralizar; em suma, incutir um p6sito, usando da mesma soltura e liberdade, que vai novamente
complexo de ideias e sentimentos. 0 Iluminismo favorecia o praticadas por um Scott e um Byron, cisnes da lnglaterra (Dedi-
gosto pedag6gico, ministrando o Uti!, enquanto cabia ao idllio cat6ria).
arcade providenciar o agradavel. Com o nosso hibridismo ilus-
trad0-religioso do com°'o do secu!o XIX, e o poema sacro, mo- Alem da "soltura" das estäncias e do verso branco ( que
ralizante ou patri6tico que vai substituir as tiradas em pro! das nele antes acentua o prosaico do que a liberdade poetica), Jose
luzes do seculo anterior. Leg!veis, nesse esp!rito, siio as tradu- Bonifacio tomou aos pre-romilnticos imagens merenc6rias de ci-
\aes dos Salmos e as Poesias Sacras e Profanas do Padre Sousa prestes e !Umulos com que ensombra os seus quadros buc6licos:
Caldas (Rio, 1762-1814), autor de uma significativa "Ode ao
E inda haver:i mortal desassisado,
Homem Selvagem"; e as parafrases dos Proverbios e do Livro de Que sem temor os olhos seus demore
]6 de El6i Ottoni (1764-1851). Sousa Caldas, sem duvida su- Sobrc o palido tUmulo sagrado,
perior a Ottoni, pela f!uencia e cotre\iio da lihguagem, molda os Que Ia reluz ao longe!
verslculos em estrofes neoc!assicas dando a medida do sincretis- A vista dele, doce vate, morre
mo literario da epoca. Ileglvel, o poema sacro A Assun~äo, de Toda a alegria minha,
Morre o prazer da eterna primavera.
Fr.. Francisco de S. Carlos, "uma das mais insulsas e aborridas
produ\Qes da nossa poesia", no dizer severo de Jose Verlssimo. (Ode, imitada do ingles, a morte de
um poeta buc61ico}
0 patri6tico e moralizante aparecem copiosos nas Poesias
Avulsas de Americo Ellsio (182?), pseudönimo de Jose Boni-
( 64) JosE BoNIFAc10 DE ANDRADA E S1LVA {San tos, 1763 - Rio, 1838).
seria o Patriarca da Independ~ncia, o foi apesar dele mesmo, pois sua Estudou em Coimbra formando-se em Direito Civil e em Filosofia Natu-
ideia sempre fora unicamente a de uma monarquia dual, uma esp6cie de ral ( CiCncias}. Mente enciclopedica, foi mineralogista de renome na Eu-
feder~Bo luso-brasileira" (Caio Prado Jr., Formafäo do BrdSil Contem- ropa e homem de s6lida cultura econOmica, al6n de grande estadista. Vol-
pordneo, 7.• ed., S. Paulo, Brasiliense, 1963, p5g. 364 ). Dos politicos mais tando para o Brasil em 1819, influiu vigorosamente junto ao Principe D.
ligados a D. Pedro no perfodo cr(tico da ruptura com Portugal sabe-se Pedro no periodo da Independencia. Exilado entre 1823 e 1829, viveu
que neutralizaram a influencia dos liberais mais progressistas, como Gon- na Frani;a ( Bordfus) onde pöe termo a redai;äo das Poesias Avulsas de
~ves Ledo, Janufil-io da Cunha Barbosa e Alves Btanco; e que, para m~ Americo Elisio li editadas, em 1825. ' Regressando, recebe do lmperador
lhor governar, cindiram a Ma~naria, que a todos coligava, cerrando as renunciante o encargo de tutelar o futuro Pedro II, entäo menor. A
portas do Grande Oriente e fundando o Apostolado, definido por um au- sua ai;äo polftica no periodo regencial e tida como saudosista. V. SCrgio
tCntico rebelde, Frei Caneca, como um "clube de aristocratas servis". Buarque de Holanda, Prefiicio as Poesias, J.N.L.. 1946.

90 91
A luz da passagem de ,.eonven('ßo paisagfstica para o pitores- nessa atividade, a rigor extraliteriiria, mas rica de contatos com
co entendem-se as palavras finais de Americo Ellslo na Dedica- a cultura europeia do tempo, que se articularam as nossas letras
t6ria: ante-romänticas e se definiram as linhss ideol6gicas mestras do
Quem folgar de Marinismos c Gongorismos, ou de PedrinbtJJ Primeiro Imperio e da Regencia.
no fundo do ribeiro, dos versistas nacionais de freiras c casquilhos,
fuja desta minguada raps6dia, como de febre amarela. Para quem se entranha na hist6ria brasileira da primeira
metade do seculo, assumem uma clara funl'iiO simb6lica os no-
Poetas de escasso valor foram tambem Francisco Vilela Bar- mes de Cayru, Monte Alverne, Frei Caneca, Hip6lito da Costa,
bosa (Rio, 1769-1846 ), arcade retardatario que compös em Por- Evaristo da Veiga. 0 denominador comum e o novo mito que
tugal os Poemas e uma cantata uA Primavera"; e Jose de Nati- dos iluministas aos homens de 89 passara a ideia-for~ da bur-
vidade Saldanha ( 1795-1830), menos lembrado como idilico na- guesia ocidental: a liberdade.
tivista do que por ter participado na Confedera,äo do Equador As nal'öes devem ser livres. l! a razäo que o ensina, e Deus
( 1824) e vindo a morrer tragicamente na Colömbia, onde se li- que o quer. Variam as tönicas no panfleto ou no sermäo con-
gara aos liberais radicais. forme as ralzes leigas ou religiosas do autor. Nas Cartas de Sou-
0 unico nome que, ao lado de Sousa Caldas e Jose Bonifa- sa Caldas e nas ap6strofes de Frei Caneca, a fonte dos valores e
cio, pode aspirar ao titulo de representativo, e o de Domingos naturalmente a divindade; nos ensaios de Hip6lito da Costa, re-
Borges de Barras ( 1779-1855), aristocrata baiano e doutor em dator ilnico do Correio Brasiliense, e nos artigos de Evaristo da
Coimbra que, depois de ter viajado pela Europa e conhecido Veiga, alma da Aurora Fluminense, säo as IU2es da razäo que
na Frani;a os Ultimos 3rcades, Delille e Legouve, voltou ao Bra- exigem um clima de liberdade e toleräncia. "V6s amais a liber-
sil onde serviu a politica de Pedro I, que o fez Visconde da Pe- dade, eu adoro-a", dizia aos mineiros D. Pedro, e era um sinal
dra Branca. Publicou em Paris as Poesias Oferecidas i!s Senho- dos tempos na boca de um principe portugues de fndole auto-
ras Brasileiras por um Baiano (1825) e, muito mais tarde, a ele- ritaria.
gia Os Tumulos pranteando a morte de um seu filho ainda me- Variavam tambem os objetos a que se aplicava a ideia.
nino. Segundo a fina analise de Antonio Candida ( 65 ), ha nos Para o Visconde de Cayru (Jose da Silva Lisboa, 17'6-
melhores poemas de Borges de Barros aqu<!las cadencias de di- -1835), ela significava o fim dos entraves coloniais ao livre eo-
fusa sentimentalidade que se afastam da Arddia galante para . mercio: o que resultou na franquia dos portos, em 1808, e na
tocar motivos prf-romanticos: o "vago d'alma", a melancolia, a progressiva ocupa,äo pela Inglaterra de um novo e respeitavel
saudade, a m3goa, a solidiio. Sendo, porem, um poeta irregular, mercado.
de faceis descaidas para o banal e o mediocre, näo foi capa2( de Para o bispo e ma,omD. Jose Joaquim da Cunha Azeredo
passar de uma ou outra intui<;äo para o amadurecimento de Coutinho ( 6 6 ), alem das reformas econömicas, era a nova peda-
um estilo que teria feito dele, pelo menos, o que foi Gon,alves gogia do Emilia, voltada para a natureza e para a forms,äo do
de Magalhäes dez anos mais tarde: o introdutor do Romantismo citoyen, que arrancaria o brasileiro do 6cio e da treva colonial.
em nossa 1i tera tura.
A insistf:ncia nas reformas educacionais acha-se tambfm nas
Cartas do Padre Sousa Caldas escritas, segundo Verlssimo, a imi-
Os qeneros pUbllcos tal'iio das Lettres Persannes. Infelizmente s6 nos restam duas,
mas que deixam entrever a largueza desse esp!rito liberal capaz
de fundir o amor ao progresso e a cren,a religiosa.
Ao lado dessa poesia, oscilante entre velhos e novos pa-
dröes, florescem os generos nascidos da aberta inser<;äo na vida ( 66) De AzEREDO CouTINHO, v. Obras EconOmicas, apresentai;iio
pUblica: o sermäo, o artigo, o discurso, o ensaio de jornal. Foi de sergio Buarque de Holanda, S. Paulo, C. E. Nacional, 1966. Sobre o
seu pensamento, v. Nelson Werneck Sodr6, "Azeredo Coutinho, um eco-
(65) Op. cit., vol. !, pp. 284-291. nomista colonial", em A Ideologia do ColonialJsmo, 2.• ed., Rio, Civ. Bra-
silelra, 1965, pp. 19-37.

92 9J
A mesma sintese crismoU-se de ardor revolucioruirio na pes· Os publicistas deixaram um legado de brasilidade a primei-
soa de Frei J oaquim do Amor Divino Caneca ( 1779-1825). Sua ra gera~äo romantica. Mas, pela pr6pria natureza dos seus es-
repulsa as fei~öes desp6ticas do Primeiro Reinado exprimiu-se critos, colados 8 prax.is, näo chegaram a influir na consciCncia li-
1
primeiro nos panfletos cheios de sarcasmo do Tifis Pernambu- ter:iria que estava por nascer.
cano e nas Cartas de Pitia a Damäo, e depois pela adesäo a Re-
pilblica do Equador (1824) , que lbe ,yaleu a pena de morte. l InfluCncia e, mais que influCncia, fascinio, exerceu a pala-
vra de um orador sagrado, Frei Francisco de Monte Alverne ( 69 ),
Mas Frei Caneca e caso extremo no periodo. Sera neces- (1 que carreou para o limiar do Romantismo uma nova sensibilida-
slirio esperar pelos grandes levantes populares da Regencia e do de pela qua! se fundiam ao calor da cren~a as "harmonias da
Segundo Imperio, a Balaiada, a Cabanada, a Sabinada, os Fa"a- 1
natureza" e as "gl6rias da Patria".
pos e a Praieira, para entender essas crises do equilförio econö-
1

Tiveram-no por mestre e oraculo OS romanticos passadis-


mico e politico que o poder central iria superar apoiando-se nos tas: de Magalhiies a Porto Alegre, de ~alves Dias a Alen·
1
oligarcas provincianos e na perpetua~o do escravismo. car. E niio por acaso. Foi ele quem primeiro sentiu a inflexäo
Representam o liberalismo de centro dois admiraveis publi- espiritualista da Eusopa romantica; e quem DOS trouxe OS pri-
cistas da epoca, Hip6lito da Costa Pereira ( 67 ) e Evaristo da meiros ecos do Genio do Cristianismo e da filosofia ecletica de
Veiga (68 ) • Cada um a sua maneira criou o molde brasileiro Cousin. Tra~avam-se entiio os contornos da resistencia religiosa
da prosa jornalistica de ideias, näo superado dusante 0 seculo ao ceticismo busgu~s: e a linha de compromisso seguida por qua-
XIX. Para ambos, a liberdade e, acima de tudo, possibilidade se todos os cat6licos franceses era a de um cauto e piedoso libe-
de expressäo, de informa~io, de crftica. Sio os cl:issicos do res· ralismo. Niio foi outra a op~iio do nosso franciscano.
peito aos direitos civis, a Constitui~iio. Diferem em grau. Hip6- Siio caracteres constantes nas homilias de Monte Alverne:
lito da Costa era dotado de um talento mais viril que Evaristo;
a inten~iio apologetica, um vago e ret6rico amor da patria e, e.m-
tendo passado boa parte da vida na Inglaterra, pöde absorver
bora soe estranho na boca de um frade, um exagerado concelto
uma cultusa politica muito mais complexa que a do redator apres-
de si - narcisismo que bem assenta a esse avatar dos roman-
sedo da Aurora Fluminense. Diferem tambem pelas pr6prias
circunstancias de tempo em que atuaram. :fljp6lito foi o analis- ticos.
ta lucido que viu do alto do seu observat6rio londsino o Brasil Da sua presen~a diz, sem muita simpatia, Jose Verissimo:
de D. Joiio VI; feita a lndependencia, calou-se o Correio Brasi- No Rio de Janeiro, o principal centro de cultura. e de vi~a .li·
liense dando por Cl)mprida a sua missiio. Ao jornalista da Au· teriria do pais, Fr. Francisco de Monte. Aiver:ie faz1a do pulptto
rora coube o registro miudo dos Ultimos anos do Primeiro lm- ou da c2tedra estrado de tribuno polittco, misturando constante--
perio, dos dias agitados da Abdica~iio ( que ele ajudou a consu- mente, com eloqüencia retumbante havida entäo por sublime, a re-
mar-se) e de parte do intermezw regencial. A prosa de Hip6li- ligiäo e a p3tria (70).
to e a do ensa!smo ilustrado. A de Evaristo cinge-se a crönica ( 69) FREI FRANCISCO DE MoNTE ALVERNE, no sCculo Francisco de
politica que temp6ra como pode as rea~öes ao imprevisto. Mas Corvalho (Rio de Janeiro, 1784 - Niter6i, 1858). Ordena~do-se Irade
uma e outra foram indispensaveis .t forma~iio de um publico le- menor ensinou Filosofia no Semin3rio de Säo Paulo e, depots de 1817,
dor em um pa!s que mal nascera para a vida polftica; uma e ou- foi no~do Pregador da Capela Real, fun~o que exerceu brilhantem.en·
te durante o Primeiro Reinado. Tendo cegado em 1836, afastou.se do
tra· repisaram temas liberais de que tanto careciam as elites re- pU.lpito at~ 1854, quando Pedro II. ? .c~?11· ocasiio cm .que prof~
cem-sa!das do arb!trio colonial. um sermäo, cBebre pelas palavras truaais: ~ tarde, ~ mu1to tarde . ..
Manteve correspondencia ass{dua com os primeiros rominticos, Gon~vcs
(67) H1P6LITO Jos:E. DA CosTA PEREIRA FURTADO DE MENDONt;A (Co- de Magalhlies e Porro Alegre. Ha uma edi'1o razoivel de suas ObrtU
Iönia do Sacramento, 1774 - Londres, 1823). V. Carlos Rizzini, Hip6li- Orot6rittS, em 2 vols., pela Garnier (s. d.). Cf. Roberto Lopes, Monte
to da Costa e o Correio Brasiliense, S. Paulo, C. E. Nacional, 1958. AJverne, Pregador Imperial, Petr6polls, Vozes, 1958; Cortos • Monte AJ-
(68) EvARISTO FERREIRA DA VEIGA (Rio de Janeiro, 1799-1837). V. verne, S. Paula, C.Onselho Estadual de Cultura, 1964.
Octilvio Tarquinio de Sousa, Evaristo da Veiga, S. Paula, C. E Nacional, (70) Jose Vedssimo, Hist6ria da Literatura Brasileira, 3.• ed., Rio,
1938. Jose Olympio, p. 166.

94
N9. verdade, os sermöes· de !vjonte Alverne, que deixaram
fama de exito invulgar, nao iesistem ä. leitura. Sua ret6rica e das
que pedem a voz e o gesto para disfarc;ar a mesmice dos concei-
tos por trcis de uma empostac;äo persuasiva. Quanto ao contell-
do ideol6gico, servem de exemplo estas palavras, proferidas pou-
co antes da Abdica~iio; o orador exalta a liberdade constitucio-
nal sem poupar louvores a grandeza de' Pedro I:
Näo, o Brasil nä:o queria, o Brasil näo quererii mais um dtspo.
ta: o reinado da escravidä:o passou para näo voltar mais: a arbitra- J
riedade näo vingara na terra sagrada, que seus destinos impelem
aos mais serios melhoramentos. Importava pouco ao Brasil ge-
mer no senhorio da metr6pole au suportar grilhöes nacianais: mas
era da maior transcendencia para o Brasil estabelecer a sua exis- 1
tencia sabre alicerces indestrutiveis; espancar a tirania debaixo de
qualquer forma, cam que pudesse mostrar-se; e combinar com a se-
veridade da lei a dignidade da homem. IV
Foi sem dUvida um das mais soberbos triunfos da filosafia a
aquisi~äo dum principe que, recebendo o cetro e a coroa das mäos
dum povo, que ele mesmo libertara, proclamau a soberania popu-
lar, resolveu a teoria da legitimidade e completou o grande ato da 0 ROMANTISMO
independencia do Brasil, oferecendo-lhe uma constituir;äo, na qua]
se reUnem as inspirac;Oes mais sublimes, os votos de _todos -os ho-
mens generosos, e todos os penhores do engrandecimento nacional.
(Ern Ar;äo de Grar;as no aniversiirio do juramento da Constituic;äo,
aos 25 de marr;o de 1831).

A guisa de balan~o. Dos Ultimos arcades ate a introdu~äo


do Romantismo como programa, por volta de 1835 / 40, as le-
tras brasileiras näo se adensaram em torno de -autCnticos poetas
que a marcassem com o selo de uma arte madura. Repetiu-se
ate o esvaziamento a t6pica do seculo anterior, somando-se um
ou outro dado nativista e religioso, sem que a tensiio classico/ro-
miintico, fortissima na Europa, achasse aqui base hist6rica para
crescer.
Ern contrapartida, a passageqi do sistema colonial, fecha-
do e monopolista, para a integra~äo, no mercado franco e na cul-
tura do Ocidente, deu condi~es para a emergfocia de teses libe-
rais que, no pUlpito ou no jornal, dominaram a nossa primeira
prosa de ideias.
Caberia as gera~öes jovens do Segundo Imperio consolidar
a ideologia do patriotismo liberal. E o fizeram, afetando-a dos
supremos valores romlinticos, o indiv!duo e a tradi,äo.

96
J

Caracterea qerals

Segundo Paul Valery, seria necessa1io ter perdido todo es-


pfrito de rigor para querer definit o Romantismo.
E, a falta de uma definitio que abrace, no contorno de
uma frase, a riqueza de motivos e de temas do movimento, e CO·
mum recorrer ao simples elenco destes, ocultando no mosaico
da analise a impotencia da slntese.
Mas aqui, como nos outros ciclos culturais, o todo C algo
mais que a soma das partes: e genese e explica.;äo. 0 amor e a
patria, a natureza e a religiäo, o povo e o passado, que afloram
tantas vezes na poesia romS.ntica, säo conteUdos brutos, espalha-
dos por toda a hist6ria das literaturas, e pouco ensinam ao in.
tCrprete do texto,. a näo ser quando pastos em situafilo, te1nati·
zados e lidos como estruturas esteticas.
Ora, e a compreensiio global do complexo romäntico que
alcan,a entender esses varios nfveis de abordagem que a analise
horizontal dos "assuntos" aterra no mesmo plano.

A altuac;ao doa vlirioa romantlsmoa

0 primeiro e maior circulo contoma a civiliza,äo no Oci·


dente que vive as contradi>öes pr6prias da Revolu,iio Industrial
e da burguesia ascendente. Definem-se as classes: a nobreza, ha
pouco apeada do poder; a grande e a pequena burguesia, o ve·
Ibo campesinato, o operariado crescente. Precisam-se as visöes
da existencia: nostalgica, nos decaldos do Ancien Regime; pri-
meiro euf6rica, depois prudente nos novos proprietarios; jB in-
1

quieta e logo libertaria nos que veem bloqueada a pr6pria ascen-


siio dentro dos novos quadros; ·imersa ainda na mudez da incons·
ciencia, naqueles para os quais niio soara em 89 a hora da Liher-
dade-lgualdade-Fraternidade.

99
Segundo a interpreta\äO. de Karl Mannheim, o Romantismo Assim, apesar das diferenc;as de situac;0.o material, pode-se
expressa os sentimentos dos descontentes com as novas estrutu- dizer que se formaram em nossos homens de letras configura·
ras: a nobreza, que j3 caiu, e a pequena burguesia que ainda näo ~öes mentais paralelas as respostas que a inteligencia europeia
subiu: de onde, as atitudes saudosistas ou reivindicat6rias que dava a seus conflitos ideol6gicos.
pontuam todo o movimento ( 71 ). Os exemplos mais persuasives vCm das melhores escritores.
0 quadro, vivo e pleno de co9seqüf:ncias espirituais na 0 romance colonial de Alencar e a poesia indianista de Gon~al­
Inglaterra e na Frani;a, entäo 'limites do sistema, exibe defasa- ves Dias nascem da aspira~ä:o de fundar em um passado mf tico a
gens maiores Oll menores a medida que se passa da centro 8 nobreza recente do pafs, assim como - mutatis mutandis - as
periferia. As nai;öes eslavas e balcänicas, a A;ustria, a ltilia cen- fic\Öes de W. Scott e de Chateaubriand rastreavam na Idade
tral e meridional, a Espanha, Portugal e, com mais evidt!ncia, as Media feudal e cavaleiresca os brasöes contrastados por uma bur-
co/onias, ainda vivem em um regime dominado pela nobreza fun- guesia em ascensäo. De resto, Alencar, ainda fazendo "roman-
diaria e pelo alto clero, näo obstante os golpes cada vez mais vio- ce urbano", contrapunha a moral do homem antigo a grosseria
lentos da burguesia ilustrada. dos novos-ricos; e fazendo romance regionalista, a coragem do
0 Brasil, egresso do puro colonialismo, mantem as colunas sertanejo as vilezas do citadino.
do poder agr3rio: o latifUndio, o escravismo, a economia de ex- A correspondencia faz-se Intima na poesia dos estudantes
porta\'äO. E segue a rota da monarquia conservadora ap6s um boemios, que se entregam ao spieen de Byron e ao mal du siecle
breve surto de erup\öes republicanas, amiudadas durante a Re- de Musset, vivendo na provfncia uma existencia doentia e artifi-
gencia ( 72 ) • cial, desgarrada de qualquer projeto hist6rico e perdida no pr6prio
Carente do binömio urbano industria-operario durante qua- narcisismo: Alvares de A:z.evedo, Junqueira Freire, Fagundes Va-
se todo o seculo XIX, a sociedade brasileira contou, para a for- rela. . . Corno os seus fdolos europeus, os nossos romänticos
ma,äo da sua inteligencia, com os filhos de familias abastadas do exibem fundos trai;os de defesa e evasäo, que os leva a posi~öes
campo, que iam receber instruc;äo jurfdica ( raramente, mCdica) regressivas: no plano da rela,äo com o mundo ( retorno a mäe-
em Säo Paulo, Recife e Rio ( Macedo, Alencar, Alvares de A:z.e- -natureza, refUgio no passado, reinven~äo do bom selvagem, exo-
vedo, Fagundes Varela, Bernardo de GuimaPiies, Franklin Tavo- tismo) e no das rela\Öes com 0 pr6prio eu ( abandono a solidäo,
ra, Pedro Luis), ou com filhos de comerciantes luso-brasileiros e ao sonho, ao devaneio, as demasias da imagina~äo e dos senti-
de profissionais liberais, que definiam, grosso ·modo, a alta clas- dos). Para eles caberia a palavra do Goethe classico e iluminis-
se media do pais ( Pereira da Silva, Gon~alves Dias, Joaquim ta que charnava a esse Romantismo "poesia de hospital".
Norberto, Casemiro de Abreu, Castro Alves, Silvio- Romero ). Ra-
Enfim, o paralelo akan\'a a ultima fase do movimento, ja
ros os casos de extrac;äo humilde na fase romantica, como Tei-
na segunda metade do seculo, quando väo cessando as nostal-
xeira e Sousa e Manuel Antönio de Almeida, o primeiro narra-
gias aristocr3ticas, j3 sem fun~o na din:tmica social, e se aden-
dor de folhetim, o segundo, picaresco; ou do trovador semipo-
sam em torno do mito do ptogresso OS ideais das classes medias
pular Laurindo Rabelo.
avan,adas. Sera o Romantismo publico e orat6rio de Hugo, de
Nesse esquema, do qua! afasto qualquer tra~o de determi-
Carducci, de Michelet, e do nosso Antonio Castro Alves.
nismo cego, ressalte-se o carSter seletivo da educac;äo no Brasil-
-Imperio e, o que mais importa, a absor,äo pelos melhores ta-
lentos de padröes culturais europeus refletidos na Corte e nas 1
capit~is provinciaaas.
l Temas

Do circulo maior, s6cio-hist6rico, podemos passar ao da te-


karl Mannheim, Essays, cit.
( 11)
1 matiza\äO das atitudes vividas pelos escritores romiinticos. As
(72) V. Jose Ribeiro Jr., "O Brasil Monarquico em face das RepU-
blicas Americanas", em Brasil em Perspectiva, cit., pp. 167-221.

100
l coordenadas do contexto fazem-se tra\'OS mentais e afetivos.

101
O fulcro da visäo romintlca do mundo e o sujcito. Dirla- Po!lida cstrelal o caoto do crepUsculo
mos hoje, em termos de infOrma~ä:o, que e o emissor da men- Acorda-tc no c6J:
Ergue-.te nua na floresta morta
sagem. No teu doirado vCu!
0 eu romiintico, objctivamentc incapaz de resolver os con· Ergue-.te! eu vim por ti c pela tarde
Hitos com a sociedade, lan.,i-se 11 evasäo. No tempo, recriando Pelos cam.pos errar,
uma Idade Media g6tica e embruxada .• No espa_.,, fugindo para Sentir o vento, respirando a vida,
E livrc suspirar.
ermas paragens ou para o Oriente ex6tico.
A natureza romäntica e expressiva. Ao contrario da natu· Oh! quando o pobre sonhador medita
reza arcade, decorativa. Ela significa e revela. Prefere-se a noi· Do vale fresco no orvalhado leite,
te ao dia, pois a luz crua do so! o real impöe-se ao indiv!duo, Inveja as &guas o perdido vöo
mas e na treva que latejam as fo~as inconscientes da alma: 0 Para banhar-se no perfume etCreo,
E nessa argCntea luz, no mar de amores
sonho, a imagina~äo. Onde entre sonhos e luar divino
A mäo eterna vos lanr;ou no espa9),
Quem provou da onda cristalina, que, iläo tocada pe1os ~­ Respirar e viver!
tidos comuns, jorra do seio escuro da noite; quem ficou nos a-
mos, DOS extremos confins da Vida, e deitou OS olhos a Terra Pro- (Ä.I.VARES DE AzEVEDO, Lira dos Vinte Anos)
mctida e ls moradas da Noite, jli nio regressarS: ao mundo da an-
gllstia, As terras onde habita a Luz, perene inquieta\;iiO ( NovALIS
Hinos a Noite, IV). Säo palavras do Werther goethiano:
Pensei que o Amor vivesse a luz quentc do Sol Amigo, quando me vejo inundar de luz, quando o mundo e o
Eie vive ao luar. cCu v~m habitar dentro de mim, como a imagem da mulher ama-
Eu pensei encontcl-lo no calor do Dia. da, entäo digo a mim mesmo: "Se pudesses exprimir o que scntes!
Consolador da Noite C o doce Amor. Se pudesses exalar e fixar sobre o papel o que vive em ti com. tan-
Na escuridäo da noite to calor e plenitude que essa obra se transformasse em. espelho da
e na neve do invemo, tua alma, como a tua alma e espellio de Deus Infinito!"
entre os nus e os rCprobos,
e que 0 deves buscar Enfim, com a mUsica, a mais livre das artes, espcravam os
(BLAKE, "William Bond") romänticos entregar-se ao fluxo infinito do Cosmos:
A mU.sica de Beethoven - dizia ·Hoffmann - pöe em movi-
0 mundo natural encarna as pressöes anlmicas. E na poc- mento. a alavanca do medo, do terror, do arrepio, do sofrimento, c
sia ecoam o tumulto do mar e a placidez do lago, o fragor da tem- desperta precisamente esse infinito ando que e a essc!ncia do Ro-
pestade e o sil&icio do ocaso, o lmpeto do vento e a fixidez do mantismo.
ceu, 0 terror do abismo e a serenidade do monte.
Infinita anelo. Nostalgia do que se er~ para sempre per-
Abri as frescas rosas:· .
fazei brilhar os cravos dido. Desejo do que se sabe irrealizavel: a liberdade absoluta
do seu jardim, 6 arvore, vesti-vos na sociedade advinda com a Revolu>äo de 89.
de lindas folhas verdes; Na ansia de reconquistar "as mortas esta~öes" e de reger
videira que nos destes sombra outrora, os tempos futuros, o Romantismo dinamizou grandes mitos: a
a cobrir-vos de p8.mpanos voltai.
Natureza formosa,
na,äo e o her6i.
eternam.ente a mesma, A na>äo afigura-se ao patriota do sOculo XIX como uma
dizei aos loucos, aos mortais dizei ideia-for>a que tudo vivifka. Floresce a Hist6ria, ressurrei>iio
quc des näo pereceräo.
do passado e retorno as origens ( Micbelet, Gioberti). Acen-
( RosALfA DE CAsTR.o, Folhas Nooas) dra-se o culto il llngua nativa e ao folclore (Schlegel, Garrett,
102
103
Manzoni). novas bandeiras para Os' povos que aspiram a autooo- matico) e de microunidades, as formas fixas ( epopeia, ode, so-
mia, como a Grecia, a Itilia, a Belgica, a Polönia, a Hungria, a neto, rond6, tragedia, comedia ... ) No interior desses esque-
Irlanda. Para algumas na~öes o6rdicas e eslavas e, naturalmeo- mas, que formalizavam categorias psicol6gicas, atuava uma rede
te, para todas as na~öes da America, que ignoraram o Renasci- de subc6digos tradicionais: topos, mitemas, slmbolos; que, por
mento, sera este o momento da grande afirma~äo cultural. Maz- sua vez, se traduziam, no nfvel da elocu~äo, pelas figuras de es-
zini, ap6stolo da unidade italiana, viu ~m o pr6prio seculo: "ho- tilo, de sintaxe e de pros6dia, responsaveis pelo tecido concreto
ra do adveoto das oa~öes". · do texto literario.
Entretanto, o nexo entre o eu c a Hist6ria, mantido no pen- Esses conjuntos formais serviram quanto puderam ate os Ul-
samento abstrato de um Fichte, logo se desata oa praxis de uma timos arcades brasileiros que decifravam as mensagens pre-romiio-
sociedade descontlnua ·por excel&icia. 0 homem romiintico rein- ticas da Europa em termos da sua pr6pria e retardada forma~äo
venta o her6i, que assume dimensöes titiinicas ( Shelley, Wagner) literaria: Sousa Caldas misturava acordes blblicos e ritmos neo-
sendo afinal reduzido a cantor da pr6pria solidäo ( F6scolo, cl3ssicos; Jose Bonif3cio traduzia em odes o seu patriotismo de
Vigny). exilado; o Visconde da Pedra Branca confundia o novo senti·
Mas, como her6i, e o poeta-vate, o genio portador de ver- mentalismo com o cantabile de Metastasio ...
dades, cumpridor de missöes: A uma certa altura, mudado o p6lo da nossa inteligencia
A n6s pertence de Coimbra para Paris ou Londres, näo era mais poss1 vel pensar
Ficar de pe, cabe~a erguida, 6 poetas, e escrever dentro do universo estanque de uma linguagem ainda
Sob as tempestades de Deus tomar com as mäos
0 raio do Pai e o relimpago, setecentista, ainda colonial.
e estender aos homens, Na Fran~a. a partir de 1820 e na Alemanha e na lnglaterra,
sob o vCu do canto, desde os fins do secu!o XVIII, uma nova escritura substitulra os
o dom do cfu.
c6digos classicos em nome da liberdade criadora do sujeito. As
(HOELDEltLIN) libera,öes fizeram-se em varias frentes. Caiu primeiro a mito-
logia grega ( velha arm~dura mal remo~ada no tempo de Napo-
A voz de Deus me chamou: "Levanta-Ü:, profeta, ve, ouve, e leao), e caiu aos golpes do medievismo cat6lico de Chateau-
percorrendo mares c terras, qu~ima com a PaJavra os corar;öes do~
bomc:ns" (PUCHKIN).
briand et alii. Com as fic~öes classicas foi-se tambem o paisagis-
mo arcade que cedeu lugar ao pitoresco e a cor local. A mesma
Eu sinto cm mim o borbulhar do gCnio (CASTRO ALVES) liberdade desterra formas llricas ossificadas e faz reoascer a ba-
lada e a can~äo, em detrimento do soneto e da ode; ou, abolin-
do qualquer constrangimento, escolhe o poema sem cortes fixos,
0 nivel estetlco que termina onde cessa a inspira~ao ( Byron, Lamartine, Vig-
ny ... ) . A epopeia, expressao her6ica ja em crise no secu!o
Mas näo tocamos o imago da arte romintica enquanto näo XVIII, e substitu1da pelo poema polltico e pelo romance hist6-
entendemos os c6digos que cifram ·as novas meosagens. E o Ul- rico, livrc das peias de organizac;äo interna que marcavam a nar-
timo cfrculo, o estftico. A poesia, o romance e o teatro passam rativa cm verso. No teatro, espelho fiel dos abalos ideol6gi·
a existir no momento em que as idfias e os sentimentos de um cos as mudanc;as näo seriam menos radicais: afrouxada a distin-
grupo tomam a forma de composic;öes, arranjos intencionais de c;äo1 de tragfdia e comfdia, cria-se o drama, fusäo de sublime e
1 signos, estruturas ou ainda, para usar do velho termo rico de grotesco, que aspira a reproduzir o encontro das paixöes indivi-
significados humanos, no momento em que os assuntos viram duais contido pelas bienseances classicas. 0 martelo, augurado
obras. por Victor Hugo no pref:icio do Cromwe/I, pöe abaixo todas as
II Os c6digos classicos, vigentes desde a Reoascen~a. dispu- conven,öes, come,ando pela vetusta lei das tres unidades que os
nham de macrounidades, OS generos poeticos ( epico, Hrico, du- tragicos da Renascen,a haviam tomado a Arist6teles.

104 105
A renova~o nas camadas sonoras atingiu o ccrne do verso, Saudades (18J6), livro e data quc a hist6ria fixou para a inuo-
0 ritmo, distendendo-o em funsiio da melodia que, vcfculo mais
dusiio do movimento entre n6s.
adequado as efusöes do sentimento, contou com a prcf~ "Romanrico arrependido" chamou-o com ironia Alcantara
dos poetas e, naturalmente, dos compositorcs: Chopin, Liszt, Machado, e a expressäo e valida, .näo s6 por ter Magalhäes na
Berlioz, Schubert, Schumann, mestres de uma nova e difusa scn- velhice mudado o estilo juvenil, mas, intrinsecamente, pela ns-
sihilidade musical. Renascem, por outro .Iado, formas medicvais 1
tureza de sua obra que de romantico tem apenas alguns temas,
de estrofa,äo e da-se o maximo relevo• aos metros brevcs, de ca- mas näo • liberdade expressiva, que e 0 toque da nova cultura.
dencia popular, os redondilhos maiores e menores, que passam 1 A relevancia hist6rica reside no fato de Magalhäes näo ter
a competir com o nobre decassllabo. operado sozinho como imitador de !'.-amartine e Manzoni, mas. de
Genero entre todos contemplado foi o romance, ua revolu- 1 ter produzido junto a um grupo, v1~ando ~ uma reforma da. ~te­
'äo literaria do Terceiro Estado" (Debenedetti). Os ingleses, ratura brasileira. Fundando em Pans a Nzter6z, revzsta bras1l1en-
que se anteciparam ao resto da Europa na marcha da Revolusiio 1 se ( 1836) com seus amigos Porto Alegre, Sales Torres Homctn e
Industrial, ja dispunham, no seculo XVIII, de narradores de costu- Pereira da Silva o autor dos Suspiros Poeticos promoveu de
mes burgueses ( Fielding, Richardson); os romanticos acrcsceram-
-lhes a fic,äo hist6rica ( Scott, Manzoni, Dumas, Hugo, Hercula-
~ modo sistem8ti~ os seus ideais rom3.nticos ( nacionalismo mais
religiosidade) e o repudio aos padröes classicos externos, no ca-
no) e o romance eg6tico-passional ( Stendhal, Lamartine, Geor-
ge Sand, Garrett, Camilo), formas acessfveis ao novo publico
leitor composto principalmente de jovens e de mulheres, e ansio-
so de encontrar na literatura a projer;äo dos pr6prios conflitos
emocionais. 0 romance foi, a partir do Romantismo, um ex·
celente fndice dos interesses da sociedade culta e semiculta do
'
1
so, ao emprego da mitologia pagä.
V alido como documento do grau de consciencia crftica do
grupo e o Ensaio de Magalhäes "Sobre a Hist6ria ~a ~i.teratura
do Brasil", que retoma e alarga slnteses de nossa h1sto~1a cul tu-
ral realizadas por estudiosos estrangeiros: Ferdmand Derus e Gar-
rett na esteira de Mme. de Stael (De l'Allemagne, 1813), que
Ocidente. A sua relevancia no seculo XIX se compararia, hoje, 1 fiz~a correr pelo primeiro Romantismo o binömio poesia·
ii do cinema e da televisäo.
-patria ( 74 ).

0 Ro.mantismo olicial no Brasil Gon~alves de Maqalhäea


j Ascende rapidamente a postos-chave da nossa cultura: m_embr? do lnsti·
tuto Hist6rico e Geografico, recem-criado, Professor de ~t~osofia no. Cole-
gio Pedro II; e da poHtica, onde foi conservador: secretano de Cax1as ~o
Maranhäo ap6s a repressäo da Balaiada; governa~or. e deputado do Rio
Coube a alguns escritores de segunda plana a introdusiio do 1 Grande do Sul depois dos Farrapos. Cada vez ma1s hgado a D .. Pedro II,.
e este quem lhe edita o poema epico A C~nfede~aräo das Tamoios ( 1857)
·~
Romantismo como programa literario no Brasil.
e quem sai a c;;ampo para defendC-Io da.s 1nve.c~vas de Alencar. 0 lm~e­
0 nome de Gon,alves de Magalhäes ( 73 ) e tradicionalmen. rador fe.1 0 Baräo e Visconde de Aragua1a. Edu;ao: Obras Completas, R10,
te lembrado pela baliza da publica,äo dos Suspiros Pohicos e MEC, 1939, ed. anotada por Sousa da Silveira e prefaciada por Sergi?
1 Buarque de Holanda. Sobre Magalhäes: Jose Aderaldo Castelo, A !'ole-
mica sobre "A Confederaräo das Tamoios", S. Paula, Faculdade de F1loso-
( 73) DoMINGOS JosE GoNc;:ALVEs DE MAGALHÄES (Rio, 1811 - Ro. fia, Ciencias e Letras da Univ. de S. Paula, 195~.,. . . .,
rna, 1882). Com~u um curso de Belas-Artes na Academia do Rio, entäo ( 74) FERDINAND DENIS, autor de boa cultura tbenca, e br~s1~err~, Ja .so?
sob influCncia de Debret, pintor de costumes brasileiros; mas pretenu a influencia do historicismo romäntico. Deixou um Rtsume de l htsto~re lit~e·
carreira mOOica, diplomando-se em 1832, ano de suas Poesias, ainda arcli- raire du Portugal suivi du resume de l'histoire litttraire du Brestl, Parts,
dicas. Viajando para a Europa, conhece a lt.llia, a Sui~a e a Fran~ e assi- 1826· de ALMEI~A GARRETT, o "Bosquejo da Hist6ria da Poesia e Lfngua
mi!a tra~os do Romantismo patri6tico e medievista de Chateaubriand, La. Port~guesa" precede ao Parnaso Lusitano, Paris, Aill~u~, 1826-27,_ 5,..vo~s., e
martine e Manzoni. Publica em Paris os Suspiros Poeticos e Saudades em inclui sobre nossos arcades algumas p3:ginas onde ~e 1~~1ste na ex1stenc1a de
1836 e, no mesmo ano, lan~ com Porto Alegre, Torres Homem e Perei- uma poesia genuinamente americana. Para a contnbut~ao de ambos. 8 con~·
ra da Si1va a revista Niter6i, onde teoriza sobre uma reforma nacionalista ciCncia romäntica nacional, v. AntOnio Soares Amora, 0 Roma_nttsmo, ~·
e espiritualista da Iiteratura brasileira. Volta em 1837 ao Brasil, dedica·se Paulo, Cultrix, 1967, cap. III. Ver tä~bCm a :xc~lente antc;>log1a de Gut·
ao teatro (AntOnio Jose, Olgiato) com as mesmas inten«>es reformistas. Ihermino Cesar, Historiadores e Criticos Romantzcos, 1, Rio, LTC, 1978.

106 107
Do mesmo esfor~ de programar as nossas lecras e fruto
o ceacro de Magalhäes, que Veio coincidir com a criar;äo do pri-
l
(
Porto-Alegre
meiro grupo dram<itico realmente brasileiro, a Companhia Dra- 0 principal companheiro de Magalhaes no grupo da Niter6i
matica Nacional, organizada em 1833 pelo ator Joäo Caetano. em nada o ultrapassou: Manuel de Araujo Porto Alegre ( 1806-
A este coube levar 3 cena a tragc!dia AntOnio Jose ou 0 Poeta ·1879), pintor de forma,äo academica recebida da mestre De-
da lnquisi,äo que era, segundo Maga1'>.äes, "a primeira tragc!dia bret, reuniu seus poemas nas Brasilianas ( 1863), escritas com o
escrita por um brasileiro e UniCa de assunto nacional". intuito confesso de "acompanhar o sr. Magalhäes na reforma da
Mais uma vez, o papel de Magalhäes se ateria a prioridade: arte feita por ele em 1836". Corno lirico e ainda inferior ao mo-
AntOnio Jose, apesar das veleidades renovadoras, peca pelo con- delo; mas a sua veia descritiva, que resvalava da pitoresco para
servantismo no gfnero ( ainda tragedia, em vez de drama) e na o prosaico, encontrou modos varios de transbordar na quilom6-
pr6pria forma ( o versa cl<issico em vez da prosa moderna ) . trica epopeia Colombo em nada menos de quarenta cantos, que
Para o seu tempo, porc!m, e para o Imperador, que desde chegou, bem anacrönica, em 1866, a revelar a marginalidade
os primeiros anos da reinado, o agraciou e o fez instrumento de desse "pr6cer do Romantismo".
sua politica cultural, Magalh.äes foi sempre tido como o mestre
da nova poesia. E ele mesmo sentia-se no clever de ministrar
todos os gfneros e assuntos de que a nova literatura carecia para A historiografia
adquirir foros de nacional e romäntica. Tendo-nos dado o lirico
e o dram3.tico, faltava-lhe o c!pico; ff:-lo retomando Duräo e Ba- O grupo afirmou-se gra,as ao interesse de Pedro II de con-
silie, lidos sob um ängulo enfaticamente nativista, e compös a solidar a cultura nacional de que ele se desejava o mecenas. Dan·
Confedera(äo dos Tamoios quando Gan,alves Dias ja fizera pu- do todo o apoio ao lnstituto Hist6rico e Geografico Bras~eiro,
blicos os seus cantos indianistas e Alencar redigia a epopCia em criado nos fins da Regencia ( 1838 ), o jovem monarca aiudou
prosa que e 0 Guarani. Foi-lhe fatal o atraso, que o privou des· quanto pöde as pesquisas sobre o nosso passado, que se colori-
ta vez da "mCrito cronol6gico" que vinha marcando a sua pre- ram de um nacionalismo orat6rio, näo sem ran~os conservado-
senr;a no Romantismo brasileiro. A essa altüra, o indianismo j3 res como era de esperar de um gremio nascido sob tal patrona·
caminhara alem das intuir;öes das 3.rcades e pt;:C-rom3nticos e se to. '. Pertenceram-lhe alguns esrudiosos razoaveis: Pereira da Sil-
estruturava como uma para-ideologia dentro do nacionalismo. E va ( 1817-98) compilou o Parnaso Brasileiro ( 1842) e foi cro-
a linguagem atingira em Gonr;alves Dias um nivel estCtico que nista encomiastico no Plutarco Brasileiro ( 1847), obras que con-
um leitor sensivel como Alencar j<i podia exigir de um poema tribulram para balizar o meufanismo romäntico. Francisco Adol-
que se dava por modelo da Cpica nacional. Assim, tanto a men- fo de Varnhagen (Sorocaba, S. P., 1816 - Viena, 1878), eru·
sagem como o c6digo de A Confedera(äo pareciam ·( e eram) in- dito de estofo germänico e educa\:iio portuguesa, deu o mais ca-
suficientes aos olhos dos pr6prios romänticos. E, apesar das de- bal exemplo de quanto era passive! fundir um pensamento. re-
fesas equilibradas com que acudiram Porto Alegre, Monte Alver- tr6grado com o indianismo sentimental. Por um lado, a histo-
ne e Pedro II, as palavras duras de Jose de Alencar selaram o riografia de Varnhagen, alias pioneira pela riqueza de documen-
firn da primazia literaria de Magalhäes: tos, estava marcada pelos valores da passadismo; nada lhe era
mais antipatico da que o levante popular au intclecrual "fron-
Se eu fasse uma dessas autoridades reconhecidas pelo consen- deur": leia-se a prop6sito o que escreveu, na Hist6ria Gera! tlo
so geral, em vez de argumentar e discutir, como fiz nas cartas que
lhe mandei, Iimitar-me-ia a escrever no livro da ConfederafQo dos
Brasil, sobre a revolu>äo pernambucana de 1817; por outro la-
Tamoios alguma sentenr;a magistral, como por exempio aquele dito do, foi dos primeiros a engrossar a corrente dos desfrutadores
de Horlicio - Musa Pedestris (6." Carta)(75). das lendas indfgenas, no Sume, poema "mito-rcligioso-america-
no" e no Caramuru, romance hist6rico em versos, que revivem,
( 75) V. J. A. Castelo, A Po/emica, cit.
a custa dos habitos nativos, as inten~öes apologeticas de Santa
Rita Duräo.
108
109
Embora, a rigor, caia Varrihagen fora da literatura, creio que De qualquer forma, o cuidado da pesquisa e da documenta-
se deva insistir no exame do, seu complexo ideol6gico, pois tam- >äo e saldo positivo nesse perlodo que nos deu, alem da obra de
bem se reconhecera em autores da melhor ilgua como Go~­ Varnhagen, as monografias de Joaquim Norberto de Sousa Sil-
ves Dias e Alencar. 0 Indio, fonte da nobreza nacional, seria, va (Rio, 1820-1891 ), dentre as quais sio de leirura tltil ainda
em princlpio, o arullogo do "barbaro", que se impusera no Me- hoje a Historia da Con;urtZfäo Mineira ( 1873 ), norteada pclo
dievo e construlra o mundo feudal: eil a ,tese que vincula o pas- mesmo_ esplrito nacionalista dos sequazes de Magalhiies, e as in-
sadista da America ao da Eurbpa. 0 Romantismo refez a sua trodu,oes aos principais poetas da pleiade mineira, que ele recdi-
semelhan,a a imagem da Idade Media, conferindo-lhe caracteres tou e anotou profusamente. Foi Norberto um dos pilares em que
'romanescos" de que se nutriu largamente a fantasia de poe~as,
1 se assentou a nossa historiografia li teraria ate a publica.ao das
narradores e eruditos durante quase meio seculo. Havia um subs- obra~ maduras de Silvio Romero e Jose Verlssimo.
trato polemico na mitiza'"o do Universo cavaleiresco: era a rea-
>iio de nobres como Chateaubriand e Scon aos plutocratas e ao
triunfo dos liberais que desdenhavam as velhas hierarquias. Esse Telxeira e So\18a
complexo ideo-afetivo niio abarca todo o Romantismo, mas uma
area bem determinada como classe e como tendencia intdectual. . J:!m primo pobre do grupo fluminense e a tocante figura de
Homens fervorosamente liberais coino Herculano, De Sanctis, Te1xe1ra e Sousa ( 76 ), mestii;o de origem humHima a quem se
Michelet e Victor Hugo buscariam na Idade Media outros valo· deve. a autoria do primeiro romance romßntico brasileiro ( 11),
res: a for,a do povo contra os tiranos, a constincia da fe pessoal 0 Ftlho do Pescador (1843). Tarnbern escreveu um infeliz poe-
perante o fanatismo, ou ainda o vigor da arte anönima que cons- meto epico, A Independencia do Brasil, e versos indianistas, mas
truiu as catedrais g6ticas. Esse 11 medievismo" niio se perde cm e como narrador folhetinesco que nos interessa. Poderia ser men-
fumos heraldicos e canta naruralrnente o progresso, lato sensu, cionado no capfrulo da fic,äo, junto a Macedo, Alencar, Manuel
burgues, na acep,äo sociol6gica do tern'to. Antönio de Almeida, Bernardo de Guimariies e Taunay. Mas
prefiro nao vO. lo ao lado destes por duas razöes: uma e a inega-
0 nosso indianismo, de Varnhagen a Alencar, pendcu para
o extremo conservador, como todo o conte:ilo social e politico ( 76) ANTÖNI-0 GoN«i;ALVES TEIXEIRA E SousA (Cabo Frio, 1812 -
do Brasil dos fins da Regencia a decada de 60, A primeira mc- Rio, 1861)._ Filho de um vendeiro portugu& e de uma mesti\8, exerceu
tade do reinado de Pedro II representou a estabilidade do go- sempre ofiaos modestos, com~ando como carpinteiro, e chegando a duras
pcnas a mestrc-escola e a escrivio. Deixou: 0 Filho Jo Pescador, Roman-
verno central, escorado pelo regime agr3rio-escravista e capaz de ~e Original Brasileiro (1843), Tardes de um Pintor ou As intrigas de um
subjugar OS Jevantes de grupos Jocais a margem do sistema: OS f<Sulta {1844), GonZJJga ou A Con;urQfäo de Tiradentes (1848-51) A 1

farrapos no Sul, os liberais em S. Paulo e Minas, os balaios no Providlncia (1854), As Fatalidades de Dous Joven1. Record(Jföes dos
Maranhäo, os praieiros em Pernambuco. Ora, foi esse o perlodo Tempos Coloniais (1856), Maria ou A Menina Roubada (1859); na poe-
s1a, Cdnticos Lirzcos (1841-42). V. AurClio Buarque de Holanda "O Fi-
de introdu,äo oficial do Romantismo na culrura brasileira. E o llio do Pescador e As Fatalidades de Dous Jovens", em 0 Romdnce Bra-
que poderia ter sido um alargamc;nto da orat6ria nativista dos sileiro, Rio, 0 Cruzeiro, 1952, pp. 2J.36.
anos da Independencia (Fr. Caneca, Natividade Saldanha, Eva- • { 7.7) ~endo a questäo das prioridades um dos pratos diletos da crö-
risto) compös-se com tra>0s passadistas a ponto de o nosso pri- wca literira, convCm esclarecer em que sentido ela se atribui aqui ao
romance de estreia de Teixeira e Sousa. Antes da publicai;iio deste, safram
meiro historiador de vulto exaltar ao mesmo tempo o Indio e o 8 luz, em 1839, ~ novelas hist6ricas: Jer6nimo Corte Real, cr6nica do
luso, de o nosso primeiro grande poeta cantar a beleza do nati- seculo XVI, 0 AniversOrio de Dom Miguel em 1825 e Religiäo, Amor e
vo no mais castii;o vern3'culo; enfim, de o nosso primeiro ro- P4tria; e, em 1841, uma novela sentimental de Joaquim Norberto As
mancista de pulso - que tinha fama de antiporrugues - incli- Duas Örfäs. Ha, portanto, uma diferen\;3 de gCnero ... e de f61e~: as
nov~ hist6ricas ou melodram8ticas eram, via de regra, adaptai;äo de fo-
nar-se reverente a sobranceria do colonizador. A America jil li- lhetlilS franceses traduzidos entäo copiosamente. S6 Teixeira c Sousa com-
vre, e repisando o tema da liberdade, continuava a pensar como p& um romance, cmbora, no fundo, adotasse os expedientes daqueles
uma inveni;äo da Europa. folbetins.

110 111
vel distincia, em termos de _va.Ior, ..que os separa de todos ( Tei- lhöes, chancelados por habeis manejadores da pena como Euge·
xeira e muito inferior ao pr6prio Macedo); a outra diz respeito ne Sue, Scribe, Feval e Dumas pai, foram as leituras obrigat6-
a situa~äo do romance na face inicial da cultura romäntica. Pa- rias desse novo publico e os modelos - diretos ou näo - de
ra a poesia, genero nobre, foram grandes modelos franceses e Teixeira e Sousa, como o seriam de Macedo. Ja um Alencar, em-
portugueses ( Lamartine, Hugo, Herculano, Garrett) que ins- bora os conhecesse, teve todas as cond.ii;öes cul turais para entron·
11
piraram um Magalhä:es e um Porto Alegre, näo vindo ao caso, car-se na linhagem alta" de Scott e de Chateaubriand e, mes-
a esta a!tura, o porte dos imitadores. 'Mas para o romance, nem mo, para ir alem destas influencias nos seus melhores momentos
Stendhal nem Balzac, nem Stael nem Manzoni, nem mesmo os de romancista urbano.
lidfssimos Scott e Chateaubriand, lograram imprimir, nesse pri- Marca a fic,äo subliteraria de Teixeira e Sousa o aspccto
meiro tempo, o molde ficcional a ser reproduzido. E a subliter~· mecänico que nela assume a intriga. Esta e a essen~i~ do fo.
tura francesa que, no original ou em m3.s tradui;öes, vai suger1r lhetim como, em outro nlvel, o sera do romance polic1al e da
a um homem semiculto, como Teixeira e Sousa, os recursos para "scien~e-fiction" quando niio tocados pelo genio poetico de um
montar as suas seqüencias de aventuras e desencontros. Par que? Poe ou de um Dino Buzzati. 0 processo reinstaura, no J;>lano
0 romance romilntico dirige-se a um pllblico mais vasto, que da comunica,äo escrita, o esquema estlmulo-rea{äo a que alguns
abrange os jovens, as mulheres e muitos semiletrados; essa a~­ psic6logos reduzem a vida sensorial. 0 prazer que vem da res-
plia,äo na faixa dos leitores näo poderia condizer com uma !in· posta e protelado e, ao mesmo tempo, artificialmente excitado
guagem finamente elaborada nem com veleidades de pensamen· por um acfunulo de incidentes, cujo Uni~o firn e despertar 8
to crltico: ha o fatal "nivelamento por baixo" que sela toda sub- curiosidade misturada com um vage receio de um desenlancc
cultura nas epocas em que o sistema social divide a priori os ho- tnigico. Nesse arranjo simplista, o. sujeito. - ~ria .um "beha·
mens entre os que podem e os que nä:o podem receber instru- viorista" - se parece com uma caixa vazta: nao set o que h8
\'.äo academica. 0 fato e que o novo publico menos favorecido dentro dele, mas o que me interessa e a seqüencia de fatos ( o_s
busca algum tipo de entretenimento sendo o folhetim o que me- epis6dios) e as suas pressöes söhre o comportamento, quer di·
lhor responde a demanda e melhor se estrutura no seu nivel. zer, os mesmos epis6dios vistos como aventuras ~ p~rsonagens.
Hoje fazem-se acurados estudos sobre a cult!tra de massa mani- O otlto da peripecia em todos os romances de T etxe1ra ~ Sousa,
pulada pela industria: a hist6ria em quadrinhos, a novela de ni· produz sempre a justaposi,äo, Unico modo de levar adiante o
dio, o show de televisäo e a mUsica de consumo tem analistas que romance: acidentes reconhecimentos, avani;os e retomos, atC
väo da psican3.lise a sociologia e se encontram na encruzilhada que o processo satdre o autor e o leitor ( "principio da sacieda·
da teoria das comunica~öes. Nos meados do seculo passado vi- de") e de por findo o passatempo. E snpCrfluo acrescentar que
gorava o prejufzo aristocr3tico pe1o qual as produi;öes feitas para acompanha 0 processo uma tipifica~äo vi~lenta d~s seres hum~­
o gosto tnenos letrado cafam fora da cultura, e, como tal, näo nos, divididos a priori em anjos e demömos, mocmhos e bandi-
deveriam ser objeto de estudo e interpreta\'.äo. Näo se impuse- dos necessarios estes para a gl6ria daqueles e aqueles para 0 fim
ra ainda a noi;äo de "massa". a nä:o ser em sentido depreciativo, exe:nplar destes. Pela identifica~äo do autor-leitor com os pri·
embora ja se incorporasse nos discursos liberais o concei to de: meiros afirma-se a personalidade do her6i-vltima, que atravessa
"povo": täo generico, que, a falta de uma analise diferencial de a subli~eratura do Romantismo, e e claro sintoma de uma situa·
classes e grupos, resvalava para a pura ret6rica. \'.äO social e psicol6gica. E quadram muito bem as fe!\'.iies semi-
A analise dos fatores que compöem o romance-folhetim vid populares desse primo pobre da gera~äo de Magalhaes aqueles
esclarecer as motiva~öes e os valores daquela media e pequena estere6ripos e um difuso providencialismo ( "junto aos meus CS·
burguesia que, ainda a margem do "Enrichissez-vous" ( moto das critos o quanto posso de moral, para que sejam Uteis").
faixas ascendentes por volta de 1830), näo podia evadir·se no
estilo da nobreza dos Novalis e dos Chateaubriands, e recorria Seja como for, foi com ~Je que o Romantisffi;o caminhou
aos expedieqtes menos caros do romanesco e do piegas. 0 ro- para a narra,äo, instrumento ideal para explorar a v1da e o pen·
mance de capa-e-espada, as novelas ultra-rom3nticas e os drama- samento da nascente sociedade brasileira.
"''
112
poeta, e, de fato, exlguo no conjunto da obra gon,alvina quc
vive dos grandes temas romanticos do amor, da natureza, de
Deus. Mas e preciso ver na for,a de Gon,alves Dias indianista
o ponto ·exato em que o mito do bom sdvagem, constante desde
OS Orcadcs, acahou por fazer-se verdade artlstica. Ü que Sera
• moda mais tarde, e nde materia de poesia .
A POESIA A ideia da hondade natural dos primitivos, es~ada por
Montaigne nos Essais ( I, XXXI, "Des Cannibales"), ii vista dos
testemunhos que os viajantcs traziam da America, vinculou-se no
Renascimento ao mito da idade de ouro. E, emhora os textos de
Gon~alvea Dias nao poucos desses viajorcs e dos missionarios fossem contradi-
t6rios frisando ora a selvageria, ora a docilidade dos nativos,
Gon~alves Dias ( 78 ) foi o primeiro poeta autentico a emer- confo;me o momento e o contexto, firmou-se uma leitura inten-
gir em nosso Romantismo. Se manteve com a literatura do gru- cional dos documentos, que contrapunha a mallcia e a hipocri·
po de Magalhaes mais de um contato ( passadismo, pendor filo- sia do europeu a simplicidade do Indio. E claro que a antino-
sofante), a sua personalidade de artista soube transformar os te- mia natural/ decadente desempenhava uma fun,äo polemica nos
mas comuns em obras poeticas duradouras que o situam muito ataques que o "Ancien R~gime" sofria por parte do pensamento
acima dos predecessores. E repito a observa~ao feita em outro crltico dos ilustrados: essa oposi~äo ia ahrindo hrechas em uma
capltulo: de Glaura de Silva Alvarenga aos Primeiros Cantos näo sociedade de todo "artificial" e hierarquizada. Assim se explica
se escreveu no Brasil nada digno · do nome de poesia. a retomada do mito do hom selvagem por um homem de extra-
Poucos anos depois da estreia de Gon~alves Dias, Alexan- 'äo popular, ressentido com o sistema, Jean-Jacques Rousseau.
dre Herculano saudava-o, lamentando embora que os motivos Mas aqui a anilise do contexto e a regra de ouro: no pregador
indianistas nao ocupassem nos cantos maior espa~. A reserva do Emile a inocCncia do primitivo serve para contrastar com
do solitario de Val-de-Lobos e significativar o poeta maranhen- 8 tirania ~ a deprava~ao dos nobres no tempo de Luis X.V; mas,
se tem muito de portugues no trato da lingµa e nas cadencias vitoriosas as ideias Jiberais de 89, o mesmo retorno a natureza
garrettianas do lirismo, ao contrano dos seus contemporaneos, e a paixäo das origens daria ao Viscondc Rene de Chateaubriand
sobre OS quais pesava 8 influencia francesa. Ü nucleo "amen' argumentos passadistas contra a grosseria dos burgueses pouco
cano", que pda intensidade expressiva, se prendeu ao nome do senslveis a nobreza do primitivo e ao fascinio da vida natural.

( 78) ANTÖNIO GON{:ALVES DIAS ( Caxias, Maranhäo, 1823 - Costas ( 1848) e pelos Ultimos Cantos ( 51 ). Nessas obras junta-se aos grandC:S
do Maranhäo, no navio "Ville de Boulogne", 1864). Ftlho de um ~ temas romS.nticos (Natureza-PBtria-Religiäo) o do amor imposs{vel, de rau:
merciante portugu& e de uma mesti.;a, talvez cafusa, pois o poeta sc dizia autobiografica: o poeta viu recusado um pedido seu de casamento; ao quc
descendente das tr& ra~s que formaram a etnia brasileira. Estudou Leis se sabe, näo a jovem Ana AmClia, mas a sua famllia op8s-se por. pr~n·
cm CoimbN, conhecendo, por volta de' 1840, a poesia rominticcrnaciona- ceito de cor. G. Dias esteve na AmazOnia, onde estudou etnograf1a e hn-
lista de Garrett e Herculano que vincaria para sempre a sua linguagem. gütstica e escreveu Brasil e OceOnia ( 1852) e um Diciontirio da Llngua
Säo frutos do contato com o clima saudosista portugues os dramas hist6- Tupi (i858). Deixou ainda um poema ~pico, _Os Timbiras, inao:bado.
ricos Patkull, Beatriz Cenci, Leonor de Mendonfa. Mas, jS: ncssa fase, Ja muito doente, foi pela Ultima vez a Europa, vmdo a morrer na viagem
amadurecia o poeta voltado para a pBtria e para o fndio, de que foi o de regresso no navio "Ville de Boulogne" que naufrago_u nas co.stas do
nosso grande idealizador. Retornando ao Brasil, em 1845, aproximou-se Maranhäo. Melhor. ed.: PoesUzs Completas e Prosa Escolhtda, com 1ntrodu·
do grupo de Magalhäes e obteve a prot~äo imperial que näo mais lhe c;io de Manuel Bandeira e texto de Antönio llouaiss, Rio, Aguilar, 1959. V.
faltaria. Foi nomeado Professor de Latim e Hist6ria do Brasil no CoIC. Fritz Ackermann A Obra Po~tica de Gonfalves Dias, Säo Paulo, Depto.
gio Pedro II e recebeu, mais tarde, virias comissöes para viagens e cstu- de Cultura, 1940; Cassiano Ricardo, "Gonc;alves Dias c o Indianismo", em
dos. Publicando os Primeiros Cantos ( 1846), firma renome de grande A Literatura no Brasil (dir. de Afrinio C.Outinho ), Rio, Ed. Sul-America-
poeta, logo ratificado pelos Segundos Cantos e Se"tilhas de Frei Antäo na, 1955, vol. I, t. 2, pp. 659-736.

114 115
Os mitos assumem um ·.sentid'o quando postos na constela- Valente n1t guerra
Quem ha, como eu sou?
>äo cultural e ideol6gica a que servem. Quem. vibra o tacape
Atente-se pata o uso que do bom selvagem llietam dois Com mais valentia?
poetas nossos pouco distantes no tempo: Santa Rita Dutäo e Quem golpes daria
Sousa Caldas. 0 primeiro exalta a religiosidade inata do Indio Fatais como eu dou?
- Guerreiros, ouvi-me,
para melbor contestar, do ponto de illsta da catequese, os libe- - Quem ha como eu sou?
rais afrancesados. Mas ao poeta da "Ode ao Homem Selvagem"
Quem guia nos ares
e precisamente 0 ideario iluminista que lbe da meios de glorifi- A frccha emprumada,
car o "primitivo estado": Ferindo uma presa,
Com tanta certeza
De tresdobrado bronze tinha o peito Na altura arrojada
Aqude impio tirano, Onde eu a mandar?
Que primeiro, enrugando o torvo aspeito, - Guerreiros, ouvi-me,
do meu e teu o grito desumano - Ouvi meu cantar
Fez soar em seu dano: ( 0 Canto do Guerreiro)
Tremeu a sossegada Natureza
Ao ver deste mortal a louca em.presa.
Um dos caracteres das poesias americanas de Gon,alves
Dias, e que as distancia da frouxidao das experifficias anterio-
Para a primeira gera~io romäntica, porCm, presa a esque- res, e a entrada sllbita in medias res, que chama o leitor sem
mas conservadores, a imagem do indio casava-se sem traumas tardan,a ao clima de vigor selvagem desejado:
com a gl6ria do colono que se fizera brasileiro, senbor cristäo de
suas tetras e desejoso de antigos brasöes. E a perspectiva de Aqui na floresta
Dos ventos batida
Gon,alves Dias ate a sua Ultima produ,äo indianista, Os Timbi-
ras, "poema americano dedicado a Majestade do Muito Alto e ( 0 Canto do Guerreiro)
Muito Poderoso Principe e Senbor D. Pedro II, lmperador Cons-
titucional e Defensor Perpetuo do Brasil": Ö Guerreiros da Taba sagrada,
Ö Guerreiros da Tribo Tupi,
Os ritos semibatbaros dos Piagas, Fala.m Deuses nos cantos do Piaga,
Cultores de Tupä e a tcrra virgem ö Guerreiros, meus cantos ouvi.
Donde como dum trono enfim se abriram ( 0 Canto do Piaga)
Da Cruz de Cristo os piedosos brac;os;
As festas, e batalhas mal sangradas Tupä:, 6 Deus grande! cobriste o teu rosto
Do povo Am.ericano, agora extinto, Com denso velamen de penas gentis;
Hei de cantar na lira. E jazem teus filhos clamando vingan~
Dos bens que Ihes deste da perda infeliz.
( Depreca~äo).
Mas e apenas 0 matiz conformista que pode aproximar OS
versus do maranbense aos de Magalbäes, Porto Alegre e Var- No exemplo seguinte, a tecruca de apresentar o objeto do
nhagen. 0 que nestes era prosaico e flacido aparece, na arte de poema, pondo-o logo a frente do leitor, e responsavel pela brön-
G. Dias, transposto em ritmos ageis e vazado numa linguagem zea solenidade da abertura:
precisa em que logo se conbece o selo de um esplrito superior.
Gigante orgulhoso, de fero semblante,
Desde as "Poesias Americanas", expressäo dos valores belicos Nurn leito de pedra lii: jaz a dormir!
( fulcro do indianismo epico)' 0 artista entra no tom justo dos Ern duro granito repousa o gigante,
vetsos breves, fortemente cadenciados e sabiamentc construfdos Oue os raios somente puderam fundir.
-na sua alternäncia de sons duros e vibrantes: ( 0 Glgante de Pe<ln)

116 117
No poemeto "1-Juca PirS.m.a" . . a crftica, un8.nime, tem admi· Nos Ultimos cim.os dos montes erguidol
rado a ductilidade dos ritmos que väo recortando os varios mo- 1' silva, j' ruge do vento o pegao.
mentos da narra\äo. Amplo e distendido nos cen0:rios: Estorccm-se os leques dos vcrdes palmares,
Volteiam, rebramam, doudejam nos ares,
No meio das tabas de amenos verdores, At~ quc lascados baqueiam no chäo.

.
Ccrcado de troncos - cobertos de flores,
Alteiam-sc os tetos d'altiva nati,o..
0 exemplo de Gon,alves Dias artlfice do verso sobrcvive
aos romllnticos e toca os parnasianos. Tiveram-no por mestre
Ondeante nos epis6dios em _que se movem grupos humanos:
Bilac e Alberto de Oliveira, quando o paisagismo e o canto do
Ern fundos vasos de alvacenta argila
Ferve o cauim; Indio ja se haviam mudado em franja e ornamento da cultura
Enchem-se as copas, o prazer com~. escolar.
Reina o festim. Na obra lfrica de Gon,alves Dias säo os modelos portu-
Martelado nas tiradas de coragem, ate o emprego do anapesto gueses que atuam mais diretamente: o Garrett sentimental, nas
nas ap6strofes celebres da maldi,äo: poesias de amor e saudade ("Olhos Verdes", "Menina e M°'3",
"Ainda uma vez - Adeus!") e o Herculano g6tico do& hinos li
Sou bravo, sou forte,
Sou filho do Norte; Natureza, li Morte e dos poemas religioso1 ("Dies lrae", "0
Meu canto de morte, Meu Sepulcro", "Visöes").
Guerreiros, ouvi. Nem sempre o contato do poeta com as letras lusas se fez
em seu proveito. As vezes, ao s6brio cantor da natureza e ao
Sempre o cfu, como um teto incendido vigoroso indianista justapoe-se um poeta menor, que navegou
Creste e punja teus membros maldito.'I
E o oceano de p6 denegrido nas aguas rasas do grupo ultra-romantico do Trovador, entregue
Seja a terra ao ignavo tupi! a um medievismo requentado pelos chavoes de uma ret6rica pie-
Miseravel, faminto, sedento, gas ( "0 Assassino", "Suspiros", "Delirio", "0 Trovador"). Sio,
Manit6s lhe nao falem nos sonhos, porem. raros esses momentos e, no caso das medievismos, por
E do horror os espectros medonhos „
Traga sempre o cobarde ap6s si. certo os redimem as Sextilhas de Frei Antilo, em llngua e estilo
arcaico, exato contraponto dos poemas do bom selvagem na sua
Do virtuosismo rf tmico de Gon,alves Dias e ainda prova ~nsia romllntica de voltar as perdidas origens:
a composi\ä:o de "A Tempestade", onde se alinham todos os me-
Bom tempo foi o d'outrora
tros portugueses usados are o Romantismo: desde o bissllabo, Quando o reino era cristäo,
cuja lepidez abre fulmineamente o poema Quando nas guerras de mouros
(Um raio Era o rei nosso pendao,
Fulgura Quando as donas consumiam.
No espa~o SeuS teres em deva~.
Esparso,
De luz·
E trCm~lo A llrica de Gon,alves Dias singulariza-se no conjunto da
E puro poesia romllntica brasileira como a mais literaria, isto c, a que
Sc aviva, meJhor exprimiu 0 carater mediador entre OS p6Jos da expressäo
S'esquiva,
Rutila,
e da constru,äo. 0 poeta de "l-Juca Pirama" e o classico do
Scduz.) nosso Romantismo: enquanto fonte de temas e formas da se-
gunda e ierceira gera\ä:o; e enquanto "poets' poet0 , alvo das
ate a sinfonia dos endecassllabos que orquestram o elfmax da preferencias criticas de poetas täo dlspares entre si como Bilac,
procela afraves de um riqulssimo jogo de timbres: Machado de Assis e Manuel Bandeira.
ll8 119
0 IOIDanllamo eq61tco1 a .2.0 9.a9(io
'1\ em um estilo novo, que se manteve por quase trinta anos na
esfera da hist6ria literaria e sabreviveu, esgar,ada e anemica, ate
'
Se na decada de 40 amadureccu a tradi'1io litcr8ria nacio- haje, na mundo da subcultura e das Jetras provincianas.
nalisra, nos anos quc sc lhc scguiram, ditos da "scgunda gera-
'1io romllntica", a poesia brasilcira pcrcorrcra os mcandros do Alvares de Azevedo
extrcmo subjetivismo, a Byron e a Mussct. Alguns poeras ado-
lcscentcs, mortos antes de tocarem a plbia juventude, daräo exem- Para ranto a leitura de Alvares de Azeveda ( ••) merece
plo de toda uma tematica emotiva de amor e morte, duvida c priaridade, pois' foi a escritar mais bem dotado de su~ gera,äa.
ironia, entusiasmo e tCdio. Em v3rias nlveis se apreendem as suas tendencras para a
Se romantismo quer dizer, antes de mais nada, um progres- evasäa e para a sanba. A camada das sanbas compöe ritmas frou-
sivo dissolver-se de hierarquias ( Patria, Igreja, Tradi>äa) em es- xos, cientemente frouxos ( "Frouxo o versa talvez, palida a ri-
tadas de alma individuais, entäa Alvares de Azeveda, Junqueira ma / Par estes meus delirias cambeteia, / Parem adeia a p6 que
Freire c Fagundes Varela seräa mais romänticos da que Maga- deixa a lima / E a tediasa emendar que gela a veia" - diz na
lhäes e da que o pr6pria Gon,.Ives Dias; estes ainda postula- "Paema da Frade"), meladias Hinguidas e faceis que se prestam
vam, fora de si, uma natureza e um passado para compor seus antes a sugestäa de atmasferas que aa recarte nltida de am-
mitas poeticos; aqueles caberia fechar as Ultimas janelas a tuda bientes:
o que näo se perdesse no Narciso sagrado do pr6prio eu, a que A praia e täo longa! e a onda bravia
As roupas de gaza te molha de escuma;
conferiam a dam da etema ubiqüidade. De noite - aos serenos - a areia e täo fria,
Dizia Obermann na Senancour: "Eu sinta: eis a Unica pa- Täo Umido o vento que os ares perfuma! ( Sonhando).
lavra da hamem que exige verdades. Eu sinta, eu exista para E estas cadencias lamartineanas:
mc consumir cm descjas indamaveis, para me embeber na sedu-
Al6n serpeia o dorso pardacento
'1ia de um munda fant&stica, para viver aterrada com a seu vo- Da longa serrania,
luptuasa engana." Ora, a oclusäa da sujeita em si pr6pria e Rubro flameia o vCu sanguinolento
detectavel por uma fenamenalogia bem caqj,ecida: a devaneia da tarde na agonia.
o eroti~mo difuso ou obsessivo, a mdancolia, o tedio, o namo~ ( CrepUsculo nas montanhas J
com. a 1magem da mortc, a depressäo, a autcHronia mazoquista: (SO) MANUEL ANTÖNIO ALVARES DE AzEVEDO (Säo Paula, 1831·
desf1gu.r~>öes todas de ';'1ll deseja de viver que näa lagrau sair -Rio, 1852). De familia paulista, fez humanidades no Colegio Pedro II, e
da labmnta ande sc aliena a javem crescida em um meia ro- cursou Direito em sua tetra natal. Revelou talento precoce e grande ca·
mllntico-burgues em fase de estagna>äa. pacidade de estudo, näo obstante as tenta~es de byro~smo e de satanis-
A !"'Csia de Alvarcs de Azeveda e a de Junqueira Freire afc- mo a que teria cedido integrando-se nos grupos boemios do tempo, ou
tomando parte nos desmandos da Sociedade Epicureia. Morreu tuberculo-
rcccm r1ca ~ocu~enta>äa para a psicanalise; e e nessa perspecti- so aos vinte anos de idade, näo vendo reunida em livro a sua obra que
va que a .te~ hda alguns crlticas modernas, ocupadas em dar consta de um nllcleo basico, Lira dos Vinte Anos, mais alguns paemetos
ccrta coerenc1a aa vasta anedatario biogr:lfico que cm geral em- (0 Conde Lopo, Poema do Frade, Pedro lvo), da p~s~ narratlva de A
pana, cm vez de esclarecer a nossa visäo dos romänticos Noite na Taverna e diarlstica do Livro de Fra Gondicarzo, alem de uma
composir;äo livre meio dialogo, meio narrar;äo, Mactirio. Boa edir;äo, a
tipicas ( ") . das Obras ComJ,letas, preparada por Ho~ero Pires, em 2 .volum.es ( S.
Mas, para um enfoque artlstico, importa mostrar coma to- Paula, C. E. Nacional, 1944 ). Para a vtda, consulte-se Veiga Miranda,
da um camplexa psical6gica se articulau cm uma linguagcm e Alvares de Azevedo, S. Paula, Revista dos Tribunais, 1931; Edgar Cava-
lheiro Alvares de Azevedo, S. Paula, Ed. Melhoramentos, s. d. Para a
( 79) Penso nos ensaios penetrantes de M:irio de Andrade, "O Alei- interPretac;äo v. os estudos citados na nota anterior e Antönio C9.ndido,
iddinho e Älv•m de Azevedo" ("Amor e M&lo", pp. 67-134); de Jamil "AA, ou .ru'.iel e Caliban", em Forma{äo da Literatura Brasileira, eil„
Almansur Haddad, Alvares de Azevedo, a M(lfonari4 e a Dan,a (C. E. de vol. II pp. 178-193. Tive ocasiäo de voltar a obra de Alvares de Azevedo
no ens;uo "Imagens do Romantismo no Brasil" ( em 0 Romantismo, org.
Cultura, S. Paulo, 1960); e de Dante Moreira Leite, 0 Amor Romdntico
de J. Ginsburg, S. Paulo, Perspectiva, 1978).
e Outros Temas (C. E. de Cultura, S. Paulo, 1964).
121
120
0 inventßria da !6<ico·. nas ila ums s~ie de grupos nami-
'f Na segunda partc da Lira a fuga tem por names dispersiio,
nais pr6prias da situa~iia adalcscente que, fuginda A rotina, aca- auto-ironia, confidencia: uma especie de cultivado spieen que
ba se envisganda nas aspectas m6rbidas e depressivos da cxis- lembra 0 ultimo Mussct 80 dirigir 0 seu sarcasmo contra OS ul-
tencia: "p<i.lpebra demente", "materia impura", "noite lutulen- tra-rominticos. Ern versos soltas, pr6ximas do livre andamen-
ta", "longo pesadelo", "palidas cren~as", "dcsespcro pilido", ro da prosa, Alvares de Azevedo define essa nova inflexiia do seu
"enganosas melcxlias", "fllnepre clnio'', "t@nebras impuras", egotismo:
"astro nublado", ":i.gua impura", "boca maldita", "negros deva-
neios", "deserto Iodac;al", "tremedal sem fundo", "tiibuas imun- Vou ficando blase, passeio os dias
pelo mcu corredor, sem companheiro,
das", "leito pavoroso", "face macilenta", "anjo macilento", e nu- Sem lcr nem poetar. Vivo fumando.
merosas vCzes os epftetos "macilento", "palido", "dcsbotado",
repisanda a intui~iia de precoce decadencia e martc, que a epf-
grafe de Bocage anuncia: Ali na alcova
Em Sguas negras se levanta a ilha
Cantando a vida como o cisne a morte. Romintica, sombria 8 flor das ondas
De um rio que se pcrdc na floresta . ..
Um sonho de mancebo e de poeta,
Linguagem que, acrescida de termas cientfficas, valtaria em EI-Dorado de amor que a mente aia
autro paeta Jileto dos adolescentes, Augusto dos Anjas. Corno um !den de noites deleitosas ...
As compara~öes e as metaforas traduzem no concreto das Era ali que eu podia no silfficio
imagens naturais os mesmos sentimentos basicos: a flor desfo· Junto de um anjo. . . AICm o romantismol
lhada lembra a juventude sem vi~o; o sussUrto da brisa semelha ( ldeias Intimas)
o suspiro do amante; e "as ondas säo anjos que dormem no mar".
A evasäo segue, nesse jovem hipersensfvel, a rota de Eros, A boemia espiritual respondem certas fuma~ liberais e
mas o horizonte Ultimo e sempre a morte, o "~ väo lutar - dei- anarc6ides, provi\velmente de fundo ma~an, de um. ma~n i;_-0~an·
xa-me perecer jovem" de Byron, o cupio äissolvi como forma tizado, que e • c6r politica de Alvares e dos me1os academ1cos
Ultima de resolver as tensöes exasperadas. E alguns dos mais que praticava.
belos versos do poeta siio versos para a morte: Confrontadas, porem, com a idealogia bolorenta do grupo
Qu'esperancas, meu Deus! E o mundo agora
de Magalhäes, essas veleidades de radicalismo do jovem Manuel
Se inunda em tanto sol no cfu da tarde! Antönio significam um passo avante na forma~äo de uma cor-
Acorda, cora~o!... Mas no meu peito rente democratica que, no Ambito das Academias de Direito e
Ubio de morte murmurou - l! tardc! das sociedades secretas, fazia opasi~iio ( ainda que s6 ret6rica)
( Virgcm Morta) aa imobilismo monarquica e aos abusos do clero. Testemunho
de revolta juvenil e o poemeto her6ico declicado a Pedro 1va,
As torrentes da morte vem sombrias rebelde praieiro:
( Ugrimas de Sangue)
Alma cheia de fogo e mocidade
Quando cm meu peito rebentar-se a fibra Que ante a fUria das reis näo se acobarda,
Que 0 cspfrito enla91 a dor vivente Sonhava nesta gera~ao bastarda
Gl6rias e liberdade.
Eu deixo a vida como dcixa o t6iio
Do deserto o poento caminheiro Das imagens satinicas que povoavam a fantasia da adoles-
- C.Omo as horas de um longo pcsaddo
Que se desfaz ao dobre de um sinciro. cente diio exemplo os contas macabros de A Noite na Taverna,
( Lembranca de morrer) simbolista avant la lettre, e alguns versos febris de 0 Conde Lo-

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123
1

L
po e do Poema do Frade. J'amblm nessa litcratura quc hcrdou viril que nada deve aos classicos em vigor e precisiio: essa cra a
de Blake e de Byron a fusiio de libido e instinto de morte, Alva· "art romantique", rica de sons e de imagens, de movimcnto e
res de Azevedo caminbava na esteira de um Romantismo em de tensiio, que o pai da poesia p6s-romantica, Charles Baudelai-
progresso enquanto trazia a Juz da contempJa~iio poetiea OS do- re, cultuava como fonte do seu pr6prio estilo. Dela existia algo
mfnios obscuros do inconsciente. em Alvares de Azevedo e talvez muito em Gon~alves Dias; nada
' ou quase nada em Junqueira Freire, cujas Inspir(lföes do Claus-
tro podemos !er como um documento pungente de um m~o en-
Junquelra Frelre fermi~o dividido entre a sensualidade, os tcrrores da culpa e os
ideais religiosos, mas niio como uma obra de poesia.
Ern Junqueira Freire ( • 1 ) e precisamente esse convivio ten- Uma prova, entre outras, da sua dificuldade de ajustar in-
so entre eros e thanatos que sela a personalidade do religioso e ten~s e forma e o prosaico e duro "A. Profissäo de Frei Joiio
do artista malogrado. das Merc~s Ramos", em que expöe o malogro da sua voca~o:
"Contrano a si mesmo, cantando por inspira~öes opostas,
aparece-nos o homem atraves do poeta", dele disse Machado de Eu tamb6n me prostrei ao pC das aras
Assis; e nessas palavras ia um elogio, mas tambfm uma restri· Com jubilo indizlvel:
~äo. Louvor a sinceridade com que se projetou no verso o dra- Eu tambem declarei com forte accnto
ma do individuo atado a uma falsa voca~iio; crltica ao modo de 0 juramento horrlvel.
ser dessa poesia, que, toda centrada no eu do emissor, näo en·
concrou o correlato da inven~äo formal, e caiu no genf:rico, no Tive mais tarde a reai;äo rebelde
prosaico e no cerebrino, ficando aquem da sintese conteudo- Do sentimento interno.
-forma. Tive o tormento dos cruCis remorsos,
E verdade que o descompasso esul i\ espreita de todo poeta Que me parece eterno.
romäntico; mas e tambem verdade que este se afirma romo ar-
tista na medida em que logra vencer, pela palavra, as tentai;öes Para näo sermos injustos com o poeta baiano, devemos re-
de um confidencialismo frouxo. E quando o faz, como um Hoel- conhecer, com Jose Verlssimo, alguns momentos felizes em que
derlin e um Leopardi, um Heine e um Vigny, cria um estilo lhe foi benefica a aproxima~iio com fontes populares, e com An-
tonio candido, outros em que • sua con~o anacrönica do
(81) Luis JosJ\ }UNQUEIRA FREIRE (Bahia, 1832-1855). Faz huma-
verso se ajustou a uma poesia antes de pensamento que de sen-
nidades no Llceu Provincial de Salvador e aos dezenove anos entra como sibilidade ("A Morte").
novieo na Ordem Beneditina. Professa aos vinte, ao quc parece sem ne-
nhuma voca~äo segura e talvez empurrado pelo desejo de fugir 8 vida fa-
miliar extremamente infeliz. Depois Cl.e um ano de sacerd6cio, pediu se-
cularizai;iio, voltando para casa ( 1854 ). Falece de molCstia carcilaca no Laurlndo Rabelo
ano seguinte. Nessa vida brevfssima os acontecimentos siio todos interio-
res: o desgosto na casa patema, as ilusöes sobre a vocai;äo monS:stica, as
dU.vidas e deSesperos nos dois anos em que permaneceu na Ordern. Daf o As fontes populares estavam presentes no boemio e repen-
valor de testemunho que assume a sua Unica obra de poesia, as Inspira- tista Laurindo Rabelo ( s2 ), o "poeta lagartixa" e poeta de sa-
,oes do Claustro ( 1855). Acrescidas de alguns in~ditos, foram publicadas
sob o tftulo de Poesias Completas, em 2 volumes, pela Ed.itora zeJ.io Val-
vcrde (Rio, 1944 ), recomendando-se a boa introdui;iio de Roberto Alvim (82) LAURINDO Jos:E DA S1LVA RABELO (Rio, 1826-1864). Mestir;o,
Correa, que prcparou a edii;äo. Sobre Junqueira Freire, o melhor estudo de origem modesta, com~u a cursar a Escol~ Militar, mas deddiu-se par
(biogclfico) 6 Junqueira Freire Sua Vida, Sua Epoca, Sua Obra, de Ho- Medicina formando-se pela Faculdade da Bahia. F1111oso como repenosla
mero Pires (Rio, A Ordem, 1929). e solado; de violiio, comp8s oo perfodo bo&nio de sua vida, um grande

124 125
1ä.o, mas por isso mesmo representativo do gosto .romintiCo me- Caslmiro de Abreu
dio do Brasil Imperio.
A trova, os redondilhos, as rimas emparelhadas säo os seus Ainda na linha de compreensäo do publico mc!dio e que se
meios de expressäo congeniais, e, na mesma linha de simplicida- deve apreciar a popularidade de Casimiro de Abreu ( 83), que
de, säo as flores que lhe oferecem material copioso para enume- operou uma descida de tom em rela,äo a poesia de Gon,alves
ra~s e metaforas. Algum~ de sues quadras parecem provir Dias, Alvares de Azevedo e Junqueira Freire. Na verdade pou-
da cultura semipopular portuguesa e brasileira: co diferiria destes se o criterio de compara,äo se esgotassc na
escolha dos temas, valorizados em si mesmos: a saudade da in·
"Minh'alma 6 toda saudades, fWicia, o amor a natureza, os fogachos de adolescente, a religiiio
De saudades morrcrei", sentimental, o patriotismo difuso. Mas o que singulariza o poe-
Disse-me, quando, minh'alma ta e o modo de compor, que remonta, em Ultima analise, ao seu
Em saudades lhc deixei. modo de conhecer a realidade na linguagem e pela linguagem.
Parece que a natureza Casimiro reduzia a natureza e o pr6ximo a um angulo vi-
Quis provar esta verdade, sual menor: o do seu temperamento sensual e menineiro que o
Quando diversa da roxa aproxima bastante das literatos fluminenses coevos, do tipo de
Te criou, branca saudade. Laurindo Rabelo e Joaquim Manuel de Macedo. Eie adelga'8
a expressiio dos afetos, täo ardentes em Gon,alves Dias, täo apai·
Mas, vivendo tambem em um meio de extra~o burguesa, xonados em Alvares de Azevedo.
Laurindo, como o faria mais tarde Catulo da Paixäo Cearense, Compare-se a "Can,äo do Exilio" que abre as Primaveras
contorce aqui e Ja a dic,äo, a procura de uma gra,. decorativa com a pe,a homönima dos Primeiros Cantos de Gon,alves Dias:
que possa produzir efeito entre os seus ouvintes cultos ou pseu- nesta 0 tom e s6brio ate a ausencia absoluta de adjetivos; na-
do cultos. Näo ultrapassa, nesse caso, a esfera do 16cico romm· quela, apesar da imita,äo dos dados naturais ( palmeiras, sabia,
tico em voga: "exangue", "sublime", "vestais"... Creio que CCU ••• ), 0 tom e !mguido e OS motiVOS da patria distante Se di-
sua obra pode ser uma das balizas para uni estudo que a nossa !uem ao embalo das rimas seguidas e dos pleonasmos:
cultura redama: o das rela,öes entre a linguagem do povo, da
dasse media e dos grupos de prestfgio nos meios urbanos. Tal-
vez nos surpreendam as 3guas que se mistUfam quando espera- (83) CASI~URO JosE MARQUES DE ABREU (Barra de Säo Joäo, Pro-

rfamos ver rfgidas barreiras. Assim, h3 sempre um amaneira- vincia do Rio de Janeiro, 1839-1860). Filho de um rico fazendeir_o e ne-
gociante portugues, transcorreu a infäncia no campo, de onde sau.~ para
mento nas quadrinhas que da ora para o sentimental, ora para o estudar hwnanidades cm Nova Fribwgo. Antes de completd.-las, fo1 para
conceituoso, o que de certo modo altera a espontaneidade. Mas o Rio de Janeiro, a mandado do pai, pr~ticar comCrcio, . o quc, n~o sendo
esse ja e um problema que deve ser resolvido na area da "lltera- natural.mente a sua vocar;äo, nele produztu certo ressentun~to, ~1sfvcl ~
tura oral" e que foge, portanto, a_ nossa finalidade. alguns poemas, e talvez demasiadamentc explorado pela b1ograf1a roman-
tica. Vai depois para Lisboa onde se inicia como poeta e dramaturgo,
( logrando ver representada a sua p~ Camöes e o ]au em 1856, no Teatro
D. Fernando). Voltando ao Rio, j8 traz os manuscritos das 0 Can!;Öes do
Exllio" que somadas as outras composii;öes aqui escritas, formam o seu
Unico livro de poemas Primaveras (1859). publicado com os recursos pa-
ternos. Faleceu de ~berculose no ano seguinte. V. Ob ras de Cas!miro
de Abreu, organizadas por Sousa da Silv~ira, S. Paula, Cia. Ed. ~ac1?nal,
nllmero de quadras, que publicou sob o tftulo de Trovas (Bahia, 18'.5"3 ). 1940. Para o estudo do poeta, alCm da tntrodu~äo de Sousa da Silve1ra. ä
Serviu alguns anos no Exercito na qualidade de oficial-mCdico e, pouco ed. citada, ver JosC Verissimo, "Casimiro de Abreu", cm Estudos „de Lite-
antes de morrer, como professor adido A Escola Militar. Para o texto, ratura Brasileira, II, pp. 47-59, e Carlos Drummond de Andradc, No Jar-
biografia e notas crfticas, veja-se a edii;äo das Ohras Completas, S. Paula, dim Pllblico de Casimiro de Abreu'', em Confi.ssöes de Minas, Rio, Ame-
Cia. F.d. Nacional, 1946. · ric-editora, 1945, pp. 37-25.

126 127
Debalde eu .olho e ...procuro.
no ( 86 ), Jose Bonif3cio, o M~o ( 87 ) e, ao menos como poeta,
Tudo escuro
S6 vejo em roda de mim!
Bernardo Guimaraes ( 88 ) .
Falta a luz do lar paterno
Doce e terno,
Doce e terno para mim. Varela

E os versos popularfssimOs de "Meus Oito Anos" jii esta- Mas o epfgono por excelencia, o maior dentre os menores
vam na "Cantiga do Sertanejo" de Alvares de Azevedo; mas ha poetas saldos das Arcadas paulistas, foi, sem duvida, Fagundcs
uma diferen~a de contexto que tudo altera: Casimiro ignora as Varela ( •• ). o unieo nome de relevo na poesia da decada de 60.
pregas da afetividade do poeta paulista. Corno este, tem. seu
Livro Negro onde canta a tristeza da inocfocia perdida; mas e
palida, sem garras e exdamativa a sua lira de sombras, faltan· (86) FRANCISCO ÜTAVIANO DE ALMEIDA RosA (Rio, 1825-1889).
do-lhe o sarcasmo, a auto-ironia sem trCguas, que levava Alvares Politico de certo prestigio no Segundo Reinado: chegou a senador e ascen·
deu na carreira diplomiltica. Publicou pouco: versöes de Ossian com o
de Azevedo a tocar, pela exaspera~ao, os limites do pr6prio ego- nome de Cantos de Selma (1872) e Traduföes e Poesias (1881). Muito
tismo. populares os seus versos intitulados "llusöes da Vida":
Ern tudo Casimiro e menor. E sendo-o coerentemente, os Quem passou pela vida ern branca nuvem
seus versos agradaram, e creio que ainda possani agradar aos que e em pl3.cido repouso adormeceu,
pedem pouco a literatura: um ritmo cantante, uma expressäo quem nao sentiu o frio da d~.
fad!, uma palavra brejeira. quem passou pela vida c niio sofreu,
foi espectro de homem, nio foi homem,
s6 passou pela vida, nio viveu.
V. Xavier Pinheiro, Francisco Otaviano, escorfo biogrd/ico e sele(äo, Rio,
Epiqonos 1925.
(87) Jost BoNIFACIO, 0 M"'° (Bordeus, 1827 - S. Paulo, 1886).
Filho de Martim Francisco de Andrada e Silva, sobrinho do Patriarca.
Entre a gera~äo que apareceu nos anos de Cinqüenta e um Corno professor de Direito e polfrico, influiu na Ultima gera~o liberal do
grupo realmente novo pelo esplrito e pela forma (Castro Alves, ImpCrio: foram discipulos seus Castro Alves e Rui Barbosa. Com~
Pedro Luis, Sousiindrade), encontram-se eplgonos, que retomam ultra-romantico com Rosas e Goivos (1848), mas com o tcmpo prcferiu a
o americanismo de Gon~alves Dias ou. as efusoes sentimentais de musa dvica, prenunciando a orat6ria dos Condoreiros ( "Prometeu", "Ll-
berdade", "A Garibaldi"). Ed. completa de seus poemas: ]ose Bonifticio,
Alvares de Azevedo e Casimiro de Abreu. o Mofa - Poesias, S. Paula, Comissiio Estadual de Cultura, 1962.
Alguns deles perderam de todo o contato com o publico: (88) BERNARDO JoAQUIM DA S1LVA Gu1MARÄES (Ouro Preto, 182'·
Aureliano Lessa ( 84 ), Teixeira d<; Melo ( 85 ), Francisco Otavia· -1884 ). Fez humanidades na cidadc natal e Direito em Säo Paulo, oode
'!ie uniu por runizade a Alvares de Azevedo e Aureliano Lessa, deixando
fama de boemio e satirico. Exerceu as fun\:ÖCS de juiz cm Cataläo e de
(84)· JosE AuRELIANO LESSA (Diamantina, 1828 - Conceit;äo do professor secundario cm Ouro Preto e Queluz. Dos temas rominti'?'
Serro, 1861 ). Companheiro de Alvares de Azevedo nos anos academicos preferiu o da natureza e o da patria, mas singularizou·sc como hu.morts-
de Sao Paulo. Sua obra foi coligida pelo irmiio, Francisco Jose Pedro ta, nota que trouxe do satanismo juvenil da fase bo&nia ( •• A Or~1a dos
Lessa, nas Poesias P6stumas ( 1873), com pref1icio de Bernardo Guimariies. Duendes", "O Elixir do Paje"), Obra poc!tica: Cantos da Solidilo ( 1852).
Poerias (1865), Novar Poeriar (1876), Folhar de Outono (1883). Ver
(85) TEIXEIRA DE MELo (Campos, RJ, 1833 - Rio, 1868). Dei- Basilio de Magalhäes, Bernardo de Guimaries, Rio, 1926. PaNI o roman-
xou: Sombras e Sonhos (1858). P6stumo, Mios6tis (18n). As Poesias, cista, v. adiante o t6pico ficfäo.
reunindo os precedentes, vieram a luz em 1914, com pref3.cio de Silvio (89) Lufs N1coLAU FAGUNDES VARELA (Rio Claro, RJ, 1841 -
Romero. Ver PCricles Eugenio da Silva Ramos, 0 Verso RomJntico, S. Niter6i, 1875). Filho de fazendeiros, passou a infincia junto l natureza
Paulo, Comissäo Estadual de Cultw:a, 1959. ou em viagens, acompanhando os pais, o que tal~ lhe a:pliqu(' o modo

128 ,29
"Lido ap6s aqueles prn;tas" --- cliz severamente Jose Veris- mento precoce do tema do negro ("Mauro, o Escravo", 1864)
simo - deixa-nos a impressifo do ja lido ( •0 ). E näo clizia no- em relar;äo a literatura abolicionista dos decenios seguintes ( 93).
vidade, pois Silvio Romero, que fora mais indulgente com Va- 0 poemeto exalta a figura do negro her6i que vinga a dc-
rela, afirmara: "A obra do poeta ... aparentemente pessoal, e sonra da irmä. Mistura de "maldito" byroniano c de Bug-Jar-
uma das mais impessoais da nossa literatura"( 91 ). gal, o Mauro de Varela tem poucas raizes brasileiras; e como foi
Seria facil rastrear em sua prod"'äo descurada e prolixa su· tra>ado a golpes de melodrama, acabou dizendo mais da visäo
gestöes e mesmo decalques de Gon,alves Dias, Alvares de Aze- romäntica do her6i rebelde que das angUstias do negro nas con-
vedo e Casimiro de Abreu. Explorou todos os temas romän· di~öes concretas em que este penava.
ticos, näo excetuado o do Indio que, na altura do Evangelho nas De qualquer modo, o relevo dos primeiros livros de Varela
Selvas, redigido entre 1870 e 1875, ja näo figurava como fonte e antes documenta! que artlstico. 0 melhor do poeta fluminen-
de inspira~io em nossas letras. se näo se encontra ai, mas em alguns momentos de lirismo buc6-
lico que transpöem para o '~portugues brasileiro", lingua da nos-
Por outro lado, Varela foi, mais que os seus modelos, sen-
so Romantismo, os costumes e os modismos da r~a que ele tanto
sivel ii lira patri6tica de fi!ia,äo liberal: indice de uma tenden-
amou: ''Antonico e Cor3'', ''Mimosa'', ''A Flor de Maracujä''.
cia que inverteu, a partir de 60, aquele signo aulico manifesto
no "coro dos contentes", como chamaria Sousändrade as vozes A atra>äo pelo campo, alternada com a mais desbragada
conformistas de Magalhäes e Porto Alegre ( 92 ). boemia, significa no poeta dos Cantos do Ermo e da Cidade a
aversäo radical a integrar-se no ritmo da vida em sociedade. A
0 poeta do Estandarte Auriverde acompanha nesse ponto a psicologia da fuga levou 0 eterno adolescente ii bebida e a exis-
viragem na vida politica do II Imperio, quando entrava a fir- rencia errante, o que espelhava a sua incapacidade romäntico-de-
mar-se uma oposi~äo mais conseqüente, de que seriam mentores cadente de aceitar e, naturalmente, de transformar as pressöes do
Jose Bonifacio, o m0>0, Luls Gama, Tobias Barreto e maior meio.
poeta Castro Alves. Varela prenuncia os condoreiros pelo ardor Um lugar a parte na sua produ>äo, pela constllncia do fole-
nacionalista ( 0 Estandarte e de 63)' pelo mito da America-pa- go, ocupa o "Cäntico do Calvcirio", escrito em mem6ria do filho.
ralso-da-liberdade (Vozes da America, de 64), enfim, no trata- Nessa bela elegia em versos brancos Varela redime-se da sensa-
ftäo de ;a lido com que o marcara a secura da critico. 0 mes-
mo näo acontece com o seu Ultimo e mais ambicioso trabalho,
de ser dispersivo e volU.vel. Matriculou-se em Direito, en1 S. Paulo ( 1862) Anchieta ou 0 Evangelho nas Selvas,- narra,äo, tambem em ver-
depois de trCs anos de boemia. Ainda estudante, casa-se com uma artis-
ta Qe circa, Ritinha Sorocabana, que lhe deu um filho, Emiliano, e cuja
sos brancos, da vida de Cristo, que o poeta pöe na boca do je-
morte, aos tres meses de idade, lhe inspira o "Ciintico do Calv3rio". Em suita em missäo de catequese. Embora näo seja dificil colher
S. Paulo publica Vozes da America e Cantos e Fantasias, partindo em. 65 exemplos felizes de nota>äo do mundo agreste, o tom edificante
para Recife a firn de prosseguir os estudos. Logo regressa ao saber da do conjunto acaba toldando a solene pureza da mensagem evan-
morte da esposa. Abandonando de vez o curso, entrega-se a uma vida
errante pelas fazendas fluminenses, q~ nem o segundo casamento logra
deter. Morreu em Niter6i, vitima de ·um insulto cerebral, aos trinta e { 93) Antes da campanha, s6 havia alusöes esparsas ao escravo na
tres anos de idade. Obras: as citadas, mais Noturnas 0 Estandarte Auri- poesia romäntica. Quem precedeu imediatamente Varela e Castro Alves
verde (63), Cantos Meridionais (69), Cantos do Ermo e da Cidade (69), foi Luis GAMA (Bahia, 1830 - S. Paulo, 1882), mulato, filho de uma
Cantos Religiosos (78), DiOrio de Lizaro (80). Consultar: Edgar Cava- africana livre e de um senhor branco, que o vendeu como escravo aos dez
lheiro, Fagundes Varela, 3.• ed., S. Paula, 1956. anos de idade. 0 que näo impediu que Luis Gama chegasse pelo pr6-
( 90)Ern Hist. da Lit. Bras . , j_, ed„ Rio, ]. Olympio, 1954, p. 280. prio esfor~o a grande orador liberWio. Deixou os versos satiricos das
Primeiras Trovas Burlescas ( 1859) e das Novas Trovas Burlescas ( 1861).
(91) Ern Rist. da Lit. Bras., Rio, J. Olympio, vol. IV. Sobre a evolu~o do tema do escravo, o leitor consultar8 com proveito
( 92) No poema 0 Guesa, canto X, estrofe 61. Sobre Sousändrade, o ensaio de Raymond S. Sayers, 0 Negro na Literatura Brasileira, trad.
v. mais adiante, p3g. 137. e notas de Antönio Houaiss, Rio, Ed. 0 Cruzeiro, 1958.

130 131
gelica, quc se desfigura quando rocada pela retorica. Mesmo labirinta de culpas sem rem1ssao. A palavra da poeta baiano
que esta venha de uma alma emotivamente religiosa como a de seria, no contexto em que se inseriu, uma palavra aberta. Aber·
Fagundes Varela. ta a reaiidade maci~a de uma na~äo que sobrevive a custa de san·
Quando o poeta fluminense ja publicara seu melhor livro, gue escravizado: e o sentido Ultimo do "Navio Negreiro":
Cantos e Fantasias, em 1865, come~a a fazer-se conhecido o Ul- Existe um povo que ~ bandeira empresta
timo adolescente - e por certo o m~or. deles - do nosso Ro- Pra cobrir tanta infamia e cobardia! ...
mantismo, Antonio de Castro Alves (94 ).
A sua estreia coincide com o amadurecer de uma situa~äo Auriverde pendäo de minha terra,
nova: a crise do Brasil puramente rural; o lento mas firme cres- Que a brisa do Brasil beija e balano:;a,
Estandarte que a luz do sol encerra
cimento da cultura urbana, dos ideais democr3ticos e, porcanto, E as promessas divinas da esperant;a ...
o despontar de uma repulsa pela moral do senhor-e-servo, que Tu que, da liberdade ap6s a guerra,
poluia as fontes da vida familiar e social no Brasil-lmperio. Foste hasteado das her6is na lano:;a,
Antes te houvessem roto na batalha,
Outros säo agora os modelos poeticos. E, näo obstante con- Que servires a um povo de mo1talha!
tinuem insepar3veis do intimismo romäntico as cadencias de La·
martine e de Musset, e a voz de Victor Hugo, satirizador <le ti- A indigna,äa, m6vel profundo de toda arte revolucionaria,
ranos e profeta de um mundo novo, que se faz ouvir com fasci- tende, na poesia de Castro Alves, a concretar-se em imagens gran-
nio crescente. diosas que tomam a natureza, a divindade, a hist6ria persanali·
Castro Alves sera n6vo pelo epos libertario e, apesar das zada a material para metaforas e compara,öes:
influencias confessadas de Varela e Gon~alves Dias, sera navo
tambem nos versos de substäncia amorosa pela franqueza no ex- Deus! 6 Deus! onde est:is que näo respondes?
primir seus desejos e os encantos da mulher amada. Ern que mundo, em que estrela tu te escondes
Embuo:;ado nos cCus?
Com ele fluem sem meandros as correntes de uma renovada Ha dois mil anos te mandei meu grito,
lirica erOtica, tanto mais forte e limpa quan!o menos reclusa no Que embalde, desde entäo, corre o infinite.
Onde estas, Senhor meu Deus? ..
( 94) ANTÖNIO fREDERICO DE CASTRO ALVEs ( Curralinho, hoje Cas- (Vozes d'Africa)
tro Alves, Bahia, 1847 - Salvador, 1871 }. Filho de um mt!dico. Ft:z
os estudos secund.irios no Gin3.sio Baiano, dirigido por Abflio CCsar Bor-
ges. Entrou no Curso de Direito em Rccife, on<le ja comeo:;ava a campa-
E nenhum mita mais elaqüente para a expressäo da her6i
nha liberal-abolicionista, de que seria um das primeiros !fderes, junto a romäntico, agora potenciado em um povo-simbolo, do que o mi-
Tobias Barreto. Apaixona-se pda atriz Eugenia Cän1ara para quem escre· to de Titä por excelencia:
ve o drama Gonzaga ou a Revolu~iio de Minas, levado a cena em Salva·
dor, quando j3. o poeta se encaminhava para S. Paulo a fi1n <le continuar Qual Prometeu, tu me amarraste um diii
os estudos. Chegando em 1868, une-se ao melhor da juventude academi- Do deserto na rubra pencdia,
ca nessa fase de ruptura com os aspectos mais ran~oso~ da polf tica impe- Infinita galC.
rial. Säo colegas seus Rui Barbosa, Joaquim Nabuco e Salvador de Men- Par abutre - me deste o so! ardente!
don~a. Pouco ficou em S. Paula: um acidente de ca~a, ferindo-lhe o pC, E a terra de Suez foi a corrente
obriga-o a voltar a Bahia, onde e operado. Mas o organi~1no, abalado pela Que me amarraste ao pC.
tfsica, näo t~m condi~öes para rcsistir. Morre cm 1871, aos vinte e qua- (Vozes d'Africa)
tro anos de 1dade. As Espumas Flutuantes foram publicadas em 1870, cm
Salvador. P6stumos, safram: A Cachoeira de Paula Afonso (1876), Os
Escravos ( 1883) e Hinos do Equador, ja na edio:;äo das Obras Completas Aberta ao progresso e a tecnica que ensaiava _OS primeiros
( 1921) aos cuidados de Afr<1nio Peixoto. Consultar: Pedro Calmon, A passas, a palavra de Castro Alves e, tambem sah esse ängulo,
Vida de Castro Alv~s, 2.• ed., Rio, 1956; Jamil Almansur Haddad, Re- original, se comparada com a constante da fuga para o campo eo~
visäo de CA,•3 vols., S. Paula, 1953; Maria de Andrade, Aspectos da Li-
teratura Brasileira, S. Paula, Martins, s. d. mo antidoto dos males urbanos, que j:i vimos ser a marca de

132 133
Varela e Bernardo Guimaräes. C~stro Alves, ao contr4rio mos- trutura; näo atingindo esse limiar de organiza~äo, ainda näo cxis-
tra-se entusiasmado ao ver·. a penetra~äo da mclquina no meio
1
te como poema e pode ser julgado, no plano estCtico, uma obra
agreste; e nisso e um autentico filho da burguesia liberal em fa- frustrada, malgrado as inten~öes da emissor. E no convivio da
se de expansäo, logo freada e reduzida ao sistema agrario. Jun- mensagem com os v3rios c6digos possfveis ( prosaico, orat6rio,
ta ao livro, lirico ... ) que se modela o texto literario e se concretizam es-
teticarnente os valores em cujo mundo estiio imersos poeta e
Oh! Bend.ito o que ~ leitores.
Livros, livros •8 mäo cheia ...
E manda o povo pensar! Se nos ativermos com firmeza a esse critCrio lato, vendo na
0 livro caindo nalma adequaroo dos meios a mensagem ( e näo nos meios em si, ou
:S. germe - que faz a palma, nas mensagens em si) o modo de distinguir o poeta superior
~ chuva - que faz o mar, da medfocre, näo incorreremos no erro hist6rico de Silvio Ro-
mero, que antepös a arte de Castro Alves a versalbada de To-
vem a locomotiva: bias Barreto, a quem niio se podem negar conviet;öes liberais
Agora que o trem de ferro
mais bem fundadas que as da poeta baiano, mas que näo soube
Acorda o tigre no cerro transpö-las para uma linguagem forte e justa.
E espanta os caboclos nus, Compare-se a "Ode a Dois de Julbo" de Castro Alves ao
Fazei desse rei dos ventos "Dois de Julbo" de Tobias. 0 mesmo intuito glorificador re-
Ginete dos pensamentos,
Arauto da grande luzt ... solve-se, no primeiro, em metaforas e antlteses grandiosas: säo
( 0 Livro e a Amenca)
arcanjos e aguias que lutam em espa~s desmedidos:
0 anjo da morte palido cosia
A mensagem orat6ria tem por objeto constitutivo a persua- Uma vasta mortalha em Piraji
säo. Quer mover os afetos para tocar um determinado alvo. . ........ ·-·· ······· ....... .
Dirige-se para. . . No esquema de Roman Jakobson, centra-se Dcbnu;ados do cfu. . . a noite e os astros
na 2.a pessoa, no destinatiirio do processa. comunicativo ( 95 ). Seguiam da peleja o incerto fado.
Mas, se o poeta se exaurisse nessa opera~äo, acabaria fazendo As bandeiras - como S.guias eri~das
Se abismavam com as asas desdobradas
propaganda, ficando fora do foco da poesia. No entanto, e arris- Na selva escura da fuma~ atroz ...
cado negar, por atra bilis ou turra pol~mica, valor a poesia de Tonto de espanto, cego de metralha
intuitos sociais e pollticos, tacbando-a azedarnente de "demag6- 0 arcanjo do triunfo vacilava.
gica.", semp.re que nä'o responder a certos m6dulos com que se Eras tu - liberdade peregrina!
que1ra med1r, de uma vez por todas, a expressäo liter3ria. 0 Esposa do porvir - irmii do sol !
problema do juizo fica mal formulado quando se concentra no Um pedaco de gl:ldio - no infinito ...
criterio. alias vago, da "utilidade necess:iria" ou do "necess3- Um trapo de bandeira - na amplidäo!
rio desinteresse" da arte. 0 poema e obra bumana: enquanto
h.umano, esta sempre em fun~äo dial6gica, vem de um ser em No fragmento de Dias e Noites da poeta sergipano, niio ha
sttua~äo que fala a outros seres em situa~äo, isto C, comunica-se evoca~äo nem tratamento epico da epis6dio, mas uma pffia e
com e empenha-se em uni mundo intersubjetivo pelo menos dual rala lembran~a da sucesso:
( autor-leitor); enquanto obra, e objeto, produto de uma inven- Neste dia, sempre novo,
~äo, arranjo de signos intencionais que se constelam em uma es- Entre os aplausos do mar,
Entre os ruldos do povo,
Vai a cidade falar ...
( 95) R. Jakobson, Lingüistica e Comunica,ao, trad. de lzidoro Atriz majcstosa e bela,
Blikstein e JosC PauJo Paes, S. Paulo, Cultrix, 1969, pp. 122-129. Falando s6 e s6 ela

134
Diante _de dµas na~. Somente por vezes, dos jungles das bordas
Representa um alto feito Dos golfos enormes daquela paragem,
Que arranca bravos do peito Erguia a cabei;a surpreso, inquieto,
De emudecidos canhöes. Coberto de limos - um touro selvagcm.

E verdade, Tobias escreveu coisas menos ruins, mas o que ( 0 Crepusculo, Sertanejo)
interessa aqui e reiterar a no\äo de vm' limiar estc!tico, abaixo
do qua! s6 restam veleidades 'de fazer poesia, e acima do qua! Versos que nenhum dos parnasianos por certo iria superar
se percebe uma coerf:ncia na organiza\äo semäntica, que resiste na capta\äo plastico-musical do ambiente.
as mudan\as de gosto e de mentalidade. Muito do que nos dei-
xou Castro Alves esta aquc!m das exigencias p6s-romänticas, em
geral hostis ao fluxo orat6rio, apesar de este persistir em mais ucondores"
de um poeta respeitavel: D' Annunzio, Oaudel, Whitman, St.-
·John Perse e, entre n6s, por exemplo, Augusto Frederico Coetiineos de Castro Alves, ou vindos pouco depois, os poe-
Schmidt. A rigor, todos exorbitaram da medida a que se im- tas que fecham o nosso Romantismo näo resgataram com a for-
punham os gostos exigentes das seus contemporäneos, mas a ne- \a de uma personalidade artlstica original o vezo da pura ret6-
nhum deles seria licito negar o dom da palavra poetica.
Os similes de Castro Alves säo quase sempre tomados ·aos
aspectos da natureza que sugerem a impressäo de imensidade, de
infinitude: os espa\os, os astros, o oceano, o "vasto sertäo", o
1 rica. Pedro Luis ( 1839-1884 ), conhecido pelos altissonantes
"Terribilis Dea", sobre a guerra do Paraguai, e "Os Volunt3-
rios da Morte", sobre a PolOnia, e ainda o nome de condoreiro
tipico que se pode alinhar junto ao de Castro Alves. Pedro Ca-
"vasto universo", os tuföes, as procelas, os alcantis, os Andes, lasäs (1837-1874), Narcisa Am:ilia (1852-1924), Franklin D6-
o Himalaia, a 3guia, o condor. . . Transposto em prosa, o mes- ria, Matias de Carvalho e outros, menores e minimos, automati-
mo estilo ser:i a ret6rica formidanda de um seu colega de ban- zaram certos processos de efeito como a antftese, a 'ap6strofe e a
cos academicos, Rui Barbosa, que lhe faria, dez anos ap6s a sua hiperbole, e abusaram do alexandrino franc~s que a leitura de
morte, um elogio sem reservas. Hoje haveria. restri\öes, mas co- Hugo pusera em moda. No conjunto, servem de documento
mo a de Gide falando de Hugo: "Victor Hugo est le plus grand para a hist6ria dos sentimentos liberais e abolicionistas que, a
poete fran\ais, helas! ... " - ·~
t partir de 70, dominariam a nossa vida publica.
Nem tudo e hiperb6lico em Castro Alves. Os sentidos,
bem abertos a paisagem, souberam escolher imagens e compor i
os ritrnos justos para um das mais belos poemas descritivos de Sousandrade
nossa lingua: Mas a critica de vanguarda rcpos ultimamente em circula-
A tarde morria! Jl-Jas .3guas barrentas ~äo um poeta desse periodo que a hist6ria liter:iria tinha relega·
As sombras das margens .dei tavam-se longas; do entre os nomes secundarios, a reboque dos condoreiros: Joa-
Na esguia atalaia d?-s iirvOres secas quim de Sousa Andrade, ou, como ele mesmo preferia chamar-
Ouvia-se um triste chorar de arapongas.
-se, Sousändrade ( 96 ).
A tarde mori;iat Das ramos, das lascas,
Das pedras, do Hquen, das ervas, dos cardos,
As trevas rasteiras com o ventre por terra ( 96) JOAQUIM DE SousA ANDRADE ( Guimaräes, MA, 1833 - Siio
Safam, quais negros, cruCis leopardos. Luis, 1902). Formou-se em Lctras pela Sorbonne; em Paris estudou tam-
bem engenharia de minas. Viajou muito pela Europa e pelas repUblicas
A tarde morria ! Mais funda nas iguas latino-americanas; fixando-se nos Estados Unidos af fez editar as Obras
Lavava-se a gralha do escuro ingazeiro, Potticas e alguns cantos do Guesa E"ante. De volta a S. Luis, viveu
Ao fresco arrepio das ventos cortantes pobremente como professor de grego, o que nio o impediu de tomar par-
Ern mtlsico estalo rangia o coqueiro. te na politica da Reptlblica recCm-proclamada. Morreu na penllria e qua·

136 JJ7
Trata-se de um espfrito originallssimo para seu tempo: ten- 0 Guesa retoma uma lenda qulchua que narra o sacrificio
do estreado como romilntico da segunda ger~äo ( Harpas Sel- de um adolescente: depois de !ongas peregrina~öes na rota do
vagens, 1858), ja se notava em seus versos juvenis um maior deus Sol, o jovem acaba imolado as mäos dos sacerdotes que lhe
cuidado na escolha do lexico e no meneio sintatico, que trala o extraem o cora~äo e recolhem o sangue nos vasos sagrados. 0
maranhense culto e enfronhado nas letras gregas e latinas, como poeta, com assombrosa intui~äo dos tempos modernos, imagina
os conterraneos Odorico Mendes ( 97 ~ e .Sotero dos Reis. o Guesa escapo aos xeques ( sacerdotes) e refugiado em Wall
Mas o pedantismo ainda acerbo das Harpas näo significava, Street, onde os reencontra sah o disfarce de empres3.rios e es-
nesse talento din3mico, apenas um resquicio purista: era prenlln- peculadores. Simbolo do selvagem que o branco mutilou, o can-
cio do escritor atento as tecrucas da dic,äo, e que seria capaz de to do novo her6i inverte o signo do indianismo conciliante de
manejar com a mesma ductibilidade as fontes classicas e os com- Magalhäes e Gon~alves Dias, cantores, ao mesmo tempo, do na-
postos do jargäo yankee. As viagens pela Eusopa e a longa tivo e do colonizador europeu.
perman~ncia nos Estados Unidos abriram a Sousilndrade o hori- Outra novidade de Sousandrade em rela,äo a toda a poesia
zonte do mundo capitalista em plena ascensäo industrial; mundo brasileira do seculo XIX reside nos processos de composi,äo:
que os nossos romilnticos mal divisavam, fechados que estavam de ins6litos arranjos sonoros ao plurilingüismo; dos mais ousa~
num contexto provinciano ou semi-afrancesado. 0 maranhense dos conjuntos verbais a montagem sint3tica.
conheceu de perto o fenömeno das concentra~s urbanas como 0 poeta näo podia ser assimilado no seu tempo e, de fato,
Nova lorquc, com os seus escilndalos financeiros e politicos que näo o foi, tendo-se provado otimista a previsäo de cinqüenta
fermcntavam entre os bancos de Wall Street ( o "Inferno" do anos em compasso de espera que lhe fizeram na epoca da reda-
Guesa) e as reda,öes dos jornais montados para as novas mas- ~äo do Guesa. Os poetas pOs-romänticos apararam as demasias
sas. Sentiu os varios aspectos cie uma democracia fundada no sentimentais dos epigonos e baixaram o tom da lira ret6rica dos
dinheiro e na competi,äo feroz, e pöd- compara-la com o nosso condores; mas näo seguiram o caminho singular de Sousändra-
lmperio fixista. Do confronto veio-lhe il mente a utopia de uma de: contentaram-se em fazer entrar no molde academico muitos
republica livre e comunitaria que conservasse a inoc~cia do dos motivos que a tradi,äo romilntica legara. Foram parnasianos.
nativo latino-americano, curioso mito polltico e substilncia do
Guesa, poema narrativo composto ao longo de dez anos, c pelo
qua! seu autor bem mereceu o tltulo de "Joäo Batista da poesia A Fic<;:AO
moderna" que lhe daria Humberto de Campos.
f. ~ facil cair na tenta,äo de gizar um esquema evolucionista
se dcsconhecido dos litcratos do tempo. E reccntc a sua descoberta. l)a..
para a hist6ria do nosso romance romilntico: do Macedo cario·
ta de 1970 a pub~ dos Inlditos, aos cuidados de Frederick G. ca as paginas regionais de Taunay e de .Tavora, passando pela
Willams e Jomas Moraes, S. Luls, Depro, de Cultura do Estado. V. gama de experiencias ficcionais de Bernardo, Manuel Antönio e
Fausto Cunha, "Sousindrade", cm A Literatura no Brasil, cit., vol. l, t. Alencar. A ideia de um conhecimento progressivo do Brasil
2; Augusto e Haroldo de Campos, Re~vtsäo de Sousdndrade, textos crfti-
cos e antologia, em colabora~o com Luls Costa Lima e Erthos de Sousa,
que, partindo da corte, alcan,a a provlncia e o sertäo bruto, po-
S. Paulo, 1964; Augusto e Haroldo de Campos, Sousflndrade. Rio. Agir, de levar o historiador ingenuo a escolher para criterio tipol6gi-
1966. co os ambientes apanhados na fic,äo: romance urbano/romance
( 9 7) MANUEL ÜDORICO MENDEs·(S. Luis, 1799 - Londres, 1864). campesino; romance do norte/romance do sul; mftodo que, n_o
Jomalista e politico liberal, destacou-se desde o Primeiro Reinado pela seu estreito sincronismo, näo se da conta das tempos culturats
sua mcnte aberta c ilustrada. Humanista, dedicou-se a tradu~o das dlspares que viviam cidade e campo, corte e provlncia.
gr~des epopCias cl&ssicas (A Eneida, 1854; Iliada, 1874). Suas vcrsöes,
~~t~ente literais, foram julgadas indigcstas quando näo ilegfveis; opi- Mas a verdade e que näo se registrou nenhuma evolu~äo
rua? discutfvel na medida em que o literalismo pode concorrer para a no fato de Alcncar ter escrito primeiro Luclola e depois 0 Gau-
for)a . de um 16cico nßvo e colar-se ao espfrito do original. V. Antönio
Hennques Lcal, Pantheon Maranbense. Lisboa, 1873, vol. I. cho, nem ocorreu qualquer ·progresso, em termos de apreensäo

138 139
do real, entre a fatura das Mem6riirr de um Sargento de Milicias,
'
1

cionais e a ideologia, näo ocupa todo o campo. do /enömeno cria-


em 1854, de Manuel Antonio de Almeida, e a das novelas ser- 1
dor, sendo responsavel antes pela genese da obra que por todos
tanejas de Bernardo Guimaräes publicadas nos anos de 70. 0 os aspectos da sua estrutura ( 98). Esta conserva um mi'.nimo de
deslocar-se do eixo geografico näo obedeceu a nenhwn acordo autonomia, que C a margem de liberdade do espirito na sua con-
tcicito entre os romancistas .. ; nem resultou em aprimoramen- tinua tensäo com os sistemas subjacentes. Sem a possibilidade
'" da tecnica ficcional: deu-se pela N_opria dispersäo, no temp0> dessa tensäo ( ou da negac;ilo, como diria Hegel), näo ha sequer
e no espar;o, ~m que viviam rlossos escritores. sombra de movimento, nem dialetica na cultura. A ac;äo do fazer,
As tentac;öes de ordenar os romances a partir de dados ex· o inventar, o poien da arte, que transforma a empiria em figu-
ternos expliEam-se pela natureza do genero, voltado como nc- rai;äo poetica, e responsavel por outra faixa da obra, ja näo pu-
nhum outro para as realidades empfricas da paisagem e do con· ramente projetiva, näo mais colada apenas aos motivos do emis·
texto familiar e social de onde o romancista extrai näo imagens sor, rflas dirigida para os niveis formalizantes da mensagem: a
isoladas, como faz o poeta, mas ambientai;öes, personagens, en- materia sonora, o ritmo, as imagens, a articulac;äo interna do pe-
redos. A situ(Jfäo de fato de que nasce o romance repro- riodo, o trabalho estilfstico das descric;öes, a tecnica do di3logo,
pöe sempre ao critico o tema dos liames entre a vida e a os planes narratives; em suma, a composil;äo do objeto ficcional.

r
ficc;äo, gerando problemas wmo • vero„imilhanc;a das hist6rias, A sociologia da invenc;äo estCtica deve ser mais cauta do
a coerencia moral das personagens, • fidelidade das reconstru· que a dos grupos consumidores ( inclusive os criticos). E näo
i;öes ambientais. E os n6s apertam-se Cllu afr0uxam-se segundo esquecer que a obra, quando descodificada pelos leitores menos
a concepr;äo de arte que se eleja. Par isso, todo criterio abstra- cultos ou pelo interprete tendencioso, sofre grave entropia de in·
to de progresso pode ser fatal ao julgamento de um romancis· formac;äo estetica.
ta: o que so valoriza o quantum de realidade (qua! realidade?) Isso näo quer dizer que se possa ou se deva subtrair a pes-
contido na obra; e o que s6 da prec;o aos resultados de pura inven- quisa social e psicol6gica o mundo das formas. Trata-se de
c;äo. Ser narrador ou fantasista depende de fatores multiplos, psi- apanhar, em sie por dentro, aqueles fenömenos que säo o obje-
col6gicos e sociais, o que torna igualmente dificil tentar uma so- to preferencial do trabalho artistico, e que nos induzem a juizos
ciologia do romance de car3ter positivista, ap menos no que se do tipo: 'ieis um beJo poema", OU 11 0 ro1nance Xe amorfo", OU
refere ao autor. Ja para o estudo do publico parece indispensa- "o dramaturgo Y tem um estilo denso". Que, em etapas se-
vel comec;ar por uma an3lise de classes e grupos. guintes, se procure a homologia entre as notas estilisticas e a vi-
Pode parecer estranho, se näo perigoso residuo idealista, säo do mundo de uma classe ou de um periodo, como o propöe o
separar os metodos que abordam os conswnidores da obra dos estruturalismo genetico de Luden Goldmann ( 99 ), e um tento
que visam a entender os seus produtores. No entanto, os fenö- final e o mais dificultoso de rodos; e que, por isso mesmo, näo
menos situam-se quase sempre em tempos di.:uersos, e a inteligCn- se deve arriscar, pela pressa de concluir, a um precoce e injusto
cia deve respeitar a diversidade: os leitores da mensagem ficcio- malogro.
nal seguem as grandes linhas-de-forc;a das motivac;öes que plas- O romance romäntico brasileiro dirigia-se a um pU.blico mais
mam o seu cotidiano. Assim, a ·-sede de reconhecer a pr6pria rest!ito do que o atual: eram mo\OS e moc;as provindos das clas-
vida sob o prestlgio da letra de forma estimula um publico que
näo sera ( ao mesmo tempo) o que busca no livro cenas e her6is
longinquos e sobre-humanos para alimento de evasäo. E possl· ( 98) Na expressäo feliz de Pierre Francastel, "os tempos da gl:nese
veJ marcar OS ideais e as frustrac;öes das varias classes de Jeito- e da estrutura säo diferentes".
res conforme os nfveis de aspirac;äo das grupos a que pertencem: ( 99) V. Le Diiu cache, Paris, Gallimard, 1956; Rechercbes dialecti·
a passividade do consumidor e bom guia para descobrir as razöes ques, Gallimard, 1958; Pour une Sociologie du Roman, Gallimard, 1964.
de sua preferCncia por este ou aquele romancista. Este Ultimo foi traduzido para ponugues (Sociologia do Rof!Zance, Paz e
Terra, 1968). De Goldmann, v. tambem, Ciencias I-lumanas e Filosofia,
No caso do escritor, porem, e especialmente do grande es- trad. de Lupe Cotrim Garaude e J. Arthur Giannotti, S. Paulo, DIF.
critor. a faixa projetiva, onde caem pesadamente os fatores emo- E. L., 1967.

140 141
ses altas, e, excepcionalmente, medias; eram os profissionais li- Tavora e alencariana menor (A Viuvinha, Diva, A Pata da Ga-
berais da corte ou dispersoS pelas provincias: era, enfim, um zela, Encarnafiio). Ja Inocencia de Taunay e alguns romances
tij:>o de leitor a procura de entretenimento, que näo percebia de segunda plana de Alencar ( 0 Sertane;o, 0 Gaucho, 0 Gua-
muito bem a diferen\a de grau entre um Macedo e um Alencar rani) redimem-se das concessöes a peripCcia e ao inverossimil
urbano. Para esses devoradores de folhetins franceses, divulga- pelo fölego descritivo e pelo aito na constru~ao de personagens-
dos em massa a partir de 1830/40, ~a Jrama rica de acidentes -sfmbolo: lnocencia, Arnaldo, Canho, Peri fazem aflorar arquC-
bastava como pedra de toque tlo bom romance. A medida que 1
tipos de pureza e de coragem que justificam a sua resistencia ils
os nossos narradores iam aclimando a paisagem e ao meio na· 1
mudan\as de gosto literario. Enfim, o nlvel das inten\(ies bem
cional os esquemas de surpresa e de firn feliz dos modelos eu- logradas cabe, como e de esperar, aos happy few: as Mem6rias
1
ropeus, o mesmo pU.blico acrescia ao prazer da urdidura o do de um Sargento de Milicias, prodlgio de humor pkaro em meio a
1
reconhecimento ou da auto-idealizai;äo. tanto disfarce banal, e as duas obras-primas de Alencar, Iracema
Vistas sob esse angulo, säo exemplares os romances de Ma- e Senhora, täo diversas entre si da ponto de vista ambiental, mas
1
cedo e de Alencar, que respondem, cada um a seu modo, 3.s exi- pr6ximas pela consecu\äo da tarn justo e pela economia de meios
gfncias mais fortes de tais leitores: reencontrar a pr6pria e con· de que se valeu o romancista.
1
vencional realidade e projetar·se como her6i ou heroina em pe- A escala de valores ja ficou sugerida atr&s: a obra sera tan·
ripecias com quc näo Se depara a media dos mortais. A fusäo 1
to mais valida, esteticamente, quanto melhor sauber o autor
de um pedestre e miudo cotidiano ( cimentado pela filosofia do usar a margem de liberdade que lhe permitirem as pressöes psi-
bom sense) com o ex6tico, o misterioso, o her6ico, define bem 1
col6gicas e sociais. Estas, lange de se esvafrem na "poesia pu-
o arco das tensöes de uma sociedade estavel, cujo ritmo vege· ra" da obra perfeita, potenciam-se e deixam transparecer a es-
tativo näo lhe consentia projeto hist6rico ou modos de fuga sfncia da matc!ria que o artista constrangeu a tomar forma.
a
alem do ofertado por alguns tipos de fic\aO: passadista e coJo-
1

niaJ ( 0 Guarani, As Minas de Prata, de Alencar; As Mulheres


de Mantilha, 0 Rio do Quarto, de Macedo; Maurlcio, 0 Bandi- Macedo
do do Rio das Mortes, de Bernardo Guimaraes ... ) ; a indianis- 11
ta ( Iracema, Ubira;ara, de Alencar; 0 lndio-Afonso, de Bernar- A cronologia manda come\ar pelo romance de Joaquim Ma-
do); a sertaneja ( 0 Sertane;o, 0 Gaucho, de Alencar; 0 Grz-
rimpeiro, de Bernardo; Inocencia, de Taunay; 0 Cabeleira, 0
il nuel de Macedo ( 100 ) •

Matuto, de Fränklin Tavora ... ) . Ou, trazendo, o leitor de vol- f!OO) JoAQUIM MANUEL DE MACEDO (ltaboral, RJ, 1820 - Rio,
ta para o dia-a·dia das conveni;öes, como em Iargos trechos de 'I 1882). Formou-se em Medicina pela Faculdade do Rio de Janeiro. A
Macedo e do Alencar fluminenses, centrados nos costumes da .,
;_i sua tese de doutoramento ja dizia muito de suas ·preocupac;öes de nove-
lista sentimental: Considera~öes sobre a Nostalgia, publicada em 1844. No
burguesia, e no saboroso documenta do Rio joanino que sä:o as 1
mesmo ano estreou com A Moreninha que obteve btito consider3.vel, tal
Mem6rias de um Sargento de Milicias, de Manuel Antonio. que .o animou a escrever mais dezesscte romances entre melodramSticos,
cömicos e hist6ricos. Näo se dedicou a medicina, mas ao magistCrio ( le-
1
Ate aqui aludiu-se a correspandfncia entre as expectativas
cionando Hist6ria do Brasil no ColCgio Pedro II e como preceptor dos
dos leitores e as respostas que lhes deram os ficcionistas: fato netos do Imperador) e a polftica, elegcndo-se v3.rias vezes deputado pelo
que explica quase sempre a polaridade realismo-idealismo que Partido Liberal ( ala conscrvadora). ' Consta que sofreu de uma doen~a
acompanha o romance da epoca. Mas, se reordenarmos em linha mental nos Ultimos anos de vida. Romances: 0 Mo~o Loiro, 1845; Os
vertical o mesmo conjunto, veremos que näo e tanto a distribuic;äo Dois Am6res, 1848; Rosa, 1849; Vicentina, 1853; A Carteira do Meu Tio,
de temas quanto o nerve do seu tratamento literario que deve ofe- 1855; 0 Forasteiro, 1855; 0 Culto do Dever, 1865; Mem6rias do Sobri·
nho do Meu Tio, 1868; 0 Rio do Quarto, 1869; A Luneta M&gica, 1869;
recer o criterio preferencial para ajuizar das obras enquanto obras. As Vitimas Algozes, 1869; Nina, 1869; A Namoradeira, 1870; Mulheres
Teremos, no plano mais baixo, os romances que nada acrescen- de Mantilha, 1871; Um Noivo e Duas Noivas, 1871; Os Quatro_ Pontos
,1 Cai-deais, 1872; A Baronesa do Amor, 1876. Consultar: Heron de Alen·
tam aos desejos do Ieitor medio, antes, ex:citam-nos para que se
reiterem ad infinitum: e a produ\ao de Macedo, de Bernardo, car, "Joaquim Manuel de Macedo", em A Literatura no Brasil (dir. de

142 143
Tendo atravessado todo- o Romantismo, pois escrevcu desde pessoas, enquanto projei;öes de conflitos dos pr6prios autores:
os anos de 40 aos de 70, nem por isso nota-se-Ihe progresso na as criaturas de Stendhal, Manzoni e Balzac foram aut&!ticos he-
te<:nica literS.ria ou na compreensäo do que deveria ser um ro-
mance. Macedo descobriu logo alguns esquemas de efeito no-
i r6is que nutriram a fantasia do leitor oitocentista. 0 defeito
estava em Macedo, sub-romancista pela pobreza da fantasia, sub-
1
velesco, sentimental ou cOmico, e aplicou-os assiduamente atC as
suas Ultimas produi;öes no genero. ,
,i -rommtico pela mlngua de sentimento. A sua adesäo a um tipo
d~ veross!mil imediato, peculiar a cronica e 8s mem6rills, preju-
Compöem o quadro desses expedientes: o namoro dificil ou
imposs!vel, o misterio sobre a identidade de uma figura impor-
·~ dica-o sempre que o enredo, saltando para o romancc de perso-
nagem, niio se esgota na misrura desses dois g&ieros.
tante na intriga, o reconhecimento final, o conflito entre o cle- Por outro lado, faltava a Macedo para ser um memorialista
ver e a paixäo ( molas romanescas e sentimentais); os cacoetes de valor o que sobejava a Manuel Antönio de Almeida - o
de uma personagem secundaria, as galbofas de estudantes va- senso vivo do ridlculo cm que as conveni;öes enredam o homcm
dios, as situai;öes bufas (molas de comicidade ). Tudo isso va- 1 comum. Macedo respirava essas conveni;öes. A falta de dis-
zado numa linguagem que esta a meio caminho do coloquial, i tanciam.ento enCl:lrtava-lbe as perspectivas e o conduzia a aceitar
nos dialogos, e de um literario correto de professor de portu- 1 por molas e fins das suas hist6rias os preconceitos vigentes cm
gues e homem do Pai;o, nas narrai;öes e digressöes. ·\ torno do casamento, do dinheiro, da vida politica. Certa moral
Niio admira que, achadas com facilidade as receitas Ja em passadista empresta um tom domestico as considera\(ics com que
A Moreninha, o escritor tenha sido tentado a dilul-las em mais entremeia seus romances hist6ricos. Valbam como cxemplo estcs
dezessete romances. dois passos rranscritos das Mulheres de Mantilha:
Ern todos eles o gosto do puro romanesco e importado Em todos esses rostumes estampava-se o atraso e • rudeza da
( Scott, Dumas, Sue ... ) , mas säo nossos os ambientes, as ce- sociedade colonial do Rio de Janeiro; mas indisputilvclmentc, se a
nas, os costumes, os tipos, em suma, o documenta. 0 que näo civiliza9io tivesse poupado a1guns deles ( ... ), o pow pobrc pelo
quer dizer: realismo. menos tcria mais facilidades na vida (Cap. IV).
Naqudes tempos havia um ditado que dcfmia certos homcns;
Resenhando um dos romances de Macedo maduro, 0 Culto o ditado rode, como rude era o povo, era cstc: "~ de boi portu-
do Dever, de 1865, Machado de Assis, que" ainda niio estreara guCs velho" e em Jerönimo e Ant6nio se encootravam dois pCs de
na fici;iio, ja Ihe apontava uma carencia de realidade moral näo bois portugueses velhos que fariam o que diziam, dois homens de
compensada pela c6pia de trai;os pitorescos e pelas digressöes bem as direitas, mas teimosos, cmperrados, indom4veis, que tioham
sentimentais. A notai;äo precisa de Macedo näo e realismo, mas no cumprimento da palavra o fanatismo da religiäo.
minU.cia de crönica; embora insistente, näo chega a moldar uma Os Ultimos representantes dessa gera9io de her6is de firmc:za
obstinada, aotiteses da egoista ioconst.äncia e ioteresseiro aviltamen-
personagem que nos conveni;a. Säo palavras de Machado: to de ootabilidades passivas, foram aqueles paulistas que tomavam
por divisa vaidosa, ao menos porCm oäo suspeita de iodignidadc, o
Se a missäo do romancista fosse copiar os fatos, tais quais eles famose principio: "antes quebrar, que torcer" (Cap. XIV).
se däo na vida, a arte era uma coisa inUtil; a mem6ria substituiria
a imaginar;ä:o; o Culto do Dever 'i:leitava abaixo Carina, Adolfo, Ma-
non Lescaut ( 101 ).
Mannet Antonio de Almeida
0 defeito niio era, portanto, do Romantismo, de onde pro-
vinham as obras citadas por exemplares na crltica de Machado;
pelo contririo, e com os rominticos que come~am a fixar-se No outro p6lo, as Mem6rias de um Sargento de Milicias,
de Manuel Antönio de Almeida ( 102 ) estiio isentas de qualquer
Afränio Coutinho}, cit., vol. II, pp. 856-862; Antönio Soares Amora, 0 (102) MANUEL ANTÖNIO DE ALMEIDA (Rio, 1831 - Vapor "Her·
Romantismo, S. Paula, Cultrix, 1967; Antönio Cindido, Formafäo da Li- mes", nas Costas da Provfncia do Rio de Janeiro, 1861). De origem po-
teratura Brasileira1 cit., vol. II, pp. 137-145. bre, 6rfäo Ge pai aos dez anos de idade, conheceu de perto a vida da pe-
1
( 101) Machado de Assis, Critica LiterJria, Rio, Jackson, 1955, p. 70. quena classe mt!dia Carioca. Freqüentou aulas de desenho na Academia de

144 t
1
145
tra<;o idealizante e procuram _despr;Ggar-se da materia romancea- As aventuras de Guzman na Espanha barrota näo se repeurao
da gra<;as ao metodo objetivo de composi<;äo, pr6ximo do que no Diabo Coxo e no Gil Blas do saboroso Lesage que, apesar
seria uma crönica hist6rica cujo autor se divertisse em resenhar das fontes castelhanas, e bem frances e leitor de La Bruyere pelo
as andanc;as e os pecadilhos do uomo qualunque. cuidado com que pinta o retrato moral dos figurantes. Figuran-
Ern Macedo a veracidade dos costumes fluminenses aparece tes e näo personagens movem-se no romance picaresco da nosso
distorcida pela cumplicidade tacita com a leitora que quer ora Manuel Antönio que, ao descartar-se dos sestros da psicologia
rir, ora chorar, de onde resulta'llm reahsmo de segunda mäo, näo romilntica (em 1853, aos vinte e um anos de idade! ), enverc-
raro rasteiro e lamuriento. Ern Manuel Antönio, o compromisso dou pela crönica de costumes onde näo ha lugar para a modela-
e mais alto e legftimo, porque se faz entre o relato de um mo- gem sentimental ou her6ica ( 0 homem era romäntico, como
11

mento hist6rico ( o Rio sob D. Joäo VI) e uma visäo desenga-


9
se diz hoje, e babäo, como se dizia naquele tempo"), nem para
nada da exist&icia, fonte da humor difuso no seu Unico romance. o abuso da peripecia inverosslmil.
Dizia um velho professor de literatura espanhola: "EI pro- Desde a primeira linha, o leitor sente o interesse em tudo
blema del picaro es un problema de hambre". E o romance datar e localizar com precisäo:
picaresco, de origem espanhola, desde o Lazarillo de T ormes Era no tempo do rei.
( 1554) a Vida de Guzmfm de Alfarache de Mateo Alemän Uma das quatro esquinas que formam as Ruas do Ouvidor e
( 1604) e ao Busc6n de Quevedo ( 1626 ), assentava-se inteira- da Quitanda, cortando-se mutuamente, chamava-se naquele tempo
mente nas aventuras de um pobre que via com desencanto e mali- ··o canto das meirinhos".
cia, isto e, de baixo, as mazelas de uma sociedade em decadencia. Que diferen>a do vezo de Macedo, tomado aos folhetins de
Mundo em que a brutalidade e a astucia traziam as mascaras da Paris, de deixar em suspenSo as coordenadas da a~äo, valendo-se
coragem e da honra. 0. pobre, no seu afä de sobreviver, trans- de misteriosos asteriscos au de reticencias: Na cidade de***,
11

formava-se em plcaro, servindo ora a um ora a outro senhor e ou "Nos idos de abril de 18 .. , ".
provando com o sal da necessidade a comida do poderoso. Ao A mesma aten>äo e dada aos homens e mulheres que väo
plcaro e dado espiar 0 avesso das institui~öes e dos homens: 0 e vem pelos becos do velho Rio, e dos quais o observador nota
seu aparente cinismo näo e mais que defesa entre vilöes encasa- ora o offcio ("Fora Leonardo algibebe em Lisboa, sua patria"),
cados. Mas cada contexto tera seu modo de äpresentar o plcaro. 11
ora os caracteres ffsicos: Maria da Hortali<;a, quitandeira das
prar;as de Lisboa, saloia rechonchuda e bonitona ... "; "um co-
Belas Artes e, a espac;os, o curso de Medkina. Para· sobreviver trabalhou
assiduamente no jornalismo como revisor e redator do Correio Mercantil lega de Leonardo, miudinho, pequenino, e com fuma~as de gaia-
para o qual escrevia um suplemento mundano e literS:rio, "A Pacotilha", e to e 0 sacristäo da se, sujeito alto, magro e com pretensöes de
onde safram, em folhetins, as suas Mem6rias de um Sargento de Milicias, elegante" ...
sob o pseudönimo de "um brasileiro"; o romancista ainda näo completara Mas o realismo de Manuel Antonio de Almeida näo se es-
entäo vinte e dois anos ( 1853). Mais tarde, nomeado administrador da
Tipografia Nacional, conheceu o ainda aprendiz de tip6grafo Machado de gota nas Iinhas meio caricaturais com que define uma vari~da
Assis ( que retomaria a linha de ficc;äo realista ambientada no Rio). Quan· galeria de tipos populares. 0 seu valor reside principalmente
do exercia o cargo de oficial de secretaria do MinistC:rio da Fazenda, foi em ter captado, pelo fluxo narrativo, uma das marcas da vida
tentado a ingressar na politica, candidatando-se a deputado provincial. Mas, na pobreza, que e a perpetua sujei~äo a necessidade, sentida de
ao dirigir-se a Campos em viagem eleitoral, veio a falecer no naufr:igio do modo fatalista como o destino de cada um. Esse contlnuo es-
vapor "Hermes'', junto a Ilha de Santana. As Mem6rias de um Sargento
de Milicias foram publicadas nos folhetins citados e, depois, em dois vo- for>o de driblar o acaso das condi>öes adversas e a avidez de go-
lumes (Rio, 1854-55). Consultar: JosC Verfssimo, "Um velho romance zar os intervalos de boa sorte impelem os figurantes das Me-
brasileiro'', em Estudos Brasileiros, 2.• sCrie, Rio, Laemmert, 1894; M:irio m6rias, e, em primeiro lugar, o anti-her6i Leonardo, "filho de
de Andrade, Introduc;äo a 10.a edic;äo das Me'm6rias, S. Paula, Martins, uma pisadela e de um beliscäo" para a roda viva de pequenos
1941; Marques Rebelo, Vida e Obra de Manuel AntOnio de Almeida, Rio,
Ministerio de Educac;äo e SaU.de, 1943. Edic;äo critica exemplar: MAA, engodos e demandas de emprego, entremeadas com ciganagens e
Mem6rias de um Sargento de Milfcias, aos cuidados de Cecilia de Lara, patuscadas que däo motivo ao romancista para fazer entrar em
Rio, LTC, 1978. cena tipos e costumes do velho Rio.

146 147
E superfluo encarecer o valor documenta! da obra. A cri· Apresentando um dos seus Ultimos trabalhos, Sanhas d'Ou·
tica sociol6gica jci o fez com ·a devida minllcia ( 108 ). As Mem6- ro, e j3 em polemica com mercadores da pena portugueses, uabe-
rias nos däo, na verdade, um corte sincrönico da vida familiar göes do bezerro de ouro", que o tachavam de pouco vern&culo,
brasileira nos meios urbanos em uma fase em que ja se es~va Alencar tra\ou um quadro retrospectivo da sua fic\äo, onde se
uma estrutura näo mais puramente colonial, mas ainda longe do
quadro industrial-burgues. E, como,o 0utor conviveu de fato de um Anjo e Mäe, todas representadas no Teatro Ginäsio Dram3tico do
com 0 povo, 0 espelhamento foi distorcido apenas pelo angulo Rio de Janeiro.
da comicidade. Que e, de longa data, o vies pelo qua! o artista Morto o pai, em 1860, Alencar entrou para a vida politica elegen-
do-se seguidamente deputado provincial pelo Cearä e galgando a pasta da
ve 0 tipico, e sobretudo 0 dpico popular. Justic;a no ministCrio conservador de 1868-70. Mas ao contririo da pai,
que sempre se batera por teses liberais, o romancista assumiu posir;öes re-
tr6gradas (patentes em face do problema escravista) e foi, no fundo, antes
Alencar. um individualista que um homem voltado para a coisa pUblica: sabe·se
que o motivo de seu afastamento da politica, quando entrava na casa das
Com a sua franca aderencia il realidade media, Manuel An· quarenta anos, foi o ressentimento de ver-se preterido por Pedro 11 na
indica.;äo para o Senado.
tönio de Almeida permaneceu um nome ate certo ponto lateral No decenio de 60 escreveu: As Minas de Prata ( 62-66), Luciola. Per-
na hist6ria do nosso Romantismo. 0 lugar de centro, pela na- fil de Mulher (62), Diva. Perfil de Mulher (64). Iracema. Lenda do Ceara
tureza e extensäo da obra que produziu, viria a caber com toda (65), alem de opllsculos de natureza politica (Ao Imperador - Cartas
justka a Jose de Alencar ( 104 ). Politicas de Erasmo, Ao Imperador - Novas Cartas Politicas de Erasmo,
1865; Ao Povo - Cartas Politicas de Erasmo, 1866; 0 ]uiz.o de Deus.
( 103) Astrojildo Pereira, "Romancista da Cidade: Macedo, Manu:l
Visäo de ]6, 1867; 0 Sistema Representativo, 1868.
Antönio e Lima Barreto", em 0 RoMANCE BRASILEIRO (coord. de Aur~o Retoma em 70 a fie<;äo: 0 Gaucho (70), A Pata da Gazela (70), So·
Buarque de Holanda, Rio, Ed. ~ Cruzeiro, 1952, P?· 37-53). ~~ra a vu~­A
nhos d'Ouro (72), Til (72), Alfarrtlbios ("0 Ermitäo da GlOria" .e "O
cula<;io das fatores externes e tnternos das Mem6rtas, v. Antonio Cand1- Garatuja") (73); A Guerra dos Mascates (73), Ubiraiara (74), Senhora
do "Manuel Antönio de Almeida: o romance em moto continuo", em (75), 0 Sertaneio (75). De permeio, um drama, 0 Jesuita, em 75. Car-
Fdrmafäo, cit., vol. II, pp. 215-219. Reestudand~ .a o_!'ra ~. J?-Ordent~ reira liter9.ria pontuada de polbnicas de certo ingratas a extrema suscepti·
analise estrutural, A. Cindido faz reservas ~ qul\lif1ca~o de p1caresca bilidade do romancista: com os defensores de Magalhäes; com a censura,
que lhe tem sido dada na esteira de M. de Andrade (cf. "DialCtica da que suspendeu a representac;äo de As Asas de um Anio; coro o Conse-
Malandragem", in Revista do Instituto de Estudps Brasileiros, n." 8, lheiro Lafayette que chamou a heroina de Luciola "mostrengo rooral" ... ;
pp. 67·89, S. Paulo, 1970). com Pinheiro Chagas, Antönio Henriques Leal e Antönio Feliciano de Cas-
( 104) JosE MARTINIANO DE ALENCAR {Mecejana, Ceara, 1829 - tilho, zoilos portugueses que em tempos diverses o argüiram de incorreto,
Rio de Janeiro, 1877). Seu pai, o senador JosC Martiniano de Alencar, ao que o nosso autor respondeu elaborando uma teoria da "lingua brasi-
ex-padre e vulto de projer;äo na politica liberal, foi um des anima?ores do leira". Sem falar nas impertinencias de Fränklin T:ivora que nas Cartas t1
Clube da Maioridade, que levou D. Pedro ao trono em 1840. A1nda me- Cincinato ( 1871) depreciou o modo pelo qual Alencar concebeu seus r~
nino, JA. mudou-se com a famflia para a Corte onde recebeu educar;äo mances regionais.
prim.iria e secundSria. Em Säo Paulo e, cm parte, em Olinda, cursou Ern 1877, o escritor fez uma viagem a Europa para tratar·se da tu-
Direito (1845-50). Sabe-se que neste per.iodo compös uma novela hist6- berculose, doenr;a que j3 o acometera na juventude. Mas em väo; regres-
rica, Os Contrabandistas, queimada J>Qr uma brincadeira de um compa- sando, vem a falecer no mesmo ano no Rio de Janeiro. Postumamente,
nheiro de quarto. . . Fermado, oomer;ou a advogar no Rio, mas a litera- e de relevo literSrio, safram o romance Encarnafäo ( 1877) e a autobiogra·
tura logo o absorveu: primeiro como cronista do Correio Mercantil ("Ao fia Como e por que sou romancista ( 1893 ). Al6n das v3rias edic;öes par-
Correr da Pena", 1854), depois como redator do Di9.rio do Rio de Janei- celadas ou completas de suas obras pela Garnier e pela Ed. Melhoramen·
ro para o qual escreve, sob o pseudönimo de lg. uma sCrie de artiges crf- tos, ha a alencariana da JosC Olympio que engloba toda a fi~äo em 16
ticos sobre o poema A Confederafäo dos T amoios de Gon~alves de Ma- volumes ( 1951) precedidos de ensaios, alguns valiosos, e, mais recente-
galhäes (1856), suscititndo a polemica ja referida a piig. 108. No mesmo mente, a Obra Completa, em 4 volumes, da Editora Aguilar (1959), com
jornal saem em folhetim seus dois primeiros "romancetes" de ambientar;äo uma introduc;äo excelente de Cavalainti Proenc;a, "JosC de Alencar na Ll-
carioca, Cinco Minutos, em 1856, e A Viuvinha, em 1857, e o romance his- teratura Brasileira".
t6rico que o faria reichre, 0 Guarani ( 1857). De 57 a 60 dedica-se ao Consultar: Araripe Jr„ ]ose de Aiencar, Rio, 1882 (em Obra Critica,
teatro escrevcndo o libreto da 6pera bufa A NOite de Säo Joäo, as com~ vol. I, Rio, Casa de Rui Barbosa, 1958); Artur Mota, ]ose de Aiencar,
dias 0 Cr!dito, Dem6nio Familiar, Verso e R.everso, e os dramas As Aras Rio, Briguiet, 1921; Marie de Alencar, Jose de Aiencar, S. Paula, Monteiro

148 149
mostrava consciente de ter abra\:ado todas as grandes etapas da Onde niio se propaga com rapidez a luz da civiliza~o, que de
vida brasileira. Embora longo, vale a pena transcreve-lo, nos repente cambia a cor local, encontra-se ainda em sua pureza ori-
ginal, sem mescla, esse viver singela. de nossos pais, tradi~öes, cos-
trechos mais assertivos: tumes e linguagem, com um sainete todo brasileiro. Ha niio so-
mente no pafs, como nas grandes cidades, atC mesmo na corte,
0 perlodo org8.nico desta literatura conta j<i trt!s fases. desses recantos, que guardam intacto, ou quase, o passado.
A primitiva, que se pode chamar aborigine, säo as lendas e
mitos da terra selvagem e conquista4a; säo as tradir;öes que emba- 0 Tronco do Ipe, o Til e 0 GaUcho vieram dali, embora, no
laram a inf8.ncia do povo, <;! ele escutava como o filho a quem a primeiro· sobretudo, se note jii, devido a proximidade da corte e a
mäe acalenta no berr;o com as canr;öes da patria, que abandonou. data mais recente, a influencia da nova cidade, que de dia em dia
Iracema pertence a essa literatura primitiva, cheia de santidade se modifica e se repassa do espfrito forasteiro.
e enlevo, para aqueles que venceram na terra da p3:tria a mäe fe- Nos grandes focos, especialmente na Corte, a sociedade tem
cunda - alma mater, e näo enxergam nela apenas o chäo onde pisam. a fisionomia indecisa, vaga e mU.ltipla, tiio natural a idade da ado-
0 segundo periodo e hist6rico: representa o cons6rcio do povo lesc&lcia. E o efeito da transic;äo que se opera, e tambCm do amiil-
invasor com a terra americana, que dele recebia a cultura, e lhe gama de elementos diversos.
retribufa nos eflllvios de sua natureza virgem e nas reverbera~es
de um solo espl&ldido.
Dessa luta entre o espfrito conterräneo e a invasäo estrangei-
ra, säo reflexos Luciola, Diva, A Pata da Gazela, e tu, livrinho, que
E a gestar;iio lenta do povo americano, que devia sair da estir· ai vais correr mundo com o r6tulo de Sonhos d'Ouro (Benc;äo
pe lusa, para continuar no novo mundo as gloriosas tradic;öes de seu Paterna).
progenitor. Esse periodo colonial terminou com a lndependl:ncia.
A ele pertencem 0 Guarani e As Minas de Prata. Ha ai mui-
ta e boa messe a colher para o nosso romance hist6rico; mas niio Embora as linhas acima tivessem o objetivo basico de jus-
ex6tico e raquitico como se propös a ensinS.-lo, a n6s be6cios, um tificar os brasileirismos de alguns romances e os estrangeiris-
escritor portugues. ·
A terceira fase, a inf8.ncia de nossa literatura, com~da com
mos de outros, elas indicam o quanto importava a Alencar eo·
a independl:ncia politica, ainda niio terminou; espera escritores que brir com a sua obra narrativa passado e presente, cidade e cam-
lhe dt!em os Ultimos trac;os e formem o verdadeiro gosto nacional, po, litoral e sertäo, e compor uma espfcie de suma romanesca
fazendo calar as pretensöes, hoje täo acesas, de nos recolonizarem do Brasil ( 105 ).
pela alma e pelo corac;iio, ja que näo o podem pelo brac;o.
Neste pedodo, a poesia brasileira, embora balbuciante ainda, res- Entretanto, mais do que repetir a parti~iio por assuntos dos
soa niio ja somente nos rumores da brisa e nos ~cos da floresta, seniio seus vinte e um romances em indianistas, hist6ricos, regionais
tambem nas simples cantigas da povo e nos intimos seröes da famllia. e citadinos, conviria buscar o motivo unit0.rio que rege a sua
estrutura, e que, talvez, se possa enunciar cOmo um anseio pro-
Lobato, 1922; Gladstone Chaves de Melo, "Alencar e a Lingua Brasileira",
introd. ao vol. X, pp. 11-88, da edic;ao Jose Olympia, Rio, 1951; "Obser- fundo de evasäo no tempo e no espa~o animado por um egotis·
vac;öes sobre o Romance de Jose de Alencar'', de Pedro Dantas, em 0 Ro- mo radical. Tra,os ambos visceralmente romanticos.
mance Brasileiro ( coord. por Aurelio Buarque de Holanda), Rio, Ed. 0 Alencar, cioso da pr6pria liberdade, navega feliz nas aguas
Cruzeiro, 1952, pp. 75-83; Auguste Meyer, "De um leitor de romances'',
ib., pp. 85-90; Jose Aderaldo Castelo, A Polemica sobre "A Confedera~ao do remoto e do longinquo. E sempre com menoscabo ou surda
das Tamoios", S. Paula, Fac. de Filosofia da Univ. de S. Paulo, 1953; Gil- irritac;äo que olha o presente o progresso, a "vida em socieda-
1

berto Freyre, Reinterpretafäo de Jose de Alencar, Rio de Janeiro, MEC, de"; e quando se detem no juizo da civiliza~äo, e para deplorar
1955; Heron de Alencar, "Jose de Alencar e a Ficc;iio Romantica'', em A a pouquidade das rela,öes cortesäs, sujeitas ao Moloc do dinhei-
Literatura no Brasil (dir. de Afranio Coutinho), cit., vol. I, t. 2, pp. 837-
-948; AntOnio C8.ndido, "Os Tres Exemplares", em Formafao da Litera- ro. Dai o mordente das suas melhores paginas dedicadas aos
tura Brasileira, cit., pp. 218-232; AntOnio Soares Amara, "Alencar'', em 0 costumes burgueses em Senhora e Luciola.
Romantismo, S. Paulo, Cultrix, 1967, pp. 241-282. Ver tambCm os estudos
e as notas que acompanham a edic;iio do centen3:rio de Iracema (Rio, Jose ( 105) 0 cdtico OHvio Montenegro fez restric;öes a idCia de um es-
Olympio, 1965); e R. de Menezes, J. de A., literato e polltico, S. Paula, quema a priori que teria guiado Alencar na construr;iio de sua obra narra-
Martins, 1965; A. Bosi, "Imagens do Romantismo no Brasil", em 0 Ro- tiva (0 Romance Brasileiro, Jose Olympia, 1938, p. 41). Acho o pro-
mantismo, S. Paula, Perspectiva, cit.; R. Schwarz, Ao vencedor as batatas, blema irrelevante: previo ou näo, o plano vale sempre como documenta
S. Paulo, Dua~ Cidades, 1977. da conscit!ncia hist6rica de Alencar em face da sua obra.

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Na verdade, era uma critica cmocional que s6 oferecia uma e
0 tropismo para a vi-da natural a outra face d a aversao
alternativa: o retorno ao indio, ao bandcirante, e a fuga p ara as que o romancista votava ao progresso. Cantando o pampa, näo
soliJöcs da floresta c do pampa. 0 romantismo d e Alencar e, deixa de lamentar que "a civiliza~äo ja babujou a v irgindade
no f undo, ressentido e regrcssivo como o de seu s amados e imi- primitiva dessas regiöes" . 0 mesmo se da no Tronco do Ipe,
tados a\·atares, o V isconde F ran"ois-Rene de Chat eaubriand e que Jecorrc junto a mata fluminense : "Assomava ao longe, emer-
Sir Walter Scot t. 0 que lhe da um s~ntido na h ist6 ria da nossa gindo do azul do ceu
o dorso alcantilado d a Serra d o i\Iar, que
cultur:i c ajuda a explicar mui tas d as suas opi;öes esteticas. ainda o cavalo a vapor nao escarvara com a ferrea u ngula." Quem
A ido latria do dinheiro, que av iltaria a n ova suciedade du niio ~e lcmbra da p intura ovidiana da aetas aurea? E no Serta·
Scgundo Imperio , u C onsclheiro Jo sc M artiniano d e Alencar nejo: "De dia em d ia, aq uelas remotas regiöcs väo perde ndo a
opusera o se u Jesprt~zo impoten te ( V . o P rcfacio ao Gaucho) . primitiva rudeza, que t amanho encanto lhes infundia."
Mas o ro mancista dispu nha do refu gio de ou tros mundos onde Tra ta-se de algo mais que uma simples reminiscencia do
a imagina')iio n ao sofria limi tes e onde se liber ava ao talhar her6is t6pico du pa rafso perdido . 0 Brasil ideal de Alcncar ser ia urna
soberbos e infa nt is que cm rcfrangido espelho tao bem o pro- especic de cenario selvagem onde, expu lsos os pon uguese'S, rci-
jetava m. na riam capitiies alt ivo s, senh ores d a b ara<;o e cutelo rodeados
0 espelho era a visäo simbülica das for')as n aturais. 0 vir;o de sertan ejos e peöes, l ivres sim , mas fieis atc a mortc. Algu-
da arvore, 0 faro do hicho, 0 ardor do sangue e do instinto : eis ma coisa assim como a E uropa pre-industrial , m as r egenerada
OS mitos primord iais que vaJeri\o , 110 codigo J e J\ !encar, pureza, pela sciva da na tureza americana. Ou tra vez, C ha tea ub riand.
lealdade, coragcm.
Esses t ra~os ideologicos, insisten tes nos paineis coloniais e
T anto nos roma nces nativist as ( 0 Guarani, Iracema, Ubira·
n at ivos, como As Minas de Prata, 0 Guarani c Ubiraiara, afi-
iara) como naqueles em que o bom sclvagcm se desdobra em
nam-se na prosa lirica de I racema, obra-prima onde se decan tam
herois regionais ( 0 Ga1icho, 0 Sertanr:jo ), o sclo d a nob reza e
os dons de um Alencar paisagista e pintor de "pcrfis de mulher"
dado pelas för~as do sangue que o autor reconhece e respcit a
firmes c claros na sua admiravel delicadeza.
igualment e n a estirpe <los colonizadores brancos. Ao herofsmo
de Peri näo d eixa de apor a sobranceria de Dom An tonio de O escritor que idealizara her6is miticos no cora~ao da flo-
Ma riz e sua esposa, os castelöes impavidos Je 0 Guarani. resta e o mesmo que sabe recortar as figu ras gentis de donzelas
Para da r fo rm a ao heroi, Alenca r näo via meio mais eficaz e mancebos nos salöes da Cor te e nos passeios d a Tijuca. A di-
d o q uc amalga ma-lo a vida d a n atureza. E a conatu ralidade guc feren<;a residc no grau de complexidade p sicol6gica e m que o pe·
o e ncanta: desde as linhas do p crfil ate os gestos q uc d efinem ram as tendcncias para a fuga e o narcisismo. A vai dad c fer ida
u m carater , tudo emerge d o mesmo f undo incönscio e sei va gem, qne marcou as at itu des de Alencar nas rodas pol it~cas. e lited~
que e a pr 6pria matriz dos valorcs romän ticos: rias do Scgun do I mperio transpöe-se n os rom an ces c1tadmos ( Di-
va, A Pata da Gazela, Senho ra, Sonhos d'Ouro ) nas formas de
. . . os olhos davam il fis ionomi a a cxpressäo b ru sca <' alerra das um ingrato relacionamen to homem / mulher , centrad o e m orgu-
aves de altanaria . .. o arro jo e n vclocida<lc do vöo do ga vi äo ( 0
Gaucho). lhos, divisocs do cu , susceptib ilidades, ciumes: toda uma feno-
Manuel considcrnva-sc venladeiro irmiio d o hru to f!Cnero sn . bra- menologia do intimismo a dois avaliado por um p adrao aristo-
ve, chcio de h rio e abncga\iio que lhe dedicava sua exi stcnc ia e crarico de j ufzo mora l ( 10 7 ) .
partilhava com cle t raba lh o~ c perigos ( ib. ).
0 mesmo intimismo , d issecado e desmistifkado nas suas
Ccnsurado pelo possfvel ridiculo da cena do potrinho . cu jo ra izes como vontade-de-poder e de prazer , comporia um quadro
relincho ele interpretara como "Mamiie !" , Alencar reb atc lem-
h rando um passo do Genie du Christianisme em que Chateau·
( 107 ) 0 leitor cncontrara uma fina analise das rcla~öes interpessoais
briand dcscrcvia em cons su tis a ma te rnidade de um jacare ( wr. i.
em Alencar no ensaio de Dante Moreira Leite, "Lueiola - teoria roman-
1 i rw i ! lpud Eugenio Gomes . .4.ipectos do Romance Brasril·iro. ßahia . tica clo amor", em O Amor Romantico e Outros T emas, S. Paulo, Ccmse-
Pn>µresso. 1958. pag. 27. lho E stadual d e Cultura , 1964 , pp. 55-60.

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bem diverso nos romances madur6s de Machado de Assis. Mas Jahouve quem observou o infantilismo das constru~öes
Alencar crC nas "razöes do cOra~äo" e, se as sombras da seu mo- alencarianas. Valor e o que aparece como valor. Na floresta, a
ralismo romäntico se alongam sobre as mazelas de um mundo for~a do bom selvagem; na cidade o brilho do gentleman. Se-
antinatural ( o casamento por dinheiro, em Senhora; a sina da nhora junta como pode a pureza do amor romäntico e as cinti-
prostitui~äo, em Luclola), sempre se salva, no foro lntimo, a la,öes do luxo burgues. Quando Aurelia se decide ao passo ca-
dignidade Ultima dos protagonistas, ' se redimem as transa~s pital de sua vida e pretende comunicar ao tutor o desejo de
vis repondo de pc! her6i e hetolna. Dal os enredos valerem co- comprar um marido, dirige-se a uma escrivaninha, mas a leitora
mo documento apenas indireto de um estado de coisas, no caso, Alencar näo esconde que se trata de uma escrivaninha de araritO
o tomar corpo de u.m.a C:tica burguesa e "realista" das convenif:n· guarnecida de bronze dourado, e que o cofre por ela aberto era
cias durante o Segundo Reinado. Ha sempre a considerar a dis-
to~äo idealizante que, ressalvadas as propor~öes, afetara tam-
bem o ciclo parisiense de Balzac, um dos modelos do Alencar
urbano.
i de sandalo embutido em marfim. Descrevendo o jovem Seixas
näo lhe poupa sequer o pe, que tem a pa/ma estreita e o firme
arqueado da forma aristocratica, o qua! pe cal,am mimosas chi-
nelas de chama/ote bordada a matiz.
1

Tome-se o exemplo de Senhora, sua ultima obra de valor. De que "realismo" se trata aqui? E melhor falar no gosto
Qual a mola do enredo? Se admitimos que e o fato de o jovem 1
do pitoresco ou na i::uriosidade do pormenor brilhante, destina-
Seixas casar-se pelo dote, em virtude da educacäo que recebe- dos romanticamente a criar um halo de "diferen~a" em torno
ra ( 10•), damos a Alencar o credito de narrador realista, capaz dos protagonistas. Mas, descontada a inten~äo, Alencar, ao des-
de por no centro do romance niio mais os her6is Peri e Ubiraja- crever a natureza e os ambientes internes, e täo preciso como
ra, Amaldo e Canho, mas um ser venal, inferior. 0 que seria qualquer prosador do firn do seculo. E claro, ha mais participa·
falso, pois o fato näo passava de um recurso: o equilibrio, per- ~äo emotiva no ato de descrever no romäntico que no naturalis-
dido em termos de visiio romäntica do mundo, vai-se restabele- ta~ este näo raro se compraz no puro inventario: o que näo deve
cer porque Alencar arranjara uma solene reden~äo fazendo Sei- dar margem a jufzos estereotipados como "E~a descreve melhor
xas resgatar-se na segunda parte da hist6ria. 0 passo dado em do que Camilo", ou "Alulsio melhor que Alencar" ...
dire~äo ao romance de analise social fora uma concessäo - lo-
go mudada em crltica - il mentalidade mercantil que reponta-
va no firn do Imperio. Mentalidade que o escritor rejeita quan- Sertanislas. Bemardo Guimaräes, Taunay, Tavora.
do vem a tona a vileza crua do interesse, mas näo quando ene-
voada pelos fumos de requinte aristocratico: a gl6ria dos salöes, Um dos filöes de Alencar, o regionalismo, foi explorado
o luxo das alcovas, a pompa dos vestuarios. E o que explica a por outros romancistas que, embora inferiores ao cearense em
velada adesäo ao modo de pensar do seu amblguo her6i: termos de arte literaria, detam, em conjunto, a medida do que
foi o genero entre n6s: Bernardo Guimaräes, Alfredo d'Escrag-
Seixas era uma natureza aristocriitica, embora acerca da polf. nolle Taunay e Fränklin Tavora.
tica tivesse a balda de alardear Ons ouropCis de libera.lismo. Admi- As variaS formas de sertanismo ( romantico, naturalista, aca-
tia a beleza nistica e plebCia, coino uma conveni;äo ardstica, mas a df:mico e, ate, modernista) que tf:m sulcado as nossas letras des-
verdadeira formosura, a suprema gra91 feminina, a humana~äo do de os meados do seculo passado, nas'ceram do contato de uma
amor, cssa, ele s6 a compreendia na mulher a quem cingia a au-
rOOla da elegincia. cultura citadina e letrada com a materia bruta do Brasil rural,
provinciano e arcaico. Corno o escritor näo pode fazer folclore
puro, limita-se a projetar os pr6prios interesses ou frustra~öes
(tos) "A sociedade, no meio da qual me eduquei, fez de mim um na sua viagem literc.lria 3 roda do campo. Do enxerto resulta
homem 9. sua feicäo. Habituei-me a considerar a riqueza como a primeira quase sempre uma prosa hibrida onde niio akam;am o pont? de
f6rca viva da existCncia e os excmplos ensinavam-me que o casamento era fusäo artistico o espelhamento da vida agreste e os modelos 1deo-
meio täo legftimo de adquiri-la, como a heranca e qualquer honesta es-
pecu]a~." l6gicos e esteticos do prosador.

154 155
A armadilha, que espeta alik todo pr1m1t1v1smo em arte, nos. Existem, nos iniciadores da fici;äo romintica, sinais evidentes
poderia ser desfeita por alternativas extremas: o puro registro desse esf~. Verificaram logo que o 1ndio näo tem tödas as cre-
denciais necessarias a expressäo do que e nacional. Transferem ao
da fala regional ( neofolclore), ou a pesquisa dos princfpios for- sertanejo1 ao homem do interior, &quele que ~rabalha na. terra, o
mais que regem a expressäo da vida rU.stica, para com eles ela· dom de exprimir o Brasil. Submetem·se ao 1ugo da pa!Sagem, e
borar c6digos novos de comunica,äo com o leitor culto. Do pri- pretendem diferenciar o ambiente pclo que existe de ex6tico no
meiro caso h3 exemplos, mas näo. s1item3ticos, em trechos de quadro fisico - pela exuber3ncia da natureza, pelo grandioso dos
lnocencia de Taunay e nos contos de alguns p6s-romanticos des- cen8rios, pela pompa dos quadros rurais. Isto e o Brasil, preten-
dem dizer. E näo aquilo que se passa no ambiente urbano, que
te secu!o, Valdomiro Silveira e Simöes Lopes Neto. Do segun- copia o exemplo exterior, que se submete as influCncias distantes.
do da conta a invenr;äo revolucion3ria de Guimaräes Rosa, que E levam täo lange essa afirmai;äo de brasilidade que säo tentados a
conseguiu universalizar mensagens e formas de pensar do serta· reconstruir o quadro dos costumes. Caem naquela vulgaridade dos
nejo atraves de uma sondagem no amago dos significantes. Ao detalhes, naquele pequeno realismo da minUcia, naquela reconsti-
tuii;äo secund8ria em ruja fidelidade colocam um esfori;o cindido
primeiro corresponde uma concep\äo ingenua de realismo, mas e inlltil. Näo säo menos rom3nticos, cvidentemente, quando assim
v3lida como uma das safdas possfveis para a visäo mimetica da proceclem. E näo tCm melhores condi~öes do que os indianistas
arte; ao segundo, uma rigorosa poetica da forma, que exige do para definir o que existe de nacional na literatura. Seria ingrato,
receptor um alto nfvel de abstrai;äo e coincide com certas ten· entretanto, desconhecer o sentido ingenuo desse novo aspecto de
um esfo~o que näo poderia encontrar 0 exito porque 0 exito näo
dencias experimentalistas da arte moderna. Entre os extremos, dependia apenas dele ( 109),
o regionalismo esta fadado a ser literatura de segunda plana que
se louva por tradi\äo escolar ou, nos casos melhores, por amor O regionalismo de Bemardo Guimaräes ( 110 ) mistura ele-
ao documenta bruto que transmite.
mentos tomados 3. narrativa oral, OS "causos" e as 0 est6rias" de
E era amor ao documenta que estaVa presente nas inten· Minas e Goias com uma boa dose de idealiza~äo. Esta, embo-
~öes dos sertanistas romänticos: o primeiro romance de Bemar- ra nä:o täo ma~ic;a como em Alencar, e respons3vel por uma lin·
do Guimaräes, 0 Ermitäo de Muquem, trazia no subtitulo "His- guagem adjetivosa e convencional na maioria dos quadros
t6ria da funda,äo da romaria de Muquem na Provlncia de Goias" agrestes.
e, no pr6logo, se diz, em 1858, "romance realista e de costumes". Monteiro Lobato alias näo isento de outras convenc;öes na
1
Situando e analisando toda essa corrente romanesca, diz sua prosa regionalista, fez severa crftica aos cliches paisagfsticos
Nelson Werneck Sodre: de Bernardo, que nem a intimidade do grande viajante com a
Existe a preocupa~o fundamental do sertanismo, que vem,
natureza logrou evitar. ''Le.Io e ir para o mato, para a roc;a, mas
assim, substituir o indianismo, como aspecto formal c· insistente na uma ro,a adjetivada por menina do Siäo, onde os prados säo
inten-;äo de transfundir um sentido nacional a fi~äo ron13ntica. Tal amenos, os vergeis floridos, os rios caudalosos, as matas viride~·
preocupa~o importa em condenar o quadro litor3nco c urbano co- tes, os pfncaros altissimos, os sabi3s sonorosos, as rolinhas "!et·
mo aquele em que a influCncia extema transparcce, como um fal- gas. Bernardo descreve a natureza como um cego que ouvtsse
so Brasil. Brasil·verdadeiro, Brasil Otiginal, Brasil puro seria o do
interior, o do sertäo, imune 3s iefluencias externas, conservando em cantar e reproduzisse as paisagens com os qualificativos surra-
estado natural os trai;os nacionais: Nesse esfor~. o sertanismo, sur- dos do mau contador. Näo existe nele o vinco energico da im-
gindo quando o indianismo est8 ainda em desenvolvimento, e sub- pressäo pessoal. Vinte vergeis que descreva säo vinte perfeitas
sistindo ao seu declfnio, recebe ainda os efeitos deste. Näo e senäo
por isso que os romancistas que se seguem a Alencar, ou que tra-
balham. ao mesmo tempo que ele, obedccem 3s influencias do mo- ( 109) Em Hist6ria da Literatura Brasileira, 5 .... ed., Rio, Civ. Brasi-
mento, e tnizem o Cndio para as piginas dos seus romances. Mas leir>, 1969, pp. 323-324. .
seräo, principalmcnte, sertanistas e tentaräo afirmar, atravCs da apre- (110) Ver nota 86. F1cr;Ao: 0 Ermittio de Muquem, 1864 (escnto em
sen~o dos cen1'rios e das pcrsonagens do interior, o sentido na- 58); Lendas e Romances, 71; 0 Garimpeiro, 72; 0 Seminari~ta, 72; 0
cional de seus trapalhos. Indio Afonso, 73; A Escrava Isaura, 75; Mauricio ou Os Paultslas em S.
No sertanismo verifica-se o formidavd esfo~ da litcri:tura Joäo d'El Rei, 77; A Ilha Maldita. 0 Päo de Ouro, 79; Rosaura, a En-
para superar as condii;öes que a subordinavam aos modelos exter· ;eitada, 83; 0 Bandido do Rio das Mortes, 1905.

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e invari3veis amenidades. 1'-,lossas ,....desajeitadlssimas caipiras sio A Escrava Isaura ja foi chamado A Cabana do Pai Tomas
sempre lindas morenas cor de jambo. Bernardo falsifica o nosso nacional ( 111 ). Ha evidente exagero na asse~äo. O nosso ro-
mato." mancista estava mais ocupado em contar as perseguic;öes que a
cohi,a de um senhor viliio movia a bela Isaura que em recons-
Descontando o azedume do crltico, em polemica com o ser- truir as miserias do regime servil. E, apesar de algumas pala-
tanismo roi:n~ntico, e indo ao cerne do problema estetico, resta vras sinceras contra as distin~öes de cor ( cap. XV), toda a be-
s~mpre a d1f1culdade de Bernardo, e il'a maior parte dos regiona- leza da escrava C posta no seu näo parecer negra, mas nlvea don-
hstas, de superar em termos artfsticos o impasse criado pelo zela, como vem descrita desde o primeiro capltulo:
encontro do homem culto, portador de padröes psfquicos e res- A tcz e como o marfim do teclado, alva que näo deslumbra,
postas verbais peculiares a seu meio, com uma comunidade rU.s- embar;ada por uma nuanr;a delicada, que näo sabereis dizer se C leve
tica, onde e infinitamente menor a distäncia entre 0 natural e 0 palidez ou cor-de-rosa desmaiada. ( ... ) Na fronte calma e lisa co-
culrural. mo m:irmore polido, a luz do ocaso esbatia um r6seo e suave re-
flexo; di-la-{eis misteriosa iimpada de alabastro guardando no seio
0 escritor romäntico acreditava estar resolvendo a questio dilifano o fogo celeste da inspirac;äo.
por_ meio de uma linguagem "ingenua", "espontänea", na verda-
de 1gual as conven,öes do citadino em rela,iio ao campo. Os lu- Seria nCscio falar em "preconceito" como atitude etnica-
g~res-comun: aparecem nos v3.rios fatores de composic;äo. J9. se mente respons9.vel. Pelo contr9.rio, em Rosaura, a Enjeitada,
vi_u. o que d1sse Lobato sobre o modo de Bernardo pintar os cc- obra da maturidade, Bernardo chegou a dizer: "Em nossa terra
nar10s. 0 mesmo se observa quando se pöe a falar das esculru- e uma sandice querer a gente gloriar-se de ser descendente de
ras do Aleijadinho em Congonhas (0 Seminarista, cap. IV). ilustres av6s; e como dizia um velho tio meu: no Brasil ninguem
Nem muito diversa e a caracterizac;äo das sertanejos que oscilam pode gabar-se de que entre seus av6s niio haja quem niio tenha
entre a bondade natural ( prolongamento do bom selvagem) e a puxado flecha ou tocado marimba." 0 que explica a beleza
natural ma !ndole (o !ndio Afonso, Japira), fazendo valer ou
näo as pressöes do meio de acordo com as conveniencias: Rosau-
ra e lsaura atravessaräo intactas os ambienJ;es mais abjetos ... ( 111) 0 romance de Harriet Beecher Stowe, publicado nos Estados
Quanta a intriga, e 0 costumeiro novelo de peripecias que da- Unidos em 1851, foi vertido para o portugues por Francisco Ladislau de
Andrada, em uma edic;äo de Paris. A segunda edi~o, datada de Lisboa,
riam hoje boas hist6rias em quadrinhos ( 0 Ermitäo de Muquem, 1856, teve per tradutor A. Urbane Pereira de Castro, e logo se conheceu
0 Garimpeiro). no Brasil. A prop6sito, diz Raymond S. Sayers: "Jose Francisco Llsboa,
As obras mais lidas de Bernardo Guimariies, 0. Seminarista o mais famoso jornalista da provincia do Maranhao, preparou o esboc;o
de um romance antiescravista, depois de haver passado algum tempo a
e A Escrava Isaura, devem a sua popularidade menos a um pro- estudar as leis sobre a escravidäo, mas confessa näo o haver terminado
gresso na fabula,iio ou no tra,ado das personagens do que il gar- depois que leu o livro de Mrs. Stowe, porque nele encontrou muitas de
ra dos problemas explkitos: o celibato clerical no primeiro a suas idCias e porque alcanc;ara a finalidade qne tinha cm mente para o
escravidäo no segundo. ' seu pr6prio livro. A importäncia capital de Uncle Tom's Cabin foi pro-
vavelmente a de que encorajou os romancistas antiescravistas a lutar di-
Protesto contra o cerceament6 do instinto pelo voto preco- retamente contra a escravidäo. Muitas das situai;öes e <los caracteres des-
ce de castidade, 0 Seminarista esta na linha do romance passio- critos por Mrs. Stowe eram sufidentemente familiares a cena brasileira,
e, jli que tais situac;öes e caracteres comec;avam a penetrar a literatura bra-
nal e retoma, com menos poesia, o esquema final de Herculano sileira, era inevit:ivel que, mais cedo ou mais tarde, assumissem a impor-
no Eurico: a loucura do Padre Eugenio ap6s a violac;3o de sua~ tincia que assumiram, embora nunca tivesse aparecido nenhum carliter co-
promessas religiosas lembra a morte do Presbftero e a demencia mo o do Pai Tomlis ou de Simon Legree. t fato, entretanto, que s6 dc-
de Hermengarda que fecha o romance portugues. Bernardo acen- pois do lanc;amento de Uncle Tom's Cabin C que a literatura brasileira co-
mec;ou a ser povoada de feitores cruCis e de cscravos virLuosos. _A famo.
tua os tra,os da sensibilidade tolhida, que o idealista Herculano sa fuga de Isaura, de Bernardo Guimaräes, de Minas para o Recife, foi
sublimara, e antecipa o romance de tese de Ingles de Sousa 0 talvez sugerida pela fuga de Elisa atravCs das gelos flutuantes de Ohio
Mission!zrio. ' para a liberdade no Norte e por fim no Canada" (op. cit., pp. 316-317).

158 159
"branca" de Isaura e a perµianetu;ia de padröes esteticos euro- trear as falas do geralista Pereira, pai de Inocencia, para pcrcc-
peus. E mais uma raziio para marcar o carater hlbrido dessa no- 1 ber 0 quanto de espontineo elas comunicam a dinimica do livro.
vellstica sertaneja e semipopular de que Bernardo foi o primeiro l Taunay sabia explorar na medida justa o comico dos tipos
representante de merito. como o naturalista alemäo il cata de borboletas, o grotesco som·
brio do aniio Tico, a quem cabe apressar o desenlace, au o pate·
Por temperamento e cultura, o Visconde de Taunay (11') tico de algumas cenas perfeitas como a fuga do leproso para a
tinba condi~öes para dar ao regionalismo romäntico a sua ver- mata e a morte solitaria de Cirino.
sä:o mais s6bria. Homem de pouca fantasia, muito senso de
observa~iio, formado no habito de pesar com a inteligencia as
No imbito de nosso regionalismo, romintico ou realista,
suas rela~öes com a paisagem e o meio ( era engenheiro militar nada ha que supere Inocencia em simplicidade e bom gosto, mc!-
e pintor), Taunay foi capaz de enquadrar a hist6ria de' Inocen- ritos que o publico logo Ihe reconheceu, esgotando sucessiva-
cia ( 1872) em um cenario e em um conjunto de costumes ser- mente mais de trinta edii;öes sem falar nas que, ja no seculo pas-
tanejos onde tudo e verossimil. Sem que o cuidado de o ser rur- sado, se fizeram em quase todas as linguas cultas. ' ' \ T

) ~ ~'
ve a atmosfera agreste e idllica que ate hoje da um renovado en- A genese do exito estara talvez na f6rmula de arte cara ao
canto a leitura da obra. romancista: o "realismo mitigado". Ha algo de diplomatico, de
mediador, na sua atitude em relai;iio a materia da pr6pria obra.
Salvo a abertura, onde o "descritor" resvala amiude para Taunay idealiza, mas parcialmente, porque o seu interesse real e
o convencional ou para a aridez clidatica, o romance flui em clia- de ordern pict6rica: a cor da paisagem, os costumes, os modis·
logos naturalissimos pelo tom e pelo vocabulario, cimentados por mos, que ele observa e frui como tipico. Viajante mais sensual
faixas de prosa narrativa admiravelmente funcionais. :e
s6 ras- do que apaixonado, incapaz do empenho emotivo de um Alen-
car, a sua realidade e por isso mesmo mais tang! vel e mediana.
(112) ALFREDO D'EscRAGNOLLE TAUNAY (Rio, 1843-1899). Neto
Ha quem veja nele um escritor de transii;iio para o realismo.
do pintor N. Antoine Taunay, que chegou ao Rio com a Missäo Francesa e
Näo bem assim. Quando maduro, criticou o naturalismo. E
durante o governo de D. Joäo VI, e filho do Baräo FClix Emflio Taunay, a postura fundamentalmente eg6tica, reflexa nos romances mun-
tambCm pintor, recebeu instru~äo artfstica de bom nfvel academico. Cur- danos que se seguiram a I nocencia, nos diz que se algo mudou
sou ~iCncias Fisicas e Matematicas na Escola MiÜtar e seguiu como en- foi a sociedade, niio o estofo individualista da escritor.
genheiro para o Mato Grosso no com~ da Guetta do Paraguai, o que
lhe deu ocasiäo para testemunhar - e depois narrai - o epis6dio da re- Mas nada mais fez que se comparasse sequer il realizai;iio
tirada de Laguna (La Ret,atte de Laguna, 1871, trad. em 1874 por Sal- de Inocencia. Voltando-se para o romance de ambiente urbane
vador de. Mendon~a). Durante o conflito redigiu um Dülrio do Exh'cito, e grä-fino, decaiu ao nlvel da subliteratura francesa da epoca ( 0
que pubhcou em 1870. Voltando, exerceu a fun~o de professor na Es- Encilhamento, No Declinio), sem que as qualidades de observa-
cola Militar. A partir de 1872 militou no Partido Conservador, elegen- dor Ihe compensassem a perda do folego.
d.o-~e deputado ': senador por Santa Catarina, prov[ncia que tambem pre-
s1d1u. Seus P~}etos denotam vistas largas, como o que dispunha sobre 0 regionalismo toma, enfim, ares de manifesto, programa e
o casamento ctvil c o que advogava uma sä politica imigrat6ria. Afas- cispera reivindica~äo na pena do cearense Fr3nklin TSvora (113).
tou-se da politica quando proclamada -a RepU.blica. Deixou obra viria e
ir~e~Iar: Cenas de _Viagem, 1868; A Mocidade de Tra;ano, romance, 1872;
Llgrtmas do Corafao,_ rom., 1873; Hist6rias Brasileiras narrativas 1874· ( 113) JoAo FRANKLIN DA SILVEIRA TAvoRA {Baturite. Ceara, 1842
Da Mäo a Boca se Perde a Sopa, com&lia, 1874; Ouro' sobre Azui rom: - Rio, 1888). Saiu ainda crian~a de sua terra natal para Pernambuco.
1878; Narrativas Militares. Cenas e Tipos, 1878; Estudos Criticos: 1881: Estudou Direito em Recife, formando-se em 1863. Advogou por algum
-18~3; Ceus e Te"as do Brasil. Cenas e Tipos; Quadros da Natureza,- Fan- tempo atC ingressar na polftica. Foi deputado provincial e ocupou altoc;
tasias, 1882; Amelia Smitb. Drama, 1886; 0 Encilhamento. Cenas Con- postos na administra~o pernambucana. Ainda estudante escrevcu os con·
temporäneas da Balsa em 1890, 1891 e 1892, rom., 1894; No Declinio. tos de A Trindade Maldita ( 1861) e o romance Os lndios do ]aguaribe
Romance Contemporäneo, 1889; Reminiscencias, 1907; Mem6rias, 1948. ( 1862). Ainda no decCnio de 60 desenvolveu uma novelistica de cunho
sertanejo: o romance A Casa de Palha C de 66; a novela Um Casamento
<;:onsulta:: Alcides Bezerra, 0 Visconde de Taunay. Vida e Obra, Rio,
"!1qu,1,vo Nactonal, 1937; LUcia Miguel-Percira, "TrCs Romances Regiona- no Arrabalde, de 69. A partir de 1870, enceta uma campanha sistemi-
listas , em Prosa d• Ficfiio (1870-1920), Rio, Jos~ Olympio, 1950, pp. 27-39.
tica em prol do regionalismo, por ele identificado com a "litcratura do

160
Polemizando com o conterr~neo Alencar, cm qucm. deplorava. mir-se de modo meis convincente nessas p&gfuas coloniais do que
ap6s a leitura do GaUcho, a·· carc!ncia de contato direto com as na fatura do Cabeleira.
regiöes descritas, Tavora quis introduzir, ja no apagar das luzes Uma leitora severa, LU.cia Miguel-Pereira, viu, porem, nu-
da fic~iio romfilitica, um critfrio mais rigoroso de verossimilhan~. ma das primeiras produ~s de Tavora, a novela Um Casamento
Mas o escritor estava animado por certo ressentimento de no Arrabalde, alias subestimada pelo escritor, o seu ensaio mais
nordestino em face da Corte e, por exte'!"iio, do progresso suli- feliz de fixa~äo dos costumes campesinos, ainda sem sombra de
no que, com a ascensäo do cafe·, mar}inalizava as ~e~ais areas inten~öes polemicas.
do pais. Dai o tom de polemica e a sua frontal opos1~0 de uma Os manifestos e os pr6logos de Tavora podem scr lidos co-
"literatt:ra do Norte" a do resto do Brasil: mo sinal avan,ado dos riscos que o provincianismo traz para a
As letras tem, como a politica, um certo carater geognifico; literatura; ou, num plano hist6rico, como sintoma dos fundos
mais no Norte, porem, do que no Sul, abundam os elementos para desequilibrios que ja no s&ulo XIX sofria o Brasil como na~äo
a forma\äO de 1Jma Iiteratura brasileira, filha da terra, desintegrada, incapaz de resoJver OS contrastes regionais e a de-
A razäo e Obvia: o Norte ainda näo foi invadido como cst' scn- riva de uma politica de preferencias econömicas fatalmente in-
do o Sul de dia em dia pelo estrangeiro (0 Cabeleira, Prcf8cio). justa. 0 regionalismo entiio servia, como tem servido, de do-
1 cumento e protesto.
T avora näo cumpriu, com o seu modesto Cabeleira, as pro-
messas de uma literatura nordestina que precisou esperar o ta·
lento de um Oliveira Paiva e, ja neste s&ulo, de um Jose Lins 0 TEATRO
do Rego e de um Graciliano Ramos, para firmar-sc como admi- Ern termos de valor, deve-se distinguir um teatro romänti-
rav~l realidade. · co menor, que se exauriu no programa de nacionalizar a nova li-
Visto de um fuigulo puramente extemo ( a fonte do tema), teratura, de um teatro que se escorou em tex:tos realmente no-
0 livro e baliza de uma serie de romances voltados para 0 bandi- vos e capazes de enfrentar a cena.
tismo como efeito da miseria, do latifUndio, das secas, das mi- Coube a Gon,alves de Magalhäes o primeiro tento ( a sua
gra~öes: A Fome e Os Brilhantes, de Rodolfo Te6filo, Os Can- gl6ria haveria de ser sempre cronol6gica ) com a tragedia Ant&-
gaceiros, de Carlos D. Fernandes, 0 Rei das Jagun>os, de Ma- nio ]ose ou 0 Poeta e a Inquisifiio entregue em 1837 ao ator
nuel Benicio, Seara Vermelha, de Jorge Amad6, Os Cangaceiros, Joäo Caetano, que se esfor~ava para criar no Rio de Janeiro um
de Jose Lins do Rego. . . Literariamente, e uma sofrlvel mistu- bom ambiente teatral ( 114 ).
ra de crönica do canga~o e expedientes melodramaticos.
Nos romances seguintes, 0 Matuto e Louren>o, Frllnklin
T avora sobrepös ao regionalismo o cuidado da reconstru~äo miu- Martina Pena
da da vida recifense durante a Guerra dos Mascates. E como a Mas os primeiros textos validos foram assinados por um
sua voca~äo real fosse antes a his~6ria que a arte, soube expri~ dramaturgo popular nato, Luls Carlos Martins Pena ( 115 ) que,
desde a adolescencia, compunha divertidas comedias de costu-
Norte". Sob o pseudönimo de Semprönio, critica J ose de Alencar, nas Car-
tas a Cincinato ( 1870). Passando a morar no Rio, ocupa-se intensamente mes (• primeira reda~äo do Juiz de Paz da Ro,a e de 1833) DU·
de questöes hist6ricas e liter3rias, funda a Revista Brasileira e escreve seus
principais romances regionais e coloniais: 0 Cabeleira ( 1876 ), 0 Matuto ( 114) Sobre Magalhäes, v. pp. 111-113. Sobre o ator, ver o en-
( 1878) e Lourenfo ( 1881). Consultar: Jose Vedssimo, "Franklin T:ivora saio exemplar de Decio de Almeida Prado, ]oäo Caetano, tese, Univ. de
e a Literatura do Norte", em Estudos de Literatura Brasileira, V. pp. 129- S. Paula, 1971.
-140; LUcia Miguel-Pereira, "Tr~s Romancistas Regionalistas",. em 0 Ro- (115) Luis CARLOS MARTINS i'ENA (Rio, 1815 - Lisboa, 1848).
mance Brasileiro (coord. por Aurelio Buarque de Holanda), czt., pp. 103 De origcm humilde, frcqüentou _aulas de ComCrcio e chegou por esfo~
-107; Antönio Dimas, "Uma proposta de leitura para 0 Cabeleira", in pr6prio a dominar o franci!s e 0 italiano. P&-se muito ccdo a cscrcvcr
Lingua e Literatura, n. 3, Univ. de S. Paulo, 1974.
0
comCdias, no que foi cstimulado pelo hito pronto e pelo apoio de Joäo

162 163
ma linguagem coloquial_ quei. no gC,nero, näo foi superada por ne- minense, e o nosso autor näo perde vaza para explorar-lhes a lin-
nhum comedi6grafo do seculo passado. guagem, as vestes, as abusöes.
Tambem Martins Pena beneficiou-se da •l'äo renovadora de Depois de ter escri to tres comedias baseadas nesse esque-
Joäo Caetano: este encenou 0 ]ui7 de Paz apresentand"." a um ma voltado para o ridlculo ( 0 Juiz de Paz da Rofa, Um Serta-
pllblico que näo cessaria de aplaud1r suas novas e sucess1vas pro- neio na Corte e A Familia e a Festa na Rofa), Pena tentou o
du,öes: dezessete comedias em dois anos, de. 1844 •. 1~4~. ·: 0 teatro hist6rico, genero nobre no Romantismo europeu. Mas
intuito basico de Martins Pesa era hizer m pela ms1stenc1a na sem exito: p<l'as como D. Joäo Lira ou 0 Repto e D. Leonor
marca'räo de tipos roceiros e provincianos em contato_ com a Teles nem sequer foram representadas, e a sua leitura, hoje, in-
Corte. O tom passa do cömico ao bufo, e a repre~enta,ao pode dica que na verdade näo o mereciam. 0 fato e que em 1844, o
virar farsa a qualquer momento: o labrego de Minas ou o fa- dramaturgo volta aos assuntos e ao tom das primeiras comedias,
zendeiräo paulista seriam fonte de riso facil para o publico flu- preferindo ao mundo da ro,a os costumes cariocas do tempo,
dos quais nos da um quadro mais vivo e corrente do que todos
Caetano. Redigiu tambem folhetins sobre espetaculos de. teatro .e ~e 6pe-
ra para o Jornal do ComCrcio { 1846-47) e. um~ novel~, a1nda hoJe 1nCd1ta, os romances de Macedo. 0 convfvio direto com o publico e a
O Rei do Amazonas. Subiu na burocracia d1plomauca de amanuense da urgencia de divertir impediram que Martins Pena idealizasse sem
Mesa do Consulado a Adido da nossa Legar;äo em Londres para onde criterio como o fazia o autor. de A Moreninha nos seus quadros
viajou em 1847. Mas, j:i atacado de tu?erculose precisou ~egressar; em fluminenses. 0 nosso comedi6grafo pode distorcer pelo vezo de
1
tränsito por Lisboa, veio a falecer, aos tnnta e tre~ anos de 1dade. Algu: tipificar, mas nunca pela romantiza,äo, de onde a maior dose de
mas de suas per;as niio foram editadas se;iäo depo1s de sua morte. ~ Aqw
vai 0 seu elenco, apondo-se, quando poss1vel, a data da representar;ao e. a realismo, convencional embora, do seu teatro, se comparado 8.que-
da edir;äo, para o que me valho das informar;öes cons.tantes das Comed1as la fic,äo.
de Martins Pena ed. critica por Darcy Damasceno, Rio, l.N.L., 1956: 0 Ern Martins Pena, o modo de sentir o social ja era bem
Juiz de Paz da R.or;a, 1838 (ed., 1842); Um. Sertanejo na Corte (ina~ba­
da, näo representada e s6 impressa na ed. c1tad~); Fernand~ .ou 0 Ctnto menos conservador que o <lo primeiro grupo romantico no qua!
Acusador (id.); D. ]oäo de Lira ou 0 Repto (1d.); A Famtlta e A Festa costuma ser integrado por motivos contingentes. Assim, o ujuiz
da Ror;a, 1840 (ed. 1842); D. Leonor Teles (~äo represe~ta~a ncm .~­ de paz" e composto com uma face venal e arbitr3ria, nä.o obstan-
pressa ate a ed. citada); ltaminda ou 0 Guerretro de Tupa (1d.); Vttt~ te as veleidades de rigor que o cargo lhe faculta. Com a mäo
ou O Nero de Esponho, 1841 (n!o publ.); Os D/fus ou 0 IngUs Maqut-
nislo, 1845 ( ed. 1871 ); 0 Judas em Sabado de Aleluia, 1844 ( ed. 1846);
direita recruta pobres-diabos para irem lutar contra os farrapos
Os Irmäos das Almas, 1844 (ed. 1846); 0 Diletaßte, 1845 (ed. 1846); ou perseguir os quilombos; com a esquerda, recebe leitöes, ces-
Os Tres hfedicos, 1845 (näo publ.); 0 Namorador ou ~ Noite de S~o tos de laranjas e cuias de ovos dos querelantes. . . E verdade
]oäo, 1845 (näo publ.); 0 Novi>o, 1845 (ed. 1853); 0 Ctgano, 1845 <.nao que o tom de comedia ameniza a crltica e a dilui no faceto: os si-
pubL); O Caixeiro da T averna, 1845 ( ed. 1847); As Casadas Soltetras, tiantes näo aparecem como vftimas, sä:o simpl6rios at~ burles-
1845 (näo publ. em livro ate a ed. citada); Os Meirinhos, 1846 (näo publ.);
Quem Casa, Quer Casa, 1845 (ed. 1847); Os CiUmes de um Pedestre ou cos nas suas brigas com os vizinhos. E, no final, todos se con-
O Terrivel Capitäo do Afato, 1846 (näo publ.); As Desgrar;as de uma fraternizam ao som de um fado "bem rasgadinho, bem choradi-
Crianr;a, 1846 (näo publ.); 0 Usurtirio, (näo repr. nem publ.); Um Se- nho", que o pr6prio juiz arma na sala de despachos:
gredo de Estado, 1846 (näo publ.); Q Joga de Prendas (näo repr. ncm Ju1z Assim meu povo! Esquenta, esquenta!
publ.); A Barriga de Meu Tio, 1846 (näo publ.). 0 editor Darcy Da- MANUEL JoAo - Aferventa! ...
masceno ainda arrola uma comedia e um drama sem tintlo cujos manus-
critos se acham na Biblioteca Nacional. Sobre Martins Pena: Melo Mo- TocADOR Ern cima daquele morro
rais Filho e Sflvio Romero, lntrodur;äo a ed. das Comedias, Rio, Garnier, Ha um pC de anan3s;
1898; Sflvio Romero, Vida e Obra de Martins Pena, Porto, Lello, 1901; Nao h<l homem neste mundo
DCcio de Almeida Prado, "Martins Pena", no ensaio "A Evolui;äo da Li- Corno o nosso juiz de paz.
teratura Dram<ltica", em A Lit. no Braszl, cit., vol. II, pp. 252-255; Sabato Tonos Se me das que come,
Magaldi, "Criar;äo da Comedia Brasileira", em Panorama do Teatro Bra- Se me das que bebe,
sileiro, S. Paulo, D. E. L„ 1962, pp. 40·58; ]. Galante de Sousa, 0 Tea· Se me pagas as casas,
lro no Brasil, 2.' ed. Rio, Edi,öes de Ouro, 1968, pp. 196-205; Ant8nio Vou mor:i com voce.
Soares Amora, "Martins Pena", em 0 Romantismo, cit., pp. 309-330. Jurz Aferventa, aferventa! ...

164 165
Um es~o de siitirtt D)ais aJ;<lida se tr~a na comedia Os 0 retrato do intelectual sufocado em empregos vis e a anti·
Dois ou 0 I ngUs Maquinista, em que os vilöes siio o traficante patia votada ao negopsta e aos altos burocratas conotam rea,öes
negreiro e o especulador ingles; e em 0 Novi(o, onde, pela boca tlpicas de classe media instavel. Ideologia que aborrece igual·
do protagonista, Martins Pena faz um libelo contra o regime do mente os carolas, ·as beatas, os exploradores da boa fC dos po-
''patronato„: bres, mas ve com simpatia os ma>ons na medida em que repre-
Cut.os - 0 tempo acostumar! ~ ai por quc vemos entre n6s sentam o avesso daqueles ( 0 I rmiio das Almas). Em uma anii·
tantos absurdes e disparates.+ Este tem jcito para sapateiro: pois v8 lise percuciente, Paula Beiguelman ve como eixo da comedia de
cstudar medicina... Excclente m6::1ico! Aqucle tem inclin~o pa- Martins Pena o crescendo da urbaniza>iio, que desintegra o ve-
ra c6mico: pois näo senhor, sera poUtico... Ora, ainda isso vi. Iho artesanato da Corte e, com ele, o decoro de um estilo sim-
Estoutro s6 tem. jcito para caiador ou borrador: nada, e oHcio que ples e desambicioso de viver ( 116 ). Dai, o afii de especular de
näo presta... Seja diplomata, que borra· tudo quanto faz. Aquelou-
tro chama-lhe toda a propensäo para a ladroeira; manda o bom sen- boa parte da popula>iio e os valores novos de luxo e esnobisDlo
so que se oorrija o sujeitinho, mas isso näo se faz: seja tesoureiro ( 0 Diletante), em contraste com a singeleza da vida roceira, no
de reparti~o fiscal, c Ia Se väo OS cofres da 08\'.äO a garra .•• fundo ainda considerada mais sadia pelo bom senso convencional
Essoutro tem uma. grande carga de pregui~ e indoICncia e s6 ser- do autor.
viria para leigo de convento, no entanto vemos o bom do man-
driio empregado p6blico, comendo com as mäos encruzadas sobrc a Essas constantes transparecem nos dhilogos de cuja arte P"e-
pan91 o pingue ordenado da na~o. na era senbor absoluto. Dhilogos que valem como excelente tes-
EMfLIA - Tens muita razäo: assim C. temunbo da lingua coloquial brasileira tal como se apresentava
·CARLOS - Este nasceu para poeta ou escritor com uma lma- nos meados do seculo XIX.
gioa~o fogosa e indepcndente, capaz de grandes ~ousas mas nao
pode seguir a sua inclina~äo, porque poetas e escritores ~orrem de
misCria, no Brasil. . . E assim o obriga a necessidade a ser o mais
somenos amanuense em uma reparti~ao pllblica c a copiar horas por Gon~alves Dias
dia os mais sonfferos papCis. 0 que acontece? Ern breve ma-
tam-lhe a intelig~ncia e fazem do homem pensante mliquina estU- Ja Gon,alves Dias ( 117 ), na sua melhor obra teatral, Leo·
pida, C assim SC gasta uma vida! J! precito, e ji tempo que al- nor de Mendonra, escrita em plena juventude, preferiu entron·
gufui olhe para isso, c algu6n que possa.
car-se na linha europeia do drama bist6rico. Documentando-se
EMfLIA - Quem pode nem sempre sabc o que sc passa en- com escr6pulo sobre o periodo de D. Joiio III em Portugal, pro-
tre n6s, para poder remediar; e preciso falar.
curou dar il. palavra de suas criaturas " tom nobre e a compos-
CA.aws - o_respeito e a modCstia prendem muitas llnguas, tura grave que um assunto nobre e grave requeria. Tratava-se de
mas 18 vcm um d1a que a voz da razäo se faz ouvir -c tanto mais levar il cena a tragedia conjugal dos Duques de Bragan,a, Jaime
fortc quanto mais comprimida. '
e Leonor, a inclina,ao desta por um jovem da Corte, Akoforado;
EMfLIA - Mas Carlos, hoje te estou desconhccendo ... afeto que, embora nlio adulterino, suscitou o ciume do Duque
C.Uws - A contradi~äo em que vivo tcm-me exasperado! E resultando no assasslnio dos supostos amantes.
C?mo _51ucres tu qu~ eu näo fal.e quando vcjo, aqui, um pCssimo
arurgtao ~uc poderza ser bom alveitar; all, um ignorante gcneral Gon,alves Dias compös o drama com os olbos postos na
que ~~ ser ~~ente enfermeiro; acola, um period.iqueiro que restaura,iio do teatro portugues empreendida por seu mestre
s6 servir1a para arnetto, täo desbocado e insolente e, etc., etc. Tudo Garrett desde 1838 com Um Auto de Gi/ Vicente ate a publica-
csta fora de seus eixos ... >iio da obra-prima Frei Luls de Sousa em 1843. E o drama e
EMfLIA - Mas que queres tu que sc fa~? garrettiano ·nao s6 pela elegfuicia da prosa levemente guindada
C.Uws - Quc näo :SC constranja ninguCm, quc sc cstudem os
_homcns c quc haja uma bcm entendida c esclarccida protctäo, e ( 118) P. Beiguelman, "Analise literliria e investigar.;;3.o sociol6gica",
quc, sohretudo, sc desprcze o patronato, quc asscnta o jumento nas em Viagem Sentimental a "Dona Guidinha do Po~o", S. Paulo, Ed. Cen-
bancas das acadcmias c amarra 0 homem de talento a mangcdoura. tro Universitlirio, 1966, PP 67-77.
(Ato I, Cena VII). (117) V. Nota 78.

166
167
como pelo uso livre dos sucessos, t!rdidos cm fun~äo de constan· comp6s Verso e Reverso, pec;a ligeira de ambientac;äo carioca, e
tes rom:inticas: o amor fatal, o pese dos preconceitos, a fo~ 0 Dem6nio Familiar, comedia em que OS vaivfns da intriga säo
resolutiva das grandes paixöes. obra de um escravo, moleque enredador e ambicioso.
E cabe lembrar a viva consciencia que tinha o jovcm dra- Embora o mau carater de Pedro, o "dem6nio familiar", seja
maturgo do sentido moderne que deveria conotar a presen~a do o pivö dos embara~os de uma famllia "de bem", näo se pode, na
destino na estrutura do teatro romäi\lico. Diz ele, no pr6logo, analise desta comedia, forc;ar a nota da preconceito, ao menos
explicando a fatalidade em Lebnor de Mendonfa: enquanto consciente. No Ultimo ato, o moleque e alforriado pa·
ra que, fora da irresponsabilidade em que vivera como escravo,
Näo aquela fatalidade implac~vel que perseguiu a famllia dos possa escolher honradamente o seu caminho. Diz-lhe o senhor:
Atridas, nem aquela outra cega e tcrrfvel que Werner descreve no
seu drama 24 de Fevereiro. n a fatalidade cl da tcrra a quc eu Toma: e a tua carta de liberdade, ela sera a tua puni~äo de
quis descrever, aquela fatalidade que nada tem de Deus e tudo dos hoje em diante, porque as tuas faltas recairäo unicamente sobre_ ti;
homens, que i filha das circunstOncias e que dimana toda dos nos- porque a moral e a lei te pediräo uma conta severa de tuas ai;oes.
sos htlbitos de civilizafäo; aquela fatalidade, enfim, que faz com Livre, sentirRs a necessidade da trabalho honesto e apreciarils os
que um homem pratique tal crime porque vive em tal tempo, nes- nobres sentimentos que hoje niio compreendes.
tas ou naquelas circunstäncias (grifos meus).
Essa naturalmente, a intenc;äo etica de Alencar ao redigir a
A consciencia do novo, do näo mais classico, tambem se re- comedia. 0 que ficou, porem, foi a figura do moleque irrecupe-
vela pela justifica~äo da prosa em lugar do versa e, mais, pela r:lvel: Pedro apenas mudara de senhor, realizando seu sonho dou·
apologia de um modele shakespeariano de tragedia ondc prosa e rado - ser cocheiro de um rico major, fun~iio que lhe permitira
verso se revezariam segundo o tom e o ritmo das afetos que mo- motejar com desprezo os cocheiros de aluguel. Ficou o estere6-
vem as personagens. Experiencia que Gon~alves Dias näo rea- tipo, vivo na cultura escravocrata brasileira, do negrinho maro-
lizou, mas que esta plenamente no ambito do ideal romilntico to, astuto, no fundo cfnico por incapacidade de coerfncia mo·
de criar Um genero Superior a tragedia e a comedia tradicionaJ, ral: imagem que deixa entrever um preconceito mais tenaz, por-
e que a ambos abrace: o drama. E por certo e de uma leirura que latente ( 119 ). . •
romantica de Shakespeare que derivam a atmosfera turva de pres- Ern Mäe, Alencar entromza no centro do drama a hgura
s3gios, iminente sobre os protagonistas, e ä extrema crueza do de uma escrava, Joana, que se imola ate a morte para o hem-
desenlace em que o pr6prio Duque, novo Otelo enfurecido, se -estar e a felicidade conjugal do seu senhor; este, ignorando ser
dispöe a executar sua vinganc;a. seu fi!ho, chega ao ponto de vende-la para resgatar as dlvidas do
0 gosto do publico näo pendeu, entretanto, para esse tea- futuro sogro. Mas o altruismo de Joana e manifestamente herols-
tro hist6rico, sentido provavelmente como "pesado" e mon6to- • mo de mäe antes que nobreza de negra escrava: "se ha diaman·
no. As rep,resenta\'Öes de pe\'aS de costumes burgueses traduzi- te inalteravel - diz Alencar na dedicat6ria do drama - e o co-
das da frances foram acostumando os espectadores aos "dramas rac;äo materno, que mais brilha quanto mais espessa e a treva;

l
de casaca", e ser3 esse o gCnero preferido a partir de 1860, ao sentes que rainha ou escrava, a mäe e sempre mäe."
lado da 6pera italiana entäo no apogeu. Sintoma das novas pre-
dile>6es e a sofrlvel pe,a, "6pera em·dois atos" de Macedo, 0 Agrario de Meneses. Paulo Eir6.
Prima da Ca/i/6rnia, levada a cena com grande exito.
Mas houve dois jovens dramarurgos, meio esquecidos pela
crftica moderna, que trabalharam o tema da escravidäo de mo·
Alencar 1 do mais direto e cortante que Alencar: o baiano Agrario de Me-
Caberia a Jose de Alencar ( 118 ) insistir na dose de "brasi-
:j neses (1843-63) eo paulista Paula Eir6 (1836·71)._
lidade" que esse drama de costumes deveria conter. Para tanto,

168
(118) V. nota 104.
'
·I
~
·1

1
( 119) Para uma nova 1nterpreta~äo dessa comed1a, ler Det10 de Al·
me1da Prado, "Os demönios familiares de Alencar'', in Revista da Insti·
tuto de Estudos Brasileiros, n" 15, Universidade de S Paula, 1974.

169
0 Calabar de Agrario de Meeeses e um drama cm vcrso es· bandeiras, vaga de mata em. mata; o pardo a quem apenas se rc-
crito em 1858 em plena fldra,äo do segundo grupo romintico: conhecc o direito de viver esquecido; o branco, enfim, o branco
{
nele, • figura do traidor e byronianamente identificada com • do ' orgulhoso, que sofre de ma cara a insolCncia das Cortes e o desdCm
d05: europeus. Oh! quando cafrem todas essas cadeias, quando esses
rebelde que, por ser mesti,o, vinga no seu ato as humilha>öes cauvos todos se resgatarem, ha de ser um belo e glorioso dia!
sofridas: (Ato II, c:eoa 12).
Homcns que me enxotastcs atrevidos
Da lauta mesa, cm gue vOs '\ssentl.veis,
Mulheres que zombastes do mulato, A CONSCttNCIA HIST6BICA E CRttlCA
Porque ousou mostrar-vos sua a1ma
Em htases de amor: sede malditos. As atirudes ideol6gicas e crfticas que se rastreiam durante
as quatro decadas do Romantismo tem como fator comum a en„
_Segundo. Raxmond Sayers, "a p~ no seu conjunto parece fase dada a autonomia do pafs. Ha em todo o perfodo um na·
~er s~d~ o pr1metto estudo feito no Brasil sobre o complexo de cionalismo cronico e as vezes agudo, que ao observador menos
mfer1or1dade do mulato, e a extrcma sensibilidade dos mcmbros avisado pode parecer tra,o bastante para unificar e definir a
desse grupo miscigenado, por sua diflcil posi,äo na sociedade" cultura romiintica. De Magalhäes e Varnhagen a Castro Alves e
( op. cit., p. 266). Sousilndrade, dos indianistas e sertanistas aos condoreiros trans-
Pouco posterior e. Sangue Umpo ( 1861), de Paulo mite·se o mito da terra·miie, orgulhosa do passado e dos' filhos,
Eir6 ( 120 ), figura rica e estranha de poeta romiintico cujos ulti·
. 1

esperan\osa do futuro.
m?s an~s foram ensombrados pela dem&icia, mas que, no meio· •
'
1
No entanto, para evitar que vejamos o Romantismo com
-<lia da 1uvenrude, revelou perfeita lucidez como escritor e com· olhos romiinticos e que a hist6ria vire tautologia, convem tentar
preensäo aguda do problcma racial .. Sangue Umpo e um drama uma aruilise diferencial do fenömeno. Por tras da fachada uni-
tra,ado com firmeza. Tem por cenario Säo Paulo nos dias da l. forme de amor II patria, houve expressöes diversas de grupos di·
Independencia e situa, na atmosfera de expectativa que prece- versos que, pela estrurura "em arquipelago" do pafs, apareccm
deu ~ vinda de D. Pedro, um c.aso de amor entre um fidalgo e As vezes em tempos dispares näo sendo possfvel construir para
uma JOVCrn parda. Ü preconcettO e venciclsi peJo rapaz que SC todas uma linha simples de evolu\äo.
rebela contra o pai, ao mesmo tempo que este e assassinado por Deve-se distinguir, pelo menos: a) o grupo fluminense, en·
um negro que jurara nunca mais "ajoelhar·se· aos pes de um se- tre passadista e ecletico, que instalou oficialmente, nos fins da
nhor". Ao som festivo do brado do lpiranga, "lndependencia decada de 30, o Romantismo na poesia, no teatro e na historio·
ou Morte", abra,am·se brancos e mulatos num lmpeto de frater· grafia ( Magalhäes, Porto Alegre, Varnhagen e o "padroeiro" de
nidade. A p°'a, reproduzindo o ambiente severo do antigo bur- todos, Monte Alverne); b) o grupo paulista, formado por a}„
go .e dando a cada pe~son.agem uma expressäo justa e llmpida, guns mestres e estudantes de Direito que fundaram em 1833 uma
res1ste galhardamente a letrura moderna e, creio, tambem a re- Sociedade Filomatica em cuja Revista se defendem as teses ame--
!'.resenta,äo. Esta,. a fala em que Rafael, o irmäo da jovem mes- ricanistas de Denis e Garrett (Justiniano Jose da Rocha, Salo-
twa, responde ao. ftdalgo que lhe ·perguntara se corria sangue es- me Queiroga, Antönio Augusto Queiroga, Francisco Bemardino
cravo em suas vetas: Ribeiro ... ) ( 121 ); c) o grupo maranhense, paralelo aos ante·
riores, mas liberal no espfrito, ilustrado na cultura e ainda das·
- ~u filho de um escravo, c que tem isso? Onde csta a
mancha tndelevcl?. . . 0 Brasil e uma terra de cativeiro. Sim J
todos .aqui säo escrav~. 0 negro quc trabalha scm.inu, cantand~ ( 121) Consultar: Jose Aderaldo Castelo, T extos que Interessam a
aos ratos _do sol; o !ndio que per um miseravel salirio C emprcga- Hist6ritz do Romantismo, 3 vols., S. Paulo, Comissao Estadual de Cultura,
doJ11J fc1tunt de estradas e capelas; o sclvagcm, que, fugindo as 1960-1%,. Em Säo Paulo, tambem em torno da Academia de Direito,
.,.,
'
constituiu-se cm 1859 outro grupo, o do Ensaio Filos6/ico Paulistano, que
rctomou, na pena pouco original de Antönio Joaquim Macedo Soares, as
. (
120
) Ver a 2.a edi~äo de Sangue Limpo (S. Paulo, 1949), prefa- teses da Sociedade Filo.Utica sobrc a necessidade de abrasileirar as nos-
c1ada por Jamil Almansur Haddad. sas letras (v. Afrinio Coutinho, A Tradifiio Afortunada, cit., pp. 82„91 ).

170 171

l
sico na linguagem ( Jo~o ·FrJnciSCQ-Lisboa, Sotero dos Reis, Odo- os indios, os nossos costumes. Enquanto pretendc firmar uma
rico Mendes); d) o grupo· pernambucano, empenhado antes na nova pottica, essa critica subordina os temas natives aos scnti-
luta ideol6gica que na critica literaria, e que representa a ponta mentos e a religiao tradicional, refugit.ndo o racionalismo e as
de lanc;a do progressismo liberal romantico ( Abreu e Lima, Pe- "fic~öes classicas". Ecos de Madame de Stael, Chateaubriand,
dro Figueiredo). Garrett e Denis, os escritos dos galo-fluminenses, como os cha-
mava Romero, näo conseguiram dinamizar uma verdadeira critl-
ca liter3ria. Diluiam na :lgua morna do conservantismo o vinho
Tradicionalismo
' forte que as ideias realmente novas de Naräo e de Povo signifi-
caram para a Europa p6s-napoleönica. De resto a frase 11 a litc-
A Cnfase dada aos conteUdos rorn3ntico-nacionais cabe a ratura e expressäo da sociedade" e de si vaga e depende do con-
gerac;äo de Magalhäes e a seus continuadores da Minerva Bra- ceito que se tenha de sociedade; foi proferida tambem pelo ultra-
siliense ( 1843) e do Instituto Hist6rico: Joaquim Norberto, Pe- ·reacionario Visconde de Bonald em nome das tradi~es que te-
reira da Silva, Santiago Nunes Ribeiro. Indianismo e passadis- riam sido conculcadas pelo racionalismo da Revoluc;äo Francesa.
mo misturam-se nessa perspectiva, perdendo o primeiro em con- Dos continuadores de Magalhäes, o 6nico a pensar com al-
tato com o segundo, as garras antilusas e democr3ticas que ain- guma forc;a o problema da relac;äo entre nacionalidade e litera-
da apresentava na epoca da lndependencia ( 122 ). Ja a litera- ) 1
tura foi Santiago Nunes Ribeiro ( 123 ). Respondendo, na Miner·
tura dos maranhenses ( e penso nas belas paginas do Jornal de va Brasiliense, a um articuli.sta luso que negara a existencia de
Timon, desse cläss.ico do jornalismo satirico que foi Joäo Fran- uma literatura brasileira ( por näo existir aqui uma lingua diver·
cisco Lisboa) conserva näo poucos trac;os do que foi a luta anti- sa do Portugues), Santiago Nunes da enfase ao nexo entre as lo-
colonial na provlncia: luta que perdurou nas revoltas do perlo- tras e os contextos hist6rico-geogr:!ficos. Nessa ordern de pen-
do regencial e no comec;o do Segundo Imperio, na medida em samento alcanp um nlvel te6rico mais alto que o dos contem-
que este retomava a diretriz centralizadora da ultima Regencia.
As antinomias que marcaram o seculo XIX brasileiro fo-
ram varias: corte/provlncia; poder central/poder local; cam-
,, poräneos:
Näo C principio incontestßvel que a divisäo das literaturas deva
ser feite invariavelmente segundo as linguas, em que se acham con-
po/cidade; senhor rural/classe media urbana; trabalho escra- signadas. Outra divisäo mais filos6fica seria a que atendesse ao
vo/trabalho livre. A "conciliac;äo" ideol6gica fez-se atraves da espfrito, que anima, 3 ideia que preside aos trabalhos intelectuais
primeira gerac;äo romantica, bafejada, como se sabe, por D. Pe- de um povo, isto C, de um sistema, de um centro, de um foco de
vida social. Este prindpio litertirio e artfstico e o resultado das
dro II. Ja as formas de pensamento que exprimem conflito con- influCncias, do sentimento, das crern;as, dos costumes e habitos pe-
figuraram-se em primeiro lugar no Nordeste, onde .precocemen- culiares a um certo nUmero de homens, que estäo em determinadas
te surgem correntes abolicionistas e republicanas. rela.~6es e que podem ser muito diferentes entre alguns povos, em-
A vertente oficial deve-se um merit6rio labor erudito e o bora falem a mesma Hngua. ( ... ) A literatura e a expressäo da
primeiro levantamento de textos poeticos da Col6nia. Foram fndole, do caräter, da inteligCncia social de um povo ou de uma
epoca. ( ... ) Ora OS brasileiros tCm seu carater nacional, tamb6n
proflcuos editores, antologistas e bi6grafos Joaquim Norberto devem possuir uma literatura ptitria ("Da Nacionalidade da Lite-
( v.), Pereira da Silva, com o seil' Parnaso Brasileiro (1843-48 ), ratura Brasileira", in Minerva Brasiliense, 1-11-1843, I, 1 ).
seguido do Plutarco Brasileiro ( 1847) e Varnhagen com o Flo-
legio da Poesia Brasileira ( 1853 ). As ideias que os norteavam
a
eram poucas, pobres e repetidas saciedade: o Brasil tem uma ( 123) SANTIAGO NuNES RIBEIRO (Chile, ? - Rio Preto, Minas,
1847). De sua biografia pouco se sabe. Teria vindo ainda pequeno do
literarura original a partir da Independencia e/ou h:!, desde os
tempos coloniais, motivos brasilicos de inspira~äo: a natureza, Chile, trazido por um tio padre, exilado politico. Trabalhou no com&-
cio em Parafba do Sul. No Rio lecionou em escolas particulares e, de-
pois, no ColCgio Pedro II, onde ocupou a cadeira de Ret6rica e PoCtica.
( 122) Sobre as tendencias ecleticas que prevaleceram durante toda Colaborou na Minerva Brasiliense, de 1843 a 1845, e pertenceu ao Insti-
essa fase, ver o denso estudo de Paulo Mercadante, A Conscilncia Con· tute Hist6rico e Geogr.tfico. Consultar Afränio Coutinho, op. cit., pp. 2445.
servadora no Brasil, Rio, Ed. Saga, 1965.

172
173
T
1
A lucidez de Santiago ·Nunes''estrema-o do meio fluminen- uma Na~äo" c desce a crlticas estruturais do sistema, deixando
se entregue a erudi~ao e incapaz de rever os lugares comuns de assim de lado os chavöes in6cuos em que se cifrava o naciona·
que a~usa: "nacionalismo", "americanismo", "indianismo", etc. 1 lismo dos primeiros rominticos. Um historiador recente, Va-
Mas a morte prematura impediu-o de desenvolver um tipo de mireh Chacon, na esteira de_ Gilberto Freyre e Amaro Quin·
crltica globalizante para o qua! fora dotado. tas ( 125 ), chama a aten~äo para alguns textos do Bosquejo, pre-
„ . 1
nhes de antecipa~s sociol6gicas:
1
Que somos todos inimigos, e rivais uns dos outros na propor-
Radicalismo. ~o das nossas respectivas classes, oäo ncccssitamos de argumcntos
1 para prov8-lo, basta s6 que cada um dos que lcrem estc papcl, seja
Das provfncias do Nordeste, onde a crise a_.,careira produ- qual for a sua condi~Q. meta a mäo na sua consciCncia e consulte
os sentimentos do scu pr6prio cora~äo. ( ... ) Que näo bavendo
zia constante inquieta~iio, vieram formas de pensar mais crfticas, afinidade entre os interesses individuais, täo pouco pode haver in-
sendo arbitrario separar nelas o interesse hist6rico e literario do tcressc geral, fundado na participa~äo de todos na pUblica adminis-
sal ideol6gico. tra~o, porque cada classe ou familia querer8. a primazia( 126).

Assim, no ano de 1835, enquanto Magalhäes e Porto Ale-


gre, em contato com a cultura francesa, introduziam uma for· Em outros passos ataca o bacharelismo, produtor de
ma passadista ou ecletica de Romantismo, aparecia a obra de um semidoutos, "o maior a_.,ute que nos poderia caber de-
pernambucano em quem ja fermentavam ideias democraticas c pois de 300 anos de escravidäo". No Complndio de His-
socializantes: o Bosquejo Hist6rico, Politico e LiterOrio do Bra- t6ria do Brasil presta a sua homenagem as insurrei~öes per·
sil, de Abreu e Lima ( 124 ). Nele o libertario, filho do Padre nambucanas, de 1817 e de 1824, na primeira das quais vira fu.
Roma, companheiro de Bolfvar, e homem que daria seu apoio a zilado o pai e fora preso ele pr6prio. Sabe-se que Varnhagen,
Revolu~äo Praieira, faz um libelo contra o estado de ignorincia de certo chocado com o "iivro, que lhe sabia a jacobinismo, in-
reinante por seculos em Portugal: situa~äo que a Colönia herda- quinou-o de plagio . . . Mas Abreu e Lima prosseguiu na sua
ra e que cabia aos brasileiros corrigir. Mas näo fica al o seu carreira doutrinaria, de que säo marcos a Sinopse e 0 Socialis-
"jacobinismo" que iria mais tarde irritar fJ' Visconde de Porto mo, este Ultimo uma sfntese fogosa il Lanunenais de progressis-
Seguro: Abreu e Lima ve na literatura "o corpo de doutrinas de mo e esplrito religioso.

(124) JosE lNAc10 DE ABREU E LIMA (Recife, 1794-1869). Filho de


um sacerdote "dCfroquC" que morreu fuzilado pelo governo portuguCs por Pennanincia da llustra~äo. J. Francisco Lisboa
ter participado na Insurrei~io Pernambucana de 1817, seguiu as pegadas do
pai: capitäo de artilharia j8 nesse ano, foge para os Estados Unidos e da1
para a Venezuela onde desempenha perigosas missöes junto a Bolivar, as- No Maranhäo ( 127 ) a satira aos costumes pollticos, aliada
cendendo cm poucos anos ao generalato. Depois de viver longamente na ao amor da frase precisa e vern3.cula, corre sob a pena de Joio
Co!6mbia, volta para o Brasil ( 1832) onde se engaja em Juras pollticas
que, nio obstante as contradi9)es a~tes, sempre se situaram numa ( 125) Gilberto Freyre alude a gera~äo "quarante-huitarde" de Per-
liriha nitidamente liberal. AICm do Bosquejo citado, escreveu: Comp~n­ nambuco em varios passos da sua obra. Ver, por exemplo, Sobrados e
dio da Hist6ria do Brasil, 1843; Sinopse ou Dedu~äo Cronol6gica dos Fa- Mucambos, cap. 1, o belo estudo s6cio-hist6rico Um Engenbeiro Frances
tos Mais Nottiveis da Hist6ria do Brasil, 1845; Cartilha do Povo (sob o no Brasil, Rio, Jose Olympio, 1960, e ainda 0 Velho Felix e suas "Me-
pseud. de "Franklin"), 1849; Hist6ria Universal, 1847· 0 Socialismo 1855· m6rias de um Cavalcanti, Rio, Jose Olympio, 1959. De Amaro Quinras,
As Biblias Falsi/icadas ou Duas Respostas ao Sr. C6nego ]oaqui,,; Pint~ 0 Sentido Social da Revolufäo Praieira, Recife, lmprensa Universitaria,
de Campos, 1867; Resumen Hist6rico de la Ultima Dictadura del Liberta- 1961.
dor Sim6n Bolivar Comprobada con Documentas, publicado pelo Embai-
( 126) Apud Chacon, op_ cit., p. 156 e segs.
xador da Venezuela no Brasil, Diego CarboneJI, em 1932. Sobre Abreu e
Lima, consultar Vamireh Chacon, "0 Romintico de 1848: Abreu c Lima" ( 127) Louvando em bloco o grupo maranhense ( Odorico Mendes,
na sua Hist6ria das Ideias Socialistas no Brasil, Rio, Civilizac;äo Brasileira: Sotero dos Reis, Joäo Francisco Lisboa, AntOnio Henriques Leal e men~
1965, pp. 145-187. res), afirmou Jos6 Verfssimo: "Este grupo 6 contemporineo da prim.cira

174 175
·1
i
.II..
Fr.~ncisco Lisboa ( 128 ), per_~odista ,!Xemplar que deixou, alem de säo conhecidos pela sua longa e inabal<ivel fidelidade aos principios
arugos esparsos pela imprensa de Säo Luis, 0 Jornal de Timon e de ordern e monarquia; o Brasil näo pode medrar senäo A sombra
uma Vida do Padre Vieira. 0 alvo do primeiro e a corrup,äo protetora do Trono. V&n os Bacurdus por derradeiro e dizem: N6s
do sistema eleitoral, manejado pelos senhores de terras e por professamos em teoria os principios populares; mas somos assaz
ilustrados para conhecermos que o cstado do Brasil näo comparta
bachareis ignorantes e madra,os. :E o intelectual de c!asse media ainda o ensaio de certas institui~öes. Aceitamos pois sem. escn1pu-
que lamenta o desconcerto da vida politica e advoga as grandes los a atual ordern de cousas, como fato consumado, uma vez que 0
virtudes publicas: civismo, re,speito llo pr6ximo, tolerancia. Pa- poder nos garanta o gozo de todas as regalias dos cidadäos. Esta-
ra melhor sombrear o quadro, Lisboa demora-se na pintura das mos ate dispostos a prestar-lhe a mais franca e leal cooperai;äo (Par-
refregas partidarias de Esparta, Atenas e Roma, e näo chega ao tidos e Elei~öes no Maranhäo").
Maranhäo sem antes ter atravessado a lnglaterra e os Estados Plus ~a change . ..
Unidos, a Fran,a e a Turquia.
Moralista desenganado, ele se inclina em tudo a ver o triin- E säo muitos os passo.s em que se patenteia a sua 13.rgueza
sito Heil da liberdade ao arbltrio e ao dolo. Mas lidas com aten- de vistas. Defende a anistia e nega a existencia de crimcs poli.
\ä:o, essas p3.ginas a um tempo s6brias e amargas confirmam ticos, com que as faa;öes vencedoras marcam o adversano para
a op,äo iluminista e liberal do politico que a mesquinhez da pro- melhor sacrifica-lo em nome de uma arbitraria e mutavd jus-
vfncia abafou, impedindo que chegasse a melhores frutos. Ao ti,a. Admite serem inevitaveis as mudan,as e o diz em termos
historiar a evolu,äo jurldica de Roma, e para as leis democrati- repassados de sabedoria hist6rica: "Negar a revolu~o e ncgar
zantes dos Gracos que vo!ta a .sua simpatia, e säo palavras de a um tempo a razäo c a hist6ria, isto e, o direito consagrado pe-
escarmento as que usa para narrar a chacina daqueles varöes sem la sucessäo dos tempos e dos fatos, pela for\a e natureza das
macula. Dos partidos maranhenses, em tempos de concilia~o cousas, e pela marcha irresistivel dos interesses, que afinal triun-
a qualquer pre,o, diverte-se a dizer com malicia que fam dessa imobilidade a que täo loucamente aspiram todos os
"em geral. .. tc!m sido favoriiveis ao governo central, e s6 lhe partidos de passe do poder; desse poder conquistado sem duvi-
declaram guerra, quando de todo perdem a esperan~a de obter o da em eras mais remotas pelos mesmos meios que debaldc sc
seu apoio, contra os partidos adversos que mais hiibeis ou mais condenam quando chega a ocasiäo de perd8-lo." 0 mesmo rca-
felizes souberam acarea:.lo para si. ( ... ) Quando o Exmo. Sr. Ber-
nardo Bonifiicio, importunado das recfprocas recrimina~es e das in- lismo leva-o il prega~o da tolerancia: e o faz com os olhos pastos
defectiveis protestos de adesäo e apoio destes. ilustres chefes, os in· na Praieira e nas atrocidades quese cometeram em 1824 e 1831
terrogava ou sondava apenas, respondiam eles, cada um por seu {Lisboa näo partilharia da imagem do brasileiro como "homem
turno: - A divisa dos CangambJs e Imperador, Constitui~äo e cordial" l-
Ordem. Os Morossocas s6 querem a Constitui~äo com o lmpera-
dor, Unicas garantias que temos de paz e estabilidade. Os Jaburus Por outro lado, esse acerrimo inimigo da escravidäo nio
se compraz na ret6rica do indianismo, täo cara aos fluminenses
e mesmo a seu comprovinciano Gon~ves Dias, a quem louva
gerai;:äo romilntica toda ela de nasciinento ou residCncia fluminense. 0 calorosamente como poeta, mas critica por ter dado ao Indio a
que o situa e distingue na nossa literatura e o sobreleva a essa mesma primazia na forma\iio da nossa etnia. Verbera a iniqüidade com
gerai;:äo, e a sua mais clara inteligCnc~ liter<iria, a sua maior largueza in·
telectual. Os maranhenses näo tCm os blocos devotos, a ostentai;äo pa- que os porrugueses sujeitaram os nativos, entrando nessa alrura
tri6tica, a afetai;:äo moralizante da grupo fluminense, e geralmente escre- em polemica com Varnhagen que, na Hist6ria Gera/ do Brasil,
vem melhor que estes" (Hist6ria da Literatura Brasileira, cit., p<ig. 222). defendera a escraviza\äo pela for\a com argumentos do mais des-
(128) JoA.o FRANCISCO LISBOA (ltapicuru-Mirim, 1812 - Lisboa, carado racismo colonialista {"A Escravidäo e Varnhagen"). As
1863). Seu Jornal de Timon saiu em fasdculos, de 1852 a 1854, em Säo
Lufs. As Obfas Completas, em Säo Luis, de 1864 a 1865 ( 4 vols. ). So- paginas que se seguem il confuta\äo do alfarrabista rudesco-soro-
bre J. F. Lisboa: Antünio Henriques Leal, Panteon Maranhense, Vol. IV, cabano säo por certo as mais ardentes e profundas que o Ilumi-
L~sboa, 1875. V. Joiio Alexandre Barbosa, "Estudo Critico", aposto a J. F. nismo inspirou a qualquer escritor em !fngua portuguesa.
L1sboa, .Trechos Escolhidos, Rio, Agir, 1967; Maria de Lourdes Janotti,
J. F. Ltsboa, ]ornalista e Historiador, S. Paula, Atica, 1977. Passando da hist6ria coletiva a pessoal, escreveu sobre Odo-
rico Mendes, o humanista seu conterriineo, de quem encarece o
176
177
saber da lingua, e a Vid11 do·.PadrerAntonio Vieira. Esta, apesar ·
de inacabada, e exemplo de ensaio moderno, pois o bi6grafo,
divergindo embora da mente barroca do biografado, sabe reco-
!.'~,'
nhecer-lhe a invulgar estatura. Num ambiente de crltica ret6-
rica, a que Odorico e Sotero davam o tom, esse estudo de um
grande classico sobreosai como inv~iga,iio hist6rica ampla e
isenta de prejulzos. •
Vista em conjunto, a obra de Joiio Fraricisco Lisboa cobre, ~
ja na decada de 50, urna faixa da nossa realidade que seria en- '.
frentada pela Ultima gera,iio romantica em termos de programa 1
liberal e abolicionista.

0 REALISMO

178
' Um novo ideclr!o
1
'1 A poesia social de Castro Alves e de Sousindradc, o ro-
1 mance nordestino de Franklin Tavora, a Ultima fit>äo citadina
de Alencar ja diziam muito, embora em termos rominticos, de
-~i um Brasil em crise. De fato, a partir da extin~o do trafico, em
1850, acelerara-se a decadencia da economia a"1careira; o deslo-

l
car-se do eixo de prestlgio para o Sul e os anseios das classes
meclias urbanas compunham um quadro novo para a na~o, pro-
plcio ao fermento de ideias liberais, abolicionistas e republica-
nas. De 1870 a 1890 seräo essas as teses esposadas pela inteli-
'~ 1 gencia nacional, cada vez mais permeavel ao pensamento euro-
''
~
peu que na epoca se constelava em torno da filosofia positiva c
li
f do evolucionismo. Comte, Taine, Spen=, Darwin e Haeckel
foram os mestres de Tobias Barreto, Silvio Romero e Capistra-
no de Abreu e o seriam, ainda nos fins do seculo, de Euclides da
\1 Cunha, Cl6vis Bevilacqua, Gra~a Aranha e Medeiros de Albu-
il querque, enfim, dos homens que viveram a luta contra as tracli-
\Öes e o espfrito da monarquia ( 129).
11 Os anos de 60 tinham sido fecundos como prepa~o de
uma ruptura mental com o regime escravocrata e as institui~s
li
i'
pollticas que o sustentavam. E o sumo dessas crfticas ja se en-
contra nas paginas de um espirito realista e democratico, Tava-
1' res Bastes (1839-75), que advogava o trabalho livrc nas suas
admiraveis Cartas do Solitario ( 1862) e uma politica abcrta de
imigra~o na Mem6ria Sobre Imigra~äo, de 1867.
A forma~äo de um partido liberal raclical, em 1868, foi
prececlida de declara~öes de princfpios abolicionistas e prC-rcpu-

( 129) Os reflexos do Positivismo no Brasil e suas vincula.;öes com


a primeira Republica foram bcm estudados por J. eru. C.0.ta (Ponorama
da Hist6ria da ,Filosofia no Brasil, S, Paulo, Cultrix, 1960); Ivan Lins
(Hist6ria do Positivismo no Brasil, S. Paulo, Cia. Editors Nacional, 1964)
e Joio Camilo de Oliveira Torrcs (0 Positivismo no Brasil, 2.• ed., Pc-
tr6polis, Vozes, 1957 ).

181
blicanos ( 130); e, de fato, j;i em 1-870, uma ala dos progressis- a norma foi a expansäo de uma ideologia que tomava aos evolu-
tas fundava o Partido Republicano, que operaria a fusiio tatica cionistas as id~ias gerais para demolir a tradi>iio escolastica e o
da inteligencia nova com o arrojo de alguns pollticos de Sao ecletismo de fundo romlntico ainda vigente, e pedia a Fran>•
Paulo, interessados na substitui~äo do escravo pelo trabalho li- ou aos Estados Unidos modelos de um regime democratico.
vre. As ideias respondiam os fatos: no decenio de 70, entram E a "Escola do Recife", isto e, a Tobias Barreto( 182 ) e a seu
no pals quase duzentos mil imigrantes; no de 80, quase meio discfpulo fiel, Silvio Romero, que se deve a primeira transposi-
milhäo. " '
0 tema da Aboli<;äo e, em segundo tempo, o da Republica, cm Minha Form(lfäo) c, sobretudo, a imagem do pai, cuja vida recompOs
seräo o fulcro das op~öes ideol6gicas da homem culto brasileiro nos volumes de Um Estadista do Imp!rio (1899), demonstra o pulso do
a partir de 1870. Raras vezes essas lutas estiveram dissociadas: a
memorialista capaz de dar Hist6ria a altura de "ressurreic;ao do passado"
que lhe preconizava Mic~elet. A proclama~o_da R~pU.bli~a nä:o o ~emo­
a posi~äo abolicionista, mas fiel aos moldes ingleses da monar- veu dos ideais monarqutstas, mas tambCm nao o 1mped~u de serv1r ao
quia constitucional, encontrou um seguidor no Ultimo grande ro- pais, na qualidade de embaixador em Londres.e em ~ash1n~tc:in, onde fa-
mäntico liberal do seculo XIX: Joaquim Nahuco ( 131 ). Mas leceu em 1910. Nos Ultjmos anos, uma profunda cnse r.ehg1osa levou~

l
de volta ao catolicismo tradicional de que se afastara na JUventude. Ha
edi~o da sua obra cornpleta pela Editora Ipe (Sä:o Paulo, 1947-49, 14
( 130) A Opiniäo Liberal, jornal fundado por Limpo de Abreu e Ran- volumes). Sobre Nabuco: Carolina Nabuco, A Vida de ]oaquim Nabuco,
gel Pestana dava a pU.blico, em 1868, o programa seguinte: "descentrali- Säo Paulo, 1928; Gra~a Aranha, Mac~ado de Assis e. ]oaqu_im ~fbu~o,
zac;iio; ensino livrc; polfcia eletiva; abolic;iio da Guarda Nacional; Senado "Coment9.rios e notas a Correspondenc1a entre esses do1s escntores , Rio,
tempor<irio e eletivo; extinc;äo do Poder Moderador; substituic;iio do tra- Briguiet, 2.' ed„ 1942.
balho escravo pelo trabalho Iivre; separac;äo da judicatura da policia; su· ;. (132) TOBIAS BARRETO DE MENESES (Campos, Provincia de Sergipe,
fr<igio direto e genera1izado; presidentes de provfncia eleitos pela mesma; 1837 - Rec:ife, 1889). Mestii;o, de modesta origem, fez estudos secun-
suspensiio e responsabilidade <los magistrados pelos tribunais superiores e d<irios com mestres particulares na sua provfnda atC obter, aos 15 anos,
poder legislativo; magistratura independente, incompatfvel, e escolha de o posto de professor de Latim em Lagarto. Säo desse tempo e de um
seus membros fora da ac;iio do governo; proibic;iio dos representantes da breve perfodo que passa no Semin2rio da Bahia, i:nuitas compo~i)öes .poC-
na~äo de aceitarem nomeac;iio para empregos pt'iblic:os e igualmente dtulos ticas onde se acha um pouc:o de tudo: desde mod1nhas atC eleg1as launas.
e condecora~öes; opc;ä:o das funcion:lrios pUblicos, uma vez eleitos, pdo Fez Direito em Recife ( 1864-69 ), onde amadurecem as con~tante.s de .sua
emprego ou cargo de representac;iio nacional" (aputJ. Caio Prado Jr., Evo- obra· aversäo ao tradicionalismo filos6fico c, no terreno hterano, afina-
lufäo Politica do Brasil e Outros Estudos, 5.• ed., Säo Paulo, Brasiliense, inento com o hugoanismo, entendido como poesia de ~ese, liris?Io pUblico
1966, pag. 86). a
que se avizinha Cpica. Muitos de seus poemas (Dras e Nottes) foram
( 131) ]oAQUIM AuRELIO BARRETO NABuco DE ARAÖJO ( Recife, 1849 compostos na fase ac:ademica, marcada pelas ~ole~ica~ qu; travou com
- Washington, 1910). Descendente de uma famflia pernambucana de Castro Alves~ rivalidades de cstudantes sem ma1or s1gn1fica)ao. Formado,
senhores de engenho, Joaquim Nabuco seguiu na politica os ideais do pai, casa-se c parte para Escada onde advoga e faz jornalismo ( 1871-81 ), cs-
o senador Nabuco de AraU.jo, vulto de relevo do Partido Liberal nos mea- crevendo para efemeros peri6dicos liberais vibrantes de idCias hauridas nos
dos do sCculo. Formou-se em Direito ( Sä:o Paulo e Recife) e, depois de positivistas franceses e, especialmente, nos monistas alemäe.s.. Data desse.s
uma viagem a Europa e aos Estados Unidos, elegeu-se deputado, desta- anos o seu germanismo täo exclusivista que o leva a red1g1r alguns artl·
cando-se no decenio de 80 como grande tribuno abolicionista ( 0 Aboli- gos em a1emäo... Ern 1882, vence concurso para lente da Fa~l~ade de
cionismo, 1883 ). A ac;iio de Nabuco fundava-se menos na rotina partid3- Direito do Recife: epis6dio central de uma luta entre o escolasuc1smo de
ria que na paixäo intelectual e etica das reformas: da{ a emergencia da uma praxis jurfdica irn6vel e as correntes laicizantes que Tobias sc pro-
sua figura humana, urna das mais belas d0 Segundo Reinado pelo desapego punha encarnar. Foi o grande animador intelectual da Cpoca, mestre da
que manteve ate o firn da vida pt'iblica. Corno escritor, C daro e vivo, chamada "Escola do Recife", segundo seus discfpulos Srlvio Romero, Gra-
Iembrando de perto as fontes francesas que bebeu na mocidade (Renan, c;a Aranha e Artur Orlando. Deixou: Estudos de Filosofia e Critica, 1875;
Taine); escreveu nessa Hngua um livro de versos, Amour et Dteu e as Estuflos Alemäes, 1881; Questöes Vigentes de Filosofia. e Direito, .1888i
reflexöes de Pensees D!tachles et Souvenirs (Pensamentos Saltos, na tra- VJrios Escritos, 1900. As Obras Completas foram pubhcadas no Rio, em
du~iio de sua filha, Carolina Nabuco). Nä:o foi espfrito original: ha, cm 1926. Consultar: Gra~a Aranha, 0 Meu Pr6prio Romance, S. Paulo, 1931;
Minha Forma,äo ( 1898) nao poucos lugares comuns de cosmopolita e di- SHvio Romero, Hist6ria da Literatura Brasileira, 3.• ed., Rio, 1943, vol.
letante, ainda preso a tipologias feitas como "o espfrito ingle:s", "a alma IV; Hermes Lima, Tobias Barreto, Säo Paula, Cia. Ed. Nacional, 1943;
francesa", "a democracia americana" etc. Mas, sempre que volta 8 me- Nelson Werneck SodrC, HistOria da Literatura Brasileira, cit., "A rea)äo
m6ria da infäncia, aos primeiros contatos com o negro ("Massangana" antiromAntica: a crftica", pp. 358-380.

182 183
i;:äo dessa realidade em tetmos Oe consc1encia cultural. Silvio
Romero, falando dos anos d3 uviragem", viu com clareza o es-
sencial da nova forma mentis:
Descontada a ~fase de Sllvio, explictlvel nas mem6rias de
um lutador que se cre injusti,ado, 0 texto adere bem
~s do tempo. Apenas deveriamos acrescer que "o movimento

mudan-

subterraneo que vinha de longe" se originava nas contradi~


0 dcdnio quc vai de 1868 a 1878 ~ o mais notavel de quan- da sociedade brasileira do II Imperio, que os compromissos do
tos no s&ulo XIX constitufram_ a nossa vida espiritual. Qucm
näo viveu ncsse tempo näo CQnh~ por näo ter seotido direta- perlodo romantico ja näo bastavam para atenuar. Peies meados
mente em si as mais funda:s' com~öes da alma nadonal. AtC 1868 do secu!o, desapareceram em todo o Ocidente os suportes do ro-
o catolicismo rcioante näo tioha sofrido nestas plagas o mais leve mantismo passadista: näo tinham mais fun,äo social a velha no-
abalo; a filosofia espiritualista, cat61ica c eclCtica, a mais insignifi- breza e a camada do clero resistente a nacionaliza,äo e ao laicis-
cante oposi~o; a autoridade das instituit;öes monirquicas o me- mo que a Revolu>äo Francesa fizera triunfar na sua primeira fa-
nor ataque s&io por qualquer classe do povo; a institui~o servil
e os direitos tradicionais do feudalismo pr8tico dos grandes pro- se. Por outro lado, a agressividade romfintico-liberal das classes
prietSrios a mais indireta opugna')äoj o romantismo, com seus do- medias contra o mundo dos altos neg6cios se canalizou para o
ccs, cnganosos c cncantadorcs cismares, a mais apagada desaven~ socialismo. Assim, dos anos de 60 em diante, so havera duas
reatora. Tudo tinha adormecido i\ sombra do manto do prfncipe vertentes ideol6gicas relevantes na Europa culta: o pensamento
fdiz que havia acabado com o caudilhismo nas proviocias da AmC- burgues, conservador ( outrora, radical, em face da tradi,äo aris-
rica do Sul e preparado a cngrenagem da p~a politica de centrali- tocriitica), e o pensamento das classes mfdias ( ou, em raros
za~äo mais coesa que jS uma vez houvc na hist6ria de um grande
pafs. De repente, por um movimento subterräneo que vinha de casos de consciencia de classe, dos proletfilios), que assume os
longe, a instabilidade de todas as coisas se mostrou c o sofisma do varios matizes de liberalismo republicano e de socialismo. Mas
i.mpCrio apareceu em toda a sua nudez. A guerra do Paraguai es- a defasagem em que viviam certas :ireas de extra~äo colonial, co-
tava ainda a mostrar a todas as vistas os imensos defeitos de nossa mo o Brasil e toda a America Latina, carentes de industria e de
organiza~äo militar e o acanhado de nossos progressos sociais, des-
grandes concentra~öes urbanas, move as magras classes mfdias
vendando repugnantcm.cnte a chaga da escravidäo; c entäo a ques-
täo dos cativos SC agita C logo ap6s C scguida a questäo religiosa; locais a reivindicai;:öes jii triunfantes e assentes na Europa e nos
tudo se pöe cm discussäo: o aparelho soffstico das elei~, o sis- Estados Unidos; leva, em ultima aruilise, a luta democratica.
tcma de arrocho das instituiQ)es policiais e da magistratura e inU- Esse e o sentido da mare politica a que alude Silvio Romero;
meros problemas econömicos: o partido libCral, expelido grosseira- esse, o espirito das campanhas abolicionista e republicana que
mente do poder, comove-se desusadamcnte e Ianca aos quatro ven- tomam corpo a partir de 1870.
tos um program.a de cxtrcma democracia, quäsc um verdadeiro so-
cialismo; o partido republicano sc organiza e inicia uma propagan- A ponte literaria entre o ultimo Romantismo (ja em Castro
da tenaz que nada faria parar. Na politica C um mundo inteiro Alves e em Sousandrade marcadamente aberto para o progresso
que vacila. Nas regiöes do pensamento te6rico, o ttavamento da e a liberdade) e a cosmovisäo realista sera lan:;ada, como a seu
peleja foi ainda mais formidavd, porque o atraso era horroroso. tempo se vera, pela "poesia cientifica" e libertiiria de Sllvio Ro-
Um bando de idCias novas esvoa~ sobre n6s de todos os pontos
do horizonte. Hoje, depois de mais de trinta anos; hoje que säo mero, Carvalho Jr., Fontoura Xavier, Valentim Magalhiies e me-
elas correntes e anclam por todas as ca~s. niio tem mais o sabot nores. De qualquer forma, s6 o estudo atento dos processos so-
de novidade, nem lembram mais as feridas que, para as espalhar, ciais desencadeados nesse perfodo far3 ver as rafzes nacionais da
sofremos os combatentes do graride decCnio: Positivismo, evolucio- nova literatura, rafzes que nem sempre se identificam com a mas-
nismo, darwinismo, cr{tica religiosa, naturalismo, cientificismo na sa de influencias europeias entäo sofridas ( '").
poesia e no romance, folclore, novos processos de crltica e de hist6-
ria literiria, transforma~o da intui~äo do Direito e da po- No plano da inven,ao ficcional e poetica, o primeiro refle-
litica, tudo entio sc agitou c o brado de alarma partiu da Escola xo sensivel e a descida de tom no modo de o escritor relacio-
de Redfe ( 133).
( 134) Da vasta bibliografia a respeito, destaquem-se: Gilberto Frey-
re Sobrados e Mucambos. -Decadlncia do Patriarcado Rural e Desenvol-
( 133) Silvio Romero, "Explicar;öes Indispens:iveis", pref:icio aos V a~
vbnento do Urbann, 2.• ed., 3 vols., Rio, Jose Olympio, 1951; Caio Prado
rios Escritos, de Tobias Barreto, Ed. do Estado de Sergipe, 1926, pp.
XXIII-XXIV. Jr., Evoluräo PolitictJ do Brasil, cit., "0 ImpCrio", pp. 77-87, c o substan-

184 185
nar-se com a matCria de, sua ..obra. ,....Q liame que se estabelecia ao escrit?r a religiao da forma, a arte pela arte, que daria afinal
entre o autor romintico e 0 mundo estava afetado de uma se. um senttdo e um valor 8 sua existencia cerceada por todos os
rie de mitos idealizantes: a natureza-mäe, a natureza-refUgio, o lados. 0 supremo cuidado estilistico, a vontade de criar um
amor-fatalidade, a mulher-cliva, o her6i-prometeu, sem falar na objeto novo, imperecfvel, imune Ss pressöes e aos atritos que
aura que cingia alguns !dolos como a "Na~äo", a "Patria", a desfazem o tecido da hist6ria humana, originam-se e nutrem-se
' Tradi~äo" etc. 0 rom8ntico näo teme as demasias do senti-
1
do mesmo fundo radicahnente pessimista que subjaz a ideologia
n;ento ne~ os riscos da ~nfase patri6t~a; "nem falseia de prop6- do determinismo. E o que ja fora verdade para os altissimos
s1to a reahdade, como anacronicamente se poderia hoje inferir: prosadores Schopenbauer e Leopardi, näo o sera menos para os
e a sua forma mental que esta saturada de proje,öes e idenrifica- estilistas consumados da segunda metade do seculo XIX, Flau·
'öes violentas, resultando-lhe natural a mitiza'ao dos temas que bert e Maupassant, Leconte de L'Isle e Machado de Assis.
escolhe. Ora, e esse complexo ideo-afetivo que vai cedendo a 0 Realismo se tingira de naturalismo, no romance e no con-
um processo de critica na literatura dita "realista". Ha um es- to, sempre que fizer personagens e enredos submeterem-se ao
for.;o, por parte do escritor anti-romäntico de acercar-se impes- destino cego das "leis naturais" que a ciencia da Cpoca julgava
soalmente dos objetos, das pessoas. E uma sede de objetividade ter codificado; ou se dira parnasiano, na poesia, a medida que se
que responde aos metodos cientificos cada vez mais exatos nas esgotar no lavor do verso tecnicamente perfeito.
U!timas decadas do seculo. Tentando abra'ar de um s6 golpe a literatura realista-naru-
Os mestres dessa objetividade seriam, ainda uma vez, os ralista-parnasiana, e uma grande mancha pardacenta que se alon-
franceses: Flaubert, Maupassant, Zola e Anatole, na fic~o; os ga aos nossos olhos: cinza como o cotidiano do homem burguCs,
parnasianos, na poesia; Comte, Taine e Renan, no pensamento cinza como a eterna repetir;äo das mecanismos de seu comporta·
e na Hist6ria. Ern segunda plana, os porrugueses, ~a de Quei- mento; cinza como a vida das cidades que ja entao se unificava
roz, Ramalho Ortigao e Antero de Quental, que travavam em em todo o Ocidente. E e a moral cinzenta do fatalismo que se
Coimbra uma luta paralela no sentido de abalar velhas estruru- destila na prosa de Aluisio Azevedo, de Rau! Pompeia, de Adol-
ras mentais. No caso excepcional de Machado de Assis, foi a fo Caminha, ou na poesia de Raimundo Correia. E, apesar das
busca de um veio humorlstico que pesou sobre a sua elei,aa de meias-tintas com que a soube temperar o g€nio de Machado, ela
leituras inglesas. - n,äo sera nos seus romances maduros menos opressora e
0 distanciamento do fukro subjetivo ( que ja se afirmava inapelavel.
na frase de Theophile Gautier: "sou um homem para quem o A coexistencia de um clima de ideias liberais e uma
mundo exterior existe") e a norma proposta ao escritor realis- arte existencialmente negativa pode parecer um paradoxo, ou, o
ta. A atitude de aceitafäo da existencia tat qual ela se da aos que seria mortificante, um erro de enfoque do historiador. Mas
sentidos desdobra-se, na cultura da epoca, em planos diversos o contraste estä apenas na superffcie das palavras: a raiz comum
mas complementares: <lessas direr;öes e a posi~äo incömoda do intelectual em face da
a) - no nlvel ideol6gico, isto e, na esfera de explica9io do
sociedade tal como esta se veio configurando a partir da Rev<>-
real, a certeza subjacente de um Fado irreverslvel cristaliza-se no Iu,äo Industrial. Agredindo na vida publica o status quo, ele e
determinismo (da ra,a, do meio, do temperamento ..• ); ainda um rebelde e um protestatd:rio, como o foram, entre n6s,
Rau! Pompeia, Aluisio Azevedo, Adolfo Caminha e o Machado
b) - no nlvel estetico, em que o pr6prio ato de escr~ver jovem; mas, introjetando-o nos meandros de sua consciCncia, rei-
e o reconhecimento impllcito de uma faixa de liberdade, resta ficando-o como lei natural e como sele,aa dos mais fortes, ele
acaba depositärio de desencantos e, o mais das vezes, conformis·
cioso uRoteiro para a historiografia do Segundo Reinado", pp. 185-193. ta. 0 apelo ao destino, recorrente em grandes naturalistas eu-
Para o aprofund.amento do problema s6cio-polftico, d. Oliveira Viana, 0 ropeus como Giovanni Verga e Thomas Hardy, deve ser visto
Octl!.o do !~ptrio, S. Paulo, Melhoramentos, 1925; Paula Beiguelman, For-- il luz dessa dialetica de revolta e impot€ncia a que tantas vezes
mtZfao Poltttca do Brasil: I. Teoria e A"än no Pensamento Abolicionista
S, Paulo, Pioneira, 1967. ' se tem reduzido a condi,äo do escritor no mundo contemporiineo.

186 187
A f!C<;~O uma natureza nervosa. ( •.. ) Fiz simplesmentc em dois corpos
O Realismo ficcional aprofunda a narra(äa de castumes can- vivos o trabalho analltico que os cirurgi5es fazem em cadavcrea"
tem pardneas da primeira metade do sfotlo XIX ( Stendhal, Bal- 'Prefacio a 2.• ed. de Therese Raquin, 1868).
zac, Dickens, Hugo) e de todo o st!culo XVIII ( Lesage, Dide- Enfim, Guy de Maupassant: " . • . se o romancista de on-
rot, Defoe, Fielding, Jane Austen ... ). Nas obras desses gran- tem escolhia e narrava as crises da vida, os estados agudos da
des criadores do romance moderno ja se exibiam poderosos dons alma e do cora'2o, o romancista de hoje escreve a hist6ria do
de observa,ao e de anilise, razao. pela qi'M niio se deve cavar um cora,ao, da alma e da inteligencia no estado normal. Para pro-
fosso entre elas e as de Flaubert, Maupassant, Verga, Thackeray duzir o efeito que ele persegue, isto e, a em°'"o da simples rea-
e Machado. Entsetanto, e sempre vilido dizer que as vicissitu- lidade, c para extsair o ensinamento artlstico que dela deseja ti-
des que pontuaram a ascensiio da burguesia durante o st!culo XIX rar' isto e, a revela,ao do que e verdadeiramcnte 0 bomem con-
foram rasgando os veus idealizantes que ainda envolviam a fic,iio tempodneo diante de seus olhos, ele devera empregar somcnte
rom~ntica. Desnudam-se as mazelas da vida publica e os contras- fatos de uma verdade irrecusavel e constante" ( Prefacio de Pier-
tes da vida Intima; e buscam-se para ambas causas naturais ( ra- re et Jean, 1887).
ra, clima, temperamenta) ou culturais ( meia, educaräo) que lhes Estseitado o horizonte das personagens e da sua inte~
reduzem de muito a area de liberdade. 0 escritor realista tomara nos limites de uma factualidade que a ciencia reduz as suas cate-
a serio as suas personagens e se sentira no clever de descobrir- gorias, o romancista acaba recorrendo com alta freqüencia
-lhes a verdade, no sentido positivista de dissecar os m6veis do aQ tipa e a situaräo tlpica: ambos, cnquanto slnteses do
seu comportamento. normal e do intelig!vel, prestam-se docilmente a compor
As afirma,oes dos realistas franceses, a prop6sito, sio o romance que se deseja imune a tenta~s da fantasia. .E
exemplares. de fato a configura,ao do tlpico foi uma conquista do Rcalis-
Flaubert: "Esfor,o-me por entrar no espartilho e seguir uma mo, u~ progresso da consciencia estetica em face do arbltsi? a
linha reta geometrica: nenhum lirismo, nada de reflex5es, au- que 0 subjetivismo levava 0 escritor romantico a quem nada llll·
sente a personalidade do autor" (Ca"espandencia, 1-2-1852). pedia de engendrar criaturas ex6ticas e enredos ioverossfmeis.
Jules e Edmond de Goncourt: "Hoje, quando o Romance Um dos crlticos mais sagazes do st!culo XIX, Francesco De
cresce e se amplia, quando ele come,a a ser a grande forma seria, Sanctis em fase madura de teoriza•iio literaria, ja pr6ximo do
apaixonada, viva, do estudo literario e da pesquisa social, quan- Realis~o concedeu a tipicidade um lugar de honra no sistema
do ele se torna, pela analise e pela sondagem psicol6gica, a His- das artes'. Nas suas li,oes sobre Dante, proferidas em Zuri~ue
t6ria moral contempodnea; hoje, quando o romance impös a si em 1858, De Sanctis insistia no grau estetico mais alto que o u.P?
mesmo os estudos e os cleveres da ciencia, ele pode reivindi- assume se comparado com a velha alegoria ou com a personif1-
car-lhes as Iiberdades e a franqueza" ( Prefacio a Germinie La- ca,ao, processos em que a figura do homem sumia por tras da
certeux, 1864). generalidade. E frisava:
Emile Zola: "Ern Therese Raquin, eu quis estudar tempe- O g&iero näo deve cncerrar-se majestosam.ente e~ si mesmo,
ramentos e niio caracteres. Ai esta o livro todo. Escolhi perso- Como um deus ocioso; deve transformar-se, tornar-sc ttpo. No g~
nagens soberanamente dominadas pelos nervos e pelo sangue, · nero demora a condi~o da poesia, no tipo esta o seu ~' o pn-
meiro surto da vida. Forma dpica C, por cxemplo, o Tasso de
desprovidas de livre-arb!trio, arrastadas a cada ato de sua vida Goethe e a Lia e a Raqucl de Dante. Raquel, que se assenta o dia
pelas fatalidades da pr6pria carne. ( ... ) . Com~a-se a com- inteiro C näo desvia jamais OS olhos de Deus, C mais do QUC uID
preender ( espero-o) que o meu objetivo foi acima de tudo um
objetivo cientlfico. Criadas minhas duas personagens, Therese e
l g!nero, menos que um individuo, e um tipo ( •.. ). Quando 0
pocta chega ao tipo, ja ultrapassou a forma didadca, a al~ •. a
personifica(äo, achando-se i' no mundo visfvel, condi~ pnm.cua
Laurent, dei-me com prazer a formular e a resolver certos pro- da poesia ( 135).
1.
blemas; assim, tentei explicar a estranha uniiio que se pode pro- ----Francesco De Sanctis, Le:äoni e Saggi su Dante, Torino, Einau-
,~
duzir entre dois temperamentos diferentes e mostrei as pertur- ( 135)
ba,5es profundas de uma natureza sangüfnea em contaro com di, 1955, pp. 588~89.

188 189

jl
Mas a argUcia do pensador italirno vai mais lange; porque A procura do tfpico leva, Ss vezes, o romancista ao caso e,
afirma a fun~äo mediadora do ·tipo, näo o d:i como etapa final, dal, ao patol6gico. Haved um reslduo romantico nesse vezo de
que e a pintura do individuo concreto: näo mais o "monstro", perscrutar 0 excepcional, 0 feio, 0 grotesco, e e mesmo lugar-co-
parto do caos, mas o cartiter pessoal ( int~liglvel enq.uanto tipo, mum apontar o romantismo latente em Zola, que sobreviveria
mas intuido esteticamente como homem smgular, frwdor da sua nas cruezas intencionais do Surrealismo e do Expressionismo. Na
pr6pria existencia). Pois, "na pessoa.., tfpica ainda domina a verdade, esse comprazim.ento em descrever situa~es h3bitos e
ideia sob a aparencia de individtlo". seres anömalos tem um lastto na cultura ocidental q~e ttanscen-
De Sanctis aportara ao Realismo depois de ter incorporado de as divisöes da hist6ria literaria. Trata-se de um fenömeno
a dialetica hegeliana de abstrato/concreto, universal/singular; e que s6 se compreende a luz de tensöes mais gerais entre 0 in-
gra~as a esse pensamento, que nunca supera sem conservar, pöd.e consciente e o consciente no quadro da nossa civiliz~o desde
entender o papel e os limites do tipo e ·da situa\iio tlpica sem a ruptura que a Idade Moderna operou com modos de pensar
enrijece-Ios no quadro da ciencia positivista. 0 niesmo ocorre, magicos ou sacros do Medievo europeu. Seja como for, a repul-
em nosso tempo, com a estetica realista de Georg Lukacs, q?e sa rnisturada de fasclnio que as culturas do Ocidente, a partir
entende o tipico na sua rela(äo entre a totalidade em que se m- da Renascenca, t~m experimentado pelo anömalo näo produziu
sere o escritor e as figuras singulares que inventa e artlcula na sempre os mesmos frutos. 0 escritor romantico eleva a fealda-
elabora\äo da obra ficcional ( 186 ). de a altura da beleza excepcional (Victor Hugo); o naturalista
julga "interessante" o patol6gico, porque prova a dependencia
( 136) Georg Luk9.cs, lntrodu~llo a uma Estetica Marxista. Sobre
do homem em relacäo a fatalidade das leis naturais. Mais uma
a Categoria da Particularid~d~, trad. de Carl?s Nelson 11 Couti~o e Lean- vez, a regra de ouro e a atencäo ao contexto, que impcde aqui
dro Konder Rio, Civ. Brasiletra, 1968; espeoalmente, 0 Tip1co: proble- de nos perdermos na seducäo anti-hist6rica dos arquetipos.
mas do con'teU.do", pp. 260-271, e "O Tipico: problemas da forma", pp. A mente cientificista tambem e responsavel pelo esvaziar-se
271-282. Lukiics define o dpico "encarnai;ä:o concretamente ardstica da
particularidade" (p. 261), e o distingue do 0 m~dio" em termos de ten· do Sxtase que a paisagem suscitava nos escritores romanticos. 0
säo: 0 Apresenta-se aqui a escolha: o modelo para a caracterizai;ilo artlstica que se entende pela preferencia dada agora aos ambientes urba-
deve ser a estrutura normal do tipico ou a do mldio? 0 princ1pio desta nos e, em nlvel mais profundo, pela nlio-identifica\lio do escritor
escolha implica, em resumo, no seguinte: se a forma da caracteriza~o par- realista com aquela vida e aquela natureza ttansformadas pelo
te da explicai;iio ao mhimo grau das determina~öes contradit6rias ( como
no dpico). ou se estas contradii;öes se debilitam entre Si, neutralizando-se Positivismo em complexos de normas e fatos lndiferentes a alma
reciprocamente (como no mCdio). Aqui nao mais se trata de saber sim· humana. Quem näo lembrara a atirude lirnite de Machado de
plesmente se uma dada figura C mCdia ou dpica, no que diz respeito ao Assis, dando a natureza um rosto de esflnge a perseguir o pobre
conteUdo de seu cara:ter, mas trata·se, ao contrS:rio, do mCtodo artistico Bras Cubas no seu delirio?
( acima indicado) da caracteriza~äo; ele possibilita - isto ocorre freqüen·
temente - que artistas de valor elevem um homem mCdio i. altura do Ern termos de constru\äo, houve descarnamento do proces-
dpico, colocanda.o em situar;Oes nas quais a contraditoriedade das suas de.- so expressivo, cortando-se as demasias romanescas de um Dickens
terminai;öes se manüesta näo como "equilfbrio" m~dio, mas como luta ~OS e de um Balzac e considerando-se ponto de honra näo lntervit
contratios, e apenas a vacuidade desta luta, a queda no torpor, caracterlZB
definitivamente a figura como figura mCdia.· 2 igualmente posslvel - isto
ocorre tambCm muito freqüentemente, sobretudo na arte mais recente - As distin~öes acima abrem caminho para a inteligCnda do valor, hu-
que a representai;ao do que C em si dpico seja rebaixada ao nlvel estru- mano e est~tico, que se pode atribuir i.s criacöes do romance, em. parti·
tural do que e mCdio, o que acontece quando a contraditoriedade das de- cu1ar do romance realista. Assim, certas personagens centrais da obra
terminai;öes nä:o C abandonada ao seu livre curso e os resultados sio i' machadiana, como Rubiäo e Capitu, embora possam, grosso modo, captar·sC
aprioristicamente estabe1ecidos. No primeiro 'Ca.SO, vcmos como a verda- nas redes gerais dos "tipos" ( o provinciano desfrut&vel e impression,vel;
de da forma, que desenvolve o seu contelldo medio de acordo com as a mocinha pobre e ambiciosa), nao poderiam jama!s apoucar-se ou enri-
proporr;öes da vida real, engendra movimento e vitalidade no que C em jecer-se como figuras 0 medias". montadas sob esquemas a priori; o que se
si r{gido; no segundo caso, vcmos que o modo da realizai;io formal na di, no entanto, com tantas "personagens" da fi~o naturalista: os prota-
representac;äo e muito mais pobre do que a realidade empfrica imedi.ata" gonistas de A Carne, de JUlio Ribeiro; de 0 Mission4rio, de Ing!&. de
(pp. 273-74). Sousa; de 0 Homem e 0 Coruia, de Alulsio Auvedo ..•

190 191
com a folVI dos pr6prios afctos na' mimese do real ( a poetica ma, depurada e s6bria, do precSrio em qne se resume toda a exis~
da impessoalidade). Isso niio' significa que o autor se ausentas.. tencia se espelharia no romance e no conto de Machado de Assis.
se, como queria polemicamente Flaubert, ou que de algum modo Assim, do Romantisma aa Realismo, hauve uma passagem
deixasse de projetar-se na elabora~iio da obra. 0 modo de for- do vago ao tfpico, da idealizante ao factual. Quanto a campo-
mar, diz Umberto Eco, revela o grau de empenho do. artista si~o, os narradares realistas brasileiros tambem pracuraram al-
em face da realidade {137 ): a estrutu111wiio "impessoal" ~o ro-
mance mostra, como j3 vimos,- ös sentimentos amargos e, via de
• can~ar maior coerCncia no esquema das epis6dios, que passaram
a s_er regidas niia mais par aquela sarabanda de caprichas que
regra, certo fatalismo, que pesavam sobre o esplrito de um Mau- •
1
faz1am das obras de um Maceda verdadeiras caixas de surpresa,
passant ou de nosso Machado. A tendencia de tudo centrar na mas por necessidades objetivas do ambiente (cf. 0 Missionario)
~
fatura indicava o retrair-se da concep~iio de realismo il esfera da au da estrutura moral das personagens {cf. Dom Casmurro ).
formatividade mimetica: o que era outra forma de dizer a impo-
tencia a que estavam relegados como homens diante do todo so-
~ Nem sempre, parem, a abediencia aos prindpios da escala impe-
diu desvias melodramaticos au distor~öes psical6gicas grosseiras
cial. E nada melhor para explicar ou justificar essa impotencia {0 Homem, 0 Livro de uma Sogra, de Aluisio; A Carne, de
do que o ferreo determinismo, filosofia ·oficial desses anos em JU!io Ribeiro). De um mado geral, contudo, a prosa de fic\iia
todo o Ocidente. ganhou em sabriedade e em rigor analltico com o adventa da
nova ,disciplina.
0 determinismo reflete-se na perspectiva em que se movem
os narradores ao uabalhar as suas personagens. A pretensa neu- Nos fins do seculo XIX e nas primeiras decadas da nasso,
ualidade niio chega ao ponto de ocultar <! fato de que o autor came~a a hipertrofiar-se a gösto de descrever por descrever, em
carrega sempre de tons sombrios o destino das suas criaturas. prejufza da seriedade que norteara o primeiro tempo do Realis-
Atente-se, nos romances desse periodo, para a galeria de seres mo. Ornamental em Coelha Neto, banalizado em Afrania Pei-
distorcidos ou acachapados pelo Fatum: o mulato Raimundo, a xoto, esse estilo epigOnico ir:i corresponder ao maneirismo ultra-
negra Bertoleza, Pombinha, o "Coruja", de Aluisio A2evedo; Lu- parnasiano da linguagem belle epoque, para a qua! concorreria
zia-Homem, de Domingos Ollmpio; Sergio, de Rau! Pompeia; os niio pouco a aficializa~iio das letras operada pelo esplrito que pre-
protagonistas de A Normalista e de 0 Bom Crioulo, de AdoHo sidiu a funda~äo da Academia em 1897. E contra essa rotina
Caminha; Padre Antonio, de Ingles de Sousa .. _ que reagiriio Lima Barreto, o ultimo das realistas do perfodo, e,
Neles espia-se o avesso da tela romantica: Macedo e Alen- naturalmente, os modernos de 1922.
car faziam passear as suas donzelas nas matas da Tijuca ou nos
bailes da Corte; Alufsio niio sai das casas de pensiio e dos cor-- Machado de A1181s
ti~s. 0 sertanejo altivo de Alencar niio sofria das miserias que
nos descrevem A Fome, de Rodolfo Te6filo, e Luzia-Homem, 0 ponto mais alto e mais equilibrada da prosa realista bra-
de Domingos Ollmpio. Os costumes regionais, tiio castos em sileira acha-se na fic~iio de Machado de Assis {138).
Taunay e em T3vora, tornar-se-äo 1icenciosos na selva amazO..
nica, a ponto de transviar o missiarnfrio de Ingles de Sousa. A (13&)_ JoAQUIM MARIA MACHADO DE Ass1s (Rio, 1839-1908). Nas-
adolescencia, fagueira e pura na pena de Macedo, conheced a ceu no Morro do Livramento, filho de um pintor mulato e de uma lava-
tristeza do vfcio precoce no Bom Crioulo, de Caminha, e na deira ai;oriana. örfäo de ambos muito cedo, foi aiado pela madrasta, Ma-
ria Ines. Ja na inf.lncia apareceram sintomas de sna fr&gil compleii;üo ner-
Carne, de JU!io Ribeiro, sem contar as angüstias sexuais da pu- vosa, a epilepsia e a gaguez, que o acometeriam a espai;os durante tada
berdade que latejam no Ateneu, de Rau! Pompeia. Mas a su- a vida e lhe deram um feitio de ser reservado e tCmido. Aprcndidas av
primeiras letras numa escola pllblica, recebeu aulas de francCs e de latin„
de um padre amigo, Silveira Sarmento; mas foi como autodidata quc cons-
( 137) Cf. na edic;äo brasileira de Obra Aberta, S. Paulo, Ed. Pers· truiu sua vasta cultura liter&ria que inclufa autores menos lidos no tem-
pectlva, 1968~ o ensaio "Do modo de formar como cugajamento para com po como Swift, Sterne e Leopardi. Aos dezesseis anos, entrou na Im-
prensa Nacional como tif>Ografo aprendiz; aos dezoito, na editara de Pau-
1

a rcalidade", pp. 2Zl.:n7.

192 ! 19)
Ia Brito para cuja revistinha, A !Jarmota compös seus primeiros versos.
Pouco depois. e admitido. a redac;~o~ d? Correio.·~ercantil. Trava con1;te-
cimento com alguns escntores romanticos: Castmtro de Abreu, Joaqutm
Manuel de Macedo, Manuel Antönio de Almeida, Pedro Luis e Quintino
BocaiUva. Este o introduz, cm 60, no DiOrio do Rio de Janeiro para o
qual resenhar.3. os debates do Senado usando de linguagem sarcastica em
fun\:äo de um ardente liberalismo. Na dCcada de 60 escreve quase todas
as suas comCdias (v. t6pico TEATRO) e os--.versos ainda rominticos das
'
1

1
em 1898), 3.• ed., Rio, Jo~ Olympio, 1940; Jose Verlssimo, Estudos de
Uteratura Brasileira. 6.• sCrie, Rio, Gamier, 1907; Oliveira Lima, "Macha-
do de Assis et son ocuvre littCraire", no volume do mesmo nome, com
prcf&cio de Anatole France e um estudo de Victor Orban, sa1do em Pa-
ris, pela Ed. Louis Michaud, em 1909; Mirio de Alencas, AJgunr Escri-
tos, Rio, Garnier, 1910; Alcides Miia, Machado de Assis. Algumas Notas
sobre o Humor, Rio, Jacinto Silva, 1912; 2.• ed., pela Academia Brasilei·
ra de Letras, 1942; JosC Verissimo, "Machado de Assis", na Hist6ria da
CrirOlidas (64). Aos trinta· anoS dt! idade casa-se com uma senhora por- 1 Literatura Brasileira, Rio, Francisco Alves, 1916; AHredo Pujol, Macbado
tuguesa de boa cultura, Carolina Xavier de Novais, sua companheira afe- de Assis, S. Paulo, Tipogr. Brasil, 1917; Gra~ Aranha, MachaJo de Assis
tuosa ate a morte e que lhe iria inspirar a bela figura de Dona Carmo do e ]oaquim Nabuco. Comenttirios e Notas a Co"espondencia entre Estes
Memorial de Aires. Ja amparado por uma carreira burocr3tica, primeiro
no Di<irio Oficial ( 1867-73) e, a partir de 74, na Secretaria da Agricultu-
ra, o escritor pöde entregar-se livremente a sua voca~o de ficcionista. De
j Dois Escritores, S. Paulo, Monteiro Lobato, 1923; Agripino Gricco, Evo-
lu,äo da Prosa Brasileira, Rio, Ariel, 1933; M.3.rio Casassanta, Machado
de Assis e o Tedio a Controversia, Belo Horizonte, Os Amigos do Livro,
70 a 80, aparecem Contos Fluminenses (70), Ressurrei,äo (?2). H!st6rias 1934; Viana Moog, Her6is da Decadencia, Rio, Guanabara, 1934 (2.• ed.,
da Meia-Noite (73). A Mäo e a Luva (74), Helena (76), Iaza Garcuz, con- Porto Alegre, Globo, 1939); Augusto Meyer, Machado de Asrir, Porto
tos e romances inexatamente chamados da "fase romS.ntica", quando melhor Alegre, Globo, 1935 (2.• ed., Rio, Simöes, 1956); Lucia Miguel-Pereira,
se diriam "de compromisso" ou "convencionais". ~m alguns poemas que Machado de Assis. Est11do Crltico e BiogrQfico, S. Paulo, Cia. Ed. Nacio-
enfeixaria nas Ocidentais e sobretudo a partir das Mem6rias P6stumas de nal. 1936; 5.• ed., Rio, Jose Olympio, 1955; Peregrino Jr., Doenfa e
BrOs Cubas ( 1881), o escritor atinge a plena maturidade do seu r~alismo Constituifäo de Machado de Asrir, Rio, Jose Olympio, 1938; Olivio Mon-
de sondagem moral que as obras seguintes iriam confirmar: Hist6riqs sem tenegro, 0 Romance Brasileiro, Rio, J. Olympio, 1938; Revista do Bra-
Data (84), Quincas Borba (92), VOrias Hist6rias ( 96), POginas Recolhi- sil, NUmero dedicaJo a Machado de Assis, junho de 1939; Astrogildo Pe-
dar ( 99), Dom Casmurro (1900), Esau e Jac6 ( 1904), Reliquiar da Cara rcira, Interpre/Qföes, Rio, Casa do Estudante do Brasil, 1944; Aftinio
Velha (1906). Considerado nos fins do sf!culo o maior romancista bra- Coutinho, A Filosofia de Machado de Assis, Rio, Vecchi, 1940; Mario de An-
sileiro, foi um dos fundadores e primeiro presidente da Academia Brasi- drade, Aspectos da Literatura Brasileira, Rio, Americ-Ed.it. s. d.; Sf!rgio Buar-
leira de Letras, animou a excelente Revista Brasileira, promoveu os poetas que de Holanda, Cobra de Vidro, S. Paula, Martins, 1944; Augusto Meyer,
parnasianos e estreitou relai;öes com os melhores intelectuais do tempo, de A Sombra da Estante, Rio, Jose Olympia, 1947; Barreto Filho, Introdu-
Verissimo a Nabuco, de Taunay a Graca Aranha. Näo obstante essa fäo a Machado de Arsis, Rio, Agir, 1947; Bezerra de Freitas, Form• e
ativa sociabilidade no mundo literario, ficaram proverbiais a fria compos- Expressäo no Romance Brasileiro, Rio, F°ongetti, 1947; EugCnio Gomes,
tura pessoal e o absentelsmo politico que manteve oos anos derradeiros: Espelbo contra Espelho, S. Paulo, Ipe, 1949; LUcia Miguel-Pereira, Pro-
atitude paralela a anatise corrosiva a que vinha submetendo o homcm em '° de Ficfiio, de 1870 a 1920, Rio, Jose Olympio, 1950; Eugenio Gomes,
sociedade desde as Mem6rias P6stumas. 0 Ultimo romance, mais "diplo- .Prata de Casa, Rio, A Noite. 1953; Raimundo Magalhiies Jr., Machado
m<itico", Memorial de Aires (1908), foi escrito ap6s a morte de Carolina, de Arsis Desconhecido, Rio, Qviliza~o Brasileira, 1955; Brito Btoca, Ma·
a quem pÜuco sobreviveu. Machado de Assis morreu vitimado por uma
Ulcera cancerosa, aos sessenta e nove anos de idade. Na Academia coube .,1 chado de Assis e" PolltictJ e Outros Estudos, Rio, Simöes, 1957; Auguste
Meyer, Machado de Assis, 1935-1958, Rio, Livraria Sao Jose, 1958; Wil-
ten Cardoso, Tempo e Mem6ria em Machado de Arsis, Belo Horizonte,
a Rui Barbosa fazer-Ihe o elogio fllnebre. Outras obras: Falenas (1870),
Americanas (1875}, Poesias Completas (1900). P6stumas: Outras Reli- Estab. Graf. Sta. Maria, 1958; Eugenio Gomes, Machado de Asrir, Rio,
quiar (1910), Critica (1910), Novas Reliquiar (1922), Correspondencia '1 Llvr. S. Jose, 1958; Revista do Livro, Numero dedicado a Machado de
de M. de A. com Joaquim Nabuco (1923), A Semana (1914), Cr/inicas Asrir, Rio, sctembro de 1958; R. Magalhäes Jr., Ao Redor de Machado
(1936), Critica Teatral (1936), Critica Literaria (1936). A partir de 1956 de Asris. Rio, Civ. Bras., 1958; Dircc Cortes Riedel, 0 Tempo no Roman-
o historiador Raimundo Magalhäes Jr. vCrn publicando pela Ed. Civiliz.a- 1 ce Machadiano, Rio, Livr. S. Jose, 1959, Agripino Grieco, Machado de
~äo Brasileira contos e crönicas de Mach3do que andavam esparsos em Assir, Rio, Jo~ Olympio, 1959; Astrojildo Peseira, Machado de Asris,
jornais e revistas: Cantos Recolhidos, Cantos Esparsos, Contos sem Data, 1 Rio, Llvraria S. Jose. 1959; Miecio Tati, 0 Mundo de Machado de Asris,
Cantos Avulsos, Cantos Esquecidos, Cantos e CrOnicas, Crdnicas de Ulio. Rio, secretaria de Educa~o e Cultura, 1961; AntOnio C4ndido, Varios
V. tambem., Poesia e Prosa, aos cuidados de J. Galante Sousa, Rio, Civ. 1
Escritos, S. Paulo, Duas Cidades, 1970; Jean-Michel Massa, A Juventude
Bras., 1957. A Ultima edi~ao de Obras Completas e a da Ed. Aguilar, de M. de Assis, Rio, Civ. Brasileira, 1971; Raimundo Faoro, M. A., a pirli.-
em 3 volumes (Rio, 1959). mide e o trapezio, S. Paula, C. E. Nacional, 1974; Roberta Schwarz, Ao
Sobre Machado de Assis: Jose Vedssimo, Estudos Brasileiros, II, Rio, vencedor as batatas, S. Paula, Duas Cidades, 1977.
Laemmert, 1894; Silvio Romero, Machado de Assis. Estudo Comparati- . Bibl~ografia~: Jose ~te de Souza, Bibliografia de Machado de
vo de Literatura Brasileira, Rio, Laemmert, 1897; Labieno (Lafayette Ro- Asszs, Rto, Instttuto Nac1ona1 do Livro, 1955; Fontes para o Estudo de
drigues Pereira). Vindiciae. 0 Sr. Silvio Romero, Critico e Fü6sofo (escr. Machado de Assir, Rio, I.N.L., 1958; Jean-Michel Massa, Bibliographie
descriptive, analytique et critique de Machado de Assis, 1957-58, Rio, Li-
194
19J
vraria Säo Jose 1965. Este UltiAJ.O tra~ho e o IV de uma serie que original da existencia operada pelo homem que, sc havia muito
J.-M. Massa pre~ende publicar abrangendo toda a bibliografia machadiana. perdera as ilusiies, ainda näo encontrara a forma ficcional de des-
nudar as pr6prias criaturas, isto e, ainda näo aprendera o manejo
O seu equilibrio näo era o goerheano - dos fortes e dos fe- do distanciamento. Quando o romancista assumiu, naquele li-
lizes, destinados a compor hinos de gl6ria a natureza e ao tempo; vro capital, o foco narrativo, na verdade passou ao defunto au-
mas 0 dos homens que, sensiveis a mesquinhez humana e a sorte tor Machado-Bras Cubas delega,äo para exibir, com o despejo
precaria do individuo, aceitam ppr firn ~a e outra como heran'a dos que ja nada mais temem, as pe>as de cinismo e indiferen>•
inalienavel, e fazem delas alimento de sua reflexäo cotidiana. com que via montada a hist6ria dos homens. A revolu,iio des-
O Machado que se indignara, quando jovem cronista libe- sa obra, que parece cavar um fosso entre dois mundos, foi um.a
ral, ante os males de uma politica obsoleta ( 139 ), foi mudando revolu,äo ideol6gica e formal: aprofundando 0 desprezo as idea-
nos anos de maturidade o sentido do combate, e acabou abra- liza,öes 'romanticas e ferindo no cerne o mito do narrador onis-
-;ando como fado eterno dos seres o convivio entre egoismos, ate ciente, que tudo ve e tudo julga, deixou emergir a consciencia
assumir ares de sabio est6ico na pele do Conselheiro Aires. nua do indivlduo, fraco e incoerente. 0 que restou foram as
Quer dizer: veio-lhe sempre do espirito atilado um näo ao mem6rias de um homem igual a tantos outros, o cauto e desfru-
convencional, um näo que o tempo foi sombreando de reservas, tador Bds Cubas.
·de mas, de talvez, embora permanecesse ate o firn como espinha Depois das felizes observa,öes de Lucia Miguel~Pereira ( 140 ),
dorsal de sua rela~o com a existencia. A genese dessa posi>äo ja nao se pode ignorar o vinco "machadiano" das obras ditas ro..
que vela as nega,öes radicais com a linguagem da ambigüidade, mänticas au da primeira fase: em oposi~äo aos ficcionistas que
interessa tanto ao soci6logo ao pesquisar os problemas de classe faziam a apologia da paixäo amorosa como unico m6vel de con-
do mulato pobre que venceu a duras penas, como ao psic6logo duta, o autor de A Mäo e a Luva e de Iaia Garcia, transvestindo o
para quem a gaguez, a ~pilepsia e a conseqüente timidez do es- problema pessool em personagens femininas, defende a ambi>äo
critor säo fatores que marcaram primeiro o rebelde, depois o de mudar de classe e a procura de um novo status, mesmo a
funcion<irio e o academico de not6ria compostura. Creio que custa de sacrificios no plano afetivo. A etica ainda idealista que
nada se ganha omitindo, por e?'cesso de purismo estftico, . as preside a esses enredos nao esbate, porfm, a enfase posta em si-
for,as objetivas que compuseram a situaräo de Machado de Assis: ~ua\öes onde logra exito 0 c3lculo, "a fria elei~ao da espfrito",
elas valem como o pressuposto de toda analise que se venha a como diz Guiomar em A Mäo e a Luva.
realizar do tecido de sua obra. Mas, em ultima instäncia, foi a E tambem verdade que os romances iniciais nos parecem
maneira pessoal de Machado-artista responder a essa situa,äo de fracos mesmo para o nivel de consciencia critica do autor na
base, dada, que explica muito do que ja se disse a respeito do epoca de redigi-los. E de 1878 a cerrada resenha do Prima Ba-
humor, do micro-realismo, das ambivalencias, da oculta sensua- silio de E,a, que nos da um Machado senhor de criterios segu-
lidade, das reitera~es, do ressaibo vernaculizante, da fatura bi- ros para a aprecia,äo da coerencia moral de personagens que
zarra de alguns trechos seus e, atf mesmo, daqueles "sestros pue- 11
ele ainda näo soubera plasmar. Mas livros como A Mäo e a Lu-
ris" que Ihe descobrira, irritado, Lima Barreto ao negar que o
tivera jamais por mestre de ironia .... , j va e I aitl Garcia tiveram um significado preciso na hist6ria do
romance brasileiro: alargaram a perspectiva do melhor Alencar
E tambem a visiio da obra machadiana em dois momentos, urbano no sentido de encarecer o relevo do papel social na for-
cujo divisor de <iguas seriam as Mem6rias P6stumas de BrOs 1

ma~äo da "eu„, papel que vem a ser aquela segunda natureza,


Cubas, compreende-se melho~ se atribuida a uma reestrutura~ao considerada em Iaia Garcia "täo legltima e imperiosa como a
( 189) "De um ato do nosso Governo s6 a China podera tirar Iic;ä:o. outra".
Nao e desprezo pelo que e nosso, nä:o e desdem pelo meu pafs. 0 pafs 0 roteiro de Machado ap6s a experiencia dos romances ju-
real, esse e bom, revela os melhores instintos; mas o pais oficial, esse e venis desenvolveu essa linha de analise das mascaras que 0 ho-
caricato e burlesco. A satira de Swift nas suas engenhosas viagen.s ca-
be•nos perfeitamente. No que respeita a politica nada temos a invejar
ao reino de Lilipute" (Ditlrio do Rio de Janeiro, 29-12-1861). ( 140) Ern Machado de Assis, cit„ cap. XI.

196 197
mem afivela a consciencia tä0Jirme111ente quc acaba por idcnti- Uma lnvisfvcl milo as cadeias dilui;
ficar-se com elas. Frio, inerte, ao abismo um corpo morto rui:
Acabara o sacriffcio e acabara o homem.
O salto qualitativo das Mem6rias P6stumas foi lastreado por
alguns textos escritos entre 1878 e 1880, verdadeiro intr6ito a
Enfim, a desforra do homem contra a Natureza e o gosto
prosa desmistificante do defunto-autor: o anticonto "Um cao de de destruir que sela o inferno da condi~äo humana säo os moti-
lata ao rabo", par6dia e liqüida~äo dos ~digos "asmaticos e anti- vos dos melhores poemas das Ocidentais, "Suavi mari magno„
teticos" que se perpetuavam com os Ultimos condores.; o dialogo
e "A mosca azul"; e jS que foi preciso citar versos pouco felizes,
"Filosofia de um par de botas", em que as classes e os ambien· leiam-se agora estes, merecidamente antol6gicos:
tes do Rio imperial estäo vistos por baixo e em tom de galhofa,
pois säo velhas botas lan~adas a praia que contam as andan~as Era uma mosca azul, asas de ouro e granada,
dos antigos donos ate serem recolhidas por um mendigo; o "Elo- Filha da China ou do lndustäo,
gio da Vaidade", feito por ela mesma, embriiio da psicologia ex- Que entre as folhas brotou de uma rosa encarnada,
plorada nas Mem6rias, alem de conjunto de finos retratos mo- Em certa noite de veräo.
rais a La Bruyere. Enfim, a passagem de uma fase a outra en- E zumbia e voava, e voava, e zumbia,
tende-se ainda melhor quando lidos alguns poemas das Ociden- Refulgindo ao claräo do sol
tais, ja parnasianos pelo s6brio do tom e pela preferencia dada E da lua - melhor do que refuigiria
as formas fixas: em "Uma Criatura", em "Munda lnterior" e Um brilhante do Grio-Mogol.
no celebre "Cfrculo Vicioso", uma linguagem composta e fatiga-
da serve il expressäo de um pessimismo c6smico que toca Scho- Um polei que a viu, espantado e tristonho,
penhauer e Leopardi pelo retorno ao mito da Natureza madras- Um polea lhe perguntou:
ta ( imagem central no "Deürio" de Bras Cubas): "Mosca, esse refulgir, que mais parece um sonho,
Dize, quem foi que to ensinou?"
Sei de uma criatura antiga e formidavel,
Que a si mesma devora os membros c as entranhas
Com a sofreguidäo da fomc insaci3vel. „
i Entäo ela, voando e revoando, disse:
- "Eu sou a vida, eu sou a flor

Na irvore que rebcnta o seu primeiro gomo


l Das grat'15, o padrio da eterna meninice,
E mais a gl6ria, e mais o amor."
..........................................
Vcm a folha, que lcnto e lento se desdobra,
Depois a flor, depois o suspirado pomo Entäo ele, estendendo a mäo calosa e tosca,
Afeita s6 a carpintejar,
Pois essa criatura csta em toda a obra: <:om um gesto pegou na fulgurante mosca,
Cresta o seio da flor e corrompe-lhe o fruto; Curioso de a cxaminar.
E C desse destruir que as suas for~as dobra.
Quis ve-Ia, quis saber a causa do misterio.
Ama de igual amor o poJuto c o impoluto; E fechando-a na mio, sorriu
L.om~ c recom~ uma perpCtua hda,
De contente, ao pensar que all tinha um impttio•
.h sornndo obedece ao divmo· estatuto. E para Cll$8 se partiu.
l'u dulis que e a Morte: eu duCI quc e a vida ( Uma Criatura).
Alvo~o chega, cxamina, e parece
Nos sonecos de "O Desfecho", a desesperan"' vira um pro- Que se houve nessa ocup~o
meteismo as avessas: Miudamente, como um homem que quisessc
Dissecar a sua ilusäo .
.Prometeu sacudiu os bra~s manietados
E sUplice ped.iu a eterna compaixäo, Dissecou-a, a tal ponto, e com tal arte, que ela,
Ao ver o desfilar dos skulos que väo Rota, ba~. nojenta, vil,
Pa.usadamente, como um dobre de finados. Sucumbiu; e com isto esvaiu-se-lhe aquela
VISio fantistica c suti.l.

198 199
Hojc, quando elc al vai, <)$, 8loc c cardamomo ceira, observar com aten,äo o amor-pr6prio dos homens e o ar-
Na cab~. coni" ar tafftl,
Dizem que cnsandeceu, c quc nä:o sabe como bltrio da fortuna para reconstruir na fic,äo os labirintos da rea-
Perdeu a sua mosca azul. lidade. Pois, se a reflexiio se extraviasse pelas veredas da cien-
cia pedante do tempo, adeus aquele humor de Macbado que jo-
Foi esse o esplrito com que Machado se acercou da matC- ga apenas com os signos do cotidiano ...
ria que iria plasm:ar nos romances e contos da maturidade: um
permanente alerta para que nad~ de piel;as nada de enfatico nada Sem especular sobre o passive! alcance metafisico do bumor
de idealizante se pusesse entre o criador e' as criaturas. O mane- e aceitando, para hip6tese de trabalho, a defini,äo que lhe deu
j? do distan:ia~ento abr~-se nas Mem6rias P6stumas que, pela Pirandello, de "sentimento dos contrastes" ( enquanto o cömico
r1qu:~a. de tecn1ca~ ~~per1mentadas, ficou sendo uma espffie de
viria da simples percep,äo destes)' e passive! rastrear, a partir
breviar10 das poss1b1hdades narrativas do seu novo modo de co- das Mem6rzas P6stumas um processo de inversäo parodfstica
1

nhecer o mundo. Foi nesse livro surpreendente que Machado dos c6digos tradicionais que o Romantismo fizera circular duran-
descobriu, antes de Pirandello e de Proust, que o estatuto da te quase um seculo. Quem diz de uma paixiio de adolescente
personagem na fic,äo näo depende, para sustentar-se da sua fi- que "durou 15 meses e 11 contos de reis"; ou do espanto de
xidez psico16gic,:i, nem da sua conversiio em tipo; e ~ue o regis- um injusti\ado que "caiu das nuvens", convindo em que e sem-
pre _melhor cair delas que de um terceiro andar; ou ainda, da
tr~ das sensa,oes e dos estados de consciencia mais dlspares
fatutdade que "e a transpira~äo luminosa do merito", esta na
ve1cula de mo~o exemplar algo que esta aquem da persona: o
verdade operando, no cora,äo de uma linguagem feita de luga-
contlnuo da ps1que humana. Dai, a estrutura informal e aberta
res-comuns, uma ruptura extremamente fecunda, pois, rofda a
de.ssa .nova experiCn~ia na;rativa, tecido de lemhran~as casuais,
casca dos habitos expressivos, o que sobrevem e uma nova for-
fazt dzvers e cort~ digress1vos entre banais e dnicos da persona-
gem-autor, que nao transcende nunca a "filosofia" do bom sen-
ma de dizer a rela,äo do homem com o outro e consigo mesmo.
E, de fato, da pesquisa bem lograda das Mem6rias salram duas
so burgues congelada pela condi,äo irreversivel de defunto. Uma
cons7qüencia notavel para o miolo ideol6gico do romance e que obras-primas que deram a Machado de Assis um relevo na his-
t6ria do romance a altura de seus mestres europeus, Quincas
a urudade, 1'.'as~arada pe!a dispersäo dos atos e das palavras, ul-
trapassa os md1vfduos e acaba fixando-se em "nfveis impessoais: Borba e Dom Casmurro.
a socze~ade e as forr;as do inconsciente. Deslocapo, assim, o pon- · Ern Quincas Borba recupera-se a narra,äo em terceira pessoa
to de v1sta, um velho tema como o triangulo amoroso ja näo se para melhor objetivar o nascimento, a paixäo e a morte de um
carregara do pathos rom~ntico que envolvia her6i-heroina-o ou- provinciano ingenuo. Rubiäo, herdeiro improvisado de uma
tro, i;i~s dei~ara. vir 3. tona OS mil e um interesses de posii;äo, grande fortuna, cai nos la\'OS de um casal ambicioso; a mulher,
prestig10 e dmhe1ro, dando a batuta a libido e a vontade de po- a ambigua Sofia, vendo-o rico e desfrutavel, da-lhe esperan,as,
der gue mais profundamente regem os passos do homem em so- mas se abstem cautelosamente de realiza-las ao perceber no apai-
ciedade. Da hist6ria vulgar de adulterio de Bras Cubas-Virgf- xonado tra,os de crescente loucura. Ern longos ziguezagues se
ma-Lobo Neves a triste comedia de equivocos de Rubiäo-Sofia- väo delineando o destino do pobre Rubiäo e a vileza bem com-
-Palha ( Quincas Borba), e desta a trage.dia perfeita de Bentinho- posta do mundo onde triunfam Sofia e o marido; e nao sei de
-Capau-Escobar ( D. Casmurro) s6 aparecem variantes de uma quadro mais fino da sociedade burguesa do Segundo Reinado do
s6 e mesma lei: näo ha mais her6is a cumprir missöes ou a afir- que este, composto a modo de um mosaico de atitudes e frases
mar a pr6pria vontade; ha aponas destinos, destinos sem grandeza. do dia-a-dia. Desse mundo e expulso com met6dica dureza o
louco, o pobre, o diferente. As ultimas paginas do romance, con-
Machado teve mäo de artista bastante leve para näo se per-
tando o firn do nosso anti-her6i nas ladeiras de Barbacena, tra-
der nos determinismos de ra,a ou de sangue que presidiriam
zem na sua simplicidade patetica o selo do genio.
aos enredos e estofariam as digressöes dos naturalistas de estrei-
ta observancia. Bastava ao criador de Dom Casmurro como aos Dom Casmurro faz voltar o estilo das mem6rias, quase p6s-
moralistas franceses e ingleses que elegeu como leiW:a de cabe- tumas: "O meu fim evidente era atar as duas pontas da vida e

200 201
restaurar na velhice a adolescCncia ...... Pois, senhor, näo consegui Nem 6dio ncm amor. U-sc, em Esati e Jac6, uma confis-
recompor o que foi nem o que fui .. Eu rudo, se o rosto e igual, säo de fatalismo que explica a indifcren~ professada nas frascs
a fisionomia e diferente. Se s6 me faltassem OS outros, va; um acima: "Näo se luta contra o destino: o melhor e deixar que nos
homem consola-se mais ou menos das pessoas que perdc; mas pegue pelos cabelos e nos arraste ate onde queira al~ar-nos ou
falto eu mesmo, e esta lacuna e rudo" ( Cap. II). Falta o ado- dcspenhar-nos_"
lescente Bentinho que, traido pela mulher amada e pelo melhor Menos do que "pessimismo" sistemS:tico, melhor seria ver
amigo, virou Dom Casmurro. Na verdade, um romance de Ma- como suma da filosofia machadiana um sentido agudo do rela-
• chado näo se deve resumir: e ~omo faze-lo se o que neles im- tivo: nada valendo como ahsoluto, nada merece o empenho do
porta näo e 0 fato cm si, mas a constela~äo de inten~ c de res- 6dio ou do amor. Para a antimetaflsica do ceticismo, a moral
sonancias quc o envolve? Ainda que Capiru näo houvcsse co- da indiferen~.
metido o adulterio ( e o romance näo da nenhuma prova deci- 0 itinerario das duvidas em Machado de Assis esta marca-
siva), rudo ncla cra a possihilidade do engano, desde os olhos do por alguns contos admiraveis, todos escritos depois das Me-
de ressaca ohl!quos e dissimulados, que se deixavam estar nos m6rias: "O Alienista", quase novela pela sua longa seqüencia
momentos de raiva "com as pupilas vagas e surdas", ate 8s mes- de sucessos, e um ponto de interroga~äo acerca das fronteiras en-
mas ideias que ja em menina se faziam "habeis, sinuosas, sur- tre a normalidade e a Ioucura e resulta em crltica intema ao cien-
das, e alcan~avam o firn proposto, näo de salto, mas aos salti- tismo do seculo; "0 Espelho" leva a corrosäo da suspeita ao
nhos". 0 romance näo padece do ritmo arrastado que em Quin- ämago da pessoa, mostrando exemplarmente como o papel so-
cas Borba täo bem se apegava ils idas e vindas de Rubiäo na sua cial e os seus slmbolos materiais ( uma farda de Alferes, por
lenta trajet6ria para a loucura e o abandono. A hist6ria de Ben- exemplo) valem tanto para o eu quanto a classica teoria da uni-
tinho e Capiru dispöe de narra~o mais encorpada; e o gosto de dade da alma; "A Serenlssima Republica", alegoria pol!tica em
marcar as personagens secundarias, como o tipo superlativo do torno dos modos de resolver ou de näo resolver o problema da
agregado Jose Dias, da-lhe um ar de romance de cosrumes que distancia entre o Poder e o Povo; "0 Segredo do Bonzo", apo-
nio destoa das referencias precisas que nele se fazem a atmos- logia da ilusäo como ilnico bem a que aspiram as gentes. E
fera e aos padröes familiares do Rio nos meados do seculo. haveria outros contos a citar, ohras-primas de desenho psicol6-
A atmosfera e os padröes continuaräo presentes nos Ultimos gico ("Dona Benedita", "A Causa Secreta", "Trio em La Me-
romances, Esau e ]ac6 e Memorial de Aires, em que ja se con- nor") e de sugestäo de atmosferas ("Missa do Galo", "Entre
sumou o maneirismo de um Machado clissico, _igual a si mesmo, Santos").
cada vez mais propenso a dissolvcr em meias-tintas e ironias pai- A fic>äo machadiana consurut, pelo equillbrio formal que
xäo e enrusiasmo: a figura absolutamente machadiana do Con- atingiu, um dos caminhos permanentes da prosa brasileira na
selheiro Aires, que une os dois romances, remata em postura es-- dire,äo da profundidade e da universalidade. Mas näo deve ser
t6ica a serie dos desenganados aberta por Bras Cubas: transformada em ldolo; isso näo conviria a um autor que fez da
literarura uma recusa ass!dua de todos os mitos.
Eu, sc fosse capaz de 6clio -- diz o Consdheiro - era assim
que odiava; mas cu nio odeio nada nem ningu6n, - perdono 11
tutti, como na 6pera.
Raul Pompeia
E falando de uma mulher capaz de inspirar amor: "Nio Rau! Pompeia ( 141 ) partilhava com Machado o dom do me-
pensei logo em prosa, mas em versa, e um versa justamente de morialista e a finura da observa>äo moral, mas no uso desses do-
Shelley, que relera dias antes, em casa, tirado de uma das suas
estancias de 1821: ( t4t) RAuL D'AVILA PoMPEIA (Angra d~s. Reis, Prov. do Rio de
Janeiro, 1863 - Rio, 189?): Estudou _no ~I:gio Ped!° II e bachare-
1 can give not what men call love. lou-se pela Faculdade de Dire1to de Rec1fe; 1n1c1ara, porem, seu curso em

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tes deixava atuar uma tal carga d~ passionalidade que o estilo limiar da literatura de confidencia e evasäo que marcou quase
de seu unico romance realizaao, 0 Ateneu, mal se pode definir, toda a prosa romantica. Mas ela vai alem da praj°'äo: temati-
em sentido estrito, realista; e se j3 houve quem o clissesse im- za os escuros desväos da mem.6ria em torno de ambientes, cenas,
pressionista, afetado pela plasticidade nervosa de alguns retratos personagens, e molda as estruturas obtidas no nivel da palavra
e ambienta~öes, por outras razöes se poderiam nele ver tra~os descritiva, narrativa, dialogada. A distancia que vai da vida a
expressionistas, como o gosto do m6rbido e do grotesto com que atte e palmilhada pelo estilista que formou seus ideais artlsticos
deforma sem piedade o mundo, do adltlescente. a sambra de Flaubert, dos Goncaurt e dos parnasianos. E vem
Que o Iivro guarde estreitas rela,öes com o passado do au- aa caso lembrar que Pompeia, habil desenhista, foi tambem au-
tor, parece hoje verdade assente; 11 0 romancista se vinga" - e tor das Canföes sem Metro, ensaio estetizante de prosa poCtica,
a tese de Mario de Andrade; e a sondagem psicanalitica näo he- que resultou menos rica do que a linguagem do Ateneu, mas vale
sita em detectar 0 complexo edipiano no afeto do menino ser- como prova de um extremo cuidada no tra,o das formas.
gio pela mulher de Aristarco, o diretor do "Ateneu", execrado
como o pai tirano; nem, por outro Iado, Pompeia ocultou o jo- 0 limite dessa aten,äo II frase pela frase e da esfera micro-
go masculino-feminino das rela,öes entre os alunos em plena cri- estillstica e certo intumescimento das metaforas e das slmiles, 0
se da puberdade. Mas as contribui,öes de conteudo que a psi- domlnio do "coma", no dizer de Maria de Andrade. Colocan-
canatise faz a leitura da ramance näo devem induzir a tenta,äo da-se na perspectiva dessa paetica, Rau! Pampeia julgava Ma-
de transforma-la em mero exemplario de recalques e neuroses. chado um "escritor corretQ e diminuido". . . No Ateneu„ a capta-
Rau! Pompeia era artista, e artista conscio da seu oficia de ,äo dos ambientes e das pessaas näa dispensa o expressionismo
plasmador de signos. Ficasse a sua obra no plano projetivo das da imagem:
angllstias e no seu desafogo, por certo näo teria ultrapassado o As mangueiras, como interminiiveis serpentes, insinuavam-sc
pelo chäo.
S. Paulo, onde militou nos movimentos abolicionista e republicano. Ocupou As crian)as { ... ) , seguindo Cm grupos atropelados, como car-
viirios cargos pliblicos: diretor do Ditirio Oficial, professor de Mitologia da ndros para a matan<;a.
Escola Nacional de Belas~Artes, diretor da Biblioteca Nacional, posto de
que foi exonerado por Prudente de Morais devido a ora<;äo fU:nebre qu~ Permitia, quando muito, que R6mulo a seguisse cabisbaixo c
pronunciou junto ao tlimulo de Floriano Peixoto, exit1tando este em detr1- mudo, como um hipop6tamo domesticado.
mento daquele ( 1895). Iniciou-se nas letras muito cedo, com Uma Trage- Eie gozava como um cartaz que experimentasse o cntusiasm.O
dia no Amazonas ( 1880), novela. que, apesar de imarura, jS. refletia um de ser vermelho ( 142) .
temperamento angustiado em busca de uma tradui;iio estilistica impressio-
nista. Essa mesma inquietude, trai;o fundamental da sua constituii;äo, levou-o As aproximac;öes säo, em geral, violentas e, no caso das pcs-
a continuas polemicas, ao duelo com Bilac e, finalmente, ao suicfdio, aos
trinta e dois anos de idade, na noite de Natal de 1895. Obras: Can~öes sem soas, depressivas. A norma e o caricato, revelando o quanto de
Metro, 1881; 0 Ateneu, 1888. Ainda näo se editaram em livro: Microsc6- traum.itico deve ter marcado as experifncias que lhes ficavam
picos, contos publicados na Comedia, de S. Paula; Agonia, romance (_ms.); subjacentes.
Alma Morta, meditai;öes, publ. na Gazeta da Tarde, em 1888; As J6zas da
Coroa, novela saida na Gazeta de Noticiqs. Consultar·. Araripe Jr., "Raul "Vais encontrar o mundo", disse-me meu pai a porta do
Pompeia e o Romahce Psicol6gico", ensaio escrito em 1888-89, agora em Ateneu. "Coragem para a luta." E tudo a que segue sublinha
Obra Critica, Rio, Casa de R. Barbosa, 1960, vol. II; El6i Pontes, A Vida a ruptura com a vida familiar, definida camo "conchego placen-
Inquieta de R. Pompeia, Rio, J. Olympia, 1935; M.lrio de Andrade, As-
pectos da Literatura Brasileira, Rio, Americ-Edit., 1943; J. Lins do Rego, tario" e "estufa de carinho". 0 dada original da ruptura foi
Confer!?ncias no Prata, Rio, CEB, 1946; LUcia Miguel-Pereira, Prosa de matriz de infelicidade para o adulto. Rau! Pampeia-Sergia näo
Ficr;äo, cit.; Temfstocles Linhares, Apresenta~äo a Raut Pompeia, Trechos perdoou a vida o ser lan,ada II indiferen,a cruel da escala, e a
Escolhidos, Rio, Agir, 1958; Maria Luisa Ramos, Psicologia e Estetica de sociedade com os mais fortes. 0 seu unico momento de aban-
R. PompCia, B. Horizonte, tese, 1958; Eugenio Gomes, Visöes e Revisöes,
Rio, INL, 1958; Ledo Ivo, 0 Universo PoCtico de R. Pompeta, Rio, Livr.
S. Jose, 1963; Flävio Loureiro Chaves, 0 Brinquedo Absurdo, S. Paula,
Polis, 1978. ( 1-12) Cf. 0 ensaio de Artur de Alme,ida Torres, Rau/ Pomptia (es-
tudo psico-estilistico), Niter6i, 1968.
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dono vira tarde, quando Ema 0 ae?ftrioha J convalescente J isto
quando 0 sacriflcio da vida social, compc;ti~iva e ma,. e' pos.to de
!ado para näo mais voltar. A cura de Serg10 se s~!l!'lra o mc~~­
dio da escola, fecho do romance. Tambem o swcrda Pompc!ia
näo aceitou o fardo excessivo que lbe impunham as palavras do
pai - "Coragem para a luta". 0 •IQ de incendiar o colegio e
e J
1 teza, de fraude. Acumulavam-sc valores, circulavam, frutificavam.;
conspiravam os sindicatos, arfava o fluxo, o refluxo das altas e das
deprecia<;öes; os inexpertos arruinavam-se, e havia banqueiros atila-
dos, espapando banhas de prosperidade.

Se, na teia da socialidade, tudo se prende ao prestigio da


' riqueza, que de fora vem precisar os contornos das diferen~as in-
hom6logo ao suiddio: um e obtro significam uma recusa selva- 1 dividuais, na da vida afetiva, as matrizes dos gestos e das pala-
gem daquela vida adulta que come~a no internato. vras säo a agressividade e a libido. E !er a descri~äo da fauna
A descri~äo da experifficia colegial e feita em termos de
requisit6rio: a crian~a que subsiste no ~ome~ ~ o. promoto~ e, ~ que rodeia Sergio: destrulda a fachada que a cerimi)nia inicial
levantara, o menino percebe espantado uma divisäo entre fortes
vantagem do romancista, pode ser tambem o JWZ final, mampu- e fracos, que a crise pubertaria vai colorir de matizes sexuais.
lador do apocalipse. No primeiro plano de ataque, a fachada As lideran~as, ja coadas pelo poder da riqueza, se faräo por cri-
composta e brilbante do processo educativo, on?e se pode ver terios musculares ou et3rios: os mais rijos, os mais velhos e ca-
em miniatura o decoro das institui~öes do Imper10 que. o arden- lejados t'em condi>öes de dominar os novatos. "Tudo conspira
te republicano Raul Pompeia entäo combatia:
Afamado por um sistema de D.utrida reclame, man~do por ~
diretor que de tempos em tempos reformava o esta!'dCCllD.ento,. P~­
• contra o indefeso".
Mas o tragico e que a escola, como a sociedade, na sua di-
tando-o jeitosamente de novidade, como os negocm.ntes que liqw- nämica de aparencias, finge ignorar a iniqüidade sobre que se
:r dam para recom~ com artigos da Ultima remessa . .. funda. Tomando hipocritamente o dever-ser como a moeda cor-
rente e o que e como exc~äo a ser punida, a praxe pedag6gica
E sempre o vulto de Aristarco, medalbäo con•umado da arte
näo baixa o tom virtuoso que se ouve nos discursos de Aristarco
'1 ,, da pose: e se perpetua nas maximas gravadas nos ladrilbos do colegio.
contempllivamos ( eu com aterrado espanto}, distendido cm gran-
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deza epica 0 homem-sanduiche da educacäo nacional, lard~do en- Säo a eterna "boa consciblcia" e pairam acima da fealdade dos
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tre dois monstruosos cartazes. As costas, o seu passado tncalcula- ge~tos violentos ou chulos que formam a rotina do meio adoles-
j vd de trabalhos; sobre o ventre, para a frenie, o seu futuro: a re- c~nte. · Mas, como todo sistema sempre ii beira do desequillbrio,
clame das imortais projetos. a escola tera suas valvulas de escape. A figura agoniada de Fran-
Mas a substancia o absolu da vida burguesa, de que fala co, o rebelde castigado e reincidente, e um exemplo de bode cx-
Balzac, e 0 dinheiro. Säo cömicos OS momentos em que Aristar- piat6rio, no qua! todos exorcizam a ma conscietlcia que os r6i
co gradua os olliares, os sorrisos, as predil~öes no si.st~a de em meio a tantas contradi~öes. . . Corno os criminosos e as
chefia, e ate mesmo a escolba do futuro genro, pelos cntenos de meretrizes, que e preciso apontar a repulsa geral, para de algum
guarda-livros como a pontualidade nos pagamentos: modo esconjurar as tenta~öes de 6dio e de perversäo que asse-
diam a alma do homem comum, Franco deve ser escarmentado
As vezes uma crian~ sentia a alfinetada no jcito da mäo a
beijar. Safa in<lagando consigo o'·motivo daquilo, que näo achava
pelo colegio em peso:
em suas contas escolares. . . 0 pai estava dois ttimestres atrasado.
Num suplfcio de pequeninas humilha~ cru€ts, agachado, aba-
tido sob o peso das virtudes alheias mais do que das pr6prias .culpas,
A escola e microcosmo em varios nlveis. No da dir~o, exemJ?lar perfeito de deprava~o oferccido ao horror santo dos
onde a mola do divino Aristarco e o dinheiro; mas tamhem en- puros •..
tre os alunos cujas atividades tecem uma rede de interesses eco- - Nenhum de n6s e como ele" - 6 o alfvio dos alunos reuni-
nömicos: dos a. hora cm que se Ieem. os boletins de notas.
As especula~es moviam-se como o bem. conhecido offcio das
corretagens. Havia capitalistas e usur3rio~, fin6rios e papalvos.- ..
A principal moeda era o selo. No comCroo do selo C que fetVIa a E, pormenor sintomatico, e com Franco que Sergio se iden-
agita~äo de emp6rio, contratos de cobi~, de agiotagem, de cspc:r- tifica em uma noite de pesadelos. E e sob os len~6is do reprobo
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morto quc se achara a irnagcn1 de Santa Rosalia, ja descafda na Aluisio Azevedo e os principais naturalistas
devoc,.-äo de SCrgio.
'l'anto o csqucma ron1anesco, funclado na mem6ria <los epi· Ern Aluisio Azevedo ( 143 ) a influencia de Zola e de ~a e
~Odios mJis crutis da vida colcgial, como os tons sornbrios que palp<ivel; e, quando näo se sente, e mau sinal: o romancista vi-
cobrem os perfis adolescentes, configuram o munde de ressen· rou produtor de folhetins. Alias, trata-se de um caso raro e pre-
tiniento en1 que estava mergulhada a ~ersonalidade de Pompeia; ( 143) ALuis10 TANCREOO GoNc;ALVES DE AzEvEDO (S. Luis do Ma-
ao contr<irio Jos livros de l\laC:hado que, no esgan;ado da linha ranhäo, 1857 - Buenos Aires, 1913). Filho do vice-cünsul ponugui:s em
Sao Luis, ai fez os estudos secundirios. Cham.ade pelo irmäo, o come-
narrativa e no l.inzenro da linguagem, traem um esfori;o vigilan· diOgrafo Artur Azevedo, foi para o Rio de Janeiro onde trabalhou como
te Je distB.ncia e rneJiai;Jo. caricaturista nas redao;öes de jornais politicos e humorfsticos, 0 Meque·
trefe, Figaro, Zig-Zag. Com a morte do pai voltou a S. Luis. Escreve para
Raul l_)omptia ni.io deixou ao arbitrio dos futuros interpre· a imprensa da oposio;äo crönica.s de s<itira ao conservantismo do meio ma-
tes o trabalho de decifrar o sistema de idtias que se poderia de· ranhense. Depo1s de uma tentativa fruste de romance sentimental (Uma
preender do Ateneu. Eie mesmo o expöe pela boca do Dr. Clau- Llgrima de Afulher, 1880), publica sua primeira obra de relevo, 0 Mulato
dia, a 4uem faz profcrir naJa menos que rres conferencias: a ( 1881), em que agride o preconceito racial, corrente nas familias ricas da
provincia. O livro, bem recebido na Corte como exemplo de Naruralismo,
primeira sobre cultura brasileira, em que o republicano näo per· irrirou os comprovincianos a ponto de o escritor resolver mudar-se para o
de o ensejo de fustigar o "pdntano das almas" da vida nacional, Rio. De 1882 a 1895 vive exclusivamente da pena. Escreve sem inter-
sob a "tirania male de um tirano de sebo"; a segunda sobre a rup~äo romances, contos, operetas, revisras teatrais, alternando p:iginas de
arte, entendida prt-freudianamente como ''educai;äo do instinto intenso e s6brio realismo (Casa de Pensizo, 1884; 0 Cortifo, 1890) com
sexual" e nietzscheanamente como "expressäo dionisfaca": folhetins romä.nticos ( Mistirios da Tiiuca, chamado em 2.~ ed., Girändola
de Amores, 1882; A Mortalha de Alzira, 1894). \ 1 encendo, em 1895, con-
"Cruel, obscena, egofsta, imoral, indümita, eternamente selva- curso para c6nsu1, percorreu a carreira diplom<itica servindo em Vigo, N:lpo-
gem, a arte e a superioridade humana - acima das preceitos que ies, Tüquio e Buenos Aires, onde morreu, aos cinqüenta e cinoo anos de
se combatem, acima Jas religiües que passam, acima da ciencia idade. Durante esse periodo final näo se dedicou a literatura. Outras
quese corrige; embriaguez como a orgia e como o extase." En- obras: Mem6rias de um Condenado, 1882 (reed.: A Condessa Vesper),
Filomena Borges, 1884; 0 Homem, 1887; 0 Coru;a, 1890; 0 Esqueleto
fim, a terceira, que mais de perto afeta o nU.cleo ideol6gico do (em colaborao;.äo com Bilac), 1890; 0 Livro de uma Sogra, 1895; Dem6-
romance, aponta os vi'.nculos que prendem a l~scola a sociedade, nios (contos), 1893; 0 Touro Negro (crönica), 1938. Para o teatto com-
fazendo refluir desta para aquela a lei da selva, a sele,ao dos mais pös. em colabora~äo com Artur Azevedo: Os Doidos ( oomedia), 1879;
fortes: "Näo e o internato que faz a sociedade, o internato a Flor de Lis (opereta), 1882; Casa de Orates (comedia). 1882; Frivnark
reflete. A corrup<;ao que ali viceja vai de fora." E esta pe<;a (revisra), 1888; A RepUblica (revista), 1890; Um Caso de Adultirio (co-
media), 1891; Em Flagrante (comedia), 1891; e, em colabora~o com
de darwinismo pedag6gico: Emilia Rouede. Venenos que Curam (comedia), 1886; 0 Caboclo (dra-
ma ), 1886. Consultar: Araripe Jr.: "O Mulato", em Obra Critica, Rio,
A educa~äo näo faz as almas: exercita-as. E o exercfcio moral Casa de Rui Barbosa, vol. I, pp. 117-122; A Te"a de Zola, e 0 Ho-
näo vem das belas palavras de virtude, mas do atrito com as cir- mem, de Aluisio Azevedo, em Obra Critica, cit„ II, pp. 25-90; Valentim
cunstäncias. A energia para afronta-Jas e a heran~a de sangue das Magalhä:es, Escritores e Escritos, Rio, Domingos de Magalhäes, 2.~ ed.,
capazes de moralidade, felizes na loteria do destino. Os deserda- 1894; Jose Verissimo, Estudos BrasiJeiros, Rio, Laemmert, 1894, vol. II,
dos abatem-se. pp. 2-41; Alcides Maya, Romantismo e Naturalismo atraves da Obra de
Aluisio Azevedo, Porto Alegre, Globo, 1926; Olivio Montenegro, 0 Ro-
mance Brasileiro. Rio, Jose Olympia, 1938; Alvaro Uns, Jornal de Criti-
Näo fora o seu talento excepcional de artista, Raul Pom- ca, 2.· serie. Rio, Jose Olympio, 1943, pp. 138-152; Josue Montello. His-
peia teria naufragado no puro romance de tese. Aas naturalis- t6rias da Vida Litertiria, Rio, Nosso Livro, 1944; LUcia Migud-Pereira,
tas tipicos, que lhe eram inferiores como estilistas, näo foi pou- Prosa de Fic(bo, cit., pp. 138-155; Raimundo de Menezes, Aluisio Azeve-
pada a armadilha: a obra de Aluisio ( com exce,äo do Cortü;o), do_ Uma Vida de Romance, S. Paula, Martins, 1958; Eugenio Games, As-
pectos do Romance Brasileiro, Bahia, Progresse, 1958; Josue Montello,
a de Ingles de Sousa, a de Adolfo Caminha e a de JUiia Ribeiro Aluisio Azevedo - Trechos Escolhidos, Rio, Agir, 1963; Affonso Romano
cairam sob o peso de esquemas preconcebidos, pouco vindo a de Sant'Anna, /uuilise Estrutural de Romances Brasi/eiros, Ed. Vozes, 1973;
salvar-se do ponto de vista ficcional. Antönio C.ändido, "A passagem da dois ao tres", in Revista de Hist6ria,
USP, 1974, n.' 100.
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coce de profissionaliza~äo- Iiterari~~ • '' Alufsio Azevedo - disse minucias descritivas näo da para pör de pe uma personagem ou
Valentim Magalhäes - e no Brasil talvez o ünico escritor que uma situa,äo ( 145 ) e o malogro estetico de boa parte do roman-
ganha o päo exclusivamente a custa da sua pena, mas note-se que ce naturalista deve-se predsamente a falta daquela coerencia ais-
apenas ganha o päo: as letras no Brasil ainda näo däo para a tencial mlnima que ja Machado de Assis redamava de ~ cm
manteiga" ( 144). Essa luta com a pena pelo päo certamente expli- crltica ao Primo Basilio e que Zola augurara ao atribuir ao ro-
ca o desn1vel entre seus roman,ces .seril!s tO Mulato, Casa de Pen- mancista o papel de "mostrar pela experiencia como se compor-
sao, 0 Cortü;o) e OS pastelöes melodramaticos de "pura inspira- ta uma paixä.o em um meio social" ( 146).
,.0 industrial", no dizer de Jose Ver!ssimo ( Condessa Vesper, Gi-
randola de Amores, a Mortalha de Alzira . .. ) . E talvez ii mesma
A leitura de 0 Mu/ato, que passa pelo primeiro romancc na-
turalista brasileiro, da uma boa visäo do meio maranhensc do
causa se possa atribuir o estranho abandono das letras que se lhe tempo, mas näo cumpre a outra exigencia de Zola, a de pintar
nota a partir dos quarenta anos, quando entra para a carreira como se comporta uma paixäo. 0 protagonista, o mulato Rai-
diplomatica e se elege membro da Academia recem-fundada. mundo, ignora a pr6pria cor e a condi~äo de filho de escrava:
Seja como for, nos seus altos e baixos, Alufsio foi expoente näo consegue entender as reservas que lhe faz a alta sociedade
de nossa fic,äo urbana nos moldes do tempo. 0 habil traceja- de Säo Luls, a ele que voltara doutor da Europa. Alulsio cumu-
dor de caricaturas nas falhas politicas do Rio precedeu o autor la-0 de encantos e de poder sedutor junto as mulheres e o faz
do Mulato e ensinou-lhe a arte da linha grossa que defarma o amado e amante da prima, Ana Rosa, cuja famllia da exemplo
corpo e o gesto e perfaz a tfcnica do tipo, inerente a concep~äo do mais virulente preconceito. A intriga, romli.ntica pelo tema
naturalista da personagem. Hoje e facil torcer o nariz ii estreite- do amor que as tradi~es impedem de se realizar, admite um
za latente nessa forma de retratar os homens: saciaram ad nau- corte mais ousado no trato das rela~öes entre Raimundo e Ana
seam as galerias de fantoches que os maus disdpulos de E,a lan- Rosa. 0 final de 6pera, com a fuga dos amantes malograda pe-
c;aram 3.s mancheias em romances e novelas sem conta, näo raro lo assassfnio do mulato, volta a colorir a hist6ria de um roman-
combinando com provinciano requinte os tipos "mfdios" e a des- tismo gritante que Aluisio quis in. extremis sufocar, mudando a
cric;äo de ambientes "dpicos". Mas o abuso näo invalida o uso: ardente herolna em pacata mulher de um tipo imposto pela fa-
em face de certa vaguidade romli.ntica no tfato das personagens, milia e que sempre lhe parecera o mais s6rdido dos homens. 0
fai salutar o deslocamento do eixo para o ho!llem comum, desfi- autor, desejando provar de mais ( no caso o preconceito vivo nas
gurado mais do que se acreditava, pelos revezes da heranl'a bio- famllias brancas e a oscila~äo psicol6gica da mulher), desfigura
l6gica, da vida familiar, da profissäo. Se a 6tica naturalista capta o par amoroso, emboneca o protagonista e deixa o leitor no es-
curo quanto a marca~äo de um possfvel "caso de temperamento"
de preferencia a mediocridade da rotina, os sestros e mesmo as
que nas mäos de um Zola poderia render a figura de Ana Rosa.
taras do indivfduo, ela näo sera por isso menos verossfmil que a Näo falha, porem, na satira dos tipos da capital maranhense: o
op~äo contr3.ria. das romänticos; e, 0 que mais importa, e täo
comerciante rico e grosseiro, a velha beata e raivosa, o cöncgo
significativa quanto ela, pois uma e outra säo sintomas dos im- relaxado e conivente. Por outro lade, embora se possa entrever
passes criados no esplrito do ficcionista quando se abeira da con- a sombra de E,a no meneio da frase descritiva que resvala qua-
dis:äo humana enleada na vida sacial. Os momentos de maior se sempre para o grotesco, resta o mordente pessoal de A!ufsio,
fermentac;äo desta nos meios citadinos foram pontuados por uma entä:o em luta aberta contra o conservantismo e as manhas cleri-
vigorosa narrativa realista de tintas satfricas: o Satyricon de Pe- cais que entorpeciam a sua provincia.
trönio, o Decameron de Boccaccio, as hist6rias de Diderot, os ro~ 0 merito do narrador que saiu de 0 Mu/ato estaria em sa-
mances de Thackeray e Balzac, os contos de Maupassant e de ber aplicar a outros ambientes o dom de observa~äo de que fize-
Tchekov ... E ja se viu que ha tipos e tipos: a mera soma de
(145) V. Nota (136). Do mesmo Luklics, o ensaio "Narrar ou Des-
crever'', em Ensaios sobre Literatura, Rio, Civilizar;äo Brasileira, 1965.
( 144) Valentim Magalhäes escrevia de Lisboa, onde editou o opUs- (146) Ern Le roman expbimental, 4e. Cd„ Paris, Charpentier, 1880,
culo A Literatura Brasileira, 1870-1895, a que pertence o passe citado. p. 24.

210 211
ra prova. Ai estäo o valor e·-o limife de Aluisio: o poder de fi- E naquela terra encharcada e fumegante, naquela umidadc quen-
te e lodosa, com~ a minhocar a fervilhar a crescer um mundo
xar conjuntos humanos como a casa de pensäo e o cortii;o dos uma coisa viva, uma gera~o, que p~recia 'brotar espontänea all
romances homönimos constitui o seu legado para a fi~äo brasi- mesmo, daquele lameiro e multiplicar-se como Iarvas no esierco
leira de costumes; e pena que 0 peso das· teorias darwinistas 0 (cap. 1). ·
tenha impedido de manejar com a mesma destreza personagens e ~ corridas atC a venda reproduziam-se, transformando-se num
enredos, deixando uns e outros na_ dependencia de esquemas ca- venrunar constante de form:igueiro assanhado ( Cap. III).
nhestros. •
Nas alusöes a fatos e a tipos isolados, o processo reaparece:
Ern Casa de Pensäo, a vida airada do estudante que vern do
· . . depois de correr meia Iegua, puxando uma carga superior
Norte para o Rio, o arnbiente pegajoso da pensäozinha onde se As suas forcas, caiu morto na rua, ao lado da carroc;a, estrompado
instala, enfim o rumor das jornais e da boemia em volta da caso como uma besta (Cap. 1).
escandaloso em que se envolve, formam o coro, estruturalmente Dai a pouco, em volta das bicas era um zunzum crescente·
superior ao desenho, fl3.cido, da protagonista, cujas fraquezas sio uma aglomerac;äo tumultuosa de machos e femeas. '
A primeira que se pös a lavar foi a Leandra por alcw:iha a
atribuidas desde as prirneiras paginas a heran•• do sangue. "Machona", portuguesa feroz, berradora, pulsos ca'betudos e gros-
S6 ern 0 Corti(o, Aluisio atinou de fato corn a f6rrnula que sos, anca de animal do campo ( Cap. III).
se ajustava ao seu talento: desistindo de montar um enredo em
funr;äo de pessoas} ateve-se a seqüWcia de descrii;öes muito pre- A franzina Nenen escapa "como enguia" dos rapazes· Pau-
cisas onde cenas coletivas e tipos psicologicamente prim3.rios fa- la, a cabocla mandingueira, tem "dentes de cäo"· a mul~tinha
zem, no conjunto, da cortif;o a personagem mais convincente do Florinda, "olhos luxuriosos de macaca"; e no cav~queiro portu-
nosso romance naturalista. Existe o quadro: dele derivarn as gues, 0 peSC°'O 0 de !OurO e OS oJhos humi!des "corno OS de um
figuras. boi de carga". '
Ja houve quem louvasse Alufsio como um dos raros roman- A redu,äo das criaruras ao nfvel animal cai dentro dos c6-
cistas de massas da literatura brasileira ( 147 ). Cabe perguntar ~igos anti-rornonticos de despersonaliza,äo; rnas 0 que uma ana-
de que forma a consciencia do escritor percehia os grupos huma- lise rnais percuciente atribuiria ao sisterna desumano de traba-
nos. Assumindo uma perspectiva do alto, de narrador oniscien- lho, c:i:ie _deforrna OS 9ue vendern e Ulcera OS que COrnprarn, a
te, ele fazia distini;äo entre a vida dos que j<i venceram, como c?ns;1~nc1a do nati:ralista, aparece corno um fado de origem fi-
Joäo Romäo, o senhor da pedreira e do corti,o, e a labuta dos ~10!0~1ca, po~t'.'11.~? tnapela".el. Corno da carater absoluto ao que.
humildes que se exaurern na faina da pr6pria sobrevivencia. Pa· e efe110 da 1mqu1da<je social, o naturalista acaba fatalmente es-
ra OS primeiros, 0 trabalho e
uma pena sem remissäo, pois a a
tendendo a amargura da sua reflexäo pr6pria fonte de todas as
fome de ganho näo se sacia e o frenesi da lucro - "uma moles- suas leis: a natureza hurnana afigura-se-lhe urna selva selvaggia
tia nervosa, uma loucura", como a que empolga Romäo - arras- onde os fortes cornern os fracos. Essa, a rnola do Corti(o. Essa
ta 3.s mais s6rdidas privai;öes, a uma especie de ascese ä.s avessas, a explica~äo das vilanias e torpezas que "naturalmente" deve~
sem que um limite "natural" e "humano" venha dar ao cabo a povoar a existencia da gente pobre. E essa tambem a causa do
desejada paz. J3. nos pobres, na "gentalha''; como os chama, o desfecho, que se quer tragico, rnas e apenas teatral.
trabalho e o exercfcio de uma atividade cega, instintiva, näo sen- Descendo a casos fisiol6gicos em 0 Livro de uma Sogra,
do raras as comparai;öes com vermes ou com insetos, sempre que ou perdendo-se ern simplisrnos de caracteriza,äo. moral, em 0
importa fixar o vaivem dos oper<irios na pedreira ou das mulhe- Coruja, o rornancista näo soube levar a efeito um vasto plano
res no cortii;o. Os textos abaixo ilustram a obsessäo do germi- narrative que viria a constituir-se na comedia hum.ana do Se.
nal, herdada do rnestre frances: gundo Reinado, sob o tirulo geral de Brasileiros Antigos e Mo-
dernos. A serie ficou no primeiro volurne, justamente 0 CortifO.
0 primeiro romance, 0 Cortif(), faz-nos ver um colono anal-
( 147) LU.da Miguel-Pereira, op. cit., p:ig. 157. fabeto, que de Portugal vem com a mUlher trabalhar no Brasil, tra-

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zendo consigo uma_ filh~hA de d<J'i's anos. Essa criam;a vem a ser fazem-no contempodneo dos regionalistas, Taunay e Friinklin Ta-
a menina do cortifo, um · dos tipos mais accntuados da obra, o vora, mas Inglf:s de Sousa j<i mostrara nessas p<iginas de juven-
qual sera ligado imediatamente a um tipo novo, o tipo do vendeiro tude um temperamento frio, inclinado ao exame dos "fatos" co-
amancebado com a preta. 0 colono deixa a mulher por uma mula-
tinha, e deste novo enlace surgem 0 Feliiardo e A Loureira: par- mo convinha ao futuro positivista, sern qualquer centelh; de
ticipa destc grupo o tipo do capad6cio, o pai-avß do capoeira que paixäo rom3.ntica pela materia da sua arte: exatamente o oposto
mais tarde ~ chefc de malta e foJVI: ativa nas elei~. Ligade a do autor do Cabeleira.
este chcfe de malta estii um, .tipo <lu~coiitrasta com de: ~ o antigo
Conselheiro de Estado formado durante a ·minoridade do sr. D. Tudo fazia dele o compositor ideal de um caudaloso roman-
Pedro II e graduado rielos seus servii;os l causa da rcvolucä:o mi- ce de tese, como 0 Missiontirio, em que se expöem os minimos
neira. Do Conselheiro nasce A Famllia Brasileira, composta de qua- aspectos da "evolu~äo moral" do sacerdote e näo se poupa ao
tro figuras, a saber: o chcfe1 Conselheiro, de cinqücnta e tantos anos, leitor nenhum detalhe da sua ascensao e queda na selva ama-
conservador e Urico; a esposa deste, senhora de 40, muito apaixo- zönica.
nada pela Hist6ria dos Girondinos de Lamartine, sonhando reformas
e lamentando niio ser homcm para desenvolver o quc ela julga S6brio e meticuloso em excesso, näo logra, por isso mesmo,
possuir de ambiciio polftica no seu espfrito; a filha, moea de vintc transmitir o sentimento de conjunto da paisagem tropical. ~ no·
anos, priitica e interesseira, vendo sempre as coisas pelo prisma das ta1=iio feliz de Sergio Buarque de Holanda que Ingles de Sousa
comodidades e das conveniCncias sociais; c o filho, rapaz de 16 nunca foi espontaneamente um paisagista: "E sensivel seu des·
anos, presumido, fil6sofo e muito convencido de que esti senhor
de toda a ciCncia de Auguste Comte. concerto todas as vezes em que se trata de descrever esse mun-
de cheio de misterios e ende a vida civil parece mero acidente. „
~ sobre esta familia que tCm de agir o Felizardo e a Loureira,
~ nesta famHia que a Loureira vai buscar o amante, o fil6sofo de 0 fundo vinco urbane que marcava o positivismo de In-
16 anos, a quem nä:o valera toda a teoria cientffica de Comte e gles de Sousa niio conseguia, de fato, abrir-se a cor e ao perfu-
Spencer, e que dar{ um dos bilontras da Bola Preta; enquanto que me da vida selvagem, cor e perfume que Alencar, com todas as
o Felizardo, conseguindo casar com a filha do Conselhe~o, e con- suas distot\'.Öes, captara tantas e tantas vezes. J:l a mornidä:o do
seguindo, uma vez rico, fazer carrCira politica, vai influenciar nos
dcstinos do Brasil e comprometer a situacäo do monarca, como sc vilarejo de Silves e a variedade das suas figuras provincianas en-
verii no Ultimo livro ( 148), contraram a versä:o justa na prosa lenta e unida do escritor pa.
raense. Nessa miUda reprodu~äo das costumes amazonenses, en·
0 plano ficou no papel. Mas, de qualquer forma, O Cor- ·cetada nos romances juvenis e presente ate os Ultimos Cantos
tifo foi um passo adiante na hist6ria da nossa · prosa. 0 lexico e
concreto, o corte do perlodo e da frase sempre n!tido, e a sin-
taxe, correta, tem ressaibos lusitanizantes que, embora se possam que testemunhavam seus pendores para o regionalismo. 0 mesmo se dcu
explicar pela origem luso-maranhense de Alulsio, quadram bem com 0 Coronel Sangrado que, escrito em 77, precede de quatro anos l
ao clima de purismo que marcaria a Hngua culta brasileira ate o publicacäo de 0 Mulato, de Alufsio, enquanto romance naturalista de COS·
tumes. Combinando inspiracäo regional e processos tomados a Zo1a, com-
advento dos modernistas. pös o romance 0 Missiontirio (1888) e os Cantos AmazOnicos (93), suas
Causldico respeitavel e perito em letras de dmbio, lngles obras mais conhecidas. Positivista e liberal, fez politica durante o lmp6-
de Sousa ( 149 ) niio foi menos "t:scrupuloso como narrador de rio, alcan91ndo a presidencia de Sergipe e do Espfrito Santo. Especialista
casos amazönicos com que antecip~u o pr6prio Aluisio no mane- em Direito Comercial, ensinou essa disciplina na Faculdade de Direito do
Rio de Janeiro. Foi membro fundador da Academia Brasileira de Lctras.
jo da prosa analitica. As datas de publica~iio dos seus primeiros Consultar: Araripe Jr., pr6logo da 2.• ed. de 0 Missiontlrio, Rio, Laemmert,
romances, 1876 ( 0 Cacaulista) e 1877 ( 0 Coronel Sangrado) 1899 ( transcrito na Obra Crftica, Rio, Casa de Rui Barbosa, vol. II, pp,
365-382; JosC Verfssimo, Estudos de Literatura Brasileira, 3.• sCrie, Rio,
(148) In A Semana, ano I, n. 44, Rio, 1885 (apud L. Miguel-Perei-
0
Garnier, 1903; Olfvio Montenegro, 0 Romance Brasileiro, Rio, JosC Olym-
ra, op. cit., p8gs. 157-58. pia, 1938; Aurelio Buarque de Holanda, Prefiicio da 3,• ed. de 0 Missio-
( 149) HERCULANO MARCOS lNGL:ES DE SousA ( öbidos, Para, 1853 ntlrio, Rio, JosC Olympia, 1946; LUcia Miguel-Pereira, Prosa de Ficfäo, cit.,
- Rio, 1918). Fez os estudos secund.irios no Maranhäo e Direito em pp. 1.55-164; SCrgio Buarque de Holanda, Ingl§s de Sousa - "0 Missio-
Recife e S. Pauio. Ainda cstudante, publicou, sob o pseudOnimo de Lufs ntlrio", em 0 Romance Brasileiro ( coord. de AurClio B. de Holanda),
Dolzani, 0 Cacaulista e Hist6rias de um Pescador ( 1876-77), dorumentos eil., pp. 167-174.

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1
„ 1
Amaz6nicos, aprecia-se a_ parte viva,.da obra de Ingles de Sousa, Mas a crltica, de fundo emotivo, niio tinha condi~s para
pouco ou nada valendo o rettato espirirual do missionario, cuja sair do ambito provinciano: a ultima parte da hist6ria, passada
conduta ja estava prefigurada na "irresolu~iio e fraqueza que a no campo onde Maria, a normalista, fora morar por ordern do
mäe lhe transmitira no sangue" ... sedutor, canta alencarianamente os efhivios balsimicos da naru-
Nesse romance, o Naturalismo, repu:xado ate o limite, faz reza, aos quais se vem misturar os näo menos balsimicos anUn·
0 processo a Narureza, 0 que nos da CQDta da car~ncia de frescor cios da proclama~äo da Republica, uns e outros bastantes para
nas descri~s alem da queda fatal dos homens, duplamente su- fazer da protagonista, ha pouco abismada na desonra e no luto
jeitos a lei do sangue e as pressöes do ambiente. pelo filho natimorto, a Iepida noiva de um alferes que surge ino-
pinado para bem acabar a hist6ria.
Do Naturalismo tomou AdoHo Caminha ( 150 ) a cren~a na
fatalidade do meio e o gosto dos temas escabrosos. A Normalis- 0 Bom Crioulo näo padece de tais inverossimilhan~as. Mais
ta e 0 Bom Crioulo centram-se em casos de corru~iio que a denso e enxuto que o romance anterior, resiste ainda hoje a uma
marcha da narrativa mostra como inevitavel. leitura crltica que descarte os vezos da escola e saiba apreciar
Niio se deve, porem, reduzir o escritor cearense ao tributo a construr;äo de um tipo, o mulato Amara, coerente na sua pas-
sionalidade que o move, pelos meandros do sadomasoquismo, a
que manifestamente pagou a leitura de ~a e Alu!sio, seus mo-
perversäo e ao crime ( 1s1 ).
delos mais pr6ximos. Ha notas pessoais validas em ambos os
romances. Ern A Normalista, o ressentimento do autor, apou-
cado pela vida de amanuense no meio hostil de Fortaleza, Ieva-0
a nivelar todas as personagens no sentido das pequenas vilezas O Naturallsmo e a insplra~ao regional
que a hipocrisia do meio se esfor~a em viio por encobrir. 0 ni-
velamento, borrando os limites das figuras humanas, acaba com- Do Ceara, terra de Adolfo Caminha, tambem provieram ou·
pondo o quadro naruralista e pessimista da vida citadina, "esse tros naruralistas que dariam a regiiio da seca e do canga~o uma
acervo de mentiras galantes e torpezas dissimuladas, esse corti~o fisionomia literaria bem marcada e capaz de prolongamentos te-
de vespas que se denomina - sociedade." E o andamento mo- nazes ate o romance moderno. Manuel de Oliveira Paiva, Do-
rose da narrar;äo, os interiores mornos e a hma temperatura mo- mingos Ollmpio, Rodolfo Te6filo e, pouco depois, Antönio Sa-
ral das criaruras traduzem bem a inrui~iio geral do romancista. les, abeiraram-se do interior cearense num perlodo em que ru-
do concorria para acelerar o decl!nio do Nordeste, desde as re-
petidas secas ( a de 77, por exemplo, passou a leitmotiv da poe-
( 1so) AooLFO FERREIRA CAMINHA ( Aracati, Ceara, 1867) - Rio, sia oral), ate a conjuntura econömica, que atrala para novos
1897 ). Passou a infincia na provincia natal, atribulado pela orf8ndade, !mäs de riqueza, como o cafe em Siio Paulo e a borracha na Ams-
por doen~as e peJa seca de 77. Muda-se para o Rio onde, sob a tutela de
um parente, cursa a Escola Naval. Corno guarda-marinha, conhece em zonia, boa parte da popula~iio rural.
1886 os Estados Unidos, viagem que lhe ·deu matCria para um livro de Fortaleza conheceu, nos primeiros anos do Realismo, ums
crönicas, No Pais dos Ianques ( 1894 ). Voltando ao Cearii, envolve-se vida literaria ativa fermentada por ideais abolicionistas e repu-
num caso passional ( rapto da esposa di: um alfercs com a qual passa a
viver e que lhc da duas filhas). Obrigado a dar baixa na Marinha, parte blicanos: e sabido que o Ceara foi a primeira prov!ncia brasileira
para a Capital, ondc trabalha como funcionlirio. Em Fortaleza, foi um a libertar os escravos, em 1884. Data de 1872 a funda~o de
dos mentores da Padaria Espiritual, grbnio quc promoveu, de 92 a 98, os uma Academia Francesa e entre esta e o grupo militante da Pa-
naturalistas da provfncia. Morreu tuberculoso aos 29 anos de idade. Dei- daria Erpiritual, reunido em 1892, formaram-se varios gr~os
xou publicados: Juditb e Ugrimt1s de um Crente, contos, 93; A Norma-
lista, 93; 0 Bom Crioulo, 95; T enta{do, 96, romances; Ct1rtas Literhias
( 9.5), crftica de fundo taineano, mas aberta ao simbolismo de Cruz e Sou-
sa. lnCditos: Angela, 0 Emigrado, romances; versos e contos. Consul· ( 151) Meros apc!ndices do Naturalismo devem considerar-se a obra
tar: Valdemar Cavalcanti, "O Enjeitado A. C.", cm 0 Romance Brasileiro, mais conhecida de JUlio Ribeiro, A Carne ( 1888) e o m.initratado d~ fi.
cit„ pp. 179-90; LUcia Miguel-Pereira, Prosa de Fic,äo, cit., pp. 164-72; siologia romanccada, 0 Cromo, de Horacio Carvalho, onde sc explicam
Sab6ia Ribeiro, Roteiro de Adolfo Caminha, Rio, Livr. S. Josc, 1957. ao pC da p8gina, cm termos biol6gicos, as rea„öes das personagens.

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onde se colava a moda natucalista ifs lutas ideol6gicas do tempo 0 pobrc cmigrava com as avcs, quc vivem· ambos do suor do die.
Politicos e literarios ( 152 ) , que
· d eram a b r1go
· a contos e ensa1os.
· ' Era~ pelas cstr~das e pe~os ranchos aquelas romarias, cargas de
mcntnos, um pa1 com o filho As costas, mäes com os pcqucnos a
A vivacidade desse contexto cultural permitiu virem i\ luz ganircm no bico das peitos chuchados - tudo p6, tudo boca su-
alguns. romances regionai;: Luzia-Homem ( 1903), de Domingos mida e alhos grclados, fala tCnue, e de vez em quando a cabra a
Ol1mp10 Br.aga Cavalcantl (1850-1906), ingenua e bela hist6ria derradeira cabec;a da rebanho, puxada pela corda, a berrar peios
de uma retirante de 77, cujos modo.,.masculos ocultavam senti- cabritos (cap. 1).
mentos bem femininos; A Fome (1890), Os Brilhantes (1895)
e 0 Paroara (1899), de Rodolfo Te6filo livros atulhados do Excelente no trac;ar a figura central, Guiclinha, inteiri~ na
i~rgiio cientlfico do tempo, mas que valem' como retorno !ited- virtude e no pecado ( 154 ), o autor näo foi menos feliz no dese-
rio ao pesadelo da seca e da imigra~iio. Este ultimo fenomeno nho das tipos secundarios que comp6em essa agua-forte do lati-
recebe tratamc;_n~o mais feli~ em Aves_de Arriba(äo (1913 ), ro- ftlndio nordestino, com seu ritmo vegetativo, seus agregados e
manc~ de Antonio Sales, ep1gono provmciano, mas que se Je aln- retirantes, enfim, seu pequeno mas concentrado mundo de inte-
da ho1e com agrado. rai;öes morais.
Niio alcancou a mesma fortuna de publicaciio imediata o Passada a tempestade modernista, retomariam o mesmo veio,
melhor escritor do grupo, Manuel de Oliveira Paiva ( 153). o ja agora sem os sestros do Naturalismo, Jose Americo de Almei-
da, com A Bagaceira ( 1928) e Raquel de Queir6s, com 0 Quin-
seu r~mance. Dona Guidinha do Po(o, escrito por volta de 1891,
s6 ve10 a ser editado em 1951, gra~as ao empenho de Lucia Mi· ze ( 1930), romances que abrem o longo e aforrunado roteiro da
ficc;iio regionalista moderna.
guel-Pereira que o apresentou com um prefacio elogioso. E me-
recido. Oliveira Paiva era prosador terso, que sabia descrever e
narrar com mäo certeira e intervir no momento azado com ta-
lhos irßnicos de inteligencia fina e crftica. Naturalismo estilizado: "art nouveau"
Para sentir as relac;öes concretas entre o meio e o homem
sera preciso esperar pela linguagem incisiva de Graciliano Ramo~ Na decada de 80 afirmara-se o Naturalismo entre n6s: ca-
para se ter algo que supere as densas nota~iies de Dona Guidinha: nhestro ainda nos primeiros romances de Alufsio, acertou o pas-
so com 0 Cortifo, 0 Missionario e 0 Bom Crioulo, mas nesses
Entrou man;o, novenas de Säo Jose. frutos da o melhor de si, involuindo em seguida no mesmo ritmo
0 calor subira despropositadamente. A roupa vinha da lava-
deira grudada de sabäo. A gente bebia iigua de todas as cores· era da cultura brasileira da I Republica.
antes uma mistura de näo sei que sais ou näo sei de qu&_ O ~ento Alcan,adas as metas politicas da Abolic;iio e do novo regi-
era quente como a rocha nua dos serrotes. A paisagem tinha um me, a maioria dos intelectuais cedo perdeu a garra crftica de um
aspecto de pelo de. leäo, no confuso da galharia despida e empoei-
rada, a perder de vtsta sobre as ondu1a.;öes iisperas de um chäo ne-
passado recente e imergiu na 3gua morna de um estilo ornamen-
gro de detritos vegetais tostados pela morte e pelo ardor da atmos- tal,- arremedo da belle epoque europeia e claro signo de uma de-
fera. cadencia que se ignora.
. . .. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .. . . . . . .
vai para o interiar do Ceara, onde escreve seus dais romances, Dona Gui-
dinha do Po,o e A Afilbada, publicados pastumamente, o primeiro em
( 15 2 )
Entre outros, a Sociedade Libertadora Cearense editora de edi~äo Saraiva (S. Paula, 1952), o segundo pela Ed. Anhambi (S. Paula,
"O Libertador" ( 1883) e o Clube Literirio cujo 6rgäo era' "A Quinze- 1961 ). Cf. LUcia Miguel-Pereira, Prosa de Fic~äo, cit.; Joäo Pacheco, 0
na" (1888).
Realismo, S. Paula, Cultrix, 1964; Rolando More! Pinte, Experiencia e
(153) MANDEL DE ÜLIVEIRA PAIVA (Fortaleza, 1861 - Sertäo do
Ficfäo de Oliveira Paiva, Instituto de Estudas Brasileiras da Univ. de S.
Cear&, 1~92). Fez o curso ginasial no Seminärio do Crato. Mudando-se
pa:a O Rto. comecou a freqüentar a Escola Militar. ma'> näo 110de prosse- Paula, 1967; Paula Beiguelman, Viagem Sentimental a Dona Guidinha
gu1r por causa da sua complei.;äo enfermica. Tubercu1oso, volta a Forta- do Pofo, S. Paula, Ed. Centro Universitirio, 1966.
leza, onde se empenha na Iuta abolicionista e faz jornalismo liter3.rio. Ern ( 15.t) Leia-se a acurada reconstruc;äo psical6gica de Dona Guidinha
1888 funda o Clube Litera'rio. Par volta de 90, piorando das pulmöcs, feita por Beiguelman, op. cit., pp. 7-65.

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. . Estetis~o, evasionismo, "pUICZa" verbal precariamente de- ria do perlodo "intervalar" e melancolicamente marcacla por au-
fm:da, sertams~o de fachada, lugares-comuns herdados il divul-
tores epigOnicos, e, como a seu tempo se vera, näo seriam os nos-
gac;ao de Darwm e ~e .Spencer, reslduos da dicc;äo naturalista de sos simbolistas capazes de mover as ciguas estagnadas de uma
ca~bulhada com chches do romance psicol6gico a Bourget car- cultura a reboque, estando eles pr6prios imersos no clima do De-
retam para a prosa de um Coelho Neto e de um Afränio Peixoto
cadentismo europeu. Para transfigurar e converter o Naturalis-
os v!ctos d~ J?ecadentismo de que -i!a .Europa davam exemplo mo ( 158 ) em Supra-realismo, Expressionismo e Futurismo, isto
os, livros . ctntilantes mas O<os de Oscar Wilde e Gabriele
DAnnunz10. e, para operar a revolur;äo que operariam um Picasso, um Stra·
vinsky, um Pirandello, um Proust ou um Maiak6vski, far-se-ia
Desenvolve-se um estilo mundano meio jornallstico mei mister viver a angUstia que oprimiu o artista europeu quando o
sofisticado, aquele usorriso da sociedad~" como entendia ' 8 lit~ fantasma da crise mundial rondou a paz enganosa da belle epoque.
ratura Af~anio Peixoto em um trecho do Panorama da Literatu- E revelou afinal sua face sangrenta no conflito dos imperialismos
ra Br:zst!ezra que vale a pena transcrever como fndice da forma que foi a Guerra de 14. E seria necess:irio ter vivido com a
mentts da epoca: mesma profundidade a dialetica burgues/ antiburgues que se ex-
. A lit~ratura e como o sorriso da sociedade. Quando ela e primiu o Simbolismo de Rimbaud e de Mailarme, no romance
f~iz, ~ socteda?e!.. o espfrito sc lhe compraz nas artes c, na arte religioso de Dostoievski, no teatro de Ibsen e de Strindberg, na
~ter~r1a, _com fi~ao e com poesias, as mais graciosas expressöes da
unaginai;ao. Se ha aprccnsio ou sofrimento, o esp!rito se conccn-
l pintura de Van Gogh, no pensamento agonlstico de Nietzsche.
Nas letras brasileiras o complexo espiritual que condicio-
~' grave! prc:ocupado, e entio, hist6rias, ensaios morais e cientf-
fu:o.s, soc1~l6g1cos e poHticos, säo-lhe a preferCncia imposta pela nou a existencia desses superadores de genlo. . . simplesmente
util1dade 1mediata ( 155). näo existiu, ou antes, apareceu pelas vias transversas' da pose ir·
racionalista, a mesma que ainda afetaria alguns fautores da Se-
Dos ~ins do secu!o il ~erra de 1914-18, a corrente mestra mana de 22. Näo havia no Brasil do comec;o do seculo aquela es-
de. nossa ltt~ra~ura, ~ que v1via em torno da Academia, dos jor- pessura cultural que faz do fenömeno artlstico um encontro per-
nats, da boem1a car1oca e da burocracia, admirou supremamen- manente de significados sociais, existenciais e propriamente es·
te ~sse estilo flo~eal, replica nas letras do "art nouveau" arquite- teticos. Tomavam-se de emprestimo atitudes, formas de pensa-
tön1~ e decorat1vo que entäo exprimia as resist~ncias do artesa- mento e de estilo, na fa!ta de uma percepc;äo radicalmente nova
nato a segunda revoluc;äo industrial ( 156), · do real. E verdade que as mesmas falhas ja se reconheciam nos
~edefinindo .um termo bivalente, pre-modernismo, diria que naturalistas de 80 como Alulsio e Adolfo Caminha; mas o fato
e efettva e orgamcamente pre-modernista tudo 0 que rompe de de eles se oporem a visäo rom3ntico-idealista e 4 estrutura es-
algum m?do, com essa cultura oficial, alienada e verhallst~ e cravocrata lhes conferia uma consistencia liter3ria e ideol6gica,
a~re cammho para sondagens sociais e esteticas retomadas a par- que acabou resu!tando numa fisionomia cultural inequlvoca. Tal
ttr d~ ~2.: em plan? de destaque, a incursäo de Euclides da Cunha fisionomia falta ao fecundo Coelho Neto e ao raso Afriinio Pei-
na m1ser1a sertane1a, o romance crltico de Lima Barreto, a fic~äo xoto, para citar apenas os nomes entäo mais relevantes. Dessa
e as teses de Grac;a Aranha, as phquisas de Oliveira Viana, as indefinic;äo adveio uma prosa ficcional comp6sita, misto de do-
campanhas nac1onats de Monteiro Lobato ( m). Com excec;äo cumenta e ornamento, aquem do Naturalismo na medida em que
desses poucos homens, !Ucidos apesar das seus limites, a hist6- se perdia em veleidades fantasistas, mas igualmente incapaz de
se fixar no Simbolismo pela carencia de uma imaginac;äo real-
mente criadora.
p<ig. <;.55 ) Ern Panorama de Lit. Brasileira, S. Paulo, Cia. Ed. Nacional,
Le'
(156) '
A Vt'd L't ; t~-se oBv1v~ quadro que da desse perfodo Brito Broca em ( 158) V. o capitulo "A Conversäo do Naturalismo" em Otto Maria
a r erarza no rastl - 1900.
( 157) V. adiante o capltulo Pre-Modernismo e Modernismo. Carpeaux, Hist6ria da Literatura Ocidental, Rio, Ed. 0 Cruzeiro, 1963,
vol. V, cap. III.

220
221
Coelho Neto ( 159 ) sentido? Se em nome de uma determinada doutrina cstftica,
entä:o urge primeiro demonstrar a sua validade para ontem e pa·
A fortuna crmca de Coelho Neto ( 160 ) conheceu os extre- ra hoje; mas, se em nome de um pensamento causalista ( Coelho
mos do desprezo e da louva~ä:o, desde "o sujeito mais nefasto Neto teria escrito como o exigia seu tempo), j3 näo seria o caso
que tem aparecido no nosso meio intelectual", de Lima Barre- de revaloriza-lo, seniio apenas de situa-lo e compreende-lo. Ve-
to ( 161 ) a "o maior roma.Q.cista ~a~ileiro", de Ot<ivio de ja-se, pois, como e tarefa critica delicada - bem pouco amiga de
Paria ( 162 ). improvisa~öes culturais e sentimentais - reivindicar gl6rias que
E verdade que, depois das ataques modernistas, se tomou o tempo foi contrastando ou esquecendo.
sensivel certo desejo de pondera~iio, de meio-termo, so se falar Contemplado sub specie historiae, Coelho Neto sobrc:ssai co-
nos malsinados medalhöes do Pre-Modernismo. Muito louvavel, mo a grande presen~a litedria entre o crepusculo do Naturalis-
porque justo, o cuidado de niio se repetirem pregui~sam.~te mo e a Semana de 22. S6 Rui Barbosa, na orat6ria polltica, e
anatemas implacaveis. Mas, quando se usa a palavra "reabilita- Euclides, no chamado il consciencia da terra e do homem, ocupa-
~iio", carregando-lhe o acento valorativo, tambem se faz mister ram lugar tiio revelante na cultura pre-modernista. 0 prosador
outro tanto de pondera~ao e meio-termo. Reabilitar, em que maranhense parecia talhado a prop6sito para polarizar as caracte-
risticas de gosto que se soem atribuir ao leitor culto medio da
( 159) Transcrevo, com poucos retoques formais, o texto que dedi-
Primeira Republica. Um leitor que julga amar a realidade, quan-
quei a Coelho Neto, Afr:lnio Peixoto e Xavier Marques em 0 Pre-Moder- do em verdade näo procura senä:o as suas apar@ncias menos tri-
nismo S. Paula, Cultrix, 1966, pp. 75-88. viais ou menos trivialmente apresentadas; um leitor que se com·
( '1ao) HENRIQUE MAXIMINIANO CoELHO NETO ( Caxias, Maranhäo, praz na superficie e no virtuosismo: um leitor, em suma, funda.
1864 - Rio, 1934 ), Romances: A Capital Federal, 1893; Miragem, 1895; mentalmente hedonista. As qualidades mestras de Coelho Neto
0 Rei Fantasma, 1895; Inverno em Flor, 1897; 0 Morto, 1898; 0 Paral-
ro, 1898; 0 Ra;J de Pendiab, 1898; A Conquista, 1899; Tormenla, 1901; ajustavam-se-lhe como a mäo e a luva: curiosidade, mem6ria e
0 Arara, 1905; Turbilhäo, 1906; Es/inge, 1906; Rei Negro, 1914; 0 Mis- sensualidade verbal, que o escritor confundia com imagintlfäo:
tbio ( em colabora~ä:o com Afrfutio Peixoto, Medeiros e Albuquerque e
Viriato Correia), 1920; 0 Polvo, 1924; Fogo-Fawo, 1929; Lendas: Slll- A minha faculdade essencial e a imagina~o. Vivo a sonhar, es
dunes, 1900; lmortalidade, 1926. Contos: Raps6dias, 1891; Praga, 1~94; idCias pululam. no meu cCrebro e sinto que sä:o as sementes antigas
Baladilhas, 1894; Fruto Proibido, 1895; Sertäo, 189.6; Album de Coltban, que se fazem floresta. Comecei a estudar em livros orientais.
1897· Romanceiro, 1898; Seara de Rute, 1898; Ap6logos, 1904; A Bico Foram As Mil e Uma Noites a obra que mais funda impressäo dei-
de Pena, 1904; Ägua de Juventa, 1905; Treva, 1906; FabulOrio, 1907; xou em meu espfrito quando se ia formando, depois as hist6rias
Jardim das Oliveiras, 1908; Vida Mundana, 1909; Cenas e Per/is, 1910; que me contavam nos seröes tranqüilos, e, finalmente, as leituras.
Banzo 1913· Melusina, 1913; Contos Escolhidos, 1914; Conversas, 1922; Eu procurava, de preferE:ncia nos poetas, es descrir;öes da vida le-
Vesp/ral, 1922; Amor, 1924; 0 Sapato de Natal, 1927; Contos da Vida e vantina - em Byron o D. Joäo, A Noiva de Ahidos, o Giaour,·
da Morte, 1927; Velhos e Novos, 1928; A Cidade Maravilhosa, 1928; Ven- em Gautier o seu grande munde fantastico; em Flaubert Salam.mb8,
cidos 1928· A Arvore da Vida, 1929. Nä:o se citam aqui es obras de e assim sucessivamente (A Conquista, Porto, Chardron, 1928, Plig.
crOni~s. de' mem6rias, de teatro e as conferE:ncias cfvicas e didliticas. Re- 396).
ferCndas completas em Paula Coelho -·Neto, Bibliografia de Coelho Neto,
Rio, Barsoi, 1956. Consultar: JosC Vetfssimo, Estudos de Literatura Bra- A confissiio revela antes o espirito voraz que sabera reter e
sileira, 4.• sCrie, 2.• ed., Rio, Gamier, 1910; PCricles de Morais, Coelho
Neto e Sua Obra, Porto, Lello, 1926; Paula Coelho Neto, Coelho Neto, gozar o mundo das sensa~öes do que a mente intuitiva, criadora
Rio, ZClio Valverde, 1942; Brito Broca, "Coelho Neto, romancista", em de novas e fortes imagens.
0 Romance Brasileiro (coord. de AureJ.io Buarque de Holanda), cit.; Od- A inquieta curiosidade, apoiada em ums mem6ria invulgar,
vio de Paria, "Apresenta~ä:o" a Coelho Neto - Romance, Rio, Agir, 1958;
Herman Lima, "Coelho Neto: As Duas Faces do Espelho", Introdu~ a foi o pressuposto psicol6gico do "realismo" exaustivo do prosa-
Coelho Neto, Obra Seleta, .Rio, Aguilar, 1958. dor; ja ao seu evidente pamasianismo serviu o gosto sensual da
( 161) "Histriä:o ou Literato?'', in Rev. Contemporlinea, 15-2-1918. palavra. Documenta e ornamento levados 1ts Ultimas conseqüeti-
(162) "Coelho Neto", in Jornal de Letras, ano I, n. 0 3, Rio, set. cias. Per~eguir o roteiro narrativo de Coelho Neto e ilustrar essas
de 1949. afirma~öes.

222 223
Em 1893, saiu seu ptimeiro"romance: A Capita/ Federal. Depois de Miragem, o escritor lan~ou-se a uma cria>iio ficcio-
A simples conferencia das datas afasta a hip6tese de tomar como nal febril, datando de 1895 seu primeiro romance-lenda ( 0 Rei
fontes A Cidade e as Se"as ou A Capital de E91 de Queir6s. Fantasma), experiencia que se mostrou fecunda ao longo de sua
Coelho Neto tinha o que dizer de seu naquele romance juvenil. carreira liter:iria e que se mesclaria a vagas tendencias para o
Brito Broca, no excelente ensaio que escreveu sobre o romancis- espiritismo, desde 0 Raia de Pendjab ( 1898) ate Imortalidade
ta, chama-lhe "crönica romanceada'~. ~ estrutura e, de fato, mis- ( 1923), passando por Esfinge ( 1908), alem de v:irias cole~öes
te: em torno das surpresas e decep~öes do jovem Anselmo, vin- de novelas e de contos que näo cabe aqui analisar.
do da provfncia para o Rio de Janeiro, o autor alinhavou os seus De releväncia, e seguindo sempre a cronologia, aparece, em
capltulos, cuja insistCncia nos elementos descritivos e pitorescos
1897, Inverno em Flor. Os tons romanticos, que, guisa de a
ornamento, sombreavam a tes_situra de Miragem, cedem aqui lu·
lhes trai a natureza de verdadeiras crönicas, ornados documen- gar a uma viva colora,äo naturalista. Reponta a curiosidade pe-
tos da vida carioca onde näo säo pessoas que se movem, mas ti-
los aspectos m6rbidos da psique, julgados por Aluisio, Caminha
pos, e onde os ambientes crescem do escritor para o leitor, a for- e Julia Ribeiro como inerentes ao romance experimental a Zola.
~a de mimkias acumuladas. A hereditariedade doentia gera a loucura e um amor incestuo-
A primeira experiencia seguiu-se um romance ate certo pon- so: eis a tese documentada e dramatizada neste Inverno em Flor.
to feliz, pela relativa sobriedade dos meios utilizados: Miragem Nao deixa de ser instrutivo o confronto com os naturalistas pre-
( 1895). A hist6ria de uma famflia atribulada pela morte do cedentes: explorando materia que lhe parecia menos fantasiosa,
chefe e conduzida atraves de narra~öes convincentes da vida do- Coelho Neto buscou no romance certo grau de concisäo, saindo-
mestica, embora o fato crucial da morte do pai tenha dado a -lhe ils vezes uma prosa realmente enxuta. 0 metodo natura-
Coelho Neto a oportunidade para um desafogo verbal excessivo. lista fe-lo trabalhar a biografia da personagem central, Jorge Soa-
A !er com aten~ao, descobre-se que o velho estilo de Jose de res, com os cuidados de um elaborador de [ichas clinicas: nasci-
Alencar, escorado no adjetivo ( 163 ) e no adverbio de modo, con- mento, infii.ncia, primeiros- brinquedos e estudos, insistindo na
tinuou a proper f6rmulas descritivas e narrativas ate o ad.vento aparente normalidade da vida de um filius tamiliae, que, no en-
da revolu~ao modernista. 0 que Coelho Neto acrescenta a lin- tanto ( e ai entra o determinismo biol6gico), trazia em si os ger-
guagem romantica e a novidade das imagen; veiculadas pelo seu mes do desequilibrio herdados da mae, cuja insanidade s6 se ma-
realismo burguf:s, sem dU.vida diverse em extensäo, se näo em nifesta quando Jorge chega a juventude. Para o prosador ma-
profundidade, do "realismo" alencariano. No fundo, ha um no- ranhense, o essencial, porem, era a possibilidade de descrever e
t:ivel alargamento tem:itico ( e, portanto, lexico), sem, porem, amplificar os v:irios aspectos da degenera~ao er6tica e da loucura.
qualquer transforma~ao ideol6gica radical. Ern Miragem, o in- E, ao fixar o gesto, a aparfuicia reveladora, em sua mjp6cia ex-
teresse pelo documento concentra-se na reprodu~ao de uma cena pressiva, supera, de fato, aqueleS naturalistas em cuja esteira se
a que o narrador de fato presenciou: a proclama~ao da Republi- pusera. Mas no conjunto, e sobretudo na determina,ao dµeali·
ca, vista pelos olhos do soldado Tadeu. E o momento mais equi- dade social e de seus reflexos morais, nao atinge a for>a m:iscula
librado do livro; seguem-no a dßen~a e o firn de Tadeu, cuja do Aluisio de 0 Corti~o.
narra~äo se insere no plano da eiplora~ao sentimental, em ter· 0 horizonte, liter:irio stricto sensu, de Coelho Neto, obstruia-
mos prolixos, de uma vida infeliz. 0 que em certa medida, ca- -lhe outras perspectivas que nao fossem a da expressividade frag-
racteriza o romance e o extrema dos demais. conferindo-lhe uma mentada, pr6pria da mente parnasiana. Por outro lado, a sen-
cor romantica acentuada, que s6 reaparecer:i; em nlvel alias supe- sualidade difusa na psicologia do escritor e respons:ivel por ui:n
rior, em T urbilhäo. deter-se entre folhetinesco e mundano no universo dos objetos:
vestes, m6veis, alfaias e ninharias de alcova onde se respira um
pesado odor de belle epoque e onde se pöem entre parenteses,
( 163) Em entrevista concedida a Joä:o do Rio, Coelho Neto decla- com muita freqüencia, o desenrolar dos fatos e a vida interior das
rou: "A palavra escrita vive do adjetivo, que ~ a sua infl.exäo" ( 0 Momm- personagens.
to LiterOrio, Rio, Garnier, s. d., p8g. 54).

224 225
O Morto ( 1898) e um romaace todo documenta!, embora ignorada, como tenho constantc:mente testeffiunhado, que niio a le·
sem as intent;öes naturalistaS de Inverno em Flor. Narrando a vem em conta os que pretendem negar por completo a produ~äo
do escritor, nem citada em primeiro lugar pelos que lhe procuram
revolta da Armada, Coelho Neto reconstituiu as hesita~s e as fazer algumas _concessöes, e coisa que, fraocamente, niio compreen-
fraquezas de um perfodo ainda infantil da vida republicana. E do. S6 esse hvro, parece-me, bastaria para dar a Coelho Neto um
fe-lo com fluencia. 0 epis6dio sentimental do protagonista que, lugar de dc:staque no ficcionismo brasileiro ( 164).
refugiado em Minas, af encontra um\. ad.olescente enfermi~a que
por ele se apaixona, parece alltes apendice buc61ico do que cer- 0 escritor, procurando recusar-se 3 prolixidade conatural a
ne dessa autf:ntica crönica hist6rica. seu temperamento, pöde ser fiel a frase com que acompanhou o
Ern 1899, Coelho Neto escreve mais um romance-documen- titulo da obra: "Simples como a verdade". O entrecho e uno:
to, desta vez fortemente autobiografico: A Conquista. A mem6- um lar pobre, composto de viuva, filha e filho; o rapaz Iabuta na
ria da sua juventude boemia, que coincidiu com as lutas finais da revisäo de um jornal para sustentar-se e aos seus, mas o medo a
Aboli~äo e da Republica, acha-se presente em muitfssimo pas- misfria e o chamado da carne ( difuso, como vimos, em toda a
sos da sua obra, mas domina soberana dois de seus romances: obra de Coelho Neto) corroem a modestia digna da famllia. A
A Conquista e Fogo-Fdtuo. Avultam as figuras de Patrodnio, mor;a foge com um sedutor rico, e o irmäo, acabrunhado de ver-
g~nha, reti~a-se do trabalho e comer;a a involuir para uma vida
Paula Ney ( Neiva), Pardal Mallet ( Pardal), Guimaräes Passos
vil, que a f1gura oleosa e TU.brica da mulata Ritinha encarna com
( Forrunio), Aluisio Azevedo ( Ruy V az), Olavo Bilac ( Otavio
perfeir;äo. 0 enredo propiciava encontros fatais: o irmäo pobre
Bivar), Muniz Barreto ( Montezuma), alem do pr6prio autor (An-
em busca do ouro da irmä rica; a filha prostituida diante da mäe
selmo), envoltos em uma aura de panache que, no entanto, nä:o humilhada. Mas o romancista soube contornar os efeitos melo-
chega a ofuscar o verossfmil da reminiscf:ncia. Toda a esc~la de dram3ticos, fixando töda a sua aten\'.äO na verossimilhanr;a das
valores do jovem Coelho Neto, as idiossincrasias do literato fin situa<;öes e dos gestos, no constrangimento agudo das frases di-
de siede, as mazelas de uma boemia de jornal e cafe, que vive ~as 8. pr:ss~ ou com ~fetada desenvoltura. Embora reaparer;am,
entre veleidades polfticas e liter3rias: eis o cen3.rio e a substB.n- mdefect1ve1s, os enca1xes ornamentais na evocar;äo assidua dos
cia de A Conquista, que iräo avivar-se ainda mais em Fogo-Ftltuo, ambientes, o fenömeno näo chega a comprometer o nivel do ro-
com aqueias mesmas figuras centrais. Para e historiador de nos- mance que emerge das rela~öes s6cio-morais projetadas em for-
sa vida liter3ria valeräo sempre esses dois testemunhos na me- ma de imagens, cenas e di3logos, no comportamento das perso--
dida em que entremostram as implica,öes sociais e psicol6gicas nagens. Alem disso, boa parte das descri~öes obedece aquela
de um estilo de vida onde aflora, pontilhadamente, o hibridismo concep,ao mais despojada que presidiu a todo o romance: leiam-
de medfocre realidade e evasäo verbal. -se, por _exemplo, as. que reproduzem uma sessäo espirita ( cap.
Do documento de uma gera,äo passou de növo ao caso psi- X) e o iogo no cassmo ( cap. XIII), ambas excelentes pela sin-
col6gico, a patologia da vida domestica, que havia tentado em geleza e pertinfocia dos dialogos.
lnverno em Flor. Trata-se de Tormenta ( 1901 ). A "anomalia"
explorada agora e a mem6ria constante da esposa morta que nlio Depois de T urbilhiio, Coelho Neto demorou quase dez anos
consente ao protagonista a plena frui~äo de suas segundas nupcias. para escrever outro romance de fölego: Rei Negro ( 1914): an-
dan~as politicas, conferencias e o ensino de Literatura no Col6-
"Anoma1ia" complementar: os ciU.mes. Mas o realismo descri-
tivo que circunda o enredo e se arrisca a abafa-Io lembra um ~ gio Pedro II haviam-Ihe tomado o tempo e as aten,öes. Mas
decadente, infenso a vigorosas sinteses expressivas e perclido em. nesse novo trabalho, a que chamou "romance b3rbaro" e sens{~
um mar de solicita,öes igualmente sedutoras que näo tem for~ vel 0 desejo de construir uma obra epica, pelas dim:nsöes do
para reduzir e escolher. Apesar disso, e um livro rico de certei- her6i: o negro Macambira, de nobre estirpe, isolado e grande
ras observa<;öes morais, que preludiam os bons momentos nar- na "senzala, infinitamente superior a abj~äo e a luxi\ria sem freios
ratives de T urbilhiio.
0 Turbilhäo, publicado em 1906, assinala o ponto culminan· ( 164) Brito Broca, "Coelho Neto, romancista'', cit.
tc dessa carreira täo cheia de altos e 'ba.i.xos.
Que tel obra seja

226 227
dos outros cativos e, por fim, v{tinrtt e vingador da desonra con- Uma tarde de calor:
jugal que o sinhozinho branco lhe infligira.
0 morma,o era sufocante. O ar, parado e denso, abafava co-
Coelho Neto carregou como nunca as tintas, näo apenas na mo as fumaradas de agosto. Quando o sol aparecia, amarelo e fus-
mimese dos ambientes da fazenda, especialmente os mais s6rdi- co, acendia-se um calor de febre ( Cap. VI).
dos, como na exalta~äo moral do protagonista. E um romance
que, a for~a de querer-se obietivo, ttlli demasias e ingenuidades Uma tempestade:
romanticas: Serve, por outro lado, de paradigma daquele estilo
coelhonetano, que pareceu a posteridade a Unica heran~ expres- Longinquos, com reboante fragor, tronavam· trovöes soturnos.
( ... ) Cresceu a aflic.;äo das iirvores: os bambuais vergavam·se em
siva do prosador: linguagem virruosistica e acumulativa por cx- mesuras e o estrondo ribombava 8. fulgurac.;äo sulfUrea dos reläm-
celencia ( 165 ), voltada para o efeito plcistico e ~onoro. pagos. Mas um estampido seco estalou rispido, violenta rajada arre-
piou a paisagem e a chuva iispera, grossa, chegou estrepitosa, tä.o
Alguns exemplos, come~ando por uma dan~a dos negros: densa que fechou a vista a tudo, como um muro de a\o. Acre e
morno subiu da terra um bafio de barro virgem ( Cap. VIII).
Um som rascante, estralejado, vinha crescendo estrldulo como
um rolar de pedrou~os, vozes confusas, guais em coro, trons de
tambores, rechuchado de chocalhos, soidos dspidos e, sobretudo, As nuvens da tarde:
perene, um rouco e lUgubre grugulho.
No ar cenileo da tarde, sob o vöo ernitico dos morcegos, aqui,
E ribombaram. tambores, o som arranhado do gaza, ringiu, cas-- ali, esgart;:ando-se das moutas, fluiam fumos d.i:ifanos fundindo-se
cavelaram trCpidos chocalhos e, entre archotes de palma, a farin· no espa~o nevoado (Cap. X).
dula surgiu em zanguizarra - negros e negras aos pulos, rebolea-
dos, uns com plumas i cabet;:a, colares de cocos, manilhas e pulsei·
ras de penas, esgrimindo paus i maneira de zargunchos, atirando, Sao trechos que bastam para delimitar o estilo tfpico de
aparando golpes em duelos; outros corcoveando aos arremessos fe- Coelho Neto: evidentemente sincretico, na medida em que ten-
linos, rugindo roucos; velhos, em passos arrastados, altivos, com de a amalgamar a intern;äo documenta! com o brilho da palavra
entono senhoril de chefes; mulheres bracejando aos guinchos e. re- p!astica e sonora. Näo se deve reduzir toda a prosa de Coelho
troando, pufras, marimbas, urucungos e as vozes estrugindo em bur-
burinho horrfssono que, por vezes, descafam. em dolCncia ftinebre Neto a esse m6dulo, se bem que mais vistoso e freqüente, tal a
como um can~o de morte (Cap. IV). variedade de aspectos de sua obra. Tambem näo parece licito
negar-lhe o dom de um genuino talento expressivo, condi~äo pri·
Reproduzindo os ruidos da noite: meira de todo artista. Coelho Neto niio era um escritor arbitra-
rio e falho enquanto homem que usava da palavra como instru-
A noite enchia-se de vozes estranhas, os sapos coaxavam, gar. mentO semäntico; sua linguagem e correta e precisa ate ao pe-
garejavam, malhavam; eram trissos, zizios sutis, estrilos, pios cre- dantismo, ä. obscuridade, ao preciosismo. 0 que validamente se
bros e, de quando em quando, numa lufada mais forte, o farfalho lhe contesta e aquela qualidade rara de atingir sem esc6rias um
das ramas escachoava como num rebojo d9guas (Cap. V).
nivel de profundidade. Sem essa virtude, forma superior da con-
cisäo, näo se chega a resistir ao tempo, isto e, a consciencia dos
As sombras: valores, cujos caminhos levam cada vez mais para a concentra·
~äo no essencial.
As sombras animavam-se despegando-se das paredes como pa-
pel solto, subindo do soalho em fumaradas, afetando formas bi- Reabilita-lo incondidonalmente iem, por tudo isso, ares de
zarras, esguias, aladas, pairando, rastejando, esvoa\ando (Cap. VI). quixotismo digno de melhor causa; mas compreende-lo em sua
situa~äo hist6rica e tarefa que 0 critico de hoje pode e deve
tentar.
( 165) Cf. o estudo de Fausto Cunha, "Recursos Acumulativos em
C. Neto", in Folha da Manhä, S. Paula, 25-8-1957 e 8·9-1957.

228 229
Atranto Peixoto da vida em sociedade ou coment3rios acacianos que se preten-
dem finos e argutos.
Partilhando com Coelho Neto os caractercs mais notiiveis . Nos romances de ambienta,äo baiana e sertaneja (Maria Bo-
do realismo epigönico, Afränio Peixoto ( 166 ) näo deixou, porem, ntta, Fruta do Mato e Bug;~nha), essa facilidade agrada, pois tem
uma obra de fic,äo täo volumosa, dadas as suas mUltiplas curio- algo de naturalmente bucolico, causando efeito inverse ao do re-
sidades. de divulgador e erudito.
... - gionalismo prolixo e arrebicado que tanto se deplora nos con-
tos de Coelho Neto e Alcides Maia. Seja como for, Afraruo Pei-
Escreveu romances de cosiumes rurais, continuando uma tra-
di,äo que vinha de Alencar e Taunay. Seu realismo sertanejo xoto guardava distäncias psicol6gicas e estilisticas dos ambientes
e, portanto, de extrat;äo romäntica; de um romantismo, enten- evocados: sabia deter-se no meio do caminho entre o preciosis-
da-se, temperado, nascido de uma personalidade alheia a violen- mo e a transcrü;äo folcl6rica, entre o ornamento e o documenta.
cias, observadora, maliciosa mas sem fel, no fundo tolerante c Da! a elegäncia simples e corrente dos seus melhores romances:
epicurista: em suma, belle epoque. Maria Bonita e Fruta do Mato.
Quanta as suas tentativas insistentes e insinuantes de fazer Ern Sinhazinha, seu Ultimo romance, Afraruo Peixoto, se-
"psicologia ferninina" ( 167 ), a verdade e que nunca ultrapassa- guindo ainda o rico veio de Alencar, deu um exemplo de recons-
ram os lugares-comuns do provincianismo cultural de festejado titui,äo hist6rica, narrando as lutas sangrentas entre duas faml-
academico. Entretanto, mais direto e mais diplom3.tico no uso lias tradicionais do alto Säo Francisco; mas aquele mesmo mun-
da linguagem que Coelho Neto, distante dos extremos e propen- danismo diplomatico que lhe desvirilizara os primeiros roman-
so a ironia, o autor de Maria Bonita pöde estabelecer, com ai- ces o impe~':1 aqui de ascender a epicidade bronca que o argu-
to nipido, contato com um publico despretensioso, o que deve rnento prop1ciava.
ser dito em seu favor, pois respirou na juventude uma atmosfera
de requinte parnasiano-decadente, como atesta seu primeiro e
Unico livro de versos, Rosa Mistica, editado em cinco cores por Xavler Marques
uma tipografia de Leipzig ...
Largos trechos de suas hist6rias citaclin"as (A Esfinge, Uma A Bahia sertaneja de Afränio Peixoto näo e a de Xavier
Mulher como as Outras, As Razoes do Corafiio) semelham crö- Marques( 168 ). Este, id1lico marinista, povoou sua novela Jana
nicas mundanas, tal a fluencia jornalistica e um pouco facil de- e Joel com os genios e as sereias da llha de Itaparica.
mais das epis6dios. Os contrastes entre as personagens e, em Tarnbern o regionalismo de Xavier Marques esta permeado
particular, entre estas e as circunstäncias, näo se interiorizam, de tons rorniinticos, tanto que os amadores de fontes literarias
isto e, näo se transformam em conflitos, diluindo-se entre flashes ja lhe apontararn influencias de Bernardin de Saint-Pierre e de
Chateaubriand, a que se deve acrescentar o grande filtro lingiüs-
tico que foi Jose de Alencar.
(166) Juuo AFRi.N10 PEIXOTO (Len,6is, Bahi.a, 1876 - Rio, 1947).
FiC(:äo: A Esfinge, 1908; Maria Bonita:.1914; Fruta do Mato, 1920; Bu- Ha, porern, uma nota original na prosa do novelista baiano:
grinhtJ, 1922; As Razöes do Corafäo, 1925; Uma Mulher como as Outras, a estiliza,äo do folclore praieiro. As lendas da sereia e do boto
1928; Sinha:änha, 1929. Consultar: Tristäo de Ataide, Primeiros Estudos, ( no conto "A Noiva da Golfinho"), com seus componentes er6-
2.• ed., Rio, Agir, 1948; Leonfdio Ribeiro, Afrdnio Peixoto, Rio, E. Con-
ticos e fant<isticos, emprestam um car3ter insolitamente mltico
de, 1950; LU.da Miguel-Pereira, Prosa de Fic,äo, cit.; Afränio Coutinho,
"lntrodu1;äo Geral", aos Romances Completos, "Rio, Aguilar, 1962; Lufs
Viana Filho, "Apresenta~äo" a A/rdnio Peixoto - Romance, Rio, Agir,
1963. (168) FRANCISCO XAVIER FERREIRA MARQUES (Itaparica, Bahia, 1861
- Salvador, 1942). Uma Familia Baiana, 1888; Boto & Cia., 1897 (reed.
(167) Ern quase todas as suas obras: LU.da (Esfinge), Olimpia e
coIQ.o 0 Feiticeiro, 1922}; Praieiros - Jana e Joel, 1889; Pindorama, 1900;
Helena (Uma Mulher como as Outras}, Maria (Maria Bonita), Joaninha
Holocausto, 1900; 0 Sargento Pedro, 1902; A Boa Madrasta, 1919; As
( Fruta do Mato), Bugrinha e Sinhazinha, nos romances homönimos.
Voltas da Estrada, 1930. Consultar: David Salles, 0 Ficcionista Xavier
Marques, Rio, Civ. Bras., 1977.
230
231
a prosa documenta! e parn;.1.siana.-Oo autor, tambem respondvel etiqueta, mas sempre e tempo de desfazer equivocos. E o mc-
por uma academica Arte de Escrever e por dois romances hist6- lhor modo de desfaze-los neste caso e situar 0 problema a luz
ricos, alcncarianos no es pfrito, mas estritamente casti\os na lin- das componentes dinamicas do Modernisrno.
guagem : Pindorama e 0 Sargento Pedro. ( 0 Modernisrno, tomado na acepc;äo estrita do ruovimento
nascido em torno da Semana de 22, significou, em um primeiro
tempo, a ruptura com a rotina academica no pensamento e na
0 regionalismo como proc;irama linguagem, rotina que isolara as nossas letras das grandes ten-
s6es culturais do Ocidente desde OS fins do seculo. Conhecen-
Apcsar do prestfgio academico de Coelho Neto e de Afrä- do e respirando a linguagem de Nietzsche, de Freud, de Bergson,
nio P eixo to, ncm toda literatura regionalista perdeu-se nos ex- de Rimbaud, de Marinetti, de G ide e de Proust , os jovens mais
tremes do precioso ou do banal. Ern alguns contistas cuja pro· lucidos de 22 fizeram a nossa vida mental dar o salto qualitativo
d u\aO aparcce no come\O do seculo, a materia rural e tomada a que as novas estruturas sociais ja estavam a exigir. Nesse abrir-
sf:rio, isto e, assum ida nos seus precisos contornos Hsicos e so- ·se ao mundo contemporaneo, o Brasil reiterava a condic;a<J de
cia!s dentro de uma concepc;äo mimetica de prosa. E o caso do pafs periferico , semicolonial, buscando normalmente na Europa,
regionalismo de Valdomiro Silvei ra, de Sim6es Lopes Neto, de como o fizera em 1830 com o Roman tismo ou em 1880 com o
Hugo de Carvalho Ramos, que resultou de um aproveitamento Realismo, as chaves de interpretac;ao de sua pr6pria realidade.
literario das matrizes regionais. a
Entretanto, a mesma Corrente que fora aprender junto arte oci-
Na medida em que esse trabalho foi consciente acrescentou dental modos novos de expressao refluiu para um conhecimen-
algo a praxis literaria herdada ao Na turalismo. Este algo pode to mais livre e direto do Brasil: o nacionalismo seria o outro la-
interpretar-se como o lado brasileiro da oscilac;äo pendular na- do da praxis modernista.
cional-cosmopolita, que marca as culturas de extrac;äo colonial. Pode-se hoje insistir numa ciu noutra opc;äo, e contestar
Na mare parnasiano-decadente do firn do seculo, a configura\äO nos homens de 22 certo exotismo estetico, ou, na linha oposta,
polemica e ate certo ponto neo-romäntica da vida rustica prece- o seu amor as solm;öes folcl6 ricas, neo-indianistas, neo-romänti-
de o nacionalismo exaltado das modernistas. E se um Valdomi- cas. . . Mas o que näo parece muito inteligente e condenar com
ro e um Simöes Lopes näo puderam faze-la·· por meio de uma re-
arbftrio a-hist6rico 0 carater duplice que deveria fatalmente as-
volu~äo formal em virtude da sua pr6pria hist6ria intelectual,
sumir a cultura entre provinciana e sofisticada dos anos de 20
toda seculo XIX , o fato de terem pensado a terra e o homem
em Sao P aul o. Na sua vontade de acertar o passo com a Euro-
do interior ja era um sintoma de que nem tudo tinha virado helle
pa, sem deixar de ser brasilei ro, o intelectual modernista criou
epoque no Brasil de 1900. 0 projeto explicito dos regionalistas como p6de uma nova poesia, um novo romance, uma nova arte
era a f idelidade ao meio a descrever : no que aprofundavam a li-
plastica, uma nova musica, uma nova critica; e a seu tempo se
nha realista estendendo-a para a compreensäo de ambientes ru·
vera 0 quanto ainda lhe devemos.)
rais ainda virgens para a nossa fici;äo.
Voltando as costas para as modas que as elites urbanas im- A digressäo acima tem um sentido : mostrar em que alguns
portavam, tantas vezes por mero esnobismo, puseram-se a pes- dos nossos regionalistas precederam , em contexto diferente, o vi-
quisar o folclore e a linguagem do interior, alcan~ando em al- ve inter esse dos modernos pela realidade brasileira total, näo
guns momentos, efeitos esteticos notaveis, que a cultura mais apenas urbana. Hoje, quando ja se incorporaram a nossa cons-
moderna e consciente de um Mari a de Andrade e de um Gui· cicncia literaria o alto regionalismo critico de Graciliano Ramos
maraes Rosa niio desdenharia. Chama-los de "pre-modernistas" e a experiencia estetica universal d o regionalista Guimar äes Ro-
c, no entanto, arriscar-se a qüiproqu6s. 0 autor destas linhas sa, e mais facil reconhecer o trabalho paciente e amoroso de um
näo p6de, a certa al rura ( 169 ) , evi tar os escolhos da ambigua Valdomiro e de um Simoes Lopes, voltados para a verdadc hu-
mana da provfncia; e tanto mais convence esse esforc;o quando
( 169 J Ern 0 Pre-Modernismo, cit „ cap. III. ncle entrevemos, para alem da frui\äo do pitoresco, a pesquisa

232 233
de uma possfvel poetica da.. oralfoladc. Nem seria razoavel pe- Aflora nesses trechos a patina culta, a forma mentis parna-
dir-lhes mais, que todos foram prosadores crescidos na tradi~o siana do seu regionalismo. Näo raro, CQ!ocando entre parenteses
do conto oitocentista. a inten~äo sertanista que da tltulo ao livrö, o prosador abanda-
na-se a pr6pria tendencia de erudito brilhante, compondo recons-
titui,öes hist6ricas que tem a sua elegäncia. E o caso de "A Ca-
Afonso Arinos (1'•) ... - deirinha", crönica de um virtuose em torno de um objeto rococ6
dos tempos coloniais, esquecido no fundo de uma sacristia de
Afonso Arinos ( 171 ) e o primeiro escritor regionalista de Ouro Preto. 0 mesmo senso de observa,äo hist6rica faz de 0
real importäncia a considerar nesse perlodo. Hist6rias e quadros Contratador de Diamantes ( "epis6dio do seculo XVIII - frag-
sertanejos constituem o grosso de seu livro Pelo Sertäo. Näo se mento") um esboc;o de romance hist6rico a Alencar, genero para
lhe pode negar hrilho descritivo, näo obstante a minudencia pe- o qual Arinos demonstrou vocac;äo, como o atesta sua cr6nica
dante e näo rare preciosa da linguagem. No afä de caracterizar Os Jagum;os.
paisagens e ambientes, chega a clistrair a aten,äo do leitor, per- De resto, era consciente no escritor certo saudosismo que
dendo em for,a OS efeitos pateticos dos finais. Nele, e evidente oscilava entre o erudito e o sentimental:
um compromisso entre os processos descritivos do Realismo e o
sal vernaculizante dos parnasianos. Sirva de exemplo estc Nesta nossa terra, onde as tradi~s täo depressa se apagam,
tä:o cedo se esquecem as velhas usan~as, - o encontro muito raro
perlodo: de algum objeto antigo tem sempre para mim cousa de delicado
Um, de passagem, ati~ava o fogo, outro carregava o ancorote e comovente. M6veis ou telas, papeis ou vestuiirios - na sua fi.
sionomia esmaecida, no seu todo de d6 - eles me falam no senti-
cheio d:lgua fresca; qual corria a lavar os pratos de estanho, qual
do como uma mUsica Ionginqua e maviosa, onde se contam Iongas
indagava pressuroso se era preciso mais lenha. hist6rias de amor, ou se referem dramas pungentes de nä:o sabidas
lutas e mis&ias (Pelo. Sertäo - "A Velhinha").
As vezes, predomina o homem cu!to, de clic,äo "nobre".
Cantando a gl6ria do buriti, em hino escolarmente antol6gico a No entanto, a face propriamente regionalista e respeitavel
arvore solitciria, vem-lhe a mente aproxinia~öes ret6ricas com 0 em Pelo Sertäo. Ern alguns "causos" do sertäo mineiro, Arinos
mundo grego: ·soube comunicar com exatidäo e contido sentimento a vida agres-
te dos tropeiros, campeiros e capatazes, pintando-lhes os habitos,
Nem rapsodistas antigos, nem a lenda cheia de poesia do can- as abusöes, o fundo moral a um tempo ingenuo e violento. Sou-
tor cego da Iliada, comovem mais do que tu, vegetal anciäo, can-
tor mudo da vida primitiva das sertöes. be, alfm disso, visualizar como poucos a paisagem mineira, de
sorte que, abstraindo um ou outro rebuscamento de linguagem,
E, alguns perlodos adiante, acrescenta um grito baquico As explicavel pela cultura em que se formara, Afonso Arinos ainda
suas exclama~öes: pode ser considerado um das bons "descritores" do conto bra-
sileiro.
Poeta das desertos, cantor~.mudo da natureza, virgem das set·
töes, evoe. Quanto 8. narrai;äo, os seus momentos altos säo, natural-
mente, aqueles em que predomina a simplicidade, colhendo o au-
tor a vida ambiente a superffcie dos fatos ( "Assombramento" -
( 170) Transcrevo com retoques as pagmas dedicadas a Afonso Ari- Parte III, "Joaquim Mironga" e "Pedro Barqueiro") e assumin-
nos e aos outros regionalistas em 0 Pre-Modernismo, cit. do-a em um nfvel estilfstico mfdio, acima da mera transcric;äo
( 171) AFONSO ARINOS DE MELO FRANCO (Paracatu, Minas, 1868 -
folcl6rica, mas abaixo de uma intui,äo profunda da condi,äo hu-
Barcelona, 1916). Pelo Sertäo, 1898; Os ]agun,os, 1898; Lendas e Tradi-
,oes Brasileiras, 1917; 0 Mestre de Campo, 1918; Hist6rias e Paisagens, mana subjacente ao "tipo regional". Säo momentos de equili-
1921. Cf. Tristä:o de Ataide, Afonso Arinos, Rio, Leite Ribeiro &:: Mau- brio literario, que confirmam a reputa,äo de bom escritor que
rilio, 1922; Eduardo Frieiro, Letras Mineiras, Os Amigos. do Livro, 19.37. os pr6prios modernistas näo negaram ao prosador de Pelo Sertäo.
234 2)5
A critica, a comec;ar It~lo livi;p classico de Tristäo de Ataide, De velha cepa paulista, ca1p1ra de cora~o e cultura, este
foi, em geral, laudativa, ·mas apresenta uma voz discordante: o juiz e homem publico sem macula consagrou o melhor de seu ta-
inteligente e irreverente Eduardo Frieiro, cujo ceticismo e fran- lento na expressäo do meio caboclo, logrando alcan,ar efeitos de
camente hostil a personalidade do escritor, preferindo recortar aderencia ii vida e ao falar sertanejo em verdade admiraveis.
os periodos artificiais, friamente parnasianos, que pontilham os Arinos temperava a transcrii;äo da linguagem mineira com
contos de Pelo Sertlio. Sera o caso .Qe dizer: e verdade, ma non um sensivel comprazimento de prosa classica; ja em Valdomiro
troppo. A presern;a de uma 'afs dictandi hoje antiquada, na fa- Silveira predomina o gosto da fala regional em si mesma: sinta-
tura lingüistica do livro, näo invalida o acerto descritivo nem a xe, modismos, lexico, fonetica, quase tudo acha-se colado 8 vi-
fluencia narrativa daqueles momentos pelos quais Afonso Ari- vencia "das homens e das coisas do interior.
nos tem permanecido na hist6ria da prosa brasileira. Por outro Devem-se distinguir, para melhor apreciar criticamente a sua
lado, se o compararmos a outros sedizentes regionalistas no ro- obra, os contos em que o amor as vozes semidialetais supera de
mance e no conto de seu tempo, näo nos sera licito subestimar muito a trama romanesca (ex.: "O Truco", em Lereias) e aque-
o equilibrio que o "patriarca" mineiro soube manter entre os les cuja camada verbal serve de instrumento ductil e eficaz il
dois polos da sua forma~äo literaria. representa,äo dos dramas caboclos.
Exemplo magnifico deste segundo tipo e o conto "Camu-
nhengue", inserto em Os Caboclos, hist6ria de um sitiante que,
V aldomiro Silveira contraindo lepra, deve abandonar a propria famflia afundando-se
no mato como um reprobo. Ambiente, pathos e palavra fundem-
-se nos diferentes momentos da hist6ria, desde a consulta na ta-
Valdomiro Silveira ( 172) compartilha com Afonso Arinos o
pera do curandeiro, ao cair da noite ( trecho exemplar de fixa-
merito de ter iniciado em nossas. letras uma prosa regional ao 'äo de uma atmosfera), ate o episodio final, no meio da tem-
mesmo tempo patetica e veraz ( 173 .) pestade:
S:i Janu3ria chamava-o, chorando desesperada. E ele pergun-
( 172) VALDOMIRO S1LVEIRA ( Cachoeira Pa~lista, 1873 - Santos, tou-llie de repente:
1941) Os Caboclos, 1920; Nas Serras e nas Furnas_l931; Mixuango, 1937; - Eu volto, sim, eu volto: voce quer que eu deite oa sua
Lertias. Hist6rias Contadas por Eies Mesmos, 1945. Cf. 0 Mundo Ca- cama? Ah? näo quer, pois antäo? 0 mundo e mesmo assim!
boclo de Valdomiro Silveira, Rio, Jose Olympio, 1977. Recomer;ara a chover miudameri.te, o sol passava frouxo e sem
( 173) Agenor Silveira reivindica para Valdomiro Silveira a priori- quentura pelas cordinhas d'3gua, quando o Zeca Estevo bateu o
dade na composi~äo de contos regionalistas. Reproduzo, a titulo de do- taläo nas ancas da mula e disse com voz em que havia uma tristeza
cumenta~äo, palavras suas endere~adas a Monteiro Lobato, o primeiro edi- infinita e um desespero inenarrivd:
tor de Os Caboclos: - Adeus, antäo, meu povo dalgum tempo!
"Antes de tudo, e bom ir-te dizendo que Valdomiro foi o criador da Voltou a ventania, primeiro quase mansa, depois furiosa e
literatura regionalista no Brasil. Qu~ro fazer-lhe justi~a, que outros de- uivante. E enquanto ele se sumia na reviravolta do caminho, a
moram tanto em praticar, correndo-lhes, mais que a mim mesmo, o de- chuva engrossava, pouco a pouco, ate se fazer outra vez um poder
sempenho de täo leve obriga~äo. De fato, ate 1891, data em que aparece de tempestade:
no DiJrio Popular de Säo Paula, o seu primeiro conto intitulado "Rabi~ - ... Ai meu Säo Born Jesus do Pirapora!
cho", näo me consta que nenhum escritor brasileiro manifestasse qua_l-
quer pendor para o regionalismo que desde entäo se tornou a nota ma1s Dentro dessa linha de inten~ao e de realiza,äo, sitna-se qua-
viva das suas produ~öes, estampadas no Dii1rio da T arde, no Pais, na Ga- se toda a prosa de Valdomiro Silveira: quadros de paixöes de-
zeta de Notkias, na Bruxa e na Revista Azul. ( ... ) A escola por ele fun-
dada, prestigiou·a desde logo a pena ilustre de Afonso Arinos, honrou-a mentares ("Desespero de Amor"; "Velha Dor"), tende:ncia pa~
com seus trabalhos o imortal patrkio Coelho Neto, e nela se inscreveram ra_ o patetico ( "Esperando") e para o tr<lgico ( "Curiangos", uma
muitos e muitos outros nomes, inclusive o do fulgurante autor das Urupes" Obra-prima) e, onipresente, a preocupa\äo com o registo exato
f"Pref<lcio" a l.• ed. de Os Caboclos). dos costnmes interioranos.
236 237
Simöes Lopes Neto pantano, perseguida pelo sedutor e acompanhada -da rosa verme-
lha a boiar sobre o lodo ("No Manantial"); o fim sangrento do
Joäo Simöes Lopes Neto ( 174 ) e o patriarca das letras boi velho, pagina doida e feroz, hoje pagina obrigat6ria de an-
gauchas. tologia ( "0 Boi Velho"); ou a do contrabandista que fora bus-
Dentro do quadro global do regionalismo antemodernista car o vestido de noiva para a filha a qua! recebe o pai morto e o
e nele que se reconhece imediatame~e ;un valor que ttanscende ttajo nupcial empapado de sangue ( "O Contrabandista" ).
a categoria em que a hist6ria füeraria s6i fixa-lo. E o artista en- Näo se infira, parem, que os contos do prosador gallcho se
<.JUanto homem que tem algo de si a transmitir, ainda quando construam apenas em fun~ä:o desses efeitos impressionantes: eles
pare,a fazer apenas documentario de uma dada situa,äo cultural. crescem. harmonicamente, integrando a paisagem e os caracteres
Seus contos fluem num ritmo täo espontäneo, que o car3ter ·se- no entrecho. Essa arte, que faz de cada inflexäo de estilo um
midialetal da l1ngua passa a segundo plano, impondo-se a verda- modo necessario de exprimir o homem e as coisas, e uma arte
de social e psicol6gica dos entrechos e das personagens. viril alheia as tendencias da prosa ornamental de seu tempo.
0 caso do tropeiro que perdeu numa barranca as trezentas Das lendas do folclore gaucho que Simöes Lopes Neto fi.
om;as de ouro do paträo e narrado com a singeleza de um conto xou, respeitoso da oralidade poetica que as anima, lembremos
ao pe do fogo, mas as imagens e met3foras que nele cam.peiam em primeiro lugar a de A M'Boitata ( a cobra de logo), cujo be·
atestam a fon;a pessoal de um estilo que domina a pr6pria ma- llssimo prindpio pede transcri,äo:
teria: Ao dar pela perda, diz o gaucho:
Foi assim: num tempo muito antigo, muito, houve uma noite
E logo passou-me pelos olhos um claräo de cegar, depois uns tä:o comprida que pareceu que nunca mais haveria luz do dia.
coriscos, tirante a roxo. . . depois tudo me ficou cinzento, para
escuro ... Noite escura como breu, sem lume no cCu, sem vento, sem sc--
renada e sem rumores, sem cheiro dos pastos maduros nem das fl<>
res da mataria.
N as descri\Öes o colorido sai sempre natural, nunca empa&-
Os homens viveram abichornados na tristeza dura; e porq,ue
tado pelo amor do pinturesco a todo custo: churrasco näo havia, nä:o mais sopravam labaredas nos fogöes e pas-
savam comendo canjica insossa, os borralhos estavam se apagando
A estrada estendia-se deserta; a esquerda, os campos desdo- e era preciso poupar os ti(:öes ...
bravam-se a perder de vista, serenos, verdes, clareados pela luz ma-
cia do sol morrente, machucados de pontas de gado que iam-se arro- Os olhos andavam tiio enfarados da noite, que ficavam para-
lhando nos paradouros da noite; 9 direita, o sol, muito baixo, ver- dos, horas e horas, olhando, sem ver as brasas vermelhas do nhandu-
melho, dourado, entrando em massa de nuvens de beiradas lumi- vai. . . as brasas somente, porque as falscas, que alegram, näo sal-
nosas. tavam, por falta do söpro forte das bocas contentes.

E ha narra,öes de desfechos tragicos, cujas imagens perma- E a lenda gaucha por excelencia, "O Negrinho do Pasto-
neceräo na hist6ria de nossa prosa de arte: a morte da jovem no reio", em que o grande escritor soube infundir andamento de
( 174) JoAo SJMÖES LoPES NETO "(.Pelotas, Rio Grande do Sul, 1865-
bfblica solenidade_:
-1916 ). Cancioneiro Guasca, 1910; Lendas do Sul, 1913; Contos Gauches-
cos, 1926; Casos do Romualdo, 1952. Consultar: Manoelito de Ornelas, Caiu a serenada silenciosa e molhou os pastos, as asas doS pis-
Simbolos Bflrbaros, Porto Alegre, Globo, 1943; Augusto Meyer, "PrefS:- saros e a casca das frutas. Passou a noite de Deus e veio a manhä
cio" a ed. critica de Contos Gauchescos e Lendas do Sul, P. Alegre, Glo- e o sol encoberto. E trCs dias houve cerrai;ä:o forte, e ttCs noites o
bo, 1950; Aurelio Buarque de Holanda, "Linguagem e Estilo de S. L. N.", estancieiro teve o mesmo sonho.
Introdu~ä:o a ed. cit.; Carlos Reverbel, "J. Simöes Lopes Neto, Es~o
Biogr3fico", Posf3cio a ed. cit.; Llicia Miguel-Pereira, Prosa de Ficfäo, cit.; Sirnöes Lopes e o caso limite de uma ttadi,äo ou cultura que
Moises Velinho, "Apresentm;ä:o" a Contos e Lendas de S. L. N., Rio, Agir,
1957, Ligia Chiappini Leite de Moraes, Regionalismo e Modernismo, S. se encarna em uma sensibilidade riqufssirna sem perder nem des-
Paulo, Atica, 1978. figurar ( ao contrario, sublinhando) seus tra~os espedficos. E o
238
239
exemplo mais feliz de prosa_regioi;ialista no Brasil antes do Mo- Hugo de Carvalho Ramos
dernismO.
A vida dos tropeiros goianos encontrou seu narrador no
malogrado Hugo de Carvalho Ramos ( 176 ), jovem hiper-senslvel
que morreu suicida aos vinte e seis anos. Seus contos, reunidos
Alcides Maia em T ropas e Boiadas, revelam plena aderencis aos mais varia-
... - dos aspectos da natureza e da vida social goiana que reponta vi-
Numa dire,äo aparentern~nte igual a de Simöes Lopes, mas gorosa em toda parte, nlio obstante certa estiliza,äo preciosa a
em substäncia diversa, o gaucho Alcides Maia ( 175 ) representa que, alias, dificilmente poderia subtrair-se o adolescente insegu-
o regionalismo artificioso dentro de um estilo entre pamasiano e ro recem-vindo da provincia para a Capital.
decadente. Näo se deve explicar o preciosismo a Coelho Neto De seu e de bom, Hugo de Carvalho Ramos trouxe o fres-
de Alcides Maia por uma situa,äo cultural provinciana. Eie era cor da mem6ria e um andamento sem pressa, que da tempo ao
intelectual de razoavel espfrito crftico, como provam suas pagi- leitor para ver tambem ele uns campos verdes e ondulados bri-
nas sobre o humor machadiano. 0 seu provincianismo derivava lhando ao so!, e ouvir uns silencios de mata cinzenta e enluara-
da pr6pria tradi,ao parnasiana ainda em vigor e representada com da que nao se esquecem.
exito nacional por aquele mesmo Coelho Neto, que, alias, pre-
faciou Tapera. Inteligencia menos inventiva que assimiladora, E a presen,a e a inteligencia do folclore em seus melhores
Alcides Maia serviu-se da materia regional para projetar uma contos ("Magoa de Vaqueiro" e "Gente da Gleba") tera sido
preocupa,ao de estilo "elegante" e frondoso, caro a literarura provavelmente a razao pela qua! Mario de Andrade, em confe-
da epoca. rencia celebre sobre o Modernismo, apontou a leitura de Tropas
e Boiadas como exigencia cultural das novas gera,öes, interessa-
Diz Moises Velinho: das em conhecer de perto a realtdade brasileira.
... ele recorre a palavras como "deslumbroso" por deslum-
brante, "cabeladura'' por cabeleira, ''resplendorar" por resplandecer,
"fUlvido" por fulvo, "colorizar" por colorir, "aligar-se" por ligar-se,
"revolutos" por revoltos, "espavorecidos" pt'lr espavoridos. "remor-
daz" por mordaz, e assim por diante, atC o infinite (Letras da 1
Monleiro Lobato
Provfncia, eil., p. 19).
Deixamos de prop6sito em ultimo lugar, nesta resenha de
Esse mesmo car3.ter assimilador, que desfigurava em vez
de orientar a imagina~äo do contista, levava-o a "analisar" as
II escritores de inten~es regionalistas, o nome de Monteiro Lo-
bato ( 177 ).
suas personagens, insistindo em motiva~öes pato16gicas. de cunho 1

naturalista retardado, mas que continuavam como ingrediente


constante na fic~ä:o anterior a Primeira Guerra. 1

(176) HuGO DE CARVALHO RAMos (Goias, Est. de Goias, 1895 -


Trata-se, em suma, de um caso extreme de mistura parna- Rio, 1921). Tropas e Boiadas, 1917; Obras Completas, 1950. Consul·
siano-regionalista, incapaz de abrir ·caminhos, ao contr3.rio de Si- 1 tar: Afonso FClix de Sousa, "Apresenta~ä:o" aos Textos Escolhidos, Rio,
Agir, 1959.
möes Lopes Neto, cuja fo"a artfstica näo cessou ate hoje de (177) Jos:E BENTO MoNTEIRO LoBATO (Taubate, S. Paulo, 1882 -
obter reconhecimento. 1
S. Paulo, 1948). Obras de fia;äo: Uruph, 1918; Cidades Mortas, 1919;
Negrinha, 1920; 0 Macaco que se Fez Homem, 1923; 0 Presidente Negro
(175) ALCIDES CASTILHO MAIA (Säo Gabriel, Rio Grande do Sul, 1 ou 0 Choque das Ra~as, 1926. Consultar: Tristä:o de Atafde, Primeiros
1878 - Rio, 1944). Ruinas Vivas, 1910; Tapera, 1911; Alma Barbara, Estudos, Rio, Agir, 1948 (o estudo e de 1919); Jose Maria Belo, A Mar
1922. Cf. Augusto Meyer, Prosa dos Pagos, Säe Paula, Martins, 1?43; gem dos Livros, Rio, Anuario do Brasil, 1923; Sud Menucci, Rodapes, S.
MoisCs Velinho Letras da Provincia, P. Alegre, Globo, 1944; Flortano Paulo, Piratininga, 1934; Agripino Grieco, Genie Nova no Brasil, Rio,
Maia D'Avila, 6 Meio Ambiente na Obra de Alcides Maitl, Rio, Instituto Jose Olympia, 1935; Edgard Cavalheiro, Monteiro Lobato, Vida e Obra
Brasileiro de Educar;äo, CiCncia e Cultura, 1958. S. Paulo, Cia. Ed. Nacional, 1955, 2 vols.

240 241
0 papel que Lobato !Oxerce11- na cultura nacional transcen- di>iio moderno-antimoderno que dividiu o pensamento e a arre
de de muito a sua incfusäo entre os contistas regionalistas. Ele de Lobato.
foi, antes de tudo, um intelectual participante que empunhou a Permanece, contudo, o ficcionista de Urup§s, Cidades Mor-
bandeioo do progresso social e mental de nossa gente. E esse tas e Negrinha, embora näo na integra, em virtude daqueles pen-
pendor para a militäncia foi-se acentuando no decorrer da sua dores doutrin3rios que, nos Ultimos volumes, .introduzem no cor-
produ>iio literaria, de tal sorte que as primeiras obras narrativas po dos enredos mais de uma digressäo explicativa ou po!emica.
( Urupes, Cidades Mortas, Ne.grinba1"Jogo se seguiram livros de Mas näo se deve proCurar, mesmo nos momentos mais feli-
fic,iio cientlfica a Orwell e a Huxley, de polemica econömica e zes do contista, a categoria da profundidade, enquanto proj~o
social, que desembocariam, por firn, na originalissima fusiio de de dramas morais que revelem um destino ou configurem uma
fantasia e pedagogia que representa a sua literatura juvenil. existencia. Lobato era escritor de outro estofo: sabia narrar
Moralista e doutrinador aguerrido, de acenruadas tend~­ com brilho um caso, uma anedota e sobretudo um desfecho de
cias para uma concer>iio racionalista e pragmatica do homem, acaso ou violCncia. Daf decorrem seus riscos mais comuns: o
Lobato assumiu posi,iio ambivalente dentro do Pre-Modernis- ridfculo arquitetado dos contrastes e o paroxismo patetico niio
mo. Na medida em que a cultura do imediato p6s-guerra refle- menos arquitetado dos finais imprevistos e sinistros. De resto,
tia o aprofundamento de um filiio nacionalista, o criador do Jeca o ridiculo e o patc!tico, e as vezes o ridfculo patetico, säo quase
mantinha bravamente a vanguarda; com efeito, depois de Eucli- os unicos efeitos em fun,äo dos quais se articulam suas hist6rias.
des e de Lima Barreto, ninguem melhor do que ele soube apon- Ern Urupes, predomina a preocupa>äo de desenlaces depri-
tar as mazelas fisicas, sociais e mentais do Brasil oligarquico e mentes e chocantes: Lobato quis mesmo intitula-lo Dez Hist6-
da I Republica, que se arrastava por tras de uma fachada acade- rias Tragicas. Ja em Cidades Mortas.,. o desejo de reproduzir ce-
mica e parnasiana. Nessa perspectiva, Lobato encamou o divul- nas e tipos vistos nos vilarejos decadentes do Vale do Paraiba
gador agressivo da Ciencia, do progressismo, do "mundo moder- for,a a nota da satira local, emergindo caricaturas que tem Ja a
no", tendo sido um demolidor de tabus, a maneira dos socialis- sua comicidade. Por firn, Negrinha, que toma o tltulo do conto
tas fabianos, com um superavit de verve e de sarcasmo. inicial, e um livro heterog&ieo onde reponta com maior insistCn-
Entretanto .. _ essa mesma nota moralista e didatica afas- cia o documenta social acompanhado do costumeiro sentimento
tava-o do Modernismo de 22, ou ao menos das correntes irracio- polemico e da vontade de doutrinar e reformar.
nalistas que lhe permeavam a estetica. Lobato sentiria a vida No que tange a composi>äo, querendo imitar a objetividade {
toda, em nome do bom senso e da raziio ( como se fora um ve- de Maupassant, sem o genio do mestre, Lobato concentrava-se no
lho academico), total repulsa pelos "ismos" que definiram as retrato Hsico, na busca dos ddeitos do corpo ou dos aspectos
grandes aventuaras e as grandes conquistas da arte nove. risfveis do temperamento ou do cai::iter. Um anti-romantismo
centista: futurismo, rubismo, expressionismo, surrealismo, abstra~ algo pragm3tico, que o desviava continuamente da interioridade,
cionismo ... fazia-o descansar na superffcie dos seres e dos fatos cuja seqüCn-
A sua obra de narrador entronca-se na tradi,äo p6s-romiln- cia se revela por isso desumanamente funcional, no sentido da-
tica: retalhos de costumes interiÖranos, muita inten~ßo satfrica, queles mesmos efeitos de cömico e patetico que o autor queria
alguma piedade e efeitos variamente sentimentais ou pateticos. produzir.
Apesar de pontilhada de raro em raro por certas ousadias im- A indicai;äo dos limites da arte lobatiana parece colidir com
pressionistas, e uma prosa que näo rompe, no fundo, nenhum. a relevancia da figura humana que vive na hist6ria brasileira onde
molde convencional. 0 modelo näo atingido e E,a de Queir6s, ja assumiu um papel simb6lico. A verdade, porem, e que os li-
pela carga irönica e o gosto da palavra pitoresca. Um resto de mites esteticos derivam de um tipo de personalidade cuja dire-
purismo ( que ele täo bem satirizou em "O Colocador de Prono- c;äo bäsica näo era a estetica. Compreende..la em sua natureza
mes") levava~o a catar em Camilo vozes e torneios casti~amente espedfica, sem confundir os planos, e sempre a mais honesta das
lusos. S6 esse fato estilistico ja bastaria para denunciar a contra- · formas de lembra-la.

242 243
A POI;.SIA Vcndo atris Simon, Burdin, Turgot
E Kant c Condorcet e Leibniz - voou
Eie pra cumeada elCtrica da Gl6ria,
No decenio de 70 espraia-se com n1enos arte e mais gosto de Ap6s ter arrancado ao pClago da Hist6ria
abstrac;öes a corrente social hugoana que atingira seu ponto alto A vasta concha azul da Ciencia Sociall
na poesia de Castro Alves. Os promotores da Escola de Recife,
Tobias Barreto e Silvio Romero, e aliluns poetas forrados de in- "Cumeada eletrica da Gl6ria". . . "concha azu1 da Ciencia
genuo materialismo e fortes OOnvicc;öes antimon3rquicas, preten- Social" ... nunca os velhos rominticos desceriam tanto. Mas o
diam demolir, il for\a de versos libertarios, os pilares do conser- ato de negar e, como se sabe, fecundo. Reagindo ao que havia
vantismo romfilltico que se ajustara täo bem ao sistema de va- de caduco na pieguice dos ultimos intimistas, nao se caia fatal-
lores do Segundo lmperio. mente na ret6rica infeliz das versos citadas; abria-se tambCm
Ha boa messe da nova poesia parricipante nos Cantos do carninho para a exerclcio de uma outra linguagem, mais aderen-
Fim do Seculo (1878 ), de Sllvio Romero, nos Cantos Tropicais te aos sentidas, ao corpo, aos objetos que nos cercam.
( 1878 ), de Te6filo Dias, nos Cantos e Lutas de Valentim Ma- Par outro lado, mesmo no contexto da poesia romintica,
galbaes ( 1879), em Parisina, de Carvalbo Jr„ nas Telos Sonan- as imagens de Victor Hugo jci eram mais fortes e vivas que as
tes ( 1879), de Afonso Celso, nas Visöes de Hoje, de Martins de Lamartine; e foi a arte visual cintilante dos Chdtiments que
Jr. (1881), nas Opalas, de Fontoura Xavier (1884). Presente seduziu Theophile Gautier e Baudelaire e os ensinou a superar
em todos, alem dos ritmos hugoanos, o ideario do grupo de os chavöes do Ultra-romantismo. Lembrem-se estas palavras do
Coimbra cuja versäo poetica encontravam na Visäo dos Tempos, Ultimo, em honra da poesia hugoana:
de Te6filo Braga ( 1864) e nas Odes Modernas, de Antero de
Quental ( 1865). A mU.sica dos versos de Victor Hugo adapta-se as profundas
harmonias da natureza: escultor, ele recorta nas suas estrofes a for-
0 Diario do Rio de Janeiro registra nas suas colunas lite- ma inesquecivel das coisas; pintor, ilumina-as com a sua cor justa.
drias o momento agudo da febre: e a "Batalba do Parnaso" ( que E, como se viessem diretamente da natureza, as trCs impressöes pe--
nada tem a ver com parnasianismo), na qual se protestam os netram simultaneamente no cerebro do leitor. Dessa triplice im-
pressäo resulta a moral das coisas. Nenhum outro artista C mais
direitos da Ideia Nova, expressao igual a realismo, a democra- universal, mais capaz de se pör em contato com as for~as da vida
cia, a liberdade. Dos versos grandiloquos entao compostos nada universal, mais disposto a tomar um banho de natureza. Eie näo
restou, a näo ser um ou outro exemplo anto16gico de mau gosto, s6 exprime nitidamente, traduz literalmente a letra nitida e clara;
citado para escarmento da poesia de programa: mas exprime com a obscurid3de indispensavel o que C obscuro e
confusamente revelado ( 179).
A poesia de ontem de Abreus e de Varelas,
Coberta com 0 veu do triste idealismo,
S6 fazem-nos {sie) do amor as m6rbidas querelas De Baudelaire assimilam os nossos poetas realistas, Carva-
Sem olhar que a na~äo caminha pr'um abismo, lho Jr. e Te6filo Dias, precisamente os trac;os mais sensuais, des-
figurando-os por uma leitura positivista que näo responde ao
0 moderno ideal por sol- tem as dendas universo estetico e religioso das Flores do Mal. 0 eros baude-
Que as sendas lh'iluminatn; lairiano, macerado pelo remorso e pela sombra do pecado, esta
0 velho s6 tem flor, extratos e essencias, lange destas expansöes carnais, quando näo carnfvoras, de Car-
Passarinhos que trinam ... {178) 'I
'1 valbo Jr.:
1,,I Corno um bando voraz de IU.bricas jumentas,
Ou, de Martins Jr„ este hino a Augusto Comte: lnstintos canibais refervem-me no peito
("Antropofagia),
!:
Versos de Arnaldo Colombo, publicados na "Batalha do Par-
( 178) ( 179) Das Reflexions sur mes contemporains, ensaio que saiu na
naso" do Dillrio do Rio de Janeiro, 16-5-1878 (Apud Manuel Bandeira, Revue Fantaisiste de 15 de junho de 1861 e integrou mais tarde L'art ro-
Antologia dos Poetas Brasileiros da Fase Parnasiana, PrefS.cio). mantique.

244 245
ou de Te6filo Dias, -. nos a que se costuma dar o nome de neoparnasianos, nascidos
todos, il exce~äo do ultimo, depois de 1880: Jose Albano, Gou·
. . . da presa, cnfim, nos mUsculos cansados
cravam. com avidez os dentes afiados lart de Andrade, Martins Fontes, Hermes Fontes, Moacir de Al-
("A Matilha"). meida, Amadeu Amara! ...

Assim, e de um Baudclaire tr~ltdo' que decorre o primeiro


veio realista-parnasiano entre n6s; dele e da poesia ainda romin· Alberto de Oliveira
tica, mas contida e correta, de Luis Delfino e de Guimaräes Jr., Alberto de Oliveira ( 181 ) encetou o seu longo roteiro poe·
poeta dos Corimbos ( 1869) e dos Sonetos e Rimas ( 1880) e,
tico parecendo um romäntico retardat:irio. E embora, a partir do
.enfim, de Machado de Assis, que abrigou a nova ge~o nas segundo livro, Meridionais ( 1884), ja se afirmasse o "culto da
suas crönicas literarias e deu exemplo de um estilo s6brio e
forma" com que ele pr6prio definiria a natureza do Parnaso, a
reflexivo em alguns poemas escritos a roda de 1880, enfeixados,
nota intimista da estreia repontaria esparsamente ate os Ultimos
mais tarde nas Ocidentais.
poemas, provando que näo fora posslvel, nem ao primeiro dos
Quanto ao nexo literatura-sociedade: atuando-se entre 1880
mestres parnasianos, a impassibilidade qul!" a escola preconizava.
e 90 os prindpios liberais e republicanos e fixando-se como for·
ma de vida do escritor a dlade burocracia-boemia, vai perdendo Na verdade, a teoria do "poeta impassivel" era uma cho-
terreno a poesia de combate e triunfando a escola oficial do ver· chice que s6 a mediocridade da reflexäo estetica de todo esse pe-
so parnasiano. rlodo seria capaz de engendrar. Na origem, a poesia que se se·
guiu a dos romänticos tendeu a diferenciar o momento emotivo
pelo registro mais atento das sensai;öes e das impressöes, deslo-
0 Parnasicmismo
cando assim a tOnica das sentimentos vagos para a visäo do real.
Baudelaire fa1ava em "moral das coisas", o que nä:o significava
impassibilidade, mas objetividade. Desta ultima, mal entendida,
E na convergencia de ideais anti-romilpticos, como a obje- passOU·Se em pouco tempo ao fetichismo do ob;eto, a reifica(äO,
tividade no trato dos temas e o culto da forma, que se situa a
poetica do Parnasianismo.
( 181) ANTÖNIO MARIANO ALBERTO DE ÜLIVEIRA ( Palmital de Sa-
0 nome da escola vioha de Paris e remontava a antologias quarema, Provincia do Rio de Janeiro, 1859 - Niter6i, 1937). Comec;ou
publicadas a partir de 1866, sob o tltulo de Parnasse Contempo- o curso de Medicina, mas interrompeu-o, passando para o de Farm3:cia em
rain, que inclulam poemas de Gautier, Banville e Lecomte de que se diplomou. Exerceu cargos pUblicos ligados ao ensino: Diretor Ge-
Lisle. Seus tra~os de relevo: o gosto da descri~äo nitida ( a mi- ra} da lnstruc;iio, Professor de PortuguCs e de Literatura Brasileira. De
mese pela mimese), concep~öes tradicionalistas sobre metro, ritmo s6lido presdgio nos meios literarios, membro fundador da Academia Bra·
sileira de Letras ( 1897L foi, em 1924, eleito prfncipe dos poetas brasi-
e rima e, no fundo, o ideal de hnpessoalidade que partilhavam leiros. Morreu octogen3:rio sobrevivendo ao Parnasianismo e a pr6pria glO-
com os realistas do tempo. ria. Obras: Can~öes Romänticas, 1878; Meridionais, 1884; Sonetos e Poe·
Depois de Te6filo Dias ( 180 ); cujas Fanfarras, de 1882, po· mas, 1885; Versos e Rimas, 1895; Poesias, 1900; Poesias, 2.• sCrie, 1905;
dem chamar-se, de direito, o nosso primeiro livro parnasiano, a ti
Poesias, 3.• sCrie, 1913; 4.• sirie, 1927; Poesias Escolhidas, 1933; P6slu-
t ma, 1944. Consultar: JosC Verfssimo, Estudos de Literatura Brasileira, 2_•
corrente tera mestres seguros em Alberto de Oliveira, Raimundo serie, Rio, Garnier, 1901; 6.• serie, 107; MUrio de Andrade, "Mestres do
Correia, Olavo Bilac, Francisca JUiia. Renovada pelo forte Ji. Passada - IV - Alberto de Oliveira" (escr. em 1921), reprod. em M:l-
rismo de Vicente de Carvalho, ela perduraria tenazmente ate o rio da Silva Brito, Hist6ria do Modernismo Brasileiro. I - Antecedentes
segundo decenio do sCculo XX, merce de uma gera~äo de eplgo- da Semana de Arte Moderna, S. Paulo, Saraiva, 1958, pp. 241-250; PCri-
cles Eugenio da Silva Ramos, "A Renova~äo Parnasiana na Poesia", em
A Lit. do Brasil (dir. de Afr3.nio Coutinho) e cit.; Phocion Serpa, Alberto
( tso) V. Antönio Cändido, Introdu~äo ils Poesias Esco/hidas de de Oliveira, Rio, Livr. S. Jose, 1957; Joäo Pacheco, 0 Realismo, S. Pau-
Te6filo Dias, S. Paula, Comissäo Estadual de Cultura, 1960. lo, Cu!trix, 1964.

246
247
de que fala a er! tica dialetic'!.- ao analisar o esp!rito da sociedade ß um vclho parcdäo, todo gretado,
burguesa nos seus aspectos autofruidores. Roto e negro, a que o tempo uma oferenda
Deixou num cacto cm flor ensangüentado
0 parnasiano tipico acabara deleitando-se na nomea~o de E num pouco de musgo cm cada fcnda.
alfaias, vasos e leques chineses, flautas gregas, ta,as de coral, ("0 Muro")
!dolos de gesso em rumulos de marmore. . . e exaurindo-se na
sensai;äo de um detalhe au na mem4l"ia ~de um fragmento nar- Quando voltado para a natureza, Alberto de Oliveira e, em
rative. • geral, mais vibrante. Falando da palmeira livre na montanha,
Entre a sua atitude estetica e a de um pintor impressionis- um dos seus t6picos, au da fonte na mata, o pamasiano näo
ta ha uma diferen,a de peso: a miio deste e mais leve e pura, se subtrafa ao fascfnio da tradi<;äo romäntica que, sem dllvida,
menos carregada de inten<;öes; mas subsiste em ambos como fun- fora a grande redescobridora do mundo selvagem e da possibili-
do comum a ambi,iio de fixar meridianamente o jogo das impres- dade de os homens nele se evadirem guiados pela poesia.
söes visuais.
0 ato de objetivar-se retoma a senda da identifica'8o ani-
De tal poetica nasce a composi,äo do quadro, da cena, do mista:
retrato:
Estranho mimo aquele vaso! Vi-o, Ser palm.eira! existir num pincaro azulado,
Casualmente, uma vez, de um perfumado Vendo as nuvens mais perto c as estrelas em bandoj
Contador sobre o mfil"mor luzidio, Dar ao sopro do mar o scio perfumado,
Entre um leque e o com~o de um bordado. Ora os leques abrindo, ora os lcques fcchando;
Fino artista chinCs, enamorado,
Nele pusera o corac;äo doentio E isto que aqui näo digo entäo dizer: - quc tc amo,
Em rubras flores de um sutil lavrado, Mäe naturcza! mas de modo tal quc o cntendas,
Na tinta ardente de um calor sombrio. Corno enteOdes a voz do piissaro no ramo
Mas, talvez por contraste a desventura, E o cco que tCm no oceano as borrascas tremendas.
Quem o sabe? . . . de um velho mandarim E pedir quc, ou no sol, a cuja luz referves,
Tamb6n Ja estava a singular figura; „
Ou no verme do chäo ou na flor que sorri,
Que arte em pinta-Ia! a gente acaso vendo-a Mais tarde, em qualquer tempo, a minh'alma conscrvcs,
Sentia um näo sei quC com aquele chiin Para que eternamentc cu me lembre de ti !
De olhos cortados 9. feic;äo de amCndoa ( "Aspirac;äo")
( "Vaso Chin~s)

A arte pela arte, aspirando a desfazer-se de qualquer com- Texto quase todo fraco, mas significativo como tema. A
promisso com os niveis da existencia que niio os do puro fazer regressäo romäntica ainda mais se acentua quando se casam o
mimetico, na sua concep~äo parnasiana acaba especializando-se hino 8. natureza e os sons das mem6rias juvenis, nos cantos de
em uma arte sobre a arte que s~ concentra na reprodu,iio de "Altna em Flor".
objetos decorativos: Ja o vaso chines, aqui a copa e a esratua 0 que, entretanto, sela a const3.ncia da parnasiano em AJ.
grega: berto de Oliveira e a fidelidade a certas leis metricas que a leitu-
Esta de iiureos relevos, trabalhada ra de Castilho ( Tratado de Versifica,äo) e dos franceses mais
De divas mäos, brilhante copa, um dia,
Ja de aos deuses servir como cansada, rlgidos como Banville e Heredia pusera em voga e os conselhos
Vinda do Olimpo, a um novo deus servia. academicos de Machado de Assis tinham vivamente estimulado.
("Vaso Grego„) Forrados de tais princlpios, os nossos parnasianos entraram a de-
plorar, com ralo senso hist6rico, a "frouxidäo" e a ccincorr~äo"
Mas, quando consegue livrar-se do bizantinismo desses mo- dos romanticos, sem perceberem que estes tinham no ouvido ou-
tivos, o poeta produz versos expressives, belamente s6brios: tros ritmos, mais pr6ximos dos modelos medievais e populares,

248 249
e estavam mais inctinados a<> fluiclo e sugestivo da melodia que de uma poesia de sombras e luares quc inflectia am.illde cm me-
a mecänica do metro ( l82 ) • ' dita>öes desenganadas.
No c6digo novo condena-se o biato, responsavel pelo afrou- Estreou com uma cole~iio de versos em que Machado de
xamento dos elos entre as palavras; em conseqü&icia, rejeita-se Assis sentiu "o cheiro romintico da decadencia", os Primeiros
a dierese, que dilui a pronuncia dos ditongos. Acatando essas Sonhos, versos de adolescente que o autor näo incluiria na edi-
proibi,öes, Alberto de Oliveira cai "ll<!l>eiotremo oposto, a contra- i;äo definitiva das Poesias. Mas note-se que em meio a cadCn-
>iio sistematica das vogais que resulta no versa duro e martelado. cias casimirianas, ha um soneto a Ideia Nova, que jci entäo anwi-
Releia-se este verso de "Aspira~äo": ciava o republicano e o progres&ista.
Com Sinfonias ja temos o sonetista admiravel de "As Pom-
E o eco que tCm no oceano as borrascas tremendas.
bas'', "Mal Secreto", "Anoitecer", "A Cavalgada", "Vinho de
A contagem parnasiana do alexandrino une com violencia as Hebe", "Americana". Falando do sortilegio verbal do poeta,
trCs primeiras vogais (eo§) e elimina o hiato de ''oceano", es- Manuel Bandeira ( 185 ) nos ensinou a ver nele o autor de "al-
candindo o-cea-no. guns dos versos mais misteriosamente belos cTa nossa li'.ngua„,
A rigidez no nivel pros6dico ajustava-se aquelas pretensöes versos que, repetidos em tantas antologias escolares, nem por isso
de impassibilidade de Alberto de Oliveira que, como homem, foi perderiam o encanto de suas combina~Oes semanticas e musicais:
saudosista e sempre se alheou dos problemas nacionais, chegan- Raia sangüfnea e fresca a madrugada (As Pombas)
do mesmo a decktrar em um dos seus ultimos livros: "Eu hoje
dou a tudo de ombros, pouco me importam paz ou guerra e näo ( Bandeira comenta: "Quem niio ve nesse decassilabo todas
leio jornais" ( 188 ). as celagens e orvalhos da aurora?" )
Alias, niio s6 na mCtrica procurou ser duro o mestre flu- Neste, sublinha o efeito do hiato:
minense; tambCm a sua sintaxe mais de uma vez se contrai em A toalha frifssima dos lagos ( "Aria Noturna" ).
inversöes neoclassicas quando niio em verdadeiras slnquises har-
rocas, como se ve atentando para a primeir,!l quadra de "Vaso Aqui, a repeti>iio do dactilo:
Grego" acima transcrita. ~ a lua
Surge trCmula, trCmula ... Anoitece ("Cavalgada")
Com todos os seus limites, porem, Alberto de Oliveira re- 1

presentava algo que ia alem dos modismos do Parnaso: aquela em S. Paula. No periodo acadCmico foi ardente liberal e adcnirador de
mudan,a de eixo que se operou na poesia ocidental a partir de 1 Antero socialista. Formado, ingressou na magistratura. Durante algum
Gautier e de Baudelaire - da expressiio romantica do ego para tempo secretariou a legac;iio brasileira em Lisboa. Embora reconhecido
a inven,iio formalizante do objeto poetico. li pelos coetäneos como um dos melhores poetas do firn do skulo, pouco
participou da vida liter<iria escudando a pr6pria timidez com a reserva que

Raimundo Correia
II,. Ihe facultavam as func;öes de juiz. Morreu em Paris para onde fora em
tratamento. Obras: Primeiros Sonhos, 1879; Sinfonias, 1883; Versos e
VersOes, 1887; Aleluias, -1891; Poesias, 1898. Consultar: Alberte de Oli-
vcira, "O Culto da Forma na Poesia Brasileira", in Anais da Biblioteca
Menos fecundo e mais sensfvel, Raimundo Correia ( 1s4 ) es- 1

Nacional, vel. XXXV, Rio, 1913; Marie de Andrade, "Raimundo Correia"


bateu os tons demasiado claros do Parnasianismo e deu exemplo (escr. em 1921), reproduzido em M3.rio da Silva Brito, Hist6ria do Mo-
1 dernismo Brasileiro, I, Cit. pp. 234-241; Pc!rides Eugenio da Silva Ramos,
"A Renovac;äo Parnasiana na Poesia", em A Lit. no Brasil (dir. de Afränie
(182) V. os meticulosos estudos de Pericles Eugenio da Silva Ra-
Coutinho). cit., vol. II; Waldir Ribeiro do Val, Vida e Obra de Raimun-
mos em 0 Verso Romtlntico, Säo Paula, Conselho Estadual de Cultura,
1959, e em Do Barroco ao Modernismo, Säo Paula, C. E. S., 1967. do Correia, Rio, Instituto Nadonal do Livro, 1960; Joäo Pacheco, 0 Rea-
lismo, cit.
(183) Apud Geir Campos, Alberto de Oliveira - Poesia, Rio, Agir,
1959, p. 11. 0 texto encontra-se nas Poesias, 4.• serie ("Cheiro de Flor"). ( 185) M. Bandeira, "Raimundo Correia e o Seu Sortilc!gio Verbal",
( 184) RAIMUNDO DA MorA AZEVEDO CoRREIA ( Costas da Maranhäo Introduc;äo a Raimundo Correia - Poesia Completa e Prosa, Rio, Aguilar,
1859 - Paris, 1911). Fez humanidades no Colegio Pedro II e Direit~ 1961, pp. 12-32.

250 251
Outros exemplos de magia pla!ltica e sonora podem-se acrcs- Nos galhos da cheirosa laranjeira;
centar aos citados pelo cr!tic:O-poeta: E, ao silCncio e ao torpor cedendo, c@rra
0 dia os olhos no Ocidente absortos;
As cabcleiras llqüidas ondulam ("Missa Universal"), E fuma um negro incenso,
Que envolve toda a terra
Por ttus de ouro e de pllrpura raiados ( "Anoitecer"), - Sepultura comum, tllmulo imenso,
Dos vivos e dos mortos ...
0 sangrento perfil tra93 por trlt;o t"Luz e Treva"), E Eu do trono das nevoas, do cimerio
llha isolada como um dorso de baleia ( "A Ilha e o Mar"), S6lio de ebano, aos pes do qual, na altura,
Toda essa poesia c6smica fulgura,
De um sanguinoso abutre a rubra garra viva Vou jii descendo; e, aos poucos, lentamente,
("0 Povo"). Arrasto, desdobrada
Sobre este amplo hemisferio,
Dos cabelos a surda catadupa A minha solta cl:lmide tamanha,
("Americana"), Negra como remorso, e a que, someate,
Da lua crescentigera e chanfrada
A pomba da volUpia, a treva densa A ponta da unha luminosa arranha.
( uNa Penumbra"),
Na extrema raia do horizonte infindo Por outro lado, cadencias pre-simbolistas aparecem inequi-
( "Despedida"). vocas em "Banzo", soneto que M3.rio de Andrade admirava sem
reservas, e num dos Ultimos poemas que escreveu, "Plenilllnio",
Mesmo fora de contexto, esses versos resistem por seu ~ onde os claröes do astro se manifestam em sugestöes reiteradas,
der de transmitir sensar;öes raras, complexas, Os vezes agrupadas obsedantes, ate alcan,arem um clima de delirio:
em sinestesias. AICm nos ares, tremulante,
Era constante em Raimundo a capacidade de assimilar esti- Que visäo branca das nuvens sai!
Luz entre as fran~s. fria e silente;
los alheios, dom que lhe custou por vezes a p_;cha injusta de pla- Assim nos ares, tremulamente,
giario. Fino tradutor, fez seguir as Sinfonias, OS burilados Ver- Baläo aceso subindo vai ...
sos e Versöes em que da forma vernacula a poomas de Lope, By-
ron, Heine, Gautier, Hugo, Lecomte de Lisle, Catulle Mendes, Lunirias flores, ao feral lume,
Heredia e Rollinat. - Ca\:oilas de 6pio, de embriaguez -
Com o tempo, a poesia de Raimundo foi acentuando rra- Evaporavam letal perfume ...
E os len\:Üis d'iigua, do fetal lume
i;os que a estremam do espfrito parnasiano tal como se aclimou Se amortalhavam na lividez ...
entre n6s e a aproximam de Lecomte de Lisle pela filosofia amar-
FUlgida nevoa vem-me ofuscante
ga que revelam. Dessa percep1=äo negativa do mundo, chamado De um pesadelo de luz encher,
"agra regiäo da dor", ha exemplos-·v<irios nas Aleluias que, ape- E a tudo em roda, desde esse instante,
sar do tftulo, säo um brevi<irio de desengano: "Homem, embora Da cor da lua comC9) a ver.
exasperado brades'', ''Nirvana'', ''lmagem da dar'', "Desiludido'', E erguem por vias enluaradas
"Vana", o schopenhaueriano "Amor Criador" e estes versos das Minhas sandilias chispas a flux .. .
"Harmonias de uma noite de veräo", onde sopra um pessimismo Ha p6 de estrelas pelas estradas .. .
E por estradas enluaradas
c6smico: Eu sigo As tontas, cego de luz ...
Esta, de fel mesclada e de d~ra,
Melancolia augusta e vespertina, Um luar amplo me inunda, e eu ando
Que, com a sombra, avulta, cresce, invade Ern visioniiria luz a nadar,
E enche de luto a natureza inteira ... Per toda a parte, louco e.rrastsndo
Esse outro bardo, o sabia, näo tri.l)a 0 largo manto do meu luar •..

252 253
1
·.'
Olavo Bilac ·- Torce, aprimora, alteia, lima
A frase, e enfim,
No versa de ouro engasta a rima.
Fechando a triade e herdando o coro dos louvores academi- Corno um rubim.
cos, veio Olavo Bilac ( 186), o mais antol6gico dos nossos poetas. Quero que a estrofe cristalina,
Dobrada ao jeito
Neste literato de veia facil potencia-se a tendencia parna- Do ourives, saia da oficina
siana de cifrar no brilho da fr~se. isolJtla 'e na chave de ouro de Sem um defeito.
um soneto a mensagem toda da poesia.
Assim procedo. Minha pena
Hoje parece consenso da melhor crftica reconhecer em Bilac Segue esta norma,
näo um grande poeta, mas um poeta eloqüente, capaz de dizer Por te servir, Deusa serena,
com fluencia as coisas mais dispares, que o tocam de leve, mas o Serena forma.
bastante para se fazerem, em suas mäos, literatura.
Tal indiferen>a toma viavel o trato de motivos diversos co-
No portal das Poesias, a "Profissao de Fe", juramento apoe- mo puro exercfcio literario: o indio, de que Bilac e cantor tardio
tico de que o autor morrera "em prol do Estilo", define a pala- na esteira de Gon,alves Dias ( "A Morte de Tapir"), \ gue"a,
vra como algo que näo se identifica com a subst3ncia das coisas, paixä:o curiosa nesse refinado home.m de letras ( "Guerreira") e
mas "veste-an magnificamente: · enfim, copiosa tematica greco-romana, haurida nos parnasianos
franceses: "A Sesta de Nero", "0 Inc@:nd.io de Roma", "O So-
(186) ÜLAVO BRAs MARTINS nos Gu1MARÄES BILAC (Rio, 1865-
nho de Marco Antönio", "Lendo a Ilfada", "Messalina", "De-
-1918). Comei;ou Medicina no Rio de Janeiro e Direito em Säo Paula, mas lenda Cartago" ...
näo terminou nenhum curso. Cedo atrairam-no o jornalismo e a bo~mia, Nos tririta e cinco sonetos de Via Lfictea, o poeta encontra
brilhando em ambos pelo engenho verbal de que era dotado. Par ocasiäo
da Revolta da Armada, em 1893, Bilac, antiflorianista, refugiou-se em Mi- o seu motivo mais caro, o amor sensual, vivido numa fugaz exal-
nas, ai escrevendo CrOnicas e Novelas. Mais tarde, tido nos meios oficiais tac;ä:o. V aza-o em ritmos neocl3ssicos, pr6ximos de Bocage e,
como o nosso maior poeta vivo, foi honrado com vS:rias missöes pUblicas: mais raramente, de Camöes. Figuram na cole,äo algumas de.
jornalista acreditado junto a Campos Sales, na Viageffi a Argentina em 1902; suas p~as mais felizes: "Corno a floresta secular sombria", "Em.
secretiirio da ConferCncia Pan-americana do Rio, em 1.906, delegado a mes- mim tambem, que descuidado vistes", "Ora ( direis) ouvir es-
ma Conf. em Buenos Aires, em 1910; secretiirio do Prefeito do Distrito trelas! ", "Viver näo pude sem que o fel provasse", "La fora a
Federal, em 1907. Nos Ultimos anos assumiu conscientemente o papel de
poeta clvico entregando-sc todo a uma ~ampanha em prol do servi<;o mi- voz do vento ulule, rouca!", "Olha-me! 0 teu olhar sereno e
litar obrigat6rio. Foi eleito o primeiro "prfncipe dos poetaS brasileiros". brando" e "Tu, que no pego impuro das orgias".
Obras: Poesias, 1888; Poesias Infantis, 1904; Critica e Fantasia, 1-006; Con-
ferencias Literarias, 1906; Ironia e Piedade, 1916; ~ Defesa Nacional,
Näo e diflcil apontar nesses e noutros sonetos uma estru-
1917; Tarde, 1919. Em colaborai;äo com Guir:naräes- Passos: Pimentöes, tura intencional, toda voltada para a chave de ouro, que deve
1897; Tratado de Versificafäo, 1910; DicionOriO de Rimas, 1913. Ern co- sustentar a impressäo do firn como acorde de grande efeito:
laborai;äo com Manuel Bonfim e Coelho Neto, Atraves do Brasil ( livro
didiitico), 1913. Consultar: JosC Verisslmo, Estudos de Literatura Brasi- Na maior alegria andar chorando ( son. VI),
leira, 2.• ed., Rio, Garnier, 1910; Tristäo de Ataide, Primeiros Estudos Capaz de ouvir e de entender estrelas (XIII),
( o estudo sobre Bilac e de 1919), Rio, Agir, 1948; Amadeu Amara!, Dis-
cursos Acad§micos, IV, Rio, 1936 (o "Elogio deo Bilac" e de 1919); Maria Sat"ba, chorando, traduzir no versa (XXV),
de Andrade, "Mestres do Passado - V - Olavo Bilac" (escr. em 1921),
reproduzido em Miirio da Silva Brito, Hist6ria do Modernismo Brasileiro, Cmno um jorro de liigrimas ardentes (XXIX).
cit., pp. 251-261; Afonso de Carvalho, Poetica de Olavo Bilac, Rio, Civ.
Brasileira, 1934; 2.• ed., aumentada, JosC Olympia, 1945; El6i Pontes, A Alias, a obsessäo do efeito (sempre relativo ao sistema de
Vida Exuberante de Olavo Bilac, Rio, Jose Olympio, 1944; Alceu de A.mo-
roso Lima, "Apresentar;äo" a Olavo Bilac - Poesia, Rio, Agir, 1957; Fer- valores esteticos do tempo) leva o poeta pela mäo atraves de
nando Jorge, Vida e Poesia de Olavo Bilac, S. Paulo, Exp. do Livro, 1963. toda a obra posterior e vai marcar os seus pontos altos mas tarn-

254 255
bCm os seus limites. Bilac·.supre '11 careticia de uma real fanta- E, het6ico, estalari num. final, nos c1amora
sia artistica e de um sentimento fundo da condi,iio bumana com Dos arcos, dos metais, das cordas, dos tamborcs
o intenso brilbo descritivo, que conserva gra,as a um jogo habil Para glorificar tudo que amou na tcrra!
de sensac;öes e impressöes. A sua melodia, embora linear, näo
cbega a cair na banalidade, seu risco permanente. Niio escapa,
entretanto, a sorte de toda poesia ""ademica: e iterativa, am- Outros parnasianos
plificadora. •
Os temas que versou com mais assiduidade, como a beleza Alem da trfade, o Parnaso contou com um nUmero consi·
ffsica da mulhet, OS amplos cen3.tios, OS momentOS epicos da his- der&vel de poetas, que apesar de "menores", merecem lcitura,
t6ria nacional, ajustavam-se bem a esse trac;o exterio~ e ret6rico pois nem sempre se limitaram a repetir os modelos consagrados.
do seu modo de ser artistico; e deram-Ihe leitores fieis que re- Assim, ha muito de pessoal nos Cromos ( 1881), de B. Lopes
presentavam o gosto das gerac;öes resistentes ao impacto mo- que, antes de se perder no estetismo esnobe dos Brasöes_ e de
dernista. Val de Lirios, desenvolveu uma linha rara entre n6s: a poesia das
De ponto de vista ideol6gico, foi o poeta que melbor expri- coisas domesticas, os ritmos do cotidiano. '
miu as tendencias conservadoras vigentes depois do interregno
Merece igualmente aten,äo Augusto de Lima ( 1859-1934)
florianista. A politica renovadora que animara alguns fautores
da Republica seguiu-se um meufanismo est3tico e vazio, aman- que percorreu as varias etapas da poesia p6s-romantica, _d~sde ex-
periencias juvenis de literarura social ate a verrente relig1osa dos
te da tradi~ao pela tradi~ao considerada em si mesma como be-
leza. Bilac, poeta dos nautas portugueses em Sagres e dos ban- simbolistas mas deixou o melhor de si nas Contempordneas
deirantes no "Ca,ador de Esmeraldas", sera tambem o cantor ( Hi87), q~e partilbam com os poemas de Raimundo _Correia o
civico da bandeira, das armas nacionais e o didata hosanante das matiz filosofante, menos comum entre os nossos pamasianos. Da
Poesias Infantis. mesma gera~äo que o mineiro Augusto de Lima, os gauchos Fon-
toura Xavier ( 1856-1922) e Mucio Teixeira (1857-1928) con-
Quanta il sua poesia lirica, tambem sofre uma inf!exäo, niio tribu!ram com suas parafrases de Baudelaire para encorpar o vcio
direi intimista, que a rigor nunca o foi, mas~crepuscular, nos so- realista e er6tico do Pamasianismo.
netos de Tarde, no qua! o exaltado nacionalismo ( "Patria, late-
jo em ti") sobreleva os ardores sensuais em declinio ("Sou co-
mo um vale, numa tarde fria") e avultam as sombras do outo-
Francisca JUiia
no. Digam-no os titulos de alguns sonetos: "Sonata ao CrepUs-
culo", "O CrepU.sculo da Beleza", "O CrepUsculo dos Deuses",
"A um triste", "Respostas na sombra", "Milton cego", "Miguel- Vinda ap6s a consa_gra,äo dos mestres, Francisca JUiia ( 188 )
-Angelo Velho", "A Velhice de Aspasia", "Marcha Filnebre" ..• estreou com um livro, Marmores, que logo a al~ou ao nlve~ da-
Falando desse crepusculo bilaqueano, observou Manuel Bandei- queles, tal a fidelidade, e mesmo a rigidez, com que p~at1cava
ra com o sal da ironia: "Desejarfamos menos clangor de mctais os prindpios da escola. No entender do seu melhor cnuco ~o­
nessa grave sinfonia da tarde" ( 187 ). Aludia, de certo, ao fecho derno, Pericles Eugenio da Silva Ramos, talvez s6 ela tenha atm-
de "Sinfonia", o ultimo soneto do livro: 11 gido sistematicamente as condi,öes de impassibilldadc que o Par-
nasianismo, em tese, reclamava:
Hoje, meu cora~o, num scherzo de Ansias, arde
Em flautas e oboCs, na inquieta~o da tarde,
( ( 188) FRANCISCA JULIA DA S1LVA MUNSTER ( Xiririca, atual Eldora-
E entre csperan~s fege c entre saudades erra ... ' do Paulista, S. Paulo, 1874 - S. Paulo. 1920). Marmores, 1895; Es/in
ges, 1903. Edi~äo completa: Poesias, Conselho Estadual de Cultura, S.
1 Paulo 1961. Consultar: Mario de Andrade, "Mestres do Passado - 1 -
Ern Apresenta{izo da Poesia Brasileira, Rio, Casa do Estudan-
( 187) Francisca Jlllia" ( escr. em 1921 ), reprod. em M<irio da. Silva Brito, !fis!6ria
te do Brasil, 1946, p. 113. do Modernismo Brasileiro, cit.; PCricles Eugenio da S1lva Introdufao a ed.
citada de 1%1.
256
257
Musa! um gesto soquer de dar au de sincero
Luto jamais te afeie o cändido scmblante! Folga o intrigante. . . PorCm surgc um mano,
Diante de J6, conserva o mesmo orgulho; e diante E, vcndo morto o irmäo, perde a cabei;a:
De um morto, o mesmo olhar e sobrecenho austero. Crava um punhal no peito do tirano!

Em teus olhos näo quero a 12grima; näo quero S. preso o mano, mata·se a condessa,
Em. tua boca o suave e idflico descante. Endoidece o marido. . . e cai o pano
Celebra ora um fantasma aitgiliforme de Dante, Antes que outra cat&strofc acontei;a.
Ora o vulto marcial de um guerreiro de Homero. ("lmpressöes de Teatro")
DS.-me o hemistfquio d'ouro, a imagem attativa;
A rima, cujo som, de uma harmonia crebra, Faz uso da pr6pria verve trocadilhesca para denunciar as pe-
Cante aos ouvidos d'alma; a estrofe limpa c viva; quenas e grandes mazelas do pals. Pequenas, como os buracos
da rua onde morava:
Versos que lembrem, com seus b.irbaros ruidos,
Ora o &spero rumor de um calhau que se quebra, Ö tu
Ora o surdo rumor de ma'.nnores partidos. Que es presidente
("Musa lmpassfvel") Do Conselho ~Iu.
Nicipal,
Corno alguns das ne6fitos de segunda hora, porem, a poeti· Se e que tens mu.
Lher e filhos,
sa atravessou a fronteira que a separava do Simbolismo, cujo
Manda tapar os bu-
ide3rio se afinava com as inquietai;öes religiosas da sua maturi- Racos da rua dos Junquilhos ( 189)
dade: em Esfinges, ja aparecem exemplos nitidos dessa nova pos-
tura espiritual e artfstica. Ou grandes, como os golpes de fon;a com que se pretendiam
resoiver os problemas da na\äo:
Artur Azevedo Desde 15 de novembro
Estamos na ditadura ...
Um nome a parte, pelo tom humoristico que soube dar a H:i muito tempo
Que a dita dura,
sua magra mas viva produi;äo poCtica, e o de Artur Azevedo, Näo h<l?
irmäo de Alufsio, e mais conhecido como jornalista e comedi6-
grafo. E diz agora um boato
Que s6 no seculo vinte
Parodiando com verve os resquicios ultra-rom3.nticos espa- Chamada a pastos
lhados na poesia e no teatro do tempo, Artur Azevedo nos mos· A Constituinte
tra um retrato fiel da sociedade carioca dos Ultimos vinte anos Sera ...
do sCculo, precisamente a face boeniia, o avesso daquela gravi- Ditadura!. Ha muita gente
dade burocr3tica com que posavaffi 03 medalhöes parnasianos. Que a considera ventura!
Seus versos de circunstäncia satirizam a cena melodram3tica: Concorde: e dita,
Mas dita dura
Que dramalhäo! Um intrigante ousado, De roer ... (190)
Vendo chegar da Palestina o conde,
Diz.Ihe que a pobre da condessa esconde
No seio o fruto de um amor culpado.
Naturalmente o conde fica irado:
- 0 pai quem e? pergunta. - Eu! lhe responde ( 189) Apud Raimundo de Magalhäes Jr., Artur Azevedo e Sua Epo.
Um pajem que entra. - Um duelo! - Sim! Quando? Onde? ca, ctt., p. 25.
No encontro morre o amante desgrai;ado. ( 190) Apud Raimundo de Magalhäes Jr., op. cit

258
versas, mas que ilustram bem a enfase dada aos estlmulos ex-
Vlcenle de Carvalho teriores:
Ao pör-do-Sol, pela tristeza
Renovando com brio a poetica realista a cavaleiro do novo Da meia-luz crepuscular.
serulo, Vicente de Carvalbo ( 1• 1 ) partilhou com Bilac um vasto Tem a toada de uma reza
drculo de entusiastas, sendo ate hoie,ulll dos poucos poetas an- A voz do mar.
teriores ao Modernismo que sobrevivem no gosto do leitor mt!- Aumenta, alastra e descc pclas
dio. 0 seu pensamento e a sua praxe estetica näo eram origi- Rampas <los morros, pouco a pouco,
nais; apesar das reiteradas profissöes de fe primitivista, como a 0 ermo de sombra, vago e oco,
"Carta a V. S.", onde canta a regressiio a vida do bugre pesca- Do ceu sem sol e sem estrelas.
dor, e dos acentos garrettianos de sua melhor lirica ("Rosa, ro- Tudo amortcce; a tudo invade
sa de amor"), foi parnasiano convicto e homem de sua gerat;äo, Uma fadiga, um desconforto ...
admirador de Comte e de Spencer. Como a infeliz serenidade
Do embaciado olhar de um morto.
Euclides da Cunha, prefaciando os Poemas e· Can,öes, viu
com clareza o tra~o definidor de Vicente: poeta naturalista; no
( "Sugest6es do CrepUsculo")
caso, o adjetivo significa naturista. A visäo do oceano, da mata e
da montanha e o encanto pela beleza da mulher sao tra~os co-
muns do romantico e do parnasiano. Vicente, enquanto fiel a Mar. belo mar selvagem
Das nossas praias solitirias! Tigre
Ultima pot!tica, pretende ser mais objetivo, mas nem sempre lo- A que as brisas da terra o sono embalam,
gra, no ato de compor, separar as puras sensat;öes do fascinio A que o vento do largo erri~ o pClo!
propriamente espiritual que lhe inspira a aparencia do mundo. Junto da espuma com que as praias bordas,
Da fusäo do sensorial e do einotivo nasce uma linguagem nova, Pclo marulho acalentada, a sombra
Das palmeiras que arfando se debru~am
rica em imagens da natureza e em resson3ncias psicol6gicas. 0 Na bcirada das ondas - a minha alma
naturismo de Vicente est9. em por em relev,P as primeiras, con- Abriu-sc para a vida como sc abre
trariamente ao que fariam u1tra-rom3.nticos e simbolistas. Trans- A flor da murta para o sol do estio.
crevo dois exemplos de situaf0es objetivas e- reafOes tonais di-
Quando eu nasci, raiava
0 daro mCs das gar~as forasteiras:
(191) V1CENTE AUGUSTO DE CARVALHO (Santos, 1866 - S. Paulo, Abril, sorrindo em flor pelos outeiros,
1924). Cursou Direito em Säo Paulo. Ainda estudante, publicou Arden- Nadando em luz na oscilai;äo das ondas,
tias ( 1885). De 1888 e Relic&rio. Militou na campanha republicana, fa- Desenrolava a primavera de ouro:
se em que abrar;ou o Positivismo. Mudado o regime, elegeu-se deputado E as Ieves gar~s, como folhas soltas
da primeira Constituinte· Paulista e exerceu por um ano a Secretaria do Num leve sopro de aura dispersadas,
Interior do Estado. Opondo-se ao golpe de Deodoro, afasta-sc da vida Vinha.m do azul do cCu turbilhonando
pllblica, em 1892. Vive ef!täo cinco anos como fazendeiro de cafC na ci- Pousar o vöo a tona das espumas ...
dade paulista de Franca s6" regressando a Santos quando o atinge uma
crise financeira. Na sua terra, 3 frente de uma numeroslssima famflia, l! o tempo em quc adormeces
exercera o cargo de Juiz de Direito. Conheceu Cxito liter3.rio a partir de Ao sol que ab rasa: a c6lera espumante,
Rosa, Rosa de Amor ( 1902), confirmado pela acolhida que receberam os Que estoura e brame sacudindo os ares,
Poemas e Can,öes, em 1908. Pertenceu Ss Academias Brasileira e Paulis- Näo os sacode mais, nem brame e estoura;
ta de Letras. Consultar: M3.rio de Andrade, "Mestres do Passado - VI Apenas se ouve, dmido e plangente,
- Vicente de Carvalho", em Mlirio da Silva Brito, Hist6ria do Moderni.s- 0 teu murmU.rio; e pelo alvor das praias,
mo Brasileiro, cit., pp. 262-270; Maria Conceic;äo e Arnaldo Vicente de Langue, numa carfcia de amoroso,
Carvalho, Vicente de Carvalho, Rio, Academia Brasileira de Letras, 1943; As largas ondas marulhando estendcs ...
Hermes Vieira, Vicente de Carvalho, o S:ibifl do Ilha do Sol, 2.• ed., Säo
Paula, Revista dos Tribunais, 1943.

260 261
Condenado c _insubmi.JSO Disse com acerto Otto Maria Carpeaux: "O Neoparnasia-
Como tu mesmo, eU sou Como tu mesmo nismo e fenömeno particular da literatura brasileira. Aqui e s6
l
Uma alma sobre a qual o cfu resplende ±;
- Longinquo ceu - de um esplendor distante. aqui fracassou o Simbolismo; e por iSso, o movimento poetico
Debalde, 6 mar que em ondas te arrepelas, precedente sobreviveu, quando j<i estava extinto em toda parte
Meu tumultuoso cora~äo revolto do mundo" ( 192 ).
Levanta para o cfu, como borrifos, Por que se teria prolongado em nossa poesia a linguagem
Toda a poeira de ow;,o dos· o'itus ~sonhos. parnasiana durante o primeiro vintenio do seculo XX, quando
("Palavras ao Mar")

Ern movimento paralelo ao predomlnio dos sentidos, o poe-.


ta de "Velho Tema" sobrepös ao seu intenso desejo de evasäo
' fora do Brasil o movimento simbolista de todo a superara? A
resposta dever3 procurar-se na sociologia da literatura.
Quem escrevia e para quem se escreviam poemas no perlo-
do antemodernista? 0 Parnasianismo e o estilo das camadas
dirigentes, da burocracia culta e semiculta, das profissöes libe-
pelo agitado mar sem praias do Universo, rais habituadas a conceber a poesia como "linguage~ ornada",
segundo padröes ja consagrados que garantam o bom !!"Sto da
imita<;äo. H3 um academismo Intima veiculado a atitude espiri-
uma poetica de rigor formal, ciosa de efeitos esteticos e espelho tual do poeta parnasiano; atitude que tende a enrijecer-se nos
de uma consciencia liter<iria quc se vigia e cre no valor da arte
epigonos, embora se dilua nas vozes mais originais. Os mesmos
enquanto arte. Rejeitando, na maturidade, o estilo frouxo e eiva-
temas, as mesmas palavras, os mesmos ritmos confluem para criar
do de cliches de seu livro de estreia, Ardentias, Vicente de Car- uma tradic;äo !iteraria que age a priori ante a sensibilidade artls-
valho dava enfase ao apuro verbal: tica, limitando-lhe ou mesmo abolindo-lhe a originalidade: bas-
Nio creio que haja poetas da forma c poetas de outra esp&:ie. ta considerar, nessa epoca <iurea da Academia Brasileira de Le-
Näo sei de poeta digno desse titulo que valha por obra em estilo tras, a voga imensa do soneto descritivo, ou descritivo-narrativo,
atamancado. ou did<itico-aleg6rico, fenömeno a que um modernista daria o
nome de "sonetococcus brasiliensis". . . Essa maneira revelava
E em outro passo da introdu\äo aos Versos da Mocidade: uma cultura provinciana e infecunda, e foi contra ela que o Mo-
" . . . a perfei\äo da forma e uma necessidade e a ambic;äo de a dernismo se rebelou com maior virulencia: o pr6prio M<irio de
realizar uma condi\äo da capacidade criadora." Andrade, cuja intui<;äo e sense etico da critica o impediam de
Palavras que indicam a perpetua<;äo de uma atitude anti· cometer injusti<;as, compös, em uma serie de artiges bem pensa-
-romäntica em um escritor que se julgava uespontäneo" e "pri- dos, o elogio fllnebre dos "mestres do passado", como chamava
mitivo". Escritas em 1908, tem um significado hist6rico, por- os maiores parnasianos ( I93).
que vem provar que, apesar do interludio simbolista dos fins do Para os menores, a piedade näo pareceu ·aos modernistas täo
seculo, OS c3.nones do Parnaso tinham vingado firmemente entre justificada. Vivendo em um munde cada vez mais aberto a in-
n6s. quieta\:Öes de toda ordern, contemporäneos de homens agönicos
e lucidos como Euclides da Cunha, Lima Barreto e Parias Brito,
representava, sem dUvida, indicio de pobreza cultural e de insen-
Neopamasianos
( 192) Otto Maria Carpeaux, Pequena Bibliografia Crftica da Litera-
11. gerac;äo de poetas que estreara entre 1880 e 1890 (Al- tura Brasileira, 3.• ed., Rio, Letras e Artes, 1964, p. 247.
berto de Oliveira, Raimundo Correia, Olavo Bilac) iria suce- (193) Maria de Andrade, "Mestres do Passada", in Jornal do Co-
der-se outra que se tem batizado como neoparnasiana, mas que, mercio, ed. Paulista, agosto, 1921, apud Mario da Silva Brito, Hist6ria do
Modernismo Brasileiro. Antecedentes da Semana de Arte Moderna, S.
no fundo, e ainda parnasiana, epigönica. Paula, Saraiva, 1958.

262
263
1
sibilidadc ils angustias do pr4prio t,empo aquelc fcchar-sc na galo- um mundo luminoso, apreendido por uma sensibilidade plastica,
la dourada dos catorze versos e cultivar um descritivismo re- amante da forma e da cor: na lisa superfkie, os aspectos solares
quintado ou um lirismo de curto fölego. da arte helfoica e do Renascimento italiano; no fundo, um idesl
Vista em conjunto, a poesia neoparnasiana traduz, cm su- de sereno hedonismo, inspirado em Renan e em Anatole France.
ma, a persist~ncia de uma conce~äo estetica obsoleta, que o Shn- Sem duvida, a "Ode a Bilac" e os poemas que abrem Luz
bolismo curopeu ja ultrapassara, abrindo caminho para as gran- Medite"anea induzem a essa interpretac;äo: o "P6rtico" e os ver-
des correntes poeticas do novo secü'lb: . futurismo, surrealismo,
expressionismo. . . Mas o estudo isolado dos melhores poetas de
sos a Floren~a säo ambos varia~s do mesmo tema da gr•••
pagä, da atica clareza, da elegincia florentina.
certo arredondara as arestas dessa aprecia~äo geral oegativa, apon-
Cidade de Ironia e da Beleza,
tanto aqui e ali momentos de feliz expressäo artistica ( 194 ).
Fica na dobra aaul de um golfo pensativo,
Entre cintas de praias aistalinas,
Rasgando iluminuras de colinas,
Raul de Leoni Cmn a gf89l ornamental de um aomo vivo.
(uP6rtico")
Da poesia de Rau! de Leoni ( ,„) ficou a imagem que su- Trago-tc a minba gratidäo latina
gere o nome de seu unico livro: Luz Mediterränea. Imagem de Porque foi no teu seio quc se fez
Toda a ressurreil;io da Vida luminosa:
0 Floreni;a! 0 Floreni;a!
( 194) Niio cabe neste roteiro deter-me nos incontiiveis epigonos do A mais humana das cidades vivas!
Parnasianismo brasilciro. Remcto ao cstudo, j8 citado, 0 Pre.Modernismo A msis divina das cidades mortas!
( pp. 21 ·33) onde se consideram algumas figuras significativas: o purista
("Flo~")
Jose Albano (1882-1923), o grave e sentencioso Amadeu Amara! (1875-
-1929), o virtuose Goulart de Andsade (1881-1936), o sonoro Martins
Fontes (1884-1917), o ret6rico Moacir de Almeida (1902-1925), o filo- Mas näo se explicaria a estima que a Rau! de Leoni dedi-
sofante Hermes Fontes (1888-1930). A historiografia literiria mais mi- caram crlticos modernistas e p6s-modernistas, se a sua arte se es--
nudente poderia lembrar outros nomes de poetas que prod.uziram. dcsdc gotasse no estetismo, fosse este embora de gosto mais apurado
os fins do sCculo passado e resistiram, em geral,„ ao im.pacto do Modcr- que o dos demais helenizantes da epoca. Ha em Luz Mediter-
nismo: Alberto Ramos ( 1871-1941). precursor do verso livre entre n6s;
Bastos Tigre ( 1882-1957 ), Batists Cepelos ( 1872-1915), que se rcalizou
ränea a mäo do artista capaz de versos soberbos de visualiza~äo
tamhCm como simbolista; Belmiro Brap ( 1872·1937). bom compositor e de ritmo: o dom da expressäo n!tida, da palavra ductil, da hna-
de trovas; Ciro Costa (1879-1937); Gilka Machado (1893); Gustavo Tei- gem plasmada sem rugas nem manchas assistia no jovem poeta.
xeira (1881-1937); Heitor Lima (1887-1945), Jose Oiticica ( 1882-1957); Por isso, seus versos resistem em meio a ge_ral caducidade da
Luls Carlos ( 1880-1932); Paulo Gon1;alves ( 1887-1927); Ricardo Gon- poesia neoparnasiana:
i;alves (1883-1916); Rosalina Coelho Lisboa (1889 - )„.; enfim, o mais
independente de todos, Oleg3rio Mariano ( 1889·1958), que, pcrpctuando Eu era uma a1ma f8cil e mac:ia,
o verso tradicional atC a morte, deu exemplo de um lirismo aberto e sim. Claro e sereno espelho matinal
ples (Toda Uma Vida de Poesia - 1911-1955, Rio, Jose Olympio, 1957). Que a paisagem das c:ousas refletia,
Sobre os neoparnasianos näo ha Urp estudo sistemitico, mas podem-se Com a luc:idez cantante do c:ristal.
ler com proveito as nota~öes de Agripino Grieco, na Evolu,äo da Poesifl ( "AdolescCnc:ia" )
Brasileira (Rio, Ariel, 1932). A melhor antologia e a de Fernando Goes
Panorama da Poesia Brasileira, vol. V, 0 Pre-Modernismo Rio Ed. Civi~ po. Eleito deputado estadual (RJ), oäo pOde prosseguir na c:arreira poli-
liz.a~äo Brasileira, 1960. '
tica por motivo de doeni;a. Sabendo-se tfsic:o, ret.irou·se para I taipava, no
(190) _RAuL DE LEONI RAMos (Petr6polis, 1895 - ltaipava, RJ, interior do seu estado, a( falecendo aos trinta e um anos de idade. Obra:
192~). Fe1tos os estudos secundirios, viajou para a Europa (trazendo vi- Luz. Mediterränea, 1922. Cf. Agripino Grieco, Vivos e Mortos, Rio, Ariel,
vas 1mpressöes da arte clissica e renascentista. Cursou Direito no Rio de Ja- Nestor Vitor, Os de Hoje, S. Pau]o, Cultura Modema, 1938; Carlos Dan-
neiro, distinguindo-se pela finura de espirito e, caso raro no tempo, pelo i te de Morais, Realidade e Fic~äo, Rio, MinistC1io de Educ:a~äo c Salide,
ai_nor aos esportcs. Apadrinhado por Nilo P~anha, teve ac:esso f8cil a 1952; Germano de Novais, Raul de Leoni, Porto Alegre, tese universi-
d1plomac:ia, servindo em Montevidfu e no Vaticano, mas por pouco tem- tiria, 1956.

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1
1
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~
,,
!

Espfrito flexfvd e degante,


1
Viste que a Vida ~ uma apar~ncia_ vaga
Agil, Iascivor pIJistico, diffiso, E todo o imenso sonho que seme1as,
Entre as cousas -humanas me conduzo Uma legenda de ouro, disttaf4a,
Como um destro ginasta diletante. Quc a ironia das 8.guas Ie e apaga,
Comigo mesmo, Unico e confuso, Na mcm6ria volllvel das areias! ...
Minha vida e um sofisma espiralante; ("Et omnia vanitas")
T~o 16gicas trc!fegas c abuso Falando da Verdade:
do Equilibrio na Thfvida ··fI~al'lte. Foi a sombra de um v6o refletida
Bailarino dos cfrculos viciosos, No cspelho da 8.gua ttemula de um rio ...
Fai;o jogos sutis de idc!ias no ar Sombra de um vöo na 8.gua trCmula: Verdade!
Entre saltos brilhantes e mortais. ( "Ao mcnos uma vcz em toda a vida")
Ou das ideias:
Com a mesma petuläncia singular
Sao as sombras das cousas flutuando
Dos grandes acrobatas audaciosos
E das malabaristas de punhais . No espclho m6vcl do teu ·pensam.ento!
( "Do Meu Evangelho")
( "Mefisto")
A luz mediterrilnea de Rau! de Leoni recortara coll't' nitidez
0 mundo das formas em Raul de Leoni nao se arma, po- OS contornos da paisagem, mas seu crepUsculo abria caminho as
rem, sobre o puro vazio do estctismo: anima-o uma contida vi- sombras da intimidade.
brac;äo ( que mais sobressai em um temperamento näo-romanti- Nos fragmentos em prosa que deixou esse leitor assfduo
co) diante da vida que passa, ilus6ria e fugaz, como sombra de de Valery, e possivel rastrear uma atitude cetica ante o fluxo
desengano a seguir necessariarnente a fruir;äo da beleza terrena. do pensamento e do ser:
Convem insistir nesse outro Raul de Leoni, "secreto", que Afinal, tudo o que se disser sobre as coisas pode ser ver?ade.
sabe modular em cadencias penumbristas o conceito de pensa- Preferimos sempre a filosofia do nosso tempera!Ilento. _ As hlos?"
mento como quintessencia da vida: fias säo os diferentes climas do espirito. A Iron1a, se nao C a ma1s
razo8.vel de todas as filosofias, C pelo menos a mais cOmoda, a mais
Os sentidos se esfumam, a alma e essencia elegante e a menos ridlcula.
E entre fugas de sombras transcendentes,
0 Pensamento se volatiza. Näo e de estranhar que no seu relativismo haja entendido
("A Hora Cinzenta"} com invulgar lucidez o movimento modernista, articulando-o com
Sou mais leve do que a euforia de um anjo o espfrito dos novos tempos. Vale a pena reproduzir estas linhas
Mais leve do que a sombra de uma sombra ' de um artigo seu, a prop6sito das correntes estCticas revolucio-
Refletida no espelho da Ilusäo.
n3rias:
Ai:n·a·,. ~. ~~t~d~· di~i·~~ "d~ ·~~~~r·i~ ~ .. A ciCncia moderna, provocando uma espantosa acderai;iio de
todos os ritmos da vida exterior, criou, logicamente, para o homem
("De um Fantasma") uma necessidade de sintese extrema de todos os movimentos e ope-
rar;öes do seu mundo pslquico. Obrigado a viver mais deprcssa,
Foi essa inflexäo simbolista cfue, avizinhando animus e ani- ele teve de sentir, de pensar e de agir mais depressa, e, em conse-
n1a, luz e sombra, propiciou o aparecimento de seus versos re- qüencia, de dar uma expressäo mais r<lpida ao que sente,. ao 9uc
flexivos, embora nunca a?stratos nem did3ticos, tal era no poeta pensa, ao que faz, ao que vive. Sua .art; •. par~ ser uma. c~1s~ viv~,
a fon;a de ver e de conf1gurar as sensac;6es mais diversas. Näo deveril portanto ser extremamente stntettca, tnlensa, dinamica, lt·
vre consistiltdo quase, em pura sugestllo, em que sc condense, no
sendo um poeta sentimental, nem por isso se transformou em um rec~rte de uma imagem, rodo um munde de ideias associadas. Eco-
1

"~oeta de. ideias", pois levava em si o artista que funde o con- nomia de formas; Arte de um homem que näo pode perder tem·
ceao na imagem e o pensamento na palavra ern que todo se po interior ...
compraz.
Raul de Leoni, poeta de formas antigas, era inteligencia
Eis como "define" a Vida: ousadarnente rnodema.
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1
1
..,.
" {
T.t:ATJIO 11'
suas e alheias de 1873 ate as vesperas de sua mortc, ocorrida
A comedia de costumes que desde Martins Pena e Macedo em 1908.
1
vinha espelhando alguns estratos da sociedade brasileira, especi- Quando o escritor maranhense encetou a sua carreira, o
almente os que convergiam para a Corte, continua, durante o teatro p6s-romintico exibia os dramas de casaca, assim chamados
1
Realismo, a atrair o interesse da pi)blico, apesar da concorr&lcia por IDOStrarem no palco a vida burguesa da epoca C näo mais OS
do vaudeville parisiense e da epcra ii'aliana, .ambos em plena vo- quadros hist6ricos que a tradi,äo classica e, depois, romintica,
tinha privilegiado. Mas, gra~as a a,äo do novo Ginasio Dra-
1

ga na segunda metade da sCculo.


0 nome de Artur Azevedo ( ,„)
impöe-se entäo como o do 1
matico, fundado em 1855, a esses dramas vieram acrescentar·se
continuador ideal de Martins Pena. Ja o vimos saboroso poeta pe~as, ja romantico-realistas, vindas de Paris e assinadas por Du·
humorfstico, mas ele mesmo declarava que os melhores versos mas Filho, Scribe, Augier, Sardou: assim, A Dama das Camelias,
que escrevera estavam espalhados em suas quase duzentas revis· que tanto exito alcan~ara, estreia no Rio aos 7 de fevereiro de
tas. Metido na vida teatral desde a adolescencia, Artur Azevedo 1856, apenas quatro anos depois da sua apresenta~o em Paris.
conseguiu que fossem levadas a cena suas primeiras comedias Artur Azevedo tentou inserir-se nessa corrente chamatica
como Amor por Anexins e Horas de Humor. 0 exito facil des- escrevendo "teatro sCrio", algumas p~as em verso que, segun-
tas contribuiu para marcar os limites da sua cria~äo, nivelan- do o seu pr6prio testemunho, näo resistiram ao teste da reprea
do-a com 0 gosto do publico medio; em contrapartida, desenvol- sentac;äo. Ao contrario, enveredando pelos gc!neros "ligeiros"
veu-lhe OS dotes de comunicabi!idade, 0 que e quase tudo para da revista politica e da bambochata, e parodiando dramas fran-
um comedi6grafo. ceses em voga, atingiu o supremo alvo, o aplauso do publico,
Para a hist6ria do nosso teatro, näo s6 como texto, mas que niio mais lhe foi regateado. Assim, quando um jomalista
principalmente como uma estrutura complexa que abrange fato- ranzinza o acusou de acelerar a "decadc!ncia" do teatro brasileia
res varios, desde o substrato material da empresa ate problemas ro com as suas revistas e par6dias, defendeu-se em termos que
de encena~äo e de interpreta~iio, o papel de Artur Azevedo foi valem como um atestado da intera~iio autor-sociedade na hist6-
relevante: basta dizer que escreveu e fez tepresentar comedias ria da cena brasileira:
Quando aqui cheguei do Maranhäo, em 1873, aos 18 anos de
idade, ja tinha sido representada ccntenas de vczes no Teatro S.
( 196) ARTUR NABANTINO GoNt;ALVES DE AzEVEDO ( Säo Luis do Ma- Luls, A Baronesa de Cai4p6s, par6dia d'A Grii-D•quesa de Gerols·
ranhio, 1855 - Rio de Janeiro, 1908). Irmio de Alufsio Azevedo, pre- tein. Todo o Rio de Janeiro foi ver a ~. inclusive o imperador,
cedeu este na transferCncia para a Corte, onde sc dedicou . ao jornalismo que assistiu, dizem, a umas vinte rcpresentai;öes consecutivas ...
c sobrctudo ao teatto, de que foi o maior animador em sua Cpoca. Pouco Quando aqui cheguei, j3 tinham sido reprcsentadas com. gran-
antes de falecer foi nomeado diretor do Teatro da Exposi~o Nacional de exito duas par6dias do Barbe-Bleu, uma, o Barba de Mübo, assi-
cargo de quc sc valeu para divulgar comedi6grafos brasileiros do Roman~ nada ~r AuguSto de Castro, comedi6grafo considerado, c outra, o
tismo. AlCm. de ~. escreveu crOnicas e contos humodsticos. Obra Traga-Mofas, por Joaquim Serra, um dos mestres do nosso jorna-
teatral: Amor por Anexins, s. d. ( 1872?), Horas de Humor 1876· A Pele lismo.
do Lobo, 1877; A ]6ia, s. d.; A Princesa dos Caiueiros, 1s8o; O 'uberato,
1881; ~ Mascote na Rofa, 1882; A Almaniarra, 1888; 0 Tribo/e, 1892; Quando aqui cheguei, jß o Vasques tinha feito reprcsentar, na
Fenix, o Or/eu na Ro,a, que era a par6dia do Orpbee aux Enfers,
Revelllfao de Um Segredo, 1895; 0 Maior, 1895; A Fantasi4, 1896; A Ca-
p1tal Federal, 1897; Confid~ncuzs, 1898; 0 Jagunro, 1898; O !Jadeio, s. d.; exibida mais de cem vezes na Rua da Ajuda.
Gavroche, 1899; A ViUva Clark, 1900; Comeu.', 1902; A Fante CastJ.lia, Quando aqui cheguei, j8 o mestre que mais prcm entre os lia
1904; 0 Dote, 1907; 0 Oraculo, 1907. Obs.: A partir de 1955 vem sen· teratos brasileiros, passados e presentes, havia colaborado, cmbora
do publicadas ~ inCcli~s .de Artur ·Azevedo pelos Cadernos da Revista anonimamente, nas Cenas da Vida do Rio de Janeiro, espirituosa
da SBAT (Sociedade Brasile1ra de Amigos do Teatro). Contos: Contos par6dia d'A Dama das Camelias.
Fora da Moda, 1894; Cantos Efemeros, 1897; Cantos Posslveis, 1908. Con- Antes da Filha de Maria Angu apareceram. nos nossos palros
sultar: R. Magalhäes Jr„ Artur Azevedo e Sua Epoca, Rio, 1953; Josu6 aquelas e outras par6dias, como fossem Faustino, Fausto ]Unior,
Montello,,Artur Azevedo e a Arie do Conlo, Rio, Livr. S. Jood, 19'6. Geralda Geraldina e outras, muitas outras, cujos tftulos näo mc
ocorrem.
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269
-,.. /""
Ja vC o Sr. Cardoso '1a Meta quc näo fui o primciro.
Escrcvi A Filba de Maria Angu, por desfastio, scm. inte~o
de exibi-la cm nenhum teatro. Depois de pronta mostrci-a a Viscon-
ti Coaracy, c este pediu-me que lha confiasse, c por sua alta recrea-
r;1io leu-a a dois emprcsiirios, que dispuwam ambos o manuscrito.
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As cenas das suas comedias exploram patuscament
d o Brast·1 I mper1a
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· 1: o fazendeiro paulista
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come vartos
erc1ante
por ugues, o po ttlco oquaz e matreiro, o imigrante espertalhäo.
Em As Doutoras, aborda o tema do feminismo mas n-30 f
Venceu Jacinto Heller, quc a pös cm cena. 0 ptiblico näo foi da · 1 ;. . • oge ao
tarn convenc1ona que a mater1a 1nspirava äs rodas conservadoras.
opiniäo do Sr. Cardoso da, .Mota, 3to i!:, näo a achou desgraciosa;
aplaudiu-a cem vezes seguidas, c eu, quc näo tinba ncnhuma ve- , "~ran!a Jr., tt;r3 deixado o melhor de si näo ao teatro, mas
leidade de autor dramS.tico, cmbolsei alguns contos de rCis quc ne- a cro?tca 1ornahst1ca dos Folhetins que evocam o Rio dos meados
nhum mal fizeram nem a mim nem l Arte. do seculo.
Pobre, paupc!rrimo, c com cncargos de fam!lia, tinha o meu
destino naturalmente tracado pelo bito da ~; eotretanto, pro-
curci fugir-lhe. Escrevi uma comCdia literiria, A Almania"a, cm Machado de Assis ( "")
quc näo havia mon6logos nem apartes, e essa comedia esperou ca-
torze anos para ser representada; escrcvi uma com~dia cm 3 at?S,
em verso, A ]6ia, e, para que tivesse as honras da representacao, Das primeiras comedias de Machado disse Quintino Bo"'
fui coagido a desistir <los meus direitos de autor; mais tarde escre· caiUva ao pr6prio autor que lhe pedira um parecer franco: "säo
vi um drama com Urbano Duarte, e esse drama foi proibido pel~
Conservat6rio· tentei introduzir Moliere no nosso teatro: traslade1 para serem lidas e nä:o representadas" ( 199). Era opiniäo sen-
A Escola dos' Maridos em redondilha portuguesa, e a peca foi re- sata que o tempo confirmou, pois, fora das salöes onde estrea-
presentada apenas onze vezes. Ultimamente a empresa do Rccrcio, ram, as pec;as do nosso maior romancista quase näo voltariam
quando, obedecendo a um singular capricho, desejava ver o teatro a recitar-se.
vazio, anunciava uma representac;äo da minha comedia em verso, 0
Badejo. 0 meu Ultimo trabalho, 0 Retrato a öleo, foi represen- No entanto, Machado sempre amou o teatro, foi censor e
tado meia dtizia de vezes. Alguns cdticos trataram-me como se eu critico inteligente durante longos anos e deu a cena suas primei-
houvesse cometido um crime; um deles afirmou que e11 insultara
ras produ\öes empenhadas: a comedia Roje Avental, Amanhä
a famllia brasileira!
Luva e a "fantasia dram3tica" Desencantos, escritas quando ele
Ern resumo: todas as vezes que tentai fazer teatro sCrio, em
paga s6 recebi censuras, apodos, injusti~as e tudo isto a seco; ao mal contava vinte e um anos de idade.
passo que, enveredado pela bambochata, näo me . faltaram ~u.nca A precocidade da experiCncia, se deu ao futuro narrador um
elogios, festas, aplausos, proventos. Relevem-me c1tar. esta Ultima bom manejo do dialogo, foi nociva ao dramaturgo que cedo se
f6rmcla de gl6ria, mas - que diabo! - ela C essenc1al para um
pai de familia que vive da sua pena.
viu preso a esquemas de convenc;äo mundana e semi-romintica,
s6 de raro em raro superados nas melhores comfdias, Quase Mi-
Näo meu caro Sr. Cardoso da Mota, näo fui eu o causador da
debacle: 'n1io fiz mais do que plantar e colher os Unicos frutos de
que era susceptivel o terreno que encontrei preparado ( 197).
{ 198) Cronologia do teatro n1achadiano: 1860 - Hoje Avental, Ama-
nhä Luva, "comedia imitada do frances"; 1861 - Desencantos· 1863 -
Pouco antes de Artur Azevedo, escreveu Franc;a Jllnior 0 Caminho da Porta; 1863 - 0 Protocolo, 1864 - Quase Minfstro; 1866
( 1839-1890) algumas comedias cheias de verve, mas presas a - Os Deuses de Casaca; 1870 - Uma Ode de Anacreonte ( versos inclu{-
mentalidade saudosista do flurninense que nä:o ve com bons olhos dos nas Falenas); 187_8 - 0 Bote de Rape (incl. em Contos Sem Data);
1~7~ - Antes da Missa, conversa de duas damas, em um ato (incl. cm
o progresso dos costurnes burgueses na Corte e procura em tu- Pagtnas Recolhidas); 1880 - Tu, S6 Tu, Puro Amor· 1896 - Näo Con-
do o lado ridiculo para chamar junto a si o bom senso da s~ltes Medico; 1906 - Li(i'io de Bot&nica; 1865? -'As Forcas Caudinas
publico. (incl. nos Contos sem Data). Consultar: DC:cio de Almeida Prado 1 "A
Evolur;ao da Literatura Dram<itica", em A Literatura no Brasil, cit„ vol.
II; Joel Pontes, Machado de Assis e 0 T eatro, Rio, Servi~o Nacional do
{ 197) Apud J. Galante de Sousa, 0 Teatro nu Brasil, 2." eJ., Rio, Teatro, 1960; Sabato Magaldi, Panorama do Tealro Brasileiro S. Paulo
Ed. de Ouro, 1968, pp. 276-278. 0 artiga foi publicado em 0 Pais, Rio, Difusäo EuropCia do Livro, 1962. ' '
16 de setembra de 1904, sob o titula de ''Ern Defesa". l 199 J Ern ''Cana aa Autor", preposta a ed. de Teatro ( 0 Curninho
du Porta e 0 Protocolo), Rio, Tipagrafia da Di.iria da R. de Janeiro, 1863
270
211
Mas a obra vale por algo mais. E uma espec1e de par6dia das
nistro e Os Deuses de CasaCa. 0 clesvencilhamento que se opera 6picos "concilios dos deuses", agora for\'.ados a descer do Olim-
nessas obras deve-se, porem, antes a finura do observador dos po onde vegetam esquecidos e a vestir a casaca burguesa em ple-
costumes pollticos que a uma poss!vel evolu\;äO formal do escritor na corte do Rio de Janeiro. Apolo, näo querendo sujeitar-se ao
dram:ltico. gosto vil do pU.blico, ser:i crftico literario; Marte, decafdo her6i
0 Machado das primeiras comedias, Desencantos e 0 Ca- de guerra, ve no triunfo do papel um signo das novos tempos
minho da Porta, "modeladas ~o g6sil! dbs proverhios franceses" e res?lve fundar um jornal polftico, tendo Merctirio, correio
(Q. Bocaiuva), traz de original para a epoca (estamos ainda olimp1co, como o homem "da intriga e da recado"; ao ralento
em 1860! ), o gosto de opor, nos episodios amorosos, o dlculo multiforme de Proteu näo resta senäo ser deputado ( "Vermelho
feminino ao sentimento. 0 processo, como jci vimos, iria mar- de manhä, sau de tarde amarelo. / Se convier, sau bigorna, e se
car os seus primeiros romances e guarda sempre valor de fndice näo, sau martelo"); enfim, a JUpiter cabera, como de direito, o
psicol6gico para a biografia espiritual de um homem em busca melhor quinhäo: ser:I banqueiro.
de uma etica que fosse capaz de justifid-lo do afastamento das
Pretexto tambem liter:irio e Tu 56 Tu, Puro Amor, epis6~
suas origens. Ern ambas as pe~as vence ainda certo moralismo
dio da vida de Camöes, composto por ocasiäo das festas organi-
romäntico e pune-se a mulher "realista" para gl6ria das persona-
zadas no Rio no tricentenario da morte do poeta ( 1880).
gens apaixonadas e sonhadoras. Tarnbern a amea\;a de um adul-
terio, tema caro aos "dramas de casaca", e conjurada a tempo As ultimas comedias, Niio Consultes Medico e Liriio de Bo-
em 0 Protocolo, e tudo se resolve em tiradas sentenciosas, mas tdnica, voltam ao clima sentimental das primeiras, embora lhes
que, no conjunto, revelam o observador atento da famflia bur- sejam superiores pela maior correnteza dos dialogos e no corte
guesa do II Imperio ja em fase de plena e bem composta socia- das cenas. Confrontadas, porem, com os romances e os contos
bilidade. E e instrutivo observar em todas essas comedias alu- que Machado ja escrevera a esta altura, s6 se entendem corno
söes ir6nicas ao novo ·estilo econ6mico do regime: fala-se em divertissements.
agiotas para contrap6-los aos romünticos, e em politicos para
contrap6-los aos homens de corat;äo puro, exatamente como o
fazia Jose de Alencar nos romances urbanos do mesmo per!odo. QORPO-SANTO, UM CORPO ESTRANHO (*)
Os bastidores da vida pol!tica säo o obie.to da comedia Qua-
se Minisiro, elenco divertido de tipos parasit:irios que se apres- A nossa hist6ria liter3ria comove-se de quando em quando
sam a cumprimentar o futuro ministro, propondo-lhe planos, in- com uma boa surpresa. Depois de cem anos de esquecimento
ventos e poemas, e com a mesma presteza viram-lhe as costas ao descobriu-se o originalfssimo dramaturgo gaUcho Jose Joaquim
sabe-lo fora do cargo. Parece-me esta a mais leg!vel e, talvez, de Campos Leäo, gue a si mesmo se alcunhava Qorpo-Santo.
a Unica representcivel dentre as pet;as mencionadas.
A comedia Os Deuses de Casaca e prova cabal do car:lter padente e luzida1ncnte tcm naturalizado o verso alexandrino na llngua
de Garrctt e de Gonzaga. 0 autor teve a fortuna de ver os seus "Versos
liter:lrio de Machado dramaturgQ. Foi escrita em alexandrinos a Corina", escritos naqucla forma, ben1 recebidos pelos entendedores.
rimados e, pelo prefacio, datado· de 1866, depreende-se que o Se ys nlexandrinos dcsta co1nedia tiverem igual fortuna, sera essa a
autor dava um pese especial a essa experiencia metrica, incluin- verdade1ra recompensa para quem procura empregar nos seus trabalhos a
do-se entre os seus pioneiros na hist6ria da nossa poesia ( 200 ). consciencia e a medita<;äo" (Tcatro, Rio, Jackson Ed., 1955, p. 187).
( *) QORPO-SANTO, pseudönin10 de JosE )OAQUIM DE CAMPos
LFÄO ( Vila do Triunfo. entilo Provincia de Säo Pedro 1829 - Porto
( 200) 0 autor fez falar os seus deuses em versos alexandrinos: era AlegrC', 1883 ). ()rföo de pai aos onze anos, foi estudar e~ P. Alegre. Exer-
o mais pr6prio. C~"ll n cargo de prnfcssor pritn<irio em escolas pUblicas fixando-se, por Ul-
Tem este verso alexandrino seus advers<lrios, l'nesmo entre os homens t1rno, n;l l.lpital da pro\'fncia. A partir de 1862 as autoridades escolares
de gosto, mas C de crer que venha a ser finalmente estimado e cultivado )'a ...... aram <l s11 ... pdtar da sua sanidade mental submetendo-o a mais de uma
por todas as musas brasileiras e portuguesas. Sera essa a vit6ria dos es- i11tvrn<1(;iu. ,11,: quc l'l11 18(,S foi julgado inapto näo s6 para lecinnar co1no
for~os empregados pelo ilustre autor das "Epfstolas A lmperatriz", que täo

27J
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Suas comedias, lidas t~to te~po depois de escritas, bene- em Qorpo-Santo, a serie veloz das falas e o · truncado das cenas
ficiaram-se de uma perSpeci:Iva moderna: o olho crftico, ja trei- deixam conviver mais intensamente os opostos do Id e da cen·
nado em Pirandello, em Jarry, em Ionesco, ve nonsense e absur- sura; misturam-se o cömico e a sublimacäo ret6rica num anda-
de como fenömenos ideol6gicos e estc!ticos v:ilidos em si, alem mento estranho que beira a vertigem e o caos ( **). E essa näo
de testemunhos de resistf:ncia a l6gica da domina~äo burguesa. e a menor das razöes por que estamos hoje mais abertos a voz
E o aspecto descosido daquelas comedias, o efeito de delirio que de Qorpo-Santo do que os seus contemporäneos.
as vezes produzem, a for~a do instin'b que nelas urge, enfim o
desmantelo do quadro familiar decoroso do Segundo Imperio
que nelas se ve, tudo se presta a uma leitura radical no sentido A CONSCltNCIA HISTORICA E CRITICA
de atribuir a Qorpo-Santo uma ideologia, ou melhor, uma con-
tra·-ideologia, corrosiva, se näo subversiva dos valores correntes Os anos de 70 trouxeram a viragem anti-rom3ntica que se
no teatro brasileiro do tempo. 0 dado biografico tem tambem definiu em todos os niveis. Cbamou-se realista e depois narura-
seu poder de ressonancia: a marginaliza~iio do homem inter- lista na fici;äo, parnasiana na poesia, positiva e materialista e~
dito na provinciana Porto Alegre do firn do seculo XIX empres- filosofia. Com Tobias Barreto e a Escola de Recife (v.), toma
ta-lhe uma aura extremamente simp3.tica em tempos de contra- forma Uffi ideario que sobreviveria ate OS principios do secuJo
cultura. XX. E toda uma gera~iio que come~a a escrever por volta de
Ao lado dessa interpreta~ao, que acentua o significado de 1875-80 e a afirmar 0 novo espirito critico, aplicando-o as va-
ruptuta COffi OS padrÖes da epoca, OS melhotes Ctfticos de QotpO- rias faces da nossa realidade: Capistrano de Abreu no trato da
-SantO lembram as potencialidades da forma-comedia e especial- Hist6ria; Silvio Romero, cobrindo com sua fortissima paixäo in-
mente da farsa e da pantomima que sempre se aliaram a s3.tira telectual a teoria da cultura, as letras, a etnografia e o folclore;
dos costumes e a par6dia dos estilos. No autor da Ensiqlopedia Araripe Jr. e Jose Verissimo, voltados de modo intensivo para
s3.tira e par6dia concorrem para produzir um efeito ambfguo, na a critica; Cl6vis Bevilacqua, Lafayette Rodrigues Pereira e Pedro
medida em que a agressiio da palavra ou do gesto nao se separa Lessa, juristas de s6lida doutrina e gosto pelo fenömeno litera-
de uma pungente obsessäo moralista cujo centro e 0 instinto ao rio; Miguel Lemos e Teixeira Freitas, ap6stolos do Positivismo
mesmo tempo sancionado e regrado pela institui~äo do matri- sentido como "religiiio da Humanidade"; enfim, Joaquim Nabu-
mönio. A "loucura" e o nonsense de Qorpo:Santo devem, pois,
co ( v.) e Rui Barbosa, que exprimiram superiormente a vida so-
ser historicizados a luz do contexto famili~r do seculo XIX e,
mais largamente, a luz dos conflitos entre 0 capricho individual cial brasileira dos fins do seculo passado e dela participaram nao
e a conduta instituida; conflito de que a farsa e expressiio e s6 como escritores, mas tambem como grandes homens pUblicos
valvula de escape. de estirpe liberal.
Corno na comedia antiga, a linguagem ca e Ja desabusada
faz contraponto necessario com as nota~öes tradicionalistas. Mas assovio, Lanterna de fogo, Um parto, 0 h6spede atrevido ou o brilhante
escondido, A impossibilidade da santifictlfiO ou a santifica~äo transforma-
da, 0 Marinheiro escritor, Duas p/Jginas em branco, Dous irmiios. Consul-
para gerir familia e bens. Näo se conformando com o interdito, protestou tar: Anfual Darnasceno Ferreira, "Qorpo-Santo e a singularidade'', in Cor-
com veeml!ncia no jornal que ele mesmo fundara, A Justifa. Ja'. entäo re- reio do Povo, de P. Alegre, 21-2-68. (A este estudioso cabe a prioridade
digia a sua comp6sita e desnorteante Ensiqlo,pedia ou Seis Meses de uma na serie dos descobridores de Qorpo-Santo); Yan Michalski, "O sensacio-
Enfermidade em nove tomos dos quais se conhecem, atC o prese?te, o I, nal Qorpo-Santo", in Jornal do Brasil, 8-2-68; Lufs Carlos Maciel, "O
o II, o IV,'o VII, o VIII e o IX. Editou-a em 1877 em tipografia pr6- 'Caso' Qorpo-Santo", in Correio da Manhä, 26-5-68; Guilhermino Cesar,
pria. 0 IV volume contCm as suas comedias, todas brevfssimas, e com- Introducäo a As Rel{lföes Naturais e Outras Comedias, P. Alegre, Univer-
postas em 1866: Mateus e Mateusa, As Rela~öes Naturais, Hoje sou um; sidade Federal do R. G. do Sul, 1969; Fl8vio Aguiar, Os Hamens Pre-
e aman-hä outro, Eu sou vida: eu niio sou morte, A separafiio de dois cJrios, P. Alegre, A Na;äo, 1975.
esposos 0 marido extremoso ou o pai cuidadoso, Um credor da Fazenda ( **) Leia-se a brilhante aruilise das comedias de Qorpo-Santo em
Nacion;l, Certa entidade em busca de outra, Uma pitada de rape, Um Os Hamens Prectlrios, de Fl8vio Aguiar, cit.

274 275
Crescidos tambem nessa culti.Ka, Joäo Ribeiro, Euclides da dos trop1cos que o colonialismo europeu disSeminara na cultura
Cunha, Alberto Torres, Oliveira Viana e Manuel Bonfim, sou- ocidental, invertendo o mito do bom selvagem, outrora caro e
beram porem, transcende-Ia em certos aspectos, motivo por que Util aos pre-romänticos na luta contra as hierarquias do ancien
e preferivel estud3-los imediatamente antes dos modernistas. regime. Essa visäo negativa do homem tropical e especialmente
Nenhum deles foi alheio a literatura no sentido amplo do do mesti\o passava entäo por cientifica e realista e permaneceu
termo. Todos contribufram para fi~ uma prosa mais direta, na abordagem do car3:ter brasileiro ate o quartel de entrada do
menos pesada e enf3tica do qlle a que se depara nos eruditos ro- seculo XX, transmitindo-se quase inc6lume nas obras de Silvio
mänticos como Varnhagen, Pereira da Silva ou Melo de Morais Romero, JosC Verissimo, Nina Rodrigues, Euclides da Cunha,
Filho. Par outro lado, aprofundam o esfor<;o desses, depuran-
Oliveira Viana e Paulo Prado. 56 o esfor\o critico da Antropo-
do-lhes OS resultados gta<;as a apJica<;ao de metodos mais preci-
logia e da Sociologia das anos de 1930, com Artur Ramos, Ro-
SOS e fazendo ceder os mitos indianistas e patrioteiros a golpes
do "espfrito positivo". quette Pinte, Gilberto Freyre e Sergio Buarque de Holanda, pa-
ra citar apenas os mais relevantes, faria uma revisäo desses pres-
supostos ( 202 ). ~
Capistrano de Abreu Revelando numa carta a Verfssimo um momento capital pa-
ra o desencadear-se de sua voca\äo, escreveu Capistrano: "Pen-
Ainda muito jovem, Capistrano de Abreu ( 201 ) esboi;ou sei em consagrar-me a Hist6ria do Brasil, resultado de uma lei-
uma teoria da Iiteratura nacional em termos puramente tainea- tura febricitante de Taine e Buckle e da viagem de Agassiz feita
nos: da clima, do solo e da nzestiragem adviriam os tra\os nega- ainda no Ceara ... " E manteve·se fiel aos crirerios historiogrci-
tivos do homem brasileiro, a inc.lolencia, a labilidade nervosa, a ficos que o inspiraram nos estudos de estreia: foi exato atC os
exalta\äo sllbita mas efemera, presentes, segundo ele, nos v0.rios
Ultimos escrllpulos na pesquisa e data\äo das fontes, positivista
momentos da nossa poesia.
na concep<;äo do fato hist6rico e determinista na explica<;äo deste
Lende avidamente Buckle e Taine, os mais influentes his- como produto de fatores trans individuais: ambiente e heran\a
toriadores da epoca, o nosso erudito cearense introjetava, sem o racial.
perceber, uma serie de cliches pessimistas em rela~äo ao homem
Do ponto de vista ideol6gico procurou ser neutro, como
(201) ]üÄO CAPISTRANO DE ABREU (Maranguape, Ceara, 1853 - Rio, convinha ao ideal do cientista puro do tempo; mas sende isso
1927). Terminados os estudos secundiirios em Fortaleza, Capistrano par-
tiu para o Recife para fazer os preparat6rios ao curso de Oireito. Aluno gua dos Caxinaußs, 1914. Publicados depois de sua morte: Caminhos An-
irregular e leitor de matCrias extracurriculares, nilo obteve exito nos exa- tigos e Povoamento do Brasil, 1930; Ensaios e Estudos ( Critica e Hist6·
mes e voltou para a sua provincia. Ai se dedica a critica liter8:ria ~ funda
ria) 1.a serie, 1931; 2: sCrie, 1932; 3.a sCrie, 1938. Correspondbtcia (org.
com Rocha Li1na, Araripe Jr. e outros jovens precoces a Academta Fran-
cesa, 6rgäo de cultura e· debates, progressista e antiderical, que durou de e pref;lcio de Jose Hon6rio Rodrigues), 1.0 vol., 1954; 2. 0 voL, 1954;
1872 a 1875 e que, ressalvadas as propon;öes, exerceu no Ceara uma fun- 3. vol., 1956. Consultar: Pinto do Carmo, Bibliografia de Capistrano de
0

<;äo paraleia a da "Escola do Recife" tle Tobias, Silvio e Bevilac~u~.. Jii Abreu, Rio, I. N. L„ 1942; JosC Pedro Gomes de Matos, Capistrano de
senhor de uma s6lida cultura humanistica, em grande parte autod1dattca, Abreu. Vida e Obra do Grande Historiador, Fortaleza, A. Batista Fon-
orienta-a para o determinismo, postura que conservaria atC a morte. E'.m tenelle, 1953; HClio Viana, Ciipistrano de Abreu. Ensaio Bi?bibliogr~fico,
1875 vai para o Rio, onde ocupara o cargo de oficial da Biblioteca Nac10- Rio, Ministerio da Educai;äo, 1955; Afränio C?17tinho, ~uclzdes, Captst~a­
nal e, por concurso, a cadeira de Hist6ria do Brasil no ColCgio Pe~ro II, no e Araripe, Rio, M. E. C., 1959; Jose Honorto Rodrtgues, A Pesqutsa
con1 uma rese, depois cl:issica, sobre a näo-casualidade do descof;>nmento Hist6rica no Brasil, Rio, Depto. de Imprensa Nacional, 1952.
do Bra<;i! pclos portugueses. Dedica-se absorventement~ a pesqu1sa ~ ~stu­ ( 202) Ver Dante· Moreira Leite, 0 Cardter Nacional Brasileiro, His-
dando anos a fio a nossa hist6ria colonial. Ficou matCna de anedotano a t6ria de Uma Ideologia, 2.a ed„ S. Paulo, Pioneira, 1969. Trata-se de uma
negligCncia e distra<;ilo com que se portava na vida pratica. Obra: 0 Des- critica sistemlitica e IUcida as varias tentativas de interpretar o nosso povo
cobrimento do Brasile Seu Desenvolvimento no Siculo XVI (1883); Fr. a luz de categorias psicol6gicas. Para o t6pico em questilo, cf. o capftulo
Viccntc do Salvador, 1887; Capitulos de Hist6ria Colonial, 1907; A Lin- XX, "Realismo e Pessimismo".

276 277
possivel apenas em teori:a, ca~u-lhe Por vezes a mascara da abstra- tico sergipano amava apaixonadamente as ideias gerais e näo fa-
ta isen\äo entrevendo-se nesse pacato materialista e ateu simpa- zia hist6ria do documento isolado senäo para ilustrar as grandes
tias pelo centro conservador. Leia-se, por exemplo, o que disse leis etnicas e sociais que aprendera junto a seus mestres deter-
a prop6sito do Duque de Caxias atacado pelos liberais na crise ministas.
de 1868, ou o passo em que narra as manobras da ala radical Silvio Romero e a consc1encia ativa e vigilante da Escola
em face de Luis XVI ( ambos ,OS esc1'tos acham-se em Ensaios e do Recife que ele näo cessaria de sustentar em um sem-nllmero
Estudos, 2.a serie), ou, enfim, recorde-se a sua famosa ojeriza de artigos e polemicas, como um ponto de honra pessoal ...
por Tiradentes e pelos membros jacobinos da Revolu~ao Per- Na Hist6ria da Literatura Brasileira, as generalidades, quando
nambucana de 1817. muito brilhantes, de Tobias Barreto fazem-se temas fecundos de
Mas, sendo antes um homem curioso do Brasil colonial que exegese e criterios de aprecia\äo literaria. Roje podem-se de-
espirito amante de abstra~öes, Capistrano pouco se perde como plorar os limites esteticos a que o conduziram esses caminhos: 4

te6rico. Säo palavras suas: "No Brasil näo precisamos de His- quem nao viu a superioridade de Castro Alves sobre Tobias, ou
t6ria, precisamos de documentos." De onde, a utilidade funcio-
nal das suas monografias nas quais, alCm da paciente reconstru- maior renovador do pensamento brasileiro. Os Cantos do Fim do Seculo,
.;äo do passado, se. Iouva o mCrito de uma prosa limpa e serena. de 1878, "poesia cientffica'', traduzem em versos infelizes os entusiasmos
do ne6fito em face das Ultimas doutrinas. Fixando-se no Rio, dedicou-se
Entre os frutos da sua operosidade contam-se algumas ex- ao magistCrio, lecionando Filosofia no ColCgio Pedro II e na Faculdade
celentes ed.il;öes de textos coloniais que incorporou de vez as le- de Direito. Proclamada a Repllblica, ingressou na politica elegendo-se de-
tras hist6ricas: a obra magistral de Fr. Vicente do Salvador, putado por Sergipe. Deu ao prelo ininterruptamente, de 1878 a 1914,
mais de meia centena de escritos, entre livros, opllsculos e preflicios, fru-
Hist6ria do Brasil, que anotou profusamente; os tratados de Fer- to de suas pesquisas e das pol~micas a que seu temperamento fogoso amiU-
nao Cardim e Magalhaes Gandavo e OS Documentas Relativos a de o impelia. Tiveram-no por desabrido opositor TeOfilo Braga, JosC Ve-
Visitar;iio do Santo Oficio a Bahia e a Pernambuco. Alem disso, rfssimo, Lafayette Pereira Rodrigues e Laudelino Freire. Obras principais:
A Filosofia no Brasil, 1878; A Literatura Brasileira e a Critica Moderna,
desvendou, com a ajuda de Rodolfo Garcia,_a autoria dos Dialo- 1880; 0 Naturalismo na Literatura, 1882; Cantos Populares do Brasil, 1883;
gos das Grandezas do Brasil, de Ambr6sio Fernandes Brandao, Estudos sobre a Poesia Popular no Brasil, 1888; Hist6ria da Literatur~
que se atribuia a Bento Teixeira, o poeta da Prosopopeia; e com Brasileira, 1888 ( 3." ed., 5 volumes, organizada por Nelson Romero, Rio,
Jose Olympia, 1943); Doutrina Contra Doutrina. 0 Evolucionismo e o
igual arglicia se houve em rela~ao ao saboroso Cultura e Opul~n­ Positivismo na RepUblica do Brasil, 1.• sCrie, 1894; Machado de Assis,
cia do Brasil, cujo autor, o jesuita Joäo Antönio Andreoni, se 1897; Ensaios de Sociologia e Literatura, 1901; Martins Pena, 1901; Com-
ocultara sob os pseudönimos de Antonil e Anönimo Toscano. pendio de Hist6ria da Literatura Brasileira (em colab. com Joäo Ribeiro),
1906; A America Latina, 1906; 0 Brasil Social, 1907; Zeverissima~öes
Ineptas da Critica, 1909; "Da Critica e Sua Exata Defini~äo", in Revista
Americana, Ano I, n. 0 2, nov. de 1909; Provoca~Oes e Debates, 1910; Mi-
Silvio Romero nhas Contradi(Öes, 1914. Consulta.r: Araripe Jr., "Silvio Romero polemista",
in Revista Brasileira, 1898-99, trahscrito em Araripe Jr., Teoria, Critica e
Hist6ria Litertiria, Rio, LTC, 1978; Labieno (Lafayete Rodrigues Perei-
0 gosto da pesquisa e da mais variada leitura tambem o ra), Vindiciae, Rio, Livr. Cruz Coutinho, 1899 (3.a ed., Jost! Olympia,
tinha Silvio Romero ( 203 ); mas, ao contr3rio do cearense, o cri- 1940); ClcSvis Bevilacqua, Silvio Romero, Lisboa, A Editora, 1905; JosC Ve-
rissimo, Estudos de Literatura Brasileira, 6.a sCrie, Rio, 1907; Carlos Süsse-
kind de Mendonr;a, Silvio Romero. Sua Formt1fäo Intelectual ( 1851-1880),
( 203) SiLv10 VAscONCELOS DA SILVEIRA RAMOS RoMERO ( Lagarto, S. Paulo, Cia. Ed. Nac„ 1938; Silvio Rabelo, ItinerOrio de Silvio Romero,
Sergipe, 1851 - Rio, 1914). Passou a inf8.ncia na provincia natal, fez os Rio, Jose Olympio, 1944; Ant6nio Cändido, 0 Metodo Critico de Sf.lvio
estudos secundarios no Rio e Direito em Recife ( 1868-1873 ). No periodo Romero, Fac. de Filosofia, Ciencias e Letras da Universidade de S. Paulo,
academico, sensivel a viragem da Cpoca, combateu os resqufcios do Ro. Boletim n. 0 266, 1963; Lufs Washington Vita, Triptico de Ideias, S. Paulo,
mantismo sentimental, fez-se evolucionista e, em politica, ardente liberal. Grijalbo, 1967; S. ROmero, Teoria, Critica e Hist6ria Literflria, selC\So e
Data dessa fase o conhecimento de Tobias Barreto em quem viu sempre o apresenta~ao de Ant6nio CS.ndido, Rio, LTC, 1978.

278 279
niio percebeu tuda a fon;a C,_ritica ,de Machado de Assis por cer- divfduo como nU.cleo indispens3vel da crtai;ao, pouco se valeu
to havia de estar obnubilado por apriorismos letais. Mas t! for- dessa possibilidade de matizar as relai;6es entre os fatores exter-
t;oso reconhecer a outra face da moeda, isto e. o apaixonado la- nos e os internos do processo artfstico.
bor hist6rico e critico de Sflvio que, durante mais de quarenta Nas suas paginas sobre folclore ( 204 ) säo as racas e a mes-
anos de publica\Öes, vincou fundamente a cultura realista e nos tii;agem que determinam em Ultima inst3.ncia a natureza das gf:-
deu bases s6lidas para construir uma hist6ria Iiter3ria entendida neros e o conteUdo das exemplos colhidos. E se na obra capi-
como expressäo das ra(as, das. clasSe'?"e äas vicissitudes do povo tal, a Hist6ria da Literatura Brasileira, arnplia a faixa das com-
brasileiro. ponentes geneticos da literatura, somando aos heredit<irios os
As linhas de fort;a do pensamento romeriano no que toca mesol6gicos e propriamcnte cuiturais (Livre I), pouco avan~a
as letras brasileiras podem resumir-se nas seguintes premissas: no sentido de ver por dentro a tem3tica au a linguagem das obras
a) a literatura - como as demais artes e o folclore - tomadas em si mesmas.
exprime diretamente fatores naturais e sociais: o clima, o solo, Dentro das seus limites, porem, a Hist6ria permanece a
as rat;ss e seu processo de mestit;agem ( determinismo bio-sociol6- primeira visäo organica das nossas letras. Sllvio procedeu a um
gico); levantamento exaustivo de tudo o que se escrevera ate entäo no
Brasil, incluindo materias afastadissimas do que o consenso ge-
b) a seqüencia dos fatos na Hist6ria ilustra a intera~äo ral entende por arte literaria: livros de Geologia, de Bot9.nica,
das fatores mencionados; mas ela näo e cega, tem um sentido: de Medicina, de Direito. . . 0 seu conceito elcistico de arte como
o progresso da Humanidade ( evolucionismo); expressäo indiscriminada das energias mentais de um povo näo
c) a melhor critica liter3.ria sera, portanto, gent!tica e näo lhe permitia grandes escrUpulos de ordern estt!tica; o que, afinal,
formalista. Os criterios de ju(zo daräo valor ao poder, que a redundou em bem para a formac;äo da consciencia do nosso pas-
obra deve possuir, de espelhar o meio, e näo a seus caracteres de sado espiritual visto como um todo fortemente preso 3.s estrutu-
estilo ( critica externa vs. critica ret6rica). ras materiais.
0 enfoque de Romero foi, assim, o primeiro passo decisivo Hoje os cänones evolucionistas ja estäo em crise ou, pelo
para urna crftica sociol6gica de estreita obse,rväncia. Rejeitando menos, relativizados; as reservas para-racistas que Silvio tinha
as teses romänticas e indianistas por subjetivas ( Magalhäes, em comum com os antrop6logos do tempo ja näo nos fazem mal;
Alencar) e os resfduos de uma leitura academica ( Sotero dos enfim, näo cessarn de refinar-se os metodos de anilise da obra
Reis), Sflvio propös vigorosamente uma abordagem da obra em literiria: temos, portanto, armas para reler criticamente os escri-
funi;äo das realidades antropol6gicas e sociais, vistas como fatos tos do mestre sergipano e deles extrair o muito que ainda po-
primeiros e inarreda'.veis. dem oferecer em documentac;äo e, o que mais importa, em in-
teresse constante por todas as faces de nossa realidade. E a par-
Por outro lado, ignorando Hegel, Engels e Marx (alias su· tir de SHvio que se deve datar a paixäo inteligente pelo homem
bestimados pela filosofia francesa e, mesmo, alemä dos meados brasileiro, pedra de toque de uma linhagem de pesquisadores e
do sCculo), StJvio estava jungido a uma visäo analftica e parce- crlticos que se estenderia att! os nossos dias contando, entre ou-
larizadora dos fen6menos espirituiiis: fa1tava-lhe urna concepi;äo tros, com os nomes de Euclides da Cunha, Joäo Ribeiro, Nina
totalizante e dialetica da cultura que lhe teria permitido lan~ar Rodrigues, Oliveira Viana e, a partir do Modernismo, Mario de
as necess<irias pontes entre aqueles "fatqs" brutos da cif:ncia e Andrade, Roquette Pinte, Gilberto Freyre, Artur Ramos, Josue
a estrutura complexa, altamente diferenciada, da obra literaria. de Castro, Camara Cascudo, Caio Prado Jr., Nelson Werneck
0 que o determinismo de Taine oferecia como forma de Sodre, Cavalcanti Proen,a, Cruz Costa, Sergio Buarque de Ho-
mediai;äo entre aqueles "fatos" e a obra era uma psicologia das landa, Florestan Fernandes e Antonio Gndido.
autores, bastante gent!rica alias, e reduzida a_ analise dos tempe-
ramentos e ii sondagem da facu/dade dominante: imagina~äo,
sensibilidade, inteligf:ncia. Mas Romero, embora falasse do in- ( 204) Estudos sobre a Poesia Popular no Brasil, Rio, Laemmert, 1888.

280 281
Araripe Jr. muito familiarizado com a estetica de Taine. Lessing, pelo menos,
~onvenceu-me de que os principios da arte, os elementos simples,
1a eram conhecidos da antiguidade grega, e que a critica moderna
Apesar de ter recebido a mesma forma~äo te6rica de S!lvio a.penas desenrolou, equilibrando-os, e agora trata de adaptci-los a
Romero, Araripe Jr. ( 265 ) revelou-se desde os seus primeiros v1da complexa do espirito secular.
ensaios um leitor mais senslvel aos aspectos propriamente artls-
1 ticos da literatura. ... - 0 ecletismo de Araripe, feliz enquanto lhe estendia o cam-
po das leituras e das experiencias estCticas, deixou-o, porCm, os-
I' Devemos-lhe boas mon6grafias sobre Alencar, Rau! Pom-
i peia, Greg6rio de Matos e uma longa serie de resenhas e artigos,
cilante nos julgamentos entre critCrios dispares: o nacionalista,
que trouxera da juventude, de fundo romintico, conforme o qual
compilados postumamente, em que acompanhou de perto as es- a obra vale pelo seu quantum de brasilidade; e o psicoestetico,
l. treias dos romancistas do firn do seculo e dos poetas simbolistas.
' permeado de analises taineanas e propenso a valorizar as quali-
Crltico militante, Araripe mostra-se bem informado a res- dades sensoriais e pl3sticas do texte. Pelo primeiro critCrio apre-
peito das novidades europeias, buscando sempre entender o al- ciou Greg6rio de Matos e Alencar; pelo segundo, compreendeu
cance das teorias e polemicas que se entrecruzavam no seu tempo. a arte nervosa de Raul Pc;impCia e, apesar das reservas, a poesia
Por temperamento e ofkio, esse leitor foi-se deixando pe- dos primeiros simbolistas.
netrar por um largo ecletismo, como ele mesmo confessa no pre-
facio ao Greg6rio de Matos, escrito em 1894:
.Jose V erissimo
0 mCtodo que adotei, na prepara~ deste ensaio, C o mesmo Com Jose Verlssimo ( 266 ) a, fofase nos fatores externos
que tenho seguido desde 1878. Orientado no cvolucionismo spcn-
ceriano e adestrado nas aplica~öes de Taine, procurei depois for-
a
cede a um tipo de aprecia~ao ecletica que, falta de melhor ter-
talecer-me no estudo comparado dos criticos vigentes. Todos os mo, poderia ser definida humanistica.
pontos de vista da exegese moderna tem sido objeto de minhas
preocupa-;öes. Toda idCia, boa ou mß, aprovcitBvel ou inexcqüfvel, ( 206) Jos:E VERiss1Mo D1As DE MATos ( öbidos, Para, 1857 - Rio,
C sempre hurnana. Assim, pois, acostumei-me a nada desprezar. 0 1916). Passou a infäncia na provincia natal, dela saindo para o Rio de
pr6prio pessimismo, c os seus variadfssimos '"dialetos litcriirios, ocul- Janeiro onde fez preparat6rios no Colegio Pedro II e freqüentou por al-
tismo, decadismo, pre-rafaelismo, wagnerismo, tem-me ensinado a gum tempo a Escola Central, hoje Polit&nica. Adoecendo, deixa os estu-
discernir melhor as coisas hum.anas e a dirigif o espfrito pondo de dos e retorna, em 1876, ao Para. Säo operosos os seus anos de juven-
Jado o que C fortuito. Devo declarar tambCm que muito continuo tude: funda a Gazeta do Norte e a Revista Amaz6nica, 6rgäos progressis-
a aprender relendo Arist6teles, Longino, Horacio e principalmente tas; ocupa a Diretoria da Instru~äo do Para e pesquisa seriamente a his-
o bo!ß Quintiliano. 0 Laocoonte de Lessing fez Cpoca na minha t6ria e os costumes dos fndios e mesti\QS da regiao: os Quadros Paraenses
carre1ra de crftico, apesar de have-Io conhecido quando jii estava (1878), as Cenas da Vida Amaz6nica (1886) e a !.• sCrie dos Estudos
Brasileiros ( 1889) däo cabal testemunho da aten~äo que votava ao homem
da sua tetra. De grande interesse para a hist6ria da nossa cultura e o seu
. ( 205) TRJSTÄo DE ALENCAR ARARIPE J R. ( Fortaleza, Ceara, 1848 - ensaio Educa~äo Nacional, publicado em BelCm, em 1890. Mudando-se
Rio, 1911). Descendente de abastada ~mflia cearense foi 0 menino ainda para o Rio no ano seguinte, aproxima-se dos melhores escritores da Cpo-
para o Recife onde fez humanidades e Direito, formando--se em 1869. Exer~ ca, Machado, Nabuco e os parnasianos, renova a Revista Brasileira ( 3.•
~el! a magistratura em Santa Catarina, no Cearii e no Rio, ocupando nos
fase) e passa a viver definitivamente do magistCrio, lecionando Portugu~s
ulumos anos o cargo de Consulter Geral da RepUblica. Obras principais: e Hist6ria, no ColCgio Pedro II. Säo desse periodo os livros de crfrica
fase de Alencar, Perfil Litertirio, 1882; Greg6rio de Matos 1894· Litera- e hist6ria literiiria. Outras obras: Emilia Littre, 1882; A Amaz6nia. As-
tura Br?sileira. Movimento de 1893, 1896; lbsen, 1911; os ~nsaios' anterio- pectos Econ6micos, 1892; "A lnstru~äo PUblica e a lmprensa" in Livro
res, ~ ~a1s a c~letänea dos arti~os dispersos, estäo em Obra Critica, org. por do Cententirio, 1900; Estudos de Literatura Brasileira, 6 sCries, 1901-1907;
Afranto Cout1nho, 4 vols., Rto, Casa de Rui Barbosa, 1958, 60, 63 e 66. Hamens e Cousas Estrangeiras, 1902; Estudos Brasileiros, 2.• sCrie, 1904;
Consultar: Martin Garda Merou, El Brasil Intelectual Buenos Aires Felix Q'!e e.Literatura? e Outros Escritos, 1907; Interesses da Amaz6nia, 1915;
Lajouane, 1900; Jose Verissimo, Estudos de Literatur~ Brasileira 1.: sCrie Hzst6rta da Literatura Brasileira, 1916 (ed. p6st.); Letras e Literatos, 1936
Rio, Garnier, 1901; Afränio Coutinho, Euclides, Capistrano e Ar~ripe, Rio: (ed. p6st.). Consultar: Francisco Prisco, Jose Verissimo. Sua vida e Sua
MEC, 1959; Araripe Jr., Teoria, Critica e Hist6ria Litertiria sel~o e Obra, Rio, Bedeschi, 1936; Autores e Livros, Suplemento Literario de A
apresentat;äo de A. Bosi, Rio, LTC, 1978. ' Manhä, 31-5-1942; Alvaro Lins, Jornal de Critica, 3.• sCrie, Rio, JosC Olym-

282 283

l
A arte e signo das_ etem,as ell)O~öes do Homem. Expressiio reto, por excesso de enfase; o teatro de Alencar pelo abuso do
articulada, visa a provocar· o prazer do Belo. "Literatura e arte tom moralizante; o romance de JU.lio Ribeiro como naturalismo
literaria. Somente o escrito com o prop6sito ou a intui~äo des- mal avisado e "parto monstruoso de um cerebro artlsticamente
sa arte, isto e, com os artificios de inveni;äo e de composi<;äo enfermo".
que h constituem, e, a meu ver, literatura'' ( 207 ). Mas nem sempre andou bem com a rigidez desse criterio.
Reintegrando a literatura na es~a ~das belas-artes, Verissi- Avesso por temperamento e cultura a experiencia religiosa e,
mo opera nos Estudos e na Hlsi6ria Ja Literatura Brasileira uma igualmente, as novidades esteticas radicais, näo soube apreciar
sele~äo de autores bem mais rigorosa que a de Silvio Romero. no momento devido a renova.;ao simbolista: o seu primeiro im-
Ao critico paraense interessavam, de um lado o lavor da forma, pulso ao !er Cruz e Sousa foi tacha-lo de decadente, for,ando a
de outro a projec;äo de constantes psicol6gicas como a i.magina- nota pejorativa do termo. 0 mesmo se deu com o versa livre
~äo, a sensibilidade e a fantasia. "Ora, a literatura para que va- do qua] afirmou que jamais vingaria em lingua portuguesa. Ve-
lha alguma coisa, h/J de ser o resultado emocional da experien- rissimo assinaria com gosto estas palavras de Anatole France:
cia humana" ( 208). "Näo acredito no exito de uma escola literaria que exprima
pensamentos diffceis numa linguagem obscura."
Mas, näo dispondo de modulos novos de julgamento, con-
Na Hist6ria da Literatura Brasileira, foge da adesao a qual-
tenta-se com as qualidades propostas pela ret6rica tradicional:
quer movimento ou grupo ideol6gico. Assim, embora veja na
o estilo deve ser elegante, os enredos bem construfdos, os dra-
1 , esteira dos rom3.nticos o sentimento de nacionalidade como tra-
mas verossimeis, etc. Do criterio de beleza diz que "po-
~o que distingue as letras brasileiras das portuguesas, deplora os
dendo sofrer variac;öes infinitas, se conserva no fundo sempre o
excessos do indianismo; e, se encarece a a.;äo do uespfrito mo-
mesmo" ( 209 ).
derne" ( isto e, da cultura realista) como salutar reai;äo as inge-
Verfssirno lembra em mais de um ponto os seus me!;tres nuidades rom3.nticas, nem por isso deixa de externar o receio
franceses, Lanson e Brunetiere, que se seguiram a primeira ge- que lhe inspira a voga do cientismo.
ra.;ä:o positivista. E um erudito consciencioso cujo gosto pessoal Atuava na mente de Verfssimo uma perene desconfian.;a,
ficou preso aos momentos aureos do Classicismo e as vertentes talvez de origem academica, das op\Öes filos6ficas mais definidas
mais s6brias do Romantismo. Prova-o a süa simpatia pelos es- Oll cortantes. A doutrina seca das te6ricos do Positivismo pre-
critores estilisticamente maduros como Gonzaga, Gon.;alves Dias feria as suas encarna.;öes liter3rias, Renan e Anatole, os "ceticos
e Machado de Assis, de quem foi admirador sem reservas; pro- am3veis" que tanto seduziram as elites latino-americanas das
va-o o torneio cl<issico da sua sintaxe e, com menos acerto, o fins do seculo. Daf, o seu escorar-se em criterios fugidios, difl-
uso de alguns termos arcaizantes: "convinhavel", "caro3vel", ceis de determinar, bom gosto, senso comum, prazer intelectual,
"quejandos" ... aos quais, entretanto, se atinha com proverbial intoler3.ncia. 0
Seguindo o lema academico do in· medio virtus, aborrecia to- resultado foi uma crftica que se situava a meio caminho entre o
do e qualquer desequilibrio: a poesia condoreira de Tobias Bar- reconhecimento dos dados psic:o-sociais ( 210 ) e a leitura vaga-
'• mente estetica de algumas obras.
pio, 1944; Wilson Martins, A Critica Litertiria no Brasil, S. Paulo, Depto.
de Cultura, 1952; Olivio Montenegr6, ]ose Verissimo - Critica, Rio, Agir,
1958; Joäo Pacheco, 0 Realismo, cit.; InJcio Jose Verissimo, ]. V. visto (210) Na compreensäo da nossa realidade global, Verissimo e me-
por dentro, Manaus, Ed. do Governo do Amazonas, 1966; Joäo Alexandre nos atilado que Silvio Romero. Assim, nega de maneira categOrica a in-
Barbosa, A Tradi~äo do Impasse, S. Paulo, Atica, 1974; J. Verissimo, fluCncia espiritual e emotiva do negro e do Indio, rai;as que, como Silvio
Teoria, Critica e Hist6ria LiterOria, selei;äo e apresentai;äo de Joäo Ale- e os evolucionistas do tempo, julgava "inferiores": "Absolutamente se
xandre Barbosa, Rio, LTC, 1978. näo descobriu ate hoje, mau grade as asseverai;5es fantasistas e gratuitas
( 207) Hist6ria da Literatura Brasileira, Introdui;äo. em contr3rio nä:o diremos um testemunho, mas uma simples presunr;äo
( 208) Id., pag. 308. que Qutorize 'a contar quer o Indio quer o negro como fatores da nossa
( 209) Estudos de Literatura Brasileira, 6.a serie, p<lg. 216. literatura. Apenas o teriao1 sido mui indiretamente como fatores da va-

284 285
Na verdade, escondia-se por tr3s desse ecletismo humanfsti· como Nabuco, Jose do Patrodnio e Andre Rebou~as. Vmculan-
eo o problema nodal da crifica litharia, e o mais espinhoso de do-a ao progresso e ao ensino leigo, tiveram-na por bandeira os
todos: relacionat COID exito OS p6}os genetico e estrutural do ide6logos republicanos de estofo positivista, Alberto Sales, Me-
processo artistico. Näo seria Jose Verfssimo o homem capaz de deiros e Albuquerque, Pereira Barreto. Ate mesmo um monar-
resolvC-Io, nem tinha sequer as condi~öes culturais necess3rias quista e cat6lico tradicional, Eduardo Prado, reclamou-a para
para o formular. Seja como for, evitando o puro sociologismo seu credo ao desafiar o militarismo de Deodoro nos Fastos da
de Sllvio Romero, mostrou-se ~enslve1' acj\Jele quid peculiar a li- Ditadura Militar no Brasil ( 211 ). Eram homens que provinham
teratura, merito que ainda hoje lhe creditamos. de classes e grupos diversos e que professavam ideologias opos-
tas: Patrocinio, descendente de cativos; Eduardo Prado, filho de
senhores de escravos; Medeiros, rebento da burguesia. No CD·
AS LETRAS COMO INSTRUMENTO DE A<;:AO tanto, no seculo do liberalismo, prolongado ate o fim da I Guer-
ra, ope;öes contrastantes valiam-se de ret6ricas afins: impunha-se
lniciado ao tempo das campanhas pela Aboli~äo ( v. Joa- a todas as faixas o princlpio de respeito ao indivlduo, de tal sor-
quim Nabuco) e pela Republica, e coincidindo com a mudan~a te que se pode afirmar que 0 culto a democracia jurldica teve
do regime e as agita\öes das seus prirneiros anos, o periodo rea- nesses anos o seu momento 3.ureo.
lista conheceu amplamente o uso da palavra como forma de a\äo Esbatiam-se, por outro lado, as cores do Positivismo dogma-
politica. 0 que, em alguns casos, interessa a hist6ria liter3ria, tico: este, desertado por "hereticos", deixava de ser um corpo
conforme a maneira pela qual se comunicam e se configuram os rlgido de princlpios filos6ficos para diluir-se em algo mais ge-
materiais ideol6gicos. nerico, a mentalidade liberal, agn6stica, "centrista", da 1.• Re-.
A linha mestra de toda essa fase foi a luta pela liberdade. pllblica. Diluindo-se, näo morria: assegurava _a sua sobrevivCn-
Ern nome dela discutiram e escreveram Hderes antiescravocratas cia como um dos componentes. Algumas vozes isoladas e fervi-
das opuseram-se a mare de indiferentismo religioso que, vinda
de longe, parecia subir a seu ponto m:lximo sob o regime repu-
riedade etnica que e o brasileiro. ( ... ) Ern todo caso, as duas rac;as blicano: o Pe. JU!io Maria, Jackson de Figueiredo e outros me-
inferiores apenas influiram pela via indireta da westic;agem e näo com nores. Mas a prega~äo desse renouveau catholique ecoava uma
quaisquer manifestac;öes claras de ordern emotiva ( sit!), como sem ne- lgreja ainda passadista e autoritaria ( 212 ) e näo logrou entrar em
nhum fundamento se lhes atribuiu" (Cap. l, "A primitiva sociedade colo-
nial"). Navegando tambCm nas aguas da cic!ncia europCia, pessimista em dialogo vivo com a cultura leiga do pals; o que s6 ocorreria de-
relac;äo ao homem das tr6picos, Verfssimo arrola entre as constantes do pois de 1930 ou mais recentemente.
brasileiro trac;os psico!Ogicos negatives contra os quais nada puderam fa;rer Nesse contexto h3 um nome que testemunhou quase mitica-
o "espfrito cientffico" e o "pensamento moderne": a sensibilidade /Qcil,
a carencia, näo obstante o seu ar de melancolia, de profundeza e serieda- mente o modo de pensar das elites brasileiras que construfram a
de, a sensualidade levada alt a lascivia, o goslo da ret6rica e do reluzente. Republica: o de Roi Barbosa (21•).
A_cr~scentem-se como caracleristicos mentais a petuläncia intelectual subs- Rui e todo seculo XIX, mas tambem o Brasil continuou a
/t~utndo o estud? e a meditaräo pela improvisaräo e invencionice, a /e.
vzandade em acettar inspiraröes desenc6"ntradas e a facilidade de entusias-
sC-lo, em substäncia, ate as vesperas de sua morte, quando OS
mos irre/letidos por novidades esteticas, · /ilos6/icas ou literflrias. A Jalta
de outras qualidades, estas emprestam ao nosso pensamento e a sua ex-
pressäo literQria, a forma de que, por mlngua de melhores virtudes, se ( 211) A primeira edi~o, de 1890, foi confiscada pelo governo
reveste. Aquelas revelam mais sentimentalismo que racioclnio, mais im- federal.
pulsos emotivos que consciencia esclarecida ou alumiado entendimento (212) Ver, no capitulo Simbolismo, o t6pico respectivo.
revendo tambem as de/icifncias d"a nossa cultura. Mas por ora, e a des~ (213) Ru1 CAETANo BARBOSA DE ÜLIVEIRA (Salvador, 1849 - Pe-
peito da mencionada rea(äo do espirito cienti/ico e do pensamenlo mo- tr6polis, 1923 ). Filho de um medico baiano de minguadas posscs. Fez
derno dele inspirado, somos assim, e a nossa literatura, que e a melhor os estudos ßCCUndarios no Ginasio Baiano, de Abflio CCsar Borges, reve-
expressäo de n6s mesmos, claramente mostra que somos assim" (H. L. B. lando desde cedo invulgar mem6ria e talento verbal. Cursou Direito cm
introdu~äo ). Recife (1866-68) e, depois, em Säo Paulo (68-70), onde foi colega de

286 287
modernistas encetaram uma luta contra o estilo que ele soube en- e:"pressäo, e no direito de propriedade; ftica tradicionalista lai-
• -„ """
carnar superrormente. c:iza?~ em contato com o Positivismo, mas respeitosa das' ins-
0 seu ideario aparece hoje esquematico: a democracia ju- u~u1~oes e da ordern, gta\as a adm1raräo que sempre
D t R '" votou ao
rfdica, formalizada nos princfpios de liberdade de pensamento e ltel 0 . o_:nano e a politica inglesa, OS dois arquftipos supremos
de sua v1sao da sociedade.
Castro Alves e de Joaquim Nabuco .. A.dv~u 'POt algum tempo na Bahia
No caso particular do grande baiano, tais ideias apesar de
e encetou a sua carreira poHtica eni 1877, como deputado provindal. Em P?ucas e de escassa originalidade, reboaram formid3v~lmente em
1878, ja deputado a Assembleia Geral, muda-se para o Rio. ! dessa epo- v1rtude do talento verbal que as defendia.
ca a traduc;:äo prefaciada que faz de 0 Papa e o Concilio, de Dollinger, . 0 .comb~te no F6rum, nas cämaras, nos congressos intercon-
obra hostil ao dogma da infalibilidade papal. Rui professa nesses anos tmenta1s, na 1mprensa e na prai;a publica for 1·ou 0 estil d R ·
uma religiosidade deista, bem distante da ortodoxia cat6lica da qual se dando Jh 1 f ·- . . ' o e UI,
aproximar:i mais tarde. Na decada de 1880, impöe-se como orador abo- - e aque a e~~ao n1m1amente orat6ria e solene, pressupos-
licionista e liberal. Estuda, adcmais, reformas de ensino, elaborando um to ~e todas as anahses de linguagem que se venham a fazer de
plano para o ensino medio e superior, em 1882, e para o prim<irio, em e~c~1tos seus. 0 a?~og~do e o polftico absorveram 0 artista, di-
1883. Proclamada a Repllblica, assume o Ministerio da Fazenda. Seu pla- r~gmda:Ihe a memoria mvulgar e suhordinando a si a inteligen-
no financeiro teve efeitos gerais negativos: infla<;:äo excessiva, especula- c1~ critt~a e o ent~s1asmo de compor um texto liter:irio. Q prc)..
c;:öes, conhecidas com o nome de "Endlhamento"; mas significava um es-
forc;:o de impulsionar o processo de industrializac;:äo nacional. Opondo-se pr1f R~1. reconhec1a a prevalencia das instäncias jurfdicas sobre
ao governo forte de Floriano Peixoto, exi1a-se em Londres de onde man· a~ 1terar1as e1? sua obra, como deixou claro em palavras rofe-
da, para o Jornal do ComCrcio, as Cartas de lnglaterra das quais consta r1das por ocasliio de seu jubileu na vida publica: p
um h'.icido parecer söhre o affaire Dreyfus. Voltando em 1895, dedica-se
a imprensa e 3.s Ietras jurfdicas. Faz reparos a redac;:äo do Projeto do .Ma~ qual C, na minha existf:ncia, o ato da sua consagra -o es-
C6digo Civil, que fora revista por seu antigo mestre de Portugues, Ernes-
to Carneiro Ribeiro; defendendo-se este, responde-lhe com a volumosa Ri- senctal as letras? _Onde o t~abalh_o~~ que assegure a minha ~da 0
plica ( 1902), testemunho dos seus estudos de vern:iculo afetados por um carater de predom1nante ou emirf6ttemente literario? N- nh
~ T 1· , · l .- ao eo e-
acentuado purismo. Ern 1907, enviado a Conferencia de Paz em Haia, ~-· rac;:os nerarios he niio minguam mas em prod t 1· ·
"d . " . ' u OS Igeiros
na qualidade de embaixador do Brasil, sustenta a tese da igualdade jurf- e act enta1s, como o· Elog10 do Poeta", a respeito de Castro Al-
dica das nac;:öes meo.ores. Por duas vezes candidat'a-se sem Cxito a Pre- ves; a or~~<:' do c;e_nten<lrio. do marques de PombaI; o ensaio acer-
sidCncia da RepU.blica depois de memor<lveis campanhas ditas "civilistas" ca de:_ S\v1ft; ~ cntica do hvro de Balfour; o discurso do Colegio
por serem militares os advers<lrios, o Marcchal Hermes Fantes, em 1909, Apc!iteta; o d1scurs? .do I?s.tituto das Advogados; o parecer e a
e Epit:icio Pessoa, em 1919. E eleito Juiz da Corte Permanente de Jus- rephca acerca do C6d1go Civil; umas duas tentativas de versiio ho-
tic;:a lnternacional, em Haia, no mesmo ano de 1921, em que se celebrou mometri_ca da poesia in~mit:ivel de Leopardi; a adaptac;:äo do Iivro
o seu jubileu de atividades juddicas. Rui Barbosa faleceu em Petr6polis de Calk1ns, e alguns arttgos esparsos de jornais literilrios pelo feitio
aos setenta e tres anos de idade. Obras principais: 0 Papa e o Concllio, ou pelo assunto.
l.877; Cartas de Inglaterra, 1896; Replica ds Defesas de Redar;äo da Pro- _ Que mais? Näo sei ou de pronto näo me lembra. Tudo o
jeto do C6digo Civil, 1902; Discursos e Conferencias, 1907; Eleir;äo Pre- "2a1s e p_oIJtica, e. administrac;iio, C direito, säo questöes morais, ques-
sidencial, 1912; P&ginas Liter&rias, 1918; Cartas Politicas e Literilrias, 1919; toe~ soc1a1s, pro1etos, reformas, organizac;:öes legislativas. Tudo o
Orar;äo aos Mor;os, 1920; A Queda do Imptrio, 1921. As obras completas mats demonstra que esses cinqüenta anos me näo correram na con-
vem sendo editadas pela Casa de Rui Barbosa, sob a direc;:iio de AmCrico templai;äo do belo nos laborat6rios da arte, no culto das letras pe-
Jacobina Lacombe. Consultar: Batista Pereira, Rui Barbosa. Cat&logo das las letras ( 214).
Obras, s. e., 1929; Jose Maria Belo, Inteligencia do Brasil, S. Paula, Cia.
Ed. Nacional, 1935; Joäo Mangabeira, Rui, Estadista da RepUblica, Rio,
Jose Olympia, 1943~ Astrojildo Pereira, Interpretar;öes, Rio, Casa do Es- Consciente de que escrevia para convencer, de que o seu
tudante do Brasil, 1944; Luls Delgado, Rui Barbosa, Tentativa de Com- gCnero conatural deveria ser a eloqüencia, Rui armouMse dos ins-
preensäo e de S1ntese, Rio, Jose Olympia, 1945; Gladstone Chaves de Melo,
A Lingua eo Estilo de Rui Barbosa, Rio, Simöes, 1950; Amt'irico Jacobina
Lacombe, Formar;äo Liter&ria de Rui Barbosa, Coimbra, Universidade, 1954; (214) • Discurso proferido aos 13 de agosto de 1918, transcrito em
Raimundo Magalhäes Jr., Rui. 0 Homem e o Mito, Rio, Civ. Brasileira, Coletdnea Liter&ria, arg. por Batista Pereira, 6.• ed., Cia. Ed. Nacional,
1964; Ernesto Leme, Rui e a Questäo Social, S. Paula, Martins, 1965. 1952, pag. 21.

288
289
'
trumentos que a tradic;ä.o ret9rica Ibe oferecia: do mundo classi- Por toda essa area imensa o poio do fanatismo, da beataria do
co hauriu a doutrina de composic;ä.o de Is6crates, Cicero e Quin- 1 farisaismo religioso (id., ib.). '
tiliano; das letras vern3culas, a sintaxe seiscentista de Vieira e
Bernardes e o Iexico opulente de Herculano, Castilho e sobretu-
do Camilo. Tais preferencias foram, em parte, respons3veis por
:i Exemplos que seria fad]. multip!icar.
A s~bstäncia p~Iei:iica ·d~sse estilo, animado repetidas vezes
um fen6meno cultural relevante em ~SSEJ. vida liter3ria: o pu- j pelo sent1m.ento da 1nd1gnac;äo-, · encontra meio de expressäo ade-
q~ado Il:ls 1magens e nas ~et3fc:>ras grandiosas, täo gra tas a esse
rismo lingüistico que, durante• tbdo o perfodo antemodernista,
viu em Rui o seu corifeu e na Replica o seu paradigma. 1 leaor de Hugo, d.e .Carlyle e do nosso Castro Alves a quem te-
Par outro lado, a vasta erudic;ä.o hist6rica e cientifica que ceu elog1os 1ncond1c1ona1s. Atestam-no os numerosos sfmiles com
oceanos, catadupas, serros a~cantilados, geleiras, incendios e ca-
acumulou em decenios de proverbial zelo nos estudos, nä.o a
aproveitou para a construc;ä.o de um sistema de pensar ou de ana-
J taclismos, que indicam o desejo de impressionar pelo agiganta-
lisar organicamente o homem e o mundo: servia-lhe apenas de
material, imenso e amorfo, para os exemplos au os "t6picos",
1 mento da realidade. · .
Apesar das riscos de automatismo em que incorria o orador
com a fun\äo espedfica de ilustrar teses de defesa ou de ataque. no uso da esquema, seria ~justö subestimar a for~a de persua-
säo das seus momentos au.reos, como a "Lei de Caim" e o "Cre-
Näo s6 a materia subordinava-se as exig€:ncias do polemista; do Politico", pfigir:as incisivas·.· onde vibra a paixäo da justic;a que
tambem a forma estruturava-se consoante as necessidades da ora- realmente o aquecia ( lembremos o Caso Dreyfus, cuja odiosida-
tio: Rui propunha, desenvolvia e perorava, ainda quando o gC- de Rui foi o primeiro a denunciar), tenha ele ou näo prevarica-
nero näo fasse o orat6rio. Carecendo, porem, de g€:nio auten- do - problema biografico que foge a nossa competencia. Näo
ticamente dialetico, 0 seu processo de composic;äo caminhava a f~ge_m, infelizmente, a uma peri6dica atualidade as viola~öes aos
for\a de amplificar. Partindo quase sempre de uma convic\äO d1re1tos humanes que e~e· anatematizou no seu "Credo":
aprioristica, Rui passava a provar, justapondo palavras, frases,
perlodos; de onde a prolixidade e a enfase como vfcios inerentes Rejeito as doutrinas de arbitrio; abomino as ditaduras de todo
a muitas de suas p3glnas. o gCnero, militares ou cientfficas, coroadas ou popuJares; detesto os
estados de sitio, as suspensöes de garantias, as razöes de Estado
As cadeias de sinönimos constitulam, po; isso, seu tftulo de as leis de salva~äo. pUblica; odeio as combina~öes hip6critas d~
honra; e sabe-se o que de encömios lhe valeu a- c6pia de vocabu- absolutismo dissimulado sob as formas democraticas e republicanas·
los com que norneou as rneretrizes na "Porneia" e os azorragues oponho-me aos governos de seita, aos governos de fa~ä:o, aos gd.
vernos de ignoränci.a; e ·quando esta se traduz pela abolii;äo geral
na "Rebenqueida". das grandes instituic;öes docentes, isto e, pela hostilidade radical a
Um das recursos mais consent3.neos com o estilo po1Cmico- inteligCncia do pals nos focos mais altos da sua cultura, a estllpida
selvageria dessa f6rmula administrativa impressiona·me como o bra-
-enf3tico e a enumerac;äo tri3dica. Rui dele usou e abusou: mir de um oceano de barbarie ameac;ando as fronteiras de nossa
nacionalidade.
e
A aboli~ä:o uma necessidade urgente, imediata, absorvente (Co-
letdnea Liter/iria, cit., pag. 38, gr-ifos nossos ).
Exasporando as proprias qualidades, Rui te-las-ia transfor-
A maior, a mais profunda, a mais vital das nossas necessidades

~I
1
e a imigra~aoeuropeia (Id., ib.). mado em defeitos; assim, ao menos, sentiram-no as gerac;öes que
se seguiram a sua -morte, respeitosas embora daquelas virtudes.
Existem, sim, direitos eternos, inauferiveis, essenciais ao desen-
volvimento liberal do homem (id., pag. 43). Ha algum tempo, parem, o pr6prio "mito" comec;ou a desinte-
grar-se. Restar3, de certo, o simbolo de um estilo de pensar e
.. - o Estado e apenas a grande prote~ä:o comum, a vigiL1n- 1
cia coletiva, organii.ada e permanente (id., ib.). dizer em que se reconhece de pronto a mentalidade de uma epo-
Ern toda a parte, ate hoje, tem sido o sentimento religioso, a
j ca. Para a hist6ria da cultura, näo e pouco.
inspira{ao, a substdncia ou o cimento das instituir;öes livres, ondc
quer que das duram, enraizam-se c florescem' ( id., p!g. 44).

290 291
•• • • '<
., .......

VI

0 SIMBOLISMO
CARACTERES GERAIS

0 Parnaso legou aos simbolistas a paixiio do efcito estetico.


Mas os novos poetas buscavam algo mais: transcender os scus
mestres para reconquistar o sentimento de totalidade que pare-
cia perdido desde a crise do Romantismo. A arte pela arte de
um Gautier e de um Flaubert e assumida por eles, mas retifica-
da pela aspira>iio de integrar a poesia na vida c6smica c confc-
rir·lhe um estatuto de privilegio que tradicionalmente caberia a
religiäo ou a fi!osofia.
Vista a luz da cultura europeia, o Simbolismo reage as cor-
rentes anaHticas dos meados do seculo, assim como o Roman-
tismo reagira a Ilustra,äo triunfante em 89. Ambos OS movi-
mentos exprimem o desgosto das soluc;öes racionalistas e meci-
nicas e nestas reconhecem o correlato da burguesia industrial em
ascensäo; ambos recusam-se a limitar a arte ao objeto, a tecnica
de produzi-lo, a seu aspecto palpavel; ambos, enfim, esperam ir
alfm do empirico e tocar, com a sonda da poesia, um fundo co-
mum que susteria os fenümenos, chame-se Natureza, Absoluto,
Deus ou Nada.
0 simbolo, considerado categoria fundante da fala humana
e originariamente preso a contextos religiosos, assume nessas
correntes a fun,äo-chave de vincular as partes ao Todo universal
que, por sua vez, confere a cada uma o seu verdadeiro sentido.
Na cultura ocidental, a partir das revolu>öes burguesas da
Inglaterra e da Fran>a, os grupos que se achavam na ponta de
!an>• do processo foram perdendo a vivencia religiosa dos s!m-
bolos e fixando-se na imanencia dos dados cientif1cos ou no pres-
tigio dos esquemas filos6ficos: empirismo, sensismo, materialis-
mo, positivismo. Os pontos de resistCncia viriam dos estratos
pre-burgueses ou antiburgueses, isto e, dos aristocratas ou das
baixas classes medias, postas 3. margem da industrializa\:äO ( 215 ).

( 215) Retomo aqui a tese de Mannheim, jii aplicada na interpreta-


r;ao do Romantismo.

295
i
Dessas fontes provem o mal-estar e 4s recusas ~ conce~äo tecni- Tudo oa mcsma ansiedade gira,
co-analltica do mundo: o Roi:nantismo nostalgico de Chateau- rola no Es~, dentre a luz suspira
e chora, chora, amargamentc chora •..
briand e de Scott; o Romantismo idealista de Novalis e de Cole-
ridge; o Romantismo er6tico e fant3stico de Blake, Hoffmann, Tudo nos turbilhöes da Imensidade
Nerval e Poe, de quem Baudelaire, os boemios e os "malditos" sc confunde na trilgica ansiedade
receberiam tantas sugestöes. , _ que almas, estrelas, amplidöcs devora.
( Oltimos Sonelos - "Ansiedade")
A crise repropöe-se no ultimo quartel do seculo XIX, quan-
do a segunda revolrn;iio industrial, ja de Indole abertamente ca- E da mesmo poeta das Flores do Mal as reflexöes quc se-
pitalista, traz a Iuz novos correlatos ideol6gicos: cientiimo, de· guem, tomadas il prasa crltica da Arte Romäntica:
11
terminismo, realismo impessoal". Do 3mago da inteligencia eu-
ropeia surge uma oposi~äo vigorosa ao triunfo da coisa e do fa. Fourier veio, um dia, muito pomposamentc, revelar-nos os mis-
to sobre 0 sujeito - aquele sujeito a quem 0 otimismo do seculo tCrios da analogia ... Mas Swedenbeg, alma bem maior, ja nos en-
prometera o parafso mas näo dera senäo um purgat6rio de con- sinara que 0 ceu ' um bomem grandissimo; e que tudo, forma,
trastes e frustra~öes. E um poderoso e/an antiburgues, e nao ra- movimcnto, nllmero, cor, perfume, no espirilUJJl como no material,
ro mfstico, que atravessa os romances de Dostoievski ( conheci- e significativo, reclproco, convcnfvel, correspondenle. Lavater, li-
mitando a demonstra~ä:o da vcrdade universal ao rosto humano, tra-
do no Ocidente depois de 1880), o teatro de Strindberg, a mu- duzira o sentido espiritual do contomo, da forma, da dimensä:o. Sc
sica do Ultimo Wagner, a filosofia de Nietzsche, a paesia de estendermos a demonstra~ ( e niio s6 temos o direito de fazC-lo
Baudelaire, de Hopkins, de Rimbaud, de Bfok. como seria infinitamente d.iffcil pensar de outro modo), chegare-
As novas atitudes de espirito almejam a apreensä:o direta mos a esta vcrdade: tudo C hicroglifico, e sabemos que Os sfmbo-
los sie obscuros apenas de modo rdativo, isto e, segundo a purcza,
dos valores transcendentais, o Bern, o Belo, o Verdadeiro, o Sa- a boa vontade ou a clarividCncia nativa das almas. Ora, o que C
grado, e situam-se no p6lo oposto da ratio calculista e anönima. um poeta ( tomo a palavra na -sua ace~o mais ampla), senäo um
Näo tentam, porem, super3-la pelo exerclcio de outra razäo, mais tradutor, um dccifrador? Nos poetas cxcelcntes näo h8 mcti.fora,
alta e dialetica, que Hegel ja havia ensinado na principio do similitude ou cpiteto que nä:o se ajuste, com matem.8.tica cxatidäo,
l circunstincia atual, porque aquelas similitudes, aquclas met&foras
sb:ulo; as suas armas väo ser as da paixäo e 00 sonho, for~as in- sio cxtrafdas da inexaurivel profundeza da analogia universal e nio
cönscias que a Arte deveria suscitar magicamente. podem ser tiradas de outra fontc.
0 Simbolismo surge nesse contexto comO um sucedBneo,
para uso de intelectuais, das religiöes positivas; e a liturgia, que Ern Rimbaud vai a teoria aa encantro das sons vocalicos:
nestas e a pr3tica concreta e di3ria das rela~öes entre a Natureza
e a Gra~a, nele reaparece em termos de analogias sens6rias e es- A noir, H blanc, l rouge, U verl, 0 bleu.
pirituais, as "correspondCncias" de que falava Baud,elaire:
La Nature est un temple oU de vivants piliers
Mais raclical, a experiencia de Stephane Mailarme pretendc
Laissent parfois sortir de GOnfuses paroles i atravessar o caos da mundo sensivel e do eu, para atingir um
L'homme y passe 8 travers des forCts de symboles absoluto de pureza que se revela, afinal, o pr6prio Nada:
Qui l'observent avec des regards familiers.
Passei um ano espaventoso: o meU Pensam.cnto se pensou a si
Comme de longs &hos qui de loin se confondent mesmo e aportou a uma Conce~o pura. Tudo o que, cm con-
Dans une tCnebreuse et profonde unitC, tragolpc, o meu ser tem sofrido durante essa longa agonia, e ine-
Vaste comme la nuit et comme la dartC, narrS:vel, mas, felizmente, estou perfeitamente morto, e a regiä:o mais
Les parfums, les couleurs et les sons se rCpondent. impura cm que possa aventurar-sc o mcu Espfrito e a Eternidade;
(Les F/eurs du mal - "Correspondanccs"). 0 meu Espfrito, este solit&rio fa.miliar a pr6pria pureza, näo mais
obscurecida sequer pelo reflexo do tempo. ( ... ) Confesso, de res-
E, em tom oposto, mas reafirmando a coesäo Ultima de to- to, mas s6 a ti, que tenho ainda necessidade, tais foram os tor·
dos os seres, a voz do nosso Cruz e Sousa: mente>s do meu triunfo, de olhar-mc ao espelho para pensar; quc,

296 297
sc elc näo cstivcsse diante .da mcsa,...na qual tc escrevo esta carta, las, o danclismo a Wilde e a D'Annunzio, eplgonos nos quais se
eu voltaria a scr o Nada. lsso equivale a comunicar-te que sou aguou o vinho forte dos profetas e fundadores.
agora impessoal, e näo mais Stephane que tu conheceste - mas uma
disposi~äo que tem o Universo f.spiritual de ver-se e desenvolver-se
Pode-se perguntar qua! o sentido desse rapido ~pob_reci­
atravCs daquilo que foi um eu. mento de uma corrente estetica que descenclia de geruos umver-
sais como Dostoievski e Nietzsche e de poetas da envergadura
Friigil, como e a minha aparii;äo tenrstre, näo posso sofrer mais de Baudelaire Rimbaud e Mailarme. Arrisco uma explica~iio: o
que os desenvolvimentos indisp'ensJveis para que o Universo reen- horror a men;alidade positivista da priixis burguesa pode inspi-
contre neste eu a sua identidade. Por isso delimitei, na hora da rar helas imagens e melodias, fragmentos de uma con~:entrada
Sintese, a obra que sera a imagem deste desenvolvimento. TrCs
poemas em verso, <los quais Herodiade e a abertura, mas de uma
paixäo; pode dar llOVO brilho a prosa poetica e fazer v1bra.r OS
pureza tal que o homem näo atingiu - e näo atingira talvez nun- ritmos que ö gosto academico enrijecera em formas me~r1cas;
ca, pois podeni dar-se que eu seja apenas o joguete de uma ilusäo, pode, enfim, dinamizar o lexico, acentuando a carga emouva de ·
e que a miquina humana näo seja bastante perfeita para chegar a certas palavras, cliJuindo 0 prosaico de OUtras, Oll ;razen?~ a
tais resultados. E quatro poemas em prosa sobre a concep\'.äo es- poesia conota~öes inesperadas. Mas toda essa flora,ao _estetlca,
piritual do nada. Preciso de dez anos: vou tC-los?" (Carta a Caza- para suster-se a tona das _:iguas m6vei.s da cu!tu;~, prec1sa afun-
lis, 14 de maio de 1867). dar suas ralzes no chiio firme da reahdade h1Storica, responden-
do as contradi~öes desta, e niio apenas a uma ou outra exigen-
Nessa tensiio para o Absoluto-Nada esta a raiz das suas ana- cia de certos grupos culturais. . .
logias, em que o poema aparece como janela para o näo-ser, es- 0 irracionalismo literario niio e capaz de subsutUlr em for-
pelho e cristal partido que refletem apenas a ascese para i;a e universalidade as creni;as tradicionais; nem o seu .allieamen-
tocar o infinito. Daf, tambem, os m6dulos novos da sua arte, to da ciencia e da tecnica vai ao encontro das necesSJdades das
de substäncia negativa, feita de pausas, espafOS brancos e ruptu- massas que ocuparam o cen3rio da Hist6ria neste seculo e tem
ras sintlzticas} que significam a morte das velhas ret6ricas e en- clamado por uma cultura que promova e interprete os bens advin-
tendem desaguar no silencio metaHsico, linica saida valida pa- dos do progresso. Da(, os limites fatais da sua influenci,a .. No
ra o poeta. entanto o irracionalismo dos decadentes valeu ( e podera amda
Mas a li~iio de Mailarme s6 daria frutos näs poeticas de van- valer) ~omo sintoma de algo mais importante que os seus mite-
guarda da seculo XX que, atraves da leitura abstracionista de mas: o incömodo hiato entre os sistemas pretensamente "racio-
Valery, herdariam do mestre menos os pressupostos ideol6gicos nais" e "liberais" da sociedade contemporänea e a efetiva liber-
que alguns das seus resultatlos formais. dade do homem que as estruturas s6cio-economicas viio lesando
Os coetäneos das "poetas malditos" ( 216 ) chamaram-lhes de- na pr6pria essencia, reduzindo·o a instrumento d.e mercado e
cadentes. Corno evasäo, e mesmo loucura, foi sentido o esfor- congelando-o em papeis sociais cada vez mais op~1mentes. Os
~o desses homens que voltavam as costas ao prestlgio das reali- Simbolistas - como depois as vanguardas surreahstas e._ l'J'pres-
dades "positivas" e se apoiavam em uma fe puramente verbal, sionistas - tiveram esta fun~iio relevante: dizer do nial-estar
em uma liturgia magramente liter3ria, enfim, numa "orai;äo" ve- profunde que tem enervado a civiliza,iio industrial; e o fato de
leitaria e narcisista. 0 malogro do Simbolismo, como visiio do terem oferecido remedios inuteis, quando niio perigosos, porque
mundo, foi sensivel em toda parte. Mas, despojado das suas secretados pela pr6pria doen~a, niio deve servir de pretexto para
ambi~öes de ahra,ar a totalidade do real, o que restou dele? Um tardias excomunhöes.
modo de entender e de fazer poesia, isto e, aquela face esteti- A carencia ideol6gica ja e vislvel na segunda gera~äo euro·
zante do movimento que lembra de perto o Parnasianismo, a peia do movimento em que .figuram Gu~tave _Kahn, Vi_el~ Grif-
arte pela arte, e, nos tnomentos de entropia, o culto das f6rmu- fin e Stuart-Merrill, muito lidos pelos Slmbolistas brasiletros; e
se faz ainda mais patente nos te6ricos, Rene Ghil ( Traite du
V erbe, 1886) e Jean Moreas (Manifeste du Symbolisme, 1886):
( 216) A expressä:o vem do t.ftulo que Verlaine deu a sua antologia inventores de doutrinas abstrusas sobre o si'.mbolo e a sinestesia,
de simbolistas: Poetes maudits, Paris, 1884.

298 299
acabaram numa vcrbolatria .p;t.rnasilna, que näo causa es- tambem como visao da existencia. Os escritores que chegaram A
-
1,

e comum a ambas as corrcntes a tenta~o do cstc-


~ecie, pois vida adulta no pedodo agudo das campanhas abolicionista e re-
usmo. publicana, Alulsio Azevedo, Rau! Pompeia, Adolfo Caminha, Rai-
Mas nem tudo e veleidade nessa inflexäo decadentc: 1" mundo Correia, Vicente de Carvalho e os outros naturalistas e
poetas que aceitam a pr6pria impotencia em face da sociedadc c parnasianos, entendem-se bem como expressäo, mais ou menos
exilam-se 1_1~a atmosfera penum\lrosa cll\de' salvam quanto po- radical, da sociedade tal como se apresentava nos fins do II lm-
dem. a inumtdade das suas vidas frustes: e 0 veio crepuscular perio; e ate a "impassibilidade" pregada por alguns ( ou o tom
do S1mbolismo. Fazendo uma poesia voluntaria e sinceramentc pessimista de quase todos ) poder:i explicar-se como rea,iio pro-
menor, .o crepuscularismo foi responsavel pela erosäo da metrica gram3tica B.s ingenuidades romänticas. Liberais e agn6sticos. säo
academ~ca e de toda a ret6rica oitocentista levando a pratica do todos homens representativos do seu tempo.
verso lzvre, pedra de toque das poeticas modernas. Poetas em Na biografia do nosso maior simbolista, Cruz e Sou-
surdina, Jules Laforgue ( tiio amado de Ungaretti e de Eliot) sa, ha tambCm um momento, juvenil, que coincide com
ens.inou a fusiio de lirica e ironia; Francis Jammes, Albert Sa- os combates pela Abolic;äo: os poemas desse periodo tem a mes-
matn, R?d~nbach e Maeter~inck, elegiacos da Belgica provincia- ma cadencia ret6rica que marcou a literatura meio condoreira,
na;_ ~n:on10 Nobre, saudoststa; Gozzano e Corazzini, crepusco- meio "realista" dos anos de 70, saturacla de ideais libert9.rios.
larz 1ta~~nos - todos, com s~us ritmos esgarc;ados e seus tons Sabe-se igualmente que, pouco antes da Lei Aurea, houve um
melancohcos, chegaram ate nossa poesia e näo e difi'.cil descobrir recrudescimento de 6dio racista por parte de alguns grupos mais
trac;os de sua presenc;a nos maiores modernistas, Bandeira e Ma- retr6grados: Cruz e Sousa, nomeado promotor em Laguna, San-
rio de Andrade. ta Catarina, em 1884, foi impedido de assurnir o posto, mas pros-
seguiu no bom combate, dentro e fora da provlncia, em confe-
E näo s6 o verso livre. As principais tecnicas liter3rias da
rencias, artigos e crönicas liter9.rias: uma destas, talvez a, mais
vanguarda, como o mon6logo interior e a corrente de conscifn-
candente, "O Padre", pode-se ler nos Tropos e Fantasias, que
cia de Joyce, a sondagem infinitesimal na mem6ria de Proust a
publicou em 1885, de parceria com Virgilio Varzea. A pesqui-
desarticula~äo sintatica de Apollinaire e a linguagem automatica
sa dos seus ineditos trouxe a luz composi<;öes de forte sabor po-
d~ lnconsc1:nte ~os surrealistas näo seriam pos~veis sem a pres-
Iemico, "A Conscifncia Tranqüila" e "Crian~as Negras", que ao
sao que o Stmbohsmo exerceu sobre as conven\öes de estilo dos
naturalistas. · lado da "Litania dos Pobres" bastariam para desfazer a lenda
de um Cruz e Sousa alheio aos dramas de sua rac;a. Paralelamen-
te, as leituras que fez antes da publicac;iio de Broqut!is ( 1893)
eram as mesmas. que tinham dado aos naturalistas instrumentos
0 Simbolismo no Brasil de critica a tradi<;iio: Darwin, Spencer, Haeckel, Taine, pensa·
dores; Flaubert, Zola, ~a, romancistas; Baudelaire, Antero,
Conternporäneos ou vindos pouco depois dos poetas parna- Guerra Junqueiro, Cesario Verde, poetas. E parece niio ter co-
sia~os e dos narra~ores _realistas, Cruz e Sousa, Alphonsus de nhecido ate essa epoca Rimbaud, Verlaine, Mailarme ... ( 2" ) .
Gutmaraens e os stmbohstas da segunda gera~äo näo tiveram Assim, o roteiro do fundador do Simbolismo brasileiro e o
atras de si uma hist6ria social diversa da que viveram aqueles. dos seus mais fieis seguidores foi paralelo ao dos principais poe-
0 que nos propöe um problema de genese literaria: 0 movimen- tas parnasianos: na mocidade, todos participaram da oposü;äo ao
to teria nascido aqui por motivos internos ou foi obra de imita- Imperio escravocrata e a certos padröes mentais antiquados com
<;iio direta de modelos franceses? ' que o Rotnantismo sobrevivia entre n6s. Mas, alcan\adas as me-
Jose Verissimo, que näo apreciava nem o ide&rio nem a es-
tetica simbolista, chamou a corrente "produto de importa~äo". ( 211) E o que sugerem as pesquisas de Andrade Muricy ( v. a ln-
E! na verdade, niio e facil indicar homologias entre a vida brasi- trodu-;ä:o Geral deste autor a Obra Completa de Cruz e Sousa, Rio, Agui-
letra do ultimo decenio do seculo e a nova poesia, considerada lar, 1961, pp. 17-64).

300 301
tas em 88 e 89, entraram a percorrer a lffiha europeia do este- nascer e lhe sobreviveu, teve algo de surto epidemico e näo pöde
tismo, passando muitas vezes do Parnaso ao Simbolismo e ou- romper a crosta da literatura oficial. Caso o tivesse feito, outro
tras tantas voltando ao ponto de partida. Vista desse angulo, e e mais precoce teria sido o nosso Modernismo, cujas tendencias
apenas de grau a diferenc;a entre o parnasiano e o decadentista para o "primitive" e o "inconsciente" se orientaram numa linha
brasileiro: naquele, o culto da Forma; neste, a religiao do Verba. bastante pr6xima das ramifica,öes irracionalistas do Simbolismo
Ern outros termos: alarga-se de um para .o outro o hiato entre euro peu ( 218 ).
a prixis e a atividade artistica. 0 !Joeta, ~se!indo-se cada vez 0 fenömeno hist6rico do insulamento simbolista no fim do
menos na teia da vida social, faz do exercicio da arte a sua Unica seculo XIX näo deve causar estranheza. 0 movimento, enquan-
missäo e, no limite, um sacerd6cio. A rigor, o caso brasileiro to atitude de espirito, passava ao largo dos maiores problemas
nada tem de excepcional e ilustra uma tendCncia formalizante da vida nacional, ao passo que a literatura realista-parnasiana
pela qua! o estilista Flaubert e o melhor precursor do hermetico acompanhou fielmente os modos de pensar, primeiro progressis-
Mailarme, o neoclassico Carclucci daria li~öes ao decadente tas, depois academicos, das gera~öes que fizeram e viveram. a 1.•
D'Annunzio; em suma, o Simbolismo, como tecnica e 0 sucedä- Republica. E e instrutivo notar: a expansäo dos grupos stmb<>-
neo fatal do Parnasianismo. ' listas no come,o do seculo correu paralela il do Neoparnasianis-
„o. divisor ~e figuas acompanha, como j:i vimos, a passagem mo. A novidade de Cruz e Sousa precisou descer ao nivel de ma-
da ton1ca,. ~o nrvel das intenrOes: do objeto, nos parnasianos, neira e academizar-se para comover a vida liter3ria de alguns cen-
para o sujelto, nos decadentes, com toda a seqüela de antiteses tros menores do pais e partilhar, modestamente alias, a sorte das
verba~s: materia-espirito; real-ideal; profano-sagrado; racional- eplgonos parnasianos.
-emouvo. . . Mas, se pusermos entre parc!nteses as veleidades
do~ sirnbolistas de realizarem, atraves da arte, um projeto meta-
fisico; e se atentarmos s6 para a sua concreta atualiza~äo verbal POESIA
voltaremos a faixa comum do "estilismo" onde se encontram eo~
os parnasianos. Antea doa "Broquels"
Ha, por· outro lado, uma diferenciac;äo tem:ltiCa no interior
do Simbolismo brasileüo: a vertente_ q_ue teve Cruz e Sousa por Os nomes de Medeiros e Albuquerque ( 1867-1934) e Wen-
modelo tendia a transfigurar a cond1~ao humana e dar-lhe hori- ceslau de Queir6s ( 1865-1921) costumam ser Iembrados como
zontes transcendentais capazes de redimir-lhe os duros contras- de precursores do Simbolismo emre n6s.
tes; j:i ~ que se aproximou de Alphonsus, e preferia Verlaine 3 Ambos conheceram, de fato, as novas liter3rias francesas
Baud~laire, escolheu apenas as cadencias elegiacas e fez da mor- desde o dec@nio de 80; o primeiro, porem, ap~sar das seus maus
te objeto de uma liturgia cheia de sombras e sons Iamentosos. Pecados e das Can(Öes da Decadencia ( 89), nunca aderiu ao
Quanta aos "crepusculares", distantes de ambas, preferiram es-
boc;ar breves quadros de sabor intimist~: mas a sua contribui-
>äo ao ver.so brasilei_ro näo foi pequena,' pois abafaram o pedal ( 218) Um consideriivel fundo anB.rquico-decadente persistiria nas pri-
das excess1vas sonortdades a que se haviam acostumado os imi- meiras obras modernas de Manuel Bandeira ( Ritmo Dissoluto, Libertina-
tadores de Cruz e Sousa. gem ), de Miirio de Andrade (Paulictia Desvairada, cujo "Pref3cio Intercs-
santfssimo" e uma apologia do subconsciente na elabota~äo do poema) e
. Näo .. obstan!e essas conquistas e o seu ar geral de novid~de, nos romances da "trilogia do exflio" de Oswald de Andrade .
o. S1mbolismo .nao exerceu no Brasil a fun,äo relevante que o Resfduos crepusculares afetariam a lirica de Guilherme de Almeida c,
d!sungurn na literatura europeia, na qua! o reconheceram por Ie- em dosagem ~is alta, a de Ribeiro Couto.. Da.nnunzi.ano seria sempre
Mcnotti del Picchia. E um programa neo-stmbohsta fo1 o que defende-
g1umo prec;:urs.or o imagismo ingles, o surrealismo frances 0 ex- ram Tasso da Silveira c o grupo de Festa.
pressionismo ~emi'io, o hermetismo italiano, a poesia p~a es- Em todos, portm, os tra,os do movimento teriam orig~m europlia e
panhola. Aqm, encravado no longo perfodo realista que o viu 11pareciam marcados pelo contexlo novo da I Guerra Afundtal.

302 .30.3
novo espfrito e, ao contr3.rio, deu r;iostra§_ assfduas de imagina- Os Simples, de Guerra Junqueiro, e o 56, de Antonio No-
~ä:ovasqueira e sensualona; no segundo, houve um bom leitor c bre, ambos de 1892, eram, no fundo, obras neo*romanticas, signos
tradutor de Baudelaire, de quem recebeu e exasperou os tra~os do saudosismo que iria vincar a poesia em Portugal antes dos
satanistas nos seus livros Versos ( 1890), Her6is ( 1898), Sob anos modernistas. Mas a 1inguagem de Cruz e Sousa foi revolu-
os Olhos de Deus (1901) e Rezas do Diabo (p6stumo, 1939). cion<iria de tal forma que os trar;os parnasianos mantidos acabam
lnteressam ambos como ponte do Parnaso para o Simbolismo por integrar-se num c6digo verbal novo e remeter a significados
construida com materiais tomados a uJll poetl- ambivalente como igualmente novos.
1
Baudelaire ( 219)
1 Assim, a angt'istia sexual, manifesta em var1os passos, näo e
apenas residuo naturalista porque recebe, em geral, tratamento
platonizante e abre caminho para um dos processos psicol6gicos
Cruz e Sousa mais comuns no poeta: a sublimafäo:

Nada, porem, se compara em forc;a e originalidade a irrup- Para as estrelas de cristais gelados
i;äo dos Broqui?is com que Cruz e Sousa ( 220 ) renova a expres- as änsias e os desejos väo subindo,
galgando azuis e siderais noivados
säo poerica em llngua portuguesa. de nuvens brancas a amplidäo vestindo.
( "Siderar;öes")
( 219 J Para a hist6ria da fase imediatamente anterior a publicar;äo
dos Broqueis, de Cruz e Sousa, recomendo a leitura de Pericles Eug&nio da Comparem-se o primeiro eo segundo quarteto de "Lesbia":
Silva Ramos (Poesia Sirnbolista. Antologia, Melhoramentos, 1965) e de
.rvfassaud .rvfoises (0 Simbo!ismo, Cultrix, 1966). Cr6ton selvagem, tinhoräo lascivo,
(220) }oÄo DA CRUZ E SousA (Desterro, atual Florian6polis, Santa planta mortal, carnfvora, sangrenta,
Catarin~, 1861 - Sitio, Mioas Gerais, 1898). Setis pais, escravos negros, da tua carne baquica rebenta
foram hbertos pelo Marechal Guilherme Xavier de Sousa que tutelou o a vermelha explosäo de um sangue vivo.
poeta ate a adolescencia. Recebeu apreci<ive1 instrur;äo secundaria na ci- Nesse l<ibio mordente e convulsivo,
dade natal, mas, com a morte- do protetor, teve que deixir os estudos: ri, ri risadas de expressäo violenta
milita na imprensa catarinense, escrevendo crönicas abolicionistas e per- o Amor, tragico e triste, e passa, lenta,
corre o pafs como ponto de uma companhia teatral. Os versos que escre- a morte, o espasmo gelido, aflitivo ...
ve nos anos de 80 ressentem-se de leituras vQrias, que väo <los condoreiros
e da poesia libertiiria de Guerra Junqueiro aos parnasianos (v. "Disper-
sas", na edir;äo defioitiva, Aguilar, 1961 ). Ern 1885, de parceria com 0 naturalismo exasperado dos primeiros versos contrai-se
Virgflio V<irzea, escreve as prosas de Tropos e Fantasias, onde se alternam no "espasmo gelido e aflitivo" em que se fundem amor e morte.
p<iginas sentimentais e aniitemas contra os escravistas. Todo o perfodo A passagem e confirmada nos tercetos de "Brai;os":
catarinense de Cruz e Sousa foi, alias, marrado pelo combate ao precoo-
ceito racial de que fora vftima em mais de uma ocasiäo e que o impediu
de assumir o cargo de Promotor em Laguna para o qual fora nomeado.
lv1udando-se para o Rio de Janeiro, em 1890, colaborou na Folha Popular, tftulos gerais de 0 Livro Derradeiro ( versos), Outras Evoca~öes e Disper-
af formando com B. Lopes e Oscar Rosas o primeiro grupo simbolista sos (prosa). Sobre Cruz e Sousa, consultar: Tristäo de Araripe Jr. Lite-
brasileiro. Obtido um emprego mlsero na Estrada de Ferro Central, ca- ratura Brasileira, Movimento de 1893, Rio, Ed. Democr<itica, 1896: Nestor
sa-se com uma jovem negra, Gavita, cuja saUde mental logo se revelou Vftor, Cruz e Sousa, Rio, s. e„ 1899; Nestor Vltor, Introdur;äo das Obras
muito friigil. 0 casal tera quatro filhos, dois <los quais mortos antes do Completas, Rio. Anu3.rio de Brasil, 1923; Fernando Goes, Introdu-;;ao das
poeta. Minado pela tuberculose, Cruz e Sousa retira-se, em 1897, para a Obras, S. Paula, Ed. Cultura. 1943; Roger Bastide, Poesia Afro-Brasileira,
pequena estar;äo mineira de Sftio a procura de melhor clima. Ai falecc, S. Paulo, Martins, 1943; Andrade Muricy, Introdur;äo das Obras Poftica.,
no ano seguinte, aos trinta e seis anos de idade. Outras obras: Broqulis Rio, I. N. L., 1945; Tasso da Silveira, Apresentar;äo a Cruz e Sousa -
(1893), Missal (1893), Evoc•>öes (1898), Far6is (1900), ültimos Sone. Poesia, Rio, Agir, 1957; Raimundo Magalhäes Jr., Poesia e v;da de Cruz
tos (1905). A edi>äo da Obra Completa pela Ed. Aguilar (Rio, 1961), e Sousa, S. Paula, Ed. das Americas, 1961; Massaud Maises, 0 Simbolis-
organizada por Andrade Muricy, inclui viirios inCditos grupando-os sob OI mo, S. Paulo, Cultrix. 1966.

304 JOj
Brai;os nervosos, te.ntadoras serpes do transcendente. Eros, padecendo embora as limitac;öes da ma-
que prendem, tetanizam como os herpes, teria, precisa encarnar-se. . . A camada fönica move-se para r~
das deHrios na trCmula coorte ... ter sensa<;öes inquietas que tudo abrac;am sem nada aferrar. Al-
Pampa de carnes tepidas e fl6reas,
ternam-se vogais nasaladas e consoantes lfqüidas ou sibilantes que
1 prolongam a durai;äo do fluxo sonoro, ja intensificado por alite-
brai;os de estranhas corre<;öes marm6reas,
...
abertos para o Amor e para a Morte.
1
rac;öes, rimas e ressonäncias internas:

A sublima,äo ( que o poeta diria "uansfigura,äo'.') come\'.a Visöes, salmos e c3.nticos serenos,
por assumir a libido, isto e, tud~ o. que s1gn1f1c.ara a enfase sen- J surdinas de 6rgäos flebeis, solui;antes ...
sual dos parnasianos, e acaba aung1ndo o sofrzmento, constante DormCndas de volUpicos venenos
sutis e suaves, m6rbidos, fadiantes ...
dos Ultimos Sonetos: nesse livro maduro e coi:1ple:_o a palavra
seria portadora de todo um universo de humilha\'.aO . que teve
por nomes a cor negra, a pobreza, o isolar:iento, a doen\a, a Vozes, veladas, veladoras, vozes,
loucura da mulher, a morte prematura <los filhos: volUpias dos violöes, vozes veladas,
vogam nos velhos v6rtices velozes ·
das ventos, vivas, väs, vulcanizadas
As minhas carnes se dilaceraram ., 'r' 1 ••
e väc, das Ilusöes que flamejaram, ( "Violöes que choram") •·
com o pr6prio sangue fecundando as terras
( "Clamando")
E fria, fluente, frouxa claridade
flutua como as brumas de um letargo ...
Embora caias sobrc o chäo, fremente, ("Lua")
afogado em teu sangue estuoso e quente,
ri! Corai;äo, tristlssimo palhai;o.
( "Acrobata da dor") ? 0 metro perde o rigor exigido pelo Pamaso e, ainda que
predomine o soneto e, portanto, o decassilabo, este afrouxa o
Era de esperar que a poetica implkita ne~se roteiro fosse ritmo, deslocando os acentos tradicionais, como se percebe nos
uma poetica de estofo romJntico, que supöe um 1ntervalo entre a versos abaixo, transcritos da profissao de fe simbolista, o poema
11
Antffona":
finitude da expressao e o infinito da vida interi?r. Para o" pa_r-
nasiano, tudo pode ser dito com clareza: näo ha transce~denc1~ c as em~öes, todas as castidades
em relai;äo 3.s palavras, pois estas se apresentam em estre1ta mt-
mese com a realidade empfrica. Mas um poeta como Cruz e os mais estranhos estremecimentos.
Sousa que se ve dilacerado entre materia e espirito, dar:i a pa-
Iavra ~ tarefa de reproduzir a sua, pr6pria tensäo e acabara acusan- Niio sao raros nos Broqueis e nos Far6is exemplos da ulti-
do os limites expressionais do verbo humano: ma cadencia, menos marcada, que se ap6ia apenas na 4.• silaba
( como obrigatüria):
0 Sons intraduziveis, Formas, Cores! ...
Ah! que eu näo possa eternizar as dores '-: deram-te as asas e a serenidade
nos bronzes e nos milrmores eternos! ("Ern sonhos") .
. 1
("Tortura eterna")
estranhamente se purificasse
( "Lubriddade")
Mas, apesar da confissao de impotencia expressiva ( A_h!
que eu näo possa ... ), o- artista vale-se de todos ?s recursos ~­ Ö Formas vagas, nebulosidades!
.
güisticos veiculados pela nova poetica para suger1r o seu dese10 ("Catnal e mfstico"} ,// _/'

J07
306
~; diafaneidades, e melancolias ... ram nessa constante apenas o reverso da cor da poeta, um intCr~
("Angelus")
prete mais profunda, o soci6logo frances Roger Bastide, preferiu
Lllnguida Noite da melancolia outra, din3.mica, pela qual todas as barreiras existenciais da vida
( "Cabelos".) de Cruz e Sousa - e näo s6 a cor - o levaram a um esfar~o
": r 5' de supera~äo e de cristaliza~äo, fazendo-o percorrer um caminho
as Aleluias glorificadoras __ / ' - inverse ao de Mailarme, poeta da anulamenta e do vazio. Säo
• ("~-de Lagrimas") palavras de Bastide:
que pelos Astros se cristalizaram!
0 drama de Cruz e Sousa vai, portanto, ser ainda mais patCtico
(ib.) que o de Mallarme, e na sua posir;äo vai ser de outra originalidade
pois que para ele näo se tratara unicamente de achar a expressä~
0 aspecto gdfico altera-se pela profusäo de maiusculas, usa· possivel do ine~?ve'., de. cri~r. para si, uma ex~riCncia psicolcSgica,
~as essa expenenc1a ps1colog1ca, para se constttuir, ter3 de lutar
das para dar um valor absoluto a certos termos, e pela näo me-
lncessantemente com uma primeira educar;äo absolutamente oposta
nor c6pia de reticencias. Das primeiras colhem-se exemplos ao a ela e que, a cada momento, a por.i em risco de ser aniquilada.
acaso; Cius, Dons, Dese;os, Hnras, Aleluias, Visöes, A/.mas, ( .... ) Mal!arme continua contemplativo, ao passo que 0 que do-
Urnas, Azul, Mar, Sonho, Crimes, Refugios, Infernos, Astros ... rn1na em Cru~ e Sousa e a origem e a subida, e o dinamismo do
arrem~sso, e t.sso porque ele era brasileiro, do pa(s da saudade, e
Um dos recursos morfol6gicos ou, a rigor, morfo-sem&nti- de ongem afncana, de uma rar;a essencialmente sentimental, ( ... )
cos, freqüentes em Cruz e Sousa, e que os seus disclpulos repe- 0 chefe <la escola francesa, por apuro extremo, chegara a palavra
tiram sem criterio, e o emprego ins6lito do substantivo abstrato ~ue d<i a conhecer uma ausencia, enquanto o processo de Cruz c
no plural capaz de su,::crir uma dimensäo senslvel no universo Sousa sera o da cristalizar;äo. A cristalizar;äo e purificar;äo e soli-
das ideias: diafaneidades, melancolias, quintessencias, diluencias, difica<;äo na transparencia, podendo assim guardar na sua branca
geometria alguma coisa da pureza das Formas eternas das Essen.
cegueiras. As vezes a oposi~äo do adjetivo concreto ao nomc das das coisas. ( .. , ) Destruir;äo de formas ( no pluraf) nas cerra-
abstrato alcan~a efeitos raros: <;~s da no~t~, cristalizfü;äo da Forma ( no singular) ou solidifica-
r;ao do esp1ntual numa geometria do translllcido, tais sä.o afinal
nevroses amarelas os dois processos antiteticos e complementares ao mesmo' tempo'
azuis diafaneidades que permitiram a Cruz e Sousa trazer aos homens a mensagem W:
fulvas vit6rias sua e~p.eriCncia e apresent.-1-la em poesia de beleza Unica, pois que
triunfamentos acres e acanc1ada pela asa da noite e, todavia, lampeja com todas as cin-
brancas opu!Cncias til*.;!ies Ju Jiarnanlc ( :<~! ).
agres torturas
aladas alegrias
dofuras feericas . 0 poeta näo percorreu de um s6 lance o itiner3rio que o !e-
negras nevrastenias, varia a plena expressäo de si mesmo. Broqueis e Missal, livro
de prosa, acham-se refertos de exerclcios liter3rios, como se o
Dal para OS processos sines.tesicos e um passo: acres aro- autor estivesse ainda experimentando a nova tecnica simbolista
mas, brilhos errantes, cavo clango'r, sonoras ondulaföes, fragr4n- de construir. Mas, nos poemas coligidos por Nestor Vltor nos
cia crua, verdes e acres eletrismos . .. Far6is, ja figuram algumas paginas em que Cruz e Sou-
Do lexico de Cruz e Sousa, especialmente o das primeiros sa faz direto e vigoroso o tratamento da materia biogr.l-
livros. ja se disse que, alem da presen~a explicavel de termos li- fica: "Rernlta de Estrelas", poema dedicado ao filho· "Pan- '' .
tlirgicos, trafa a obsessäo do branco, fator comum a tantas de demonium", onde a angUstia do escravo se proj~ta em
suas metaforas em que entram o lirio e a neve, a lua e o linho, a repeti<;Oes alucinat6rias; "Tedia", invento onirico que se ptesta J ! '~
espuma e a nevoa. Ao que se pode acrescer a näo menor frc-
güencia de objetos luminosos ou translUcidos: o sol, as cstrclas,
o ouro, os cristais. A explica~äo um tanto simplista das que vl- 1
221
1 Cm A Poesia A/ro-Brasiletra, S. Paulo, Martin~. 19-t3.

JOB 309
0 pobres, o vosso bando
ma sondagem psicanalitica-de morlva-;öes; ''Ressurrei-;äo~·, can- e tremendo, e formidando!
:oua Gavita que voltava do hospkio ap6s meses de reclusao: Ele ja marcha crescendo,
o vosso bando tremendol
Alma! Que tu näo chores e näo gemas,
teu amor voltou agora. Nos Ultimos Sonetos, a visao do mundo de Cruz e Sousa
Ei-lo que chega das mansöes exuemas,
la onde a loucuµ mora'!'" toma forma definitiva. As imagens solares au noturnas j3 näo
se perdem no fluxo de uma sonoridade valida por si mesma: elas
Veio mesmo mais belo e esuanho, acaso, organizam-se teleologicamente para a constru~äo de um pensa-
desses lividos paises, mento coerente que sustenta e unifica as sensa~öes e impressöes,
m:igica flor a rebentar de um vaso materia primeira do trabalho estetico.
com prodigiosas raizes.
. .. . . . ...... .. . . .. ............... As rafzes desse pensamento sao religiosas. Mas, ao contra-
Ah1 foi com Deus que tu chegaste, C certo, ) rio do que ocorrer3 com Alphonsus de Guimaraens, näo se tra-
com sua grm;a espontänea ta de uma dev~äo haurida no convlvio do catolicismo traclicio-
nal, com habitos e liturgias definidas, nao raro esvaziadas em
que emigraste das plagas do Deserto f6rmulas. Do Cristianismo Cruz e Sousa incorpora o Amor como
nu, sem sombra e sol, de lnsönia! alfa e omega da conduta humana. Mas näo e a uniiio com
a Pessoa clivina, que conduz o seu roteiro espiritual. 0 ter-
E ainda, esta "Litania dos Pobres", que, se lembra m~tivos mo da viagem ele o entreve na liberafäo das sentidos, "c3rcerc
analogos de Baudelaire, tem de pessoal um ac~nto s'?mbno de . das almas", e, portanto, de toda dar: algo semelhante ao Nirva-
protesto que se podem comparar aos versos libertanos do ge- na budico a que tendia a op~äo irracionalista dos romanticos
nial simbolista russo, Alexandre Blok: alemaes e de Schopenhauer. E nesse contexto que se entendem
1
as suas profissöes de renUncia, de ascese, de est6ica ataraxia.
Os miseriveis, os rotos I
1 1' Com serenidade, o poeta olha a morte de frente como retorno
säo as flores <los esgotos. fatal a materia inorgänica, unico modo de alcan~ar a gl6ria si-
Säo espectros implacaveis lente do Nada; mas, diferentemente da ascese mall~rmeana, ha
os rotos, os miseraveis. fervor e extrema vibra\äo na pr3tica desse caminho:
Säo prantos negros de furnas
caladas, mudas, soturnas. Erguer os olhos, levantar os bra~s
para o eterno SilCncio das "Espa~s
As sombras das sombras mortaS, e no SilCncio emudecer olhando
cegas, a tatear nas portas.
( "lmortal atitude").
Procurando o cCu.. aflitos
e varando o ceu de gritos. Abre-me os bra~s, Solidäo radiante,
Far6is a noite apagados funda, fenomenal e solu~nte,
por ventos desesperados. .' larga c bUdica Noite redentora!
................. ······ ... ( ":E.xtase bU.dico")
Bandeiras rotas, sem nome,
das barricadas da fome. 0 tom de confian~a absoluta na salva~ao pelo excrclcio da
"vida obscura" e pelo percurso da "via dolorosa" esti presen-
Bandeiras estra~alhadas te nos mais belos sonetos de Cruz e Sousa que com os de Ante-
das sangrentas barricadas.
............... „ ........ .
ro, diio A llngua portuguesa do sCculo passado' um alto exemplo

311
310
de poesia existencial: "Vida.- Obs0t1ra'', "Caminho da Gl6ria", sas na sua tematica. Alphonsus de Guimaraens foi poeta de um
11
Suprcmo Verba", 11 Corac;äo' confiante", "Odio sagrado", "Ca- s6 tema: a morte da amada. Nele centrou as varias esferas do
vador do Infinita", "Triunfo Suprema". E este "Sorriso lntc- seu universo semäntico: a natureza, a. arte, a creni;a religiosa.
rior", testamento espiritual que escreveu pouco antes de morrcr: Mas näo devemos cair na tenta\ä:o de cham3.-lo poeta mon6tono,
a näo ser que se de il monotonia o valor positivo que ela assu-
0 ser que c_ ser e. que jamai' vacila me em poetas maiores, um Petrarca ou um Leopardi, que sou·
nas guerras tmortais t:ntra sem susto, beram aprofundar ate as ralzes 0 seu motivo inspirador, per-
leva consigo este brasäo augusto manecendo-lhe sempre fieis. Quanta a Alphonsus, o fantasma
do grande amor, da grande fC tranqüila. da amada ( sublima,äo de seu afeto pela prima Constan,a, mor-
Os abismos carnais da triste argila ta adolescente?) coloca-o em face da morte enquanto dado insu-
ele os vence sem Snsias e sem custo ... pedvel, que a sua religiäo est~tica niio logra transcender. A
Fica sereno, num sorriso justo mot;te s~ repropöe ao poeta como presen,a do corpo morto, qim
cnquanto tudo cm derredor oscila. o luto circunstante, os cfrios, os cantochöes, o esquife, o feretro,
Ondas interiores de grandeza
os panos roxos, o rfquiem, o sepultamento no campo santo, as
däo-lhe esta gl6ria cm frente a Natureza, ora,öes fllnebres. Kyriale e um dobre de finados: pelos tltulos
esse esplendor, todo esse largo eflU.vio. dos poemas ("Luar sobre a cruz da tua cova", "A meia~noite",
"Ocaso - impressöes de vespera de finados", "Spectrum",
0 ser que C ser transforma tudo em flores .. "Ossa Mea"); pela atmosfera pesada e pesadelar que nele se res-
e para ironizar as pr6prias dores
caota por entre as 9guas do Dih'ivio! pira; enfim, pela pr6pria linguagem seletiva no lexico e no ritmo
solene no qua! a vagas sugestöes barrocas se mescla a voz ele-
gfaca de Verlaine:
Alphonsus de Gulmaraens
Meus pobres sonh~s que sonhei, ja täo sonhados,
222
Que vento de desdtta e de luto vos leva?
De Cruz e Sousa para Alphonsus de Guimaraens ( ) sen- Que fUria de pavor, sedenta de pecados,
timos uma descida de tom. Tristäo de Atalde chamou "solar" Vos guia em turbilhöes de poeira e de tteva?
ao primeiro para contrapO-lo ao segundo, "poeta lunar". De ( "Pobrcs Sonhos")
fato, a poesia do autor de Kyriale nos aparece iluminada por
uma luz igual e suave, constante no seu nlvel, quase sem surpre- Ja se percebe nesse livro juvenil um maneirismo do fUne-
bre que ro,a o macabro, tra,o do romantismo g6tico recuperado
pelos decadentes. Um exemplo prohante dessa atitude e do scu
( 222) ALPHONSUS DE GUIMARAENS ( Afonso Henriques da Costa Gui- cortejo de imagens acess6rias encontra-se no poema "O Leito"
maräes) (Ouro Preto, MG, 1870 - Mariana MG, 1921). 0 pai do pocta que, pela cadencia narrativa, evoca um conto de Poe:
era portugues e a mäe, brasileira, sobrinha do romancista Bernardo Gui-
maräes. Depois de ter co_me~ado Engefiharia na sua provincia, abandonou
o curso preferindo Direito, em Säo Paula, cidade a cujo grupo simbolista
( Freitas Vale, Ferreira de Aralljo) se manteria ligado por toda a vida. plcta dos seus poemas, organizada por Alphonsus de Guimaraens Filho
Voltando para Minas, depois de uma rilpida viagem ao Rio aonde fora indui os inc!ditos de Escada de Jac6, Pulvis, Nova Primavera {tradu~o de
para conhecer Cruz e Sousa, optou pela carreira de magistrado. Foi pro- Heine) e Salmos da Noite (Obra Completa, Rio, Aguilar, 1960). Con-
motor em Concei~äo do Serro e, de 1906 atc! a morte, juiz municipal em sultar: Jose Verissimo, Estudos de Literatura Brasileira, 2! serie, Rio, Gar-
Mariana. Ai viveu modestamente com a esposa e catorze filhos. A maior nier, 1903; Joäo Alphonsus, "Notkia Biografica", na ed. das Poesi<Js, org.
parte da sua obra foi escrita e publicada nos ano$ anteriores 9 sua ida por Manud Bandeira, Rio, MinistCrio da Educa~äo, 1938; Henriqueta Lls-
para Mariana. Obra: Septen.1rio das Dores de Nossa Senhora, 1899; DontJ boa, Alphonsus de GuimtJraens, Rio, Agir, 1945; Eduardo Portela, "O
Mistica, 1899; Kyriale, 1902 (escrito antes dos precedentes); Pauvre Lyre, Universo Poetico de Alphonsus de Guimaraens", na ed. da Obra Complt-
1921; Pastoral aos Crentes do Amor e da Morte, 1923. A edii;äo com· ta, Aguilar, eil., pp. 17-27.

312
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Oritem, i. m~ia-nWte, est!pldo junto te negro", a tensao corpo-alma faz-se dialeticamente, mudando-se
A uma igreja, Iembrci-me de ter visto
Um velho que levava as costas isto: a libido e o instinto de morte em fervor espirirual. Dai a diver-
Um caixäo de defunto. sidade de tom que separa ambos: Cruz e Sousa, denso e entu-
siasta; Alpbonsus, fluido e depressivo. De certos momentos de
0 caso nada tem de cxtraordin4rio. evoca~äo 1 porCm, criou uma imagem perfeita:
Quem um velho .a Ievar um caixäo tal
lnda näo viu? :g um fato °"luasc diirio Häo de chorar por elas os cinamomos,
Em qualquer bairro 'de uma capital. Murchando as flores ao tombar do dia.
Dos laranjais häo de cair os pomos,
Mas ~ que ia de modo tal curvado Lcm.brando-se daquela que os colhia.
Para o chäo, e a falar täo baixo e tanto,
Que, manso e manso, e trCmulo de cspanto, As estrelas diräo: - "Ai, nada somos,
Fui seguindo a seu lado. Pois ela se morreu silente e fria . .. 11
E pondo os olhos nela como pomos,
Dissc-lhe assim: nTalvez seja a demCnda , Häo de chorar a irmä que lhes sorria.
Que guia os passos todos que tu dCs; A lua, que lhe foi mäe carinhosa,
Ou bi entäo, na mfsera existCncia, Que a viu nascer e amar, hi de envolvC-la
Um miserivel bebedo, talvez." Entre llrios e petalas de rosa.
0 olhar fito no chäo, como desfeito Os meus sonhos de amor seräo defuntos . ..
Em sangue, o velho, sem me olhar seguia, E os arcanjos dirio no azul ao vC-la,
E ouvi-lhe a Unica frase que dizia: Pensando em mim: - "Por que näo vieram juntos?"
"Vou levando o meu leito".
Nas obras posteriores a Kyriale, o motivo da amada ausen-
A atmosfera criada e absolutamente romiintica. Par outro te sobreleva a todos, conservando-se, porem, a atitude basica
lado, o apelo constante a mem6ria e a imagina~äo for~a em AI- de se exorcizarem as imagens corp6reas pela invoca~ao de
phonsus, como em outros simbolistas, as portas do subconscien- um mundo lunar que circunda como um halo a figura femini-
te, de onde emergem os monstros da infiincia e os desejos repri- na, desmaterializada em Rosa Mistica, ungida e santa no Septe-
midos da adolescencia: as vezes, dentre as litanias de Kyriale, nario das Dores de Nossa Senhora. Este, verdadeiro poema li-
irrompem cadeias de imagens surreais como estas: turgico, obedece a seria~äo canönica das dores da Virgem, can-
tada cada uma em sete sonetos sobre modelos classicos, menos a
concisäo destes. De todos e mais conbecido, e talvez mais belo,
E~P~~t~~~. ~~~. ~i~. ~~~: ~~~b~a~· Q~~· ~Cm tristeza, o que com~a assim: 11
Mäos que os lirios invejam, mäos eleitasJ
Perseguem-me: e acompanho os apagados tra9)s / Para aliviar de Cristo os sofrimentos" ( son. VI da Segunda
De semblantes que amei fora da natureza.
Dor).
V6s haveis de fugir ao som de padre-nossos, Na Pastoral aos Crentes do Amor e da Morte, o tradutor
Frutos da carne infiel, seios, pemas e bra~s. de Heine e de poetas chineses, lidos em versao francesa, experi-
E v6s, mUmias de cal, dan~a macabra de ossos! menta novos arranjos ritmicos ou· trata com ciente frouxidäo ve-
11
( Espirito mau") lhos metros medievais, tendencia que, nascida com o Simbolismo
europeu, iria desaguar no verso livre. 0 esplrito que preside a
Bastaria a leitura do soneto acima para entender a diferen~a obra e liter:irio ( no sentido estrito de formal) e menos voltado
de perspectiva entre Alphonsus e Cruz e Sousa. No poe- para o aprofundamento de temas que o das obras anteriores: uma
ta mineiro, passadista e decadente, ha um homem preso i\s fran- pesquisa de contetldos, alias, pouco encontraria alem dos motivos
jas de uma religiosidade espantada, cuja fun~ao ultima e a de que se definem no t!rulo da coletanea: amor e morte. Fica assim
evocar o fantasma da morte para reprimi! os assaltos obsedantes delineada a evolu~ao formal de Alphonsus no sentido de rom-
11
dos tres inimigos da alma": diabo, carne e mundo. No "Dan- per eadencias batidas e de jogar com estrofes melodicamente si-

)14 315
nuosas, ricas de encad~amertos, ppazes, portanto, de traduzir ( 1901-1904): Saturnino de Meireles, C. D. Fernandes, Castro
Meneses, Tavares Bastos, Gon,alo Jacome, Felix Pacheco, Pe-
0 abandono sentimental, a confidencia, o devaneio:
reira da Silva, Tiburcio de Freitas, Rocha Pombo, entre outros.
Ha em quase todos uma exaspera,iio da maneira baudelaireana
Rosas que ji vos festes, desfolhadas
Por mäos tambem que j3 se foram, rosas do Cruz e Sousa inicial, quer no modo de conceber as rela,öcs
Suaves e tristes! rosas que as amadas, entre corpo e alma, quer na pose estetizante, pseudomfstica.
Mortas tambem, beijaram -· stllt(>iresas ...
• No Parana, de onde viera um dos maiores admiradores de
Umas rubras e väs, outras fanadas, Cruz e Sousa, Emiliano Davi Perneta, constituem-se grupos cm
Mas cheias do calor das amorosas ... torno de efemeras revistas: 0 Cenaculo, 0 Sapo, Pallium, Turris
Sois aroma de alfombras silenciosas, Eburnea. Nelas colaboraram Silveira Neto, autor de Luar de
Onde dormiram tran~as destranc;adas.
Hinverno ( o H era entiio requinte estetico); e Dario Veloso,
Umas brancas, da cor das pobres freiras, poeta das Esotericas ( 1900), mestre em ocultismo pela Escola
Outras cheias de vic;o e de frescu.ra, Superior de Ciencias Hermeticas de Paris, criada por Papus, e
Rosas primeiras, rosas derradeiras! fundador do Instiruto Neopitag6rico de Curitiba onde iniciava
Ai! quem melhor que v6s, s~ a dor perdura, os discfpulos nas doutrinas cabalisticas entiio enfunadas na Eu-
Para coroar-me, rosas passage1ras, ropa pelos novos sopros do irracionalismo ( 225 ). E mais: Jean
0 sonho que se esvai na desventura? 1tibere (Joiio 1tibere da Cunha ) , educado na Belgica, conhece-
dor de Maeterlinck, poeta de um s6 livro, e em frances ( Prelu-
des, Bruxelas, 1890), precoce difusor do crepuscularismo belga;
A dlfusäo do S!mbolismo
Euclides Bandeira, presa fad! de delirios estetizantes, como se
Cruz e Sousa e Alphonsus de Guimaraens foram as mat;i- constata pelos seus Ditirambos ( 1901) e nao menos ditiri\mbi-
zes diretas do Simbolismo brasileiro e, de certo modo, tambem cos Ouropeis ( 1906); Santa Rita, Ricardo Lemos, Tiago Pei-
os responsaveis pela procura das fontes fr~ncesas, ~e~gas e por- xoto, Leite Jr., Jose Gelbcke, Ismael Martins, Aristides Fran,a,
tuguesas (Antonio Nobre, Guerra Junqueiro, Eugeru~ de ~as­ Adolfo Werneck, Cicero Fran,a, menores e minimos.
tro) que, mais tarde, iria diferendar os grup?s de s1mbolistas
menores reunidos ap6s a morte do poeta catarmense.
A hist6ria desses grupos e a apresenta,iio dos seus mem- ( 225) Os ingredientes da moda ocultista na Europa eram dispares.

bros mais conspfcuos ja foi feita no excelente Panorama do Mo- Os cfrculos mais sofisticados cultivavam o Wagner das -6peras misticas e
223 medievais (Lohengrin, Parsifal): sai em fevereiro de 1885 o n.0 1 da Rl-
vimento Simbolista Brasileiro por Andrade Muricy ( ), a quem vue Wagnerienne que apresenta entre seus colaboradores MallarmC e Vil·
se deve o renovado interesse pela corrente e, sobretudo, pela liers de l'Isle Adam e o pre.joyceano Dujardin, e onde o mllsico alemäo
figura de Cruz e Sousa. A partir do trabalho de Muricy retoma e exali;ado a filOsofo e sacerdote de arcanos mistCrios. Outros grupos di·
for,a o estudo do Simbolismo c1J.ia bibliografia conta h?ie com vulgam fragmentos do hindufsmo ( o Parnaso preferira a China, racional e
seletas e ensaios minudentes ( 224 ) · aos qua1s remeto o le1tor eru- formalista), amalgamados num composto para uso de ocidentais a Teoso-
fia: e na lnglaterra que aparece, em 1893, a Doutrina Secreta d~ Madame
dito ou curioso. . Blavatsky, Iida e admirada por Yeats. Ern Paris a moda e o ocultismo,
Ao lado de Cruz e Sousa, cultuando-lhe a memoria e mw- herdeiro da Cabala e dos Rosa·Cruzes de Hermes Trimegisto: o mestre
tas vezes repetindo os trac;os mais evidentes do se~ estilo, es~äo moderno, o Dr. Papus~ cujo Traite e1ementaire de Science occulte, publi·
os poetas que fundaram a Revista Rosa Cruz no Rio de Janeiro cado em 1888, mereceu um prefiicio de Anatole France, veladamente irO-
nico: "Um certo conhecimento das ciCncias ocultas faz-se necessS.rio para
a inteiigCncia de bom nllmero de obras literarias deste tempo. A Magia
Rio de Janeiro, Institute Nacional ~o Livro, 1952, 3 vols.
(223) ocupa largo espai;o na imaginai;äo de nossos poetas e de nossos romancis-
Cf. na bibliografia final, as obras cltadas de Fernand~ ~oes,
(224) tas. A vertigem do invisivel aferra-os, persegue-os a ideia do desconhe-
Manuel Bandeira, pericles EugCnio da Silva Ramos e Massaud Motses. cido, e voltaram os tempos de Apuleio e de Phlegon de Tralles" (apud

317
316
Mas de todos os. simqo!ista,,_ paranaenses o Unico realmen- No Rio Grande do Sul, o movimento conheceu a nota sin-
te original foi Emiliano Perneta ( 226 ). Filho de um cristäo-novo gular da presen~a italiana: o decadentismo de Gabriele D'Annun-
portugues, amigo fraterno de Cruz e Sousa e dos prim.eiros a zio seduziu os jovens que formavam as rodas literSrias de Pono
redigir manifestos simbolistas pela Folha Popular, antes ainda AJegre no COffiC~O do SOCWO. Ü que näo e de estranhar, SC Jem-
da pub!ica~äo dos Broqueis. Os sestros da escola, apesar de nu- brarmos de um lado que a imigra~äo ita!iana naquela provlncia
merosos, nä:o abafaram em Emiliano Perneta a nota pessoal, cxa foi pioneira, datando de 1875, e mais conservadora que em Säo
pressionista, de homem arras.tado · p~o 'desejo intenso de conhe- Paula, e de outro, a fei~äo geral näo-brasileira 'da corrente sim-
cer o pr6prio fim; cupio dissolvi que deixou marcas indeleveis bolista. Para Muricy, o grupo gaucho foi, "no conjunto do Sim-
em alguns dos seus melhores poemas: "Azar", em que reveste o bo!ismo brasileiro, o de expressäo mais imecliatamente europei-
mito judaico de Aasverus com a imagem do cavaleiro que corrc .zante". Constata-se a observa\äo lendo, por exemplo, Zeferino
pregando a Morte; "Fogo Sagrado", sonetilho de octoss!labos de Brasil, que alterna o tarn decadente com retornos ao Parnaso;
ritmo encantat6rio, e este "Corre mais que uma vela", sintese Marcelo Gama, tipo acabado de boemio provinciano de que ha
das suas Snsias de autodestrui\äo: inclicios no tom faceto de alguns versos da Via Sacra e Outros
Corre mais que uma vela, mais dcpressa, Poemas, Alvaro Moreyra, que logo se integraria no grupo cario-
Ainda mais depressa do que o vento, ca de Fon-Fon! e, sobrevivendo a todos os companheiros, lhes
Corre como se fasse a treva espE:ssa contaria a vida e a obra nas belas mem6rias. . . As Amargas,
do tenebroso vfu do esquecimento. Niio ( 1954); Felipe d'Oliveira, tambem egresso do Sul para o
- Eu näo sei de corrida igual a essa: mesmo grupo, e poeta em que se distinguem duas fases, a "cre-
Säo anos e parece que e um momento; puscular" de Vida Extinta ( 1911) e a modernista, mais origi-
Corre, näo cessa de correr, näo cessa, nal, de Lanterna V erde ( 1926); Homero Prates, estetizante e
Corre mais que a luz e o pensamento. oco (As Horas Coroadas de Rosas e de Espinhos, 1912; Nos Jar-
2 uma corrida doida, essa corrida, dins dos !dolos e das Rosas, 1920, etc.); Alceu Wamosy, poeta
Mais furiosa do que a pr6pria vida, muito pr6ximo de Cruz e Sousa nas suas primeiras composic;öes
Mais veloz que as notkias infernais ... (Fldmulas, 1913; Na Terra Virgem, 1914 ), mas logo envolvido
Corre mais fatalmente do que a sorte, pelo intimismo a Samain que lhe ditou um dos sonetos mais
Corre para a desgra~a e para a morte. populares entre n6s, "Duas Almas" ( 0 tu, que vens de longe, 6
Mas cu queria que corresse mais! tu, que vens cansada ... ) .
A poesia de Emi!iano Perneta, !ida e valorizada por poucos, Nenhum deles compara-se, porem, a Eduardo Guima-
espera um estudo analltico 8 sua altura. raens ( 227 ), cuja cultura liter:iria vasta e o gosto exigente leva-

Michaud, Message poltique du Symbolisme, Paris, Nizet, 1947, vol. II, Pena de T aliäo, poema dram&tico, 1914; Setembro, 1934. Obras, ed. por
p6g. 372). Andrade Muricy, 2 vols., Rio, Ze.lio Valverde, 1945. Consultar: Nestor
Outro divulgador de grande pllblico, Schure, escreveu Os Grandes Vitor, A Critica de Ontem, Rio, Leite Ribeiro & Maurllio, 1919; Andra-
Iniciados, cm 1889. de Muricy, 0 Suave Convivio, Rio, Anu&rio do Brasil, 1922· Id. Iotm-
Na verdade, Cabala, Astrologia e Teosofia caminhavam numa di~äo du~o a ed. cit. das Obras, I, pp. !-XVII; Erasmo Pilote, E~ilian~, Curi-
para a qual tenderiam, ao mesmo tempo, mas em termos rigorosamentc tiba, Gerpa, 1945; Massaud MoisCs, 0 Simbolismo, cit.
cientfficos, a Etnologia de Frazer e a Psican3lise de Freud e de Jung. As (227) EnuARDO Gu1MARAENS (Porto Alegre, 1892 - Rio, 1928).
linhas SiiO opostas, OpostOS OS metodos, mas tudO C sintoma de Um iDtC· Divina Quimera, 1916; A Divina Quimera, com a reuniäo de outros poe-
rcssc alerta pelos fenömenos psfquicos niio-conscicntes comum ncsse pe- mas, mas sem as tradu\Öes, Pörto Alegre, Globo, 1944. Consultar: Man-
dodo de crise do Naturalismo. sueto Bernardi, Prefacio 3. 2.• ed., de A Divina Quimera, cit.,· Rodrigo
(226) EMILIANO DAVID PERNETA (Pinhais, Parana, 1866 - Curiti- Otivio Filho, "O Penumbrismo", em A Literatura no Brasil ( org. por Afri-
ba, 1921). MUsicas, 1888; Carta a Condessa d'Eu, 1899; Ilusäo, 1911; nio Coutinho), cit„ vol. III, t. l, pp. 351-356.

318 319
ram cedo a tocar mais . fundo no .trabalho poetico como criador cisca JUiia e co-autor dos poemas didatico-religiosos dcsta· An-
e, ainda mais, como fino iradutor. tönio de God6i ... , todos ecoando a maneira do patriar~ de
Na Divina Quimera temos um rico inventario das possibili- Mariana.
dades do verso portugues desde os solenes alexandrinos do "Tu- Poetas paulistas näo vinculados a esse Ultimo grupo, pois
mulo de Baudelaire'", traem influencias mais diretas de Cruz e Sousa: Batista Cepelos,
..,, que com~ou parnasiano, mais se fez simbolista em Vaidades
Entre a aridez da t~ria e a solidio noturna, ( 1908) e Rodrigues de Abreu, que oscilou entre a maneira do
fundo abismo, do espaeo ao lUgubre csplendor,
fendem-se do Desejo as largas fauces de urna, vate negro e um confidencialismo de ritmos livres quc ja tem
algo de modernista (A Sala dos Passos Perdidos, 1924; A Casa
ate os bissflabos de irönico penumbrismo que compöem "Na tar- Destelbada, 1927).
de morta„: 0 grupo da Bahia, reunido em torno das revistas Nova Cru-
zada ( 1901-11) e Os Anais ( 1911) teve um precursor em Pe-
a esta hora thion de Vilar (pseud. de Egas Moniz Barreto de Aragäo, 1870-
triste, ·1924), cuja obra foi editada postumamente, aos cuidados do
divina-
mente simbolista portugues Eugenio de Castro ( Poesias Escolbidas
Lisboa, 1925). E poeta realmente secundario cujo merito resld~
menos na produ~äo literaria que no fato de ter veiculado cedo a
dos ninhos
no alto 1 nova estetica: escreveu um poema das vogais que enviou a Remy
dos galhos 1
de Gourmont.
tortos ••• Em compensa~äo veio da Bahia uma das vozes mais origi-
e sobre- nais do Simbolismo brasileiro, Pedro Kilkerry (1885-1917).
tudo Quase desconhecido na epoca, apresentado pela prosa vibrante
das cria- mas pou~ lucida de Jackson de Figueiredo, Kilkerry, poeta sem
turas! obra publicada, teve de esperar o reconhecimento tardio da in-
clusäo do Panorama de Muricy e dos elogios que este lhe fez no
Eduardo Guimaraens traduziu o Canto V do Inferno, oiten· ensaio sobre os simbolistas constante em A Literatura no Bra-
ta e tres poemas de Baudelaire, versäo ainda näo publicada em sil ( 228 ). Mais recentemente, redescobriu-o a vanguarda concre-
livro, e uma antologia de versos de Rabindranath Tagore ( Poe- tista pela voz de um dos seus crlticos mais atentos, Auguste de
mas Escolbidos, Globo, 1925). Campos. Fato que atesta a modernidade do poeta. Modernida-
Do grupo mineiro, naturalmente pr6ximo de Alphonsus c de no sentido de ter ele explorado de modo intenso e consciente
de sua poesia religiosa, citam-se: Jose Severiano de Rcsende, os recursos formais de que dispunha a tecnica simbolista. Alite-
egresso da vida sacerdotal, de resto constante na sua pocsia ora- ra~Oes, homofonias, onomatopc!ias, no campo sonoro; palavras-
t6ria, de fundo blblico; Alvaro Viana, que fundou a revista Ho- -chave e neologismos, no lexico; e, o que lhe da uma fei~äo mui-
rus, de curtissima dura~äo ( julho-agosto de 1902); Arcingelus
de Guimaraens, irmäo do poeta; Mamede de Oliveira e Edgar
Mata, ambos desmaiantes penumbristas. (2 2 ~) Op. cit. vol. III, t. 1. Tenho noticia de que a Revista da
Academ1a de Letras da ~ahia, nos se,us nU.meros 2-3, de 1931, 4-5, de
Ligados aos mineiros desde os anos academicos estäo os 1932. e 6-7 de 19~3 pubhcou um ensa10 de Carlos Chiacchio, crftico mo-
poetas de Säo Paulo: Jacques d' Avray ( pseudönimo de Frcitas dern1sta, sob~e K~kerry. Infelizmente niio pude ve-lo, mas, dada a na-
Vale), que versejava em frances e era chamado por Alphonsus tureza da rev1sta, e certo que näo teve repercussiio bastante para divulgar
o poeta.
"grand poete inconnu, Prince Royal du Symbole"; Adolio Arau-
jo, fundador de A Gazeta, Julio Gesar da Silva, irmäo de Fran- ~ara a crftica mais recente, v. Augusto de Campos, "Re-visiio de Kil-
kerry , S. Paula, Fundo Estadual de Cultura, 1970.

320 '21
to atual, a capacidade de distanciar-se da mat~ litedria para Mario Pedemeiras (Rio, 1868-1915) costuma ser aponta-
poder referir-se a ela, metalingü1sticamente: do como o introdutor do verso livre no Brasil. Nao e bem ver-
dade: ele apenas o aplicou sistematicamente nas Hist6rias do
Olha-me a estante em cada livro quc olha. Meu Casal (1906), livro ate certo ponto novo quando situado
E a luz nalgum volume sobre a mesa ...
Mais o sangue da luz cm cada folha. na atmosfcra estetizante do tempo, avessa aos motivos simples,
domesticos, nele presentes. Mas o jogo de ritmos irregulares e
E a cimara muda. .E· a Sa~ mUda, muda ... de uma nova metrica vinha do seculo anterior' por sugestöes de
Afonamente rufa. A asa da rima
Paira-me no ar. Quedo-me como um Buda Whitman, Rimbaud, Verlaine, Laforgue e Gustave Kahn, e ja
Novo, um fantasma ao som que sc aproxima. aparecera entre n6s nas tradu~öes que o poeta parnasiano e neo-
Cresce-me a estante, como quem sacuda classico Alberto Ramos fizera de alguns poemas de Heine ( Poe-
Um pesadelo de papCis acima. mas do Mar do Norte, 1894). Alguns anos depois, o simbolis-
("~ o silenclo") ta gaucho Guerra Duval publica, em Bruxelas, sob a influ@ncia
direta dos penumbristas belgas, as Palavras que o Vento Leva
Outros poetas baianos filiados ao Simbolismo: Francisco ( 1900), onde e constante o uso do verso irregular ( ''").
Mangabeira, que, tendo participado como enfermeiro na ex- Dentre os colaboradores de Fon-Fon! figuram os nossos me-
pedi~ao contra Canudos, sobre ela escreveu uma Tragedia Epica lhores intimistas, alias, j8 citados nos grupos regionais, como
( 1900); Durval de Moraes, que com~ou materialista e acabou Eduardo Guimaraens, Alvaro Moreyra e Filipe d'Oliveira. Avan-
poeta devoto, por isso louvado por Jackson de Figueiredo no seu ,ando nessa linha, encontrarfamos poetas que aderiram ( ou qua-
Durval de Moraes e Os Poetas de Nossa Senhora (Rio, 1925 ); se ... ) ao Modernismo: Rodrigo Otavio Filho, Ribeiro Couto,
Galdino de Castro, eplgono ret6rico, dividido entre Cruz e Sou- Olegario Mariano, Guilherme de Almeida, Ronald de Carva-
sa e Alphonsus; Artur de Sales, bom tradutor de Macbeth, c lho, Onestaldo de Pennafort ...
Alvaro dos Reis, tambem tradutor, mas de parnasianos e simbo-
listas franceses (Musa Francesa, 1917).
Do Norte: Maranhao Sobrinho e Xavier de Carvalho, ma-
*
ranhenses; Henrique Castriciano e Auta de Sousa, potiguares; Fora e acima desses varios grupos encontramos o mais ori-
Da Costa e Silva, piauense; Flexa Ribeiro, paraense: todos, pe- ginal dos poetas brasileiros entre Cru2 e Sousa e os modernistas:
lo que pude colher de exemplos antol6gicos, bastante influen- Augusto dos Anjos.
ciados por Cruz e Sousa. Da Costa e Silva involuiria mais tar- Augusto dos Anjos ( 236 ) foi poeta de um s6 livro, Eu, cuja
de para o Neoparnasianismo. fortuna, extraordin8ria para uma obra poCtica, atestam as trinta
No Ceara, o grupo da Padaria Espiritual, tao operoso na edi~öes vindas a luz ate o momento em que escrevemos.
publica~ao dos naruralis tas, tambem editou um simbolista da
terra, Lfvio Barreto. E no mesmo grupo sobressai a voz de Adol- ( 229) 0 leitor achara mais esclarecimentos sobre as experiCndas me-
fo Caminha, o autor de A Normalista, que apesar de disc!pulo tricas de Alberto Ramos e Guerra Duval em Pericles Eugi!nio da Silva
de ~a, deixou algumas paginas simpaticas ao Simbolismo e a Ramos, Do Barroco ao Modernismo, S. Paulo, Com. Est. de Cult., 1967,
pp. 221-235.
Cruz e Sousa (Cartas Literarias, 1895). ( 230) Sintetizo o que escrevi sobre o poeta paraibano em 0 Pre-
Enfim, o ultimo 6rgao propriamente simbolista editou-se no ·Modernismo, cit., pp. 43-51.
Rio de Janeiro, a revista Fon-Fon! Seus animadores, tendo a AuGUSTo DE CARVALHO RoDRIGUES nos ANJos {Engenho Pau D'Arco,
Parafba, 1884 - Leopoldina, MG, 1914 ). Com o pai, bacharel, apren-
frente o poeta Mario Pedemeiras, dilulram o verso e aplicaram- deu as primeiras letras. Fez os estudos secund.irios no Liceu Paraiba-
·no il expressao de conteudos intimistas, razao por quc e co- no: · os testemunhos da ~poca ji o däo como enfermi~ e nervoso. Cur-
mum ve-los agrupados sob O r6tulo de "penumbristas" Oll "cre- sc_>u Direito em Recife c, apcnas formado, casou-sc; näo advogou, porCm;
pusculares". v1via de Iecionar Portugu&, primciro no scu estado, dcpois no Rio, para

322 323
Essa popularidade -devC'=se ao,..... carater original, paradoxal, toda carne para a decomposiräo E . , - , IJ . fal
S encer ou 'J" • Ja nao sera cito ar em
ate mesmo chocante, da sua linguagem, tecida de vocabulas es- P . . em Haeckel para definir a sua cosmovisäo mas no
dnixulas e animada de uma virulencia pessimista sem igual em at Ito
d pess1m1smo
d · de
. Arth u r Schopenh auer, que 1denuf1ca
. . . ' na von-
nossas letras. Trata-se de um poeta poderoso, que deve ser men- a e- e-v1ver a r_a12 de todas as dores. Fundem-se visäo c6smica
surado por um criterio estetico extremamente aberto que possa e, desespero rad1cal produzindo esta poesih violenta e nova em
reconhecer, alem da "mau gasto" d, vocabul6.rio rebuscado e 1tngua portuguesa:
cientifico, a dimensäo c6smica 'e a angUstia moral da sua poesia.
Dimensäo c6smica, em primeiro lugar. A. das Anjos cen- Triste a escutar, pancada por pancada
A sucessividade dos segundos, '
trava, de modo obsedante, na ser humano, todas as energias do Üu<;o em sons subterr:l.neos, do orbe oriundos
universa que se teriam encaminhado para a construi;äa desse 0 choro da Energia abandonada ! '
misterio que e o "eu". 0 evolucionismo parece encontrar sua
~ a dor da for~a desaproveitada
transcrii;äo poetica em versos como estes: 0 cantochäo dos dinamos profu~dos
Eu, filho do carbono e do amoniaco Que, podendo maver milhöes de mu~dos
( "Psicologia de um Vencido") Jazem ainda na estiitica do Nada. '
De onde ela vem?! De que materia bruta
Vem essa luz, que sobre as nebulosas
~ o solu~o ?a _forma ainda imprecisa ..
Da transcendenc1a que se näo realiza ...
Cai de inc6gnitas criptas misteriosas Da luz que näo chegou a ser lampejo ...
Corno as estalactites de uma gruta?!
!, em suma, o subconsciente ai farmidando
Vem da psicogenetica e alta luta Da natureza que parou chorando
De feixe de moleculas nervosas, No rudimentarismo do desejo! ...
Que, em desintegra<;öes maravilhosas,
Delibera, e depois, quer e executa! ("0 Lamento das Coisas")
("A Tdfü")
Mas a pastura existencial do poeta lembra o inverse do cien- d f Corno Baudelaire ( excl~indo embora as profundas diferen<;as
tismo: uma angUstia funda, letal, ante a fa-talidade que arrasta f e _orm~, Au~usto, das An1os canta a miseria da carne em putre-
~<;a~. ~~ nao ha, no atormentado paraibano, nenhuma con-
onde se mudou em 1910. Nos Ultimos meses de sua vida obteve o lugar v1ci;a<;> estetlca amadurecida, nem, por outro lado, complac&lcia
de diretor de um grupo escolar em Leopoldina, ai vindo a falecer, de pneu- satan1sta. Para o poeta do Eu, as fori;as da materia, que ul-
monia, aos trinta anos de idade. Obra: Eu, 1912; Eu e Outras Poesias,
1919, 30." ed., Rio, Livraria S. Jose, 1965. Consultar: Ür!"is Soares, "Elogio ~~ em todos os seres, e em particular no homem, conduze! 30
de Auguste das Anjos", Prefacia a Eu e Outras Poesias, cit.; AntOnio Tor· a e ao Nada, atraves de uma destrui~äo implac3vel· ele e 0
res, "O Poeta da Marte'', Pref. a 4.a ed., 1928; Agripino Grieco, Evalu~aa ebsplec~ador em agonia desse processo degenerescente ~J· o sfm~
da Paesia Brasileira, Rio, Ariel, 1932; Gilberto Freyre, Perfil de Euclides o o c o verme:
e Outros Perfis, Rio, Jose Olympia, 1944; Alvaro Lins, Jornal de Critica,
6.a serie, Rio, Jose Olympia, 1951; Joijo Pacheco, 0 Munda que ]ase Lins Ja o verme - este aperirio das ruinas
do Rega Fingiu, Rio, Simöes, 1958; Cavalcanti Proern;a, Augusto das An- Que o sangue podre das carnificinas
jos e Outras Ensaios, Rio, Jose Olympia, 1959; Anatol Rosenfeld, Daze Come, e a vida em geral declara guerra,
Estudos, S. Paula, Comissäo Estadual de Cultura, 1959; Ant6nia Houaiss,
Seis Poetas e um Prablema, Rio, MEC, 1960; Horicio de Almeida, Augus- Anda a espreitar meus olhos para roe.1 0 ~
ta das Anjas. Raz6es de Sua Angristia, Rio, Grifica Ouvidor, 1962; Hum- E h8 de deixar-me apenas os cabelos . „,
berto N6brega, Augusto das Anios e Sua Epoca, Joäo Pessoa, 1962; Jose Na frialdadc inorgänica da terra! '
Paula Paes, As Quatra Vidas de Augusto das Anjas, S. Paula, 1957. ("Psicologia de um Vencido")
0 interesse pelo poeta recrudesceu na decada de 70, em que safram:
Toda a Poesia de Augusta das Anjas e um estudo critico de Ferreira Gul- Ahl P~ra ele ~ que a carne podre fica,
lar, Rio, Paz e Terra, 1976; A. dos Anjos, Poesia e Prosa, ed. critica de E no 1nvent8r10 da matetia rica
Zenir Campos Reis, S. Paulo, Atica, 1977; Magalhäes Jr., Paesia e Vida Cabe aos seus filhos a maior por~o!
de Augusto das An;os, Rio, Civiliza<;äo Brasileira, 1977. ("0 Deus-Verme")

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Se a vida ( carne, sangue, ins.tinto) nio tem outro destino Busca exteriorizar o perisamento
senio o de fabricar miasmaS de morte, qual podera ser a con- Que em suas fronetais cClulas guarda!
cepi;ao do amor ou do prazer em Augusto dos Anjos? Ha no ("0 Martirio do Ardsta")
poema Queixas Noturnas resposta para ambas as perguntas.
Sobre o amor: Ou
Sobre hist6rias de a.Illot o, inl"e~gar-me Cresce-lhe a intracef:ilica tortura,
~ väo, e inU.til, e improficuo, em suma; E de su'alma na caverna escura,
Näo sou capaz de amar mulher alguma, Fazenda ultra-epilCpticos esfor\os,
Nem ha mulher talyez capaz de amar-me. . ..... ········ ...... ·············· .. .
{"Mon6logo de uma Sombra")
E acerca do prazer, estes versos justamente celcbres:
Se algum dia o Prazer vier procurar-me, Mas näo se trata de aceitar certas palavras como poeticas
Dize a este monstro que eu fugi de casa! e de rejeitar outras por apoeticas. A critica, depois de interpre-
tar a cosmovisäo de um artista, näo lhe deve pedir senäo uma
0 asco da volupia ele o exprimiu com palavras de fogo, ao virtude: a expressividade. E toda expressividade leva, quando
visualizar na relai;äo entre os sexos apenas a matilha espantada repuxada at6 As rafzes, a inven<;äo, a constru<;äo, a formaliza<;io.
dos instintos, au, parodiando saraus cinicos, / bilhöes de cen· Nessa perspectiva, e que as palavras seräo ou näo necess3rias
trossomas apolinicos / na cJmara promiscua do vitellus. Redu· esteticamente. Ern Augusto dos Anjos, o jargäo cientifico e a
zindo o amor humano a cega e torpe luta de celulas, cujo fim termo t6:nico, tradicionalmente prosaicos, näo devem ser abstraf-
näo e senäo criar um projeto de cad3ver, o que resta a esse im- dos de um contexto que os exige e os justifica. Ao poeta do
piedoso desprezador das energias vitais? Uma aspirai;ao cantar- cosmos em dissolu<;äo, ao artista do mundo podre, fazia-se mis-
cida para a imortalidade gelida, mas luminosa, de outras mun- ter uma simbiose de termos que definissem toda a estrutura da
dos onde niio lateje a vida-instinto, a vida-carne, a vida-corrupi;äa: vi~a _( vocabulario fisico, qulmica e biol6gico) e termos que ex-
As minhas roupas, quere atC rompC-las! przmtssem o asco e o horror ante essa mesma existCncia imersa
Quero, arrancado das prisöes camais, no Mai. ·
Viver na luz <los astros imortais,
Abra\ado com todas as estrelas! Ambas as dimensöes c6smica c moral - determinam
("Queixas Notumas") assim, a linguagem que lhes e conatural. Exemplos probante~
väo transcri tos abaixo ( grifos meus ) :
Nesse momento, em que sentimos o reflexo de um outro ro-
E a consdencia do s:itiro se inferna,
mantismo - a idealista e espiritualista - , aproximam-se a blas- Reconhecendo, bebedo de sono
femo Augusto dos Anjos e o crente Cruz e Sausa. Na pr6pfia 3.nsi~ dionisfaca do ~ozo,
O poeta do Eu e um poeta eloqüente. 0 dramatica das Essa necessidade do horroroso
Que e talvez propriedade do carhono
suas tensöes, que iis vezes tende para o tragica do inelutavd, en·
contra forma ideal em quartetos de decassllabos fortemente ca· E autopsiandn a amarissima existencia.
denciados, em que säo copiosos os versos saficas, de manifes:a
sonoridade as rimas ricas e as palavras raras e esdrUxulas. Säa Analisem-se estas aproxima~öes nominais:
versos que' ficaram no ouvido de gerai;öes de adalescentes, pois misCria anatömica, espCcies sofredoras, desespero end§mico,
de adolescentes conservam um que da pedantisma dos autodi- mec~nica nefasta, estranguladora lei, agregados pereciveis, apo-
datas verdes, em geral acerbos e solitarios. E verdade que:aa drect"!entos musculares, heranr;a misertlvel de micr6bios, cuspo
gosto de nossos dias repugnam versos violentamente prosaicos afrodzsiaco, intraceftllica tortura, aspereza orogrtifica do mun-
como estes: Jo, fone1nas acres, fotosferas mortas, g§iser deletCrio, sangue po-

326 327
dre, cämara promiscua do-~ vitell11S, microorganismos fUnebres, A PROSA DE Flc<;:AO
atomica desordem, energia abandonada.
Pela origem e natureza da sua estetica, o Simbolismo ten-
Ern todas as expressöes, as realidades c6smicas e v1ta.1.s
d.ia a expressar-se melhor na poesia da que nos generos em pro.
acham-se vinculadas a qualifica\Öes depressivas; au, vice-versa, a
sa, em geral mais analiticos e mais presas aos pad.röes do veros-
substantivos que indicam o mal e a morte estäo apostos adjeti·
sfmil e do coerente. E, de fato, a prosa narrativa, que no Ulti-
vos que lhes däo dimensöes vniversais. - mo quartel do seculo XIX, chegara a um ponto de alta maru-
Um invent3.rio mais minucioso apontaria as mllltiplas for· rac;äo em Rau! Pompeia, Aluisio Azevedo e Machado de Assis,
mas forjadas pelo poeta para criar efeitos de paradoxo e de pa- näa cantinuara a dar frutas de valor a näo ser em escritores des.
roxismo, pois o contraste e a hipc!rbole säo os pilares da sua ex· te seculo, de formac;äo realista, como Lima Barreto, Grac;a Ara-
pressäo convulsa. Eis alguns versos estruturados em fun~äo de nha e Simöes Lopes Neto.
um clfmax semäntico-sonoro: Isto näo quer dizer que os nossos decadentes näo hajam
Tisica, tCnue, minima, raquitica. tentada as viirias sendas da prasa: o romance, a conto, a cröni-
ca, a prosa de arte, a crftica. Fizeram-no difusa e capiosamente,
Saxeo, de asfalto rijo, atro e vidrento.
mas com prec3.rias resultadas, a excei;äo, talvez, de Nestor Vitor,
Cinzas, caixas cranianas, cartilagens o maior.crftico do Simbolismo (v.). 0 "poema em prosa", de
........ „ .......................... . que haviam dado exemplos Baudelaire e Rimbaud, e genero di-
ficil, pois näo se tolera por muito tempo a indefini~äo ou a va-
de aberrat6rias abstrar;öes abstrusas.
guidade no discursa näo rftmica, a näa ser que essas caracterfsti·
Arda, fustigue, queime, corte, morda! cas sejam compensadas por uma forc;a rara de fantasia. As Can-
Bruto, de errante rio, alto e h6rrido, o urro foes sem Metro de Rau! Pompeia, embora inferiores ao Ateneu,
Reboava. parecem-mc de leitura mais agradavel que as pr6prias Evocafoes
A hfspida aresta s:ivea 3.spera e abrupta.
de Cruz e Sousa, näo obstante a grandeza deste como poeta. Mas
foi o modelo menos feliz que proliferou nos primeiros anos do
E fato, tambem, que levado por sua hiper-sensibilidade so- seculo. E fato lamentado por um especialista em "literarura
nora, algumas vezes o poeta cria efeitos musicais que tendem a 1900", Brito Broca: " ... as boas heranc;as da poesia simbolista
valer por si mesmos, independentes (no que e possivel) da sua poucos as colheram, enquanto as m3.s herani;as da prosa encon-
fun\äo semäntica. h o que justifica estudos minudentes como o traram terreno fertil e propicio para desenvolver-se entre n6s.
de Cavalcanti Proen\a, que arrolou as numerosas alitera~öes e Desde o come~o do seculo que se implantou em nossas revistas
os jogos foneticos de A. dos Anjas, indicando, tambem, com litercirias e mundanas, com vinhetas e ilustrai;öes, um genera de
muita felicidade, a filia~äo de certos ritmos seus a poesia de Ce- crönica meio poem3.tica, especie de divagac;äo fantasista sobre mo...
sario Verde e de Guerra Junqueiro ( 231 ). A rigor, porem, niio tivos abstratos, mero jogo de palavras, em que se exercitavam a
se trata de um cultor da arte pela arte, entendida a maneira par- habilidade e o engenho verbal dos autores. Era assimil3'äo do
nasiana. Seus processos literarios, basicamente projetivos, si- pior Simbolismo pelo pior Parnasianismo, e o tipo perfeito desse
1
tuam-no entre a ret6rica "cientifica' das anos de 70 e a inflexäo mal da literatice, que se tarnau um dos principais alvos das mo-
simbolista das princfpios da sc!culo. Esse encontra, irregular dernis tas ". ( 282 ) .
para o tempo, deu-lhe a marca da originalidade pela qua! ainda A revista Fon-Fon!, refU.gia das crepusculares da Ultima ge-
hoje e estimado. rac;äo simbolista, da exemplo desses peri6dicos de que fala Bri-

( 231) "0 Artesanato em Augusto dos Anjas", em Augusto dos An- (232) Brito Broca, "Quando teria com~ado o Modernismo?" in
jas e Outros Ensaios, pp. 85-149. Letras e Artes, Supl. Liter3.rio de A Manhä, Rio, 20-7-1952. '

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to Broca. E a epoca ilurea-tlo art,,,,ouveau, ou liberty, cstilo ar- Nestor Vltor, com Amigos (1900), c Rocha Pombo, com No
quitetönico e decorativo cjuc sc pode considerar uma resistei>da Hosplcio ( 1906). 0 livro de Gonzaga Duque tem importincia
a
do artesanato e do ornamento floreal seria~äo anönima a quc dor.umental: narra as aventuras de um grupo estctizante, os "Ca-
a indllstria comei;ava a reduzir as artes aplicadas ( 2sa). valeiros da Espiritualidade", boemios intoxicados de poesia e
A prosa ornamental de Coelho Neto, incerta entre o Rcalis- de pintura francesa /in de siecle, paradigmas .daquela atitude na
mo e o Decadentismo, ja prenunciav-t, es_sa linha que iria prolon- verdade muito sensual e nada espiritual que levaria o severo Cro-
gar-se por toda a belle epoque. Mas viria de simbolistas de es- ce a definir o imaginoso D'Annunzio "dilettante di sensazioni".
treita observiincia, como Lima Campos, Gonzaga Duque, Rocha A diferen~a esta na qualidade literaria, no caso o melhor divisor
Pombo e Nestor Vitor, o esfor~o mais sistematico de criar uma de aguas: se o decadente italiano era um estilista culto e vigoro-
prosa poetica em moldes realmenre originais. Ern nossa lingua, so, o nosso Gonzaga Duque näo ultrapassava, cm geral, a mcra
antes das experiencias de Cruz e Sousa ( Missais, 1893), conhe- verborragia.
cia-se a obra do escritor portugues Joäo Barreira, Gouaches, ap6- Tarnbern o romance de Nestor Vftor centra-se na hist6ria
logos e fantasias intimistas; mas os modelos mais influentes vi- m6rbida de um grupo de jovens, todos estigmatizados por tiques
nham, naturalmente, da Fran~a: os poemas em prosa de Aloysius e taras bastantes para empurr3-los a uma existencia irregular c
Bemand e de Baudelaire, as Illuminations ( que significam "ilu- marginal, em busca de imposslveis evasöes. E sintomatico o
minai;öes", mas tambfm "iluminuras") de Rimbaud, Axel de apelo que os simbolistas fazem a esfera da anormalidade, tanto
Villiers de L'Isle Adam, as paginas ocultistas de Siir Peladan, flsica quanto espiritual, situa~äo que, cm vez de acachapar as
assistente rosa-cruz em Paris, e, na prosa ficcional de estofo ideo- personagens a moda de Zola, permite-lhes o acesso a uma vida
16gico neo-romiintico, A Rebours, En route e La Cathedrale de "diferente" e "superior". 0 elogio da loucura, sobretudo quan·
Huysmans, retratos consumados de um ideal de vida evasionista. do esta aparece com matizes esquizofrenicos, vira lugar-comum
Da mole de contos, quadros, fantasias e devaneios em pro- nessa fic~äo que da resolutamente as costas ao cotidiano e ao
sa escritos nessa epoca, ~ justo que se ressalvem algumas obras terra-a-teria. 0 que näo soa täo estranho cm poesia, pela pr6-
representativas da forma mentis simbolista entre n6s: pria tradi~äo sublimadora e distanciadora da llrica ocidental, cho-
Signos ( 1897), de Nestor Vftor, em gue o atilado crltico ca no romance que, desde o seculo XVIII, se tem mostrado com·
do movimento trabalha uma linguagem exiiressionista avant la prometido com as realidades s6cio-hist6ricas, mesmo na sua va-
lettre, cujo exemplo mais serio e a novela "Sapo", hist6ria de riante passional e romantica.
um rapaz que se alheia radicalmente da sociedade ate ver-se um Enfim, prova cabal do vezo de referir sublimes demencias
dia transformado em um animal repelen te "de malhas amarelas encontra-se no romance No Hospicio cujo autor foi, curiosamen-
c vcrde-escuras a cobrirem-lhe o corpo". Quem näo lembraril, te, um dos nossos mais conspfcuos historiadores, Jos~ Francis-
ao menos pela alegoria final, a Metamorfose, quc Kafka escrc- co da Rocha Pombo. Os crfticos que lhe tem dedicado mais
veria vinte anos depois? ateni;iio ( 234 ) falam de Poe e de Hoffmann como influencias pro-
Confessor Suprema ( 1904), de Lima Campos, contos fan- vaveis no espfrito e na fatura da obra. E observa~äo que se
tasticos ou onfricos, mas elaborados em uma prosa frouxa e re- deve tomar cum grano salis, pois desses romänticos intensamen-
t6rica que dilui o impacto da mensagem psicol6gica; e te criadores o nosso Rocha Pombo herdou apenas o gosto do
Horto de Magoas (1914 ), de Gonzaga Duque, livro de con- quadro narrativo exccpcional (um hospkio onde um jovem sen-
tos nefelibatas. sfvel foi criminosamente internado pelo pai), mas näo foi capaz
Tentativas mais ambiciosas de romance anti-realista fize- de imitar-lhes a arte de sugerir atmosferas pesadelares, pois ca-
~am-nas o mcsmo Gonzaga Duquc, com Mocidade Morta ( 1897), recia de recursos formais para tanto.

( 233) V. o excelente ensaio de Fl<ivio Motta, Contribuifäo ao Estu-


do do "Art Nouveau" no Brasil, tese universitliria, Faculdade de Arquite- (234). Andrade Muricy, op. eil., pp. 204-209, e Massaud MoisCs,
tura e Urbanismo da U.S.P„ 1%7. op. cit., pp. 250-258.

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0 PENSAMENro CR1TICO Com efeito, tudo o predispunha a esse papel: a sensibilida-
de vibratil, expressa nos versos decadentes de Transfigurttfoes
A crltica oficial dos fins do seculo XIX, representada pela ( 1902), nas novelas de Signos e nas paginas sobrc a cidade de
trlade S!lvio Romero-Jose Verlssimo-Araripe Jr., foi, em geral, Paris (Paris, 1911 ), que lhe valeram do insuspeito S!lvio Rome-
hostil aos simbolistas; e, mesmo quando se mostrou tolerante ro o elogio de "no genero, o mais complexo dos escritores bra-
ou, excepcionalmente, simpatica a, fi&ura isolada de Cruz e Sou- sileiros"; a preferencia absoluta que dava as leituras apaixona-
sa, näo pOde, nem poderia tofniif-se a consciencia reflexa de uma das e individualistas (Nietzsche, lbsen, Maeterlinck, do qua! tra-
corrente que se afirmara contra o Realismo em literatura e o Po- duziu A Sahedoria e o Destino); enfim, o espiritualismo e o in-
sitivismo em filosofia. Foi do interior do movimento que nas- timismo inerentes a sua concep-;äo de poesia.
ceram os criterios conaturais aos valores encarecidos por seus A sua presen,a na cultura brasileira näo se restringiu a de,
poetas ( 235 ), Daf, terem sido militantes simbolistas seus me- fesa do autor de Far6is ante a incompreensäo parnasiana. Nes-
lhores crlticos: Gonzaga Duque e Nestor Vitor. tor Vitor foi tambem um leitor sensfvel e inteligente de grandes
O primeiro s6 nos interessa obliquamente. Foi um amador escritores estrangeiros mal conhecidos entre n6s como Novalis
das artes plasticas, escrevendo suas impressöes finas e !Ucidas so- c Emerson, em cujas paginas julgava reconhecer os mesmos tra-
bre pintores e decoradores do tempo. Folheando Graves e Fri- ~os lfricos e mfsticos da sua personalidade. E claro que uma alra
volos (1910) e Contemporaneos (1929), entramos em contato dose de impressionismo orientava as suas interpreta~Oes; o que
com um connaisseur de gosto afinado com os impressionistas, en- niio impede o fato de serem algumas delas fundamentalmente
tusiasta de Puvis de Chavannes e do art nouveau que chegara justas. Eis, por exemplo, o fecho de uma pagina sua sobre
ao Rio na pena dos ilustradores da Careta, do Fon-Fon!, do Ma- Nietzsche:
lho, da Avenida, da Renascen(a, do Kosmos, e do pincel orna-
Louco embora, sua loucura, entanto, C venerßvel; Nietzsche ago-
mental de Eliseu Visconti que lhe tra~ou um belo retrato. Dada ra ficara no mundo como um olho rubro, scm pa:Ipebras, a perse.
a contlnua imbrica~äo do gösto simbolista com as artes em geral guir todos os comediantes com preteosöes a serem tomados a Kri.o,
(lembre-se a doutrina das "correspondf:ncias"), nio se deve su- todas as fofidades, todas as falsas quaotidades prctendentcs a uma
bestimar o papel exercido por Gonzaga Duque como crltico es- cota~o.
pecializado, talvez o primeiro na hist6ria da nossa cultura. Se näo tiveres confian~ cm teu valor, oäo o leias; sc a tcns,
eocontra-te com ele: na volta h:is de confessar que reconheces va-
Mas e s6 com Nestor Vftor ( 286 ) que a Corrente encontra ler menos um pouco do que supunhas.
o seu claro espelho, Quem fixa atentamente os olhos deste louco, nuoca mais o
abandona. Para quem tenha valor, cles scräo sempre uns olbos
duros, implac8veis, mas amigos; para os seres falsos, para as fal-
(235) V. "Da Critica do Simbolismo pelos Simbolistas", in Anais
sas intelig€ncias, para os falsos cora~s, eles seräo sempre uma
do I Congresso Brasileiro de Critica e Hist6ria Literaria, Rio, Tempo Bra- ironia corrosiva, um sarcasmo dissolvente, impiedosos e fatais (A
sileiro, 1964, pp, 235-266,
( 236) NESTOR ViroR oos SANTos ( Paranagu8 1 Paranai 1868 - Rio, Critica de Ontem).
1932). Fez as primeiras letras na cidade natal e af, adolescente, tomou
parte ativa em campanhas abolicionistaS e republicanas. Indo para o Rio Verfssimo, 1914; reprcseota~o junto a C8.mara Legislativa do ~aran4,
1917 1923) e a crftica liter8ria, voltada primeiro para a exalt~o dos
de Janeiro, freqüentou o Externato Joäo de Deus e passou a militar na simi;,listas e nos Ultimos anos tambem para a intelig€ncia das oovos.
imprensa. A partir de 1893 liga-se a Cruz e Sousa por vinculos de ami- Outras obras: A Hora, 1901; Paris, 1911; A Terra do Futuro, .1913;. 0
zade e admira~äo, de que dara: testemunhos apOs a morte do poeta dedi- Elogio da Crian~a. 1915; Tres Romancistas do Norte, 1915; Parias Bnto,
cando-Ihe dois ensaios, Cruz e Sousa {1899) e 0 Elogio do Amigo (1921) 1917; A Critica de Ontem, 1919; Folhas que Ficam, 1920; c_artas a <:?e'!te
e publicando-lhe Far6is e ültimos Sonetos alCm da edi~ da obra com. Nova, 1924; Os de Hoie. Figuras do Movimento Modernzsta B:asilet~o,
pleta, em 1923. De 1902 a 1905 esteve em Paris como correspondente do 1938. Consultar: Tristäo de Atafde, Primeiros Estudos ( 1919L ~o, ~,
Correio Paulistano e de 0 Pais para os quais redigiu crönicas sobre a
vida e a arte francesa. Retornando ao Brasil, reparte as suas atividades
1948; Jackson de Figueiredo, Pref:icio das Cartas a Genie Nova, Ctt„·wn.
son Martins, A Critica Litertlria no Brasil, S. Pal.~lo, Depto. de Cul~,
entre o magistCrio ( ColCgio Pedro II}, a politica ( Campanha Civilista de 1952· Tasso da Silveira Apresenta~äo a Nestor Vttor - Prosa e Poesia,
Rui Barbosa, 1909; Liga Brasileira pelos Aliados, junto com Rui e Jos6 Rio, 'Agir, 1963; Massa~d Maises, 0 Simbolismo, cit.
332 JJJ
Esplrito aberto b varias tendendas do pensamento e da verne e Magalhäes, os llderes da Escola do Recife, Tobias Barre-
arte p6>-naturalista, Nestor Vltor parece-nos hoje, um pouco tal· to, Silvio Romero e, lateralmente, Capistrano de Abreu deram
vez como Araripe Jr., mais um semeador ecletico de ideias quc, o tom ao que seria a mentalidade dos realistas e parnasianos,
a rigor, um critico dos valores estritamente literBrios da obra. voltados para a explora~äo da imanencia social e psicol6gica. Ce.
Pode-se, porem, confiar no tacto do seu impressionismo. Eie ticos foram Machado de Assis, Rau! Pompeia, Aluisio Azevedo e
compreendeu, por exemplo, que o itlte•essc pelos problemas na- Adolfo Caminha; indiferentes, Bilac, Raimundo, Alberto de Oli-
cionais tra,ara um sulco inapagavel antes do Modcrnismo; c, veira; positivistas confessos, lngles de Sousa e Vicente de Car-
sobrevindo este, soube logo discernir os seus pontos altes: e um valho. No que acompanhavam, repita-se, modos de pcnsar e de
prazer ve-lo, sexagenilio, entusiasmar~se com a leitura de Ma· scnür ~ristalizados· pcla burguesia culta europeia. Tal corrente
cunaima de Marie de Andrade ou des poemas afro-nordestinos seria ":'nda_ considerayel no primeiro vintenio do secu!o quando
de Jorge de Lima. a '.""prurunam os ma1ores criticos realistas e leigos da l.' Repu·
A meio caminho entre o psicologismo e a analise ideol6gica, blica: Euclides da Cunha, Lima Barreto, Monteiro Lobato Joäo
N. Vftor näo se perdeu, por isso, em obras esteticamente infe- Ribeiro, Vicente Licinio Cardoso. _ . '
riores. A escolha previa de um Ibsen, de um Novalis ou do nos- No entanto, murado nessa area, existiu o Simbolismo ecoan-
so Cruz e Sousa ja e garantia do nivel de seu gosto; e, o que do uma inflexäo de certas camadas da consciencia europ6.. paro
importa numa perspectiva hist6rica mais lata, era sinal de uma as zonas obscuras da realidade humana; inflexäo que tcve em
critica afastada dos padröes parnasianos vigentes no comet;o do Bergson o seu pcnsador mais fecundo e certamente o mais lido.
seculo. 0 seu Simbolismo !Ucido, dando as costas aos valores A obra do autor de Matiere et Memoire fornecia aquele supple-
acadfmicos, pöde aproximar·se com simpatia das vanguardas mo-. ment d'lime que as elites em crise passaram a exigir da filosofia.
dernistas. E esta, no afä de responder as novas necessidades, enveredou por
ismos d.iversos: intuicionismo, vitalismo, psicologismo, panpsi-
O Simbolismo e o "renouveau catholiqoe" (237). quismo, irracionalismo, neo-idealismo. _ . Entre n6s foi scnsl-
vel il. viragem um pensador solitario, infcnso lis doutrlnas mate-
Os simbolistas brasileiros, a exemplo Clos seus modelos, en- rialistas que o haviam formado na juventude, Raimundo de Pa-
rias Bri to ( 238 ) .
tenderam restaurar o culto dos valores espirituais e, entre estes,
o religioso. (2
39
) RAIMUNDO DE FARIAS BRITO (Sao Benedito, Prov. do Ceara
Nä:o se tratava, e 6bvio, de uma op~äo 11 confessional": as 1862. - Rio, 1917). Obras filos6ficas: Finalidade do Mundo (Estudo;
institui~öes religiosas oficiais, isto e, as igrejas, ignoraram quan- de Filosofta e Teleologia Naturalista). I. A Filosofia como Atividadc Per-
do näo hostilizaram o surto estetico-mfstico a que nos referimos manente no Espirito Humano, 1894; II. A Filosofia Moderna, 1899; III.
paginas atras ( v. nota 222), falando do ocultismo de alguns 0 Munde como Atividade Intelectual, 1905; A Verdade como Regra das
Aföes (Ensaio de Filosofia Moral como Introdufäo ao Ert"'do do Direito),
dccadentes. Mas a faixa comum da cren~a no misterio aproxi- 1905; A Base Fisica do Espirito (Hist6ria Sumdria Problema da Men-
mava os simbolistas e as almas r:cligiosas na rea~äo contra a men- talidade como Preparafäo para o Estudo da Filosofia do Espirito) 1912·
talidade agn6stica que prevaleceu entre as elites da segunda me- 0 Munda Interior (Ensaio sobre os Dadas Gerais da Filosofia do E;pirito):
tade do seculo XIX. Essas elites, primeiro na Europa, depois 1914. Consultar: Jackson de Figueiredo, Algumas Re/lexöes sobre a Filo-
sofia de ~arias Brito, Rio, Rev. dos Tribunais, 1916; Almeida Magalhäes,
em um pals periferico como o nosso, eram, em geral, de extra- Parias Brtto e a Reafäo Espiritualista, Rio, Rev. dos Tribunais, 1918; Nes-
~äo burguesa, progressistas e liberais em polltica (da! terem apres- tor Vftor, Parias Brito. 0 Homem e a Obra, Siio Paulo, Cia. Ed. Naci<>
sado aqui a Aboli~äo e a Republica), positivas e evoludonistas nal, 1939; JOnatas Serrano, Parias Brito. 0 Homem e a Obra, S. Paulo,
em filosofia, ma~Onicas e anticlericais em face das estruturas re- Cia. Ed. Nacional, 1939; Sflvio Rabelo, Parias Brito ou uma Aventura do
Espirito, Rio, JosC Olyffipio, 1949; Gilberto Freyre, Perfil de Euclides e
ligiosas. Ern luta contra o catolicismo romiintico de Monte Al- Outros Perfis, Rio, JosC Olympia, 1944; Laerte Ramos de Carvalho, A
Form(lfäo Pilos6fica de Parias Brito, S. Paulo, Boletim n.• 151 da Fac. de
( 237) V. Tristiio de Ataide, "A Rea~iio Espiritualista", em A Lite-
Filosofia, Ci~ncias c Letras da U. S. P„ 19.51; Carlos Lopes de Matos, 0
ratura no Brasil (org. por Afrinio Coutinho), vol. III, t. 1, pp. 39.5428. Pensamento de Parias Brito, S. Paulo, Hcrdcr, 1962.

334 335
"Mestre sem discl-pulos", no,....dizer um tanto radical de Gil- rege ( "opportet esse haeresias", disse Santo Agostinho ... ) e
dencia espiritualista, que j:f fora vivida em termos de literatura usou-as contra o advers3rio comum, o eteismo materialista. Sem
berto Freyre, o fil6sofo cearense representou, porem, a nova ten- Bergson haveria um Jacques Maritain? E quanto os nossos ca-
pelos poetas simbolistas, e que escritores cat6licos de antes e de- t6licos mais dogm3ticos, um Jackson e um Leonel Franc:a, näo
pois do Modernismo iriam canalizar. Näo que Farias Brito pu- exali;aram o espinosiano Farias Brito!
desse inscrever-se na ortodoxia da ~reja da qua! o afastava o . No campo das ideias politicas, a verifica,äo da impotencia
seu pantelsmo ora latente orä 'patente; mas, centrando na cons- do liberalismo para resolver os problemas sociais empurrou qua-
ciencia as realidades c6smicas e humanas, ele fazia causa comum se todos o~ neocat6licos para doutrinas prf-burguesas e, no con-
com as tendencias antipositivistas. Dal o terem-lhe dedicado en- texto, reac1on8rias: o monarquismo, o corporativismo, e, ap6s a
saios entusi:ästicos alguns das principais nomes do catolicismo I Guerra, o fascismo ( no Brasil, a forma mitigada deste o inte-
brasileiro: Jackson de Figueiredo, Almeida Magalhäes, e Jönatas gralismo ). 0 primeiro momento da fusäo do dogma eo.;, a pra-
Serrano. xis sectaria foi ilustrado pelos artigos de Carlos de Laet ( 1847-
E preciso reconhecer, porem, o quanto foram limitados esses -1927), c~nde papalino e monarquista fanatico; depois, a fusäo
ecos; e voltar, sem exageros, 3 frase de Gilberto Freyre: "um reapare~er1a, em nfvel humano mais alto, na prosa vibrante de
mestre sem discipulos". A razäo parece, hoje, clara: o seu pen- um tlp1co nacionalista de direita li Maurras, Jackson de Figuei-
samento manteve-se desvinculado dos problemas da na,äo que, redo ( 240 ), que, convertido de uma posi>äo anticlerical virulen-
na epoca, melhor se refletiram no determinismo social ou etnico ta a uma forma näo menos virulenta de catolicismo, fundou o
( Silvio Romero, Artur Orlando, Nina Rodrigues, Pedro Lessa) Centro Dom Vital e a revista A Ordem e entrou a defender o
c no evolucionismo jurldico ( Cl6vis Bevilacqua, Pedro Lessa ... ) governo conservador de Artur Bernardes contra as investidas li-
De Bevilacqua, o "santo" do Positivismo, e esta afirma~äo que berais dos "tenentes".
resume o vetor cultural do periodo: "Se algum dia pudermos Hoje, e facil distinguir na sua obra o que significou um en-
alcan,ar mais significativa produ,äo filos6fica, estou convencido riquecimento da cultura religiosa no Brasil e o que representava
de que ela näo surgira dos cimos da metaflsica" ( 239 ). Os li- apenas um fruto de atitudes polemicas, onde havia muito equivo-
vros de Farias Brito significavam a tentativa de colher o humano co e paixäo e nenhuma lucida an:ilise da nossa realidade a luz
universal alem dos condicionamentos hist6ricos. Üra', as elites do Cristianismo. A sua contribui,äo para a hist6ria da filosofia
brasileiras de entäo näo solicitavam tal esfor,o especulativo. Por no Brasil esta no ensaio Pascal e a Inquietafäo Moderna, publi-
outro lado, as gera~öes que buscaram mais tarde uma reflexäo cado no ano crltico da "Semana". Trabalho de erudi!lio, mas
metaflsica da existencia deveriam abeberar-se diretamente nas tambfm de sfntese, escreveu-o com o intuito de encarnar na fi-
fontes europeias, quer dentro da neotomismo, quer do bergso- gura do genio frances todas as "tenta~öes" do mundo moderno.
nismo, quer do idealismo, quer, enfim, do existencialismo. (240~ JA~KSON D~ FIGUEIREDO (Aracaju, Sergipe, 1891-Rio,1928).
Por tudo isso, a figura de Parias Brito continuou nobre, Obras pr1nc1pa1s: Xavter Marques, 1913; Algumas Reflexöes sobre a Fi-
mas irreparavelmente solit3ria. losofia de Parias Brito, 1916; A Questäo Social na Filosofia de Parias Brito
Indiretamente, porem, a ittflexäo espiritualista beneficiou 1919; Humilhados e Luminosos, 1921; Do Nacionalismo na Hora Presen:
as correntes cat6licas ortodoxas .. 0 ultimo quartel do seculo te,. ~921; A Rear;äo do Bom Senso. Contra o Demagogismo e a Anarqui4
Mtlttar, 1922; Pascal e a Inquietar;iio ModerntJ, 1922; Auta de Sousa 1924·
XIX e o momento em que renasce a Escolastica; mas esta, sem Afirmar;öes, 1924; Literatura Reacionliria, 1924; A Coluna de Fogo' 192,:
o poderoso impulso dado por Bergson e Blonde! a metafisica, di- Durval de Morais e os Poetas de Nossa SenhortJ, 1926. P6stumos: Äevum:
ficilmente sairia do ambito dos seminarios. Ern polemica com o 1932; Correspondtncia, 1946. Consultar: 'fristäo de Ataide, Estudos 3.•
imanentismo e o pantelsmo latentes nas formas modernas de re- serie, Rio, A Ordem, 1930; Agripino Grieco, Gente Nova do BrtJsil, 'ruo
flexio religiosa, a ortodoxia mutuou armas com o bem-vindo he- l?se Olympio, 1935; Tasso da Silveira, ]tZCkson, Rio, Agir, 1945; Fran:
c1sco lglesias, "Estudo sobre o Pensamento Reacionirio", in RevisttJ BrtJ-
(239) Cl6vis Bevilacqua, Esbor;os e Fragmentos, p. 25, apud Cruz sileira ~e Citncias Sociais, II/2, jullio de 1962; Lufs Washington Vita,
Costa, 0 Desenvolvimento da Filosofia no Brasil no Seculo XIX e a Evo- Antologta do Pensamento Social e Politico no Brasil, S. Paulo Grija1-
~ l~ •
lur;iio Hist6rica Nacional, tese de catedra, Fac. de Filosofia, U. S. P., 1950.

336 337
Boa parte do livro cons_iste na -analise da pos1~ao jansenista da
Pascal das Provinciais, erri quem Jackson vislumbra " individua-
lismo" e "orgulho", que os Pensamentos iriam mais tarde corri-
gir e superar, integrando-se assim na ortodoxia cat6lica.
Ancorado nessa posi~äo, Jackson passou a militar no jorna-
lismo, transpondo os terrnos mit~s . de Ordern, Hierarquia e
Autoridade para a area das' op~öes polfticas. O pais vivia um
momento gravido de veleidades revolucionarias, centradas no
fenömeno da tenentismo, de ideologia ainda incerta, mas, de qual-
quer forma, renovadora e contraria as oligarquias e as farsas elei-
torais da I Republica. Ora, Jackson, confundindo os planos e
partindo de conceitos vagos para definir e julgar as contingen-
cias hist6ricas, acreditou-se na obriga~äo de defender a "Ordem",
no caso, a politica federal, estigmatizando todas as tentativa~ de
impugna-la. Quis ser, e foi, ate a morte, o panfletario da con- V 11
tra-revolu~äo.
Mas a justi~a exige que se entenda o desapego pessoal e ate
mesmo o "nacionalismo" passional dessa posi~äo. Tudo o que PRE·MODERNISMO
Jackson detestava era 0 liberalismo romantico e anarquizante quc,
a seu ver, desaguava no ceticismo religioso, no amoralismo, nö
· 1
E
desprezo das tradi~öes nacionais. E ele o combatia com a vio-
lencia de um ingenuo oe6fito que, movido pelos sentimentos, sc MODERNISMO
cre 0 mais razoavel dentre OS defensores da Razäo. . . E e a sua 1
correspondencia ardente com os amigos que nos revela esse ro-
mantismo congenito mal exorcizado.
Ern ritmo paralelo, mas guardando as devidas distancias de
uma o~äo politica sectaria, o pensamento cat6lico oficial orga·
nizava-se na obra coesa do Padre Leonel Franca S. J., tomista
ortodoxo, autor das estimaveis No(öe~ de Hist6ria da Filosofia,
alem de livros de polemica antiprotestante.
A op~äo conservadora da cultura mais ligada a Jackson de
Figueiredo e ao Pe. Leonel Franca ainda se manteria atuante ate
as vesperas da II Guerra. A -partir desta e, precisamente, cm : 1

face da Guerra Civil de Espanha, acende-se no mundo cat6lico


a querela entre os tradicionalistas ( ditos "integristas") c os pro-
gressistas, criando-se nos meios 9rtodoxos condi~öes para a pas-
sagem a posi~öes abertas conhecidas como "democracia cristii"
( Maritain, Sturzo) e "socialismo cristäo" ( Mounier, na linha
de Peguy). Entre n6s, ambas as correntes encontraram um lu-
cido interprete na figura de Alceu de Amoroso Lima ( Tristäo
de Ataide), cuja atividade literaria sera analisada no t6pko re-
ferente a crftica contemporanea.

JJB
PRESSUPOSTOS HIST6RICOS

0 que a cdtica nacional chama, ha meio seculo, Modernis-


mo esta condicionado por um acontecimento, isto e, por algo
datado, publico e clamoroso, que se impös a aten\äo da nossa
inteligencia ,como um divisor de aguas: a Semana de Arte Mo-
derna, realizada em fevereiro de 1922, na cidade de Sao Paula.
Corno os promotores da Semana traziam, de fato, ideias es-
tfticas originais em relac;äo 3s nossas Ultimas correntes litercirias,
jS em agonia, o Parnasianismo e o Simbolismo, pareceu aos his-
toriadores da cultura brasileira que modernista fasse adjetivo bas-
tante para definir o estilo dos novos, e Modernismo tudo o que
se viesse a escrever sob o signo de 22. Os termos, contudo, säo
täo polivalentes que acabam näo dizendo muito, a näo ser que
se determinem, por tds da sua vaguidade:
a) as situa\Öes s6cio-culturais que marcaram a vida brasi-
leira desde 0 come\O do seculo;
b) as correntes de vanguarda europeias que, ja antes da I
Guerra, tinham radicalizado e transfigurado a heran\a do Realis-
mo e do Decadentismo.
Pela analise das primeiras entende-se o porqu~ de ter sido
Säo Paula o nucleo irradiador do Modernismo; as instilncias ora
nacionalistas, ora cosmopolitas do movimento; as suas faces ideo-
logicamente conflitantes.
Gra\as ao conhecimento das vanguardas europeias, podemos
situar com mais clareza as opc;öes estfticas da Semana e a evolu-
\Öo dos escritores que dela participaram.

*
A chamada Republica Velha ( 1894-1930 aprox.) assentava-se
na hegemonia dos proprietarios rurais de Silo Paula e de Minas
Gerais, regendo-se pela polltica dos governadores, o "cafc com

341
leite", fOrmula que reconhe<:.ia a lavoura cafeeira somada 9. pe- a) - uma visäo do mundo estatica quando näo saudosista ·
cu3ria o devido peso nas di:cisöes econömicas e politicas do pai'.s. b) - uma ideologia liberal com tra~os anarc6ides; '
A solidez desse regime dependia, em grande parte, do equi- . c) . - um complexo mental pequeno-burgu€s, de classe me-
librio entre a produi;äo e as exportai;öes de cafe; o que foi cedo d1a, oscdante entre o puro ressentimento e o reformismo ( 242);
previsto pelos grandes fazendeiros, que delegaram ao Estado o d) - uma atitude revolucionaria.
papel de comprador dos excedentes fljlra. garantia de prei;os em
face das oscilai;öes do mercadö ( 241 ) . N~o se deve esquecer, porCm, que esse esquema indicativo
E claro que a camada de "nobreza" fundi3ria, via de regra s6 funciona qu~nd_o articulado ,com a realid~de de um Brasil plu-
conservadora, näo esgotava a faixa do que se costuma chamar r~l, onde os n1ve1s de consc1enc1a se man1festavam em rltmos
"classes dominantes". Havia, num matizado segundo plano, cliversos. ~ssim, os conflitos deram-se em tempos e lugares cli-
atuante e valido em termos de opiniäo: uma burguesia industrial ferentes, nao raro parecendo exprimir tensöes meramente locais.
incipiente em Säo Paulo e no Rio de Janeiro; profissionais li- S6 para exemplificar: o nucleo jaguni;o de Canudos materia de
berais; e, fen6meno sul-americano tipico, um respeit~vel grupo 0~, Sertöes de Euclides da Cun.ha, o fenömeno do ca~gac;o, 0 "ca-
intersticial, o Exercito, que, embora economicamente preso aos so do Padre Cicero em J uazeiro, no primeiro quartel do seculo
estratos medios, vinha exercendo desde a proclamai;äo da Re- refletiram a situac;äo crft~ca de ll?J Nordeste marginalizado e, por:
publica, um papel politico de relevo. tanto!. aderente a soluc;oes arca1cas. Os movimentos oper3rios
0 quadro geral da sociedade brasileira dos fins do seculo e~ Sao Paulo, durante a guerra de 1914-18 e logo depois, eram
vai-se transformando grai;as a processos de urbanizai;äo e il vinda smtoma de uma classe nova que j3 se debatia em angustiantes
de imigrantes europeus em levas cada vez maiores para o cen· problemas de sobreviv€ncia numa cidade em fase de industriali-
tro-sul. Paralelamente, deslocam-se au marginalizam-se os anti· za~äo. E as tentativas militares de 22, de 24, e a Coluna Pres-
gos escravos em vastas 3reas do pafs. Engrossam-se, em conse- tes, em 25, significavam a rea~äo de um grupo liberal-reformis-
qüencia, as fileiras da pequena classe media, da classe operw e ta mais af?ito que desejava golpear o status quo politico, o que
do subproletariado. Acelera-se ao mesmo tempo o declinio da s~ ocorreua com a Revolui;äo de 30. Estudados em si, esses mo-
cultura canavieira no Nordeste que näo pode competir, nem em ~1mentos tf:m uma histOria de todo independente; mas, no con-
capitais, nem em mäo-de-obra, com a ascensäo do cafe paulista. 1unt~, testemunham o estado geral de uma na~äo que se desen·
volvza tl custa de graves desequilibrios.
Um olhar, ainda que r8pido, para esse cÜnjunto mostra que
deviam separar-se cada vez mais os p6los da vida publica nacio- Seja como for, o intelectual brasileiro dos anos de 20 teve
nal: de um lado, arranjos pollticos manejados pelas oligarquias 51ue de~inir-se em f~ce desse quadro: as suas opi;öes väo colorir
rurais; de outro, os novos estratos s6cio-econ0micos que o po- 1deolog1camente a hteratura modernista.
der oficial näo representava. Ern u.m _nlv~l cultural_bem determinado, o contato que os
Do quadro emergem ideologias em conflito: o tradicionalis- setores ma1s mqmetos de Sao Paulo e do Rio mantinham com a
mo agdrio ajusta-se mal a ment~ inquieta dos centros urbanos, ~uropa dinamizaria as posic;öes tomadas, enriquecendo-as e ma-
permeßvel aos influxos europeus e norte-americanos na sua fai· t!zando-as. Comei;am a ser lidos os futuristas italianos os da-
xa burguesa, e rica de fermentos radicais nas suas camadas m~ dafstas e os surrealistas franceses. Ouve-se a nova mJsica de
dia e operMia. No limite, a situai;äo comportava: Debussy e de Millaud. Assiste-se ao teatro de Pirandello, ao ci-

422
( ) 0 tenentismo, como fenömeno ideolOgico de um ·
(241) Exemplo de medida defensiva foi o Convenio de Taubate .. 1 b" grupo !D·
(1906) pelo qua! tres cstados (Sio Paulo, Rio de Janeiro, Minas Genis) ~~!~~~~~,;, cod tnava tr~i;os d~ ideologia reformista da classe mCdia e do
a . do a burguesta: assllll, opunha-se aos arranjos das oligarquias
se oom.prom.eteram a retirar do mercado os accdcntcs de caf~ e aaegu-
rar o nlvcl dos p~ (CT. Cclso Furtado, Formariio Bcon~mi<4 4o Briuil, :;r r1~s o centro-~ul, que näo lhe cediam um quinhäo do poder; mas n.9.o
Rio, Fundo de Cultura, 1959). sumia a pers~cttva ~as. classes mais pobres, de que o separavam. 8 ori-
gem e a formai;ao prof1ss1onal dos "tenentes".

342 343
nema de Chaplin. Conhece-se o .eubismo de Picasso, o primiti- Machado · .. ) , enfim, alguns escritores mais tensos e intuitivos
vismo da Escola de Paris, o expressionismo plastico alemäo. Ja que os precederam ( Euclides, Oliveira Viana, Lima Barreto Gra-
se fala da psicanalise de Freud, do relativismo de Einstein, do ~a Ar~a, Monteiro Lobato . .. } viveram com maior ou ~enor
intuicionismo de Bergsan. Chegam, enfim, os primeiros ecos dramatt.c1dade uma consciencia dividida entre a sedu,äo da "cul-
da revolu~äo russa, do anarquismo espanhol, do sindicalismo e ~· o_c1dental" e as exig~ncias do seu povo, mU!tiplo nas ra!zes
do fascismo italiano. ....
Falando de um modo generico, e a sedrn;äo do irracionalis·
hist~r1~as _e na dispersäo geografica. Corno no Romantismo, a
coexistenc1~ deu-se de forma din3mica e progressiva: e se na pres-
mo, como atitude existencial e estetica, que da o tarn aos novos sa dos marufestos houve apenas colagem de materia-prima nacio-
grupos, ditos modernistas, e lhes infunde aquele tom agressivo nal e m6dulos europeus, nos frutos maduros do movimento se
com que se pöem em campo para demolir as colunas parnasia- reconhece a explora,äo feliz das potencialidades formais da cul-
nas e o academismo em geral. ti:ra b~asileira.. Provam-no a f~c~äo de Mario de Andrade, a poe-
s1a reg1onal-un1versal de Bandetra, o ensa!smo de Tristäo de Ata[.
Irracionalistas foram: a primeira poetica de Mario de An- de e de Gilberto Freyre, a pintura de Tarsila e de Portinari a
drade, o Manuel Bandeira te6rico do "alumbramento" e todo o escultura de Brecheret, a musica de Villa-Lobos. '
roteiro de Oswald de Andrade. Presos ao decadentismo esteti-
zante, Guilherme de Almeida e Menotti del Picchia. Primitivis-
ta, Cassiano Ricardo. Na verdade, "desvairismo", upau-brasil",
"antropofagia", "anta" ... exprimem tendencias evaslonistas que
permearam toda a fase dita her6ica do Modernismo (de 22 a PRt-MODERNISMO
30 ). Nessa fase tentou-se, com mais fmpeto que coerencia, uma
sintese de correntes opostas; a centripeta, de volta ao Brasil re81, Creio que se pode chamar pre-modernista ( no sentido for-
que vinha do Euclides sertanejo, do Lobato rural e do Lima Bar- te ~e pre;noni~äo do~ temas vivos em 22) tudo o que, nas pri-
reto urbane; e a centrifuga, o velho transeoceanismo, que conti- merras decadas do secu/o, problematiza a nossa realidade social
nuava selando a nossa condi~äo de pa!s periferico a valorizar fa- e cultural.
talmente tudo o que chegava da Europa. 0ra, a Europa do pri- . 0 grosso. da literatura anterior a "Semana" foi, como e sa-
meiro p6s-guerra era visceralmente irraciona~ista. ?,tdo, ,pouco movador; As ohras, pontilhadas pela crftica de
Nos pa!ses de extra~äo colonial, as elites, na änsia de su· neos - neoparnas1anas, neo-simbolistas, neo-rom:inticas -
perar o subdesenvolvimento que as sufoca, däo as vezes passos trafam :: ~arcar passo da cultura brasileira em pleno seculo da
largos no sentido da atualiza,äo liter:iria: o que, afinal, deixa ver rc;voI~,ao mdustr!al. Ess~ hteratura ja foi vista, em suas varias
um hiato ainda maior entre as bases materiais da na~äo e as ma- clire,oe~, nas pagmas dedtcadas aos ep!gonos do Realismo e do
nifesta~öes cultutais de alguns grupos. E verdade que esse hiato, S~m~o!tsmo. No caso dos melhores prosadores regionais como
coberto quase sempre de arrancos pessoais, modas e palavras, näo Stmoes Lopes e Valdomiro Silveira, poder-se-ia acusar u~ inte-
logra ferir senäo na epiderme aguelas condi,öes, que ficam co- :esse pela. terra diferente do revelado pelos naturalistas t!picos,
mo estavam, a reclamar uma cultura mais enraizada e partici- tsto e, mats atento ao registro dos costumes e a verdade da fala
pante. E o sentimento do contraste leva a um espinhoso vaivem ru_ral; m.as, em Ultima anSlise, tratava-se de uma experiencia li-
de universalismo e nacionalismo, com toda a sua seqüela de dog· maada, Incapaz de desvencilhar-se daquele conceito mimetico de
mas e anStemas. arte herdado ao Realismo naturalista ( m).
Os homens de 22 ( Mario, Oswald, Bandeira, Paulo Pra- Caberia ao romance de Lima Barreto e de Gra,a Aranha ao
do, Cändido Mota Filbo, Menotti, Sergio Milliet, Guilhenne de largo ensalsmo social de Euclides, Alberto Torres, Oliveira Via-
Almeida ... ) e os que de perto os seguiram, no tempo ou no es- na e Manuel Bonfim, e a viv~ncia brasileira de Monteiro Lobato
p!rito ( Drummond, Sergio Buarque de Hölanda, Gilberto Frey·
re, Tristäo de Ata!de, Cassiano Ricardo, Raul Bopp, AlcAntara (243) Ver pags. 240-242.

344 345
0 papel hist6rico de mover.ä~ 6gw<s estagnadas da belle epoque, 0 engenheiro ( ,.. ) Euclides da Cunha deteve o olhar na
revelando, antes dos modernistas, as tensöes que sofria a vida materia e nos dctcrminismos raciais que o seculo dezenove lhc
nacional. cnsinara aceitar sem reservas. Desse esfor~o aturado de colh!r
Parece justo deslocar a posi~äo desses escritores: do perfo- o real, emergiu uma outra face da na~io: face tdgica que con-
do realista, em que nasceram e se formaram, para o momento an- templamos em Os Sertöes.
terior ao Modernismo. Este„ visto 'lt/Jenas como estouro futu- :!! modema cm Euclides a fulsia de ir alem dos esquemas e
rista e surrealista, nada lhes deve ( nem sequer a Gra(a Aranha, desvendar o misterio da terra e do homem brasileiro com as ar-
a crer nos testemunhos dos homens da "Semana"); mas, consi.- mas todas da ciencia c da sensibilidade. Ha uma paixäo do real
derado na sua totalidade, enquanto critica ao Brasil arcaico, ne- em Os Sertöes que transborda dos quadros do seu pensamento
ga(iio de todo academismo e ruptura com a Republica Velha, de- classificador; e uma paixio da palavra q•1e da concretissimos re-
senvolve a problematica daqueles, como o fara, ainda mais exem- levos aos momcntos mais aridos da sua engenharia social.
plarmente, a literatura dos anos de 30.
de reconstruir uma ponte. 0 livro, que sai cm novembro de 1902, alcan-
9l repercussäo nacional: Euclides e aclamado membro do Institute Hist6-
rico e Geografico Brasileiro e eleito para a Academia Brasileira de Letras
Euclides da Cuuha ( 244 ) ( 1903 ). Continuando a cstudar os nossos problemas, compöe em 1904
v3rios artiges que reuniria mais tardc em Contrastes e Con/rontos. Em
1905, o Baräo do Rio Branco, seu grande admirador, designa-o para a che-
(244) EucLIDES RonRIGUES P1MENTA DA CUNHA (Cantagalo, RJ, fia da Comissäo de Reconbecimento do Alto Purus. Passa na Amazönia
1866 - Rio, 1'.J09). örfiäo muito pequeno, foi educado por tios, vi- todo esse ano: fruto dessa viagem e o Relat6rio sobre o Alto Purus, pu-
vendo parte da 1nf3.ncia na Bahia. Terminados os preparat6rios, no Rio, blicado cm 1906; no ano scguinte cscrcve, sobre uma questäo de frontei-
matriculou-se na Escola PolitCcnica ( 1884 ), mas logo transferiu-se para a ras, Peru versus Bolfvia. Dcsejando ingressar no magisterio oficial, faz,
Escola Militar que entäo passava por uma fase de ardente positivismo em 1909, concurso para a cadeira de L6gica do Cotegio Pedro II, con~r­
republicano. Euclides, ainda cadete, num ato de apaixonada adesäo l rendo com Farias Brite que, apesar de mais feliz nas provas, e pretertdo.
dautrina que recebera das roestres, afranta o Ivl.inistro da Guerra que vi- Euclides assume as aulas, mas por pouco tempo: em um desfori;o, em que
sitava a Escala, lanc;anda fara o pr6pria sabre: C cxclufdo do ExCrcito e, sc cmpenhara por questöes de honra, e assassinado. Contava, ao morrcr,
canfessando-se militante republicana, esta para ser submetida a Conselho quarenta e trCs anos de idade. Outras obras: A Margem da Hist6ria, 1909
de Guerra quando D. Pedro II lhe conccdc pcrdäo. Seguc para Säo Pau- ( Euclides reviu as provas deste livro mas näo o viu publicado); Canudos.
la c af publica nA Provincia de Sao Paula uma sCrie de artigos oposicionis- Dit2rio de uma ExpedifäO, 1939; "Castro Alvcs e Seu Tempo", confcr~n­
tas. Com a proclama~äo da Repllblica, reintegra-se no Ex.Crcito e passa a cia pronunciada na Facutdade de Direito de S. Paula ( 3-12-1907); Pr~fi­
alferes-aluno. Cursa, de 1890 a 1892, a Escola Superior de Guerra for- cios a Inferno Verde, de Alberte Rangel (1907) c a Poemas e Can~oes,
mando-se em Engenharia Militar e bacharelanda-se em Matem3tica c 'ciCn- de Vicente de Carvalho. Sobre Euclidcs: Araripc Jr., "Dois Grandes Es-
cias Fisicas e Naturais. Dedica-se ~ profissäo de engenheiro e trabalha na tilos", Pref2cio da 2.• ed. de Contrastes e Con/rontos, Porto, Lello, 1907;
Estrada de Ferro Central dq Brasil. Apesar da prote\äo de Floriano Pei- Francisco Veni.ncio Filho, Euclides da Cunha, Rio, Acad. Bras. de Letras,
xota, mantCm poucos Harnes cam o ExCrcito. Jugulada a revolta da Es- 1931; Vicente Lidnio Cardoso, A Margem da Hist6ria do Brasil, 2.• ed.,
quadra, em 1893, Eudides, embora florianista, manifesta-se pela nccessi- S. Paulo, Cia. Ed. Nac.; 1938; Gilberto Freyre, Per/il de Euclides e Ou-
dade de respeitar os direitos das pre'S9s politicos; Floriana, contrariado, tros Per/is, Rio, JosC Olympia, 1944; Sßvio Rabelo, Euclides da Cunhd,
afasta·a para Campanha, em Minas Gerais ( 1894) e Euclides aproveita o Rio Casa do Estudante do Brasil, 1947; Franklin de Oliveira, A Fantasia
repouso for\ado estudando temas brasileiros. Desliga-se em seguida do Exdta Rio Zahar 1959· Cruz Costa, Panorama da Hist6ria da Filoso/i4
ExCrcito e passa a trabalhar em Säe Paula como Superintendente de Obras. no n:asil,S. Paul~. Cul~ix, 1960; OHmpio de Sousa Andradc, Hist6ria e
Ern 1897 colabora de novo para 0 Estpdo: entre outras coisas, um arti- Interpreta~iio de "Or Sertöes", S. Paula, Edart, 1960; Modcsto de Ab~,
ge sobre Anchieta c coment2rios sobre os fatos de Canudos, que inter- Estilo e Personalidade de Euclides da Cunha, Rio, Civiliza~ Brasilc1ra,
pretava entäo como uma revolta insuflada por manarquistas renitentes 1963; Cl6vis Moura, Introdu~äo ao Pensamento de Euclides da Cunba,
("A Nossa VendCia"). 0 jornal manda-o como carrespondentc para acom- Rio, Civ. Bras„ 1964; Dante Mareira Leite, 0 Cariiter Nacional Brasileiro,
panhar as operac;öes que o ExCrcito iria executar na regiäo para destruir 2.a ed., S. Paula, Pioneira, 1969. Falta ainda uma edii;äo cdtica de Os Ser-
o "foco". Euclides Ia pcrmanece, de agosto a outubro de 1897; de volta, töer. 0 melhor texte, ate o presente (1979), eo estabelecido por Hersilio
pöe-se a escrever Os Sertöes, primeiro na fazenda do pai, cm Descalvado, Angela: Or Sertöes, S. Paula, Cultrix, 1973.
( 245) Retoma, com algumas altera~5es e acrCscimos, o que escrevi
depois em S. Jas<! do Rio Pardo (1898-1901) para onde fora incumbido sobre Euclides, em 0 Pre-Modernismo, cit., pp. 120-126.
346 347
Pode-se apontar no Euclides'tnanipulador do verbo o con- A reterencia culrural, embora indispensavel ao esrudo da
temporaneo de Rui e de COelho Neto, o leitor intemperante do obra, näo exaure a riqueza das suas matrizes. Os Sertöes säo um
dicionario a cata do tetmo tecnico Oll precioso. Mas e na se- livro de ciencia e de paixäo, de analise e de protesto: eis o pa-
melhan~ que repontara a diferenq.i: onde o orador loquaz e o radoxo que assistiu a genese daquelas paginas em que alternam
palavroso literato buscavam o efeito pelo efeito, o homem de a certeza do firn das "ra~as retr6gradas" e a deniincia do crime
pensamento, adestrado nas ciencias <=i•tis, perseguia a adequa~äo que a carnificina de Canudos representou.
do termo a coisa; e • sua frase sera densa e sinuosa quando
assim o exigir a complexidade extrema da materia assumida no A personalidade de Euclides inclinava-se naturalmente para
nlvel da linguagem. os conflitos violentos, para os aflitivos extremos. Foi por isso
que as imagens de Antonio Conselheiro e de seus fanaticos, es-
0 moderno em Euclides esta na seriedade e boa fe magados pelas "rai;as do litoral", mas resistentes ate o Ultimo
para com a palavra. Contrariamente ao vfcio decadentista cadaver, entraram de chofre em sua consciencia e em sua sensi-
de jogar com os sons e as formas a deriva de uma sensualida- bilidade, apoderando-se delas para sempre e exigindo uma ex-
de facil. Apreende-se melhor esse tra~o aproximando a tragedia pressäo igualmente forte, agönica.
de Os Sertöes do romance da seca e do canga~o dos anos de 30.
Embora mais despojada no seu lexico, a fic~äo de um Lins do A longa narra~äo das escaramu~as (Parte III - A Luta),
Rego e de um Graciliano Ramos tem mais pontos de contato quis Euclides dar uma introdu~äo objetiva sobre o meio e sobre
com o duro e veraz espfrito euclidiano que a maioria dos ro- o homem do sertäo. Os reparos cientfficos que se fizeram e que
mances e contos regionais e neofokl6ricos do come~o do sc!culo, ainda se possam fazer a essas partes propedeuticas i:ompetem
repuxados para o pitoresco ou para o piegas. Os Sertöes säo obra obviamente ao geografo, ao etn6logo e ao soci6logo; a n6s cabe
de um escritor comprometido com a natureza, com o homem c apenas verificar o quanto de subjetivo, de euclidiano, se infiltrou
com a sociedade. nessas paginas de inteni;äo analftica.
:e preciso !er esse livro singular sem a obsessäo de enqua- :ea mäo do sofrimento que vai recortando a orografia dos
dra-lo em um determinado genero litedrio, o que implicaria em chapadöes e dos montes baianos; e uma voz rouca e abafada que
prejulzo paralisante. Ao contrario, a abertura a mais de uma vai contando os efeitos da estiagem inclemente; säo os olhos do
perspectiva e 0 modo pr6prio de enfrenta-lo.
espanto que väo fixando o caminho do fanatismo, da loucura c
A descri~äo minuciosa da terra, do homem e da luta situa do crime trilhado pelo Conselheiro e por seus jagun~os.
Os Sertöes, de pleno direito, no nfvel da culrura cientffica c his-
t6rica. Euclides fez geografia humana e sociologia como um es- Se estilo significa escolha, opi;äo consciente, alem de "von-
p!rito atilado poderia faze-Ias no come~o do seculo, em nosso meio tade de exprimir", entäo näo restam dU.vidas sobre a visäo dra-
intelectual, entäo avesso a observa~äo demorada e a pesquisa matica do mundo que Euclides pretendia comunicar aos leitores.
pura. Situando a obra na evolu~äo do pensamento brasileiro, diz A expressäo "barroco cient{fico", com que j3 se procurou bati-
lucidamente Antonio Cändido: .. zar a sua linguagem, indica-lhe a essencia, se em "barroco" vi-
sualizamos, antes de mais nada, um conflito interior que se quer
Llvro posto entre a literatura e a sociologia naturalista, Os resolver pela aparencia, pelo jogo de antfteses, pelo martelar dos
Sertöes assinalam um firn e um com~: o firn do impcrialismo li-
terSrio, o come~o da analise cientifica aplicada aos aspectos mais
sinonimos ou pelo paroxismo do climax.
imtK>rtantes da sociedade brasileira ( no caso, as contrad.i~ cen- Vemos um litoral "revolto", "rii;ado de cumeadas" e "cor-
tidas na difcren~ de cultura entre as regiöcs litorincas e o in-
terior ( 246). rofdo de angras e escancelando-se em bafas, repartindo-se
em ilhas, e desagregando-se em recifes desnudos, a ma-
neira de escombros do conflito secular que ali se trava
(246) ·Ern Literatura e Sociedade, S. Paula, Cia. Ed. Nacional, 1965, entre o mar e a serra". Mais alem, o "tumultuar das ser-
pag. 160. ranias", os "leitos contorcidos, vencendo, contrafeitos, o antago-

348 349
nismo permanente das· moiitanbag". 0 flagclo das secas propi- Tudo indica que tanto Euclidcs como Nabuco, se fossem ho-
cia ao escritor os momentos ideais para pintar com palavras de mcns de trinta anos diante dos problcmas de hoje e no Brasil dot
arei.!, pedra e fogo o sentimento do inexoravel. Desfilam paisa- nossos dias [1944], estariam entre Os cscritores chamados indi.-
gens comburidas e adustas ( para usar de dois adjetivos que lhc tintameote "da esquerda", embora nenhum deles fosse por temp&
sio caros), mas nä:o mortas, pois o escritor soube traduzir a ago-- ram.ento ou por o.iltura inclioado i\quela socia~ao da vida ou
i\quela internacionaliza~o de valores que i.mportassem cm sacriffc:io
nia das plantas fugindo ao calor e" batalha surda e tenaz. :S da personalidade humana ou do canltcr brasileiro (Perfil de Elldi-
• tllnica do conflito, que se repetira na luta do sertanejo contra des, cit., pag. 38 ).
o meio e, em outro plano, na resistencia indomavel dos jagun-
~os a invasäo dos "brancos „ litordneos. Quanto a FrOnklin de Olivcira, o seu depoimento ainda e
Augusto Meyer, em uma de suas slnteses felizes, ilustrou mais assertivo: mostra como Euclides teria evolufdo de um de-
esse carater conflituoso do esplrito e do estilo euclidiano: terminismo racial e psicol6gico, patente em Os Sertöes para uma
forma de dialetica sdcio-econömica cujo melhor testemunho sc
0 jogo antitetico pcrcorre uma escala inteira de vari~. 0 j acharia nas paginas de "Um Velho Problema", insertas em Con-
famoso oxfmoron Hercules-Quasimodo daquela pS:gina que tanto nos
im.pressionava no giniisio näo e exemplo muito raro em EucHdes:
l trastes e Confrontos ( 248}.
pertencem a mesma famflia paraiso tenebroso, sol escuro, tumulto Com efeito, esse belo artigo, composto em 1907 dclincia
sem ruidos, carga paralisada, profecia retrospectiva, medo g/orioso,
construtores de ruinas, etc. Pode-se escudar numa constru~äo pa-
a posi~o madura de Euclides: ironiza as utopias igualltarias do
ral6gica: os documentos encontrados cm Canudos "valiam tudo por- ~enascimento e do Iluminismo, historia a ascensiio da burgue-
que nada valiam"; a cidadela "era temerosa porque nio resistia" ou sia pela Revolu~iio Francesa, rejeita por fantasistas os princ!pios
"rendia-se para vencer" (247). de Proudhon, Fourier e Louis Blanc, mas considera, ao cabo,
"firme, compreenslvel e positiva" a linguagem do marxismo. Ao
Niio se veja, porem, no autor de Os Sertöes um pessimista expor as virias correntes socialistas, näo esconde, porCm, a sim-
mfope, afeito apenas a narrar desgra,as inevitaveis de homens e patia pelo caminho evolutivo que
de ra,as, incapaz de vislumbrar alguma eseeran,a por detr.is da
aponta-nos o processo normal das rcformas lcntas, operando.se
struggle for life de um determinismo sem matizes. Quem jul- na consci&icia coletiva e refletindo-se a pouco e pouco na pr4dca,
gou o assfdio a Canudos um crime e o denunciou era, moralmen- nos costumes e na legisla~äo escrita, continuamente melhorada.
te, um rebelde e um idealista que se recusava, porem, ao otimis-
mo facil. As li>öes de fatalismo etnico-biol6gico, que lhe dera E comcnta refor~do:
seu mestre, o antrop6logo Nina Rodrigues, niio ocupavam dog-
maticamente os quadros do seu pensamento. Alem disso, o tra- Nada mais lfmpido. Realmcnte, as caclstrofes sociais s6 po-
to direto com as condi,öes sociais do sertiio inclinava-o a supe- dcm provoc~-las as pr6prias classes dominantes, as tfmidas c1aases
conscrvadoras, opondo-se l marcha das rcformas - como a barra-
rar o mero formalismo juridico de nossa I Republica. Niio po- gem contraposta a uma corrcnte tranqüila pode gerar a ioun-
dendo, por outro lado, o seu forte senso de liberdade aceitar dai;iio (249),
qualquer forma autoritaria de govemo ( v. as descri,öes dos re-
gimes ditatoriais em "0 Kaiser" de Contrastes e Confrontos), 0 obscrvador espantado diante da miseria scrtancja nio o
aproximava-se politicamente do socialismo democratico. Seria C menos 30 CODtempJar OS desequilibrios quc trouxe a tecnica n&
essa a ideologia de Euclides, segundo observa,öes pertincntes de fase expansionista do capitalismo; eis como compara o ope1'1(rlo
Gilberto Freyre e, sobretudo, de Frinklin de Oliveira. ca maquina:
Diz o autor de Sobrados e Mocambos:
(248) Em A Fantasia Exata, cit., p:igs. 262-268.
(249) Em Contrastes e Confrontos, 9.• ed" Porto, Lello, s. d.,
( 247) Ern Preto e Branco, Rio, !. N. L., 1956, pag. 189. pag. 241.

350
351
erd ·inhado pelos sats de cöbre e de zinco, paraHtico deli-
pelo chumbo, inchadO pelos compost?s de mercuno,
ranteesv ,. &:> f""d
i:ia o
Em outros ensa.fstas da epoca, importam mcnos os aspectos
pelo 6xido carbönico, ulcerado pelos causttcos de p6s arserucats · · . formais que as suas contribuic;öes para a inteligencia do nosso
e a m3quina. . . lntegra e brun1da. pove denrro daquela linha de vive interesse peles problemas na-
cionais que marcou todo o periodo. Hoje, quem quiser trac;ar
Ern A Margem da Hist6ria ve-se, em at\.l, a ideologia latent~ a hist6ria das selui;öes que a esses problemas tentaram dar gru-
nes livros anterieres. Veltanoo-se pala as realidades sul-ameri- pos culturais au polfticos coet3.neos da Modernismo, devera
canas, que conhecera de perto no trato das questö:s de front_ei- !er as ebras de Alberte Torres ( 251 ) , Manuel Benfim ( 252) e
ras, Euclides infunde ne seu metode de ebservai;ae geegdfica Oliveira Viana ( 253 ): em todos, o estudo veio a desdobrar-se em
um interesse vivissimo pelos problemas humanes, sempre em um programas de organizac;äo s6cio-politica. H:i uma conexä:o mais
tarn que oscila entre o ag6nico e o tragico. L~ia-se, por. exem- au menos estreita entre os seus modos de abordar o Brasil e o
plo, o ensaio sobre a ArnazOnia, onde ao anahsta da pa1sagem nacionalismo sistematico da "verdeamarelismo", da "Anta", do
sucede o crftico violento da espoliac;äo humana, representada pe~o "integralismo" e do pr6prio Estado Nova. E arriscado, porem,
cearense que se vende como seringueiro. E o n_arrad?r sombr10 inclui-los genericamente entre os ide6logos da Direita, em razäo
de Judas Asverus, sfmbcle disforme que e sermgueire assume da colorido opressor, classista e racista que o termo foi assumin-
ceme a sua pr6pria cendii;äe ne ritual de sabade de Alelma. de por for<;a das vicissitudes pelfticas de secule XX. RJ'presen-
tam, em conjunto, um sintoma da crise da liberalismo juridico
Houve, portanto, um alargamento de compreen~äo hist6ri-
abstrato, da sua incapacidade de planificar o pregresso de um
ca do roteiro euclidiano apesar das constantes de estdo que tu-
de parecem unificar: e ainda verde jernalista republicano, an- povo; e, apesar das suas diferenc;as e mesmo das contradic;öes in-
sioso por assistir a morte de Canudos, "a nossa Vende.ia" e "f?° ternas de que todos padecem, significam, como ja significara Eu-
clides, um passe adiante na censtru,ae de uma secielegia do po-
eo monarquista", passou a testemunho de uma comun1dad~ CUJa vo brasileiro.
miseria e loucura a RepUblica punia ao invf:s de curar; enflm, o
denunciante de Os Sertöes subiu, tacteando embora, a considera- Ha, sem dU.vida, sensiveis diferenc;as entre os dois primei-
ros (Alberte Terres, Manuel Benfim) e Oliveira Viana. Este,
o;iie de nfvel secial, enfrentande problem~s .sue transcendiam. a
simples interac;äo Terra-Homem, fonte un1ca da sua tem3ttca prese aes esquemas arianizantes de Lapeuge e de Gebineau, con-
inicial. siderava mais "apurado" e mais "refinado" o sangue branco,
O resultade da uma imagem dialetica de Euclides: um peo-
samento curvado sob o peso de todos os determinismos, mas um ( 251) AtBERTO DE SEIXAS MARTINS ToRRES {Porto das Caixas, RJ,
olhar dirigido para a tecnica e o progresso; uma linguagem de 186.5 - Rio, 1917 ). 0 Problema Nacional Brasileiro, 1914; A Organizaf4o
estilisme febril mas sempre em fun<;iie de realidades bem cencre-
1
/\iacional 1914· As Fantes de Vida no Brasil, 1915. Consultar: Cändido
tas, muitas das quais nada perderam da sua atualidade. 1\1ota Filho, Afberto T orres e o T ema da Nossa Geraräo, Rio, Schmidt,
1931; Alcides Gentil, As Ideias de Alberto Torres, S. Paula, Cia. Ed. Nac."
19.32; Nogueira Martins, "Tentativas para organizar o Brasil", in Sociologra
e Hist6ria, Säo Paula, Instituto de Sociologia e PoHtica, 1956; Dante Mo-
0 pensamento social rcira Leite, 0 Cardter Nacional Brasileiro, 2.• ed., S. Paula, Pioneira, 1969;
f'rancisco Iglesias, Pref3cios a Organizafllo Nacional, 3.a ed., e a 0 Pro-
blema l"-.Jacional Brasileiro, 4." ed., Cia. Ed. Nacional, 1978.
Euclides foi, alem de um estudiese de Brasil, uma grande (252) MANUEL BONFIM (Aracaju, SE, 1968 - Rio, 1932). Manual
preseno;a literaria. Basta lembrar a linguagem de Alberte Range! Bonfim, A America Latina: Male"S de Origem, 1905; 0 Brasil Nafäo, 2
e de Carlos Vasconcelos, escritores de coisas amazOnicas, para vols. 1931; 0 Brasil, 1935. Consultar: Carlos Maul, "Nota explicativa" a
0 Brasil, S. Paula, Cia. Ed. Nac., 1935; M. T. Nunes, Silvio Romero l
avaliar a fori;a de sugestäe de seu estile ( 250 ). lvfanuel Bon/im, Pioneiros de uma Ideologia do Desenvolvimento Nacional,
Rio, 1956; Dante Moreira Leite, 0 Cardter Nacional Brasileiro, cit.
( 250) "O Sertanejo de Euclides e a Literatura Regional", de Caval- ( 253) FRANCISCO Jos.E ÜLIVEIRA VIANA ( Saquarema, RJ, 1883 -
canti Proen<;a, in Revista Brasiliense, n. 0 32.

352
3.53
cujo fndice crescente ausp1~1ava J).ara o nasse complexo etnico.
e Paula Prado) a origem colonialista dos preconceitos de rai;a e
Paralelamente, a sua filoscifia politica, plenamente prestigiada du- das caracterizai;öes psicol6gicas da homem tropical que as nossas
rante o Estado Novo, foi o corporativismo. Muito mais pr6ximos eli tes herdaram ( 2SS) .
de nOs, pela relativa independencia que revelaram em face das
preconceitos neocolonialistas, Alberte Tarres e Manuel Banfim
pensaram em termos de sistema social e educacianal como for- Um critico independenle: Joäo Ribeiro
mas de superar a atraso da Ra1Yäo. 'O ·primeira teve a lucidez,
rarissima na epoca, de subestimar 0 fator ernico, como 0 ates- - R"b · ( '") representa em sua longa par:ibola, que
tam estas palavras, escritas em 1915: Joao 1 eire
vai de poeta parnasiano a critico liter3rio, de fik5logo a historia-
0 tipo mental das ra1:as deriva das modalidades do meio c da dor, o tipo exemplar da humanista moderne, a quem näa falta
vida social. * nunca o griio de sal da heresia.
Falando da situai;ao da antropologia no come<;o do seculo, E, nesse amena mestre, mais do que heresia, ceticismo:
comenta Gilberto Freyre: Porque em tudo ha um enigma e em tudo se requer uma cx-
Tais preconceitos ( arianizantes) foram gerais no Brasil inte- plicm;äo. Ao termo, porem, dessas porfiadas ciencias s6 se acham
desenganadas limita~öes, grandes ignoräncias, miseros e 1ncüngruos
1

lectual de 1900: envolveram as vezes o pr6prio SHvio Romero, cuja


vida de guerrilheiro de iddas est<i cheia de contradir;Oes. S6 uma fatos,_ e apei:ia.s fatos, a medida que nos foge e nos escapa o infinito
excer;äo se impöe de modo absoluto: a de Alberto Torres, o pri- e o incondic1onado (Ptigina.r de E.rtetica Lisboa Classica 1905
pag.44). I > ) I
meiro, entre n6s, a citar o Professor Franz Boas e suac; pesquisas
sobre rar;as transplantadas. Outra exce<;lio: a de Manuel Bonfim,
tnrvado, entretanto, nos seus vri:rios estudos, por uma como mistica Quem fala em "miseros e incöngruos fatas" sera tudo me-
indianista au indian6fila semelhante a de Jose de Vasconcellos, DO nos um repetidor dos esquemas positivistas da seculo XIX.
Ivlexico ( 25~), Alias, e surpreendente ver como esse homem de ampla doutrina
e de forma\äo racionalista pöde, em um tempo de f6rmulas para
A referencia de G. Freyre a xenofobia de Manuel Bonfim tudo, ressalvar as suas dllvidas em face da pr6pria ciencia:
tem sido um lugar comum das que se ocupäram desse grande es-
tudioso das nossas coisas. Mais recentemente, porem, um ana- 0 aspecto esscncial da Beleza e näo ser intelectualmente com-
lista da estere6tipo ((carater nacional brasileiro", Dante Moreira preendida e näo conter um s6 elemento de intelig€ncia ou de ra·
Leite, mostrou que o nacianalismo apaixonado de Manuel Bon- zäo. Pode ser explicada; podem-se perscrutar as leis secretas que
a regem como todas as cousas: mas o senti-la näo e matCria de
fim a levau a entender com mais lucidez que seus contempor8.- ciencia ( id., p:ig. 45).
neos {e, certamente, com mais modernidade que Oliveira Viana
Niter6i, 1951 ). Obras principais: Populafi5es Meridionais do Brasil, 1920; 1""1 Op. 01., pp. 250~255.
0 Idealismo na Evolu.;Cio Polftica do Imperio e da RepUblica, 1920; Pe- 1 2 56 J ]oÄo BATISTA RrREIRO DE ANDRADE FERNANDES ( Laranjeiras
quenos Estudos de Psicologia Social, · 1921; Evolu.;äo do Povo Brasileiro, S,E, 1860 - Rio, 1934). Obras principais: Gramdtica Portuguesa, 1887·'
1923; 0 Ocaso do Impfrio, 1925; Problemas de Po!itica Ob;etiva, 1930; T:studns Filol6gicos, 1887; Diciondrio Gramatical, 1889; Hist6ria da Bra:
Rm;a e Assimila.;Cio, 1932; Problemas de Direito Corporativo, 1938; pos- s:l, 1900; POginas de Estetica, 1905· Frases Feitas I 1908· II 1909· 0
tnmamente: lntrodu{äo a Hist6ria Social da Economia Prt-Capitalista, na Fabordiio, 1910; 0 Folclore, 1910'; Colmeia, 19'z3{ Cart~s bevolvidas,
Brasil, 1958. Cons.: Nelson Werneck Sodre, Orienta.;öes da Pensamenta 192~; Curiosidades Verbair, 1927; Floresta de Exemplos, 1931; A Lingua
Brasileiro, Rio, Vecchi, 1942; Astrojildo Pereira, Interpreta.;öes, Rio, CEB, N~n~nal, 1933; Critica (serie coligida por MUcio Leäo): Cla'ssicos e Ro-
1944; Vasconcelos Torres, Oliveira Viana, Rio, Freitas Bastos, 1956; Guer- mant1cos, 1952; Os Modernos, 1952; Poetas. Parnasianismo e Simbolismo,
reiro Ramos, Introdu.;äo Crftica a Socio!ogia Brasileira, Rio, Andes, 1957. 1957; Autores de Fic~äo, 1959; Crhicos e Ensafstas, 1959. Consultar:
a
* Apud Guerreiro Ramos, Introdu.;äo Critica Sociologia Brasilei· AJ::aro Lins, Jornal de Critica, 3." serie, Rio, Jose Olympia, 1944; MUcio
ra, Rio, Andes, 1957, p. 137. !;ea~, J~äo. Ribeiro, „Rio, Livraria Säo Jose, 1962; Boris Schneidermann,
Joao R1be1ro Atual , in Revista de Estudos Brasileiros, n. 0 10, S. Pau-
:!.'i.f)
1 En1 Per_fi! Je' Eucl1deJ, Clt. pJg 41 lo, 1971, pp. 65-93.

354
355
O sentin;iento dos lim1Jes bU'manos, a intuic;io da historici- velhas estamos fartos." Foi algum arauto da Semana de Arte Mo-
derna que assim se exprimiu?
dade de todas as formas culturais induzia o sabio sergipano a
Näo; foi Joäo Ribeiro
abeirar-se com a mesma simpatia da frase modulada de Frei Luis
de Sousa e das tentativas anarquicas dos poetas modernistas. ( "Joäo Ribeiro e a Crftica do PrC-Modernismo", Em
Curso de Critica, Rio, Academia Brasileira de Letras, 1956).
Tal abertura as muitas faces da realidade nortemi-lhe tam-
bem a obra de fil6logo. Foi· dos ·p~e!ros a formular com cla- Cabe lembrar que, na mesma epoca em que Joäo Ribeiro
reza o problema da lingua nacional, conferindo a Alencar a pal- abandonava os cänones parnasianos, um futuro poeta modernis-
ma de uma prdxis estilistica livre da imitac;äo lusa, mas aparan- ta, Ronald de Carvalho (Rio, 1893-1935 ), embora ligado efe-
do os excessos da teoria, alias insegura, de uma "lingua bra- meramente ao grupo futurista de Orfeu (Lisboa, 1914 ), escre-
sileira". via uma Pequena Hist6ria da Literatura Brasileira ainda presa a
Pela independencia e, ate mesmo, irreverencia dos seus jui- criterios academico-nacionalistas. Criterios que a sua not8.vel
zos, Joäo Ribeiro ja foi considerado, e com razäo, o profeta do capacidade de assimila\äo iria depois adelga\ar para absorver, di-
nosso Modernismo. Fazendo tabula rasa das poeticas vigentes plomaticamente, as novidades do Modernismo.
no primeiro vintenio do seculo, contribuiu para o descredito dos
medalhöes. A titulo de ilustra~äo, transcrevo estas palavras de
Cassiano Ricardo, assertor convicto do carS.ter inovador que as- 0 romance social: Linla Barreto
sumiu a critica de Joäo Ribeiro:
Direi mais: o verdadeiro precursor do Modernismo de 22 foi
A biografia de Lima Barreto ( 257 ) explica o humus ideo-
Joäo Ribeiro. Quero dizer que Grar;a Aranha ( e isto para me re- lc5gico da sua obra: a origem humilde, a cor, a vida penosa de
ferir a outro nome desta Academia) tera sido, em 1924, um gran- jornalista pobre e de pobre amanuense, aliadas a viva consciCn-
de agitador da ideia, na memor3.vel conferencia aqui pronunciada
tumultuosamente. Mas Joäo Ribeiro, j;i em 1917 (portanto, sete
anos antcs), havia tomado a sua posir;äo 9e vanguarda ( ... ). Ba~­ { 2s1) AFONSO HENRIQUES DE LIMA BARRETO (Rio de Janeiro 1 1881-
ta o confronto do autor da EstCtica da Vida, em 1924, com o artl- -1922 ). Filho de um tip6grafo e de uma professöra prim3ria, ambos mes-
go do autor de Pdginas de Estitica, em 191.7, para se ver que este ti~s. Aos sete anos, ficou 6rfäo de mäe. Proclamada a Repllblica, seu
foi 0 mais incisivo mais radical ~ ao atacar de rijo o Parnasianis- pai C demitido da lmprensa Nacional pelo fato de 18. cer entrado pela
mo e o Simbolism~ entäo vigentes, e ao proclamar a necessidade da mäo do Visconde de Ouro Preto. Väo, pai e filho, morar na Ilha do
destrui~äo total dos idolos caducos. Governador em cuja Colönia de Alienados o ex-tip6grafo trabalhara como
almoxurife. Grar;as a prot~äo do Visconde, seu padrinho, Lima Barreto
1) - queria Joiio Ribciro a "dcstruir;äo prCvia"; pöde completar o curso secund3.rio e matricular-se na Escola Politecnica
2) - queria a desmoralizar;äo {segundo sua proposta) da poe- ( 1897) que freqüentaria saltuariamente atC abandonar, em 1903. Nesse
sia reinante; mei? tempo seu pai enlouquece e e recolhido a Colönia_ 0 escritor passa
foi o primeiro a declarai:.. caducos Alberto e Olavo Bilac (no- a viver como pequeno funcionario da Secretaria da Guerra e a colaborar
na imprensa. Pelas datas dos prefcicios infere-se que foi nessa dificil qua-
te-se que näo incluiu Raimundo);
dr~ drJs vinte anos que planejou quase todos os seus romances. Lendo
3) - queria que Bilac c Alberto se conformassem as exigCn- av1damente a literatura de fio;äo europeia do seculo XIX L. Barreto fa-
cias da Cpoca, renunciando a qualquer influxo sobre os novos; miliarizou-se com a melhor tradii;:äo realista e social e foi' dos raros inte-
(seria uma imprudCncia se persistissem os dois na sua assidui- lectuais brasileiros que conheceram, na Cpoca, os grandes romancistas rus-
dadc ao Parnaso, ja tristemente velhos); sos. Que, de resto, vinham ao encontro da revolta contra as injustit;as e
os preconceitos de que se sabia vitima. Vivendo constantes crises de de-
4) - qucria o reconhecimento das diferen~as ja existentes en- pressäo e entregando-se amillde a bebida teve que internar-se por duas
tre Portugal c o Brasil em assunto lingüistico. vezes no Hospkio Nacional (em 1914 e' em 1919): da segunda estada
( „ „ .. „ .. „ „ „ „ „ „ „ „ „ „ „ „ „ „ „ . „ „ „ „ „ „ „ . )
nasce:i o Cemit!rio das Vivos. A partir de 1918, impressionado pela Re-
5) - Sustentava a tese do incompreensivel em arte, coisa quc vol~i;~o de Out:ibro, entrou a militar na imprensa maximalista, vindo a
C motivo de tanta zanga ainda hoje contra os modernos. "De coisas red1grr um man1festo, no seman3.rio ABC, aos 11 de maio do mesmo ano,

356 357
cia da pr6pria situa~äo social, ttfotivaram aquele seu socialismo da Republica Velha, explica-se ainda mais naturalmente pela sua
maximalista, täo emotiv6 nas raizes quanto penetrante nas aversäo B.s oligarquias que tomaram o poder em 1889. Ou, nas
analises. palavras do pr6prio escritor:
E verdade que se apontaram contradi~öes na ideologia de Uma rematada tolice que foi a tal repUblica. No fundo, o que
Lima Barreto: o iconoclasta de tabus detestava algumas formas se deu em 15 de novembro foi a queda do partido liberal e a subi·
tipicas de moderniza~äo que o Ri~e-Janeiro conheceu nos pri- da do conservador, sobretudo da parte mais retr6grada dele, os es-
o
meiros decenios do seculo: cinema, o futebol, o arranha-ceu e, cravocratas de quatro costados ( 259).
o que parece grave, a pr6pria ascensäo profissional da mulherl
Chegava, as vezes, a confrontar o sistema republicano desfavo- 0 ressentimento do mulato enfermi\o e o suburbanismo näo
rave1mente com o regime mon<irquico no Brasil. o impediram, porem, de ver e de configurar com bastante clare-
Mas essas contradi~öes tambem ja foram aclaradas: Lima za o ridfculo e o patetico do nacionalismo tomado como bandei-
Barreto viera da pequena classe media suburbana, e como su- ra isolada e fanatizante: no Major Policarpo Quaresma afloram
burbano reagia em termos de conservantismo sentimental ( 258 ). tanto as revoltas do brasileiro marginalizado em uma sociedade
Poderiamos filiar a sua xenofobia a um natural instinto de defe- onde o capital j<i näo tem p<itria, quanto a pr6pria consciencia do
sa t!tnico. E, quanto a ojeriza pelos homens e pelos processos romancista de que o caminho meufanista e veleit6rio e impoten-
te. Tal duplicidade de planos, o narrativo ( relato dos percal~os
Säo dessa fase os numerosos artigos de critica social que se enfeWram do brasileiro em 'sua patria) e o critico ( enfoque das limites da
em livros depois da sua morte. Lima Barreto morreu de colapso cardla- ideologia) aviva de forma singular a personalidade litedria de
co, aos quarenta e um anos de idade. Obra: RecordafÖes ao Escrjväo Lima Barreto, em que se reconhece a inteligencia como for\a sem-
lsaias Camznha, 1909; lrute ftm de Policarpo Quaresma, 1911 (em fo- pre atuante.
Jheuns do Jornal do ComCrcio), 1915, em ilvro; Numa e Ninfa, 1915i
Vida e Morte de M. J. <.Jonzaga de Sa, 1919; Numa e Nin/a, 1923 (cm E näo e s6 no campo ideol6gico que sobressai a coexisten-
folheuns da Kev1sta Sousa Cruz); HagaJeias, 1923j Us Bruzundangas, 1923. cia de representa~äo e espirito critico. Tarnbern no estilfstico.
A partir de 1956, nas Ubras de Lima ßarreto, organizadas sob a dir~o 0 que parece apenas espontäneo e instintivo em sua prosa nar-
de r·rancisco Assis ßarbosa, com a colaborai;äo de Antönio Houaiss e <..:a-
valcanti Procn~a, os livros citados e mais: Hirt6rias e Sonhos ( contos), rativa e, no fundo, consciente e, näo raro, polemico.
Co1sas do 1<.e1no do Jambon (sfitira), feJTas e Mafutls (artigos c crönicas), 0 estilo de pensar e de escrever contra o qual se insurgia
Vuta Urbana (arugos e crönicas), f\!largzntJtia (artigos e crönicas), lmpres· o autor do Triste Fim de Policarpo Quaresma era o simbolizado
s6es de Leztura (criuca), 1J1tl110 lnt1mo (mem6rias), 0 Cemite110 dos Vi-
voJ (memünas), Correspundenc1a, 2 vols., tudos pda Ed. linb11lense, de
por um Coelho Neto ou um Rui Barbosa: o da palavra a servir
S. Paulo. Consultar: Agripino Gricco, f.voiufil.o da Prosa Braszietra, cit.; de anteparo entre o homem e as coisas e os fatos. Em Lima Bar-
Astrojtldo Pere1ra, lnterpretafües, Rio, Casa do .Estudante do ßrastl, 1944; reto, ao contr<irio, as cenas de rua au os encontros e desencon-
.lkLerra de freuas, Formas e ExpressiJo no Komance Bras1le110, lüo, Pon- tros domfsticos acham-se narrados com uma anima\äo täo sim-
getti, 1947; LUcia Miguel-Pereira, Prosa de 1'tcfi:lo (de 1870 a 192U), ctt.; ples e discreta, que as frases jamais brilham por si mesmas, iso-
Cavakanu .Proeni;a, Augusto dos An1os e Outros l:.nsa1os, Rio, JosC ülym-
pio, 1959; franc1sco de Ass1s ßarb,psa, A Vzda de Lima Barreto, 3: ed., ladas e ins6litas ( como resultava da linguagem parnasiana), mas
Rio, JosC ülymp10, 1965; e os preliiuo:. au:. vulumes da .l::..d . .lirasiliense, deixam transparecer naturalmente a paisagem, os objetos e as fi-
cit. Houve um renascimento <los estudos sobre Lima Barreto na dCcada guras humanas.
de 70. Ver: Carlos Nelson Coutinho, e outros, Realismo e Anti·realismo Nessa perspectiva, as realidades sociais, isto e, o conteU.do
na L. Brasileira, Rio, Paz e Terra, 1974; Osman Lins, Lima Barreto e o
Espa(o Romanesco, S. Paulo, Atica, 1976; Antönio Arnoni Prado, L. Bar- pre-romanesco, embora escolhidas e elaboradas pelo ponto de
reto: o Critico e a Crise, Rio, Ciltedra/MEC, 1976; Carlos Fantinati, 0 vista afetivo e polemico do narrador, näo parecem, de modo al~
Profeta e o Escriväo, S. Paulo, Hucitec, 1978. gum, for\adas a ilustrar inclina\Öes puramente subjetivas. 0 re-
( 258) Os tra~os suburbanos da mentalidade de L. Barreto foram
muito bem ilustrados por Astrojildo Pereira no ensaio "Romancistas da
Cidade", em 0 Romance Brasileiro, eil., piigs. 65·67. Estudou igualmen·
ce as raizes biogriificas do binömio conservador·revolucioniirio em L. B. o ( 259) Coisas do Reino do Jambon, S. Paulo, Brasiliense, 1956,
crlcico Lu(s Martins (Homens e Livros, S. Paulo, CEC, 1962, pp. 23·30). p:ig. 110.

358 359
sultado e um estilo ao_mewio tempo realista e intencional, cujo ~a sociedade classista e o seu processo instaurado por um "hu-
limite inferior e a crönica: milhado e ofendido". Assim, o convlvio de objeto e sujeito de
Pois nos romances de Lima Barreto h3., sem dUvida, muito obse·rvac;äo social e ressonancia afetiva, define com propriedade
de crönica: ambientes, cenas quotidianas, tipos de cafe, de jor- o estilo realista-memorialista de Lima Barreto.
nal, da vida burocrcitica, 0.s vezes s6 mencionados ou mal esbo~a­ Triste Fim de Policarpo Quaresma e um romance em ter-
dos, naquela linguagem fluente e. dt;sambiciosa que se s6i atri- ceira pessoa, em que se nota maior esfor~o de construc;äo e aca-
buir ao genero. 0 tributo qfie o romancista pagou ao jornalista bamento formal. Lima Barreto nele conseguiu criar uma perso-
(alias, ao bom jornalista) foi considenivel: mas a prosa de fic,äo nagem que näo fasse mera projec;äo de amarguras pessoais como
em Hngua portuguesa, em mare de academismo, s6 veio a lucrar o amanuense lsafas Caminha, nem um tipo pre-formado, nos mol-
com essa descida de tom, que permitiu a realidade entrar sem des das figuras secundarias que pululam em tödas as suas obras.
mciscara no texto literS.rio. Hoje, ao lermos os romances de 0 Major Quaresma näo se exaure na obsessäo nacionalista, no fa·
Marques Rebelo ou de Erico Verissimo, sabemos devidamente natismo xen6fobo; pessoa viva, as suas reac;öes revelam o entu-
ajuizar da modernidade estillstica de Lima Barreto. siasmo do homem ingenuo, a distanci3-lo da conformismo em
Ern Recordaföes do Escriväo lsaias Caminha, ha uma nota que se arrastam os demais burocratas e militares reformados
autobiognifica ilhada e exasperada nos primeiros capitulos; mas cujos bocejos amornecem os seröes do sublirbio.
tende a diluir-se a medida que o romance progride, objetivan- No dizer arguto de Oliveira Lima, tem Policarpo algo de
do-se e abra,ando descri,öes de tipos varios: 0 politico, 0 jor- quixotesco, e o romancista soube explorar os efeitos cOmicos que
nalista 0 burocrata Carioca do come,o do seculo. De crönica todo quixotismo deve fatalmente produzir, ao lado do patetico
sentim~ntal da adolescencia a obra passa a roman a clef, com to- que fatalmente acompanha a boa fe desarmada. Seus requeri-
das as limita,öes do genero, apontadas, alias com lucidez, por mentos pedindo as autoridades que introduzissem o tupi como
Jos6 Verfssimo em carta ao autor estreantc: llngua oficial; sua ins6lita forma de receber as visitas, chorando
ru nde, porCm, um dcfeito grave, julgo-o ao menos, e para 0 e gesticulando como um legitimo goitad; suas baldadas pesqui·
qual chamo a sua aten~äo, o seu exccssivo personalismo. 1! pes- sas folcl6ricas na tapera de uma negra velha que mal reeorda
soalfssimo e, o que C pior, sente-se demai! que o C. Perdoe-me o cantigas de ninar: eis alguns das recursos do autor para ferir a
pedantismo, mas a arte, a arte que o senhor tem capacidade para tecla do riso. Mas o epis6dio da morte de Ismerua, o contato e
fazer, e reprcsenta~äo, e slntese, Ci mesmo realista, !dealiza~äo. Näo a desilusäo de Quaresma com Floriano e a sua "falange sagra-
hli um s6 fato literd:rio que mc desminta. A c6p1a, a reprodu~äo,
mais ou menos exata, mais ou menos caricatural, mas cm que näo da" de cadetes ( descritos em paginas antol6gicas), as desventu-
sc chega a fazer a slntese de tipos, situat;öes, estados d'alma, a fo- radas experiencias junto a terra e, sobretudo, as paginas finais
tografia literßria da vida, pode agradar A malida dos contemporii- de solidäo voltam a colorir com a tinta da melancolia a prosa
neos quc pöem um nom.c sobre cada pseudönimo, mas1 escapando A limabarretiana.
postcriclade, nio a interessando, fazem cfCmero e ocasional o valor
das obras ( 260). Ja se tornou lugar-comum louvar a riqueza de observa~o
e de sentimento desse romance para deplorar-lhe, em seguida, o
Sustenta, porem, a presen,a ·de Isaias como personagem po- desleixo da linguagem, enfeada por solecismos, cac6fatos e repe-
larizadora a pr6pria frustra~äo do autor, que neJe se encarna, ti,öes numerosas. Sem entrar no merito da questio, ligada a
tornando especialmente dofdos os seus encontros com os precon- um fenömeno estetico-social complexo como. o do bom gosto,
ceitos de cor e de classe. Uma tristeza, ora de rebelde ora de variavel de culrura para cultura, pode-se ver, na raiz dessa lln-
vencido, da o tom sentimental dominante a essas Recordaföes, gua "irregular" a pr6pria dissonfuicia espirirual do narrador com
onde alternam, chegando ils vezes a fundir-se, a representa,äo de o estilo vitorioso no mundo das letras em que, dialeticamente,
se inseria.
(260) Carta de Jose Vedssimo a Lima Barreto, em Corresponden. E em termos de estrurura narrativa, o que e todo o enredo
cia (ativa e passiva), Säo Paulo, Brasiliense, 1956, vol. I, pag. 204. do romance senäo a procura malograda de viver mais brasileira-

360 361
mente em um Brasil que- j~ estaV'a deixando de o ser, ao menos dano do tempo; o que nos da a medida da sua consci~ncia po-
naquele sentido romantico e meufanista que o pobre Major ainda lCmica:
quer cultivar? A grandeza de Lima Barreto reside justamente
no ter fixado o desencontro entre "um'' ideal e "o" real, sem A nossa cmotividadc litcrS:ria s6 sc intcrcssa pclos populares do
sertäo, unicamcnte porque säo pitorescos e talvcz näo s~ possa ve-
esterilizar o fulcro do tema - no caso o protagonista idealiza- rificar a verdade de suas criai;öes. No mais, C uma conunuai;ä:o do
dor - isto e, sem reduzi-lo a .slmb.Wo im6vel de um s6 compor- cxame de portuguCs, uma ret6rica mais difkil, a se dcscnvolver por
tamento. 0 desencontro veffi a ser, desse modo, a constante so- este tema sempre o mesmo: Dona Duke, m()\'.a de Botafogo em
cial e pslquica do romance e explica igualmente as suas defasa- Petr6polis que se casa com o Dr. Frcderico. 0 comendador scu
gens em rela~äo ao nivel da lingua rigidamente gramaticalizada do pai niio q~er porque o tal Dr. Frederico, apcsar de doutor, niio tem
emprego. Dulce vai a superiora do colegio de irmäs. Esta escreve
Pre-Modernismo. a mulher do ministro antiga aluna do colCgio, que arranja um cm·
Numa e Nin/a, satira politica, tende a caricatura. 0 de- prego para o rapaz. ' Esta acabada a. hist6ria. ."E- preci~o ~äo es·
quccer quc Frcdcrico e m()\'.O pobre, lStO e, 0 pal tcm dinhe1ro, fa·
putado Numa Pompllio de Castro, fina flor da burguesia domi- zenda, ou engenho, mas näo pode dar uma mcsada grande.
nante, jovem bacharel que sobe gra~as a sua diplomacia, no fun- Est8 al o grande drama de amor em nossas lctras, c o t~a d~
<lo dnica e capaz de sacrificar a honra pelo gozo dos privilegios. seu ciclo litcrS:rio. Quando tu ver3.s, na tua terra, um Dosto1cvski,
E notavel nessa obra a caracteriza~äo de alguns tipos secunda- uma George Eliot, um Tolst6i - giga.ntes destes, em que a. fori;a
rios, entre os quais o mulato Lucrecio Barba-de-Bode, cabo elei- de visäo, 0 ilimitado da cria~äo, näo cedem 0 passe a stmpaua pe-
toral ( "näo era propriamente politico, mas fazia parte da poli- los humildes, pclos humilhados, pcla dor daquelas gentes donde
8.s vezes näo vieram - quando?
tica e tinha 0 papel de liga-la as dasses populares" ... ), e 0
Doutor Bog6loff, imigrante russo, que serve ao romancista para
Däo-se aqui as mäos, para afrontar a estagna~äo mental que
apresentar sob novo prisma as mazelas da vida brasileira.
os revoltava Lima Barreto e o seu admirador Monteiro Lobato,
Mazelas, que, ainda em outra roupagem, reaparecem em embora est~ ficcionista menos vigoroso, nä"o tenha atingido a
Vida e Morte de M. ]. Gonzaga de Sa. Pintura animada e crö- vibra\äO estÜ!stica do primeiro. A aproxima~iio com Lobato s6
nica mordente da sociedade carioca, esse Jivro constitui, com o e possivel, de resto, em termos de atitude crftica geral, antipas-
seu visfvel desalinhavo, a mais curiosa sfntese de documentclrio sadista. Ja se viu o quanto o contista de Urupes estava preso .a
e ideologia que conheceu o romance brasileiro antes do Moder- modelos academicos. Quanta a Lima Barreto, um encontro mats
nismo. Gonzaga de Sa vem a ser o espectador a um tempo in- intimo com o seu estilo sugere uma que outra semelhan~a com
teressado e cetico daquele Rio dos prindpios do seculo, onde OS o "andamento" da frase machadiana, cuja velada ironia se entre-
pretensos intelectuais macaqueavam as idfias e os tiques da cul- mostra nas restric;öes, nas dllvidas, nas ambiguas concessöes 3
tura francesa sem voltar os olhos para os desnfveis dolorosos que mentalidade que deseja agredir: e a linguagem do "mas", do "t~l­
gritavam ao seu redor; onde a Abolii;äo, sem realizar as esperan- vez", do "embora", sistem3.tica nos romances de Machado~ d1s-
i;as dos negros, prolongou as agruras dos mestii;os; onde, enfim, persa e isolada na urgencia pol~mica e emocional desta Vtda e
a Repllblica, em vez de preparar a democracia econömica, insta- Morte de M. ]. Gonzaga de Sa.
lou solidamente os oligarcas do campo no tripe de uma burocra- 0 drama da pobreza e do preconceito r~cial constitu.i tam-
cia alienada, um militarismo estreito e uma imprensa impotente, bem o nudeo de Clara das Anios, romance macabado, vmdo a
quando näo venal.
luz postumamente, mas cuja primeira r~da~äo re~onta a ~904/05,
A obra e participante e aguerrida desde o tftulo, em que contemporäneo, portanto, das mem6r1as de Isa1as. ~am1nha. J;.
avulta um cac6fato ostensivo a desaforar o estilo oficial, puris- proximidade da composic;ä"o e do tema est3 a def1n1_r a nec~ss1-
ta, dessa fpoca 3.urea de gram3.ticas normativas e sonetos neo- dade de expressäo autobiografica em que penava o 1ovem L1.ma
parnasianos. Barreto. As humilha\öes do mulato encarna-as Clara dos An1os,
Ern dado momento, o escritor, falando pela boca de Gon- ri10\a pobre de suburbio, seduzida e desprezada por um rapaz d;
zaga de Sa, resume em tom irOnico certo tipo de romance mun- extrai;äo burguesa. Corno nas Recordaföes, a ai;ä.o e os scntt·

362 363
mentos niio chegam a -asstlmir a -Cspessura de um enredo, esfu- o cCu ofuscante, nio C mais o negror da noite picado de estrelas
mando-se aqui em retalhos da vida suburbana, animados de palpitantes; e a treva absoluta, e toda ausbicia de luz, ~ 0 miste-
ironia e piedade. rio impenetr:ivel e um näo podertls ir aJem que confessam. a nossa
pr6pria inteligencia eo pr6prio pensamento (pig. 186).
Um livro curioso, tambem inacabado, e Cemiterio dos Vi-
vos, mem6rias e reflexöes em torno da vida num manicOmio que E estes acentos que projetam o desejo bem dostoievskia-
o autor observou in loco, qu~ndo ·iiftemado, por duas vezes, por no ( 261 ) da reden~äo pelo sofrimento:
motivos de alcoolismo, no Hospkio Nacional. A obra, coligida
postumamente apresenta-se dividida em duas partes: a primei- Eu me tinha esquecido de mim mesmo, tinha adquirido um
ra contem o diario do escritor relativo a sua estada no casariiO grande desprezo pela opiniiio pllblica, que ve de soslaio, quc vE: CO-
da Praia Vermelba (do Natal de 1919 a 2 de fevereiro de 1920); mo um criminoso um sujeito que passa pelo hospfcio, cu niio tinha
a segunda, que e propriamente o romance, constitui-se do esbo- mais ambir;öes, nem esperanr;as de riqueza ou de posic;ä:o: o meu
'° de uma tragedia domestica cujos fragmentos altemam com as
pensamento era para a Humanidade toda, para a misCria, para o so-
frimento, para os que sofrem, para os que todos amaldir;oam. Eu
mem6rias da vida no hospkio. Nessas paginas, que elaboram sofria honestamente por um sofrimento que ninguCm podia adivi·
maduramente o conteudo das primitivas notas, o escritoJ ten- nhar; eu tinha sido humilhado, c estava, a bem dizer, ainda sen-
tou configurar um pensamento discursi".o cujo foco e 0 pr~p;io de, eu andei sujo e imundo, mas eu sentia que interiormente eu
resplandecia de bondade, de sonho de atingir a verdade, de amor
misterio da vida humana lan~ada as ma1s degradantes condi~oes pelos outros, de arrependimento dos meus erros e um desejo imen-
da miseria, da humilha~äo e da loucura. so de contribuir para que os outros fossem mais felizes do que cu,
Ha momentos que fazem lembrar as Record~·öes d~ Ca:_a c procurava c sondava os mist6:ios de nossa natureza moral, uma
dos Mortos de Dostoievski, näo tanto pela analog1a da s1tu~ao vontade de descobrir nos nossos defeitos o scu nU.cleo primitivo de
amor e de bondade (p. 183 ).
quanto pela sinceridade ardente do documenta humano.
Obrigado a varrer, em publico, o patio do manidlmio, con- Ainda niio foram suficientemente analisadas as disposilßes
fessa: reflexivas de Lima Barreto, mas o contato com essas mem6rias
Vcio-me, repentinamente, um horror ~ sociedade e 8 vida; uma e com as Impressöes de Leitura revela um esp!rito indagador,
vontade de absoluto aniquilamento, mais do que aquele que a mor- que procura o essencial, apesar das suas tenta~öes dispersivas,
te traz; um desejo de perecimento total da -minha mem6ria na ter- mais ou menos fortes, mais ou menos fatais, considerada a labi-
ra; um desespero por ter sonhado e terem mc acenado tanta gran- lidade emotiva do malogrado romancista.
deza, e ver agora, de uma hora para outra, sem ter perdido de fato
a minha situa~, cair täo, täo baixo, que quase me pus a chorar A titulo de exemplificao;ao, lembro: as paginas sobre Coe-
que nem uma crianc;a. lho Neto, em quem apontou, como falha de base, o näo ter-se
detido jamais a examinar as grandes angllstias do seu tempo; as
Falando da loucura: varia~öes sobre o tema da literatura militante; as palavras de
sarcasmo endere~adas aos puristas muito antes das nega~öes da
Parece tal espet3culo com os celebres cemitbios de vivos, que
um diplomata brasileiro, numa· narracäo de viagcm., diz ter havido Semana; enfim. as criticas violentas mas percucientes a fragili-
cm. Cantio, na China. dade da arte de Oscar Wilde, e as ~rlticas injustas mas profeti-
Nas imediar;Oes dessa cidade, um lugar apropriado de domfnio cas a ferinidade implicita no pensamento de Nietzsche e a vo!U-
pllblico era reservado aos indigentes que se sentiam. morrer. Da- pia estetizante da poesia dannunziana. . . Nessas e em outras
va-se-lhes comida, roupa e o caixiio fllnebre cm que se deviam co-
terrar. Esperavam tranqüilamente a Morte.
Assim. me pareceu pela prim.eira vez que deparei com tal qua- ( 261) "Leia sempre os russos" - recomendava, em carta, a um es-
dro, com repugrulncia, que provoca a pensar mais profundamentc critor estreante, na altura de 1919 - Dostoievski, Tolst6i, Turguieneff,
sobre de, e aq\]elas sombrias vidas sugerem a nor;iio em torno de um pouco de Gorki - mas sobretudo o Dostoievski da Casa dos Mortos
n6s, de nossa existCncia e nossa vida, s6 vemos uma grande ab6ba- e do Crime e Castigo (apud EugCnio Gomes, kpectos do Romance Bra-
da de trevas, de negro absoluto. Näo li mais o dia azul-cobalto c sileiro, Salvador, Livraria Progresso Ed., pilg. 158).
364
365
pciginas compostas, näo_ra~Q~ no aqodamento das redar;öes d~ jor- mo das pedras preciosas que se engastam nos aneis dos diploma-
nais, reponta um observad.or coerente e sagaz, que prelud1a os dos, var1ando na cor e na forma consoante o prestlgio do curso
pontos altos da critica modernista. feito; ou ainda, a vaidade dos intelectuais mediocres que, gravi-
Com Os Bruzundangas Lima Barreto fez obra satlrica por tando na esfera do poder, esperavam subir a for,a de pirotecnias
excelencia. Valendo-se do feliz expediente de Montesquieu nas verbais ("Um grande financeiro").
Cartas Persas, imaginou um visita~ estrangeiro a descrever a A obra de Lima Barreto significa um desdobramento do
terra de Bruzundanga, nada 'lnais nada menos que o Brasil do Realismo no contexto novo da I Guerra Mundia! e das primeiras
come<;o do seculo. Escrita nos Ultimos anos, a obra trai forte crises da Republica Velha. A sua direfäo de coerente critica so-
empenho ideologico e mostra o quanto Lima Barreto podia e sa- cial seria retomada pelo melhor romance dos anos de 30.
bia transcender as pr6prias frustrai;öes e se encaminhar para uma
critica objetiva das estruturas que definiam a sociedade brasilei-
ra do tempo.
Um eapirlto aberlo: Gra~a Aranha
A obra e de amplo espectro. La se encontra, por exemplo,
a satira dos costumes literarios da belle epoque: quem näo reco-
nhecera, na crönica sobre a "escola samoieda", o retrato dos sim- Seria cömodo tra,ar um paralelo entre Lima Barreto e Gra-
bolistas europeizantes perdidos atr3s da "harmonia imitativa" e '" Aranha ( 263 ).
forjando po<'ticas que alternavam o cerebrino e o pueril? ( 262 ) Os dois vultos mais importantes da fic,äo pre-modernista
Mas ha criticas mais fundas. 0 escritor percebeu a tempo a fra- provieram de camadas sociais opostas, palmilharam exist@ncias
gilidade da economia do pais posta sobre a exporta\'äO de um so diferentes e chegaram a diferentes op,öes esteticas.
produto que se valorizava a custa dos demais e da industria. E, No entanto, ambos expressaram uma atitude espiritual fron-
como fino moraliste, Lima Barreto voltava-se para as resson.ln- talmente antipassadista e premonit6ria da revolu,äo literaria dos
cias desse estado de coisas na conduta das varias classes: säo sa- anos 20 e 30; e, sobretudo, achavam-se ambos impregnados de
borosas as paginas que dedica aos moradores cheios de prosapia forte sentimento nacional e aguilhoados por uma consciCncia cri-
da Provincia do Kaphet; ou ao culto do ".doutor" e ao fetichis-

(263) JosE PEREIRA DA GRA<;A ARANHA (Säo Luls, Maranhäo, 1868


Eis aqui um trecho em que o autor finge ouvir a conversa de
( 26:?) - Rio, 1931 ). De famllia maranhense abastada e culta, conheceu um lar
dois vates da "escola samoieda": propfcio a seu desenvolvimento espiritual. Adolescente ainda, foi para
"Num dado momento Kotelniji disse para Worspikt: Recife cursar Direito tendo por mestre Tobias Barreto que seria uma pre-
- Gostei muito desse teu versa: - "h:l luna loura linda levc, luna senr;a atuante no seu itinerario. Formado, em 1886, segue a magistratura.
belal" A RepUblica encontra-o juiz em Campos; em 1890, C nomeado juiz muni-
cipal em Porto do Cachoeiro, no Esplrito Santo, onde colhe dados para
0 autor cumprimentado retrucou: seu futuro romance, Canaä. ~ de 1894 o seu primeiro trabalho imprcsso:
- Näo fiz mais que imitar Tu,que-Tuque, quando encontrou aquela o pref3cio ao livro Concep~äo Monistica do Direito, de Fausto Cardoso.
soberba harmonia imitativa, para dar· idCia do luar - "Loga Kule Kulela A amizade de Joaquim Nabuco e a publicar;äo de um excerto daquele r<>
logalam", no seu poema "Kulelau''. mance valem-lhe a eleir;äo precoce para a Academia Brasileira de Letras
Wolpuk, porem, objetou: recCm-fundada, onde ocupa a cadeira cujo patrono foi Tobias. Entra para
- Julgo a tua excelente, mas teria escolhido a vogal forte "u", para o Itamarati, dividindo-se entre a Iiteratura e v3rias missöes diplom:lticas
( 1900-20: lnglaterra, Itlilia, Sufc;a, Noruega, Dinamarca, Franr;a, Holanda).
basear a minha sugestäo imitativa do luar.
Regressando ao Brasil, procura vivificar a cultura nacional com as Ultimas
- Corno? perguntou Worspikt. correntes da arte e do pensamento europeu que assimilara, particularmen-
- Eu teria dito: Ui! lua uma pula, tu moo! sulla nuit! te, na Frarn;a ( intuicionismo, vitalismo e, em geral, as tendencias esteti-
- Ha muitas lfnguas nela, objetou Kotelniii. zantes p6s-simbolistas ). Participa da Semana de Arte Moderna e rompe
- Quantas mais melhor, para dar um car3ter universal a poesia que espetacularmente com a Academia ap6s a conferencia "O Esvfrito Mo-
deve sempre te-lo, como ensina o mestre, defendeu-se Wolpuk" (p3:g. 43). derno" ( 1924) em quc vcrbera a imobilidade da literatura oficial. Nesse

366 367
tica dos problemas brasileiros. A nenhum dos dois caberia uma entre selva e cultura, tr6pico e mente germ" . b
situar;äo de repetidores dd romance oitocentista. mold t ,· anica, era ern de
e a entar u_m esp1r1to propenso ao jogo das ideia
Uma copiosa informar;äo francesa e alemä cedo deslocou mo' tem~o, sens1vel as formas e as cores da paisage!_e, ao mes-
Grar;a Aranha do provincianismo que estagnava nossa cultura no
princfpio do seculo, permitindo-lhe voltar da Europa como arau- . As,:1m nas;:e~ Canaä, retrato de a1gumas teses em cho u
to de "espirito moderno" com que-4entou, corn ambiguos resulta- delerta<;~o romanuco-naturalista das realidades vitais. A duili~
dos, fecundar o Movimento' de 22. dade, nao :esol_v1da por um poderoso talento artfstico criou -
ves deseqmlibr10s na estrutura da obra . 1 ' gra
Ha duas faces a considerar no caso Gra1;a Aranha: o roman- n , . d h . ' CUJO va or enquanto ro
m~ ;e,le a1n a o1e posto em dUvida por mais de ~m crltico res.
cista de Canaii e de A V iagem Maravilhosa e o doutrinador de pe1tave . -
A Esthica da Vida e de Espirito Moderno: faces as vezes dis-
tantes no tempo, mas ligadas por mais de um carater comum. A~ te'.es em conflito säo defendidas por dois ami os imi-
Gra1;a Aranha nunca escondeu ( antes, exaltou) as inf!uen- gr~nt~s. M~au. e Lentz; este a profetizar a vitüria dos garianos
cias por ele sofridas no seu periodo recifense: monistas e evolu- jnerg1cos e o?11nadores, sobre o mestii;;o, fraco e indolente· aque~
cionistas. Diluldas, embora, pela ret6rica da sua forma1;äo ju- e a pregar a Integrai;;äo harmoniosa de todos os povos n; natu-
ridica, as ideias-for1;a que operariam na mente do futuro narra- ~~~~e1:a~~~7aJ~ f!r~a~o~t~a,:~:i ed~re o r~,cismo e o ~ni':ersalisr;io,
dor mantiveram sempre acentuada colorai;äo cosmicista; a mes- men te C - . amor que po1anza 1deolog1ca-
ma colorai;äo que se reconhece nos escritos das seus contemporä- ' emd anaa, as at1tudes do imigrante europeu diante da s a
nova mora a. u
neos Euclides da Cunha e Augusto dos Anjas.
b Documenta literari? precoce, nesse sentido o romance em-
Acasos da fortuna levaram-no, jovem juiz municipal, a fi-
ora pade~a de generahzai;;öes inerentes ao estilo im . ' d
xar-se por alguns meses em Porto do Cachoeiro, pequena comu-
nidade do Espfrito Santo, onde predominavam imigrantes ale- ~o'i; pr{J1':ta com nhidez um problema fundamentai"~~o:~cul~
. d ras ed1ro, .antec1pando-se de muito a tomada de conscifn-
miies. A observa1;äo da vida local, com seus patentes contrastes Cla os mo ern1stas.

rifica~~t:liv:as dl Lentdzsoam como ecos nietzscheanos ao glo-


mesmo espfrito, agora voltado para os problemas sociais e politicos do u a peo po er e a moral do mais f t
Brasil, escreve A Viagem Maravilhosa, romance, e adere a Revoluc;ä:o de apoios cientlficos ainda sabem ao determinismo oJee'n:::i;~us
Outubro, de que fora, intelectual e sentimentalmente um precursor. Alias,
zes r~~~teac:!t~a~~esodbarefusäo com espCdcies radicalmente incapa.
pouco lhe sobrevive, pois faleceu, no Rio, em janeiro de 1931, aos sessen-
ta e dois anos de idade. Obra: Canaä, 1902; Malasarte, 1911; A Estetica S , 'I' que se possa esenvolver · il' -
da Vida, 1921; Espirito Moderno, 1925; Futurismo. Manifesto de Mari-
netti e Seus Companheiros, 1926; A Viagem Maravilhosa, 1929; 0 Meu e~~:a:~~~: r~!ira~~t~~eJ~!e(ior, )civ~:a~äMJka mu1~t~~~ e~:;~~~
Pr6prio Romance, 1931; Machado de Assis e Joaquim Nabuco - comen- na e nä:o desaparecera· d d' · · · · ~o, u, a or~a e eter-
ttirios e notas d correspondencia entre estes dois escritores, 1923. Consul- vilizac;ä:o, que e o sonho da de~a e1a. su~u~ara'. o .escravo. Essa ci-
tar: Jose Verissimo, Estudos de Littratura Brasileira, 5.• sCrie, 2.• ed., Rio, te negac;ä:do de toda arte, de todao~r~~~~rd:de r~td~1dp~pe~i! ~~= tr~-
Garnier, 1910; Sergio Buarque de Holanda, "Um Homem Essencial'', in H omem eve ser forte e quer · el ·
Estetica, 1-1, set. de 1924; Ronald de Carvalho, Estudos Brasileiros, 2.• a conscic!ncia de sua personali~~d:1ver, e aqu e que um di~ atinge
sCrie, Rio, Briguiet, 1931; Agripino Grieco, Evolufäo da Prosa Brasileira,
Rio, Ariel, 1933; Tristä:o de Ataide, Estudos, 5: sCrie, Rio, Civil. Brasilei-
::~~~ ~~~ ~:~: ~es:~s~ aq~ele Qu;u~as~;~l~~~~ ad~~~v~~j~
~olo,
e que C ele pr6prio :~a fl~r:c;ä~o~~ :~~~lee : e ~~C::
0

ra, 1935; Orris Soares, "Grm;a Aranha: o Romance-Tese e Canaä:", em ~


0 Romance Brasileiro (dir. de AurClio B. de Holanda), Rio, 0 Cruzeiro, omem e senhor (Canaä, 11.• ed„ pp. 4345 ). •
1952; Carlos Dante de Morais, Realidade e Ficc;ä:o, Rio, MES, 1952; Otto
Maria Carpeaux, Presenfas, Rio, 1. N. L., 1958; Xavier Placer, "O Im-
pressionismo na Ficc;ä:o", em A Literatura no Brasil, Rio, Ed. Sul-Ameri- d T:mos al uma amostra. representativa de Iarga faixa do De-
cana, vol. III, t. 1, 1959,; JosC C. Garbuglio, 0 Universo EstCtico-Sensorial ca ent1smo europeu: colon1alismo agressivo, isto e,
imperialis-
de Grafa Aranha, Faculdade de Filosofia de Assis, 1966. mo, aquentado por fogachos vitalistas e estetizantes.
368
369
A essa conce~äo ferina da eoristencia, Milka.u opö7 u~ ev:; processos impressionistas, que, conscientes ou näo, bem se ajus-
lucionismo humanitario em que se percebe difusa msprra~ao tam a esse naturalismo fil trado pela experiencia simbolista {264).
As formas, as cores e os pr6prios aspectos luminosos do ambien-
tolstoiana:
O mundo ~ uma exprcssäo da harmonia e do amor universal.
r: anim_am-se em tor.no da cr~atura ~ue os recebe como impres-
soes pe1adas de. senudo emoc1onal; smtomaticamente, säo perfo-
( E apontando para a vegeta~o no alto de uma rocba.) Na vet· dos breves e d1retos a sucederem-se como num desfile de ima-
dade, a vida dos homens ~a. terra°' ~o ~ daque~. ~lantas S<?bre gens-sentimentos:
a terra. ( ... ) Do muito amor, da soli~r1e~ade inf1;111ta e int~,
surgiu aquilo que n6s admiramos: um 1ardun trop1cal expandin·
d em luz em cor em aromas no alto da montanha nua, que Aumentavam as sombras. No cCu, nuvens colossais c tUmidas
eks;ngrinald~ como u~ coroa de' tri~o: . . A vida hhmana dev~ rolavam. para o abismo do horizonte... Na viirzea, ao claräo in-
d
ser tambem assim. Os seres säo des1guats, mas, p~a egarmos 0 deciso do crepll~culo, os seres tomavam ares de monstros ... - As
montanhas, sub1ndo amea~doras da terra, perfilavam-se tenebro-
uni da de cada um tem de cootribuir com uma port;ao e ~or · 8
mal est~ na fo~a, ~ necessirio renunciar. a to?a a au:i'~~~e,
sas. . . O~ caminhos, _espr~guii;ando-se sobre os campos, anima-
A
vam-se qua1s serpentes infin1tas... As filvores soltas choravam. ao
todo 0 governo, a toda a posse, a toda a v1olencta (pp. ·
vento como carpideiras fanttlsticas da natureza morta ...
Os ~rimeiros ':'.~a-lumes comei;avam. no bojo da mata a correr
A posi~äo de Milkau näo se restringe a defe_sa ?e
ideias: as sua~ l~padas div1n~s. . . No alto, as estrelas milldas e sucessi-
desdobra-se em a~äo quando passa a proteger Mar1.a, JOV~m co- v:as _pnnc1p1avam tambem a iluminar... Os pirilampos iam.-se mul-
tJ.phcando dentro da floresta, e insensivelm.ente brotavam silencio-
lona que, expulsa pelos patröes ao saberem-na grav1da, da a Iu; sos. e inumeniveis nos troncos das 3:rvores, como se as raizes se
em tr3gicas circunstancias, vindo a ser acu~ada da mor~e. do pro- abn~sem. ~m pontos !uminoso~. ( ... ) As montanhas acalmavam-se
prio filho. Maria encarna, a?s olhos. de Milkau, ,a frag1lidade ?a na 1mob1hdade perpetua; a~ arvores esparsas na vtlrzea perdiam o
Mulher, espezinhada pela le1 do ma1s forte. So o afeto desm- aspecto de fantasmas desvairados... No ar luminoso tudo reto·
m~~a a fision?mia impassivel. Os pirilampos ja niio voavam, e
teressado a salvar3, resgatando a crueza dos homens que se ~ro­ ~1ades e Dll!fades deles cobriam os troncos das iirvoies1 que
gam 0 direito de condena-la. Libertando-a ~o car~ere e fugmdo fa1scavam. cravados de cliamantes e topäz.ios (p. 196).
com e!a em dire~äo de outros horizontes, Milkau 1ulga buscar a
terra prometida, a luminosa Cana~, onde a yida näo seja uma com- , E facil de ver que os trechos citados ilustram apenas os dois
peti~äo de odios mas uma conqmsta de amor .. . polos. da estrutura de Canaä: o ideol6gico e o representativo-
Na medida em que Gra,a Aranha se de1xou levar abus1va-
-emo~1v~. A es;e cabe, cum grano salis, a qualifica,äo de im·
mente pelo "romance de tese", näo logrou estrutura_r persona-
press1on1sta. Ha, contudo, nessa obra sincrftica, lange de um
gens convincentes. Mas soube descrever com maestr1a alguma_s
e de outro extremo, lugar para a prosa documenta! de tom me-
cenas de violCncia e instinto que servem de contraponto e agu1-
d!o, em que o romancista fixou a paisagem humana da co!Onia
lhäo aos ideais pacifistas de Milkau: o enterro do velho ca,ador
pmt~ndo eo~ sim~licidade a vida !aboriosa dos imigrantes ( aque-
cujo cadaver e disputado aos coveiro~ por cäes furiosos e cor-
le mISto de mgenu1dade e dureza pr6prio do protestante alemifo),
vos famintos; o rito biirbaro dos mag1ares, que fecundam ~ ter-
au as m_azelas da burocracia judiciiiria que se diverte a vexar e a
ra com o sangue de um cavale> a,oitado ate a morte; enhm, o
nascimento do filho de Maria em plena mata, entre porcos selva- ex.torqu1r os colono~. Notavel tambem a reprodu,äo de alguns
n_>Itos dos folclores mdfgena e euro peu: paginas que valem por
gens que acabam por devora-lo. . s1 mesmas, fora do contexto do romance.
Ha uma forte dose de naturalismo na reprodu~äo desses ep1-
s6dios. Mas näo e um naturalismo impessoal e "c~entifico", de Depois de Canaä, Gra~a Aranha orientou-se para a expres-
escola: a sensibilidade do prosador empenha-se ehcazmente .ao säo de um pensamento vitalista que arejasse os quadros do mo-
plasmar a linguagem narrativa, que, em certos momentos, at1n-
ge a!to nfvel estetico. ( 264) Para a anilise da poCtica de Gra~a Aranha, entendida como
A antol6gica descri,äo de Maria adormecida. na mata, co- tratamento preferencial de sensa~ e impressöes, cf. (j Vniverso Esteti-
berta e aureolada pelos pirilampos noturnos, autoriza a falar cm co-Sensorial de Gr(Jfa Aranba, de Jose C. Garbuglio, cit.

371
370
~19.3 ). Näo se pode negar que esscs conceitos se aproximavam
nismo que berdara a Tobias Ban1'to. A sua cria,äo i:i;ira_mente
do primitivismo que marcara certos _,grupos da vanguarda euro-
literaria ressentiu-se desse pendor filosof~nte: a exper1e~c1a tea-
peia sedeada em Paris, ja antes da I Guerra Mundia!.
tral de Malazarte, na esteira do Simbolismo. europeu„ e exem-
plo inequfvoco de qu~to o peso das alegonas, quando progra- Foi animado de tais pontos de vista que Gra\:a Aranha, vol-
madas, pode destruir memediavelmente_ a obra de ai;t~. . tando da Europa, se encontrou com o grupo modernista ( 26 ' ).
Medita\:Öes sobre o b011!em no,Vru~e:so, A Estetzca da Vt- A luta contra o inimigo comum, o Neoparnasianismo oficial, pro-
da e Espirito Moderno, desenvolvem as ide1as ~xp~stas por ~il­ piciou, ao velho escritor aproximar-se de uma vanguarda icono-
kau no romance. O evolucionismo de extrat;ao teuto-ser~tpa­ clasta. Mas, como e sabido, o encontro teve muito de desencon-
na"' enriqueceu-se em contato com Os grandes pensado:es Irra- tro: ainda exclusivamente literario, sem nenhum embasamento
cionalistas do seculo XIX: Hartmann, Schopenh~uer, N1etz~che. filos6fico em comum, o movimento aspirava, acima de tudo, 3
Conservando os principios fundamentais do mon1smo, qu~ tden- renovacäo arti'.stica: nova estetica, motivos novos, nova lingua·
tificava consciencia e universo, G. Aranha procurou ex.tra1r des- gern. S6 com o tempo foram-se afirmando algumas linhas de
.dade uma filosofia de vida que se resolve em autudes es- pensamento, gra\:as il reflexäo de Mario, Oswald de Andrade e
sa u n! d .•. Paulo Prado; mas ja näo se tratava da Semana, senäo do itinerä-
tfticas, contemplativas e fruidoras a ex1stenc1a. ~ " .
Um dos temas constantes desse pensa?1e.n~o e a. urg:nc1a rio pessoaI de alguns dos seus participantes.
de vencer o "terror c6smico" do homem pr1m1uvo ( atnd~ ignJ- Por duas vezes o autor de Canaä interveio espetacularmen-
ro da sua comunhäo com o Todo) incutindo-lhe o senudo a te em fun,äo do movimento: na primeira, durante a pr6pria Se-
arte e das outras formas esperituais que integram a cultura e mana~ proferiu a conferCncia "Funi;äo Estetica da Arte Moder~
däo a medida de nossa liberdade: na" na qua! defendeu o objetivismo dinämico, formula adequa-
da ao espirito dos novos tempos na medida em que superasse o
Aquele que compreende o Universo ~omo u~ dualida.de de lirismo do "eu" para atingir a poesia do cosmos unitario; na se-
alma e corpo, de espirito e matc!ria, de cnador e cnatura, vive na
gunda, ja def!agrado o movimento, falou a seus pares da Acade-
perpCtua dor. da f d do som mia Brasileira de Letras, reptando-os a escolher entre evoluir ou
Aquele que pelas senSa\:ÖCS vagas . orma, a rrde inf ·eo'
se transporta ao sentimento univ:r~al e se ~unde no o o lnt • morrer ( "0 Espfrito Moderno", conferencia, em 19-6-1924).
vive na perpetua alegria_. (A Estetzca da 't'zda, PP· 34-35). Esse Ultimo gesto näo veio sem conseqüCncias: vendo recusado
um projeto seu de reforma da Academia, desligou-se da institui-
Aplicando essa concep,äo do mundo a sua patria, Gra<;a \:äo ( 18-10-1924), aproximando-se cada vez mais de alguns es-
Aranha compos um esbo\:O de "Metaf!sica Brasileira'', onde dis- critores modernistas, que constitui'.ram uma especie de "ala Gra-
serta longamente sobre o tra\:O definidor do n_osso povo, que ~· Aranha" dos anos posteriores ~ Semana - Ronald de Carva-
seria a imaginaräo, conatural ao estado de ma~ta em. que .v1ve- lho e Renato de Almeida, a quem dedicou sua Ultima obra, A
riam os descendentes de dois povos de mentahdade rnfanul ( o Viagem Maravilhosa.
negro e o Indio) e de um povo nostalgico e melanc6lico, o por- Ha nesse romance uma vontade program3tica de ser mo-
tuguCs. O homem brasileiro deveria, portanto, vencer a nat:i- derno. Desde as ideias gerais que vinha defendendo de longa
reza que o apavora (sempre o "terror ~6~mico") e. ~ ?r6~r1,a data ate o lfxico e os torneios sint3ticos, o autor se propöe a
imaginai;äo que o escraviza ao estado ~ag1co. A. v1to:1a v1ra, construir um livro clin3.mica e nervosamente antitradicional. As
cre 0 escritor, mas näo em uma forma ref1nada e antttrop1cal ( co-
mo a de Macbado em quem Gra~a Aranha reconbece uma ex- 265
cei;äo de gCnio), s~näo por meio de um incorp~rar livre. e cons- ( ) "Gra\:a Aranha, que chegara ao Brasil em outubro de 1921,
entrou, logo, em contato com os modernistas, mas "o movimento estava
cien te daquelas mesmas for\aS primitivas que a1nda sub1u_ga~ o ja em plena impulsä:o", como diz Manuel Baßdeira, "totalmente estrutu-
homem brasi1eiro. Nessa perspectiva, Jose de Alencar terta st?o rado sem o seu concurso" (M3rio da Silva Brito. Hist6ria do Modernismo
0 primeiro passo para a cria\äO de uma Hngua e de uma est€ittca
Brasileiro. Antecedentes da Semana de Arte Moderna, S. Paulo, Saraiva,
autenticamente nacionais (A Estetica da Vida, pp. 85-121 e 165- 1958, Pllg. 287 ).

373
372
teses e as obras modernisti(s par~em ter influido mais em Gra- 0 Modemismo: um cllma estettco e pslcol6gico
'" Aranha do que ele nelas. . . Basta confrontar o estilo de
Canaä ( ainda pr6ximo do amplo paisagismo romiintico e do exa- Gra,a Aranha, empenhado ate o firn da vida na teoriza,äo
to descritivismo realista) com o desta Viagem Maravilhosa, onde de uma estCtic;a mais aderente a vida moderna, foi o Unico in-
residuos das velhos processos se justapöem a linhas e manchas telectual da velha guarda que, a rigor, pöde passar de uma vaga
da natureza, retalhos da mem6ria SJUnhavados entre impressöes esfera pre-modernista ao Modernismo. A um Lima Barreto ou
da presente, close-ups de per'Sonagens, tomadas rcipidas de situa- ao Ultimo Euclides quadra, antes, o adjetivo "moderno" que,
\Öes e cenas, dando 3s vezes a impressäo de um filme longo e o abra,ando conota~öes varias, pode ou näo incluir 0 matiz litera-
seu tanto confuso. rio. Quanta ao termo "modernista", veio a caracterizar, cada
Entretanto, nem as inst3.ncias ideol6gicas nem a "atualiza- vez mais intensament_e, um c6dif!.O novo, diferente das c6digos
\äo" dos recursos expressivos logram substituir o que deve ter parnasiano e simbolista. "Moderno" inclui tambem fatores de
de medular um bom romance: a apreensäo vital das personagens, mensagem: motivos, temas, mitos modernos. Com o maximo
seja direta seja alusivamente. Eis o que aconteceu 3 Viagem de precisä:o semantica, dir-se-ci que nem tudo o que antecipa tra-
Maravi/hosa: uma hist6ria comum de adulterio, vivida por um ,os modernos ( Lobato, Lima Barreto) sera modernista; e nem
marido bo\al, uma mulher inquieta e um discursivo amante, bus- tudo o que foi modernista ( o decadentismo de Guilherme, de
ca provar exaustivamente que a ventura reside na supera\'.ä:o do Menotti, de certo Oswald) parecera, hoje, moderno.
terror c6smico, isto e, na livre integra\äO da consciencia no Todo Entretanto, a dissociac;äo de c6digo e tema, fecunda no mo-
Universal ... mento da analise textual, vira metodo arriscado em historiogra-
Exaltados pela revela>iio dessa doutrina, os protagonistas, fia. 0 seu uso mecänico pode gerar roteiros, mutuamente ex-
Filipe e Teresa, louvam-se nestes termos: clusivos: a hist6ria da literatura como sucessäo de processos
formais; ou a hist6ria da literatura como exemplcirio de tenden-
- Filipe, tu es Unico e imortal. Eu SOU gloriosa.! Meu amor ..• cias näo-estfticas. Para evitar esses extremes, no trato do nosso
- ö minha alma musical. . . Canta este amor que tu me Modernismo, convem retomar algumas ideias dq COIDf\0 deste
revelaste e que e a minha paixio. Todo ~ meu ser vive em ti um
divino extase. Tu me deste a eternidade, 6 gloriosa!
capltulo.
Se por Modernismo entende-se exclusivamente uma ruptura
Segundo o juizo severo de Agripino Grieco, '(nesta Viagem com os c6digos liter3rios do primeiro vintenio, entäo näo houve,
Maravilhosa tudo e construido nas nuvens, com andaimes na a rigor, nenhum escritor pre-modernista.
Utopia, e nada aproveita ao Brasil" ( Evolu{iio da Prosa, cit., Se por Modernismo entende-se algo mais que um conjun-
p. 126 ). to de experifncias de linguagem; se a literatura que se escreveu
No entanto, sempre que Gra,a Aranha fixa personagens se- sob o seu signo representou tambem uma critica global as estru-
cundcirias consegue bons efeitos de naturalidade, pois, ao apre- turas mentais das velhas gera\öes e um esfor\o de penetrar mais
sent3-las, foge aos esquemas döutrincirios e simb6licos que em- fundo na realidade brasileira, entä:o houve, no primeiro vintCnio,
panavam a sua visäo de ficcionista. exemplos prohantes de inconformismo cultural: e escritores prf-
A verdade e que, malogrado o romance no seu ponto ne- -modernistas foram Euclides, Joäo Ribeiro, Lima Barreto e Gra-
vrcilgico, restaram muitos escombros, e alguns respeit3.veis como >a Aranha ( este, independentemente da sua participa,äo na
tratamento artlstico da prosa narrativa: os trechos que reprodu- Semana).
zem a macumba da negra Balbina e a cena do carnaval alucinan- E claro que, a medida que nos aproximamos da Semana,
te säo exemplos felizes de um estilo que procurava projetar uma säo as inova<;Öes formais que nos väo atraindo, isto e, aquele es-
concep,äo diniimica do mundo. Fragmentes que honram a sen- pirito modernista, stricto sensu, que iria polarizar em torno de
sibilidade e a intui,äo de um homem cujo roteiro revelou sem- uma nova expressäo artistas como Anita Malfatti, Victor Bre-
pre uma generosa disponibilidade para as aventuras do espfrito. cheret, Di Cavalcanti, Vila-Lobos, Maria de Andrade, Oswald

374 JlJ
de Andrade, Menotti -del 'ficchi1i', Sergio Milliet, Guilherme de Nesse clima, s6 um grupo fixado na ponta de lanc;a da bur-
Almeida, Manuel Bandeira. E e em face desse clima de van- guesia culta, paulista e carioca, isto e, s6 um grupo cuja curiosi-
guarda que se constata uma viragem na literatura brasileira j3. dade intelectual pudesse gozar de condic;oes especiais como via-
nos anos da I Guerra Mundia!. gens a Europa, leitura dos derniers cris, concertos e e:xposi~öes
A afirmac;äo de novos ideais estCticos näo veio de chofre. de arte, poderia renovar efetivamente o quadro literario do pals.
As vesperas do conflito alg;ms es1'itores brasileiros traziam da A Semana de Arte Moderna foi o ponto de encontro desse
Europa noticias de uma literatura em crise. Oswald de Andra- grupo, e muitos dos seus tra\'.OS menores, hoje caducos e s6 reexu-
de conheceu em Paris o futurismo que Marinetti, em 1909, lan- m<iveis por leitores ingenuos ( pose, irracionalismo, inconseqüen-
c;ara pelas paginas do Figaro no famose Manifesto-Fundac;äo; e cia ideol6gica) devem-se, no fundo, ao contexto social de onde
trouxera de Ja a maravilha de ver um poeta de versos hvres, Paul proveio.
Fort coroado principe das poetas franceses; Manuel Bandeira 0 fato cultural mais importante antes da Semana e que ser-
trav~ra contatos com Paul Eluard, na Sulc;a, e viera marcado por viu de barömetro da opiniäo publica paulista em face das novas
um neo-simbolismo de cuja dissoluc;äo nasceria o seu modo de tendencias foi a Exposic;äo de Anita Malfatti em dezembro de
ser modernista; Ronald de Carvalho, embora pouco tivesse de 1917 ( 267 ). Quem lhe deu, paradoxalmente, certo relevo foi
revolucionario, ajudara em 1915 a fundac;äo de uma rev1sta da Monteiro Lobato que a criticou de modo injusto e virulente em
vanguarda futurista portuguesa, Orfeu, centro irradiador da poe- um artige intitulado "Paranoia ou Mistificac;äo?" (268). Ja me
sia de Fernando Pessoa e de Sa Carneiro; Tristao de Ataide e o referi 3 COntradi\'.äO moderno-antimoderno, Oll melhor, moder-
pr6prio Grac;a Aranha conheceram igualmente as vanguardas eu- no-antimodernista, que dividiu a conscifncia de Lobato, ele pr6-
ropeias centradas em Paris; e da Paris de Apollinaire, Max Ja- prio medfocre paisagista academico e avesso a todas as correntes
cob e Blaise Cendrars vinha a poesia modernissima de Sergio Mil- esteticas do seculo XX. Anita Malfatti trazia a novidade de ele-
liet escrita embora em Genebra ( En singeant, Le depart sous la mentos pl<isticos p6s-impressionistas ( cubistas e expressionistas L
'
pluie). que assimilara em sua viagem de estudos pela Alemanha e pelos
Estados Unidos. Defenderam-na, primeiro Oswald e, pouco de-
O termo futurismo, com todas as conotac;öes de "extrava-
pois, Menotti de! Picchia; Mario de Andrade esteve entre os
g3ncia", "desvario" e. "barbarisrn~", cor.öe~a ~ circular. . n~s jor- admiradores da primeira hora.
nais brasileiros a parur de 1914 ( 266 ) e v1ra 1dolo polem1co na
De 1917 a 1922, os futuros organizadores da Semana tra-
boca das puristas. Estes e o leitor rnedio haviam ignorad~ ou
varam conhecimento com as v3rias poeticas de p6s-guerra e cons-
posto em ridfculo as inova\'.Öes simbolistas, como o verso livre,
titufram-se como um grupo jovem e atuante no meio liter.irio
e ainda preferiam Bilac, Vicente e menores. Vicejava, ao lado
paulista. Entretanto, a leitura das obras escritas por eles no co-
da prosa regional, um genero de versa sertanista, meio popular
mec;o desse periodo mostra que muito de tradicional ainda subsis-
meio culto, que, assinado pelos "caboclos" Cornelio Pires e Pau-
tia no esplrito de todos, enquanto escritores. Mario de Andra-
la Setubal ou pelo pern6stico Catulo da Paixäo Cearense, dava a
medida do gosto hibrido a qu~ se chegara.
( 267) AI?enas para· constar: em 1913, o grande pintar russo Lasar
Segall expusera, tambCm em S. Paulo, quadros impressionistas e exprcssio-
( tOü) Por informm;äo do Prof. Jose Aderaldo Castello, sei da exis- nistas. Näo hauve, parem, em torno do seu nomc celcuma algwna. Os
tencia de um folheto publicado na Bahia, por volta de 1910, por Alm3quio tempos ainda näa estavam maduros. Cf. Paulo Mendes de Al.meicla De
Dinis: transcreve o Manifesto de rv1arinetti e o traduz. Näo tenho noti· Anit~ ao M!'seu (S. Paula, Comissäo Estadual de Cultura, 1961), ~nde
cia de qualquer repercussäo do texto antes de 1912, data da volta de se da o dev1da peso 8 presen~ de Segall a partir de 1924. Sobrc a sua
Oswald da Europa. Quanta a imprensa, OS primeiros ecos säo ~e 1914 .e arte, v. o belo ensaio de M-3.rio de Andrade, escrito cm 1943 c inclufdo
aparece1n no artigo de Ernesto Bertarelli, "As Lir;Oes do Futunsmc;>", '!' nas Aspectos das Artes Pltisticas no Brasil, 5. Paulo, Martins, 196',
O Estado de Säo Paulo, de 12-7-1914 (apud M3.rio da Silva Brito, H1st6r1a pp. 47-68.
do Modernismo Brasileiro. Antecedentes da Semana de Arte Moderna, (268) In 0 Estado de Säo Paulo, 20-12-1917 (apud Mario da Si!va
S. Paula, Saraiva, .1958, p. 31 ). Brito, op. cit., pp. 45-49).

376 377
de estreou em 191 /, soll o pseudonimo de Marie Schral, com re"), mas ja assimilaria, em Carnaval ( 1919), sugestöes mais
uma plaquette, Ha uma Gota de Sangue em Cada Paema, versos ousadas dos crepusculares italianos Corazzini e Gozzano, poetas
ret6ricos dirigidos contra o militarismo alemäo; Manuel Ban- capazes de dissolver em auto-ironia as cadencias her6icas de Car-
deira quando os leu achou-os "ruins, mas de um ruim esquisito", ducci e D'Annunzio; est<i nesse livro de transii:;äo o poema-s<itira
impressäo que lhe veio talvez da mistura de resqukios condo- "Os Sapos", que seria recitado numa das noites da Semana 1 sob
reiros ( "Exaltac;äo da Paz"), penwnbrismos belgas ( "Inverno'', os apupos das assistentes:„
"Epitalämio") e uma ou o~tra ousadia Iexica ( 11 E o vento conti-
nua com o seu oou . .. "), que faria esperar uma concep~äo mo- Enfunando os papos,
derna de arte. Saem da penumbra,
Aos pulos, os sapos,
Quanto a prosa inicial de Oswald de Andrade, padeceu tam- A luz os deslumbra.
bem de um alto grau de hibriclismo, patente näo s6 em Os Can-
denados, romance de estreia, como tambem nas paginas de criti- Em ronco que aterra,
Berra o sapo boi:
ca em que, por exemplo, saudava como "estetica revolucion<iria" "Meu pai foi a guerra!"
um poema de Menotti de! Picchia cujo fecho assim dizia: "Näo foi!" "Foi!" "Näo foi!"
Teus olhos säo loiros vitrais, 0 sapo-tanoeiro,
Teus frCmitos lembram repiques de sinos, Parnasiano aguado,
Teus brar;os as asas des anjos divinos . .. Diz - "Meu cancioneiro
n bem martelado.
Estende como uma ara teu corpo: teu ventre
t um zimb6rio de marmore Vede como primo
Onde fulge uma estrela. . . ( 269) Em comer os hiatos!
Que ane! E nunca rimo
Os termos cognatos.''
De Menotti, que seria um das mais ativos organizadores da
Semana, o pUblico ja recebera com entusiasmo v<irios livros: Poe~ Os versos de Ribeiro Couto inseriam-se com toda pertinen-
mas do Vicio e da Virtude ( 1913), aind'a parnasiano; Juca Mu- cia na linha do penumbrismo, da "poesia em surdina" (]ardim
/ato ( 1917), poemeto regionalista que, pelo ritmo facil eo es- das Canfid§ncias, 1921, e Paemetos de Ternura e Melancalia,
tofo narrativo sentimental, logo se tornou sua obra mais lida e 1924) de que, na verdade, nunca se afastou, apesar de tentativas
plenamente aceita ate pelos medalhöes da epoca ( 210 ); Maises, posteriores de fazer poesia das cidades pioneiras, em Naroeste e
poema biblico, e As Mascaras, ambos de 1917 e ambos viciados Outras Paemas da Brasil ( 1933 ).
pelo decadentismo ret6rico. E no romance 0 Homem e a Mar-
le, de 22, o escritor narra as aventuras aleg6ricas de um artista Ronald de Carvalho, antes de cultivar o versa livre, foi so-
em Säo Paulo num estilo entre rom3.ntico e impressionista. Ern noro parnasiano em Luz Glariasa ( 1913) e Paemas e So-
outros escritores que comei:;at~m a sua carreira antes de 22, C netos (19).
ainda mais visivel a impregna<;äo de um passado recente. Ma- Oscilando entre o Parnaso e o Decadentismo, Guilherme de
nuel Bandeira e Ribeiro Couto foram intimistas da Ultima fase do Almeida, cujos primeiros livros logo alcan~aram a estima dos lei-
Simbolismo. Bandeira, com A Cinza das H oras, parecia eco per- tores amantes da "medida velha", compüs N6s, em 1917, A Dan-
dido do Decadentismo belga ("Eu fa<;o versos como quem mor- (a das Horas e Messidor, em 1919, e Livra de Horas de S6rar
Dalorosa, em 1920: todos reveladores de um virtuose da lin-
gua, para quem o intermezzo modernista ( Meu, Rafa) em nada
( 269)"Literatura Contemporänea'', in Jornal do Comercio, ed. de alterou a substancia tradicional do seu lirismo.
S. Paulo, 12-6-21 (apud Mario da Silva Brito, op. eil., p. 21).
Enfim, tambem academica foi a primeira face poetica de
( 210) "~ com poemas como esse que havemos de romper cami-
nhos no mundo e näo com arremedilhos franceses e tafularias de acar- Cassiano Ricardo (Dentra da Naite, 1915; Evangelha de Pä,
reto" - disse Coelho Neto (apud M:irio da S. Brito, op. cit., p. 72). 1917; ]ardim das Hesperides, 1920), que, ao contrario de Gui-
378
379
lherme de Almeida, -iria 'renovaf-se radicalmente sob a influen- p~rsuasivo: a Pauliceia Desvairada, obra conhecida pdos moder-
cia do Modernismo. · n1stas antes da Semana, e primeiro livro de poesia integralmente
Mas, apesar de todos esses elementos passadistas, o grupo nova ( 273 ). Ainda Mario, na serie de artigos intitulada "Mes-
foi-se tornando cada vez mais coeso, no bienio 1920-21, quando tres do Pa.ssado" ( 274 ), entoa um canto de funeral para os maio-
se afirma publicamente pela arte nova. E se o futurismo näo res parnas1anos; na ordern em que foram por ele "exaltados" e
era a sua componente Unic~, .era, 1'm' dlivida, a pedra de escän- sepultados: Francisca JUiia, Raimundo Correia, Alberto de Oli-
dalo a ser lam;ada nos arraiais academicos. Passam por futuris- veira, Olavo Bilac e Vicente de Carvalho.
tas, indiscriminadamente, Di Cavalcanti, Vicente do Rego Mon- Pa!a que acontecess~ a Semana, tudo j3 estava preparado.
teiro, Brecheret e a pr6pria Anita Malfatti. 0 epiteto e cömo- A coes~o do g~po pa~hsta, os contatos deste com alguns in-
do, a prega~äo de Marinetti · a mais conhecida, e a cdtica acade- telectua1s do Rio (Ribe1ro Couto, Manuel Bandeira Renato de
mica ainda näo sabe discernir a linha impressionista-cubista- ~J:neida, Vila-Lobos, Ronald de Carvalho) e a ade~äo do pres-
-abstracionista, que caminhou para a canstru(äa da abjeta paeti- tlg1oso Gra~a Aranha significavam que o Modernismo poderia
ca autönama, da linha primitivista-expressionista-surrealista, que lanfar-se como um movimento.
significava antes de mais nada, a praje(äa de tensöes incanscien-
tes da sujeita ( 271). 0 Modernismo: a „Semana"
Foram desses tempos de vigßia os artigos de Menotti de!
Picchia que, sob o pseudönimo de Helias, divulgava pelas pagi- Eis como o mais abalizado historiador da Semana de Arte
nas do Ca"eia Paulistana as novidades esteticas e fazia promo- Moderna narra os seus epis6dios centrais:
~äo do grupo vanguardista de Säo Paulo. Neles e nas reflexöes
de Oswald de Andrade e Cftndido de Mota Filho, que a essa al- Finalmente, a 29 de janeiro de 1922, 0 Estado de Säo Paula
tura escreviam para o ]arnal da Camercia, ja se configurava a noticiava: "Por iniciariva do festejado escritor sr. Grata Aranha
da Academia Brasileira de Letras, havera cm 'S. Paulo uma "~
dupla dire~äo que os modernistas iriam dar ao movimento: li- mana de ~te Moderna", em que. tomaräo parte os artistas quc, em
berdade formal e ideais nacionalistas. nosso a;ie10, representam as ma1s moclernas correntes artisticas"_
No pensamento de Oswald, havia um estreito liame entre a Esclareaa, tambem, que para esse firn o T eatto Municipal ficaria
aberto durante a semana de 11 a 18 de fevereiro instalando-sc
vida urbana paulista e a estetica revolucionaria: nele uma interessante exposi~äo. '
......................................... ' ............... .
Nunca nenhuma aglomerat;io humana esteve täo fatalizada a
futurismos de atividade, de indUstria, de hist6ria da arte como a Realizaram-se tr@s cspet8culos durantc a Semana, nos dias 13,
aglomera~o paulista. Que somos n6s, forr;adamente, iniludivelmen- 15 c 17, custando a ass1natura para os trCs recitais 186$000 os
te, se näo futuristas - povo de mil origens, arribado cm mil bar- ---
2
--
( 73) Oswald de Andrade, conhecendo os versos da Pauliceia Des-
cos, com desastres e ansias? ( 212).
vairada escri~os desde 1920, escreveu um artige entusilistico em que
c?ama a Mano de Andrade "O Meu Poeta Futurista" (Jornal do Corner·
Mantendo uma atitude crltica mais equilibrada, Mario de c10, 27-5-21 ). Transcreve, na fntegra, o poema "Tu" e define-o como fu.
Andrade e Sergio Buarque de Holanda, negam a fatalidade de ~ist~ paulista. M:lrio responde-lhe negando ser adepto da correntc ma-
um "futurismo paulista", na esteira de Marinetti, mas convCm rinett1ana e apontando em escritores cl<lssicos e modemos as mesmas li-
b.erdades de fatura e de concep~äo a que se entregou na Pauliclia ( "Futu-
na urgencia de uma revisäo dos valores que ate entäo regiam a nsta?.! ",in ]or~al do Comercio, ed. de S. Paulo, 6-6-1921, apud Maria da
cultura nacional. E de Mario de Andrade viria o exemplo mais S. B:ao, op~ "f·· pp. 204-208 ). Oswald treplica exaltando os valores do
movu~ent~. t~ahano e vendo em "M:lrio um•. seu expoentc ainda que in~
lunt8rto ( L1teratura Contemporanea", art. cit.).
( 271) Nio s6 a crftica acad€mica; tambem os modernistas da fase ( 274) Os seis artigos foram publicados no ]ornal do Comercio, ed.
her6ica baralhavam as duas linhas. de S. Paula..! respectivamente em 2-8-1921, 12-8, 15-8, 16-8, 20-8 e 23-8.
(272) "Reforma Liter<lria", in Jornal do Comercio (ed. de S. Paulo), A reprodu\ao na fntegra da serie est3 em M:irio da S. Brito op eil
19-5-1921.
pp. 223-276. • . „

380 381
camarotes e frisas e as_-cadeir9' e balcöes 20$000. 0 programa do de dois versos, espante da poesia o Ultimo deus hom6rico, que fi.
primeiro fcstival Compfcendia a conf~rCncia ?e Gra~ ~ .- cou anacronicamente, a dormir e a sonhar, na era do ian-band e do
" A ern~o estc!tica na arte moderna (275) 1lustrada com mus1ca cinema, com a frauta <los pastores da Arc:idia e os seios divinos de
de Emiiti Braga e poesia por Guilherme de Almeida e Ronald de Hclcnal"
Carvalho ao que se segue um concerto de mUsica de Vila-Lobos.
A segunda parte do espet&culo anuncia uma conferCncia de Ronald Mas, a dado trecho, salienta que o grupo quer fazer nascer
de Carvalho· "A piotura e a escultura moderna no Brasil"_, seguida uuma arte genuinamente brasileira, filha do cfu e da terra, do ~
de ttCs solo; de piano, de Eroanitri,Braga, e trCs dan~s afncanas de
mem e do mistCrio".
Vtla-Lobos. ' .. Corno era previsto, a pateada perturbou o sarau, especialmen-
A grande noite da Semana foi a segunda. A conf~?a ~ te l hora das "ilustra~s", ou seja, o momento em que, apresen-
Graca Aranha, que abriu os festivais, confusa e declamat_?na, fo1 tados por Menotti del Picchia, eram reveladas a prosa e poesia mo-
ouvida respeitosamente pelo pU.blico, que p~vavelme~te nao a en- demas, declamadas ou lidas pelos seus autores. MS.rio de Andra-
tendeu e o espet8culo de Vila-Lobos, no d1a 17, fot perturbado, de confessa que näo sabe como teve coragem para dizer versos
princi~ente porque se supös fosse "futuris~o" o a;tista se apre- dia.nte de uma vaia täo bulhenta que nl'io escutava, no palco, o que
sentar de casaca e chinelo, quando o composttor asstm se cal_?:VS Paulo Prado lhe gritava da primeira fila das poltronas ( 277). 0
por estar com um calo arruinado. . . M~s .nl'i~ era. ~o?tra a mus.1ca poema "Os Sapos", de Manuel Bandeira, que rediculariza o Parna-
que os passadistas se revoltavam. A 17ntar;a~ drr1g1a-se espec.1al- sianismo, mormente o p6s-parnasianismo, foi declamado por Ronald
mente a nova literatura e 9s novas man1fest~es da arte pl&snca. de Carvalho "sob os apupos, os assobios, a gritaria de "foi näo foi"
da maioria do pUblico" (278). Ronald, alias, disse tambem ver-
Na segunda noite - 15 de fevereiro - todos o sabem, o pU-
blico e os pr6prios modernistas, que havera algazarra e pateada. sos de Ribeiro Couto e PHnio Salgado. Oswald de Andrade leu
Menotti del Picchia, em seu discurso, pre1:e que os ?'nscrvadorcs trechos de Os Condenados. Agenor Barbosa obteve aplausos com
desejam enforc3'..los "um a um, nos fu~os _ assobtos ~e suas o poema "Os Pissaros de A~", sobre o aviäo, mas Sergio Milliet
vaias" (276). Mas, apesar da certeza _de ag1tar;ao, Men?ttl, o.rador falou sob o acompanhamento de relinchos e miados ( 279),
oficial da noite, vai desfiaodo o ide&no do grupo. Assim, afmna: Diffcil determinar, no grupo dos escritores, quais os partici-
11
A nossa estCtica e de rear;l'io. Cot:J?O tal, e gue~. 0 ter- pantes da Semana de Arte Moderna. Nem torlos, apesar de inte-
mo futurista com que enadamente a euquetaram, aceitamo-lo por- grados no movimento, en&entaram o palco do Municipal no baru-
que era um' cartel de desafio. Na geleira d~ mlirmore de Carrara lhento sarau do dia 15 de fcvereiro. 0 Estado de S. Paula, na no-
do Parnasianismo dominante, a ponta agress1va dessa proa ~erbat tfcia divulgada a 29 de janeiro de 1922, enumera, entre outros no-
estilhar;ava como um arfete. Näo somos, nem nunca fomos futu- mea, os de Guilherme de Almeida, Ronald de Carvalho, Alvaro
ristas". Eu, pessoalmente, abomino o dögmatismo e a li~gia. da Moreyra, Ellsio de Carvalho, Oswald de Andrade, Menotti de!
escola de Marinetti. Seu chefe C para n6s um precursor ilunnna· Picchia, Renato Aimeida, Lufs Aranha, M:irio de Andrade, Ribeiro
do que veneramos como um general da g'rande batalha da Refor- Couto, Agenor Barbosa, Moacir Deabreu, Rodrigues de Almeida,
~' que alarga o scu /ron_t cm todo o m~ndo. No Brasil näo M, Afonso Schmidt e SCrgio Milliet. Faltam, nessa lista, outros mo-
porem, razäo l6gica e soc1al para o futurzsmo ortodox~, porque o dernistas, ruja tomada de posi~ao vinha desde antes de 22, como
prestfgio do seu passado näo e de. molde a tolh~r .a . hhei:dade da Cindido Mota Filho, Armando Pamplona ( interessado mais em ci-
sua maneira de ser futura. Dema1s, ao nosso 1ndiv1duahsmo es- nema e autor de documentiirios cinematogr:ificos), PHnio Salgado,
tCtico, repugna a jaula de uma escola. Procuramos, _cada u?1, a~ar Rubens Borba de Morais, Ticito de Almeida (irmäo de Guilherme),
de acordo com nosso temperamento, dentro da ma1s arroJada stn- Antönio Carlos Couto de Barras, Manuel Bandeira ( que como Ri-
ceridade. beiro Couto e Alvaro Moreyra näo esteve presente) e Henri
•••••••............. „................................. . Mugnier, sufeo, amigo de SCrgio Milliet. Afonso Schmidt negou
publicamente, anos depois, que houvesse participado da Semana .
"Queremos luz, ar, ventilad.ores, aero~la~os, reiYindica.;öes ?brei- Era antes adepto do "Grupo Zumbi", que tinha ligar;öcs com o
ras, idealismos, motores, cham1nCs de fabr1cas, sangue, veloc1~ade, 11
Grupo OartC", da Franr;a, comandado por Henri Barbusse. Os
sonho, na nossa Arte. E que o rufo de um autom6vel, nos trilhos

( 275) ConferCncia publicada no volume Espirito Moderno, de Gra- (277) M:irio de Andrade, 0 Movimento Modernista, Rio, Casa do
~a Aranha (Sio Paulo, Ed. Monteiro Lobato, 1925, pp. 11-28) (Nota de Estudante, 1942, p. 15. (N. de M. S. B.).
M. S. B.).
(278) Manuel Bandeira, Itinertirio de Pastirgada, Rio, Ed. Jornal de
( 276) Discurso reproduzido na obra 0 Curupira e o Caräo, de Pli~o Letras, 1954, p. 56 (id.).
Salgado, Menotti del Picchia e Cassiano Ricardo ( S. Paulo, Ed. Helios,
1927, pp. 17-29). (Nota de M. S. B.). ( 279) JU.lio Freire, ''Crönica. . . futurista! ... '' (in A Vida Moder-
na, 23-2-22). (id.)
382
383
nomes de Rodrigues de~_ Almei~ e Moacir de Abreu desapareceram Desdobramentos: da Semana ao Modemlsmo
no dccorrer da campanhA e das potemicas e lutas estabelecidas ap6s
a Semana. Razäo tinha Stendhal quando afirmava: "Estremece- A Semana foi, ao mesmo tempo, o ponto de encontro das
mos ao pensar no que ~ preciso de buscas para chegar a verdade
sobre o mais flltil pormenor.'' varias tendencias modernas que desde a 1 Guerra se vinham fir-
Enfim. durante o cspetaculo, houve quem cantasse como galo mando em Säo Paulo e no Rio, e a plataforma que permitiu a con-
e latisse a'.,mo cachorro, no dizer de Menotti, ou "a revelai;ao de solida<;äo de grupos, a publica<;äo de livros, revistas e manifes-
algumas voca47öes de Terr' Nova Cttgal:l.nha d'Angola, muito aprovei- tos, numa palavra, o seu desdobrar-se em viva realidade cultural.
taveis'', na frase de Oswald de Andrade (280). Mas, "firme e se- Mario de Andrade, como ja vimos, escrevera a Pauliceia Des.
rena a hoste avanguardista" afrontou o granizo (281).
'No intervalo, entre uma parte e outra do programa, Mirio de
vairada entre 1920 e 1921, mas s6 a deu a publico no ano da
Andrade pronunciou brcve palestra, na escadaria interna no Mu- S emana. Deste ao firn da decada apareceram obras fundamen-
nicipal, que da para o hall do teatro, sobre a exposii;3:o de artes tais para a inteligencia do Modernisrno. Ern 1923, as Mem6-
plisticas all apresentada, justificando "as alucinantes criacöes dos rias Sentimentais de Joäo Miramar, de Oswald de Andrade. Ern
pintores futuristas" ( 282). Vinte anos depois, Märio de And:ad~, 1924, 0 Ritmo Dissoluto, de Manuel Bandeira. Ern 1925, A
cvocando o epis6dio, escreveria: "Corno pude fazer uma confer~nc1a
sobre artcs plisticas, na escadaria do Teatro, cercado de an6rumos Escrava que näo e Isaura, de Mario; Pau-Brasil, de Oswald; Meu
que me cai;oavam e ofendiam a valer? ... " ( 283) e Rara, de Guilherrne de Almeida; Chuva de Pedra, de Menotti
NU.m.eros de bailado por Yvonne Daumerie e o concerto de de! Picchia. Ern 1926, Losango Caqui, de Mario; Toda a Ame-
Guiomar Novais trouxeram, finalmente, calma a sala. rica. de Ronald de Carvalho; Vamos Carar Papagaios, de Cassia-
························· ························ ... ····-· no Ricardo; 0 Estrangeiro, de Pll'.nio Salgado. Ern 1927, Amar
Mas, de qualquer forma, havia ~ido reali~ada a Semana da Verbo Intransitivo e Clä do Jaboti, de Mario; Estrela de Absin-
Arte Moderna, que renovava a mentahdade nac10'?-al, pugnava pela to, de Oswald; Bras Bexiga e Barra Funda, de Alcantara Macha-
autonomia ardstica e literiiria brasileira e descorunava para n6s o
seculo XX, punha o Brasil na atualidade do mundo que ja llil:via do; Estudos ( 1." serie), de Tristäo de Ata!de. Ern 1928, Ma-
produzido T. S. Eliot, Proust, Joyce, Pound, Freud, Planck, ElllS· cunaima, de Mario; Martim Cerer&, de Cassiano; Laran;a da Chi-
tein, a ffsica atömica. na, de Alcantara Machado, e a reda<;äo inicial de Cobra Norato,
·································-·········· ............. . de Rau! Bopp, que s6 o publicaria tres anos rnais tarde.
A Semana de Arte Moderna foi pat'rocinada pelo escol finan- Paralelarnente as obras e nascendo com o desejo de expli-
ceiro e mundano da sociedade paulistana. Prestaram-lhe sua coope- ca-las e justifica-las, OS modernistas fundavam revistas e Jan<;a-
rar;ao, Paulo Prado, Alfredo Pujol, Oscar Rodrigues Alves, Numa
de Oliveira, Alberte Penteado, Rene Thiollier, Antönio Prado JU- varn manifestes que iam delirnitando os subgrupos, de in!cio ape-
nior, JosC Carlos de Macedo Soares, Martinho Prado, Armando Pen- nas esteticos, mas logo portadores de rnatizes ideol6gicos rnais
teado e Edgard Conceir;ao. :S. interessante assinalar que o Correio ou menos precisos.
Paulistano, 6rg3:o do PRP, do qual Menotti del Picchia era o reda- Ern maio de 1922, expressäo irnediata da Semana, aparece
tor poUtico, agasalha os "avanguardistas", com o consentimento de Klaxon, mensOrio de arte moderna, * que durou nove nlimeros,
Washington Luis, presidente da Estado(284).
precisarnente ate dezernbro do rnesrno ano, corn paginas dedica-
das a Gra<;a Aranha. A revista, publicada ern Säo Paulo, foi o
(280) Cartas de Oswald de Andrade ao ]ornal do Comircio (ed. de prirneiro esfor<;o concreto do grupo para sisternatizar os novos
S. Paulo), 19·2·1922 (id.). ideais esteticos ainda confusarnente rnisturados nas noites bulhen-
( 281) Menotti del Picchia, "O Combate" (in Correio Paulistano, tas do Teatro Municipal. Mas, corno ja disse paginas atras, per-
16·2·22) (id.). rnaneciarn baralhadas duas linhas igualmente vanguardeira~: a
(282) Menotti de! Picchia, "A Segunda Batalha" (in Correio, futurista, ou, lato sensu, a linha de experirnenta<;äo de urna lin-
15·2·22) (id.). a
guagern rnoderna, aderente civiliza<;äo da tecnica e da veloci-
( 283) Maria de Andrade, 0 Movimento Modernista, cit. dade; e a primitivista, centrada na libera<;äo e na proje~äo das
( 284) Maria da Silva Brito, "A Revolur;ä:~ Mo~ernista", :m A Lite·
ratura no Brasil (dir. de Afränio Coutinho), Rio, L1vr. S. Jose, vol. III, (*) V. Cecilia de Lara, Klaxon e Terra Roxa e Outras Terras: dois
t. 1, pp. 449455.
Peri6dicos do Modernismo. S. Paulo, Institute de Estudos Brasileiros, 1972.

384 385
forc;as inconscientes, -logo ..a~da vrsceralmente romi.ntica, na me- a Academia Brasileira e estampou artiges do velho escritor que
dida em que surrealismo e expressionismo säo neoromantismos procurava atualizar-se e ser uma presen\a dentro do movimento.
raclicais do seculo XX. Assim o n.0 2 de Klaxon apresenta um No primeiro nUmero, ele aparece com um ensaio cheio de ingre-
artiguete de Oswald de Andrade, "Escola & Ideias", onde o lider dientes te6ricos futuristas, "Mocidade e Estetica" ( "Näo tar-
modernista exalta ao mesmo tempo o subjetivismo total de Rim- dara muito que os homens modernes deixem de repetir o grego,
baud e Lautreamont, pais do surre:di,<;mo internacional, e afirma o g6tico, a renascen\a, pelo ferro e pelo cimento. A esses mate-
que o "eu instrumento nä:o deve aparecer" na poesia moderna, riais modernes devem corresponder criac;öes independentes e
o que implica a construc;äo formal objetiva pregada pelos futu- atuais, que satisfac;am logicamente As sensac;öes de mobilidade e
ristas e pelos cubistas. Maria de Andrade, que ja antes da Se- firmeza que eles sugerem"), mas ja os subordina a uma tema-
mana teve o cuidado de afastar-se de qualquer classificac;äo co- tica nacional ( "A a\äo do jovem moderne sera eminentemente
mo futurista, louva, em nota nä:o assinada no n.0 5, a coexistCn- social. A estetica que o inspira lhe patenteara pela analise o
cia de "simultaneidade" e "expressionismo", no romance Os Con- que e 0 Brasil e quais OS trabalhos extremes a que se deve con-
denados, de Oswald. Numa posic;äo mais clara, Rubens de Mo- sagrar" ).
rais filia-se .ao intuicionismo de Bergson em que ve a matriz da Outros ensaios que confirmam a voca\äo crltica da revista:
expressäo moderna ( Klaxon, 4). A indefinic;äo dos dois maio- a resenha de Kodak de Blaise Cendrars, feita por Sergio Buar-
res renovadores, porem, se de um lado revela sofrivel coerencia que de Holanda, que aponta uma viragem na poesia francesa
estetica e incapacidade de discernir ou de escolher no turbilhäo de p6s-guerra do primitivismo il. Rimbaud para o objetivismo
de ismos importados da Europa, tera sua explicac;äo no pr6prio tecnico, de que os poemas resenhados seriam um exemplo. Pru-
contexto do Modernismo brasileiro: clividido entre a ilnsia de dente de Morais, neto, alinha, em "Sobre a sinceridade" (Este-
acertar o passo com a modernidade da Segunda Revoluc;äo In- tica, 2), argumentos em pro! de uma concepc;äo onfrica e freu-
dustrial, de que o futurismo foi testemunho vibrante, e a certeza diana de arte ( "A arte nasceu provavelmente com a reproduc;äo
de que as raizes brasileiras, em particular, indlgenas e negras, so- das sonhos"); e a nota bergsoniana reponta na resenha que o
licitavam um tratamento estc!tico, necessariamente primitivista. mesmo Sergio B. de Holanda faz do livro de Rubens de Morais,
0 que parece apenas incongruencia em KJaxon tera frutos em Domingo das Seculos. A grande presenc;a critica do terceiro
toda a decada e se chamara Macunaima, Pau-Brasil, Cobra No- numero e Mario de Andrade: muito Se colhe na sua "Carta
rato, Martim Cerere. S6 mais tarde, navos- contextas au inter- aberta a Alberte de Oliveira", datada de Säo Paulo, 20 de
pretac;öes rigidas desses contextos julgara p6los exclusivos a pes- abril de 1925: nela, o poeta ratifica a independencia do
quisa estc!tica e a aprofundamento da vivC:ncia nacional. grupo paulista, ja maduro em 1920, em relac;äo a Grac;a
De qualquer modo, pela analise dos textos publicados em Aranha, e, numa frase de alta estrategia cultural, defende a
Klaxon e das paginas mais representativas da fase inicial do Mo- arte interessada para os pafses que estäo principiando o seu ro-
dernismo, depreende-se que foram os experimentos formais do teiro dentro da cultura moderna. Reagindo contra a arte pela
futurisma, näo s6 italiana, mas e sobretudo francC:s ( Apollinaire, arte parnasiana do mestre alienado que acabava de ser eleito
Cendrars, Max Jacob) que mais-.vigorosamente dirigiram a mäo "prlncipe dos poetas brasileiros", Maria de Andrade revelava um
das nasses poetas no mamenta da inven1,;äo artistica. Da surrea- sense de modernidade que transcendia as posi\öes modernistas.
lismo toinaram uma concep1,;äo irracionalista da existC:ncia que No mesmo numero, resenhando tambem Blaise Cendrars ( Feuil-
confundiram cedo com o sentido geral da obra freudiana que les de Route, 1924 ), Maria precisa os dados propriamente es-
näo tiveram tempo de compreender. Da expressionismo, pro- teticos da sua visäo da poesia: dados que prenuncian. o tipo de
cessos gerais de deformac;äo da natureza e do homem. critica que viria a fazer na decada de 30:
A revista Estetica, lanc;ada no Rio em setembro de 1924, Poesia 6 uma arte. Toda arte supöe uma organizai;äo, uma
por Prudente de Morais, neto, e Sergio Buarque de Holanda, t&nica, uma disciplina que faz das obras uma manifcsta~ä:o cncer·
rada cm si mesma. A obra de arte C antes de mais nada uma or-
durou ate 1925 e teve tres numeros, todos bastante ricos de ma- ganizai;ä:o fcchada, cm toda criatio artfstica deve havcr a intenrao
terial te6rico. Coincicliu com o rompimento de Grac;a Aranha com da obra de arte. Essa inten~ e quc a torna uma entidadc valcn·

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- .-„ .,,.,
do por si mcsma, dcsrClacionada. Desrelacionada, näo quero dizcr i;öes de entender por dentro os processos de base que entäo agi-
quc näo possa ter intenc;5es ate priiticas de moralizac;äo, socializac;äo, tavam o mundo ocidental e, particularmente, o Brasil. Tudo
cdificac;äo, etc., quero dizer que se torna livre da perce~äo temporal resolviam .em f6rmulas abertamente irracionalistas, fragmentos
vivida da sensac;äo e do sentimcnto reais (Estitica, 3, p. 327). ?o su~r~ahsmo frances ?u das mitos nacional-direitistas que o
Apresentando atitudes dfspare.s 1 fut.urismo/primitivismo, em Impertahsmo europeu vmha repetindo desdc OS fins do secuJo
Klaxon; arte interessada/arte ·autö~ma, em Estetica), os mo-
passado. "Eramos uns inconscientes", diria M3rio de Andrade
dernistas. mais ricos mostravam o quanto ressentiam as_ contra- nesse balanc;o e autocritica que foi a conferencia "O Movimen-
to Modernista", de 1942. 0 culto da blague eo vezo das afir-
di\öes da estetica moderna e o quanto a sua mobilidade os lace-
rava. Nos anos subseqüentes, as op\öes literarias ja niio basta- ma\Öcs dogmaticas acabaram impedindo que os modernistas da
räo. Inquietos diante da extrem• complexidade da vida espiri- "fase heroica" repensassem com objetividade o problema da sua
i?serc;~o na präxis bra.sileira. Os resultados conhecem-se: o vago
tual, criaräo programas existenciais amplos, "filosofias de vida"
liberahsmo de uns va1 desaguar na adesäo ao movimento de 32
inclusivas, que, por sua vez, trairiam as raizes estetizantes e irra-
täo amblguo entre os seus p6los democr3tico-reacion3rio ( Gui~
cionalistas e as bases apenas literarias que as precederam. Acbo
lherme de Almeida, Cassiano Ricardo, Alcantara Machado )' nada
importante e atual ressalvar esse tra\O que da conta da gratuida-
impediria que o nacionalismo da Anta resvalasse no par~-facis~
de das "visöes do mundo" e das 11 visöes do Brasil" que nasce-
mo integralista de Plfnio Salgado, nem, enfim, que o antropofa-
ram da experiencia literaria modernista.
Assim, o Manifesto Pau-Brasil lan\ado por Oswald de An- g1co Oswald se esgotasse no comprazimento da crise moral bur-
guesa em que ele pr6prio estava envisgado. Considera~öes que
drade em 1924 entra por uma linha de primitivismo anarc6ide,
afim as suas origens de burgues culto em perpetua disponibili- näo implicam jufzo idealista: constatam apenas as fatais limita-
c;öes de um grupo nascido e crescido em determinados estratos
dade; a Pau-Brasil contrapöe-se uma corrente de nacionalismo
da sociedade paulista e carioca numa fase de transi<;äo da Re-
näo menos mftico, cheio de apelos a Terra, a Ra\a, ao Sangue, o
puhlica Velha para o Brasil contemporaneo. E considera\öes
Verde-amarelismo ( 1926), de Cassiano, Menotti de! Picchia,
que, ressaltando embora o extraordinario talento verbal de al-
Cändido de Mota Filho e Plfnio Salgado. Este ultimo iria enve-
guns dos modernistas, entendem sublinhar o risco que represen-
redar por um ide8rio politico direitista, ja "in nuce" no grupo
ta a mitizac;äo das suas brilhantes inconsistf:ncias, no nfvel do
neo-indianista da Anta, o totem dos tupis ( 1927), que seria, por
pensamento e da pratica ( 286).
sua ve:i: revidado com sarcasmo pela Revista de Antropofagia
( 28) de Oswald, Tarsila e Rau! Bopp entre outros, cujo Mani- Grupos modernistas nos Estados
festo exarceba as posi\öes de Pau-Brasil, quer regredir ao ma-
triarcado primitivo (sie) ja agora sob sugestöes de um Freud Ü processo de atuaJiza\äO caminbou cedo dos nucieos urba-
equfvoco e mal deglutido. nes principais, Säo Paulo e Rio, para a provlncia. Al ganhou as-
A parte, hesitantes entre as novas liberdades formais e a pectos novos que iriam compor um quadro mais matizado que e
tradi\iio simbolista, agrupam-s~ os "espiritualistas" da Festa o conjunto da literatura moderna brasileira.
( 1927), com Tasso da Silveira, Murilo Araujo, Barreto Filbo, blicados em Festa). Contamos hoje com um estudo sistem8:tico da revista
Adelino Magalhäes, Gilka Machado e, numa segunda fase, Ced- em ~e:ta, tese de Neusa Pinsard Caccese, ed. do Instituto de Estudo~
lia Meirelcs e Murilo Mendes, que lograriam dar uma fei\iio ine- Bras1leiros da Univ. de S. Paulo, 1971.
quivocamente moderna a suas tendencias religiosas ( 285). { 286) Foi o sentido de tais limita~öes que suscitou, na dCcada de
30 e de. 40, res~rvas de v<iria procedt!ncia a uma presumivel "filosofia" do
~ curioso e instrutivo considerar, hoje, a inconsistencia ideo-- Modern1smo. L1vremo-nos, porem, de duas atitudes anacrOnicas: a de es-
16gica desses grupos modernistas que, ao que parece, dado o fo- ~erar uma alta coert!ncia ideol6gica em um movimento estritamente artis-
co puramente liter3rio em que se postavam, näo tinham condi- ttco ( postura q~e acaba rejeitando-o em bloco, absurdamente) e a de
retornar ( nos dias de hoje!) 8.quela gratuidade irresponsiivel, que se tem
(285) Na verdade, nada deveriam ao 6rgäo de Tasso de Silveira que o seu p~pel no momento livre da cria~äo artistica, revela um insanS.vel
caminhou num sentido antimodernista ( v. a sua Definiriio do Modernis- decadentismo quando transformada em vida pr8tica ou intelectual.
mo Brasileiro, Rio, Forja, 1932, em que reuniu alguns dos artigos pu- Nota de 1979 - Retomei o estudo ideol6gico do movimento em "Mo-
derno e Modernista no Brasil" (Revista Temas, n. 0 6, S. Paulo, 1979).
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Ern Belo Horizonte,_ a:lguns ~scritores jovens, que logo se- ta\äo e os gostos do soci6logo pernambucano os levavam, de pre-
riam dos maiores da nos'sa literatura, fundaram A Revista ferf:ncia, ao estudo e ao culto das institui\öes brasileiras. Mas o
( 1925): Carlos Drummond de Andrade, Emilio Moura, Joäo Al- tempo foi depois aproximando poetas radicados no Sul ou aqui
phonsus, Pedro Nava, Abgar Renault. Ainda em Minas, na ci- nascidos, como Bandeira e M3rio de Andrade, dos nordestinos
dade de Cataguazes, aparecia em 1927 a revista Verde que rea- ate se formar, na decada de 30, um clima em que se fundiriam
firmava as duas vertentes do Moder'jjsmo paulista: liberdade ex- as conquistas do modernismo estetico e o interesse pelas realida-
pressiva e tem3tica nacionaltsta. Entre os seus colaboradores des regionais.
estavam: Enrique de Resende, Asc3nio Lopes, Ros3rio Fusco,
OS AUTORES E AS OBRAS
Guilhermino Cesar, Martins Mendes e Francisco I. Peixoto: ,
Ern Porto Alegre configurou-se um grupo cuja melhor pro- SO o estudo monografico dos principais escritores moder-
du>äo resultaria de uma s!ntese das inova~s modernas e do nistas pode aparar as arestas de uma visäo esquem3tica a que
respeito il cultura gaucha. ß o que se depreende da leitura de for<;a o ritmo da exposi>iio historica. E e so pela analise das
Augusto Meyer a partir de Giraluz (poemas, 1928) e de tlpicos obras centrais do movimento que se compreende a revolu\äo es-
regionalistas modernos como Pedro Vergara, Vargas Neto e Ma- tCtica que ele. trouxe a nossa cultura. Porque, se no plano te-
nuelito de Ornelas ( *) m3tico, algumas das mensagens de 22 j3 estavam prefiguradas na
No Nordeste, apesar das resistCncias emocionais que um melhor literatura nacionalista de Lima Barreto, de Euclides e
Gilberto Freyre e um Jose Lins do Rego sempre opuseram il de Lobato, o mesmo näo se deu no nfvel dos c6digos liter3rios
franca admissäo de uma presen>a modernista anterior e paralela que passam a registrar inova~öes radicais s6 a partir de M3rio,
iis profissöes de fe regionalistas de ambos e de outros, houve: de Oswald, de Manuel Bandeira.
a) um contato com o grupo de S. Paulo, servindo de mediador As inova\Öes atingem os v:irios estratos da linguagem lite-
Joaquim Inojosa, pelo Recife, e Guilherme de Almeida, em con- raria, desde os caracteres materiais da pontua\äo e do tra\ado
ferencias Ja feitas em 1925; b) em um segundo tempo, uma gr3fico do texto ate as estruturas fOnicas, Iexicas e sint3ticas do
absor>äo das liberdades modernistas na poesia de um Jorge de discurso. Um poema da Pauliceia Desvairada ou um trecho de
Lima ( poeta moderno a partir de 1925) -e na prosa social de prosa das Mem6rias Sentimentais de Joäo Miramar, um passo
Jose Americo de Almeida em diante (A Bagaceira e de 1928). qualquer extraldo de Macunaima ou um conto ftalo-paulista de
Isso näo quer dizer que tenha havido "deriVa~öes" como pode Antonio de Alcantara Machado nos däo de chofre a impressiio
suge~ir uma crftica comparatista simpl6ria ou polCmica: 0 MC>6
de algo novo em relai;äo a toda a literatura anterior a 22: eles
dermsmo do Nordeste foi uma realidade poderosa com 0 facies ferem a intimidade da expressäo artfstica, a corrente dos signi-
pr6prio da regiiio e deu o tom ao melhor romance dos anos de 30 ficantes.
e d.e 40. Mas niio se pode sustentar sem arbftrio que haja sido es- Vista sob esse 3ngulo, a "fase her6ica" do Modernismo foi
tettcamente autOnomo em rela~äo as poeticas pregadas a partir da especialmente rica de aventuras experimentais tanto no terreno
poC:tico como no d~ fici;äo. Säo aventuras que se inserem na
Semana ( 287 ). Por outro lado, os. regionalistas do Recife, que se
congreg_avam por volta de 1925-26, em torno de Gilberto Frey- complexa hist6ria das inveni;öes formais da literatura europC:ia
re, entao egresso dos Estados Unidos, ainda näo tinham cen-
a partir de Mailarme, Rimbaud e Laforgue desaguando no fe-
trado as suas preocupa~öes numa revolu~äo liter3ria. A orien-
cundo perfodo pos-simbolista com Apollinaire, Valery, Max Ja-
cob, Cocteau, Marinetti e os demais futuristas italianos, Unga-
retti, Klebnikov, Maiakovski, Gertrud Stein, Joyce, Pound, Pes-
( 287 ) 0 problema esta estudado com clareza em 0 Modernismo de 1 soa, responsaveis por uma reestrutura\äo radical no modo de
WiJson Martins (S. Paulo, Cultrix, 2.• ed., 1967, pp. 108-116). Para a his-
t6na .do regionalismo moderne no Nordeste e, em particular, da presen-;a conceber o texto liter3rio ( 288 ). Para todos, alCm da fun~äo ex-
de Gilb~rto_ Freyre no meio intelectual nordestino, cf. JosC Aderaldo Cas-
telo, ]ose Lins do Rego: Modernismo e Regionalismo, S. Paulo Edarte 1961. (288) Para um panorama abrangente da Cpoca, v. "As Revoltas Mo-
(*) Ver Llg.ia Chiappini Leite de Moraes, Regionalism~ e Modernis- dernistas", em Hist6ria da Literalura Ocidental (vol. VII), de Otto Maria
mo, S. Paulo, Attca, 1978. Carpeaux (Rio, 0 Cruzeiro, 1966).

390 391
pressiva, o texto tem um ~omen!9 formativo no qual o escritor fia emocional e o fascinio pela constru\'.äo do objeto estetico. A
se empenha inteiramerite 1ii palavra, no ritmo e nos vcirios tra- Pauliceia Desvairada abre-se com um "Prefcicio Interessantissi-
\OS de Jinguagem que, afina!, däo a poesia 0 carater de poesia. mo" em que o poeta declara ter fundado o desvairismo: nessa
E o reconhecimento dessa dimensäo essencial que vai selar. poc!tica aberta ha afinidades com a teoria da escrita autom!ztica
alguns dos experimentos de 22, embora em nenhum deles esse que os surrealistas pregavam como forma de liberar as zonas no-
novo dado de consciencia de margem a uma posi~iio cerrada- turnas do psiquismo, Unicas fontes autenticas de poesia. Ao di-
mente formalista, de resto inyiavel <!In Ilm clima saturado de su- tado do lnconsciente viriam depois juntar-se as vozes do
gestöes do Surrealismo e do Expressionismo plcistico. intelecto:
Quando sinto a impulsäo Hrica escrevo sem pensar tudo o que
meu inconsciente me grita. Penso depois: näo s6 para corrigir,
Mario de Andrade ( 30 ;l - Y0 :f- ) como/}para justificar o que escrevi. Dai _a razäo deste Pref:icio inte-
0 roteiro de Mario de Andrade ( 289 ) diz bem de um ar-
tista de 22 cuja poetica oscilou entre as solicita\Öes da biogra-
ressantissimo. ( ... ) Um pouco de teoria? Acredito que o liris- ·i,
mo, nascido no subconsciente, acrisolado num pensamento claro ou _ n-
(289) MA.RIO RAUL DE MoRAIS ANDRADE (Säo Paulo, 1893-1945). 1943; Os Filhos da Candinha, cr6nicas, 1943; 0 Empalhador de Passari-
Fez o curso secund.irio no Gin1lsio Nossa Senhora do Carmo e diplomou-se nho, s. d. (1944?); Padre ]esuino do Monte Carmelo, 1945; Lira Paulis-
no Conservat6rio Dram8tico e Musical onde seria professor de Hist6ria da tana, seguida dO Carro da Mis§ria, 1946; Contos Novos, 1947; Poesias
MU.sica. Tendo sido um <los respons3veis ,Pela Semana de Arte Modema, Completas, 1966; Cartas de Mtirio de Andrade a Manuel Bandeira, 1958;
animou as principais revistas do movimento na sua fase de afirmai;ä,o po- Danfas Dram!zticas do Brasil, .3 vols., 1959; MUsica e Feitifaria no Brasil,
Iemica: Klaxon, EstCtica, Terra Roxa e Outras Terras. Soube conjugar uma 1963; 71 Cartas de Mdrio de Andrade, s. d.; Mtirio de Andrade Escreve
vida de intensa criac;äo literliria com o estudo apai.xonado da mU.sica, das Cartas a Alceu, Meyer e Outros, 1968; 0 Banquete, 1978. Consultar: Os-
artes pl0.sticas e do folclore brasileiro: De 1934 a 1937 dirigiu o Depar- wald de Andrade, "O Meu Poeta Futurista'', in Jornal do Comfrcio,
tamento de Cultura da Prefeitura de S. Paula, fundou a Discoteca PU.bli- 27-5-21; Prudente de Morais, neto, "M0.rio de Andrade", in Estftica, n. 0 3,
ca, promoveu o l Congresso de Lingua Nacional Cantada e dinamizou a abril-junho de 1925, pp. 306-318; Tristäo de Ataide, Estudos, 1." serie, Rio,
excelente R.evista do Arquivo Municipal. De 19.38 a 1940 lecionou Es- Terra do Sol, 1927; Joäo Ribeiro, "Macunaima", in ]ornal do Brasil,
tCtica na Universidade do Distrito Federal. Voltando a Sao Paula, passou 31-10-28 transcrito em Critica. Os Modernos, Rio, Acad. Bras. de Letras,
a trabalhar no Servic;o do Patrim6nio Hist6rico. Faleceu na sua cidade 1952; Tristäo de Atafde, Estudos, 5.• sCrie, Rio, Civilizac;äo Brasileira, 1935;
aos cinqüenta e um anos de idade. AlCm das obras arroladas a seguir, Agripino Grieco, Genie Nova do Brasil, Rio, JosC Olympia, 19.35; Alvaro
dei.xou uma riquissima correspondCncia, em. boa parte inedita. Obra: Hä Lins, Jornal de Critica, 2." sCrie, Rio, Jose Olympio, 1943; SCrgio Milliet,
uma Gota de Sangue em Cada Poema, poesia, 1917; PauJiceia Desvairada, Ditirio Critico, S. Paula, Brasiliense, 1944; Revista do Arquivo Municipal
e
poesia, 1922; A Escrava que näo Isaura, poCtica, discurso sobre algumas de S. Paula, Homenagem a Mcirio de Andrade, janeiro de 1946; Roger
tendCncias da poesia modernista, 1925; Primeiro Andar, contos, 1926; Ur Bastide, Poetas do Brasil, Curitiba, Guafra, 1947; Ledo lvo, LifOo de
sango ('tiqui, ou Afetos Militares de Mistura com os Porques de eu Saher Mtlrio de Andrade, Rio, MES, 1952; M. Cavalcanti Proenc;a, Roteiro de
Alemäo, lirismo, 1926; Amar, Verbo Intran;itivo, idilio [romance], 1927; Macunaima, S. Paulo, Anhembi, 1955; Aires da Mata Machado Filho,
Cl.ä do Jabuti, poesia, 1927; Macunaima, o her6i sem nenhum carllter, Critica de Estilos, Rio, Agir, 1956; Ant6nio Rangel Bandeira, Espirito e
raps6dia, 1928; Compendio de Hist6ria da MUsica, 1929; Remate de Ma- Forma, S. Paulo, Martins, 1957; Pericles Eugenio da Silva Ramos, "O
les, poesia, 1930; Modinhas Imperiais, 1930; MUsica, Doce MUsica, 1933; Modernismo na Poesia", em A Literatura no Brasil, cit.; Suplemento Li-
Belasarte, contos, 1934; 0 Aleijadinho,; Alvares de Azevedo, ensaios, 1935; ter:irio de 0 Estado de S. Paulo, n. 171, 27-2-60; Fernando Mendes de
0

"Cultura Musical", discurso de paraninfo, Separata da Revista do Arquivo, Almeida, Mtirio de Andrade, S. Paula, Conselho Estadual de Cultura, 1962;
vol. XXVI, 1936; A MUsica e a Canfäo Populares no Brasil, ensaio crfti- Roberta Schwarz, A Sereia e o Desconfiado, Rio, Civilizac;äo Brasileira,
co-bibliogr:ifico, 1936; "O Samba Rural Paulista", folclore, Separata da 1965; Tele Porto Lopes, "Cronologia Geral da Obra de M0.rio de Andra-
Revista do Arquivo, vol. XCI, 1937; "Os Compositores e a Lfngua Na- <le", in Revista de Estudos Brasileiros, n. 7, 1969; Anatol Rosenfeld, Tex·
0

cional", Separara das Anais do Primeiro Congresso da Lingua Nacional to/Contexto, S. Paulo, Perspectiva, 1969; Suplemento Liter<lrio de 0 Es-
Cantada, 1938; "A PronU.ncia Cantada e o Problema Brasileiro Atrav6i de tado de Säo Paulo, 28-2-1970; Revista do Arquivo Municipal de S. Paulo,
Discos", ibidem; Namoros com a Medicina, ensaio, 1939; A Expressäo Mu- n.° CLXXX, dedicado a M. A„ 1970; Tele Porto Lopez, Mcirio de Andra-
sical nos Estados Unidos, 1940; MUsica do Brasil, hist6ria c folclore, 1941; de: Ramais e Caminhos, S. Paula, Duas Cidades, 1972; Haroldo de Cam-
Poesias, 1941; "A Nau Catarineta", folclore, Separata da Revista do Ar- pos, Morfologia do Macunaima, Perspectiva, 1973. V. tambem a excelente
quivo; Pequena Hist6ria da MUsica, 1942; 0 Movimento Modernista, 1942; edic;äo crftica de Macunaima, aos cuidados de Tele Porto Lopez, Rio, LTC,
0 Baile das Quatro Artes, ensaios, 1943; Aspectos da Literatur11 Brasileira, 1978.
I t '"! '. ;.
)92 ' . 393
confuso cria fnses 'quc "iio -"" intciros, ICID prejulzo de mcdJr Pelo segundo, o verso organiza-se em "palavras sem liga-
tantas ~flabas, com accn~o dctcrminada. ~äo imediata entre si: estas palavras, pelo fato mesmo de näo
se seguirem intelectual, gramaticalmente, se sobrepöem umas Bs
Ao lado dessa entrega lirica as matrizes pre-ronscientes da outras, para a nossa sensa~äo, formando, näo mais melodias, mas
linguagem, o "Prefacio" trai o admirador da experiencia cubista harmonias". 0 exemplo vem agora do pr6prio teorizador:
que, por meio da de/orma{äo abstratg, tompe os moldes pseudo-
Arroubos ... Lutas ... Sctas ... Cantigas ... Povoar, r ~
-classicos da arte academica: ' ·
Arte nio conscguc reproduzir naturcza, nem estc C seu fim. verso explicado como se cada termo isolado fosse um foco
T odos os grandes artistas, ora consciet'ttc (Rafael das Madonas, Ro- de vibra~öes que repercutisse o termo contlguo, em acorde.
d in do Balzac, Beethoven da Pastoral, Machado de Assis do Br4s "AssirD., em Paulictia Desvairada, usam-se o verso mel6dico:
Cubas ), ora inconscicntemcnte ( a grande maioria) foram dcforma-
dorcs da nature:r.a: Dondc infiro quc o bclo artfstico scri tanto Säo Paulo e um palco de bailados russos,
mais ardstico, tanto mais subjetivo, quanto mais sc afastar do bclo
natural. Outros infuam o quc quiseran. Pouco mc importa. o verso harmönico:
A cainfalha. „ A Bolsa. „ Ar ;ogatinas „ .;
Däo-se as mäos, na teoriza>äo ecletica de Mario, a descon-
fiant;a para com o puro racional e certo "antinaturalismo" bem e a polifonia poetica ( um e as vezes dois e mesmo mais versos
do seculo XX; no caso, ambas as tendendas lhe servem de apoio consecutivos):
para solapar _os alicerces do academismo: o "bom senso" e a A engrenagem trepida ... A bruma neva." J.. q
imita,äo da natureza.
Para prevenir obj~öes faceis nessa fase ainda polemica do Ternos af, transpostos em termos de teoria musical, os prin-
Modernismo, define-se m.ais vigorosamente: "Escre~er arte mo- dpios de colagem ( ou rnontagem) que caracterizavam a pintura
derna näo significa jamais para mim representar a v1da atual no de vanguarda da epoca. E, de fato, a elisäo, a parataxe e as
que tem de exterior: autom6veis, cinema, asfalto. Se estas pa- rupturas sintdticas passariam a ser os meios correntes na poesia
lavras freqüentam-me 0 livro, näo e porque pense com das es- moderna para exprimir o novo ambiente, objetivo- e subjetivo,
crever moderno, mas porque sendo meu livro moderno, elas tem em que vive o homem da grande cidade, que anda de carro, ou·
nele sua razäo de ser. ( ... ) Näo quis tambem tentar primiti- ve radio, ve cinema, fala ao telefone, e est3 cada vez mais sujeito
vismo vesgo e insincero. Somos na realidade os primitivos du· ao bombardeio da propaganda. A poesia·telegrama da Pau/iceia,
ma era nova.,, na linha da "immaginazione senza /ili" do Manifesto Tecnico
0 "Prefacio" näo fica nessas generalidades. A certa altu- Futurista, assumiu o papel de primeiro desvio sistem3tico das
ra desce a .descri,äo dos processos de estilo que conferem a velhos c6digos literarios em uso no Brasil de 1920 ( 290 ).
obra a medida da sua modernidade. A teoria das parole in /iber· Analisada mais de perto, a obra revela-se matriz dos processos
ta, heran,. do futurismo italiano, e aqui a influencia mais pr6- que marcaram nossos "inventores" mais agressivamente moder-
xima. Maria recebe-a com en!Usiasmo embora diga näo fazer nos, Oswald, Bandeira, Cassiano e, em · um segundo tempo,
dela sistema, "apenas auxiliar poderosfssimo".· Eo intenso amor Drummond, Murilo Mendes, Guimaräes Rosa.
a mllsica, que acompanharia o poeta ate a morte, ajuda-0 a arru· (290) A poetica do "Pref8cio" foi aprofundada por M. A. em A
mar ideias sobre dois sistemas de compor: o me/6dico e o har-
Escrava que niio e Isaura., discurso sobre algumas tend~ncias da poesia
monico. Pelo primeiro, que teria vigorado ate o Parnaso, o ve~­ modernista, de 1924. Ai se IC a f6rmula a que chegara o seu pensamento:
so näo passa de "arabesco horizontal de voze• ( sons) consecutl- Lirismo puro + Critica + Palavra :;:::: Poesia. Quer dizer: is fontcs sub-
vas, contendo pensamento inteligfvel"; por ex., este passo de conscientes deve seguir-se a ac;äo da intcligCnda e do meio expressivo. As
Bilac: leis gerais seriam: a) tecnicamente: o Verso livre, a Rima livre, a Vit6ria
Mnezarctc, a divina, a pßida Frin& do Dicion2rio; b) esteticamente: a Substitui~o 'da Ordem Intclccrual pela
C.Omparcce ante a austcra c rfgi.da assembl& Ordem Subconsciente, Rapidez e Sintese, Polifonismo" (em Obra Ima-
Do Are6pego suprcmo ... tura, pp. 22,·226).

394 395
Na Pauliceia encontr~-se !9fneios sint~ticos ins6litos, co- Laranja da ·China, Jaranja da China, laranja da China!
mo estes: Abacate, cambucl e tangerina!
Era uma vez um rio . .. Guardate! Aos aplausos do esfuziante down,
PorCm os Borbas-Gatos dos ultra-nacionais esperismcnte; her6ico sucessor da ra~ heril dos bandeirantes,
passa galhardo um filho de imigrante,
("Tiet@") 3 i.;, loiramente domando um autom6vel!
Sentim.cntos em mim do 9.speramewe , ( "O Domador") .( 0
dos homens das pri.m.eiras ir$. . . ,' ·"
( 0 Trovador)
0 livro se fecha com o orat6rio profano As Enfibraturas
do Ipiranga em que se alternam os coros dos milionmos ("as
Mornamente cm gasolinas. . . Trinta e cinco contos Y0 senectudes tremulinas") apoiados pela velha guarda parnasiana
( "Domingo") {"os orientalismos convencionais") e as vozes dos poetas mo-
Tripudiares gaios! . .. dernistas ("as juvenilidades auriverdes"), com o solo do pr6-
Roubar ... Vencer ... Viver os respeitosamentes no crepUsculo ... prio poeta ( "minha loucura"). A. parte, em oposi~äo, intervSm
("A Ca~") "'.:', os opedrios e a gente pobre ( "os sandapilirios indiferentes").
Losango Caqui, composto em 22, e, na confissäo do autor,
Os neologismos, depois de trinta anos de r~o purista, en- um diario onde se juntam rapsodicamente "sensa~6es, idc!ias, alu-
tram no texto como um grito de moleque paulistano: ciona~6es, brincadeiras, llricamente anotadas". Nesse pot-pourri
ja se adverte uma das ciladas da concep~iio modernista ( näo di-
Fora os que algarismam os amanhäs! rei: moderna) de poesia: a falta prolongada de uma forte cons-
ciencia estruturante que, em nome da espontaneidade, acaba res..
E sonambulando, bocejal, luscofuscolares, retratificado, an- valando no gratuito, no prolixo, no amorfo. Mas e um risco-li-
cestremente, tripudiares ( subst.), progredires ( subst.), primave- mite, compensado por outros caracteres bem modernos e cons-
ral, alem da palavra-chave do livro, arlequinal que faz saltar aos cientes em M~io de Andrade, como a assun~äo do coloquial e
olhos a babel de retalhos coloridos em que se transformava a pa- do irönico ao plano da escritura poetica:
cata e provinciana Säo Paula. Agora, encruzilhada das velhas
famllias bandeirantes com os milhares de italianos, alemäes, sf- C.Onversavam
Serenos pacholas fortes.
rios e judeus aqui chegados desde os fins do seculo XIX, a cida- Que planos cstrat~gicos ...
de mudara de fisionomia e passara a ser um nucleo industrial Ba!Jstica.
com um operariado numeroso e uma classe mfdia em crescimen· Tenentes.
to. A nova situa\äo afetara as relat;öes humanas, os costumes e, Um ga]äo.
sobretudo, a linguagem. M~io esteve entre os primeiros a in- Dois galiles.
A galinhadal
corporar ii poesia preg6es ltalo-paulistanos, chegando mesmo a
compor textos bilingües: ··········································
Mas porCm da caserna dum corpo que eu sei
E os bondes riscam. como um fogo de artif{cio, Sai o exCrcito desordenado mcu sublime ...
sapatcando nos trilhos, Assombra~s
ferindo um oriffcio na treva cor de cal . .. Tristezas
- Batat'assat'O furnn! ... Pecados ZA
Versoa livres
( "Noturno") Sarcasmos ..•
La para as bandas do lpiranga as oficinaa rosSCID .•• E o universo inteirinho em contin!ncia!
Todos os estiolados siio muito brancos. . . . Vai passando
Os invernos de Pauliceia säo como enterros de virgem. . .. No seu cavalo aluio
Italianinha, torna al tuo paese! 0 marechal das rropas dcsvairadas
(
11
1
Paisagcm n.• 2") " (::,
do pals de Mlm-Mesmo ...
(XVI)
196
397
Clii do Jabuti e Remai~ de Males, obras que enfeixam poe-
mas escritos de 1923 a 1930, ja incorporam a poesia de Mario
de Andrade a dimensäo da pesquisa folcl6rica, uma das OP>öes
mais fecundas de toda a cultura brasileira nesse periodo. A re-
ri nascimento em plena selva amaz6nica e as primeiras diabruras
glutonas e· sensuais, ate a chegada a Säo Paulo moderna em bus-
ca do talismä que o gigante Venceslau Pietro Pietra havia fur-
tado. Näo podendo vencer o estrangeiro por processos normais
vivescCncia, em registro moderno, das mitos indfgenas, africa- Macunafma apela para a macumba: depois de comer cobra con:
nos e sertanejos em geral, e ~m dadtl i!\arredavel para entende_r segue _derrota~lo. E perseguido pelo minhocäo Oibe tendo que
' alguns pontos altos da pintura, da music_a, e das le_tras_ que_ se h- fug1r as carre1ras por todo o Brasil ate um dia virar estrela da
zeram nos Ultimos quarenta anos: Tarsila e Portman, Vila-Lo- constelai;äo da Ursa Maior. A transformai;äo final e apenas o
bos e Mignone, Louren1;0 Fernandez e Camargo Guarnieri, o 1 Ultimo ato de uma serie de metamorfoses. Ern Macunaima) Co-
Mario de Macunalma, o Jorge de Lima de Poemas Negros e, rno no pensamento selvagem, tudo vira tudo. 0 ventre da mäe-
mais recentemente, todo Guimariies Rosa. A transfigura1;iio da -f-?dia vira cerro macio;. Ci-Mäe do Mato, companheira do her6i,
arte primitiva esta, alias, no cora1;äo de obras-primas da cultura v1ra B;ta do Centauro; o filho de ambos vira planta de guarana;
europeia moderna näo sendo possivel dissociar a poesia de Yeats a bo1una. Cape1 v1ra Lua. Ha transforma\Öes cömicas, nascidas
das suas raizes celticas, nem a musica vanguardista de Bela Bar- da agress1vidade do instinto contra a tecnica: Macunaima trans-
t6k dos mitos magiares, nem a de Stravinski dos russos, nem a forma um ingles da cidade no London Bank e toda Säo Paulo em
pintura de Chagall da vivencia popular e mlsti_ca dos judeus de um imenso bicho-preguil'a de pedra.
Vitebski. E Mario de Andrade foi um folclonsta adulto, capaz
Levi-Strauss definiu o "pensamento selvagem" numa linha
de sondar a mensagem e os meios expressivos de nossa arte pri- estri:turalista, como pensamento capaz de compor' e recornpor
mitiva nas areas mais diversas ( mUsica, dani;a, medicina): algu-
co?f1_g~rai;öes a partir de conteUdos dispares esvaziados de suas
mas intuii;öes suas nesse campo foram certeiras. Ao historiador p_r1mtt1vas fun\Öes ( 292 ). Aceitando a hip6tese, dir-se-cl que M3.-
literario importa essa base de estudos, niio s6 pelo que teve de
no de Andrade fez bricolage em Macunaima: näo s6 de lendas
inovadora numa cultura enraizadamente colonial, sempre a espe- indfgenas que usou livremente na sua raps6dia, mas de modos
ra da ultima mensagem da Europa, mas tambem pelo que deu li d~ ~ontci-las, isto e, de estilos narratives. A primeira observa\äo,
prosa de M3.rio, diretamente em Macunaima, alusivamente nos d1st1nguem-se, na obra, tres estilos de narrar:
belos contos de Belasarte, nos Contos Novos e nas crönicas de
Os Filhos da Candinha. a) um estilo de lenda, epico-lirico, solene:
Em Macunalma, a media1;iio entre o material folcl6rico e o
tratamento litercirio moderno faz-se via Freud ( 291 ) e consoante No fundo do mato-virgem nasceu Macunafma, her6i de nossa
gente. Era preto retinto e filho do medo da noite. Houve um
uma corrente de abordagem psicanalltica dos mitos e dos costu- moment? em que o silei;icio foi täo grande escutando 0 murmurejo
mes primitivos que as teorias do lnconsciente e da "mentalidade · do Urancoera que a fndta tapanhumas pariu uma crianr;a feia. Essa
pre-l6gica" propiciaram. 0 protagonista, "her6i sem nenhum crianr;a e que chamaram de Macunafma.
carater"' e uma especie de barro vital, ainda amorfo, a que 0
prazer e o medo väo mostrando. os caminhos a seguir, desde o b) um estilo de crönica, cömico, despachado, solto:
Ja na meninice fez coisas de sarapantar. De primeiro passou
mais de seis anos näo falando. Si o incitavam a falar, exclamava:
( 291) A presern;a de Freud e evidente na fic~äo de M8rio de An- - ai ! que preguir;a ! .
drade e ji{ se impöe na curiosa novela Amar, Verbo Intransitivo (1927), E näo dizia mais nada.
em que se narra a hist6ria de uma jovem alemä chamada por uma faml-
lia burguesa para dar iniciar;äo sexual ao primogenito. Nos contos escritos c)
mais tardc, ba um uso discreto mas constante dos processos psicanaliticos: um estilo de par6dia. Maria de Andrade toma o an-
recalques, sublimar;öes, regressöes, fixar;öes etc. Ern Macunaima, o freu-
damento parnasiano tipico, anterior a 22, a Coelho Neto e a
dismo coincide em cheio com o primitivismo subjacente: a leitura da raps6-
dia mostra, por6n, que näo se tratava de uma forma ing~ua de primiti- (
292
) Ern La pensde sauvage. Paris, Plon, 1962, cap. I, "La science
vismo, mas um aproveitamento das suas virtualidades estCticas. du concret".

3Y8
399
tico. Muito da teoria literaria e musical escrita por Mirio de
Rui Barbosa e, nesse-c&ligO~ vaze"llma "mensagem" de Macunai- Andrade na decada de 30 centrou-se nesse problema, priorita-
ma as Icamiabas: rio para o escritor e o compositor brasileiro, dividido entre um
ensino gramatical lusfada e uma praxis lingülstica afetada por
a
E Säo Paula construfda sobre sete colin~s,_ fei~äo tradicion~l elementos indigenas e africanos e cada vez mais atingida pelo
de Roma a cidade ces<irea "capita" da Laun1dade de que prov1- cenvivio com o im.igrante europeu. MS:rio foi assertor de uma
mos; e b~ija-lhe os pes a g;<icil _e iij_quieta linfa do Ti~te. As <iguas
säo magnificas, os ares täo•atnenos quanto os de Aqu1sgrana ~u ?e linguagem que transpusesse para o registro da arte a pros6dia, o
Anverres, e a area täo a eles igual em _salubridade ~ abundanc1a, ritmo, o lexico e a sintaxe coloquial: vejam-se os artigos "A Lin·
que bem se pudera afirmar, ao modo ftno dos crontstas, que de gua Radiofönica", "A Lingua Viva" e "O Baile dos Pronomes"i
tres AAA se gera espontaneamente a fauna urbana. incluidos em 0 Empa/hador de Passarinho, e uma lucida carta ao
Cidade e belissima e grato o seu convfvio. Toda co~:ada de fi16logo Sousa da Silveira, que se le agora em Mzirio escreve car-
ruas habilmente estreitas e tomadas p_or_ es_t<ituas e lam~l'?es gra- tas a Alceu . .. ( 293 )
cioslssimos e de rara escultura; tudo d1m1nu1ndo com ast~cta o ~s­
pa~o de forma tal, que nessas arterias näo cabe a popu_lai;:ao .. Ass.im De resto, devem-se !er todos os ensaios de Maria de An-
se obtem 0 efeito dum grande acllmulo de ge~t~s, ,cuia :s~1matlva drade. Corno critico, apesar de näo ter elaborado uma teoria
pode ser aumentada a vontad:, ? que e prop1c10 as ele1i;:oes qu.e
säo inveni;:äo <los inimit<iveis m1ne1ros; ao me~mo tempo que os edr.s coesa que integrasse os valores esteticos, seciais e, ultimamente,
dispöem de Iargo assunto com que gan~em d1as. honrados e a _adm1- pollticos, ele sempre mostrou ter olho para distinguir o texto
rai;:äo de todos, com surtos de eloqüt'.!ncta do mats puro e subhmado forte e denso do frouxo ou ret6rico; e poucos viram com tanta
lavor. lucidez a grandeza e os limites do pr6prio tempo como o autor
de "O Movimento Modernista" e da "Elegia de Abril".
Passando abruptamente do primitivo solene a cr6nica jo~o­ Voltando il poesia nos ultimos anos, compös a Lira Pau/is-
sa e desta ao distanciamento da par6dia, Maria de An?ra~e 10- tana. A cidade e al apreendida e ressentida nas andan~as do
gou sabiamente com niveis de consc~encia e de co;n~n1ca\'.~O di- poeta maduro que se despojou do pitoresco e sabe dizer com a
verses, justificande plenamente o tttulo de rapsodta, ma1s do mesma contensäo os cansa~os do homem afetuoso e solitario e a
que "romance" que empresteu a obra. - miseria do pobre esquecido no bairro fabril. 0 lirismo da "Me-
Simbolicamente, a figura de Macunaima, o her6i. se~, ne- dita\'.äo sobre o Tiete" tem algo de solene e de humilde; e o es-
nhum car<iter, foi trabalhada como sintese _de un: ~resum1do . me- praiado do seu ritmo näo e sinal de gratuidade, mas expressäo
de de ser brasileiro" descrite como lu~ur1oso, a;1?0, pregut\'.OSO de entrega do poeta ao destino comum que o rio simboliza:
e sonhador: caracteres que lhe atribu1a um teor1co do Mode~~­
.Agua do meu Tict~.
nismo, Paula Prado, em Retrato da Brasil (1926) .. Ma.s o hero1, Onde me qucres lcvar?
em M:irie, e celocado na metr6pole nova .e funde 1ns~1nte e ~s­ - Rio que cntras pda terra
falto primitivismo e medernismo, numa hnha que ser1a tambem E que me afastas do mar .•.
a de' Oswald de Andrade. Com a sabida diferenl'a de que este, :ß noite. E tudo C noite. Debaixo do arco admirivel )
medularmente an:irquice, mistur-ou sempre os planos, pretenden- Da Ponte das Bandeiras o rio
/

de tirar do cemposte uma filesofia de ~ida, e d.a ~rt:_, ae passe Murm.ura num banzeiro de iigua pesada e oleosa.
que M:irio se mostraria, ate _e ~i~, ~ens1vel as d1s:1n\'.oes entre o
primitivo hist6rice e e "pr1m1t1ve 1 cemo pesqutsa do ~omem
11 noite e tudo C noite. Uma ronda de sombras,
Soturnas sombras, cnchem de noite täo vasta
0 peito do rio, que 6 como se a noite fosse igua,
que näo pode deixar de ser, apesar de tudo, um ho~~t_TI I~tegra­ Agua noturna, noite liqüida, afogando de aprecnsöes
do em uma dada cultura e em uma determinada c1vil1za<;ao. As altas torres do meu cora~iio exausto. De repente,
Macunaima, meio epopeia meio nevela picaresca, atuou 1-l:m~ 0 6lco das iguas recolhe cm chcio luzes tremulas,
E um susto. E num momento o rio
ideia-for\'.a do seu autor: o emprego diferenciado da fala brastlez-
ra em nivel culte; tarefa que deveria, para ele, consohdar ?s 1293) Ed. cit„ pp. 146.158.
conquistas do Modernismo na esfera dos temas e do gesto artlS-

400
Esplende em luzes inum~raveis, P,res, palS.cios, e ruas, vinculado, tanto nos seus aspectos felizes de vanguardismo lite-
Ruas, ruas, por onde os ·dinosauros caxingam rario quanto nos seus momentos m~nos felizes de gratuidade
Agora, arranha-ceus valen:es donde saltam ideol6gica.
Os bichos blau e os pun1dores gatos verdes,
Ern c3.nticos, em prazeres, em trabalhos e fiibricas, E a partir de Oswald que se deve analisar criticamente o
Luzes e gl6ria. :E: a cidade ... :E: a emaranhada forma legado do Modernismo paulista, pois foi ele quem assimilou com
Humana corrupta da vida que muge e se aplaude. conaturalidade os tra~os conflitantes de uma inteligencia burgue-
E se aclama e se falsifica e se. esc~e.· E deslumbra. sa em crise nos anos que precederam e seguiram de perto os aba-
Mas e um momento s6. Logo' 0 rio escurece de novo,
EstS. negro. As <lguas oleosas e pesadas se apla~am los de 1929/30. Havia nele todos os fatores sociais e psicol6gi-
Num gemido. Flor. Tr.isteza que timbra u_m cam1nho de morte. cos que concorreram para a constru~äo do literato cosmopolita,
f. noite. E tudo e nolte. E o meu cora~ao devastado daquele homo ludens que se diverte com a Intima contradi~ao
f. um rumor de germes insalubres pela noite insane e humana. etica alienado-revoltado diante de uma sociedade em mudan~a .
...., .............. .
As alternativas foram muitas nesse espfrito inquieto, e muito da
Oswald de Andrade crftica de exalta1;ao ou nega1;iio a Oswald esteve condicionado ao
Oswald de Andrade ( 2• 4 ) representou com seus altos e bai- de onäe provem a mais entusi:istica bibliografia oswaldiana. Obra: Thtd-
xos a ponta de lan~a do "espirito de 22" a que ficaria sempre tre Brtsilien - Mon Coeur Balance. Leur Ame (em colabora~äo com
Guilherme de Almeida), 1916; A Trilogia do Exilio, I. Os Condenados,
(294) }osE OswALD DE SouSA ANDRADE (Säo Pa~lo! 1890-1954~. 1922; Mem6rias Sentimentais de ]ofio Miramar, 1924; Mani/esto da Poe-
Fez os estudos secund3.rios no Gin<isio de Säo . . Bent? e J?1re1to ~a. sua ct- sia Pau-Brasil, 1924; Pau-Brasil (poesia), 1925; Romances do Exilio,
dade. Nascido em uma familia bastante rica, pode a1nda. . J~vem v1a1ar. para II. A Estrela de Absinto, 1927; Primeiro Caderno do Aluno de Poesia
a Europa (1912), onde entrou em contato com a boemta _estudanttl de 0,swald de Andrade, 1927; Mani/esto Antfop6/ago, 1928; Sera/im Ponte
Paris e conheceu o futurismo italo-frances. Vol~ando a S~o Paula, fez Grande, 1933; 'Os Romances do Exilio. III. A Escada Vermelha, 1934;
jornalismo literario. Quando da Exposi~äo de Anita ~alfattl, Osw~l~ de- 0 Homem eo Cavalo (teatro), 1934; A Morta. 0 Rei da Vela (teatro},
fende-a contra 0 artigo virulento de Lobato e aprox1ma-se de M~no de 1937; Marco Zero: I. A Revolufäo Melanc6lica, 1943; Marco Zero. II.
Andrade, de Di Cavakanti, de Menotti, de Guilherme de ~e1~a, de Chäo, 1945; Poesias Reunidas, 1945; A Arcadia e a Inconfidencia (tese),
Brecheret. Passa a ser o grande animador do grupo moder~sta, divulga 1945; Ponta de Lanfa, 1945; A Crise da Filosofia Messidnica (tese), 1950;
M:irio como "o meu poeta futurista" e articula CO,!ß os de1:11a1s a Sem,ana. Um Homem sem Profissao. I. Sob as ordens de mamäe, 1954; "O Mo-
Paralelamente, rrabalha os romances da "]'rilogia .do Exibo". 0 petiodo dernismo", in Anhembi, n. 0 49, dez. de 1954. Sobre Oswald: M:irio de
23-30 e marcado pela sua melhor produ~ao propna_me?~e modern1sta,. no Andrade, "Osva1do de Andrade", in Revista do Brasil, n. 0 105, set./dez.
romance, na poesia e na divulga~ä,° de programas estet~cos nos Man1fes- 1924; Prudente de Morais, neto, e Sergio Buarque de Holanda, "Oswald
tos Pau-Brasil, de 24, e Antropofagico, de 28. f. tambem pontuado por de Andrade. Mem6rias Sentimentais de Joäo Miramar", in Estetica, n. 0
viagens a Europa que lhe däo oport°:nidad~, para .~onhecer melhor as van- 2, jan.-marr;o de 1925; Paulo Prado, "Poesia Pau-Brasil", Prefiicio a Pau-
guardas surrealistas da Fran~a. Depots .do . crack. da Balsa ~ da Revolu- -Brasil, Paris, Sans Pareil, 1925, inclufdo na Antologia do Ensaio Literririo
r;äo de 30, atravessa um perfodo. de cns.e. f1.nance1ra e se arrtsca ~m es~e­ Paulista, de J. Aderaldo Castello, Conselho Estadual de Cultura, S. Pau-
cula~es nem sempre ?em-suce,d!das. D1v1?1d? entre uma ~ormar;ao a~ar­ la, 1960; Tr!stäo de Atafde, "Queimada ou Fogo de Artifkio?", em Es-
quico-boemia e o espinto de cnt1ca ao capttahsmo, que entao s~ consc1en- tudos 1925, incluido nos Estudos Literririos,. Rio, Aguilar, 1966, pp. 994-
tizava no pals, Oswald pende para a Esquerda: adere ao Parttdo Comu- ~100~; Antönio Cändido, Brigada Ligeira, S. Paulo, Martins, 1945; Roger
nista: compöe 0 romance de auto·sarcasmo Seraftm P?nte Grande (28-33), Bast1de, Poetas do Brasil, Curitiba, Guafra, 1947; Haroldo de Campos,
teatro participante (0 Rei da Vela, 37) e lan~a o 1ornal 0 Homem do ."Miramar na Mira", intr. a 2.· ed. das Mem6rias Sentimentais de ]ofio Mi-
Povo. Desdobramento dessa posir;ao foi sua tentativa de criar romance ramar, S. Paula, Dif. Eur. do Livro; 1964; Decio Pignatati, "Marco Zero
de painel soci.al: os dois volumes de Marco Zero (43-45). Afasta-se da de Andrade", in Supl. Lit. de 0 Estado de S. Paula, 24-10-64; Gennaro
milhäncia politica de 1945, ano. em '.i.ue conc?rre .a Cadeira de Literatu- Mucciolo, "A Volta de Joäo Miramar", in Cadernos Brasileiros, n. 0 27,
ra Brasileira na Faculdade de Ftlosof1a da Un1vers1dade de S. Pau~o com jan./fev. de 1965; Haroldo de Campos, "Uma Poetica da Radicalidade'',
uma tese sobre a Arciidia e a Inconfidencia, obtendo o tftulo de" h:vre-do- intr. ä.s Poesias Reunidas de Oswald de Andrade, S. Paula, Dif. Eur. do
cente. Ern 1950 voltaria a mesma Universidad~ ent.rando, s~m extto, no Livro, 1966; Miirio da Silva Brito, Ängulo e Horizonte, S. Paulo, Martins,
concurso para o provimento da Cadeira de F1losof1a. Candtdatou-se por 1969; Antönio Cändido, Vririos Escritos, S. Paulo, Duas Cidades, 1970;
duas vezesa Academia Brasileira de Letras. Oswald de Andrade faleceu, Vera Chalmers, 3 Linhas e 4 Verdades: o ;ornalismo de 0. de A., Duas
em 1954, aos sessenta e quatro anos de idade. A menos de um dece- Cidades, 1976; Benedito Nunes, Oswald Canibal, S, Paulo, Perspectiva,
nio da sua morte, sua heranr;a e valorizada pelas vanguardas concretistas 1978.

402 403
partido facil de generalizar QP>Öes ..transit6rias. A rigor, Oswald pequenos turbilhöcs de lugarcs-co.muns morais c intdectuais. 0
näo teria tido condi,öes psitol6gicas para superar o decadentis- processo do autor consiste em acen,tuar ~olentamcntc as suas ba-
mo da sua forma,äo belle epoque: mas, como um jogador teme- nalfssimas qualidadcs, afogand<><>s definitivamente na ret6rica. ( .•• )
r:irio, arriscou-se a sair mais de uma vez da situa~äo de base que Fcltos dum s6 bloco, scm complexidade c scm profundidade nio
passam de autömatos, cada um com a sua ctiqueta moraI pc~dura­
o definia: nessas sortidas fez, al.Catoriamente, poesia futurista- da no pe~. Reina neste primeiro livro um convcncionalismo
-cubista, e, em um segundo tempJ, ~tto e romance social. Se t_otal do ponto de vista psicol6gico" ( 296).
fasse passive! depurar esses r~sultados do travo de um surrealis-
mo requentado e projetivo que neles emba>• a limpidez constru· Quando a Estrela de Absinto: "her6is .tremendamente falsos,
tiva, teriamos um escritor integralmente revolucion:irio. Mas dum convencionalismo de folhetim"( 297 ). E para Escada Verme-
como a hist6ria liter3ria näo se faz, ou näo se d.eve fazer, com iba: "psicologicamente o livro continua primario"(•"). Corno
arranjos a posteriori, a obra de Oswald permanece estrutural- defini~äo gesta!tica do criador: "personalidade totalmente mergu-
mente 0 que e; um leque de promessas realizadas pelo meio ou lhada n~ esteticismo burgues".
simplesmente irrealizadas. A critica, severa mas valida, esta a indicar que o romance
Da sua obra narrativa espantosamente desigual ja se disse de personagens näo era o caminbo ideal de Oswald. E o trinsi·
que carreava o melhor e o pior do Modernismo. Nelas os seus to para a experiencia do romance "informal" das Mem6rias de
melhores criticos tCm distinguido, pelo menos, trCs niveis de ex- Joäo Miramar, seu ponto alto, e de Sera/im Ponte-Grande, "um
pressäo e de valor, colocando entre parCnteses, para os dois pri- grande näo livro'', nas palavras de Haroldo de Campos, atesta-
ria uma procura de realiza\äo '3.ttfstica mais congenial ao talento
meiros, a cronologia externa das obras ( 295). do prosador. Ambas as obras correm paralelas as poeticas do
No Jimite inferior, a prosa de Os Condenados, A Estrela "Pau-Brasil" e da "Antropofagia" no sentido de satirizar o Bra-
de Absinto e A Escada Vermelha, os romances que formam a sil da "aristocracia" cafeeira aburguesada nas grandes capitais
Trilogia do Exilio. Embora compostos ao longo de quinze anos ( e como tal säo intencionalmente corrosivas), mas nem uma nem
de experiencia as mais diversas (1920-1934, aprox.), siio livros outra deixa de ser o reflexo literario da mesma "modernidade"
que se ressentem de uma atitude antiquada, num escritor que co- mundana a que o escri tor pertencia como filho ( pr6digo ) da clas-
nheceu o que e ser moderne, em face da iinguagem romanesca se que ironiza,
e do trato das personagens. Säo novelas meio mundanas, meio
psicol6gicas, a D'Annunzio, onde ha sempre um artista atribula- Joäo Miramar abandona momentaneamcnte o periodismo para
fazer a sua entrada de homem moderne na espinhosa carreira das
do pelas exigencias da sua personalidade libidinosa e genial ... A leuas. E apresenta-sc como o produto improvisado, quii;a chocan-
Estrela de Absinto, por exemplo, conta os amores de um escul- te para muitos, de uma ~poca insofism3vd: de transi~äo. Corno
tor sensual pela formosa Alma cuja morte o lan~a num mar de os tanks, os aviöes de bombardeio sobre as cidadcs encolhidas de
remorsos logo esquecidos por aventurazinhas menores, ate que pavor, os gases asfixiantes e as terdveis minas o seu estilo e a sua
personalidade nasceram das clarinadas ca6ti0:S da gucrra. ( .. )
um imotivado e ret6rico suicldio vem pör firn ao melodrama. Torna-se l6gico que o estilo dos cscritores acompanhc a ev<r
De Os Condenados, diz um crit,ico insuspeito, que soube admi· lu~o emocional dos surtos humanes. Se oo meu foro interior, um
rar as partes vivas da prosa oswaldiana, Antonio Candida: velho sentimentalismo racial vibra ainda nas doccs cordas alexan-
drinas de Bilac c Vicente de Carvalho, nio posso dcixar de reco-
Ha nele um gongorismo psicol6gico - tara que contaminar4 nhecer o direito sagrado das inov~s. mesmo quando elas amca-
todos os livros da serie - mais grave ainda que o gongorismo ver- cam especlai;ar nas suas mäos hercU.lcas o ouro argamassado pela
bal da escrita. 0 gongorismo psicol6gico, ainda näo bem explica- idade parnasiana. VAE VICTIS!
do em literatura, e a tendencia para acentuar, em escala fora do Esperemos com calma os fnuos dessa oova revol~o quc oos
comum, os trai;os psiquicos de uma personagem; os scus gestos, as apresenta pela primeira vez o estilo tclegrüico e a mclAfora lauci-
suas tiradas, as suas atitudes de vida. As pessoas, neste livro, säo nante_ ( Do PrefU:io).

Cf. os ensaios de Antönio Candida e Haroldo de Campos, ci-


( 295)
( 296) Ern Brigada Ligeira, S. Paulo, Martins, p. 16.
tados na nota anterior. (297) Id., p. 17.
(298) Id., ib.

404 405
A "nova rcvolm;ilo" fo(mal tem sido hoje aclarada pela cr!- 0 plano que norteou Pau-Brasil foi o de transpor, nessc es-
tica de tendencia estruturalista. 0 estilo das Mem6rias Sentimen- tilo de slntese violenta, näo s6 o espa\o moderno da na~äo, co-
mo o faz nas partes intituladas "RPI", 11 Carnaval", uPostes da
t is e a prosa que poderia seguir a poesia da Pauliceia Desvazra- Light", ''.L6ide .Brasileiro", mas tambem a sua vida pre-colonial
daa de Maria de Andrade: a "immaginazione senza f"l"' t t : o tel_e- e colonial. Dal, a jun\äo de modernismo e primitivismo que, cm ,
grafismo das rupturas sint0.ticas, da tWnultan~lsmo, da _smcrorua, Ultima ana!ise, define a visäo do mundo e a poetica de Oswald.
das "ordens do subconsciente", dos neol?gts~~os C_?ptoso~. A Pena e que, na esteira do "primitive", o escritor haja reiterado
composi~äo mesma do romance e revoluc1onar1~: sao capttu~os­ tantos estere6tipos do carater nacional ( os mesmos de Paula
-instantes, capltulos-relilmpagos, capltulos-sensa~oes. 0 que un- Prado no Retrato do Brasil): a "luxUria", a "avidez" e a "pre-
portava ao Oswald Ieitor dos futuristas e p~ofundamente afeta- gui\a" com que nos viram os colonizadores do seculo XVI e as
do pela tecnica do cinema era a colagem rap,1,da de s1goos, os teorias colonialistas do sCculo XIX, e que estaräo presentes em
processos diretos, "sem comparai;öes de apo10 , c?mo drrta, il Serafim Ponte Grande, retrato do antrop6fago civilizado que
mesmo ano de Miramar, pelo Manifesto da Poe~a Pau. Bras .· atuou como mito exemplar no pensamento de Oswald ate suas
Esse tipo de prosa que confina com a condensap~. paetica fo1, ultimas produ.c;es.
ao que parece, elaborado simultaneamente com as pal~vras em Na verdade, para esse primitivismo an3.rquico s6 exis-
liberdade " de Pau-Brasil. O arrolamento bruto dos smtagmas,
de poes1a
. " , na express-ao. de tia uma safda lucida que lhe redimisse os tra~os deca-
0
"obter em comprimidos minutos den tes: a abertura para a arte social. Oswald tentou-a com a
Paulo Prado, ia, de fato, alem do verso liv~e, Ultima. conqmsta obstina,äo de quem precisa realizar um programa. Foi vencido
do Simbolismo e primeiro passo do Moder~!Smo. , P01s o ver'? pelo lastro do seu passado ao fazer teatro ( 0 Rei da Vela, 0
livre e ainda, funclamentalmente, .uma umdade ritm1co-mel6di- Homem e o Cavalo), muito mais pr6ximo de um expressionis-
ca; ao f,asso que a exigencia marinettiana, expr~ssa d~sde o Ma- mo pan-sexual que da assun\äo din3.mica dos conflitos sociais; e
nifesto Tecnico de 1912, recai sobre a desarucul~~ao total da foi vencido por uma concepi;äo mimetico-populista ao fazer ro-
frase: 0 que produzira tamloem um ?1odo nov_o de dispor o texto, mance mural ( Marco Zero), onde näo logrou imitar sem manei·
um,a nova espacializa~äo do material hterar10_. Nessa linha, o rismo a alta simplicidade de um Jose Lins do Rego e de um
·cubo-futurismo foi, de fato, precursor da poesia concreta. Graciliano Ramos, nem levar a matura~äo os elementos estilisti-
Saltos records cos originais de que dispunha desde as Mem6rias Sentimentais
Cavalos da Penha de ]oao Miramar.
Correm j6queis de Higien6polis Mais feliz, porque mais aderente aos tra,os fundamentais
Os magnatas da sua personalidade artfstica, foi a volta a poesia: duas compo-
As meninas si~öes que escreveu na decada de 40, "Cantico dos Cilnticos para
E a orquestra toca Flauta e Violäo" e "O Escaravelho de Ouro" permanecem como
Cha , exemplos admiraveis de fusäo, no nivel dos significantes, de liris-
Na sala de cocktaUs mo er6tico e abertura ao drama do pr6prio tempo. Fiquemos
(hlpica) com esta Ultima imagem desse homem rico e contradit6rio e se-
jamos cautos no afä de valorizar fragmentos de atitudes, "data-
Bananeiras das" e muito mais dependentes de certos padrces irracionalistas
0 so! do que a sua apatCncia faria pensar.
0 cansa9l da ilusäo
Igrejas
0 ouro na serra de pedra
A decad~
("Sio JOO<! Dei Re!")

406 407
-,
Manuel Bandeira Fez, por certo uma injusti~·a a si pr6prio, mas deu, com essa no-
ta~äo crltica, rhostras de reconhecer as origens psicol6gicas da
Manuel Bandeira ( 299) chamou-se um dia "poeta menor".
sua arte: aquela atitude intimista dos crepusculares do come\o
do seculo que ajudaram a disso!ver toda a eloqüencia p6s-romän-
( 299) MANUEL CARNEIRO DE SousA BANDEIRA FILHO ( Recife, 1886
tica, pela pratica de um lirismo confidencial, auto-irönico, talvez
Rio, 1968). Veio adolescente ~a:a;. o'"Rio" de Janeiro, onde. cursou o
Colegio Pedro II. Ern S. Paulo, 1n1c1ou o curso de Engenhana, mas a
incapaz-de empenhar-se num projeto hist6rico, mas, por isso mes-
tuberculose, manifestando-se cedo, impediu-o de prosseguir os estudos. Es- mo, distante das tenta,öes pseudo-ideol6gicas, alheio a descafdas
teve em 1912 na Suir;a (sanat6rio de Clavadel) e ai entrou em contato ret6ricas.
com a melhor poesia simbolista e pcSs-simbolista em Hngua francesa, fon-
te da sua linguagem inidal, como o atestam os primeiros livros, Cinza
Ern nosso poeta essa atitude, que trai um inato individua-
das Horas e Carnaval. Fixando-se no Rio, estreita amizade com alguns lismo, redime-se pelo culto da comunica,äo literaria. 0 esfor,o
escritores que, como ele, passariam do ecletismo. /i~ de siecle ao Moder- de romper com a dic,äo entre parnasiana e simbolista de Cinza
nismo (Ronald de Carvalho, Alvaro Moreyra, Ribeuo Couto, Gra~a Ara- das Horas foi plenamente logrado enquanto fez de Bandeira um
nha Tristiio de Atafde ... ) . Praticando o verso livre e a ironia crepus- dos melhores poetas do verso livre em portugues, e, a ·partir de
cu1a'r desde os primeiros versos, Bandeira foi naturalmente acolhido pelo
Ritmo Dissoluto, talvez o mais feliz incorporador de motivos e
grupo da Semana como um irmiio :nais v_elho (tinha.36 an?,s em 1922) e
houve quem o chamasse "o Sao Joao Bausta do movtme!1to ; por sua vez, termos prosaicos a literatura brasileira.
tera recebido do exemplo de Mirio e de Oswald um 1mpulso para rom- Entretanto, näo se pode dizer que o mesmo esfor,o liberta-
per as amarras da sua forma~iio intimista. E o que ocorrera nos livros ex-
perimentais, escritos na "fase he.r6ica" do Modernismo: Ritmo Dissoluto
rio o tenha imunizado do prestfgio das velhas poeticas, respon-
e Libertinagem. A biografia de Manuel Bandeira e a ~ist6ria das se~s savel pelo seu aberto comprazimento de atmosferas romänticas
livros. Viveu para as letras e, salvo. os anos er:i que lec1on?u ~ortugues ou de ecos neoclassicos: tudo o que da a sua linguagem aquele ar
no ColCgio Pedro II e ~iteratura H1sp,a?o-Amencana na Un~verst~a?e d? de Ultima experiencia de uma refinada civiliza~äo literaria, täo
Brasil dedicou-se exdus1vamente ao ohc10 de escrever: poes1a, crontca li- evidente nos mestres da poesia moderna, T. S. Eliot, Pound,
ter<iri~, tradu~öes e obras didaticas. de ?fvel s1:1perior.. Obra: Cinza da.s Ungaretti.
Horas, 1917; Carnaval, 1919; Poeszas (incl. Rztmo Dzssoluto), 1924; Lt-
bertinagem, 1930; Estrela da Manhä, 1936; MafuJ ?io Malungo, 1948; Opur Por outro lado, era de esperar que a fusäo de confidencia e
10, 1952; Estrela da Tarde, 1958; Estrela da Vida Inteira, 1966. Tradu· sabio jogo tecnico respondesse, no plano da reflexäo estetica, um
~öes: Poemas Traduzidos, 1945; Maria Stuart, de Schiller, 1955; Macbeth,
irracionalisrno de base, difuso na -sua gera~äo, e sobre o qual se
de Shakespeare, 1956; La machine in/ernale, de Cocteau, 1956; June and
the Peacock, de O'Casey, 1957; The Rain Maker, de N. Richard N~sh, foram depositando finas observa,öes do homem de metier, capaz
1957. Prosa: Crönicas da Provincia do Brasil, 1936; Guia de Ouro Preto, de compor em todos os ritmos e de traduzir com igual mestria
1938; No,öes de Hist6ria das Literaturas, 1940; Literatura Hispano-Ame- Shakespeare e Hölderlin, Rilke e Garda Lorca. Quem näo per-
ricana, 1949; Gon,alves Dias, 1952; ltinerJrio de PasQrgada, 1954; De cebe a imediata presen\a surrealista nestas palavras do Itinerti·
Poetas e de Poesia, 1954; Frauta de-Papel, 1957; Os Reis Vagabundos e rio de Pasargada:
mais 50 Crönicas, 1966; Andorinba, Andorinha, 1966. Consultar: os en-
saios prepostos a edii;äo de Poesia e Prosa, 2 vols„ Rio, Aguilar, 1958 (esp. lnstrufdo pelos fracassos, aprendi, ao cabo de tantos anos, que
os de Sergio Buarque de Holanda, Francisco de Assis Barbosa e Antönio jamais poderia construir um poema a maneira de Valery. Ern "Me-
Cändido) · Adolfo Casais Monteiro, Manuel Bandeira, Lisboa, Inquerito, moires d'un poeme" (Variete V), confiou-nos o grande poeta que
1943; Se;gio Buarque de Holanda, Cobra de Vidro, S. Paulo, Martins, a primeira condi~iio que ele se impunha no trabalho de cria~iio poe-
1944; Roger Bastide, Poetas do Brasil, Curitiba, Gu~ra, 1947; Carlos tica era "le plus de conscience porsible"; que todo o seu desejo era
Drummond de Andrade, Passeios na Ilha, Rio, Simöes, 1952; Ledo Ivo, "essayer de retrouver avec volonte de conscience quelques resul-
0 Preto no Branco. Exegese de um Poema de Manuel Bandeira, Rio, Livr. tats analogues_ aux resultats interessants· au utilisables que nour li-
S. Jose, 1955; Aurelio Buarque de Holanda, Territ6rio Lirico, Rio, 0 Cru- vre (entre cent mille coups quelconques) le hasard mentale". An-
zeiro, 1958; Emanuel de Moraes, Manuel Bandeira, Rio, Jose Olympia, teriormente chegara ele a dizer q"ue preferia "avoir compose une
1962; Gilda e Antünio Cändido de Mello e Souza, "Introdu~äo", em oeuvre mediocre en toute lucidite qu'un che/-d' oeuvre J eclairs,
Estrela da Vida Inteira, Rio, Jose Olympio, 1966. dans un etat de transe . .. " Na minha experiencia pessoal fui veri-
ficando que o meu esfor~o consciente s6 resultava em insatisfa~äo,

408 409
ao passo que o quc ~ safa ..8o subconsciente, numa. esp&ie de - 0 senhor tcm uma. escavai;äo no pulmäo esquerdo e o pulmäo
transe ou alumbramenlo; tinha ao menos a virtude de me deixar [direito infiltrado.
aliviado de minhas angllstias. Longe de me sentir humilhado, re- - Entäo, doutor, näo e possivel tentar o pneumot6rax?
jubilava como se de repentc me tivessem posto em cstado de - Näo. A Unica coisa a fazer e tocar um tango argentino.
gra~a ( aoo).
0 livro oscila entre um fortissimo anseio de liberdade vital
Surrealismo cuja filia,ao "vi,W,nte" ( Rimbaud, Lautrea- e estCtica ("Na boca", "Vou-me embora pra Pasa'.rgada", "PoC-
mont) seria temperada na leittira dos "lllcidos", Mallarme e Va- tica") e a interioza~äo cada vez mais profunda dos vultos fami-
Iery, acei tos como tfcnicos da inven~äo verbal: "a poesia se faz liares ("Profundamente", "lrene no Ceu", "Poema de Finados",
com palavras". "O'Anjo da Guarda") e das imagens brasileiras cujo halo mlti-
E, se passarmos da poetica reflexa 1i genese da sua obra, ve- co Bandeira devera, em parte, ao convivio intelectual com Ma'.-
remos que a presen\a do biografico e ainda poderosa mesmo nos rio de Andrade e Gilberto Freyre ( "Mangue", "Evoca\ao do Re-
Jivros de inspira\ao absolutamente moderna, como Libertinagem, cife", "Lenda Brasileira", "Cunhantä").
nllcleo daquele seu näo-me-importismo irönico, e no fundo, me- A poetica de Libertinagem mantem-se viva nas obras ma-
lanc6lico, que lhe deu uma fisionomia tao cara aos leitores jo- duras de Bandeira, ende n3.o raro um ardente sopra amoroso en-
vens desde os anos de 30. 0 adolescente mal curado da tuber- volve as imagens femininas, deixando-as porem intactas e nim-
culose persiste no adulto solitario que olha de longe e carnaval badas de uma alta e religiosa solitude:
da vida e de tudo faz materia para os ritmos livres do seu obri-
gado distanciamento: Dantes, a tua pcle scm rugas,
A tua saU.de
Uns tomam ~ter, outros cocafna. Escondiam o que era
Eu jli tomci tristeza, hoje tomo alegria. Tu mcsma.
T enho todos os motivos mcnos um de ser triste. Aqucla quc balbuciava
Mas o c:ilculo das probabilidadcs C uma pilhCria ... Quase inconscientemente:
Abaixo Amiel! "Podem entrar„.
E nunca lerei o did:rio de Maria Bashkirts.ff. A que me apcrtava os dedos
Sim, ji pcrdi pai, mäc, irmä:os. Desespcradamente
Perdi a saU.dc tamb6:n. Com medo de morrer.
:e. por isso quc sinto como ningu6n o ritmo do jazz-band. A menina.
0 anjo.
A flor de todos os tempos.
( "Näo sei danca,r" ) A que näo morrera nunca.
("Flor de todos os tempos")
Ou o arquifamoso "Pneumot6rax'_':
Febre, hemoptise, dispnCia e snorcs noturnoo. E näo nos cansaremos nunca de admirar os poemetos er6-
A vida inteira que podia ter sidO e que näo foi. ticos "A Filha do Rei", "A Estrela e o Anjo", 11 .Agua Forte",
Tosse, tossc, tossc.
"Unidade", "Cäntico dos Cänticos", 9u aqueles momentos, ra-
Mandou chamar o m~: res mas definitives, em que a extrema e surpreendente singeleza
- Diga trinta c tr&. formal e, a um s6 tempo, mensagem e c6digo de um corte meta·
- Trinta c tds ... trinta e tr!s ... trinta e tr!s .. fisico na condi~äo humana, carnal e finita, no entanto presa a
- Rcspire um lancinante anseio de transcendencia: "Memento num CafC",
"Contri\äo", "Ma\ä", "A Estrela", "Can~äo do Vento e da Mi-
nha Vida". "Ubiqüidade", "Uma Face na Escuridäo", e este mis-
(300) Em Poesia e Prosa, ed. Aguilar, vol. II, pp. 21-22. terioso e belo "Boi Morto":
410 411
Teu ~. . . Ser:f infcio ou ~
Comö em -~urvas fguas de enchente, Firn? ~ as duas coi.sas teu ~-
Me sinto a meio submergido
Entre destrrn;os do presente Par quC? OS motivos sao tantos!
Dividido, subdividido, Resumo-os scm mais tardan~:
Onde rola, enorme, o boi morto,
Infcio dos meus encantos,
"'
Boi morto, boi morto, boi morto.
. calma,
Arvores da i:iaisagern '
Firn das minhas espcrani;as.
("Madrigal dope para a mio")
Convosco - altas, täo marginais! -
Fica a alma, a atönita alma,
AtOnita para jamais, · Por firn, e necessario frisar que o poeta conviveu longa e
· Que o corpo, esse- vai com o boi morto, intimamente com o melhor do que lhe poderia dar a literatura
Boi morto, foi morto, boi morto. de todos OS tempos e pafses. Tradutor de varias linguas, mestre
Boi morto, boi descomedido, de cultura hispano-americana, autor de uma fina Apresentaräo
Boi espantosamente, boi da Poesia Brasileira, Manuel Bandeira deixou uma notavel ba-
Morto, sem forma ou sentido gagem de prosa crltica, havendo ainda muito o que aprender em
Ou significado. 0 que foi
Ninguem sabe. Agora e boi morto. seus ensaios sobre nossos poetas, lidos näo s6 de um ponto de
Boi morto, boi morto, boi morto. vista hist6rico, mas por dentro, como 3.s vezes s6 um outro poeta
sabe !er.
Nos livros maduros reaparece ( como ao mesmo tempo ocor·
ria com a melhor poesia europeia) o metro - clässico e popu-
lar - tratado com a mesma sabedoria de que o poeta dera exem- Cassiano Ricardo
plo na fatura do verso livre, isto e, mantida a perfeita homolo-
gia entre o sentimento e o ritmo. Näo e possivel dissociar as Cassiano Ricardo ( 302 ) pagou, como os demais modernis-
cadencias que marcam os redondilhos da "Cam;äo das Duas fn-
tas hist6ricos antes de aderir ao movimento, tributo ~ medida
dias" dos seus värios matizes afetivos.; Hem os trissilabos de
velha: neo-simbolisra e Dentro da Noite, neoparnasiana A Frau-
"Trem de Ferro" da sonora mimese que logram alcanr;ar; nem,
ta de Pä. A partir de 1926, com Vamos Carar Papagaios, o poe-
ainda, o espirito anti-ret6rico poderia vir mais bem expresso do
que o fazem os alexandrinos "bilaqueanos" do soneto "Ouro ta, entäo ligado ao Verdeamarelismo de Menotti, Candida Motta
Preto".
Ja näo falo dos divertissements cada vez mais numerosos na (302) CAsSIANo R1cARDO LEITE (Säo Jose das Campos, SP, 1895-
Ultima produ,äo do poeta: hai-kais, cantares de amor a D. Dinis, 1974 ). Fez Direito em Säo Paula e no Rio de Janeiro. Os seus primeiros
sextilhas, rond6s, gazais, letras para valsas romänticas, versos versos, de estofo tradicional, foram elogiados por Bilac e Medeiros de Al-
"3. maneira de" e atC engenhosor~ objetos de poesia concreta. 0 buquerque. Aderindo ao Modernismo, logo fixou-se na polemica naciona-
lista e, mais estritamente, paulista: fase do Verdeamarelismo ( 1926) a que
livro derradeiro, Mafuti do Malungo ( 301 ), e uma variada cole- se segue o grupo da Bandeira ( 1928), integrado por ele por Menotti del
r;ao de jogos onom3sticos, dedicat6rias rimadas, liras e sätiras po- - Picchia e Cändido Motta Filho. Eleito em 1937 para a Academia Bra-
lfticas de circunstäncia, tudo num clima de virtuosismo que lem- sileira de Letras ai fez uma cerrada campanha pela valoriza<;ao oficial das
bra, mutatis mutandis, a literatura dos atos academicos de barro- poetas modernes. Tem animado constantemente os grupos novos: cm 1945,
iunto ao Clube de Poesia; mais recentemente, junto äs vanguardas expe-
ca mem6ria: rimentais. Obra: Dentro da Noite, 1915; A Frauta de Pa, 1917; Vamo.r
Ca~ar Papagaio.r, 1926; Martim-Cerere, 1928; Deixa Estar, Jacare, 1931;
( 301) "Mafu8" toda a gente sabe que e 0 nome dado as feiras po- 0 Sangue das Horas, 1943; Um Dia depois do Outro, 1947; A Face Per-
pulares. de ,divertimentos. "Malungo" significa companheiro, camarada; ~ dida, 1950; Poema.r Murais, 1950; Sonetos, 1952; Joäo Torto e a Ftlbula.
um africarusm?, segundo CAndido de Figucircdo, nomc com que reciproca· 1956; 0 Arranha-Ceu de Vidro, 1956; Poe.ria.r Completas, 1957; Monta-
mentc sc dcs1gnavam os ncgros que safam da Mrica no mesmo navio" nha Russa, 1960; A Dificil Manhä, 1960; Jeremias-sem-Chorar, 1964;
("Reportagem Liter:fria", cm M. B., Poesia e Prosa, cit., I, p. 1173).

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Filho e Plinio Salgado, e11tra de_,cbofre no seu primeiro nucleo mias sem Chorar, que incorporam temas e formas da vida urba-
de inspira~äo realmente fecundo: o Brasil .tupi e o Brasil colo- na penetrada atC a medula pela tCcnica e pela "condh;äo atömica"
nial sentidos como estados de alma przmztzvos e c6smtcos, na em que imergiu o mundo inteiro de p6s-guerra.
linha sempre ressuscitavel do paraiso perclido habitado por bons A atualizai;äo da poeta näo se restringiu a modernizar a
selvagens. propria obra: desdobra-se boje na aten~äo dedicada ii arte expe-
Pode-se falar sem receio qe didatismo, em uma fase de rimental que o tem, numa de suas areas ( a chamada poesia-pra-
nacionalismo estri;o, que englöba o""iv~o citado, mais Deixa Es- xis) por entusiasta e mentor. Um exemplo dessa atitude e a
tar ]acare e Martim-Cerere ( o Brasil dos meninos, dos poetas e tese 22 e a Poesia de Ho;e, que Cassiano expös no Segundo Con-
das her6is), livro que, junto as experiencias mitopo~ticas de Ma-. gresso Brasileiro de Cr1tica e Hist6ria Literaria ( Assis, 1961),
cunalma e de Cobra Norato (de Rau! Bopp ), dehne uma das onde apresentou com minllcia as pesquisas e as teorizai;öes da
opi;öes possiveis da poesia modernista. ConvCm, no entanto, dis- poesia concreta e os seus nexos com as pontas-de-lani;a da Mo-
tinguir no interior dessa linha: se as est6rias reelaboradas por dernismo.
Mario de Andrade provinbam de todo o pa1s e serviam para uma
fusäo lingüfstica ampla, uma espCcie de "idioma geral do Brasil",
as preferencias de Cassiano Ricardo centraram-se cada vez mais Menotti de! Picchia
na tem3tica paulista que, de indfgena passa a bandeirante, e
desta ao canto da penetrac;äo cafeeira atC a vivencia da Säo Pau-
Tenaz clivulgador das novas tcndfocias esteticas, Menotti
la moderna. Martim-Cerere, poesia, e Marcha para o Oeste, en-
del Piccbia ( aos) construiu obra singular no contexto modernis-
saio hist6rico bandeirista, ilustram plenamente a primeira etapa
ta, no sentido de uma descida de tom (um maldoso diria: de
desse roteiro no tempo e no espai;o. nlvel) que lhe permitiu aproximar-se do leitor meclio e r~ar
No decC:nio de quarenta, o poeta, sensivel ä.s novas corren- pela cultura de massa que boje ocupa mais de um ide6logo
tes de lirismo universalizante, escreverd 0 Sangue das H oras, Um perplexo.
Dia depois do Outro e A Face Perdida, obras que deixam para Antes de 22, Menotti escrevera um poemeto sertanista mui-
trils a explora\äo do Brasil primevo e colorido e exprimem um to brilhante, ] uca Mulato, que logo caiu no göto de toda casta
modo de ver mais pensado, quando nao abstrato, do cotidiano de leitores. Era sinal de uma comunicabilidade facil e vigorosa,
moderno. 0 processo de renovai;äo continuaria nas Ultimas ex-
periencias, sobretudo em 0 Artanha-Ceu de Vidro e em ]ere-
(303) PAULO MENOTTI DEL P1ccHIA (ltapira, SP, 1892). Fez Di-
Os Sobreviventes, 1972. Prosa: 0 Brasil no Original, 1936; 0 Negro na reito cm S. Paulo. Conviveu na primeira mocidade com os Ultimos ba-
Bandeira 1938· A Academia e a Poesia Moderna, 1939; Pedro Luis Vista luartes da literatura antemodernista, mas, passada a l Guerra Mundial,
Pelos M~dernds, 1939; Marcha para o Geste, 1943; A Academia e a Lin- aproximou·se do grupo que faria a Semana de Arte M?de!na, de que foi
gua Brasileira, 1943; A Poesia na Tecnica do Romance, 1953; 0 Homem articulador e aguerrido participante. Poucos anos depo1s, tntegrou os mo-
Cordial 1959· 22 e a Poesia de Roje, 1962; Reflexos sobre a Poetica de vimentos verde-arnarelo e "Bandeira", junto com Cassiano Ricardo e Cin-
Vangu;rda, 1966. Consultar: TristäQ de Ataide, Estudos, l.a serie, Rio, dido Motta Filho. Foi dos que passaram de um nacionalisrno estreito
Terra do Sol 1927· Joäo Ribeiro, Critica. Os Modernos, Rio, Academia para urna ideologia trabalhista, rnilitando largos anos no partid?. fundado
Brasileira de 'Letras: 1952 (escr. ern 1928); Roger Bastide, "Cassiano Ri- por GetUlio Vargas. Obras principais: Juca Mulato, 1917; Mozsls, 1917;
cardo", in A Manhä, Supl. de Letras e Artes, 21 e 28-9-1947; Alvaro Mascaras, 1917; O Homem e a Morte (rornance), 1922; Cbuva de Pe-
Lins, ]ornal de Critica, 6." serie, Rio, J. Olyrnpio, 1951; Sergio Milliet, dras, 1925; RepUblica dos Estados Unidos do Brasil, 1928; A Tormenta
Panorama da Moderna Poesia Brasileira, Rio, Ministerio da Educat;äo, (romance), 1931; Poemas, 1935; Salom! (romance). V .. 0!.'ras Comple-
1952; Eduardo Portella, DimensOes. I, Rio, J. Olyrnpio, 1958; Pericles tas, 14 volumes, S. Paulo, Martins, 1958. Consultar: Trtstao de Atafde,
Eug€:nio da Silva Rarnos, "0 Modernisrno na Poesia'', in A Literatura no Primeiros Estudos, Rio, Agir, 1948 (escr. ern 1919); ~umberto de Cam-
Brasil, cit. vol. III, t. 1; Oswaldino Marques, 0 l.Aborat6rio Poetico de pos, Crftica, vol. III, Rio, Jose Olympia, 1935; M3no. de Andrade, 0
Cassiano Ricardo, Rio, Civ. Bras„ 1962; Maria Chamie, Palavra-Levanta- Empalbador de Passarinho, S. Paulo, Martins, s. d.; Pericles Eugenio da
mento na Poesia de Cassiano Ricardo, Rio, Livr. S. Jose, 1966; Jerusa Silva Ramos, "O Modernismo na Poesia", em A Lit. no Brasil, cit„ v.
Pires Ferreira„ Noticia de Martim-CererR, S. Paulo, Quatro Artes, 1970. III. t. !; Wilson Martins, O Modernismo, 2.' cd., S. Paulo, Cultrix, 1967.

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nßo desmentida em Moise~, poei;.!a bfblico, e em Mascara$, am-
bos de 1917. · '. , . . ao velho processo de montar as criaturas ficcionais por meio de
Pouco antes da Semana, Menotti escreveu var1os ~rt1g~s no tipos, expediente que, enriquecido, levara a personagem-expres-
Correio Paulistano, sob o pseudonimo de Helios: o lett':'ottv de säo, mas esquematizado, dar3 o her6i da subliteratura, o padräo
todos e 0 antipassadismo din3m~~o, ,e~o ainda dannu~;1ano d~s pelo qua! se guiam os fazedores de novelas policiais, de contos
manifestes de Marinetti. Nessa esteuca do progresso , o escr1- de misterio e, hoje, de radio-, foto- e telenovelas.
tor inseriria motivos nacionaJ.istas; P"esentes nos poemas de Chu- Que um "pr6cer do Modernismo", um escritor brilhante co-
va de Pedra e em O Curupira e o Caräo, livro-programa que com- mo Menotti de! Picchia haja cedido, por for~a do pr6prio tem·
pös com Plinio Salgado e Cassiano R!cardo. 0 _curupira e o sim- peramento literSrio, a tais estere6tipos, deixando para tr3s as
bolo da arte nova e nac1onal; o Carao, das anugual}las parnas1~­ experiencias de vanguarda que promovera na juventude, deve
nas, bagatelas importadas. Säo de_ssa faso; os poemas da Repu· parecer lamentavel ao high brow, que tende a alija-lo pura e sim-
blica dos Estados U nidos do BraStl, rapsodia verde-amarela em plesmente do seu convfvio estetico; mas cem seu sentido socio-
versos livres. 16gico e cultural, na medida em que os caminhos "faceis" do au-
A linguagem de todos os livros citados cai freqüentemente tor da Republica 3000 responderam as expectativas de um pu-
no ret6rico ou no prosaico da crönica. Ternos nelas o ~erme do blico de fato clivorciado do Modernismo de 22, enquanto este
seu estilo nos romances de fic~äo cientifica: A Republtca. 3000, näo soube, ou näo pöde, refletir as. tendencias e os gostos de
Kalum, o Sangrento e Kamunka. No a?o. da Semana redtgira um uma classe media em crescimento, incapaz de maior i-efinamen-
romance er6tico-decadente, bastante prox1mo de Os Con4enados, to artlstico. Classe de onde salram os leitores de Menotti de!
de Oswald, tambem escrito em 1922: em ambos proietava-se Picchia e que viriam a ser, logo depois, os leitores de Jorge Ama·
do e de Erico Verissimo.
aquela figura do artista /in de s_iecle, geni_o exaltado a proc':'.ra. do
Impossivel no meio do torvelinho da v1da_ mode:na e gra-f1?a.
A aderencia efusiva ao vaivem da burgues1a pauh,stana, se~v1?a Rau) Bopp
por uma respeitavel mole de l~gares;c~muns, d':.u a ~rosa fic~to·
nal de Menotti uma anima.-;äo JOrnahsuca que nao de1xou de 1m-
pressionar o exigente Maria de Andrade cfa fas~ ar_tesanal. Re- Na trilha do Verdeamarelismo de Menotti, Cassiano e Pli-
senhando, näo sem reservas, o romance Salome, d1sse o poeta- nio Salgado, mas bem cedo convertido aos chamados da Antro-
-critico: pofagia de Oswald e Tarsila, esta Rau! Bopp ( 305 ) 1 cuja raps6·
Com Salome Menotti del Picchia nos descreve, num largo e dia amazönica, Cobra Norato, e o necess3rio complemento do
amargo painel, a 'sociedade paulista contempor~nea. A meu ver: o Manifesto Antrop6fago.
que ha de mais admiravelmente ~em, ~onsegu1do .no roman~e e a
criai;ä:o e fixai;äo das caracteres ps1colog1cos escolh1do~.. Esta claro, (305) RAuL ßopp (Tupaceretä:, RS, 1898). Descendente de imi-
Menotti e o tipo do escritor incapaz de gastar dez pag1nas de ana- grantes alemä:es estabeiecidos no SuI desde os meados do seculo passado.
lise pra estudar, por exemplo, esse Jorte sof~imento que e a ~ente Viajou por todo o pais praticando as profissöes mais dispares, desde pin-
se decidir entre sair de casa ou nao, num 1nstante de gratu1dade tor de paredes ate caixeiro de Iivraria. Na decada de 20 percorreu demo-
vital. Proust e Joyce detestir_iam Menotti del Picchia, como tal- radamente a A.mazOnia; em S. Paula, poucos anos depois da Semana, apro-
vez Menotti del Picchia deteste Joyce e Proust: Mas o v.alor "<?"" ximou-se das virios subgrupos modernistas, integrando inicialmeil.te o Ver-
tavel do autor de Salom~ foi exatamente consegu1r um perfeito equ1-
de-amarelo, mas, ji em 1928, ligando-se a Oswald e a Tarsila, padroeiros
lfbrio entre a sua concepi;äo sintCtica dos p~rsonagens ~ a cscolha
da Antropofagia. Foi jornalista e diplomata. Obra: Cobra Norato, 1931;
destes como formas psicol6gicas representativas da soctedade quc
quis descrever ( 304), Urucungo, 1933; Poesias, 1947; Os Movimentos Modernistas, 1966; Puti-
rum, 1969. Consultar: Joäo Ribeiro, Critica. Os Modernos, Rio, Academia
Falando em "concep~äo sintetica dos personagens" e em Brasileira de Letras, 1952 ( escrito em 1931); Alvaro Lins, Jornal de Cri-
tica, 6.• serie, J. Olympia, 1951; Carlos Drummond de Andrade, Passeios
uformas psicol6gicas representativas", MSrio aludia, na verdade, na Ilha, Rio, Simöes, 1952; Pericles Eugenio da Silva Ramos, "O Moder-
nismo na Poesia", em A Literatura no Brasil, cit., v. III, t. 1; Wilson
( 304) O Empalhador de Passarinho, cit., p. 244. Martins, 0 Modernismo, cit.; Othon Moacir Garcia, Cobra Norato, o
Poema e o Mito, Rio, Livr. S. Jose, 1962.
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A estrutura da obra '~ epic:O'-dramatica e o poeta pöde ex· Plinio Salgado
trair dela coros para um bailado. Narram-se as aventuras de um
jovem na selva amazönica depois de ter estrangulado a Cobra Falando de Plinio Salgado ( 308 ), costuma-se distinguir um
Norato e ter entrado no corpo do monstruoso animal. Cruzam primeiro momento de interesse pela nova fi~ao e pe1a literatu·
a hist6ria descri~s mitol6gicas de um mundo barbaro sob vio- ra, em geral (ex.: o romance 0 Estrangeiro, de prosa solta e
lentas transforrna~Cies. °" · impressionista), da carreira ideol6gica e politica que se lhe se-
guiu. Mas a verdade esti no todo: o inclianismo mitico dos es-
Aproximando Cobra Norato de outras obras mlticas do Mo-
critos iniciais e a xenofobia do Manifesto da Anta n3o estavam
dernismo, diz com acerto Wilson Martins: infensos aos ideais reacioniirios que selariam o homem ·pU.blico
Obscrvc-sc quc o mito da viagem, no tcm.po e no cspa~, ~ • na dt'cada de 30. Pelo contrario, o Integralismo foi o suceda-
viga-mestra de Macunabn11, de Martim-Cerere, de Cobra N~t110: neo daquele nacionalismo abstrato que, em vez de sondar as con-
o Modcrnismo foi uma escola ambulante c perambulantc, fascm~do tradii;öes objetivas das nossas classes sociais, tais como se apre-
pcla descobcrta gcografica e '!'edusado pela descoberta <:"!no16gica. sentavam as vesperas da Revolu~ao de 1930, preferiu fanati-
Nesses artistas com tanto scnt1do do moderno, a contradi~o .~ ape-
nas aparentc quando vcrificamos o sentido do passado mfuco rc- zar-se pelos mitos do Sangue, da For~a, da Terra, da Ra~a, da
pn:sentado pelo folclorc; ~ que, atr4s disso tudo, estava a cons- Nai;Bo, que de brasileiros nada tinham, importados como eram
cif:ncia do tempo, conforme j8 vimos anteriormente ( 806). de uma Alemanha e de uma Italia ressentidas em face das gran·
des potencias.
Dialogos do protagonista com os seres espantados da flores· 0 malogro te6rico e pratico desse tipo de P.,nsamento foi
ta e do rio formam o coro c6smico desse poema original e ainda responsavel pelo descredito da palavra "nacionalismo", em va-
vivo como documento limite do primitivismo entre n6s. 0 telu· rios setores: tendencia que pode chegar - e tem chegado - a
rico interiorizado e sentido como libido e instinto de morte: extremos igualmente arriscados, na medida em que, temerosa do
essa, a significa~ao da voga africanizante da Paris anteri~r a I abuso, fecha os olhos B.s concretas realidades s6cio-econömicas
Guerra ( "art negre"); no Brasil, o reencontro com as realidades que embasam o sentimento da Patria e solicitam a defesa de um
arcaicas ou primordiais fazia-se, isto e, 12retendia-se fazer sem povo ante amea~as de varios matizes e bandeiras.
interrnediarios. Ilusäo de 6tica: o primitivismo afirrnou-se via
Freud, via Frazer, via Uvy-Bruhl. Nem poderia ser. de outro (308) PLiNIO SALGADO (S. Bento do Sapucai, S. Paulo, 1901). For-
modo: era a faixa mais ocidentalizada da cultura nac1onal que mou-se em Direito em S. Paulo. Suas produ~ iniciais foram influen-
se voltava para o desfrute estetico dos temas e da linguagem in· ciadas pelo esplrito da Semana. 0 romance 0 Estrangeiro ( 1926) C uma
tentativa de fixar quadros da vida paulista em um novo ritmo de prosa,
digena e negra. De qualquer modo, houve enriquecimento tanto ora solto, ora sincopado. Nos artigos que integram 0 Curupira e o Ca-
na esfera dos "motivos" como na da pr6pria camada sonora da rdo, livro-programa do Verdeamarelismo, escrito com Menotti del Picchia
poesia. 0 Rau! Bopp de um verso como e Cassiano Ricardo, em 1927, propös uma arte violenta e "dinS.mica'', mas
acima de tudo nacionalista, chegando mesmo a erigir a figura da Anta, to-
num sotumo bste-batc ~ atabaque de batuque, tem dos tupis, como denominador comum da "raca brasilclra". Os ro-
mances 0 Esperado ( 1931) e o Cavaleiro de Itarare ( 1932) constituem,
no dizer do titulo geral da sCrie, "Crönicss da Vida Brasileira"; e, de fato,
deu elementos para que Roger Bastide falasse da "incorpora~äo pretendem retratar, fragment8ria e simbolicamente, alguns tipos brasileiros
da poesia africana a poesia brasileira"' num estudo rico de finas em suas r~öes diante de fatos politicos relevantes como a Coluna Pres-
observa~öes antropol6gicas e liter8rias ( 307 ). E, certamente, tes, o Tenentismo, a Revolu~o de 30 e a de 32. Jli se delineia entio a
um dos caminhos sempre abertos a express3o poetica do escritor teoria polltica do A. que viria desembocar na prega\'.äo de uma sociedade
classista e de um Estado totalitatio, potencialmente racista (V. A Doutrina
brasileiro. do Sigma, 2.• ed., p. 46, 1937). näo obstante a presenca do adjetivo "de-
mocratico" aposto mais tarde ao termo integralismo, com que o A. definira
o seu sistema. Consultar: Tristäo de Athayde, "Esperado ou Desesperado?",
(306) Em 0 Modernismo, cit., plig. 195. em Estudos, 5.• sCrie, Rio, Civiliza~o Brasileira, 1935; J. Chasin, 0 Inte-
(307) Ern Poetas do Brasil, Curitiba, Guaira, pp. 7-38. gralismo de Plinio Salgado, S. Paula, Livr. Editora CiCncias Humanas, 1978.

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Se para mais näo- der·:.a ex~iencia falida de Plfnio Salga- Sua cultura, seu virtuosismo, suas aspirac;öes morais vinham
do, sirva, so menos, como ·estimulo a reflexäo sobre esse tema, ~o passa?o e_ l.a permaneceram. Remontemo-nos ao3 primeiros
alias recorrente em na~öes de passado colonial como e o Brasil. hvros, Szmplzczdade, Na Cidade da Nevoa, Suave Colheita: os
m6dulos säo parnasianos, ja atenuados por um neo-simbolismo
que se confessa filho de Verlaine e de Rodenbach ou na tradi-
Guilherme de Almeida o;äo luso-brasileira, eco de Os Simples e das litanias de Alphon-
sus. A tem3tica e toda crepuscular: ouvimos quadras a "alma
Guilherme de Almeida ( •09 ) pertenceu so episodicamente triste das ruas" 1 as 3rvores que 11 parecem freiras cochichando /
ao movimento de 22. Näo havendo partido do esplrito que o nos corredores dos mosteiros, / com as suas toucas brancas quan-
animava, tambCm näo encontrou nele pontos definitivos de re- do / ha nevoa no ar". Do decadismo Guilherme de Alm;ida re-
ferencia estetica. cebeu o tom e certas preferfncias verbais; do Parnaso, o gosto
do soneto com chaves de ouro ( e ate chaves de ouro sem sone-
(309) GUILHERME DE ANDRADE E ALMEIDA (Caropinas, S.P., 1890 1? ... ) ' 0 domfn!o _absoluto da metrica portuguesa, 0 amor •
- S. Paulo, 1969). Formou-se cm Direito em 1912. Ern S. Paulo, advo-
gou, fez jornalismo literS:rio, participou da Semana de Arte Moderna. Ern
hngua que lhe m~ mspirar verdadeiros tours de force. Livros
1925 excursionou por algun:; Estados (Rio Grande do Sul, Pernambuco, como A Dan(a das Horas, Livro de Horas de S6ror Dolorosa
Cear:i) fazendo conferCncias sobn: a literatura modernista e lendo poe- Narciso e CanrOes Gregas, compostos antes de 22, revelam 0 ~
mas seus e dos demais poetas de 22: este ano foi, de resto, o seu "ano outros aspectos do seu passadismo liter3rio: o car3ter entre sen-
modernista", em que escreveu obras mais pr6ximas da vertente lirico-na-
cionalista do movimento (Meu, Rafa). Foi o primeiro modernista a en-
St_Ial e este.tizante, a entrega a im-agens voluptuosas de fundo ovi-
trar para a Academia Brasileira de Letras (1930). Combateu na Revolu- d1ano, enfim um dandismo que lembra o universo epicurista de
~äo Constitucionalista de 1932, sendo exilado em seguida: viajou entäo Oscar Wilde.
longamente pela Europa, fixand<rse de preferCncia cm Portugal. Voltan-
do ao Brasil, continuou a escrever, acrescendo a sua consider8.vel baga- E?1 contato com os modernistas, que sempre estimaram as
gem liter3ria um grande nfunero de tradu~es. Obras: N6s, 1917; A Dan- s~as ~1rtudes formais, Guilherme passou por um interlUdio na-
fa das Horas, 1919; Messidor, 1919; Livro de Horas de S6ror Dolorosa, c1onalista, de que foram fruto Meu, .onde o verso livre alterna
1920; Era uma vez .. „ 1922; A Frauta que eu Perdi, 1924; Meu, 1925; com o tradicional, e Rara, raps6dia da mesti\agem brasileira:
Encantamento, 1925; A Flor que foi um Homem7 1925; Rara, 1925; Sbe-
razade, 1926; Simplicidade, 1929; Cartas a Minba Noiva, 1931; Vocl, Vieram senhores de pendäo e caldeira, de bara(:o
1931; Acaso, 1939; Cartas do Meu Amor, 1941;· Tempo, 1944; Poesia e cutelo, senhores cruzados
V i:iria, 1947; Toda a Poesia, 7 vols., 1955; Camoniana, 1956; Pequeno Can· lavr~dores, Nemrods, amantes, ~erreiros,
cioneiro, 1957; A Rua, 1962. Prosa: Natalika, 1924; 0 Sentimento Na- vestidos. de ferro, de seda, de arminho, de couro,
cionalista na Poesia Brasileira e Ritmo Elemento de Expressäo (lese), que bebtam trovavam, ten;avam e tinham faköes
1926; Nossa Bandeira e " Resistlncia Paulista, 1932; 0 Meu Portugal, em alcändoras de ouro;
1933. Tradu(: es: Eu e Voce, de Paul Geraldy, 1932; Poetas de Fran~a. . .................................... .
1936; Suite Brasileird, de Luc Durtain, 1936; 0 Jardineiro, de Tagore, Santa Cruz!
1939; 0 Gitaniali, de Tagore, 1943; 0 Amor de Bilitis, de Pierre Louys,
1943; Flores das Flores do Mal, de r.Baudelaire, 1944; Entre Quatro Pa- Mas o tronco da 3rvore nova foi tronco tambem
redes, de Sartre, 1950; Antigona. de SOfocles, 1952. Consultar: Tristäo de de escravos quimbundos:
Atalde, Primeiros Estudos, Rio, Agir, 1948; Prudente de Morais Neto, foi crucifixo de Cristos coitados que vieram -
"Guilherme de Almeida", in Estltictl, 1, set. de 1924; Mario de Andrade, cruz! credo! - cheirando a moxinga.
"Guilherme de Almeida'', in Estttica, 3, abril-junho de 1925; Ronald de
Carvalho, Estudos Brasileiros, 2.• serie, Rio, Briguiet, 1931; Sergio Milliet," Ta'?bem formalmcnte ha timbres modernos, a rigor, im-
Terminus Seco e Outros Coqueteis, S. Paulo, Ferraz, 1932; Manuel
Bandeira, CrOnicas da Provincia do Brasil, Rio, Civiliza~o Brasileira,
press1on1stas, em algumas lfricas de Meu como neste "Cartaz"
1937; Sergio Milliet, Dii:irio Critico, V, S. Paula Martins 1948· pe. intencionalmente novo, em rela\äo 3. poerica inicial de Guilherme;
rides Eugenio da Silva Ramos, "O Modernismo n; Poesia" ,' em .4 Lit.
Paisagem nitida de decalcomania
no Brasil, cit., III, 1; Oswaldino Marques, "Guilherme de Almeida
e a Perkia Criadora", in Supl. Lit. de 0 Estado de S. Paulo, n. 639, 0 . No arrabalde novo todo cheio d~ dia
30-8-1968. os banga!Os apinham-se como cubos brancos.

420 421
o sol e as folha.$ jogam bolaS amarelas moderno. Mas foi Antonio de Alcantara Machado ( ''°) quem
de travessU verd:es e p8fa.Ielas por primeiro se mostrou senslvel il viragem da prosa ficcional,
Nos jardins, sobre os bancos aplicando-se todo a renovar a estrutura e o andamento da hist6-
Os grandes toldos listados e baixos ria curta.
pöem uma luz estilizada nos tenaeos. Voltado para a vida da sua cidade, Alcantara Machado sou-
be ver e exprimir as alterac;öes que trouxera a realidade urbana
A sombra forte decalca rigorosamente
as pCrgulas geom~tfic;as So!tre a areia quentc. um novo personagem: o imigrante. 0 enxerto que o estrangei-
E pregada no dia branco a paisagem colonial
ro, sobretudo o italiano, significava para o tronco luso-rupi da
grita violentamente antiga Sao Paula, produzira mudan~as de costumes, de rea~öes
como um cartaz moderno num muro de cal. „ psicol6gicas e, naturalmente, uma fala nova a espelhar os novos
contelldos.
Mas era maneirismo do moderno, passageiro. Os livros pos- E nos contos de Bras, Bexiga e Barra Funda que se vao en-
teriores retomaram os antigos caminhos parnasiano-decadentes, contrar exemplos de uma agil literatura citadina, realista ( aqui e
quer, estruturados em cancioneiros ( Encantamento, Acaso, Vo- ali impressionista), que jii näo se via desde os römances e as s8·
ce), quer na linha do malabarismo verbal, q~~ lev~u o. poet~, a tiras cariocas de Lima Barreto. Mas, ao contriirio do que se
reviver estilos mortos como o das trovadores ( Canc1one1r1nho ) , dava com este "humilhado e ofendido", ha muito de divertisse-
ou o da lirica renascentista ( Camoniana). ment nas paginas do paulistano. Nelas, uma analise ideo-estilis-
A habilidade de Guilherme foi, alias, a marca mais nota- tica mais rigorosa näo constata nenhuma identifica-;äo coerente
vel da sua vida literaria: autor de delicados hai-kais, tradutor com 0 imigrante, "pitoresco" no maximo, patetico porque crian·
de S6focles e de .ßaudelaire refinado metrificador, foi capaz de <;a ( o conto ce!ebre do Gaetaninho), mas, em geral, ambicioso,
compor uma berceuse s6 codi rimas riqulssimas ( onde "liigrimas" petulante, qmndo capaz de competir com as famllias tradicio-
41
rima com "milagre mas" e ' olhos com molhe os"), ou um poe-
1

( 310) ANTÖNIO CASTILHO DE ALCÄNTARA MACHADO D'OLIVEIRA


ma em que todas as pa1avras come-;am pe1a consoante "" v , ou (S. Paula, 1901 - Rio, 1935). Filho de uma famflia paulista tradicional
ainda, cujas soan~es se ap6iam somente na vogal U" •• :
41
onde havia dois professores da Faculd2de de Direito. Nesta formou-se e,
Resta acrescentar a circunstancia de que a popularidade do ainda estudante, fez jornalismo literario e crönica teatral. Da sua viagem
poeta se fundou tambem em ter sido ~ interprete l~ter~rio de a Europa trouxc matCria para as crOnicas de Pathe Baby ( 1926). Ern S.
Paulo, esteve sempre vinculado aos respons3veis pela Semana, espccialmcn·
certos momentos nacionais como o Mov1mento Const1tuc1onalis- te Paulo Prado, Oswald, Tarsila, Milliet. Escreveu para Te"a Roxa e
ta de 22, que lhe inspirou versos felizes ( ' Mo~da Paulista",
1
Outras Te"as, para a Revista de Antropofagia e para a Revista Nova. Pot
"Nossa Bandeira", "Piratininga"); a ida dos pracmhas a Euro- volta de 30 passou a militilncia polftica (partido democriitico); em 32 lu-
pa durante a II Guerra ( "Can~o do Expedicionario"); as co- tou pe1a Constituic;äo; de 33 a 35 representou seu estado junto a Assem·
bI~ia Nacional no Rio de Janeiro. A morte truncou-lhc, aos trinta c qua·
memora<;öes do IV Centenario de S. Paula ( "Acalanto de Bar- tro anos, a carreira litenlria c a de homem pUblico. Obra: Path~ Baby,
tira"); enfim, o poema em louvor a recCm-nascida Brasilia. Ex~­ 1926; Brds, Bexiga e Barra Funda, 1927; Larania da China, 1928; Anchie·
plos todos de um natural pendo.r pelo her:ildico, trac;o que seria ta na Capitania de Säo Vicente, 1928; Mana Maria ( romance inacabado,
pura e belamente rom3.ntico se näo fosse a piitina parnasiana de ed. p6st.), 1936; Cavaquinho e Saxofone, 1940. A edir;äo das Novelas Pn1J-
listanas (Jose Olympia, 1961) reUne a obra de fia;äo de Alcantara Ma.
que jamais conseguiu liberar-se. chado. Consultar: Tristäo de Ataide, Estudos, i.• sCrie, Rio, Terra do
Sol, 1927; Sergio Milliet, Terminus Seco e Outros Coqueteis, S. Paula,
Irmäos Ferraz, 1932; Em Mem6ria de AntOnio de Alc4ntara Machado, S.
Paula. Pocai, 1936; Alvaro Lins, Jornal de Crttica. 1.• serie, Rio, J. Olym-
O prosador de Modemismo paulista: Alcantara Machado pia, 1941; Sergio Milliet, lntroducäo a ed. de Brds, Bexiga e Barra Funda
e Laran;a da China, S. Paiilo, Martins. 1944; Francisco de Assis Barbosa,
Maria e Oswald de Andrade, que eram sobretudo poetas, "Nota sobre Alciintara Machado". lntroducäo as Novelas Paulistanas, Rio,
fizeram tambem grosa. E prosa experimental, como ja vi- Jose Olympio, 1961; Lufs Toledo Machado, Ant6nio de Alcdntara Macha-
do e o Modernismo, Rio, Jose Olympio, 1970.
mos, abrindo caminhos para o conto, o romance, o ensaio
423
422
nais em declfnio. 0 populismo liter3rio e ambi'guo: sentimen- gias de uma Europa saturada de cultura. Mas. foi como crftico
tal, mas intimamente· disf~nte. "No caso do talentoso Alcintara de poesia e de pintura que se fez presente na vida cultural do
Machado, e sensivel, 3 uma Ieitura critica dos contos, esse fata1 pais. Basta lembrar os dez volumes· do Didrio Critico, que co-
olhar de fora os novos bairros oper3.rios e de c]asse mC:dia a cres- brem o vintenio 1940-60 e nos quais, ao lado do coment8rio so-
cerem e a consolidarem uma nova S. Paulo, que ignorava a ve- bre os autores franceses praticados a vida inteira, lemos finfssi-
tusta Academia de Direito e nada sabia dos salöes que acolhe- mas resenhas da melhor produ~äo literaria nacional desses anos.
ram, antropofagicamente, os hometiS de 22. No matizado Panorama da Poesia Modernista e nos ensaios do
Antonio de Alcantara Machado era täo filho e neto de mes- amador das artes plasticas ( Marginalidade da Pintura Moderna,
tres das Arcadas quanto entusiasta da primeira hora dos desvai- Pintura Quase Sempre), equilibram-se consideral'Öes de ordern
ristas e primitivistas: foi, assim, uma inclina~äo liberal e liter8- psicol6gica e cultural e analises que levam em conta 0 papel do
ria pelo "pitoresco" e pelo "aned6tico" que o fez tomar por ma- artesanato. Sergio Milliet compartilhou com os novos de antes
teria dos seus contos e vida diflcil do imigrante ou a sua emba- e depois da II Guerra as perplexidades de uma epoca de crise
ra<;osa ascensäo. Creio que esses dados de base ajudem a enten· que repropunha continuamente o problema fundamental da au-
der os Iimites do realismo do escritor, visiveis mesmo nos con- t.onomia ou da missäo da arte na sociedade. Daf, os fluxos e re-
tos rnelhores, onde o sentimental ou o cömico f3.cil, mimC:tico, fluxos da sua crftica, ora negando ora admitindo a poesia pura,
acabam por empanar uma visäo mais profunda e dinamica das o hermetismo, o abstracionismo e as aventuras mais radicais das
rela1=öes humanas que pretendem configurar. vanguardas. No conjunto, fica a imagem de um esteta que re·
ceia a absoluta disponibilidade em que viveu a sua gera1=äo, a do
Mas, situado o escritor no seu contexto social e existencial, modernismo "her6ico" de 22.
volta-se livremente a apreciar a sua obra narrativa, que, de res-
to, näo se esgotou naquelas paginas, mas prolongou-se nos qua- A Paulo Prado deve-se, em parte, a pr6pria realiza>äo da
dros cheios de verve de Laranja da China e no romance Mana Semana, que ele apoiou näo s6 material como espiritualmente.
Maria, em que deu forma convincente a um drama familiar fe- Ponta de lanp da burguesia paulista, a sua atividade de promo-
chado no pequeno mundo da burguesia paulistana. A firmeza tor da imigra1=äo vinha do come1=0 do seculo; e o trato assiduo
com que Alcintara Machado manejou a Jlngua coloquial nesse dos problemas etnicos e sociais do pafs despertou-lhe 0 gosto da
livro inacabado autoriza a falar, sem ret6rica, de uma bela pro- reflexäo psicol6gica sobre o homem brasileiro, habito meio cien-
messa de ficcionista que a morte impediu que se cumprisse. tifico, meio literario, que vinha de longe e tivera nas obras de
Euclides e de Oliveira Viana os exemplos mais vistosos.
Paulo Prado, aproveitando de modo muito pessoal as fon-
tes dos jesuftas e dos viajantes estrangeiros, ensombra de cores
Dola ensaiatas: S&rqlo MUl!et e Paulo Prado tristes a interpreta1=äo do nosso povo. No subtltulo do Retrato
do Brasil ( 1928), l~-se: ensaio sobre a tristeza brasüeira.
Um panorama do Modernismo tfpico (de cor paulista) näo 0 estudo, brilhante e fluente, desdobra-se em tres partes
sera completo sem a men,äo dos nomes mais vincadamente cr!- nas quais se apontam seguidame.ote a luxUria, a cobi~a e a tris-
ticos do movimento: Sergio Milliet (1898-1966) e Paulo Prado teza, paixöes aviltadoras que marcaram o Indio, o portuguCs e o
( 1869-1943 ). 0 primeiro estreou como poeta de forma1=äo e negro e teriam sido responsaveis pela doen1=a tlpica do povo bra-
lfngua francesa, ja moderno antes de 22: Par le sentier, En sin- sileiro: o romantismo. A analise hist6rica e impiedosa, carre-
geant, Le depart sous la pluie, L'oeil de boeuf. lntegrado no gando nas tintas que däo cor a tese, avesso do meufanismo que
grupo da Semana, continuou a escrever versos sobre temas co- se seguiu a Independencia.
tidianos, um lirismo de tons menores, mas fortemente afetado A obsessäo de definit o car/Jter nacional e uma constante
pela ironia do puro intelectual (Ah! Vals• Latejante!, de 1943) que conhece ilustres avatares nos historiadores da Antigüidade,
dividido entre as solicita1=öes da paisagem paulista e as nostal· quando pastos em contato com as civiliza~Oes "barbaras": o gre-

424 425
go Hcr6doto viajando ~o Egi;o e o romano Tacito pela Ger- Todas as ra~s parecem (grifo meu) essencialm.eotc iguais em
mania impressionaram-se com a disparidade de atitudes e habi- 'apacidade mental e adapta\:äO a civilizacäo. Nos centros primiti-
tos encontrados; e, projetando as visöes do mundo que trouxe- vos da vida africana, 0 negro e um povo sadio, de iniciativa pessoal
ram da pr6pria cultura, mediterränea, formularam juizos de va- de grande poder imaginativo, organizador, laborioso.. A sua inf;
rioridade social, nas aglomerai;öes humanas civilizadas, e motivada,
lor oscilantes entre a exalta,äo e o desprezo do estrangeiro. Os scm dU.vida, pelo menor desenvolvimento cultural c pela falta de
antrop6logos chamaram etnocentrismo a essa fatal distor,äo no oportunidade para a revelai;äo de atributos superiores. Diferen~
modo de um povo julgar .os ciui!bs · e, em torna-viagem, a si quantitativas e näo qualitativas, disse um soci6logo americano: o
ambiente, os caracteres ancestrais, determinando mais o proc:cdi-
pr6prio. mento do individuo do que a filia\:äo racial.
Ora, a questäo complica-se no caso dos palses colo-
niais que säo caracterizados de fora, pelo colonizador e pelo Afastada a questäo da desigualdade, resta na transfo~o bio-
estrangeiro em geral. A col6nia e definida em fun,äo dos IOgica dos elementos Ctnicos o problema da mestii;agcm. Os amc-
ricanos do Norte costumam dizer que Deus fez o branco, quc Deus ,
padröes da Metr6pole: o que gera uma serie de precon- fez o negro, mas que o diabo fez o mulato. 2 o ponto mais scn-
ceitos acerca da inteligencia, da vontade e dos sentimentos sfvel do caso brasileiro. 0 que se chama de arianizacäo do habi-
da nativo. 0 preconceito, pela sua pr6pria origem pre-racional, tante do Brasil e um fato de observa~äo diiiria. Ja com um oitavo
näo conhece matizes. Estrutura-se em torno de necessidades b3- de sangue negro, a aparencia africana se apaga por completo: ~ o
fenOmeno do passing <los Estados Unidos. E assim na cruza oon-
sicas do preconceituoso. Quando conveio ao burgues europeu tfnua de nossa vida, desde a Cpoca co1onia1, o negro desaparece aos
em luta contra o ancien regime, surgiram doutrinas liberais do poucos, dissolvendo-se atC a falsa aparencia de ariano puro. Etno-
bom selvagem, que serviram de arma para solapar os abusos da logicamente falando, que influencia pode ter no futuro essa mistu-
sociedade "antinatural", fundada no privilegio: e a. fase pr6-ro- ra de rai;as? Com o indfgena a hist6ria confirmou a lei biol6gica da
heterosis, em que o vigor hfurido e sobretudo notaveI nas primei-
mantica da valora,äo do indio e das for,as primitivas, atitude ras geracöes. 0 mameluco foi a demonstracäo dessa vcrdade. Nele
que ide6logos e poetas brasileiros incorporaram ao nacionalismo se completam admiravelmente - para a criacäo de um tipa novo
antiluso. Mas, ja na 2.' metade do seculo XIX, as potencias co- - as profundas diferencas existentes nos dois elementos fusiona-
lonizadoras, a Fran,a, a Inglaterra e a Alemanha, em plena ex- dos. A hist6ria de Säo Paulo em que a arnalgamacäo se fez inten-
siimente, favorecida pelo segregamento, e prova concludentf' das van-
pansäo territorial pela Asia, Africa e, no plano econ6mico, pela tagens da mesda do branco com o -fndio. Hoje, entr2tanto. de-
AmCrica Latina, come~aram a "justificar'";' na esfera das doutri- oois de desenrolarem geracües e geracöes desse cruzamento, o ca-
nas politicas, a missiio civilizadora do Ocidente em rela~äo a po- boclo miseravel - palido epfgono - e 0 descendente da esplendida
vos. . . inferiores. Essa nova atitude näo tardou a Ser assumida fortaleza do bandeirante mameluco. A mesticagem do branco e do
africano ainda näo estil definitivamente estudada. ~ urna i"lcÜgni-
pelas elites dos "pafses de missäo", formadas em contato. com a ta. Na Africa do Sul, Eugen Fischer chegou a condusöes interes-
Europa e, precisamente, com aquelas na~öes vanguardeiras. O santes: a hibridacäo entre boers e hotentotes criou uma raca mista,
otimismo racista dos "arianos" criou condi~öes para o näo me- antes uma mfstura de racas, com os caracterfsticps dos seus com-
nos racista pessimismo dos mesti,os. Um Capistrano, um Sllvio ponentes desenvolvendC'l·se niis mais variadas cambiantes. Tem no
entanto um defeito persistente: falta de energia, levado ao extre-
Romero, um Euclides, um Oliveira Viana, uns com mais, outros mo de uma profunda indolencia. No Brasil, näo temos ainda pets·
com menos Cnfase, tinham por c;.~rta a "desvantagem" advinda ·da (Jcrtiva suficiente para um jufzo imrrnrcial. ( ... )
miscigena~äo. 0 mestico brasileiro tem forneddo induhitavelmente a comu-
Esse vai ser o enfoque, um tanto retardat3rio, de Paulo nidade exemplares not:i'veis de inteligencia. de cultura, de valor mo-
ral. Por 011tro Iado. as populac61"s oferecem tal fraqueza ffsica. or-
Prado. E bem verdade que o autor de Retrato do Brasil, caute- g::inismos täo indefesos Contra a doen<;:'I e OS vfcios, que C uma in·
loso no uso das teses arianizantes, limitou-se a supor pelos efei- terroua.;Ho natur:il ind::igar se esse estado de coisas näo t>rovem do
tos a inferioridade nervosa dos mesti~os a partir de algumas ge- intenc;o cru7.amento das t:'l,:'IS e c;uh-raty'aS. Na sua complexidade o
ra~öes: o que jä e distanciar-se das teorias ddsticas de Gobineau problema estadunidense näo tem solucäo. dizem os cientistas ::irne-
ricanos. a nä'o ser que se re<:"orra a ec;terili?.acäo do negro. No Bra.
e de Chamberlain sobre a desigualdade intrlnseca das ra,as. Co- sil, se h:i m::il, ele ec;t;l feito. frremedfove-lmente~ esperemos, na 1en-
rno a questäo e candente, 0 melhor e citar Da fntegra OS paSSOS tkl'äo do processo cOc;mico. a (l('Cifr::i~äo do enigtTia com a serenida-
mais assertivos: de dos ~eriment::iciores de fobor11tOrio Rastaräo 5 ou 6 eerac;öe<i
para estar conclufda a experiencia (pp. 189-193 da 1.• edic;ä:o).
426 427
A perplexidade de Pa)Jlo Pudo nascia do criterio dubio que
ainda guiava a consciencia· critica brasileira, em parte encalhada
nas "leis" positivistas da ra~a e do clima (de onde o peso exces-
sivo dado a mesti~agem e ao tr6pico ), mas, em parte, ja aberta
a reflexäo dos fatores sociais e culturais.
Na decada de 30, mais moderJ(.a <;lo que modernista, a con-
sidera~ao daqueles ultimos •fatores iria assumir 0 devido lugar
com o advento de pesquisas antropol6gicas sistematicas ( s11):
uma nova visäo do Br~sil sairia dos ensaios de Artur Ramos,
Roquette Pinto, Gilberto Freyre, Caio Prado, Sergio Buarque
de Holanda, Fernando de Azevedo. Persistiria, no entanto, o
interesse de detectar as qualidades e os defeitos do homem bra-
sileiro, ou seja, o cartiter nacional, no~ä:o cheia de ciladas en-
quanto projeta estere6tipos e os maneja com os instrumentos de
uma enferrujada "psicologia dos povos" ( 312 ).
V 111
Um caminho ainda näo batido por nossos estudiosos, mas
que poderia ta}vez COttigit OS desvios passados, f 0 da pesquisa
da "personalidade b3sica", proposto por Kardiner e Linton, cien-
tistas at:~ntos a din3.mica das intera\Öes entre 0 grupo e a pessoa TENDl'JNCIAS
(The Individual and His Society 1939). Mas näo cabe a este CONTEMPORA.NEAS
roteiro senäo observar a const3.ncia com que o ensaismo social se
tem dedicado a abordagem psicologica do nosso povo; interesse
que pertence tambem ao legado dos modernistas a cultura de hoje.

( 311) A perseguir;äo que o nazi-fascismo empreendeu contra as mi-


norias raciais acelerou os estudos de Antropologia Hsica e cultural, que
chegaram a inferencias diametralmente opostas 3s do arianismo. Da male
de ensaios que o problema suscitou, e de estrito clever ressaltar a obra por
todos os tftulos soberba de Franz Boas ( 1858-1942). Citado esporadica-
mente por Alberte Torres, s6 veio a ser conhecido amplamente na deca·
da de 30, gra\as a divulga\äO que da·s suas pesquisas fez Gilberto Freyre.
( 312) V. a tese critica de Dante Moreira Leite, 0 Car&ter Nacio-
nal Brasile1ro, 2.a ed., S. Paulo, Pioneira, 1969.

428
.,

.,,
0 Modemismo e o Brasil depois de 30

0 termo contemportineo e, por natureza, elistico e costu-


ma trair a gera,ao de quem o emprega. Por isso, e boa
praxe dos historiadores justificar as datas com que bali·
zam o tempo, frisando a importancia dos eventos que • elas se
acham ligadas. 1922, por exemplo, presta·se muito bem a pe-
riodiza~äo literSria: a Semana foi um acontecimento e uma de-.
clara,äo de fe na arte modema. Ja o ano de 1930 evoca menos
significados literarios prementes por causa do relevo social assu·
mido pela Revolu,äo de Outubro. Mas, tendo esse movimento
nascido das contracli,öes da Republica Velha que ele pretenclia
superar, e, em parte, superou; e tendo suscitado em todo o Bra-
sil uma corrente de esperanc;as, oposic;öes, programas e desenga-
nos, vincou fundo a nossa literatura lan,ando-a a um estado adul-
to e moderno perto do qua! as palavras de ordern de 22 parecem
· fogachos de adolescente.
Somos hoje contemporaneos de uma realidade econl\mica,
social, politica e cultural que se estruturou depois de 1930. A
afirma,äo näo quer absolutamente subestimar o papel relevante
da Semana e do perfodo fecundo que se lhe seguiu: ha um esti-
lo de pensar e de escrever anterior e' um outro post.erioi a Maria·
de Andrade, Oswald de Andrade e Manuel Bandeira. A peesia,
a ficc;äo, a crltica safram inteiramente renovadas do Modernis-
mo. Mllrio de Andrade, no balan,o geral que foi a sua confe-
rencia "O Movimento Modernista", escrita em 1942, viu bem
a heran,. que este deixou: "o direito permanente a pesquisa es-
tetica; a atualizac;äo da inteligfncia artistica brasileira; e a esta-
bilizac;äo de uma consciCncia criadora nacional". Mas, no mea
culpa severo com que fechou suas confissöes, definiu o limite
(historicamente fatal) do grupo: "Se tudo mudavamos em n6s,
uma coisa nos esquecemos de mudar: a atitude interessada dian-
te da vida contemporanea. ( ... ) Viramos abstencionistas abste·
mios e transcendentes. ( ... ) N6s eramos os filhos finais de
uma civiliza,äo que se acabou, e e sabido que o cultivo delirante

431
do prazer individual repJ:esa as -for~as dos homens sempre que ria a nossa veritli effettuale, houve outros, voltados para as mes-
uma idade morre." mas fontes, mas ansiosos por ver o Brasil da.r um salto qualitativo.
Socialistas 'como Astrojildo Pereira, Caio Prado Jr„ Josue de
0 experimentalismo estetico dos melhores artistas de 22 Castro e Jorge Amado; cat6licos como Tristiio de Ataide, Jorge
fez-se quase sempre in abstracto, ou em func;äo das vivCncias de
de Lima, Otavio de Faria, Lucio Cardoso e Murilo Mendes, to-
um pequeno grupo, dividido entre S. Paula e Paris. Dal o vies dos selaram com a sua esperanc;a, leiga ou crente, o oflcio do es-
"primitivista-tecnocr:itico" de unS e"'=> ''Verdeamarelismo" de ou- critor, dando a esses anos a tönica da participac;äo, aquela "ati-
tros refletir, ao menos na sua intenc;äo program<itica, a esquemas tude interessada diante da vida contemporänea", que Maria de
culturais europeus: "art negre", a Escola de Paris, as idfias, ou Andrade reclamava dos primeiros modernistas.
as frases, de Spengler, Freud, Bergson, Sore!, Pareto, Papini e
menores. 0 processo de atualiza~iio das fontes leva, quando fei- Enfim, o Estado Nova ( 1937-45) e a II Guerra exaspera-
to em um clima agitado de polemicas e manifestes, a potenciar ram as tensöes ideol6gicas; e, entre os frutos maduros da sua in-
trojec;äo na consciencia artlstica brasileira contam-se obras-pri-
0 que a cibernftica chama "entropia", isto e, a uma perda de·
mas como A Rosa do Povo, de Drummond de Andrade Poesia
contelidos semänticos na passagem do emissor para o receptor da
Liberdade, de Murilo Mendes e as Mem6rias do Carcere, 'de Gra-
informa~äo. Este, faminto de novidade, näo digere bem as men·
ciliano Ramos.
sagens: apanha-as lacunosamente e, como age em situ~io de
emergencia teorizadora, deforma e enrijece os fragmentos rece-
bidos. f: o que os "antrop6fagos" fi.zeram com Freud, ja tres·
lido pelos surrealistas; e os homens da Anta com as posi~s Dependencia e supera~äo
mitico-nacionalistas de Sorel, Pareto, M~urras.
Mas a realidade, que tem mais tempo, e mais forte, mais Reconhecer o novo sistema cultural posterior a 30 näo re-
complexa e mais paciente que os a~odados deglutidores. As dC- sulta em cortar as linhas que articulam a sua literatura com o
cadas de 30 e de 40 vieram ensinar muitas coisas Uteis aos nos- Modernismo. Significa apenas ver novas configurac;öes hist6ri-
sos intelectuais. Por exemplo, que o tenevtismo 'liberal c a po- cas a exigirem novas estruturas artlsticas.
litica getuliana s6 em parte aboliram o velbo muO:do, pois com· Mas, 'se desviarmas o foco da atenc;äo da ruptura para as
puseram-se aos poucos com as oligarquias regionais, rebatizando permanencias, constataremos o quanto ficou da linguagem reela-
antigas estruturas partid::irias, embora acenassem com lemas pa- borada no decenio de 20. A divida maior foi, e era de esperar
tri6ticos ou populares para o crescente operariado e as crescen- que fosse, a da poesia. Mario, Oswald e Bandeira tinham des-
tes classes medias. Que a "aristocracia" do cafe, patrocinadora membrado de vez os metros parnasianos e mostrado com exem-
da Semana, täo atingida em 29, iria conviver muito bem com a plos vigorosos a func;ä:o da colaquial, da irönico, da prasaico na
nova burguesia industrial dos centros urbanos, deixando para tessitura da verso. Um Drummond, um Murilo, um Jorge de Li-
tras como casos psicol6gicos os desfrutadores literarios da ma, embora cada vez mais empenhados em superar a dispersäo e
crise. Enfim, que o peso da tradic;äo näo se remove nem se a gratuidade ludica daqueles, foram os legltimos continuadores
abala com f6rmulas mais ou menos anS:rquicas nem com re- da seu roteiro de liberac;äo estCtica. E, mesmo a lirica essencial,
gress6es liter::irias ao Inconsciente, mas pela vivencia sofrida c antipitoresca e antiprosaica, de Cecllia Meireles, Augusto Frede-
lU.cida das tens6es que compöem as estruturas materiais e mo- rico Schmidt, Vinicius de Morais e Henriqueta Lisboa, pr6xima
rais do grupo em que se vive. Essa compreensäo viril dos velhos do neo-simbolismo europeu, s6 foi possivel porque tinha havido
e novos problemas estaria reservada aos escritores que amadure- uma abertura a todas as experiencias modernas no Brasil p6s-22.
ceram depois de 1930: Graciliano Ramos, Jose Lins do Rego, A prosa de ficc;ä:o encaminhada para o "realismo bruto" de
Carlos Drummond de Andrade. . . 0 Modernismo foi para eles Jorge Amado, de Jose Lins do Rego, de f:rico Verissimo e, em
uma porta aberta: s6 que o caminho ja era outro. E, eo lado dcs- parte, de Graciliano Ramos, beneficiou-se amplamente da "desci-
scs homens que sentiram ate a medula o que Machiavelli chama- dr1" a linguagem oral, aos brasileirismos e regionalismos lCxicos

432 UJ
e sint3ticos, que a prosa ~derni'Sta tinha preparado. E ate mes- Henriqueta Lisbaa, Cecilia Meireles, Emilia Maura. _ . ) . Afir-
mo em direr;öes que parecem espiritualmente mais afastadas de mando-se Ienta, mas seguramente, vinha o romance introspecti-
22 ( o romance intimista de Otavio de Faria, Lllcio Cardoso, Cor- vo, raro em nossas le.tras desde Machado e Rau! Pompeia ( Ota-
nelio Pena) sente-se o desrecalque psicol6gico "freudiano-sur- vio de Faria, Lucio Cardoso, Cornelio Pena, Jose Geralda Viei-
realista" ou ' "freudiano-expressionista" que tambem chegou ate' ra, Cyro das Anjas ... ) : todos, haje, "cl<issicos" da literatura
n6s com as 3guas do Modernisme.'
1
contemporänea, tanto e verdade que ja conhecem discipulos e
Ern suma, a melhor po si~äo em face da hist6ria cultural ~' epfgonos. E ja estäo situados quanda näo analisadas ate pela
e
sempre, a da analise dialetica. Näo necessiirio forr;ar o sent1- crftica universit<iria. A sua "paisagem" nos e familiar: o Not·
do das dependencias: bastaria um sum<irio levantamento estilis- deste decadente, as agruras das classes medias no come~o da fase
tico para apont:i-las profusan1ente; nem encarecer a extensäo e a urbanizadora, os conflitos internos da burguesia entre provin-
profundidade das diferens:as: esrao ai as obras que de 30 a 4~ e a ciana e casmapalita ( fontes da prasa de fic~äo). Para a
50 mostram a saciedade que novas angU.stias e novos pro1etos paesia, a fase 30 / 50 foi universalizante, metaffsica, her-
enformavam o artista brasileiro e o obrigavam a definir-se na tra- metica, ecaando as principais vozes da "poesia pura" europeia de
ma do mundo contempor&nco. entre-guerras: Larca, Rilke, Valery, Eliot, Ungaretti, Machado,
Pessoa ...
A partir de- 1950/55, entram a <laminar a nassa espas:o
Dois momentos mental o tema e a ideologia do desenvolvimenta ( 313). O na-
cionalismo, que antes da Guerra e por motivos conjunturais co-
Näo e facil separar com rigidez OS momentos internos do notara a militäncia de Direita, passa a bandeira esquerdizante; e
perfodo que vem de 1930 ate nossos dias. Poetas, narradores ~ do papel subsidiario a que deveria limitar-se ( para näo resvalar
ensaistas que estrearam em torno desse divisor de 3guas contl- no mito da naräo, borrando assim criterios mais objetivos), aca-
nuaram a escrever ate hoje, dando as vezes exemplo de admir3- ba virando fulcro de rado um pensamento social ( 314 ). Reno-
vel capacidade de renovac;äo. Carlos Drummond de Andrade, ( 313) 0 leitor deve ter presente o processo s6cio-politico nacional
Murilo Mendes, Joaquim Cardozo, Vinfciüs de Morais, Marques desde a morte de Getlllio Vargas ( 1954) e o qüinqüenio Juscelino Kubit-
Rebelo, Jorge Amado, Erico Verissimo, Otavio de Faria, Jose schek atC nossos dias (V. Brasil em Perspectiva, S. Paula, Dif. Eur. do
Geraldo Vieira, Tristäo de Ataide, Gilberto Freyre e Augusto Livro, 1968, pp. 317415; Octavio Ianni, Industrializafäo e Desenvolvi-
mento Social no Brasil, Rio, Civ. Bras., 1963; Celso Furtado, Dialetica do
Meyer, alem de outros falecidos ha pouco ( Cedlia Meireles, Lu- Desenvolvimento, Rio, Fundo de Cultura, 1964).
cio Cardoso, Carnelio Pena, Augusto Frederico Schmidt), säo { 314) Na verdade, os ide6logos da Nacionalismo, ao menos no pe-
escritores do nosso tempo; e alguns destes ainda sabem respon- rfodo que ora nos ocupa, nem sempre deram ao conceito o mesmo alcance.
der as inquietai;öes do leitor jovem e exigente a procura de uma 0 mais complexo de todos, Alvaro Vieira Pinto, ve a na~äo como uma
palavra carregada de hllmus moderno e, ao mesmo tempo, capaz realidade hist6rica de capital import:1ncia, mas integravel e super3vel nu·
ma organiza~äo furura de tipo socialista ( Conscitncia e Realidade Nacia-
de transmitir alta informai;ao e.stetica. nal, Rio, Instituto Superior de Estudos Brasileiros, 1960). Outros te6ri-
No entanto, rumos novos foram-se delineando depois da cos: Helio Jaguaribe, 0 Nacionalismo na Atualidade Brasileira, Rio, 1956;
Guerra de tal sorte que, a esta altura, ja se percebem, pelo me- e Desenvolvimento Econömico e Desenvolvim,nto Po!itico, Rio, Funde de
Cultura, 1961; Roland Corbisier, 0 Problema da Cultura Brasileira, Rio,
nos, dois momentos hist6rico-culturais no interior desses qua- TSEB, 1960; C:1ndido Mendes de Almeida. Nacionalismo e Desenvolvimen-
renta anos de vida mental brasileira. to, Rio, Institute Brasileiro de Estudos Aft'o-Asiaticos, 1963. Crftica ao
Entre 1930 e 1945/50, grosso modo, o panorama literario nacionalismo como bandeira ideol6gica encontra-se em Guerreiro Ramos.
Mito e Verdade da Revolu(äo Brasileira, Rio, Zahar, 1963. Näo se deve
apresentava, em primeiro plano, a fic<;äo regionalista, o ensaismo omitir aqui o papel do pensamento catOlico brasileiro que. inteerado na
social e o aprofundamento da lirica nioderna no seu ritmo osci- reforma de mentalidade que atinge toda a lgreja desde Joäo XXIII, tem
lante entre 0 fechamento e a abcrtura do eu a sociedade e a na- dado s61idas contribuii;öes a nossa cultura como 0 metndo de alfabetiza-
~äo din:1mica de Paula Freire e as formula~s do Pe. Henrique Vaz, em
tureza (Drummond, Murilo, Jorge de Lima, Vinicius, Schmidt, que se patenteia uma intensa leitura de Hegel

434 435
va.-se, simultaneamente, .cr„gosto""da arte regional e popular, fe- Mauro Motta, Ledo lvo e Joäo Cabral de Melo Neto. Cou-
nömeno paralelo a certas ideias-for~ dos romänticos e dos mo- be ~O Ul~imo ~ tarefa e 0 merito de ter superado OS tra~OS par-
dernistas que, no afä de redescobrirem o Brasil, tambem se ha- nastano-stmboltstas que niio raro amenizavam a for~a inventiva
viam dado a pesquisa e ao tratamento estetico do folclore; ago- dos demais, e ter atingido, pelo rigor semäntico e pela tensäo
ra, porCm, gra~as ao novo contexto s6cio-politico, reserva-se to- paruapante, o lugar central que ora ocupa na poesia brasileira.
da aten,äo ao potencial revolucimljirio da cultura popular. Os Na fic~äo ( 315 ), o grande inovador do periodo foi Joäo Guima-
resultados artisticos säo desigll:iis, mas ficaram alguns excelentes räes Rosa, artista de primeira plana no cenario das letras moder-
poemas recolhidos nas series de Violäo de Rua ( 3 vols. ), alguns nas: experimentador radical, näo ignorou, porCm, as fontes vi-
textos. dramiiricos de Ariano Suassuna, Gianfrancesco Guarnieri, vas das linguagens näo-letradas: ao contdrio, soube explora-las e
Augusto Boa! e Dias Games, roteiros filmicos e algumas letras pö-las a servi~o de uma prosa complexa em que o natural, o in-
epicas de musica popular. fantil e o mfstico assumem uma dimensäo ontol6gica que trans-
Ern contrapartida, a "guerra fria" e a condi\äo atömica, que figura os materiais de base.
desde 1945 dividem o mundo em sistemas e, ja agora, subsiste- Dos movimentos de vanguarda, o Concretismo e a Praxis
mas hostis, foram introjetadas pelas classes conservadoras que se dira a seu tempo no t6pico dedicado a poesia. ,
empreenderam uma rea~äo sistemiitica contra as 2reas politicas As pontas de lan>a (Joäo Cabral, Guimaräes Rosa, vanguar-
e culrurais que encarnavam a linha nacional-populista. Na hora da expenmental) näo estäo isoladas: inserem-se num quadro rico
da prova~o, o pensamento dialetico procura desfazer-se dos equl- e vario que atesta a vitalidade da literatura brasileira atual. Se
vocos que 0 confundiam na fase anterior e voltar a analise das o veio neo-realista da prosa regional parece ter-se exaurido no
suas fontes te6ricas. decenio de 50 ( salvo em obras de escritores consagrados ou em
Ern caminho paralelo, progride o surto da mais recente me- estreias tardias), continua viva a fiC>äo intimista que ja dera
todologia ocidental: o estruturalismo. Ern conexäo com esse me- mostras de peso nos anos de 30 e 40. Escritores de invulgar
todo e, näo rare, com os trac;os tecnicistas que dele receberam penetra,äo psicol6gica, como Ligia Fagundes Teiles, Antonio Ola-
os seus divulgadores, aparecem, a partir de 55, a poesia concre- vo Pereira, Anibal Machado, Jose Candido de Carvalho, Fer-
ta, o novo romance, pari passu com a atfra mftica generalizada nundo Sabino, Josue Momello, Dalton Trevisan, Autran Doura-
em torno dos meios de comunica>äo de massa e certo difuso fe- do, Otto Lara Resende, Adonias Filho, Ricardo Ramos, Carlos
tichismo da maquina, alias compreensivel Se atentarmos para a Heitor Cony e Dionelio Machado tem escavado os conflitos do
explosäo industrial dos anos Sessenta nos Estados Unidos e na homem em sociedade, cobrindo com seus contos e romances-de-
Europa, centros de decisäo para as elites sul-americanas. 0 3s- -personagem a gama de sentimentos que a vida moderna suscita
pero dialogo entre os ide6logos do Tempo e os analistas do Espa- no amago da pessoa. E o fluxo pslquico tem sido trabalhado em
>o sera, talvez, o fato cultural mais importante de nossos dias (*)_ termos de pesquisa no universo da linguagem na prosa realmen-
A literatura tem-se mostrado sensfvel 3s exigCncias forma- te nova de Clarice Lispector, Maria Alice Barroso, Geraldo Fer-
lizantes e tecnicas que, por ass.im dizer, estäo no ar. Um for- raz, Lousada Filho e Osman Lias, que percorrem o caminho da
malismo palido, entendido comd respeito ao metro exato e fu- experiCncia formal.
ga a banalidade nos temas e nas palavras, ja se delineava com Enfim, carater pr6prio da melhor literatura de p6s-guerra e
os poetas da chamada "gera'räo de 45", onde se tCm inclufdo, a consciente interpenetra,äo de planos ( Hrico, narrativo, drama-
entre outrosi Pfricles Eugenio da Silva Ramos, Domingos Car- rico, crftico) na busca de uma "escritura" geral e onicompreen-
valho da Silva, Jose Paulo Moreira da Fonseca, Geir Campos, siva, que possa espelhar 0 pluralismo da vida moderna; carater
·- convem lembrar - que estava implfcico na revolur;äo mo-
( *) N.B. Texto escrito em 1968-69. Decorridos dez anos, pode-se Jernista.
dizer que pouco resta da tendCncia estruturalista alem de alguns esquemas
escolares de leitura. Para contrasta-Ia cobraram fon;a duas vertentes (entre
si opostas): o marxismo e a contracultura [Nota de 1979]. (:lt~) V. o t6pico sobre a ficc;äo.

436 437
novos criadores ( LU.cio Cardoso, Ot3vio de Paria, Cornelio Pe-
na, Jorge de Lima).
Os decenios de 30 e de 40 serao lembrados como "a era Socialismo, freudismo, catolicismo existencial: eis as chaves
do romance brasileiro". E nä:o s6 da ficc;äo regionalista, que que serviram para a decifra.;äo do homem em sociedade e susten-
deu os nomes ja cl<issicos de Graciliano, Lins do Rego, .Jorge tariam ideologicamente o romance empenhado desses anos fecun-
Amado, Erico Verfssimo; ma~ ,tambWn .da prosa cos~opo_11~a de dos para a prosa narrativa.
Jose Gcraldo Vieira, e das p~ginas de son~agem ps1c.olog1ca e De resto, näo estavamos s6s. Passado o vendaval de ismos
moral de Lucic Cardoso, Corneho Pena, Otav10 de Far1a e Cyro que sopraram a revolu<;äo da arte moderna, tornou-se comum em
<los Anjas. toda parte uma fic.;äo aberta a vida do uomo qualunque > cujo
Antcs dos modernes, Lima Barreto e Grac;a Aranha tinha.m comportamento come<;ou a parecer bem mais fascinante que o
sido 05 Ultimos narradores de valor a dinamizar a hera.nc;a, ~eahs­ das estetas blases do Decadentismo. Difunde-se o gosto da ana-
ta do seculo XIX. Com o advento da prosa revoluc10nar1a .do lise psfquica, da nota<;äo moral, ja agora radicada no mal-estar
grupo Je 22 ( Macunaima, Mem6rias Sentimentaüde Joäo Mrra- gue pesava sobre o mundo de entre-guerras. Na decada de 30,
mar, Brtis, Bexiga e Barra Funda), abr1u-se. c_am1nho para for- os romances de Dos Passos, de Hemingway, de Caldwell, de
mas mais complexas de ler e de narrar o cot1d1ano. Houve, so- Faulkner, de Steinbeck, de Lawrence, de Malraux, de Moravia,
bretudo, uma ruptura com certa psicologia convencional que ma.s- de Vittorini, de Corrado Alvaro, de Celine, deram exemplos de
carava a relac;äo do ficcionista com o mundo e com seu ('.!t6pr10 um realismo psicol6gico "bruto" ( *) como tecnica ajustada a
eu. O Modernismo e, num plano hist6rico mais geral, os ab~los um tempo em que o homem se dissolve na massa: säo os ro-
que sofreu a vida brasileira em torno de 1930 ( a crise cafee1ra, mances contemporäneos do fascismo, do racismo, do stalinismo,
do "new deal". Entre n6s, verifica-se o mesmo: e ler Gracilia-
a Revolu\'äo, o acelerado declinio do Nordeste: a~ fe~das nas es-
no, Jorge Amado, Erico Verissimo, Margues Rebelo.
truturas locais) condicionaram novos esulos ftcc1ona1s marcados
pela rudeza, pela capta<;äo direta dos fatos, enfim por uma_ reto- Ao lado das rea.;öes polfticas, stricto sensu, ha um retorno
mada do naturalismo, bastante fuQ.cional no p]ano da narra<;ao-do- das conscif:ncias religiosas as suas fontes pre e antiburguesas. Es-
cumento que entäo prevaleceria. critores cristäos como Bernanos, Saint-Exupery, Julien Green,
Evelyn Waugh e Graham Greene nortearam a cria,ao das per-
Mas scndo o realismo absoluto antes um modelo ingenuo e
sonagens por uma linha de conflito entre o "mundo" e a gra.;a
un1 limit~ da velha concep<;äo mimetica de arte que uma norma
divina. Do realismo subjetivo que essa postura em geral propicia
efetiva da cria<;äo literaria, tambem esse romance novo precisou
deram entäo exemplos os romances dos ja citados Otavio de Fa-
passar pelo crivo de interpreta<;öes da vida e da Hist6ria para ria, Lucio Cardoso, Cornelio Pena e Jorge de Lima.
conseguir dar um sentido aos seus enredos e 3.s suas persona-
gens. Assim, ao realismo "cientif~co" e "impessoal''. ~o se~~lo De um modo sumario, pode-se dizer gue o problema do
XIX preferiram os nossos romanc1stas de 30 uma vtsao crtttca engaiamento, qualquer que fasse o valor tomado como absolute
das rela(Oes sociais. Esta podera apresentar-se menos aspera e pelo intelectual participante, foi a t6nica dos romancistas que
mais acomodada iis tradi,6es do rrieio em Jose Americo de Almei- a
chegaram idade adulta entre 30 e 40. Para eles vale a frase de
Can1us: "O romance e, em primeiro lugar, um excrcicio da inte-
da em Erico Verissimo e em certo Jose Lins do Rego, mas da-
ri; a obra de Graciliano Ramos a grandeza severa de um teste- ligencia a servi\:o de uma sensibilidade nostalgica ou revoltada."
munho e de um julgamento. ( *) As aspas säo aqui essenciais. 0 car3ter "bruto" ou "brutal" desse
No caso do romance psicol6gico, cairiam as m3scaras mun· novo realismo do seculo XX corresponde ao plano dos efeitos que a sua
prosa visa a produzir no leitor: e um romance que analisa, agride, protes-
danas que empetecavam as hist6rias medfocres do pequeno rea- ta. Para atingir esse alvo, porem, foi necess3ria toda uma reorganizar;äo
lismo belle epoque (de Afranio Peixoto ou de Coel?o Neto, p. da linguagem narrativa, o que deu ao "realismo" de um Faulkner, de um
exemplo). O renovado convite a introspec\äo, fa_r-se-ta. c~m o es· Celine ou de um Graciliano Ramos uma fisionomia estt!tica profunda-
teio da Psicanalise afetada muita vez pelas angustJas rehg10sas das niente original.

438 439
As trilhas do romance_: ,;uma lripotese de trabalho ( em A Educa(äo Sentimental de Flaubert) · (3) enfim J d
tl · " d ' ,eepoe
1
au odffil~~f;se e adprefn. er a viver" com madura virilidade no
A costumeira triagem por tendencias em torno dos tipos mun o 1 1c1 aon e 01 1an~ado ( c'romances de aprendiz d 0 "
romance social-regional/romance psicol6gico ajuda s6 atf certo como o Wilhelm Meister de Goethe). a '
ponto 0 historiador literiirio; passado esse limite didcitico ve-se . Se d„a parte do her6i säo v:lrias as maneiras de atuar a diale-
que, alCm de ser preciiria em s~ ru.esf?a ( pois regionais e psicol6- uca de ~tnculo e oposi~äo ao meio, no romancista a conscif:ncia
gicas siio obras-primas como Slzo l3ernardo e Fogo Morto), aca- que pro1eta as personagens toma a forma da ironia, modo ambi-
ba näo dando conta das diferenc;as internas que separam os prin- guo de,propor e, ao mesmo tempo, transcender o ponto de vista
cipais romancistas situados em uma mesma faixa. do hero1. T emos J?r~va dessa asser~äo. Se fizermos uma sondagem
Para apanhar essas diferen~as talvez de melhor fruto, como no . romance bra_sde1ro, reconheceremos uma consciencia irOnica
hip6tese de trabalho, a formula~äo que Luden Goldmann prop6s ma1s ag~da prec1samente nos autores maiores: o Alencar urbano
para a genese da obra narrativa no seu Pour une sociologie du (de Luczola: sobretudo), Machado de Assis, Aluisio Azevedo nO
roman ( 316 ). Apoiando-se em distin~öes de György Lukacs (Die Corttfo, Ohve1ra Paiva, Raul Pompc!ia, Lima Barreto. Ha momen-
Theorie des Romans) e de Rene Girard ( Mensonge romantique t~s de qua~e identifica~äo entre o autor e o protagonista nas poi-
et verite romanesque), o pensador francfs tentou uma aborda- g1nas amer1~anas e s~rt„a~ejas de .J\l.encar, mantendo-se porc!m, e
gem genetico-estrutural do romance moderne. 0 seu dado ini- em pleno v1g~r ~ o dtss1d10 do hero1 com o grupo, provindo, 00
e
cial a tensäo entre o escritor e a sociedade. Pressupöe Gold- cas?, da opos1~a~ entre o "homem natural" e a sociedade, pe-
mann - e com ele toda a critica dialetica - a existencia de ho- culiar ao Romanusmo. Quando näo ha nenhuma oposi~äo quando
mologias entre a estrutura da obra liter:lria e a estrutura social, nem seq~er. aflora a consciencia critica, o nivel e o de ;ublitera-
e, mesmo, grupal, em que se insere o seu autor. tura (Te1xerra e Sousa, o pior Macedo, o Aluisio folhetinesco ... ).
Ern face da sociedade burguesa, fundo comum da literatura
ocidental nos Ultimos dois seculos, o romancista tende a engen-
? _esquema de Goldmann, como todo esquema, esta sujeito
drar a figura do "her6i problem:ltico", em tensäo com as estru- a re~1soe~, i:i~s tem a vantagem de atentar para um dado exis-
tenc1al pr1mar10 ( tensäo), que se apresenta como relacionamen-
turas "degradadas" vigentes, isto e, estruturas incapazes de atuar
os valores que a mesma sociedade prega: liberdade, justi~a, to do auto~ .com o munde objetivo, de que depende, e com 0
~undo estet1co, que lhe e dado construir. Alem disso, a media-
amor. . . Sempre conforme Goldmann, a. tensäo <los protagonis-
~ao entre o ps1co-social e o artistico näo se faz sempre do mesmo
tas näo transpöe o limiar da ruptura absoluta: caso o fizesse, o
modo, mas dentr_o de um dinamismo espiritual capaz de conquis-
genero romance deixaria de existir' dando lugar a tragc!dia ou a
ta_r ·um ,g~au de hberdade superior ao da massa <los atos humanes
Hrica. Ha, portanto, uma oposi,äo ego/ sociedade que funda a
n~o-e.stet~c?s. 0 r~conhecimento dessa faixa "gratuita" da inven-
forma romanesca ( 317 ) e a mantc!m enquanto tal.
c;~~ hterar1a permlte uma ampla margem de aproximac;öes espe-
Toda uma tipologia do romance deriva da formula~äo aci-
c1f1cas ao.s textos: o que resgata o determinismo do primeiro
ma: ( 1 ) o her6i pode empreender a busca de valores pessoais que
passo. SeJa como for, näo ha ciencia sem um minimo de rela~
subordinem a si a hostilidade.do meio (Dom Quixote; Julien So-
~öes nec~ss„3rias: e o que Goldmann propöe, em Ultima an3lise,
re!, de 0 Vermelho e o Negro de Stendhal); ( 2) o her6i pode
e uma hzpotese explicativa do romance moderno na sua rela~äo
fechar-se na mem6ria ou na analise <los pr6prios estados de alma
com a totalidade social. '
(316) L. Goldmann, Pour une sociologie du roman, Paris, Gallimard, . Nessa perspectiva, poderiamos distribuir o romance brasi-
1964. HS: traduc;äo brasileira, Sociologia do Romance, Rio, Paz e Terra, 1967. I~1ro moderne, de 30 para ca, em, pelo menos, quatro tenden-
(317) Goldmann trabalha dentro dos liroites do gCnero Cpico-narrativo
tal como se tem apresentado na Idade Moderna; as suas analises devem ctas, segundo o grau crescente de tensäo entre o "her6i" e o seu
portanto preSsupor distini;öes historicamente atuadas e validas dentro de mundo:
um deterroinado espac;o de tempo. Elas näo devem assumir-se como dog- . a) romance de tensäo minima. Ha conflito, mas este con-
mas, nem como profecias, o que impediria a compreensäo de formas litersi-
rias futuras independentes dos modelos narrativos que se conhecem hoje. f1gura-se em termos de oposi~äo verbal, sentimental quando mui~

440 441
to: as personagens näo- se. destacam visceralmente da estrutura e Assim, nos romances de tensäo minima, hii um aberto ape-
da paisagem que as condicicinam. Exemplos, as hist6rias populis· lo 3.s coordenadas espaciais e hist6rica~ e, nä:o raro, um alto con-
tas de Jorge Amado, os romances ou crönicas da classe mCdia de sumo de cor-local e de fatos de cr6nica; as ac;öes säo situadas e
Erico Verissimo e Marques Rebele. e muito do neo-regionalis- datadas, como na reportagem au no document.lrio, generos que
mo documenta! mais recente ( 318); lhe estäo mais pr6ximos; quanto ao entrecho, o cuidado com o
b) romances de tensäo critict1tt Q her6i opöe-se e resiste verossimil leva a escrllpulos neo-realistas que se percebem tam-
agonicamente :ls pressöes da h.ttureza e da meio social, formule bem na reproduc;äo freqüente da linguagem coloquial de mistu·
ou näo em ideologias explfcitas, o seu mal-estar permanente. ra com a liter3ria.
Exemplos, obras maduras de Jose Lins do Rego ( Usina, Faga Nos romances em que a tensäo atingiu ao nfvel da crltica,
Maria) e todo Graciliano Ramos; os fatos assumem significac;äo menos "ingf:nua" e servem para
c) romances de tensäo interiorizada. 0 her6i näo se dis- revelar as graves lesöes que a vida em sociedade produz no teci·
pöe a enfrentar a antinomia eu/mundo pela ac;äo: evade-se, subje- do da pessoa humana: logram por isso alcanc;ar uma densidade
tivando o conflito. Exemplos, os romances psicol6gicos em suas moral e uma verdade hist6rica muito mais profunda. Ha menor
vcirias modalidades ( memorialismo, intimismo, auto-ancilise ... ) proliferac;äo de tipos secundarios e pitorescos: as figuras säo tra·
de Otavio de Faria, Lucio Cardoso, Cornelio Pena, Cyro das An· tadas em seu nexo dinämico com a paisagem e a realidade s6cio-
jos, Ligia Fagundes Teiles, Osman Lins ... ; -econömica ( Vidas Secas, Säa Bernarda, de Graciliano Ramos),
d) ramances de tensäa transfigurada. 0 her6i procura ul- e e dessa relac;äo que nasce o enredo. Passa-se do "tipo" a cx-
trapassar o conflito que o constitui existencialmente pela t:ans- pressäo; e, embora sem intimismo, talha-se o carllter do pro-
mutac;äo mftica ou metafisica da rea1idade. Exemplos, as expe- tagonista.
riCncias radicais de Guimaräes Rosa e Clarice Lispector. O con· Outra ainda e a constelac;äo que se da na prosa subjetivi·
flito, assim "resolvido", forc;a os limites do gf:nero romance e zante. Subindo ao primeiro plano os conteudos da consci~ncia
toca a poesia e a tragCdia. nos seus v:lrios momentos de mem6ria, fantasia ou reflexäo, es-
Existem areas fronteiric;as dentro da woduc;äo de um mes- batem-se os contornos do ambicnte, que passa a atmosfera,· e des-
mo escritor: Jose Lins do Rego soube fazer obra de alta tensäo loca-se o eixo da trama do tempo "objetivo" ou cronol6gico para
psi.co-social ao plasmar os caracteres centrais de Fogo Morto, mas a dura(äa psfquica do sujeito. E soh as sugestöes de Proust, de
sera tfpico exemplo do cronista regional em Menina de Engenha. Faulkner, de Katherfoe Mansfield, de Mauriac, de Julien Green,
Graciliano introjetou o seu näo a misCria do cotidiano em An- de Virginia Woolf, os romancistas e contistas que trabalham a
gUstia depois de ter escrito o que chamamos romance de ten- sua pr6pria materia psicol6gica tendem a privilegiar a tecnica de
säo crftica. Enfim, a passagem do puro psicol6gico ao experi- narrar em primeira pessoa.
men:aI e not6ria em Clarice Lispector e, menos radicalmente, em Ha, naturalmente, faixas diversas nesse reino amplo da
conttstas e romancistas cuja obra ainda estii em progresso: Au- ficc;äo moderna: o romance escrito a luz meridiana da analise,
tran Dourado, Osman Lins, Maria Alice Barroso ... como Abdias, de Cyro dos Anjas, ou 0 Lada Direito, de Otto
Lara Resende, näo e o romance noturno e subterr3.neo de LU.cio
0 esquema foi construido em torno de uma s6 variavel: o Cardaso da Cr6nica da Casa Assassinada, nem o romance feito
her6i, ou, mais precisamente, o anti-her6i romanesco. Mas a cada de sombra e indefinic;äo de Cornelio Pena e de Adonias Filho.
um dos tipos de romance enunciados correspondem tambem mo- Enfim, tecnicas diferentes de composic;äo e de estilo matizam a
dos diverses de captar o ambiente e de propor a a(äa. prosa psicologizante, que pode apresentar-se partida e montada
em flashes, como nas paginas urbanas de Jose Geraldo Vieira;
empastada nos ritmos da observac;äo e da mem6ria ( contos de
( 318) Aqui, como nas exemplificai;öes seguintes, näo pretendi ser
exaustivo; apenas indiquel autores au obras capazes de ilustrar as tenden-
Lfgia Fagundes Teiles, romances de Josue Montello, de Antonio
cias propostas. Olavo Pereira ... ) ; au ainda pode tocar experic!ncias novas de

442 443
mon6logo interior, da ~es<;ola de eihar", como se dB. nas pSginas
1

mais ousadas de Geraldo Ferraz, Samuel Rawett, Autran Doura- bruta, pre-artistica, mas dos nlveis ja literarios ( mon6logo, dialo-
do, Maria Alice Barroso, Lousada Filho, Osman Lins ... go, narra~äo ... ) e, ainda mais radic.rlmeqte, das unidades lin-
güfsticas ( sintagma, monema, fonema ... ) . Essa dir~äo, que
Uma abordagem que extralsse os seus parametros de um tende a compor o fenömeno literSrio a parrir dos materiais da
sistema fechado como a Psicanalise poderia falar ainda em ro- linguagem, e apenas da linguagem, tem o mesmo significado his-
mances do ego (memorialistas, anall!ll:os-) e romances do id (ba- t6rico do abstracionismo, que constr6i o quadro com entes geo.
seados em sondagens onlricas, regressöes, simboliza~öes ... ), dis- mftricos, ou da mUsica concreta, que trabalha a partir das ruf-
tin<;äo que se aproxima da de Carl Jung que, em 0 Homem M_o- dos e dos sons tais como a Fisica os reconhece. Afim a essas
derno em Busca de uma Alma, estrema um tipo de literatura sim- OP>ÖeS e O estruturaJismo enquanto metodo de pensar forma-
plesmente psicol6gica de outro, o da literatura visionaria. Ern Jizante. E afins lhes säo todas as correntes de cultura e de moda
ambos os casos, porem, trata-se de um plano ficcional que confi- que preferem deter-se nos c6digos e nos sinais em si mesmos a
gura a cisäo homem/mundo em termos de retorno a esfera do aprofundar os motivos e o sentido ideol6gico da mensagem.
sujeito. Na digressäo acima deve-se, porCm, levar em conta o dcs-
Enfim, pela quarta possibilidade entra-se no circulo da in- compasso que subsiste entre os textos de um Guimaräes Rosa,
ven<;iio mitopoetica, que tende a romper com a entidade tipol6- por exemplo, nos quais se cliscerne um forte empenho llrico-me-
gica "romance" superando-a no tecido da linguagem e da escritu- taflsico, e a leitura redutora que deles faz a critica estrutural. A
ra, isto e, no nlvel da pr6pria materia da cria,äo literaria. A consciencia desse descompasso entre poesia e poetica nä:o invali-
experiCncia estetica de Guimarä:es Rosa e, em parte, a de Clarice da, em verdade, nem as abordagens descritivas daquela crltica
Lispector, entendem renovar por dentro o ato de escrever fic~äo. nem as motiva~öes transparentes da escritor; apenas evita injus-
Diferem das trCs tendencias anteriores enquanto estas situam o ti~as a umas e as outras.
processo literario antes na transposi{äo da realidade social e psl- Finalmente: o quadro pressupöe que a literatura escrita de
quica do que na constru~iio de uma outra realidade. E claro que 19 30 para d forme um todo cultural vivo e interligado, näo
esta supra-realidade näo se compreende senäo como a alquimia obstante as fraturas de poetica ocorridas depois da II Guerra.
dos minerios extraldos das mesmas fontes ?J.ue serviram aos de- Dai ser precoce dar como passados e ultrapassados o romance
mais narradores: as de hist6ria coletiva, no caso de Guimaräes social e o intimista dos anos de 30 e de 40; de resto, ambos t~m
Rosa; as da hist6ria individual, no caso de Clarice Lispector. sabido refazer-se paralelamente as experiencias de vanguarda.
Simplesmente, nestes criadores ba uma fortlssima vontade-de-es-
tilo que OS impeJe a produ<;äo de obietos de /inguagem a que bus- .
cam dar a maior autonomia posslvel; nos mestres regionalistas·
au iritimistas, a independencia da fato estetico serS antes um
efeito de uma feliz clisposi>äo inventiva do que uma escolha cons- AUTORES E OBRAS
ciente, vigilante.
Jose Americo de Almeida
No continuum inventario-invfnfäo, que cobre as vallias pos-
sibilidades do ato estetico, pode-se dizer com seguran<;a que a cli- 0 romance de estreia de Jose Americo ( 319 ), A Bagaceira
retriz mais modetna e a que se inclina para o segundo momento; ( 1928), passou a marco da literatura social nordestina. Creio
a que privilegia o aspecto construtivo da linguagem como o mais
apto a significar o universo de combina\Öes em que a ciCncia e a ( 319) JosE AMERICO DE ALMEIDA ( Areia, Parafba, 1887). Obra de
tecnica imergiram o homem contemporaneo. Desde Joyce tem-se fin;ä:o: A Bagaceira, 1928; 0 Boqueiräo, 1935; Coiteiros, 1935, Consul-
tar: Trist'äo de Atafde, Estudos, 3.• serie, t.• parte, Rio, A Ordern, 1930;
renovado a estrutura do romance, fundindo-se a trlade persona- Nestor Vftor, Os de Ho;e, S. Paulo, Cultura Moderna, 1938; OHvio Mon-
gem-a<;äo-ambiente na escrituro ficcional cujos fatores comi:iina- tenegro, 0 Romance Brasileiro. Rio. Jose Olympio. 193~; :Wilson Martii:is,
veis passam a ·Set abstraidos näo mais diretamente da materia 0 Modernismo, cit.; Adoni::is Filho, 0 Romance Brastleiro de 30, Rio,
Bloch, 1969.
444
44J
que isso se deva näo -tanto ;~os setfs mCritos intrfnsecos quanto fr?ntados c?m A Bagaceira, esses livros podem dizer-se mais pr6-
por ter definido uma dire,äo formal ( realista ) e um veio tema- x1mos do ideal neo-realista que presicJ.iria a nairativa social do
tico: a vida nos engenhos, a seca, o retirante, o jagunc;o. Nordeste. Os periodos säo, em geral, menos "litercirios", bre-
Como experiencia de arte, A Bagaceira näo parece supcrar ves, colados a transcric;äo dos atos e dos acontecimentos. E 0
o nivel de expressividade que ja fora conquistado pelos prosa- dicilogo f Corrente, lembrando 3.s vezes a novelistica popular que,
dores nordestinos que escrevera!Jl. soir.- o, signo do Naturalismo: mais tarde, atrairia a escritora ao passar do roµiance para o tea-
Manuel de Oliveira Paiva, Domingo~ Olimpio, Rodolfo Te6filo, tro de raizes regionais e folcl6ricas ( Lampiäo, A Beata Maria do
Lindolfo Rocha. Ate pelo contr:irio, a alta dose de pitoresco e Egito ).
certa enfatuac;äo dos trac;os sentimentais no corte das persona- 0 terceiro romance de Raquel de Queiroz, Caminho de
gens empana o que poderia ter sido limpida e seca mimese de Pedra, e conscientemente politico: a sua redac;ä:o, em 36, coinci-
uma situac;äo exemplar: o encontro de uma retirante com o "si- de com o exacerbar-se das correntes ideol6gicas no Brasil a beira
nhozinho" bacharel, e a distancia psicol6gica que estrema este do Estado-Novo: comunismo ( stalinista; trotzkista: esta a cor
do pai, o patriarca do engenho, que acaba por tomar-lhe a jovem. da romancista na epoca) e integralismo. 0 que näo significa
De qualquer modo, A Bagaceira, escrito nos fins da decada que a obra se possa incluir no que chamei, pciginas atras, de r<r
de 20, momento em que o Modernismo comec;ava a tomar ·no mance de tensäo critica: a autora passa da crönica de um grupo
Nordeste uma colorac;ä:o original, oferecia elementos que iriam sindical na morna Fortaleza da epoca a explora,äo sentimental
ficar no melhor romance da dfcada seguinte: um tratamento mais de um caso de amor de um par de pequena classe media afetado .
coerente da linguagem coloquial, trac;os impressionistas na t~cni­ por ideais de esquerda. E um romance populista, isto e, um ro-
ca da descri,äo e, no nlvel dos significados, uma atitude reivin- mance que situa as personagens pobres "de fora", como quem
dicat6ria que o clima de decadencia da regiäo propiciava. O ro- observa um espet3.culo curioso que, eventualmente, pode como-
mance, saudado pelo principal critico da fpoca, Tristäo de Ataf-
1
ver. Os problemas psicol6gicos que ja tendiam a ocupar o pri-
de, vinha tambem ao encontro dos novos estudos sociais que, meiro plano em Caminho de Pidras fazem-no decididamente na
sob a inspira,äo de Gilberto Freyre, come,aram a assumir fei-
1 ultima experiencia de fic~äo de Raquel de Queiroz, As Tres
c;äo mais sistemcitica a partir do Congresso ""Regionalista do Re-
Marias. ·
cife, em 1926. Houve, pois, uma convergencia de motivos inter- Ja a curva ideol6gica da escritora podera parecer estranha,
nos, mas sobretudo externes, que deram a ohra o presdgio de paradoxal mesmo: do socialismo libertario de Caminho de Pe-
baliza de que ate hoje desfruta na historiografia litedria bra- dras as crönicas recentes de espirito conservador. Mas expli-
sileira. ca-se muito bem se inserida no roteiro do tenentismo que a con-
dicionou: verbalmente revolucionario em 30, sentimentalmente
liberal e esquerdizante em face da ditadura, acabou, enfim, pas-
Raquel de Quelroz sada a guerra, identificando-se com a defesa passional das rafzes
do status quo; roteiro que a aproxima de Gilberto Freyre, cuja
Na esteira do regionalismo,'.Raquel de Queiroz ( 320) com- presenc;a na cultura nordestina ultrapassou, de lange, a area do
pös dois romances de ambienta,äo cearense, 0 Quinze e Joiio ensalsmo sociol6gico e incidiu diretamente na valorac;äo das tra-
Miguel. Ern ambos releva notar uma prosa enxuta e viva que se- di~öes, dos estilos de viver e de pensar herdados a sociedade pa-
ria depois täo estimcivel na cronista Raquel de Queiroz. Con- triarcal. De onde a nostalgia do bom tempo antigo que ate re-
cebeu 0 batismo da ciencia: e a lusotropicologia.
( 320) RAQUEL DE QUEIROZ (Fortaleza, 1910). Ficc;äo: 0 Quinze,
1930; JoOo Miguel, 1932; Caminho de Pedras, 1937; As Tres Marias, 1939. de 1932; Agripino Grieco, Evolu~äo da Prosa Brasileira, Rio, Jose Olym-
Teatro: Lampiäo, 1953; A Beata Maria do Egito, 1958. CrOnica: A Don· pio, 1933; Tristäo de Ataide, Estudos, 5.• serie, Rio, Civ. Brasileira, 1935;
zela e a Moura Torta, 1948; 100 CrOnicas Escolhidas, 1958; 0 Brasileiro Almir de Andrade, Aspectos da Cultura Brasileira, Rio, Schmidt, 1939;
Perplexo, 1963; 0 Ca~ador de Tatu, 1967. Consultar: Otclvio de Paria, Fred P. Ellison, Brazil's New Novel. Four Northeastern Masters, Berke-
"O Nova Romance de Raquel de Queiroz", in Boletim de Ariel, I/7, abril ley, University of California Press, 1954.

446 447
-,
1ose Lina do Rego ~öes da infäncia e da adolescfncia com o registro intenso da vida
nordestina colhida por dentro, atraves dos processos mentais de
A reg1ao canav1e1ra da Paraiba e de Pernambuco em perio- homens e mulheres que representam a gama etnica e social da
do de transi\'.äO do engenho para a usina encontrou no "ciclo da regiä:o.
cana-de-ac;Ucar" de Jose Lins do Rego ( 321 ) a sua mais alta ex- A genese d~ ~iclo inicial da sua obra, formado por Menino
pressäo liter<iria. • ' de Engenbo, Dozdznbo, Bangüe, 0 Moleque Ricardo c Usina e
Descendente de senhores de engenho, o romancista soube portant~, dupla, a mem6ri~ e a observar;äo, sendo a prim~ir;
fundir numa linguagem de forte e poetica oralidade, as recorda- responsavel pela carga afet1va capaz de dinamizar a segunda e
dar-lhe a~uela crispa(äo que trai o fundo autobiografico: e, de
(321) Jos:E LtNS oo REGO CAVALCANTI (Engenho Corredor, Pilar, fato, a .Ie1tura de Meus Verdes Anos, hist6ria veraz da infancia
Paraiba, 1901 - Rio, 1957). Passau a infiincia no engenho da avö ma- do escr1tor, logo nos faz reconhecer pontos nodais do romance
terno. Fez os estudos secundarios em ltabaiana e na Paralba ( atual Joäo de estreia, Menino de Engenbo_
Pessoa) e Direito no Recife. Aqui se aproxima de intelectuais que seriam
os respons:iveis pelo clima modernista-regionalista do Nordes_tt:": Jose Ame- Ancorado nessa dupla contingencia e aceitando-a de bom
rico de Almeida, Olivio Montenegro e, sobretudo, Gilberto Freyre de quem )lrado com? a sua verdade estetica, Lins da Rego sempre se de-
receberia estimulo para dedicar-se a arte de raizes locais. Poucos anos de- clarou escr1tor e~pontaneo e instintivo, chegando a apontar nos
pois, liga-se, em Macei6, a Jorge de Lima e a Graciliano Ramos. Trans-
feriu-se, em 1935, para o Rio de Janeiro onde participou ativamente da cantadores de fe1ra as fontes da sua arte narrativa:
vida literciria defendendo com vigor polemico o tipo do escritor voltado
para a regiäo de onde proveio. Obra de fic.;äo: Menino de Engenho, 1932; Os cegos .canta~ores, amados e ouvidos pelo povo, porque ti·
Doidinho, 1933; Bangü~, 1934; 0 Moleque Ricardo, 1935; Usina, 1936; ?han;i o que dizer, unham o que contar. Dizia-lhes entäo: quando
Pureza, 1937; Pedra Bonita, 1938; Riacho Doce, 1939; Agua-M.:ie, 1941; 1~ag1na m~us romances tomo sempre como modo de orientac;äo o
Fogo Morto, 1943; Euridice, 1947; Cangaceiros, 1953. Mem6rias: Meus d~er as. co1sas como elas surgem na mem6ria, com o jeito e as ma-
Verdes Anos, 1956. Literatura Infantil: Hist6rias da Velha Totdnia, 1936. neiras simples <los cegos poetas.
Crönica e Crftica: Gordos e Magros, 1942; Poesia e Vida, 1945; Homens, . Por conseguinte, o romance brasileiro näo tera em absolute que
Seres e Coisas, 1952; A Casa e o Homem, 1954; Presenfa do Nordeste na v1r procurar os. Charles Morgan ou os Joyce para ter existbicia real.
Literatura Brasileira, 1957; 0 Vulcao e a Fonte, 1.958. Conferi!ncias: Pe- Os cegos da ferra Ihe serviräo muito mais como a Rabelais serviram
dro Americo, 1943; Con/er~ncias no Prata ("Tendencias do Romance Bra- os menestreis vagabundos da Franc;a {s22).
sileiro, Raul Pompeia, Machado de Assis"), 1946; Discurso de Posse na
A. B. L., 1957. Viagem: Rota de Sete Leguas, 1951; Roteiro de Israel, Ou ainda:
1955; GreJ!.OS e Troianos, 1957. Consu1tar: Agripino Grieco, Gente Nova
do Brasil, Rio, Jose Olympio, 1935; Olivio Montenegro. 0 Romance Bra-
sileiro, Rio, Jose Olympia. 1938; Lia Correa Dutra, 0 Romance Brasileiro Gosto que me chamem te!Urico e muito me alegra que des-
e Jose Lins do ReJ!.o, Lisboa, Seara Nova, 1938; Almir de Andrade, As- cubram em todas as minhas atividades liter<lrias fo~s que dizem
de puro instinto.
pectos da Cultura Brasileira, Rio, Schmidt, 1939; Alvaro Lins, Jornal de
Critica. 2.• serie, Rio, Jose Olympia, 1943; AntOnio Cllndido, Brigada Li-
gei~a, S. Paulo, Martins, 1945; Marie de Andrade. 0 Empalhador de Pas- Sao afirmar;öes categ6ricas. que, porCm, nä:o se podem to-
sartnhn, S. Paulo. Martins, 1946: Rob~rto Alvim Correia. Anteu e a Crf- mar a letra, pois explicam menos o efetivo labor literario de Lins
tica, Rio. Tose Ol~pio, 1948; Adolfo Casais Monteiro. 0 Romance e os
Seus Problemas, Casa do Estudante do Brasil, 1950; Alvaro Lins, Carpeaux d_o Rego que a sua pohica explicita, feita de lugares-comuns ve-
e Thompson. Jose Lins do ReJ?.o, Rio, Ministerio de Edncacäo e SaUde r1stas afetados por um neo~romantismo nostiilgico, afim a visäo
1952: Fred P. Ellison. Brazil's New Novel. Four Northeastern Masters' da munde de Gilberto Freyre. Mas valem como sintoma de um
Berkeley, Univ. of California Press, 1954; _Toa'.o Pacheco, O Mundo qu~ grau de tensä:o ( autor/realidade) menos consciente e, portanto,
Jose Lins do ReJ!.o FinJ!.iu, Rio, Livraria Säo _Tose. 1958; Tose Aderaldo Cas-
tello, Jose L;n_~ da Rego Modernismo e Regionalismo. S. Paula, Edart menos critico, do que o testemunhado por um outro grande ro·
1961; Victor Ramos, Estudos em Tr~s Planos, S. Paulo, Comissiio Esta- mancista do Nordeste: Graciliano Ramos. 0 autor de Doidinbo
dual de Cultura. 1966; Wilson Martins, 0 Modernismo. cit.; Adonias Fi- est3, em tese, a pouca distäncia do universo afetivo que o viu
lho.' 0 Rom~nce Brasileiro de 30, Rio, Bloch. 1968. Cf. tambem os pr~
fäc1as e as 1ntrodu~ aos romances de J. L. R. publicados na Colo;äo
Sagarana da Ed. Jose Olympia. ( 322) Ern Poesia e Vida, ensaias, Rio, Ed. Universal, 1945, pp. "i'4.55.
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crescer. A sua vida espirimal e trm assfduo retorno a paisagem gern: lugar privilegiado onde o esp1r1to articula seqüCncias es·
do Ehgenho Santa Rosa, aO avö, o mltico senhor de engenho paciais e temporais, exatamente con10 nos longos e movimenta·
Coronel ze Paulino, as hist6rias noturnas contadas pelas escra- dos cantares de origem popular, que acumulam epis6dios, tre-
vas amas-de-leite 3s angllstias sexuais da puberdade, enfim ao chos descritivos e notac;öes morais alinhando-os no reine imen-
mal-estar que o d~sfazer-se de todo um estilo de ~ida jria gerar so da mem6ria.
na consciencia do herdeiro ineP.tO· e.,i;onhador. Nao sao mem6- A observai;äo do meio regional esta no nascedouro do ciclo
rias e observa-;öes de um mehi'no qualquer, mas de um menino do misticismo e do cangai;u, que abrange Pedra Bonita e Canga-
de engenho, feito a imagem e semelham;a de um mun~o ,qu~, ceiros. Prosseguindo na abertura para a hist6ria, o escritor com-
prestes a desagregar-se, conjura todas as for~as de res1st:nc1a bina formas varias de relato objetivo: a lenda, a <!pica, a crönica.
emotiva e fecha-se na autofrui\äo de um tempo sem amanha. E o que se ve em Pedra Bonita, narra,äo livre de um caso de
Entretanto, esse estado-limite de ilhamento ( que sera a lou- fanatismo que se deu em Vila Bela no seculo XIX: alguns serta-
cura de uma personagem tragica de Fogo Morto, o Coronel ~ula nejos, ac;oitados junto a duas pedras colossais, se ofereceram em
de Holanda) näo se faz possivel em termos absolutos. A cnan- holocausto a um mameluco, Joäo Antonio da Silva, que lhes pro-
i;a do Menino de Engenho desdobra-se no adolescente inseguro metera, a troco do sacrificio, a felicidade eterna a ser frulda no
de Doidinho, ja em contato com o mundo da escola, e no ba- Reino Encantado ali oculto. Muito provavelmente, Jose Lins
charel Dr. Carlos de Mello, dividido entre a cidade e o engenho, tera extraido o material para o romance da literatura de cordel
e que, em Bangüe, Moleque Ricardo e Usina, sera levado a to- täo difundida no Nordeste desde o seculo passado. Eie mesmo,
car a realidade aspera da pobreza, da revolta e das esperani;as respondendo a um amigo que lhe perguntara por que näo prosse-
de homens que näo descendem de meninos de engenho. guia a hist6ria da Pedra Bonita, disse: "E que eu näo tenho lido
mais o poeta Joäo Martins de Ataide. E o que tinha este poeta
A fori;a de carrear para o romance o fluxo da mem6ria, Jo- com o meu romance? Tinha tudo o meu romance com o poeta.
se Lins do Rego aprofundou a tensäo eu/realidade, apenas la- Eu queria escrever a hist6ria dos Vieira, familia de cangaceiros
tente nas suas primeiras experifncias. E o ponto alto da con- do Nordeste, e toda a hist6ria dos Vieira esta no rapsodo Ataide.
quista foi essa obra-prima que e Fogo Morfo, fecho e superai;äo A poesia deste bardo se fez uma especie de chanson de geste do
do ciclo .da cana-de-a"1car. A riqueza no plano do relaciona- cangaceirismo" ( 323 ). Os tra~os raps6dicos presentes nesse ro-
mento com o real trouxe consigo maior for\a de estrututa\äo li- mance marcam tambem a fatura de Cangaceiros: estrutura justa-
teraria. Assim sendo, o "espontanelsmo„, apontado nas palavras positiva, vocabulario coloquial e de caläo, introdui;äo de cantigas
do pr6prio Jose Lins como carater inerente a seu trabalho de es- do folclore luso-nordestino e, sobretudo, repetii;öes de palavras
critor ( "o dizer as coisas como elas surgem na mem6ria"), vem e frases que acabam compondo uma seqüencia mel6dica apoiada
da fnfase em um momento limitado da sua hist6ria criadora; em "ritornelli". Valendo-me de um simile tomado a paisagem
fnfase que coincide com um ponto de vista acr:itico, antes orgd- da regiäo: o romance e, para o criador de Fogo Morto, como um
nico do que problematico, no dizer feliz de Carpeaux ao apre- rio que flui mansamente pelo fertil massape paraibano; uma cor-
sentar Fogo Morto. Criaturas como o seleiro Jose Amara, o Ca- rente que vai ora levando, ora acumulando as infinitas recorda-
pitäo Vitorino e b Coronel Lula de Holanda säo expressöes ma- >Öes da infäncia, sedimento de barro informe onde lhe e grato
duras dos conflitos humanos de um Nordeste decadente. Levou afundar o corpo inteiro.
algum tempo para que o romancista se desapegasse do material Mesmo nas obras cuja ambientai;äo foge ao Nord~ste
de base, feite de obsessöes pessoais, e se detivesse na fixa~iio (Agua-Miie, Euridice), o processo de composii;äo atem-se ao rei-
objeiiva de caracteres capazes de transcender aquela fusäo de es- terativo, que neles serve niio s6 para repropor certas paisagens
critor e crianc;a, escritor e adolescente, peculiar a sua obra ini- e fundos-de-pano ( lembro a obsessäo da Casa Azul em Agua·
cial. No conjunto, porem, fica de pe o processo constitutivo do
romance de Jose Lins: a narrativa memorialista. E a prova dos
nove encontramo-la no uso que o escritor sempre fez da lingua- ( 233) Ern Poesia e Vida, cit., p. 161.

450 451
-Mäe), mas tambem para cri~ alrnaS presas ao eterno retorno do mais alto d~ tensä_o entre o eu da escritor c a sociedade que 0
rnesrno. Nessas obras, que a critica subestimou como esfor~os me- formou. E 1nstrutlvo, nesta altura, o contraste com Jose Lins do
nos felizes do autor para escrever fic~ä:o intimista, näo e dificil Rege. Este se entregava, complacente, ao desfilar das aparen-
reconhecer tra\Os fatalistas de quem viveu ate o fundo o drama c1as e das recorda~öes; Graciliano via em cada personagem a fa-
de uma decadencia social e o incorporou para sempre a sua vi- ce angulosa da opressäo e da dar. Naquele, ha conaturalidade
säo do mundo. Atitude de tod9s os-..aturalistas ao se voltarem entre o homem e o meio; neste, a matriz de cada obra e uma
para o campo ja abalado pelo ~spectro da revolu1;ao industrial, e ruptura.
cada vez menos capaz de inspirar mitos de paraiso perdido: foi o 0 roteiro do autor de Vidas 5ecas norteou-se por um coe-
pessimismo de Hardy e de Verga; e seria, num clima espiritual rente sentimento de rejei\äo que adviria do contato do homem
mais arido que o de Jose Lins do Rego, a posi1;äo crltica de Gra- com a natureza ou com o pr6xüno. Escrevendo sob o signo dia-
ciliano Ramos. leuco por excelCncia do conflito, Graciliano näo compös um ci-
clo, um todo techado sobre um ou outro p61o da exist&icia
Graciliano Ramos (324 ) ( eu/mundo), mas uma serie de romances cuja descontinu1Jade
e sintoma de Ufll espirito pronto 3. indaga\äO, 3, fratura, ao pro-
De Graciliano jii se deixou entrever, pag1nas atriis, que re- bJtma. U que explica a linguagem dispar de CaeteJ, AnguJtia,
presenta, em termos de romance moderno brasileiro, o ponto Vidas Secas, momentos diversos que s6 teräo em comurn o dissi·
dio entre a consciCncia do homem e o labirinto de coisas e tatos
( 324) GRACILIANO RAMOS ( Quebringulo, Alagoas, 1892 - Rio, ~.m que se perdeu. E explica, em outro plano, o trclnsito da
1953). Primogi:nito de um casal sertanejo de classe media que teve quin· b.c~ao ao nitido corte biografico de lnjdncia e Mem6r1as do Car-
ze filhos. Passou a infincia parte em Buique, Pernambuco, parte em Vi· ·cere ( 825).
r;osa, no estado natal. Fez estudos secundatios em Macei6, mas näo cursou
nenhuma faculdade. Em 1910 estabeleceu-se em Palmeira das 1ndios onde
o pai vivia de comCrcio. Ap6s uma breve estada no Rio de Janeiro, como Amado, Jose Lins do Rego, Raquel de (Jueiroz e Anibal Machado), 1942i
revisor do Correio da Manhä e de A Tarde (1914). regressou a Palmeira HHlorzas ue i1lexandre, 1944; lnjiincia, 1945; Dozs lJedos, 1945; Hist6-
das 1ndios ao saber da morte de tres de seus irmä,ps vitimados pela febre nas lncompiet1Js, 1946; 1ns6nza, 1~47; 7 11zst6rias Verdadezras 1951· Me-
bubönica. Passa a fazer jornalismo e politica, exercendo a prefeitura da m?,rzas do ~'t:irce.re, l95J; Viagem, l95J; "Pequena HistOna da Re~Ubli­
cidadezinha entre 1928 e 1930. Ai tambem redige, _a partir de 1925, seu ca (in rev1sta :Jenh9r, n.ua de marr;o e abril de 1960; Hzst6rias Agresles,
primeiro romance, Caetes. De 30 a 36, viveu quase todo o tempo em 1960; V1ventes de Aiagoas, 1962; AJ.exandre e Outros Her6is 1962· Li-
Macei6 onde dirigiu a Imprensa e a Instru~iio do Estado. Data desse pe· nhas Tortas, 1962. Consultar: Almir de Andrade, 'Aspectos 'da Cuitura
riodo a sua amizade com escritores que formavam a vanguarda da literatu· ~raszle1ra, Rio, Schmidt, 19J9; Otto Maria Carpeaux, Origens e Fins, Rio,
ra nordestina: JosC Lins do Rego, Raquel de Queiroz, Jorge Amado, Wal- CEB, 1943; llomenagem a Graciliano &mos (por Schmidt Francisco de
demar Cavalcanti; C tambCm a Cpoca em que redige Säo Bernardo e Angus As~i~ ßarbosa, Carpeau~_, )· L. do Rego, Astrojildo Pereira ~ outros), Rio,
tia. Ern marr;o de 19.36 C preso como subversive. Embora sem provas dr Ohc1nas Alba, 1943; Lid1a Besouchet e Newton de Freitas Literatura del
acusar;äo, levam-no a diversos presfdios, sujeitam-no a mais de um vexame ~r~szl, Buenos Aires, Ed. Sulamericana, 1946; Floriano G~nr;alves, "Gra-
e s6 o liberam em janeiro do ano seguinte: as Mem6rias do Carcere seriio c1hano R~mos e o Romance", introd. a Caetes, Rio, Jose Olympia, 1947;
o depoimento exato dessa experii:ncia.-. Transferindo-se para a capital do Alvar~ L1ns, ]o~?al de Critica, 6:" serie, Rio, Jose Olympia, 1951i Fred
pals, Graciliano continuou a escrever e· a publicar niio s6 romances mas P. ~lhson, Braztl s New Novel, czt.; Joel Pontes, 0 Aprendiz de Critica,
contos e livros para a infincia. Por volta <los fins da Guerra o seu nome Reede.' Departa1nento de Documentar;iio e Cultura, 1955; Antönio C8.ndi-
ja est.i consagrado como o do maior romancista brasileiro depois de Ma- do, Fzc~ao e Con/issao, Rio, Jose Olympia, 1956; Francisco de Assis Bar-
chado de Assis. Ern 1945, ingressou no Partido Comunista Brasileiro. bosa, Achados ao Venia, Rio, I. N. L. 1958· Rolando More! Pinte Gra-
Ern 1951, foi eleito presidente da Associai;iio Brasileira de Escritores; no ci!iano &mos Autor e Ator, Assis, Fa~. de filosofia, 1962; Antüni~ C3.n-
ano seguinte viajou para a Rllssia e os palses socialistas, relatando o que d1do, Tese e Antitese, S. Paula, Cia. Ed. Nacional, 1964· Carlos Nelson
viu em Viagem. Graciliano faleceu no Rio aos sessenta anos de idade. Coutinho, "Uma AnJlise Estrutural das Romances de Gr;ciliano Ramos"
Suas obras iii foram traduzidas para o espanhol, o frances, o ingli:s, o ita· in. Rev. Civilizar;äo Brasileira, 5-6, man;o de 1966; L. Costa Lima, Por qu~
liano, o alemäo, o russo, o.hllngaro, o tcheco, o poloni:s, o finlandi:s. De Lzteratura?, Petr6polis, Vozes, 1966; Rui Mouräo, Estruturas. Ensaio so-
Vidas Secas ha versao cinematogr:lfica de Nelson Pereira dos Santos, rea- bre o Rotnance de Graciliano, Belo Horizonte, Ed. Tendi:ncia, 1%9.
lizada em 1964. Obras: Caetf?s, 1933; Säo Bernardo, 1934; An.RUstia, 19.36; (825) V. o estudo fundamental de Antönio Candida, Ficfäo e Con-
Vidas Secas, 1938; Brandäo entre o Mar e o Amor ( em colab. com Jorge fissao, cit.

452 453
,...„

o realismo de Graciliano nä6" e orgaruco nem esponttlne0. vem a ser o un1co, e decisivo malogro daquela posi~io de pro-
E critico. 0 "her6i" e se1nPre um problema: näo aceita o mun- priedade estendida a um ser humanQ. TragCdia do ciUme, no
do, nem os outros, nem a si mesmo. Sofrendo pelas distäncias plano afetivo, e, ao mesmo tempo, romance do desencontro fa-
quc o separam da placenta familiar au grupal, introjeta o confli- tal entre o universo do ter e o universo do ser, Säo Bernardo
to numa conduta de extrema dureza que e a sua Unica· mJscara ficara, na economia extrema de seus meios expressives, como
passive!. E o romancista encontra-' 11' tr.ato analitico dessa m:is- paradigma de romance psicol6gico e social da nossa literatura.
cara a melhor f6rmula de fixat 'as tensöes sociais como "primei- Tarnbern aqui vira escritor o her6i decaido a anti-her6i depois do
ro motor" de todos os comportamenios. Esta a grande conquis- suiddio da mulher que a sua violencia destruira. 0 pr6prio ato
ta de Graciliano: superar na montagem da protagonista ( verda- de narrar esta assim preso a frustra~äo de base; e esta nao e
deiro "primeiro lutador") o est<igio no qual seguem caminhos uma condi<;iio metafisica ( como no pessimismo de Machado, de
opostos o "painel da sociedade" e a sondagem moral. Da! pare- cadencias schopenhauerianas), mas se estrutura em contextos bem
cer prec<iria, se näo falsa, a nota de regionalismo que se costu- determinados e assume as faces que esses contextos podem con-
ma dar a obras em tudo universais como Säo Bernardo e Vidas figurar. A relai;iio aparece claramente no texto quando Paulo
Secas. Nelas, a paisagem capta-se menos por descri\Öes milldas Hon6rio se analisa: "Creio que nem sempre fui egoista e brutal.
que por uma serie de "tomadas" cortantes; e a natureza interes- A profissiio e que me deu qua!idades tiio ruins. E a desconfian-
sa ao romancista s6 enquanto propöe o momento da realidade c;a que me aponta inimigos em töda parte! A desconfiani;a e
hostil a que a personagem respondera como lutador em Säo Ber- tambem conseqüencia da profissiio." Ou: "A culpa foi minha,
nardo, retirante em Vidas Secas, assassino e suicida em AngUstia. ou antes, a culpa foi desta vida agreste que me deu uma alma
Ern Caetes, livro de estreia muito pr6ximo das solu\öes rea- agreste."
Iistas tradicionais, ·a tensao geradora nao se concentra tanto no Tarnbern a solidiio de Lufs da Silva, em Angustia, cola-se a
eu-narrador quanto nas nota\öes irünicas do meio provinciano vida de um pequeno funcionario, de veleidades literarias, mas
( a alusiio a E<;a e aqui obrigat6ria, menos 0 cuidado do brilho condenado a esgueirar-se na mornidäo poenta das pensöezi-
que acompanhava o romancista portugues). Sente-se um escri- nhas de provlncia e a repetir ate a nciusea os contatos com um
tor ainda ocupado na formalizac;äo da pr6pria mem6ria, fase su- meio onde o que niio e recalque e safadeza. Tudo nesse ro-
perada no livro seguinte, Säo Bernardo, e em toda a evolrn;iio li- mance sufocante lembra o adjetivo "degradado" que se apöe
teraria de Graciliano que nao seria, positivamente, um roman- ao universo do her6i problematico. A existencia de Luis da
cista de costumes. Mas sempre que se falar de neo-realismo a Silva arrasta-se na recusa e na analise impotente da misena
prop6sito deste romance de provincia que e Caetes, deve-se re- moral do seu mundo e, nao tendo outra safda, resolve-se pelo
conhecer o seu matiz pr6prio de distanciamento que lembra an- crime e pela autodestruic;iio. 0 livro avan,a com a rapidez do
tes um Machado de Assis ( menos est6ico) ou um Lima Barreto objeto que cai: sempre mais velozmente e mais pesadamente ru-
( mais contido) do que os naturalistas de grandes murais como mo a morte e ao nada. Estamos no limite entre o romance de
Aluisio ou Ingles de Sousa. Do livro, bom mas niio 6timo, ficou tensäo crftica e o romance intimista. De um lado, a brutalidade
o recurso de fazer da personagert1 tambem o autor de um ro- da linguagem que degrada os objetos do cotidiano, avilta o rosto
mance, o que potencia a agudeza da analise e o mordente da contemplado e cria uma atmosfera de mau-humor e de pesade-
satira. lo; de outro, a auto-an3lise, a "parada" que significa o esfor(:o
Mas e em Säo Bernardo que o foco narrative em primeira de compreender e de dizer a pr6pria consciencia. E tudo parece
pessoa mostrara a sua verdadeira for.;a na medida em que seria preparar o longo mon6logo final que abral"! um sem-numero de
capaz de configurar o nivel de consciencia de um homem que, imagens de um mundo hostil e as aquece com a febre que a recusa
tendo conquistado a duras penas um lugar ao sol, absorveu na absoluta produziu na alma do narrador. Romance existencialis-
sua longa jornada toda a agressividade latente em um sistema de ta avant la lettre, AugUstia foi a experiencia mais moderna, e ate
competi\äo. Paulo Hon6rio cresceu e afirmou-se no clima da certo ponto marginal, de Graciliano. Mas a sua descendencia na
passe, mas a sua uniao com a professorinha idealista da cidade prosa brasileira esta viva ate hoje.

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~i
1: A re1e1~ao assume_ di~nsöes.--naturais, c6smicas, em Vidas desenvolveram, ate certo limite de rigidez, alguns tra~os da esti-
i
Secas, a hist6ria de uma fämilia de retirantes que vive em pleno lo do romancista. Hoje a pesquisa estrutural tem confirmado
agreste os sofrimentos da estiagem. E superfluo repetir aqui o com a precisäo das suas an3lises o que a critica mais atenta sem-
quanto o esfor<;o de objetiva~äo foi bem logrado nessa pequena pre vira na linguagem de Graciliano: a poupan~a verbal; a pre-
obra·prima de sobriedade formal. Vidas Secas abre ao leitor o fer&icia dada aos nomes de coisas e, em conseqüencia, o parco
universo mental esgar\ado e pobr~, ~ uri homem, uma mulher, uso do adjetivo; a sintaxe classica, em oposii;äo ao 3-vontade gra~
seus fi!hos e uma cachorra tangidos pela seca e pela opressäo dos matical das modernistas e, mesmo, dos outros prosadores do
que podem mandar: o "dono", o "soldado amarelo"... O nar- Nordeste.
rador que, na aparencia gramatical do romance de 3. pessoa, su-
2 Parece evidente que a modernidade de Graciliano Ramos
miu por tr3s das criaturas, na verdade apenas deslocou o "fatum" tem pouco a ver com o Modernisma e nada a ver com as modas
do eu para a natureza e para o latifU.ndio, segunda natureza do literciriqs para as quais o escritor pode apresentar um que de ina-
Agreste. E o que havia de unit3rio nas obras anteriores, apoia- tual. Ela vem da sua op,äo pelo maior grau posslvel de despo-
das no eixo de um protagonista, dispersa-se nesta em farrapos jamento, pela sua iecusa sistematica de intrusöes pitorescas, chu-
de ideias, no titubear das frases, nos "casulos de vida isolada que las ou piegas, situando-se no p6lo oposto do "populismo" -
säo os diverses capitulos" ( 826 ), enfim, na desagrega\äo a que o tanto a vulgar quanta o sofisticado - que tem manchada tantas
meio arrasta os destinos inUteis de Fabiano, Sinh3 Vit6ria, vezes a atitude dos fruidores da "vita!idade" do homem simples.
Baleia ... Vitalidade que acaba servindo de pretexto para projetar fixa~öes
No livro de mem6rias, I n/Jncia, uma interpreta~äo existen- regressivas do pr6prio escritor, como e o caso da maior parte
cial acharia numerosas pistas, mas creio que subsistiria sempre dos romances de Jorge Amado.
cama categaria unificante a ideia de rejei~äo que marca a can-
junta das romances e aqui aparece em toda parte, desde o dese- Jorge Amado ('")
nho admir3vel que Graciliano faz dos pais, prirneiros rnestres na
escola do medo e do arbftrio: .. Jorge Amado, fecundo contador de hist6rias regionais, de-
Nesse tempo meu pai e m.inha miie estaVam caracteriza.dos: um f~n1u-se certa vez "apenas um baiano romantico e sensual". De-
homem serio, de testa larga, urna das rnais belas testas que ja vi ftnii;äo justa, pois resume o carater de um romancista voltado
<lentes fortes, queixo rijo, fala tremenda · uina senhora enfezada'
agr~ssiva, ranzin2a, sempre a mexer-se, b~ssas na cabeta mal pro~ (327) JoRGE AMADO DE PARIA (Ferradas, municipio de Itabuna, Bahia,
teg1da por um cabelinho ralo, boca ma, olhos maus que em mo-
1912). Filho de um comerciante sergipano que chegou a propriet:irio de
mentos de c6lera se inflarnavam com um brilho de loucura. Esses
terras na regiäo da cacau ( sul da Bahia). Fez o curso primiirio em Ilheus
dois entes diflceis ajustavam·se. Na harmonia conjugal a voz dele e o secundiirio com os jesuftas em Salvador e no Rio. Na capital baiana
perdia a violencia, tomava inflexöes estranhas, balbuciava carfcias
lavou vida de jornalista boemio nos fins da decada de 20. 0 Modernismo
decentes. Ela se amaciava, arredondava as arestas afrouxava os
encontrava entäo, na Bahia, os primeiros ecos e as primeiras oposic;Oes:
dedos que nos batiam no cocoruto, dobrados, e tinham dureza de ]. Amado ligou-se a efemera "Academia das Rebeldes", grupo de que fa-
martelos. Qualquer futilidade, p,orem, ranger de dobradic;a ou cho-
ziam parte o poeta Sosfgenes Costa e o futuro historiador e folclorista
ro de crianc;a, lhe restitufa o azedume e a inquietac;äo.
Edson Carneiro. Indo para o Rio em 30 para fazer Direito, af conhece
alguns escritores jovens (Otiivio de Faria, Santiago Dantas, Auguste Fre-
Do mesmo realismo classico de I nfdncia e o estofo das Me- derico Schmidt) que o animam a publicar 0 Pais do Carnaval (1931).
m6rias do Cdrcere, um dos mais tensos depoimentos da nossa Ern 32, em parte por influencia de Raquel de Queiroz, aproxima-se da
milit:lncia esquerdista: Ie novelas da nova literatura proleta'.ria russa e do
epoca e, por certo, o mais alto da nossa literatura. Graciliano al realismo bruto norte-americano (Michael Gold Steinheck). Viaja repe-
1
narra as vicissitudes de sua prisäo polltica em 1936-37. Mas as tidas vezes pelo interior da Babia e de Sergipe e procura transpor os ca-
Mem6rias näo se devem !er s6 como testemunho hist6rico. Elas sos que ve e ouve para uma serie de romances populistas: Cacau ( que se
passa na zona de IIheus) e o ciclo dos romances urbanes de Salvador
(Suor, Jubiabtl, Mar Morto, Capitäes de Areia). Ainda no decenio de 30
(326) A expressiio est:i em Rui Mouräo, Estruturas, cit., p. 151. conhece a America Latina e ve sens primeiros livros traduzidos para va-

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pa.ra os marginais, os pesq\.dores....e os marinheiros da sua terra grande e nunca desmentido exito junto ao pOblico. Ao leitor
que lhe interessam enquahto exemplos de atitudes "vitais": ro- curioso e glutäo a sua obra tem dado de tudo um pouco: piegui-
mänticas e sensuais. . . A que, vez por outra, emprestaria ma- ce e volllpia em vez de paixäo, estere6tipos em vez de trato or~
tizes politicos. A rigor, näo caminhou alem dessa colagem psico- gänico das conflitos sociais, pitoresco em vez de captai;äo e~6-
16gica a "ideologia" do festejado escritor baiano. Nem a sua tica do meio, tipos ' folcI6ricos" em vez de pessoas, descu1do
1

poetica, que passou inc6lume pelo realismo critico e pelas de- formal a pretexto de oralidade. . . Aiem do uso 3.s vezes imo-
mais experiencias da prosa mode;n~ aflcorada como estava em tivado da caläo: 0 que e, na cabe<;a da intelectual burgues, a ima-
um modelo oral-convencional de narra~äo regionalista. gem do eros da pavo. 0 populismo liter3rio deu uma mistura
Cronista de tensäo minima, soube esbo~ar largos paineis de equivocos, e 0 maior deles sera por certo 0 de passar por ar-
coloridos e facilmente comunic3veis que lhe franqueariam um te revolucionaria. No caso de Jorge Amado, parem, bastou a
passagem ·do tempo para desfazer o engano.
rios idiomas. Nos anos da II Guerra faz literatura de propaganda politi- Na sua obra podem.se distinguir:
ca e envolve-sc na oposii;äo ao Estado Novo, sendo preso cm 1942. Li-
vre, passa algum tempo na Bahia onde retoma litcrariamente cenas e ti- a) um primeiro momento de 3.guas-fortes da vida baiana,
pos de Cacau, Cm Terras do Sem-Fim e Säa ]arge de Ilhtus. Eleito de- rural e citadina ( Cacau, Suor) que lhe deram a f6rmula do "ro-
putado, cm 1946, pelo P. C. B„ resolve exilar-sc quando do fechamento mance prolet<lrio";
destc. Viaja longamentc pela Europa Ocidental e pela Asia (1948-52). b) depoimentos liricos, isto e, sentimentais, espraiados em
As tradu~öes dos seus livros alcan-;am entäo altas tiragens nos paises so-
cialistas. Voltando ao Brasil, traz escritas obras abertamento partidatias torno de rixas e amores marinheiros (jubiab!z, Mar Morto, Ca·
(0 Mundo da Paz, Os Subterrdneos da Liberdade). Instala-se, por algum pitäes de Areia);
tempo, no Rio, onde dirigira o semanario Para Todas. A partir de 1958, c) um grupo de escritos de prega~iio partidaria ( 0 Cava-
voltou a escrever seguidamente romances e novelas de ambienta-;äo regio- leiro da Esperan(a, 0 Mundo da Paz);
nal, iii agora em Iinguagem menos polemica e mais estilizada. 0 roman-
cista, quc vive atualmente em Salvador, afastado das lides polfticas, e mem- d) alguns grandes afrescos da regiäo do cacau, certamen·
bro da Academia Brasileira de Letras. Obras: 0 Pals da Carnaval, 1931; te suas inven<;öes mais felizes, que animam de tarn epico as lu-
Cacau, 1933; Suor, 1934; Jubiaba, 1935; Mar Morto, 1936; Capitäes de tas entre coroneis e exportadores ( Terras do Sem-Fim, Säo Jorge
Areia, 1937; ABC de Castro Alves (biografia Hrica), 1941; Vida de Lufs dos Ilheus);
Carlos Prestes, EI Caballero de la Esperanza, 1942 (na ed. argentina; a
ed. brasileira e de 1945); Terras do Sem-Fim, 1942; Säo Jorge das Ilhtus, e) mais recentemente, crönicas amaneiradas de costumes
1944; Bahia de Todos as Santos (guia turfstioo da. cidade), 1945; Seara provincianos ( Gabriela, Cravo e Canela, Dona Flor e Seus Dois
V ermelha, 1946; 0 Amor de Castro Alves, reeditado como 0 Amor do Maridos). Nessa linha, form am uma obra a parte, menos pelo
Soldado (teatro, 1947; 0 Munda ßa Paz, 1951; Os Suhterräneos espirito que pela inflexä:o academica da estilo, as novelas reuni-
da Liberdade, 3 vols., 1952; Gabriela, Cravo e Canela, 1958; Ve-
lhos Marinheiros (novelas), 1961; Os Pastores da Noite, 1964; "As
das em Os Velhos Marinheiros. Na ultima fase abandonam-se OS
Mortes e o Triunfo de Rosalinda", em Os Dez Mandamentos, 1965; Dona esquemas de literatura ideo16gica que nortearam os romances de
Flor e Seus Dois Maridas, 1967; Tenda das Milagres, 1970; Tieta do 30 e de 40; e tudo se dissolve no pitoresco, no "saboroso", no
Agreste, 1976. Consultar: Agripino Grieco, Genie Nova do Brasil, Rio, apimentado do regional.
JosC Olympio, 1935; OHvio Montenegro, 0 Romance Brasileiro, Rio, J.
Olympia, 1938; Nelson Werneck Sodf~, Orienta~öes do Pensamento Bra-
sileiro, Rio, Vecchi, 1942: Antönio C~ndido, Brigada Lif!.eira, S. Paula,
Martins, 1945; Alvaro Lins, Jarnal de Crltica, 5." sCrie, Rio, J. Olympio, trico Verissimo
1q47; Ado1fo Casais Monteiro, 0 Romance e os Seus Problemas, Lisboa,
Casa do Estudante do Brasil, 1950; Haroldo Bn1no. Estudos de Literatu- S6 hcl um romancista brasileiro que partilha com Jorge Ama-
ra Brasileira, Rio, 0 Cruzeiro, 1957; MiCcio Tati. Estudos e Notas Criti- do o exito maci~o junto ao publico: Erico Verfssimo ( 828 ). E,
cas, Rio, I. N. L., 1958; Joel Pontes, 0 Aprendiz de Critica, Rio, 1. N. L.,
1960: Mikio Tati. ,Tarpe Amado Vida e Ohra, Belo Horizonte ltatiaia,
1961; V:frios, Trinta Anos de Literatura, S. Paulo, Martins, 1961; Lufs ( 828) ER1co VERfSSIMO (Cruz Alta, Rio Grande do Sul, 1905 - P.
Costa Lima, "Jorge Am:J.do". em A Literatura no Brasil, 2.• ed., vol. V, 0 Alegre, 1975 ). Nascido no meio de uma famflia rica e tradicional que se
Modernismo (dir. Afr.3nio Coutinho), Rio, Ed. Sul Americana, 1970, pp. arruinou no comet;o do s&ulo, o escritor conheceu de perto o drama da
304-326; Walnice Galväo, Saco. de Gatas, S. Paula, Duas Cidades, 1976. decadencia, motivo de algumas das suas melhores paginas. Jovem, exerceu

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apesar disso, ou por isso ni~smo, 1i' sua obra tem conhecido amiU- comuns e, for~osamente, lugares-comuns da psicologia da coti-
de reservas da cr1tica mais sofisticada. A prop6sito, disse com diano. A aparente frouxidäo que advcio da f6rmula encontrada
acerto Wilson Martins: pareceu a certos leitores sinal de superficialidade. Mas era, na
Se, em geral, na hist6ria do Modernismo, o espetaculo mais verdade, o meio ideal de näo perder nenhum dos p6los de in-
comum e o de escritores superestimados (mesmo pelo que teriam teresse que atralam a personalidade de :Erico Verlssimo: o tem-
representado na eclosao ou na ~c;ä.o do Movimento), Erico Ve- po hist6rico do ambiente e o fluxo de consciencia das persona-
rissimo seria o exemplo Unlc~ do escritÖr subestimado, a espera dos gens. Caso o escritor se tivesse definido, de chofre, pelo mural
grandes ensaios criticos, das anB.lises exaustivas e do "reconheci-
mento" do que efetivamente representa ( 329). da vida provinciana, teria feito, desde o decenio de 30, o ciclo
epico que construiria nos anos de 50; caso se fixasse apenas na
Para compor a saga da pequena burguesia gaucha depois de espiritualidade das criaturas, teria esvaziado a sua fici;äo da car-
1930, o romancista buscou realizar um meio-termo entre a cr6ni- ga de conflitos objetivos que dela fizeram um dos mais Hmpidos
ca de costumes e a nota{äo intimista. A linguagem com que espelhos da vida sulina.
resolveu esse compromisso e discretamente impressionista, cami- Näo se trata, aqui, de fechar os olhos aos evidentes defei-
nhando por perfodos breves, justaposi~öes de sintaxe, palavras tos de fatura que mancham a prosa do romancista: repetic;öes
abusivas, incerteza na concepi;äo de protagonistas, uso conven-
profissöes de pequena classe media: foi ajudante de comerc10, bancario, cional da linguagem ... ; trata-se de compreender o nexo de in-
Iojista de farm<icia. Atrafram-no nesse tempo leituras irönicas e melanc6- teni;äo e forma que os seus romances lograram estabelecer quan-
licas: Machado, Swift, Shaw. Mudando-se em 1930 para Porto Alegre,
aproxima-se do expoente do Modernismo gaUcho, Augusto Meyer, que o do atingiram o social medio pelo psicol6gico medio. E era ne-
encaminhou para o jornalismo literario. 0 estreante firma seu nome com cess3rio que a nossa literatura conhecesse tambem a planfcie ou,
alguns contos que reuniria, em 1932, sob o tltulo de Fantoches, editados valha a met:ifora, as modestas eleva,öes da coxilha.
pela Globo, cuja revista entäo secretariava. De 33 ate o firn do decenio,
Verissimo compöe os romances do ciclo de Vasco e Clarissa, nos quais a A mediedade ( näo confundir com "mediocridade") dessa
critica logo reconheceu a presenr;a de certa ficr;äo inglesa e norte-america- fic,äo nos deu figuras humanas representativas, mas näo r!gidas.
na (Huxley, Dos Passos, Katherine Mansfield). Verdadeiros best-sellers, 0 frescor de Clarissa toda entregue a seus sonhos de adolescen-
os seus Iivros foram vertidos para as principais lfhguas cultas. Esteve di- te e incapaz de entender as razöes objetivas da infelicidade fa-
versas vezes nos Estados Unidos onde lecionou Iiteratura brasileira e
dirigiu um dos departamentos culturais da Organizai;äo dos Estados Ame- miliar; a rebeldia e o topete de Vasco, enxerto do imigrante re-
ricanos. Registros animados da vida yankee sao Gato Preto em Campo de jeitado no velho tronco em declinio; o mundo alienado do jo-
Neve e A Volta do Gato Preto. De 1948 a 1960, o escritor dedicou-se a vem intelectual pequeno-burgues que e Noel: tudo isso poderia
elaborar.;ao da trilogia da vida gallcha que e 0 Tempo e o Vento. Mais virar estere6tipo a qualquer momento, nä'o fasse o dom que
recentemente, escreveu romances que espelham tensöes politicas de nos-
sos dias. Obras de fic~äo: Fantoches, 1923; Clarissa, 1933; MUsica ao tem o escritor de colher com extrema naturalidade os estados de
Longe, 1935; Caminhos Cruzados, 1935; Um Lugar ao Sol, 1936; Olhai alma dlspares de cada personagem. E a tecnica do contraponto,
os Lirios do Campo, 1938; Saga, 1940; As Miios de Meu Filho, 1942; 0 aprendida em Huxley, veio ajuda-lo a passar rapidamente de uma
Resto e Silencio, 1943; Noite, 1954; 0 Tempo eo Vento. I. 0 Continente, situa~äo a outra, salvando-se de um escolho que lhe seria fatal:
1949; 0 Tempo eo Vento. II. 0 Retiizto, 1951; 0 Tempo eo Vento. III.
0 Arquipelago, 1961; 0 Senhor Embaixador, 1965; 0 Prisioneiro, 1967; 0 ter que submeter a analises mais profundas as tensöes inter-
Incidente em Antares, 1971. Consultar: Olivio Montenegro, 0 Romance nas dos protagonistas. Assim, o cronista feliz impediu que apa-
Brasileiro, cit.; Ros<irio Fusco, Vida Literllria, S. Paulo, Panorama, 1940; recesse um mau intimista.
Moises Vellinho, Letras da Provincia, Porto Alegre, Globo, 1944; Antönio
Cilndido, Brigada Ligeira, S. Paulo, Martins, 1945; AntOnio Quadros, Mo- Fruto da mesma intuii;äo das suas reais possibilidades cria-
dernos de Ontem e de Roje, Lisboa, Portug<ilia, 1947. V. tambem os es- doras, foi a passagem que Verlssimo realizou do corte sincröni-
tudos de AntOnio Olinto, Wilson Martins e Jean Roche, incluldos na co dos primeiros romances para o vasto painel diacrönico de 0
Ficr;äo Completa de E. V., organizada com a assistencia do autor para a
ed. Aguilar, em 1967; e Flavio Loureiro Chaves, Erico Verissimo: Reali- Tempo e o Vento. Neste ciclo o contraponto serve para apre-
dade e Sociedade, Porto Alegre, Giobo, 1976. sentar o jogo das gerai;öes: portugueses e castelhanos nos tem-
(329) Ern 0 Modernismo, cit., p. 295. pos coloniais; farrapos e imperiais durante as lutas separatistas;

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maragatos e florianistas s_o9 a RC'\!olta da Armada, em 1893. A A sabia dosagem de proximidade e disdncia do narrador em
histCria de duas famllias, Os Terra Cambara e os Amaral, atra- face dos seres da fic~äo e 0 pressuposto do neo-realismo de MaP-
vessando dois seculos de vida perigosa, e 0 fio romanesco que ques Rebelo e a chave de uma obra que testemunha o pov'?,
une os epis6dios do ciclo e embasa as manifesta~öes de orgulho, sem populismo, e fixa as angllstias do homem da rua sem a mats
de 6dio, de amor e de fidelidade; paixöes que assumem uma di- leve ret6rica. Repito, e uma arte dificil e, na sua simplicidade,
mensio transindividual e fundem~ na hist6ria maior da co- uma arte classica.
munidade. ' ' · A matriz dessa narra~äo objetiva e lirica. Porque a hist6-
Nos seus livros mais recentes, 0 Prisioneiro e 0 Senhor ria da cidade que a alimenta faz um todo com o passado do es-
Embaixador, Verfssimo afasta-se da tem3tica sulina e volta-se critor. O Rio de Janeiro, com toda a sua modernidade interna-
para um tipo novo de romance, politico-internacional, manten- cional de centro turistico, conservou por longo tempo faixas de
do, porem, intacto aquele seu dlido liberalismo socializante, que vida suburbana, estratificada, pr6pria de uma classe media que
e a suma ideol6gica da rela~äo que sempre estabeleceu com 0 remonta aos tempos de D. Joäo VI. A revolu,äo industrial e o
pr6ximo. frenesi imobili3rio atacaram de rijo a orla das praias, mas s6 len-
tamente foram alterando a fisionomia da zona dos morros. Ai
vegetavam bairros que, se dependiam dos neg6cio~ e da hure:
Marques Rebelo ('") cracia do centro, negaceavam a _integrar-se no espir1to merca~til
e cosmopolita da nova cidade. Marques Rebelo e um nostalg1co
Na fic~äo de Marques Rebelo cumpre-se uma promessa que dos tempos mais simples, mais "naturais", que coincidiram com
o Modernismo de 22 apenas come~ara a realizar: a da prosa ur- a sua infä.ncia no come~o do seculo. Mas, sendci um lirico do rea-
bana moderna. Com a diferen~a notavel de que o escritor ca- lismo de 30, mantem uma sutil separa~äo entre os planos do eu
rioca näo rompeu os Harnes com a tradi<;äo do nosso melhor rea- e da realidade. E acompanha com admiravel argucia os confli-
lismo citadino. A sua obra insere-se, pelos temas e por alguns tos, as frustra~öes e as renovadas esperan~as daquelas gera~öes mo-
tra~os de estilo, na linha de Manuel Antonio de Almeida (de destas que se ralam para sobreviver em uma sociedade cada vez
quem escreveu uma viva biografia), de Mochado de Assis e de mais lacerada pela competi,äo.
Lima Barreto. Com eles o autor de Oscarina aprendeu a ma- , O lirico esconde-se nas dobras do narrador de epis6dios in-
nejar os processos diffceis do distanciamentO, o que lhe permi- fantis ( "Caso de Mentira", "Circa de Coelhinhos") e na evo-
tir3 contar os seus casos da inffincia e do cotidiano com uma cava,äo de destinos malogrados ("A Mudan~a", "Um Destino").
objetividade tal que a ironia e a pena difusas näo o arrastariam A certeza de uma perda precoce esta no subsolo da crönica miu-
ao transbordamento rom3ntico.

( 330) MARQUES REBELO ( pseudönimo de Edi Dias da Cruz, Rio, tence 8 Academia Brasileira de Letras. Obra de fic~äo: Oscarina, 1931;
1907-1973 ). Passou a infäncia parte em Vila Isabel e no Trapicheiro, bairros Trh Caminhos, 1933; Marafa, 193'; A Estrela Sobe, 1938; Stela me Abriu
cariocas, parte em Barbacena onde f&e o curso prim3rio. Terminados os a Porta, 1942; 0 Espelho Partido. I. 0 Trapicheiro, 1959; 0 Espelho Par-
preparat6rios, ingressou na Faculdade, de Medicina, mas logo abandonou tido.' II. A Mudanfa, 1963; 0 Espelho Partido. III. A Guerra Estd em
o curso para trabalhar no comCrcio. Viajou entäo por todo o pafs e man- N6s, 1969. Consultar: Agripino Grieco, Gente Nova do Brasil, Rio, J.
tir3 contar os seus casos de inf3ncia e do cotidiano com uma Olym.pio, 193.5; Tristäo de Atafde, Estudos, .5.• sCrie, Rio, Civiliza~äo Bra-
primeiro 1ivro de contos, Oscarina ( 1931 ), foi recebido com aplauso pela sileira, 193.5; Alvaro Lins, Jornal de Critica, 3! sCrie, Rio, JosC Olymi;>io,
melhor crftica do tempo. Pr_ofundamente vinculado a paisagem moral do 1944; Mario de Andrade, 0 Empalhador de Passarinho, S. Paula, MartJ.ns,
Rio, e especialmente do Rio de classe mCdia da Zona Norte, M. Rebelo 1946; Auguste dos Santos Abranches, Um ~etrato de M~rquer Rebelo,
continuou explorando Iiterariamente o seu mundo em contos e romances Rio, MinistCrio da Educa~o, 1959; Ott.o Maria Carpeaux, ~tvros na Jrf.c1a,
escritos nos decf:nios de 30 e 40. De suas viagens pela Europa trouxe dois Rio, Livraria S. JosC, 1960. Cavalcanu Proen~, Introdu~ao a Orcarzna e
livros de crOnicas, Cortina de Ferro e Correio Europeu. Voltando ao ro- Tres Caminhos incl. na Ed. de Ouro Chissicos Brasileiros, Rio, 1966; Re-
mance, vem publicando partes de um vasto di3rio-narra~äo sob o tfntlo nard Perez, E;critores Brasileiror. Co~tempor4neos, 1.• s6-ie, Rio, Civiliza-
gcral de 0 Erpelho Partido de que j! safram trCs volumes. 0 escritor per- täo Brasileira, 1960.

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r da dos pequenos funciona.rit>s, d~ donas-de-casa sem roste nem nadas da civilizar;äo contemporilnea. A sua v1sao do mundo fi-
idade, dos rapazes abafados ·em empregos humildes. Dal,, o c~n­ cou marcada pelos ritmos de uma Paris m.itica visitada antes e
,,1 traponto da infäncia, paraiso de jogo e liber<lade, e a rouna c1i:- Jepois da Primeira Guerra: centro nervoso da arte, encruzilhada
zenta do adulte. Dos contos ou "romances inacabados" de Tres de todas as poeticas, de todas as ideologias. Algo daquela fe-
Caminhos, que falam de crian<;as e de adolescentes, diria o _aut~r, bre da Ultimo Decadentismo europeu aquece os ambientes e acio-
resumindo a sua concepc;äo de vida~"Se näo os prossegu1, nao na as personagens do narrador que, sem dllvida, foi a voz "dife-
foi por negligencia ou incapabdade. Falou mais forte a pieda- rente" no coro do romance brasileiro das decadas de 30 e 40.
de de näo lhes dar destinos." Mas os mitos do rnenino sobre- E, na verdade, os livros de Jose Geraldo Vieira säo os mais
vivem na evasäo do adulte: e seräo o her6i do futebol, o sam- cosmopolitas que j:i se escreveram em lingua portuguesa. Pro-
bista das rnassas, a diva do nidio (A Estrela Sobe). sa cortada por transcrir;öes de anUncios luminosos, por nomes
Esses os temas, sobriamente trabaihados na prosa tensa e de artigos franceses e ingleses e por um sem-nllmero de neolo-
lirnpa de Marques Rebelo. gismos, cita~öes eruditas e referencias te<:nicas, e1a e uma len-
As rafzes memorialistas ainda repontam com vigor na serte te de aumento da linguagem do burgues culto e sofisticado que
do Espelho Partido para a qua] o narrador escolheu a estrutura respira ondas contfnuas e crescentes de informar;äo.
do diario. No quadro do romance brasileiro de boje, 0 Espelho Mas o seu refinamento vai mais fundo e chega mais longe
Partido significa a opc;äo de um intimismo que näo pode nem enquanto molda criaturas extremamente instaveis e nervosas, in-
quer desgarrar-se da paisagem que lhe deu orige·m. Por isso, a capazes de situar e de resolver os seus conflitos fora das qua-
dispersäo que compartilha corn todos os diarios e de certo modo dros culturais da literatura e da arte, sua segunda e definitiva
"corrigida" pela unidade de ]ugar e de tempo que lhe conferem natureza. A beran,a da belle epoque, do art nouveau, e senslvel
a cidade e a gera,äo de Marques Rebelo. na constru~äo de sua obra; mas seria precipitado classificar de
"mundano" um romance como A Ladeira da Mem6ria onde ha
lugar para vigorosos lances existenciais.
Jose Geraldo Vieira A posi,äo de Jose Geraldo Vieira em nossa literatura, e,
assim, marginal. Sem duvida, e mais facil opö-lo aos regionalis-
Tarnbern de extra,äo urbana e a obra ficcional de Jose Ge- tas que situ::i-lo pacificamente entre os intimistas como LUcio
raldo Vieira ( 331 ), mas num sentido oposto ao de Marques Cardoso e Cornelio Pena. Porque ha nele, alem de "tomadas"
Rebelo. introspectivas, uma ambi-;äo, nem sempre realizada, mas agui-
No romancista de A Quadragesima Porta sentimos o homem lhoante, de revolucionar a estrutura do gblero romance entre
fascinado pela atmosfera da cidade grande enquanto lugar geo- n6s e faze-Ia surpreendente como um painel entre impressionis-
mftrico das angllstias e das experifncias intelectuais mais refi- ta ~ cubista. Para tanto, joga com os planos da realidade pre-
sente e do passado e arma simbolos que os unifiquem. 0 Alba-

(328) JosE GERALDO MANUEL GEaMANo CoRREIA V1EIRA MACHAno


DA CoSTA (Rio, 1897-1977). De pais a~orianos. Passou a infäncia e a traduzir, em um ritmo intenso, o melhor da fic~ europeia e norte-ame-
primeira juventude no Rio de Janeiro onde se formou em Medicina. Co- ricana: Stendhal, Tolst6i, Dostoievski, Joyce, Pirandello, Steinheck ... E
tem exercido com assiduidade a crltica literMia e artfstica. Fi~o: A Mu-
nheceu de perto os remanescentes do Parnaso e do Simbolismo que ani-
mavam a vida liter<lria carioca antes da afirma~ao modernista; seus pri- lher que Fugiu de Sodoma, 1933; Territ6rio Humano, 1936; A Quad~a­
meiros livros traem 0 penumbrismo da belle epoque em dissolw;lio; um gessima Porta, 1943; A TUnica e os Dados, 1947; A Ladeira da Mem6rta,
wildeano poema em prosa, Triste Epigrama (1919) e os contos de Ronda 1950; 0 Albatroz, 1952; Terreno Baldio, 1961; Parale/o 16: Brasllia, 196!'.
da Deslumbramento ( 1922). De 1920 a 1922 estudou radiologia em Paris Consultar: SC:rgio Milliet, DiQrio Critico, II, Brasiliense, 1945; AntOnto
e em Berlim, viajando depois por quase toda a Europa. De volta ao Bra- Cindido, Brigada Ligeira, S. Paulo, Martins, 1945; Alvaro Lins, Jornal de
sil, partilhou a sua vida entre a medicina e a literatura de fic~ao, no pe- Critica, 4_• s&ie, Rio, ]. Olympio, 1946; Renard Pe.rez, Escritores Brasilei·
rfodo que passou no Rio e na cidade paulista de Marilia, mas optou defi- ros Contempordneos, i.• s6-ie, Rio, Civ. Brasileira, 1960; Adonia.5 _Filho,
nitivamente pela segunda ao estabelecer-se em S. Paulo. Pö-se ent3.o a 0 Romance Brasileiro de 30, Rio, Bloch, 1969.

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troz foi, nesse particular, ;t.-ßua exfleriencia narrativa mais feliz, cna,ao de atmosferas de pesadelo. Mas a f6rmula naturalista
enquanto logrou fixar uma ·constante psicol6gica ( a dar causa- que elegera para o livro de estrCia foi, para ele, um engano cul-
da pela perda de seres amados) atraves de uma complexa hist6- tural, de resto explicc:ivel naqueles anos em que os melhores ro-
'• riä de gera~öes. Ern outro romance, centrado intencionalmente mances se chamavam Cacau, Os Corumbas, Menino de Enge-
na estrutura, A T Unica e os Dadas) a inova\'.äO faz-se na esfera nho... Equivoco logo desfeito: ja em 1936, com A Luz no
da sincronia: no breve corte de teliiPO- de uma Semana Santa, Subsolo, o escritor se definiria pelo romance de sondagem inte-
transcorrida numa cidade do 1iriter!or, na capital paulista e em rior a que lograria dar uma rara densidade poetica.
Santos, justapöem-se OS dramas de varios figurantes e, a certa al- Lucio Cardoso e Cornelio Pena foram talvez OS unicos nar-
tura, a coexistencia e fixada graficamente pela divisäo vertical radores brasileiros da decada de 30 capazes de aproveitar suges-
da p.igina em duas colunas nas quais se narram, paralelamente, töes do surrealismo sem perder de vista a paisagem moral da pro-
os sonhos de duas personagens. Ja o ponto alto de Terreno Bal- vincia que entra como clima nos seus romances. A decadencia
dio foi atingido pela fixa,iio de Paris ocupada pelos nazistas e das velhas fazendas e a modorra dos burgos interioranos com-
vista pelo angulo de um par amoroso de psicologia tipicamente pöem atmosferas im6veis e pesadas onde se moveräo aquelas suas
moderna, citadina e culta ate a sofistica,iio. Enfim, em Parale- criaturas ins6litas, oprimidas por angllstias e fixa~öes que o des-
lo 16: Brasilia, o narrador apanha um momento aureo da vida
nacional: o tempo de euforia que envolveu a funda,iio da nova poesia; o conhecimento de Augusto Prederico Schmidt, que iniciava a sua
capital. A linguagem carrega-se ai daquele jargiio burocratico, carreira de editor, abriu-lhe a possibilidade de editar Maleita, romance cal-
eivado de siglas, que parece ser uma das fatalidades da era tecno- cado nas ~gruras do pai em Pirapora, e, em parte, preso ao ciclo regionalista
crcitica. 0 que, somado ao Iexico internacional do autor, vem que se af1rmava naqueles anos. Nas obras seguintes L. C. cncontraria o
pr6prio caminho, a intros~äo e a analise. Viveu quase sempre no Rio
confirmar o car8.ter moderno e "metropolitano" da sua fic~äo. onde tentou, oom menor exito, o teatro e o cinema. Manteve-se at~ A mor·
Radicalizando as pr6prias qualidades de atento observador, te ligado a alguns escritores que se definiram, nos anos de 30, espiritua-
Jose Geraldo Vieira tende a construir um romance substantiva- listas e cat6licos: Otiivio de Paria, Jorge de Lima, ComClio Pena, Vin1cius
mente cheio, näo raro em prejufzo da nitidez dos caracteres e da de Moraes. Nos Ultimos anos, paralisado por um derrame, näo lhe foi
mais posslvel escrever: voltou-se entäo para a pintura tendo composto.
trama. Pode-se dizer que esse tra~o vem att encontro da prosa perto de quinhentas telas de filia~äo surrealista e expr~ionista. Deixou'
vanguardeira, como o nouveau roman, nominal, descritivo, an- in&lito 0 Viajante, romance. Fic~o: Maleita, 1934; Sa/gueiro, 1935; A
tipsicol6gico; o que nä:o lavra, por for\a, um tento estCtico, so- Luz no Subsolo, 1936; 'Miios Vazias, 1938; Hist6rias da Lagoa Grande,
bretudo quando a tendencia atua a revelia do equilibrio interno 1939; 0 D'!conhecido, 1940; Dias Perdidos, 1943; Inacio, 1946; O Anfi-
teatro, 1946; A Professora Hilda, 1946; 0 En/eitifado, 1954; Cr6nic4 da
da estrutura ficcional. Casa Assassinada, 1959. Poesias: 1941; Novas Poesias, 1944. Teatro: 0
Escravo, 1937 ~repr. em 1943); 0 Coraräo De/ator, s. d.; A Corda de Pra-
ta, 1947; 0 Fzlho Pr6digo, 1947; Ang.!lica, 1950. Diario: Diario, I, 1960.
Lucio Cardoso ('32) Consultar: Agripino Grieco, Genie Nov4 do Brasil, Rio, JosC Olympia,
1935; Otivio de Paria, Dois Poetas, Rio, Ariel, 1935; Adonias Pilho, "Os
Romances de LUcio Cardoso", in Cadernos da Hora Presente, n.• 4, set.
Desde Maleita, hist6ria de um construtor perdido numa po- de 1939; Alvaro Lins, ]ornal de Cri~ica, I.• sCrie, Rio, J. Olympia, 1941;
cilga do sertä:o mineiro, Lllcio Cardoso revelava pendor para a Nelson Werneck SodrC, Orienta(Öes do Pensamento Brasileiro, Rio, Vecchi,
1942; Alvaro Lins, Jornal de Crltica, 6.• sCrie, Rio, J. Olympio, 1951; R0-
berto Alvim Correia, 0 Mito de Prometeu, Rio, Agir, 1951; Renard Pc-
(332) Lüc10 CARDOSO (Curvelo, Minas Gerais, 1913 - Rio, 1968). rez, Escritores Brasileiros Contemporäneos, 2.• sCrie, Rio, Civ. Bras., 1964;
Passau a inf3.ncia em Belo Horizonte onde fez o curso primario. Consta M. Cavalcanti Proen~a. lntrodui;äo 8 2.• ed. de Maleita, Rio, Edic;Oes de
que revelou muito cedo aptidäo para as artes e, em particular, para a mll- Ouro, 1967; Marcos Konder Reis, "A Terceira Pessoa", em Tres Hist6rias
sica. Cursou o ginäsio na capital mineira e no Rio para onde se transfe- da Cidade ( reed. de In3.cio, 0 Anfiteatro, 0 Enfeiti~ado). Rio, Bloch,
rira com a mäe e os irmäos. 0 pai, esplrito aventureiro, desbravador de 1969; Maria Alice Barroso, "LUcio Cardoso e o Mito", em Tres Hist6ria
sertöes e fundador de cidades, ficara em Minas. LUcio ainda näo comple- de Provfncia ( reed. de Mäos Vazias, 0 Desconhecido, A Professora Hilda)
tara vinte anos e ja tinha na gaveta centenas de päginas de prosa e de Rio, Bloch, 1969. '

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tino afinal consumara e!ll at9s imediatamente gratuitos, mas ne-
cess3.rios dentro da "l6gicci poetica" da trama. 0 leitor estra- da, capaz de canverter o descritiva em onfrico c adensar 0 psi-
) nha, a primeira leitura, certa imotiva\äo na conduta daS persona- col6gico no existencial:
gens. E que os vinculos rotineiros de causa e efeito estäo afrou- Que e 0 para sempre senäo 0 existir contfnuo e lfqüido de tu-
xados nesse tipo de narrativa, j::i distante da mero relato psico- do aquilo quc C hberto da cootingCncia, que se transforma, evo-
e
l6gico. LU.cio Cardoso näo um 111emortalista, mas um inventor lui e des3gua sem cessar em praias de sensa~ tam.b6n mutiveis?
de totalidades existenciais. Nio faz ~encos de atitudes ilhadas: lolitil escooder: o para sempre all se achava diante dos mCllS olhos.
Um minuto ainda, apenas um minuto - c tam.Mm estc cscorregaria.
postula estados globais, religiosos, de grac;a e de pecado. Ern longc do mcu esfor9) para capt.3-lo, cnquanto eu mesmo, tamb6n
nota a Professora Hi/da, ele escreveu a respeito das personagens: para sempre, escorrcria e passaria - c comigo, como uma carga de
detritos sem sentidos e scm chama, tamb6n cscoaria para sempre
o que ndes me interessa, o que quis mostrar nos seus destinos meu amor, meu tormento e atC mesmo minha pr6pria fidelidade.
atormenrados foi a for~a selvagem com que foram arrastados para Sim, que C para sempre senäo a Ultima imagem destc mundo -
lange da vida comum, sem apoio na esperan~, sem fC numa outra niio exclusivamente destc, mas de qualquer mundo que sc cnovcle
vida, cegos e obstinados contra a presen~ do MistCrio. numa arquitetura de sonho e de permanCncia - a figura9lo de nos-
Pois 0 MistCrio e a Unica realidade deste mundo. E, SC dele sos jogos e prazeres, de nossos achaques e medos, de nossos am<>
temos täo grande necessidade, C para näo morrer do conhedmento res e de nossas trair;öes - a for~ enfim que modcla näo esse que
dos nossos pr6prios limites, como as criaturas loucas e martirizadas somos diariamentc, mas o possfvel, o constantementc inatingido, quc
a quc tentei dar vida. perscguimos como sc acompanha o rastro de um amor quc näo se
consegue, c que afinal 6 apenas a lembran~ de um bem. pcrdido -
quando? - num lugar que ignoramos, mas cuja perda nos punge,
Obra pela qua! perpassa um sopra de romantismo radical, e nos arrebata, totais, a esse nada ou a esse tudo inflamado, iojus-
algo digno de Emily Bronte, cujos poemas Lucio Cardoso tradu- to ou justo, onde para sempre nos confundimos ao geral, ao abeolu-
ziu em versos musicais, a Cr6nica da Casa Assassinada fixa as to, ao perfeito de quc tanto carecemos.
angllstias de um amor que se cre incestuoSo. 0 romancista su- ( "Diario de Ancltt")
pera, nessa obra-prima, a indefini\äo que ä.s vezes debilitava a
estrutura das suas primeiras experiencias, e lan\a-se 3 reconstru- Quando a tensio "para dentro" chega a seu limite, o fluxo
c;ao admiravel do clima de morbidez que etlvolve os ambientes da consciencia recupera es imagens da natureza ( liqüido, chama,
( quem esquecera o fundo esverdinhado da velha chacara onde ha praia, treva ... ) como slmbolo e metafora. E come<;a a ser pc-
mofo e sangue? ) e os seres ( indelevel, a figura de Nina, atraida noso distinguir a prosa da poesia.
pela vertigem da dissoluc;äo no pr6prio eros ) .
Refina-se na Cr6nica o processo de caracteriza~äo. Ern vez
de referencias diretas, säo as cartas, os di3rios e as confissöes das Comelio Pena
pessoas que conheceram a protagonista ( e dela pr6pria) que väo
entrar coma partes estruturais da livra. A tragfdia de um ser Maria de Andrade, comentando as primeiras obras de Cor-
passa a refletir-se na coro das testemunhas; e estas percorrem nelio Pena ( 333 ) charnou-as "romances de um antiqu3rio". Se o
a v3ria gama de rea\Öes, que vai da" febre amorosa ao 6dio, deste
ß. indiferefl\3 Oll ao jufzo canvencianal. Ü "casa" psicana}ftico (333) CoRNELIO DE ÜLIVEIRA PENA (Petr6polis, 1896 - Rio, 1958).
sai, partanta, da beca da auto-an3lise e assume dimensöes fami- Passau a primeira infincia em ltabira do Mato Dentro, Minas Gerais, foo-
liares e grupais. te constante de sugestöes para o ambiente de seus romanccs. Cursou Di-
Lucio Cardoso se encaminbava, nessa fase madura da sua reito cm S. Paulo ( 1914-19), pedodo em que faz jornalismo academico c
com~ a pintar. Transferindo-se para o Rio, viveu como redator c ilus-
carreira de artista, para urna forma complexa de ramance em trador de 0 Combate e 0 Jornal, e, desde 1927, como funcioruirio do Mi-
que o introspectivo, o atmosferica e o sensorial näo rnais se jus- nistCrio da Justi~. Uma cxposil;iio de pintura realizada em 1928 abrc-lhe
tapusessem mas se combinassem no nfvel de uma escritura cerra- as portas da Sociedade Brasileira de Belas-Artes, justamcnte quando o ar-
tista dcclara em pU.blico que näo mais pintaria. De fato, a partir de 1930,
dcdicar-se-ia a elabora~ da sua obra literaria. Estevc ligado 80li cscrito-
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grande poeta estivesse- vivo.~andÖse publicou A Menina Morta, zar de um romance? Talvez s6 a estrutura interna da narra~äo
teria confirmada em cheio a sua intuic;äo crftica. Pois Cornelio possa dizer se criaturas fantasmais, postas a margem a certa al-
Pena, que dera em Fronteira, um grande passo para que a nos- tura, deveriam au näo ter comparecido as p3ginas da ficc;äo. Em
sa ficc;äo pudesse transcender o registro psicol6gico bruto, sabe- Fronteira e no romance seguinte elas revelam a possibilidade
ria reconstruir em A Menina Morta o pequeno munde antigo em mesma do imprevisto na trama da vida. Se näo fossem "gratui-
que mergulhavam as rafzes das s;t.:1?-S' ntr61iS"singulares inveni;öes. tos", o Viajante e Ela acabariam enxertando-se no enredo e assu-
A par<ibola do romancista parecera estranha: primeiro, a miriam aquele quantum de verossimilhanl'a que Maria de Andra-
conquista de um horizonte supra-real; depois, a recuperac;äo da de parecia ainda exigir do processo narrativo. Mas se o romance
ambiencia hist6rica. Quer dizer: ele näo passou do habitual ao de Cornelio Pena desenrola-se no ritmo da sonho, entäo ha lu-
ins6lito, do psfquico ao rnetapsiquico, do observado ao imagi- gar para seres que näo tenham outra corporeidade alem da pr6-
n<lrio. Fez o caminho inverso, comunicou com prioridade o que pria e fugidia imagem. E e ele mesmo quem nos socorre, nas
o pressionava com maior insistencia: a estranheza das relac;öes paginas de abertura de Fronteira quando pöe na boca da persona-
entre os homens, ~ fronteira incerta entre o normal e o aberran- gem expressöes que definem a genese psicol6gica da seu ato de
te, a larga margem de misterio que pode subsistir na mais banal narrar: "intensa e confusa recordai;äo", "mem6ria preguii;:osa",
das rotinas familiares. E essa percep\'äO nova da dia-a-dia que "sonho sufocante" ...
tornou realmente originais os seres de Fronteira e das Dois Ro- Mais tarde, o Cornelio Pena visionario e vago optaria pelo
mances de Nico Horta. A dosagem de segredo pareceu arbitr:i-
caminho da evoca~äo miuda e determinada. A Menina Morta e
ria a Mcirio de Andrade que, no artigo rnencionado, desabafava:
um romance de atmosfera mas, ao mesmo tempo, um conjunto
Em Fronteira surgia um Viajante, ser misterioso, inexplic3vel, absolutamente coeso e verossimil. 0 efeito de misterio que dele
que aparece e desaparece, especie de simbolo intangfvel que o ro- se depreende näo se deve a intrusöes aleat6rias de seres embru-
mancista fez questäo em näo nos explicar quem era. 0 pior e que xados, mas a pr6pria realidade material e moral de uma fazenda
na realidade esse viajante näo aumentava nada ao drama intrinseco as margens da Parafba e as vesperas da Aboli,ao.
do livro. Da mesma forma, neste romance novo (Nico Horta),
surge a horas tantas uma Eia que aparecc e desaparece, e näo 0 "documenta" e täo rico nesse particular que Augusto Fre-
tem por onde se lhe pegue. Du1ante algum tempa a gente ainda derico Schmidt pöde dizer: "Niio se tera escrito sobre a escravi-
se dispersa, interessado em interpretar essas. assombrar;öes, possi- däo no Brasil, ate hoje, nada mais impressionante da que al-
velmente simb6licas, mas fo~a e concluir que elas näo influem ba-
sicamente em nada, nada justificam, nada condicionam (0 Empa- guns das capitulos de A Menina Morta" ( 884 ).
lhador, eil., pp. 123-124 ). No interior de um solar opulento mas s6brio, que Cornelio
Pena descreve com zelos de miniaturista, a menina que, viva, fo-
0 problema crftico armado nessas linhas e das mais espi- ra esperanc;:a de paz junto aos escravos, morta e presenc;a numi-
nhosos. Ate que ponto vale o criterio de coerencia para se ajui- nosa; e acabara por sobreviver na alma da irmä, ser complexo e
solitario, a quem seria dado assistir ao declfnio inexoravel da
res cat6licos do Rio, Tristäo de Atafde, ~Udo Cardoso, Ot:lvio de Paria ... , fazenda.
que logo reconheceram a originalidade da sua fic~äo. Obra: Fronteira, 1935i
Doi.r Romances de Nico Horta, 1939; Repouso, 1948; A Menina Morta, A poesia desta grande obra esta precisamente na redu~iio
1954. Consultar: M:lrio de Andrade, 0 Empalhador de Passarinho, S. Pau- de um mar de imagens ii atmosfera de dar e de opressäo que a
la, Martins, 1945; Adonias Filho, "Os Romances da Humanidade", em
Romances Completos de Cornelio Pena, Rio, Aguilar, 1958; nesta cdi~äo, ausCncia da menina provoca em cada personagem. Corno uma
v. tambem os ensaios de Ledo Ivo, Tristäo de Ataide, S<!rgio Milliet, A. F. luz que se sabe para sempre apagada e cuja lembran,a alumia
Schmidt e Murilo AraUjo; Maria Aparecida Santilli, "AngUstia e Fant:ls- apenas o desolamento do que restou.
tico no Romance de Cornelio Pena", in Revista de Letras, n. 0 5, Assis,
1964; Antönio Cindido e J. Aderaldo Castello, "CornClio Pena", cm Pre-
sen~a da Literatura Brarileira, 3.• ecL, S. Paulo, Dif. Eur. do Livro, 1968,
( 334) No artigo "O Anjo entre os Escravos" ( Co"eio da Manhä,
vol. III; Luiz Costa Lima, A Perversäo do Trapezista, Rio, Imago, 1977. 27-2-55).

470 471
Na fazenda do Gfotäci; desetl-ada pouco a pouco pelos es- elegäncia simples e cl:issica. A condii;äo de memorialista, que se
cravos, pelos parentes, pelos herdeiros, a fidelidade de Carlota impunha desde 0 Amanuense BelmirB, trouxe-o enfim de volta
faz ressurgir a menina morta e da um sentido de perenidade a a crönica da infäncia que säo as suas estim:iveis Exploraröes no
uma hist6ria que fala de um mundo em dissolu~iio. Tempo.
De Otavio de Faria ( 336 ) a crltica ja tera dito o essencial:
Outros narradores intimistas •
"criador de almas", mas escritor literariamente falho. A publi-
ca,iio seguida dos volumes do seu roman-fleuve, A Tragedia Bur-
guesa, tem confirmado esse juizo. 0 drama das consciencias atri-
Nero sempre a introspeci;äo romanesca mergulha nas zonas buladas, divididas entre o pecado e o ideal de santidade, daria
do sonho e do irreal. Pode deter-se na mem6ria da infäncia ou materia para vigorosos romances intimistas, caso o escritor fasse
fixar-se em estados de alma recorrentes no indivfduo, sem que capaz daquela contensäo estilfstica de um Mauriac ou de um Ju-
o processo implique necessariamente em transfigurai;äo. A lite- lien Green, narradores que lhe siio afins. Mas ha uma tal dis-
ratura visionOria contrapös Jung a literatura psicol6gica, inclina- persäo expressional nos seus Ultimos livros que os conflitos mo-
da a minuciosa marcai;äo da consciencia, atenta ao verossfmil e rais näo logram caracterizar-se e perdem·se na enxurrada de di3.-
pr6xima dos modelos j:i cl:issicos, de realismo interior (Tchecov, logos frouxos e anotai;öes psicol6gicas banais.
Machado de Assis, Katherine Mansfield ... ) . Os quais, por sua
vez, ao insistirem na descrii;äo das faixas "crepusculares" da alma Quem apreciou certos momentos felizes naquela hist6ria de
humana, abririam caminho para a conversäo do realismo no su- meninos angustiados pelo sexo, que e Mundas Mortos, e leu com
pra-realismo. ' admira~iio as ultimas paginas de Caminhos da Vida, niio deixara
de lamentar a queda formal que se deu nas obras seguintes onde
Romances de educa>iio sentimental siio 0 Amanuense Bel- tiio descompassados andam inten~iio e fatura. E mais deplora
miro e Abdias de Cyro dos Anjos ( 335 ). Ern ambos o escritor ainda a carencia de equilfbrio e de senso construtivo quando sen~
mineiro narra, em primeira pessoa, menos a vida que as suas res- te que as ambii;öes do autor, se realizadas, o situariam num lu-
sonäncias na alma de homens voltados para si mesmos, refrat:i- gar privilegiado no romance contemporäneo. A Tragedia Bur-
rios a ai;äo, flutuantes entre o desejo e a inCrcia, entre o projeto guesa poderia ser o painel da grande cidade apreendida na exis-
veleit:irio e a melancolia da impotencia. 0 di:irio e a estrutura tencia de jovens sem raizes, enovelados no dia-a-dia das suas
latente desse tipo de narra~iio. E o enredo · tende a perder os
contornos, as divisöes nftidas, e a diluir-se no fluxo da mem6ria
que vai evocando os 'acontecimentos. Para configurar essa reali- (336) ÜCTAVIO DE PARIA (Rio de Janeiro, 1908). Fic~äo: Mundos
dade aparentemente em mudani;a, mas, no fundo, est:itica e re- Mortos, 1937 (ed. modificada, 1962); Os Caminhos da Vida, 1939; 0 Lo-
petitiva, Cyro dos Anjos näo privilegiou o mon6logo interior: do das Ruas, 1942; 0 Anjo de Pedra, 1944; Os Renegados, 1947; Os Lou-
preferiu trabalhar com os recursos tradicionais do dialogo, do cos, 1952; 0 Senhor do Mundo, 1957; 0 Retrato da Morte, 1961; Angela
ou as Areias do Mundo, 1963; A Sombra de Deus, 1966; 0 Cavaleiro da
relato irönico, da an:ilise. sentimental; processos a que se ajusta Virgem, 1971; 0 Indigno, 1976. Todes os romances subordinam-se ao tl-
com perfei~iio a prosa que elegeu· para toda a sua obra: de uma tulo geral de Tragedia Burguesa. Ensaio: Machiavel e o Brasil, 1931; Des-
tino do Socialismo, 1933; Dois Poetas, 1935; Fronteiras da Santidade,
1940; Significa(ilo do Par-West, 1952. Consultar: Alvaro Lins, ]ornal de
(335) CYRO VERSIANI DOS ANJOS (Montes Claros, Minas Gerais, Critica, L" serie, Rio, Jose Olympia, 1941; ]ornal de Critica, 2.a serie, Rio,
1906). Fic~äo: 0 Amanuense Belmiro, 1937; Abdias, 1945; Montanha, Jose Olympia, 1943; Afonso Arinos de Mello Franco, Mar de Sargafos,
1956. Ensaio: A Criafiio Literdria, 1954. Mem6rias: Exploraföes no Tem- S. Paula, Martins, 1944; M<irio de Andrade, 0 Empalhador de Passari-
po, 1952. Poesia: Poemas Corondrios, 1964. Consultar: AntOnio Cfilidi- nho, S. Paulo, Martins, 1946; Paula Hecker Filho, A Alguma Verdade,
do, Brigada Ligeira, S. Paula, Martins, 1945; Adolfo Casais Monteiro, 0 P. Alegre, s. e., 1952; Olfvio Montenegro, 0 Romance Brasileiro, 2.• ed.,
Romance e Seus Problemas, Lisboa, Casa do Estudante do Brasil, 1950; Rio, J. Olympia, 1953; Joel Pontes, 0 Aprendiz de Critica, Recife, Depto.
Eduardo Frieiro, PJginas de Critica, B. Horizonte, Itatiaia, 1955; Eduardo de Documenta~äo e Cultura, 1955; Adonias Filho, Modernos Ficcionistas
Portella, Dimensöes, I, Rio, Jose Olympio, 1958; Miecio Tati, Ertudos e Brasileiros, Rio, 0 Cruzeiro, 1958; M. Tereza Sadek, Machiavel, Machia-
Notas Criticas, Rio, I. N. L., 1958. veis. A Tragelia Octaviana, S. Paula, Simbolo, 1978.

472 473
aventuras afetivas e inre1e~tuais:'... Poderia ser o romance capaz
T !
·1 nas, de 1973, desenhou o perfil de um momento da vida brasi-
de transpO! para Uffi plano etico e teligioso OS conflitos de mi- '
1
leira, em que 0 fantasrna das guerrilhas e apreendido no cotidia-
}hares de rapazes e moc;as que respiram a "mundanidade" decaida ~ no de estudantes burguesas.
da condi,ao burguesa. Mas para tanto faltou-lhe um mlnimo de 1

De Elisa Lispector, um romance como 0 Muro de Pedras


formalizac;äo artistica que teria unificado aquela vasta dispersa
1nateria de ideias e emoc;öes. J .,,. ,
'i ( 1952) da exemplo de notavel acuidade na percep,ao dos mais
leves matizes da afetividade.
Ern outros narradores, ciue estrearam na mesma decada, re-
leva notar o maior cuidado com os processos de composic;äo. E 'I Antonio Olavo Pereira (Contra-Mao, novela, 1949; Mar-
core, 1957; Fio de Prumo, 1965, romances) e um estilizador s6-
seguramente a brevidade da referencia com que aqui os indico brio e intenso de dramas familiares.
näo significa minoridade das suas obras. Dionelio Machado, gaU-
cho, fez em Os Ratos ( 1936) uma reconstru,äo miuda e obse- Discreta, fluente e dotada de um senso vivo do dialogo, a
dante da vida da pequena classe media ralada pelas agruras do melhor prosa de Lucia Benedetti esta em Vesperal com Chuva,
cotidiano. Joäo Alphonsus, mineiro, e, sem dUvida, um dos con- contos publicados em 1950.
tinuadores mais fieis da prosa conquistada com o Modernismo: Otto Lara Resende ja nos deu provas de fina an3.lise ao vol-
os contos de Galinha Cega ( 1931) e de Pesca da Baleia (1942 ), tar-se para as faces m6rbidas da crianc;a e para os conflitos entre
em que trata liricamente o coloquial, situam-no na melhor linha a libido e uma formac;äo religiosa tradicional, "mineira" ( 0 La-
de Mario de Andrade. Telmo Vergara, gaucho, compos, em Es- do Humano, 1942; Boca do Inferno, 1958; 0 Retrato na Gave-
trada Perdida ( 1939), um romance que, se falha na composi- ta, 1962; 0 Bra>o Direito, 1963 ). Pr6ximo lhe fica o tambem
c;äo geral, atinge, na explorac;äo intensiva de algumas cenas e mineiro Fernando Sabino, autor de um vivo depoimento da ge-
algumas figuras, um bom nive1 estilistico. ra<;äo que amadureceu durante a Segunda Guerra ( 0 Encontro
Firmando-se nas decadas de 40 e 50, temos um grupo vario Marcado, 1956).
de romancistas e contistas que atestam, em conjunto, a maturi- Experiencia cortante de neo-realismo psicol6gico e a de Car-
dade literaria a que chegou nossa prosa de tendencias intros- los Heiter Cony, narrador que oscila entre a representac;äo do
pectivas ( 337 ). • universo degradado da "persona" burguesa ( 0 V entre, 1958;
Antes, o Verao, 1964 ... ) e a enfase no compromisso individual
Lygia Fagundes Teiles (Praia Viva, 1944; 0 Cacto Verme- perante a sociedade, caminho do romance "politico" em sentido
lho, 1949; Ciranda de Pedra, 1955; Hist6rias do Desencontro, lato (Pessach: a Travessia, 1967). Essa mesma conjun,ao de
1958; Veräo no Aquario, 1963; 0 Jardim Selvagem, 1965; Antes drama individual e saida militante, estilizada com maior brilho
do Baile Verde, 1970; Seminario das Ratos, 1977) fixa, em uma e vigor, sustenta um dos romances mais representativos do Bra-
linguagem Ifmpida e nervosa, o clima saturado de certas famflias sil p6s-64, Quarup ( 1967) de Antonio Callado, autor tambem
paulistas cujos descendentes ja näo tem norte; mas e na evocac;äo de um refinado romance a clef, Reflexos da Baile ( 1976).
de cenas e estados de alma da infäncia e da adolescencia que Ja o neo-realismo das hist6rias curtas de Dalton Trevisan
tem alcanc;ado os seus mais belos efeitos. No romance As Meni- acha-se animado de um frio desespero existencial que o leva a
projetar, na sua voluntaria pobreza de meios, as obsessöes e as
miserias morais do uomo qualunque da sua Curitiba. Corno todo
( 337) 0 autor tem consciencia dos riscos a que se expöe quem faz
uma relai;äo, ainda que sum<iria e apenas exemplificadora, da fici;äo con- verismo que nasce näo do cuidado de documentar mas de uma
tempor3.nea. Os Ultimos vinte anos foram marcados por um crescente mo- violenta tensäo entre o sujeito e o mundo, a arte de Trevisan
vimento editorial, de modo que s6 uma pesquisa aturada poderia dar con- cruza o limiar do expressionismo. Que se reconhece no uso do
ta da male de publicar;öes registradas. Assim, as Iacunas näo significam
omissäo volunt<iria, mas impossibilidade material de cobrir toda a B:rea de grotesco, do sadico, do macabro, comum a tantos dos seus con-
documentos a analisar. Para uma visäo mais particularizada do conto, ver tos: Novelas Nada Exemplares, 1959; Cemiterio de Elefantes,
nossa antologia, 0 Canto Brasileiro Contempordneo, 3.a ed., Cultrix, 1979. 1964; A Marle na Pra,a, 1964; 0 Vampiro de Curitiba, 1965;

474 415
Desastres do Amor, 196_&; 0 &i da Terra, 1972; A Faca no
(1955) e nos contos maduros e exemplares de Os Gestos (1957);
ascendeu a fusäo de clima regional ( sem pitoresco ... ) e a son-
Corai;äo, 1975.
dagem interior na prosa densa de o· Fiel e a Pedra, romance
A descida ou, pelo menos, a alusäo as fontes pre-conscien- ( 1961); e experimentou, nas · "narrativas" de Nove Novena
tes da conduta cotidiana ( matfria-prima da psicaniilise embora, ( 1966) as virtualidades de uma fic~ao complexa, nao raro her-
näo raro, apenas "ocasiäo" da obra narrativa) constitui processo metica, mas realmente nova: pela consciencia construtiva, pelo
largamente difundido na pr~sa ..c6n1t:mporänea. E, ainda dentro uso de slmbolos graficos que abrem e pontuam o mon6logo inte-
1
de um esquema tradicional de composii;äo, essa tendencia apare- rior; enfim, pela tensäo metaffsica que supera o nfvel psicol6gi-
ce em obras dfspares como os contos de Dinah Silveira de Quei- co "medio" e meridiano e desvenda nexos mais fntimos e din3mi-
r6s (As Noites do Morro do Encanto, 1957), de Breno Acioli cos entre o eu, o outro e os objetos. Segundo uma distinc;ao do
(joäo Urso, 1944; Os Cataventos, 1962 ... ), de Ricardo Ramos pr6prio autor, as suas inovac;öes fazem-se no modo de organizar
1 (Tempo de Espera, 1954 ), ou no romance de Reinaldo Moura o todo narrativo e näo na estrutura da lingua romanesca; pare-
! 1
(Um Rosto Noturno, 1946), de Ascendino Leite (A Viuva Bran- cendo-Ihe mais fecunda a primeira alternativa, e a outra, um beco
ca, 1952), de Ledo Ivo (As Aliani;as, 1947), de Maria de Lour- sem salda. Registro a ideia como possfvel hip6tese de trabalho,
des Teixeira ( Raiz Amarga, 1960), de Helena Silveira (Na Sel- acompanhando-a do natural sentimento de cautela que inspira
va de Säo Paula, 1966). Ao lado da narradora, a Helena Silvei- toda arte poetica individual mudada em criterio normative ( *).
ra cronista tornou-se uma preseni;a em nossas letras ·pela huma- A refinada arte de narrar de Autran Dourado ( A Barca das
nidade de seus temas. Ern Sombra Azu/ e Carneiro Branco reu- Hamens, 1961; Uma Vida em Segredo, 1964; Öpera dos Mortos,
niu suas melhores crOnicas.
1967; 0 Risco do Bordada, 1970; Os Sinos da Agonia, 1974;
A parte, tentando galgar a fronteira do supra-realismo, lem- Armas e Cora~öes, 1978) move-se a for~a de mon6logos interio-
bro Murilo Rubiiio (0 Ex-Magico, 1947), Campos de Carvalho res. Que se sucedem e se combinam em estilo indireto livre ate
(A Lua Vem da Asia, 1956) e um veterano, de rafzes modernis- acabarem abra~ando o corpo todo do romance, sem que haja,
tas, Anfbal Machado (1894-1964 ), que ensaiou o genero diffcil por isso, alterac;öes nos trac;os propriamente verbais da escritura.
da prosa de intensöes liricas em Cadernos de Joiio ( 1957) e 0 que h::i e uma reduc;ao das varios uuniversos pessoais" a cor-
Joiio Ternura ( 1965). • rente de consciencia, a qua!, dadas as semelhan~as de linguagem
Da frondosa literatura de mem6rias, que se estendeu pela das sujeitos que monologam, assume um facies transindividual.
Assim, embora a materia pre-literiiria de Autran Dourado seja a
decada de 70, e de estrito dever ressaltar a serie de Pedro Nava:
mem6ria e o sentimento, a sua prosa afasta-se das m6dulos inti-
Bau de Ossos, Baliio Cativo, Chäo de Ferro, Beira-Mar. mistas que marcavam o romance psicol6gico tradicional. Mas
deste nao se distancia quanto aos componentes Iexicos e sint3.ti-
cos, apesar de um ou outro regionalismo, um ou outro arcafsmo
Da fic~äo "eg6tica" a fic~iio suprapessoal. Experiencias que fizeram certa crftica falar em 11 influencia" de Guimaräes Ro-
Clarice Lispector. sa, perto do qua! Autran Dourado e um prosador ortodoxo( 338 ).

No conjunto da prosa qualificada em geral de "intimista" (*) Osfuan Lins (que faleceu em 1978) deu-nos ainda dois roman-
tem-se tegisttado, paralelamente ao USO de ptOCCSSOS tradicionais, ces susrentados por um forte empenho construtivo e estilistico: Avalovara
serios esfon;os de revisäo tem::itica e estrutural. E cedo ainda (1973) e A Rainha dos Ciirceres da Grecia (1976).
para trac;ar par::ibolas crfticas dos maiores inovadores. Estäo ain- ( 888) Outros exemplos que valem como sintomas de crise da fic~o
da escolhendo seus caminhos; mas de alguns ja se pode dizer, introspectiva e signos de que esta vem entrando numa era de pesqufsa es~
pelo menos, que realizaram com felicidade as suas opc;öes. tetica e de superac,;äo de um "realismo" menor, convencional: os Contos
do Imigrante (1956), de Samuel Rawet; Doramundo (1956), de Geraldo
E o caso de Osman Lins. 0 escritor pernambucano mos- Ferraz e Patdcia Galväo· Hist6ria de um Casamento (1960) e Um Sim-
trou-se sensfvel a notac;äo psicol6gica no romance 0 Visitante ples Afeto Reciproco ( 1962), de Maria Alice Barroso; Mapa de Gabriel

476 477
Clarice Lispector (" 39 ). Ultimos romances, A Paixäo Segundo G. H. e Uma Aprendiza-
gem ou 0 Livro das Prazeres.
Quando apareceu Perto do Corat;äo Se/vagem~ romance de Os analistas a ca<;a de estruturas ~äo deixaräo täo cedo em
uma jovem de dezessete anos, a critica mais responsä.vel, pela paz os textos complexos e abstratos de Clarice Lispector que pa-
voz de Alvaro Lins, logo apontou-lhe a filia~äo: "nosso primeiro recem 3.s vezes escri tos ad rede para provocar esse genero de de-
romance dentro do espirito e da tCcnica de Joyce e Virginia lei ta<;äo crftica. Limito-me aqui a ensaiar algumas ideias sobre
W oolf". E poderia ter acresc~ntacfo 1' n'ome de Faulkner. o que me parece ser o significado da sua obra no contexto da
Clarice Lispector se manteria fiel as suas primeiras conquis- nova literatura brasileira.
tas formais. 0 uso intensive da met3.fora ins6lita, a entrega ao Ha na genese dos seus contos e romances tal exacerbac;äo
fluxo da consciencia, a ruptura com o enredo factual tem sido do momento interior que, a certa altura do seu itinerario, a pr6-
constantes da seu estilo de narrar que, na sua manifesta hetero- pria subjetividade entra em crise. 0 espirito, perdido no labi-
doxia, lembra o modelo batizado por Umberto Eco de "opera rinto da mem6ria e da auto-analise, reclama um novo equiHbrio.
aperta". Modelo que ja aparece, material e semanticamente, nos Que se fard pela recuperar;äo do objeto. Nao mais na esfera con-
vencional de algo-que-existe-para-o-eu ( nlvel psicol6gico), mas na
esfera da sua pr6pria e irredutivel realidade. 0 sujeito s6 "se
Arcan;o ( 1961) e Madeira Feita Cruz ( 196.3 ), de Nelida Pifion; Um Homen1
sem Rosto (1964), de Olympio Monat; Dardara, de Louzada Filho (1965); salva" aceitando o objeto como tal; como a alma que, para to-
Os Cavalinhos de Platiplanto ( 1959), A Hora dos Ruminantes ( 1966) e A das as religiöes, deve reconhecer a existencia de um Ser que a
M&quina Extraviada (1968), contos de J. J. Veiga. Um romance intimista transcende para beber nas fontes da sua pr6pria existencia. Tra-
cujo trabalho formal levou a linguagem as fronteiras da prosa poetica foi ta-se de um salto do psicol6gico para o metaffsico, salto plena-
a estreia de Raduan Nassar, Lavoura Arcaica, em 1976. No extremo oposto,
numa linha de neo-realismo violento, estäo os novos exploradores do nosso mente amadurecido na consciencia da narradora:
universo urbano ou marginal: destaco Rubem Fonseca (A Coleira do Cäo,
1965; LUcia McCartney, 1969) e Joäo AntOnio, cujo primeiro Iivro de con- Alem do mais a "psicologia" nunca me interessou. 0 olhar
tos e ainda o seu melhor trabalho: Malagueta, Perus e Bacanafo, de 1961. psicol6gico me impacientava e me impacienta, e um instrumento que
s6 transpassa. Acho que desde a adolescf:ncia eu havia saldo do
(339) CLARICE LISPECTOR (Tchetchelnik, Ucrinia, U.R.S.S., 1926 - est<lgio do psicol6gico (Paixiio . .. , p:ig. 26 ).
Rio, 1977). Recem-nascida, veio para o Brasil com os pais, que se estabe-
leceram no Recife. Ern 1934 a familia transferiu-se p.ara o Rio de Janeiro
onde Clarice fez o curso ginasial e os preparat6rios. Adolescente, le Gra- Abre-se a Paixäo Segundo G. H. e leem-se, em epigrafe,
ciliano, Herman Hesse, Julien Green. Ern 1943, aluna da Faculdade de estas palavras de Bernard Berenson:
Direito, escreve o seu primeiro romance, Perto do CorafO.o Selvagem, que
e recusado pela editora Jose Olympia. Publica-o, no ano seguinte, pela Uma vida completa pode acabar numa identifica~äo täo absolu-
editora A Noite e recebe o Prf:mio Gra~ Aranha. Ainda em 1944 vai ta com o näo-eu que näo havera mais um eu para morrer.
com o marido para N<lpoles onde trabalha num hospital da For~a Expe-
dicion3.ria Brasileira. Voltando para o Brasil, escreve 0 Lustre, que sai em
1946. Depois de longas estadas na Suf~a ( Berna) e nos Estados Unidos, E a obra toda e um romance de educa<;äo existencial. Nos
a escritora fixa-se no Rio onde viveu ate a morte. A partir de A MafO. no livros anteriores Clarice Lispector se abeirava do mundo exte-
Escuro (1961), a sua obra tem atrafdo· o interesse da melhor critica na- rior como quem macera a afetividade e afia a aten<;äo: para co-
cional que a situa, junto com Guimaräes Rosa, no centro da nossa fic~äo lher atmosferas e buscar significa<;Öes raras, mas ainda numa ten-
de vanguarda. Outras obras: A Cidade Sitiada, 1949; Alguns Cantos, 1952;
Lzfos de Famflia (contos), 1960; A LegiO.o Estrangeira (contos e crüni- tativa de absorver o mundo pelo eu. 0 mon6logo de G. H„ en-
cas), 1964; A Paixiio Segundo G. H., 1964; Uma Aprendit.(Jgem ou 0 Li- trecortado de apelos a um ser ausente, e o firn dos recursos habi-
vro dos Prazeres, 1969; Felicidade Clandestina, 1971; Agua Viva, 1972; tuais do romance psicol6gico. Nele näo ha propriamente etapas
Onde Estiveste de noite?, 1974; A Hora da Estrela, 1977. Lonsultar: Al- de um drama, pois cada pensamento envolve todo o~ drama: lo-
varo Lins, Os Mortos de Sobrecasaca, Rio, Civ. Bras., 1963; Roberto go, nao ha um come<;o definido no tempo nem um epilogo repou-
Schwarz, A Sereia e o Desconfiado, Rio, Civ. Bras., 1965; Lufs Costa Li-
ma, Por que Literatura, PetrOpolis, Vozes, 1966; Benedito Nunes, Leitura sante ( nesse sentido e uma obra aberta, como aberta ao passado
de Clarice Lispector, Säo Paulo, Qufron, 1973. da mem6ria e ao futuro do desejo e a corrente da consciencia).

478 479
Hi um contfnuo denso de·:expertencia existencial. E, no plano Eu estava agora täo maior que näo me via mais. Täo grande
ontol6gico, ha o encontro de uma consciencia, G. H., com um como uma paisagem ao lange. Eu era ao lange. ( . . ) como po-
derei dizer senäo timidamente assim: a vida se me e. A vida se
corpo em estado de neutra materialidade, a _massa da ba:ata. A me e, e eu näo entendo o que digo. Entäo adoro (Paixao, in fine).
paixäo ( pathos) do ser que pensa e ~ece~sar1ament~ sofr1mento,
na medida em que deve atravessar ate o amago a nausea do c~n­ eu SOU tua e tu es meu' e nOs e um ( uma Aprendizagem).
tato assim como Agape, que e _am~ de caridade, s6 se reahza Säo exemplos que t€:m li\äo v<iria como sintomas de uma
bai;ando ao humilde, o obje'tÜ--abjeto, :para assur;ii-lo e compre- crise de amplo espectro: crise da personagem-ego, cujas contra-
ende-Io. Contrariamente a Eros, que se 1nflama so quan?o _ascen- di\Öes j3 näo se resolvem no casulo intimista, mas na procura
de a frui,äo do que e belo. G. H. ultrap.assa a repugnai;Cla qu~ consciente do supra-individual; crise da fala narrativa, afetada
vem de um eu demasiado humano; e aunge a comunhao de s1 agora por um estilo ensaistico, indagador; crise da velha fun\äo
mesma com o inseto: entäo näo ha mais eu e mundo, mas um documenta} da prosa romanesca.
Ser de que um e outro participam.
Enfim, o que a escritura de Clarice Lispector anuncia na
O antrop6logo Levy-Bruhl pro~i\s, nos . seus ultimos Car-
esfera da fic\iio introspectiva d<i-se tambem na do romance vol-
nets a diferen\a entre a mente pr1m1t1va e a c1vil1zada exatamen-
tado para o horizonte social. Seräo as vicissitudes do regionalis-
te e~ termos de participafdo para a primeira e distdncia para a
mo em nossos dias.
segunda. Nesta, o outro e sempre objeto de desejo ~':1 de ;nedo,
de conhecimento ou de misterio. Naquela, ao con.trar10,. ha sem-
pre uma integra\äo dos p?los. ,?r~, ~uma"romai;c1sta oc!dental e Permanencia e transfonna~äo do regionalismo
culta ( 0 que näo quer d1zer sof1st1~ada ) , a 1~tegta\ao n17nca
poderia ser um dado, mas um pro1eto, uma ardua conqu1sta. P<iginas atr<is mencionaram-se exemplos de um regionalismo
Basta ler as obras que precederam A Paixäo para aco~panhar a tenso, crftico: Usina e Fogo Morto de Jose Lins do Rego, Säo
lenta redu,äo operada: dos fragmentos em que se estilha,ava a Bernardo e Vidas Secas de Graciliano Ramos. Corno obras-pri-
intui\äo da escritora a unidade da consciencia que se esfot\a po~ mas, esses romances estäo de algum. modo isolados na corrente
transmitir os momentos da sua iluminai;äa.. Termo que parecera da "literatura social" dos anos de 30 e de 40. 0 que predomi-
mistico, mas que e justo emprega~ aqui, p?i~ tem o selo da ilu- nou foi a cr6nica, a reportagem que mistura relato pitoresco e
mina\äo religiosa aquele reconhec1mento sub1to de uma verdade vaga reivindica\äo politica. Tiveram numerosa prole romances
que despoja o eu das ilusöes cotidianas e o entrega a um novo que encarnavam um regionalismo menor, amante da tipico, do
sentido da realidade. ex6tico, e vazado numa linguagem que ja näo era acad€:mica,
mas que näo conseguia, pelo apego a velhas conven\Öes narrati-
Perdi alguma coisa que me era essencial,. que ja n~o me e vas, ser livremente moderna.
mais. Näo me e necess3:ria, assim como se eu ttvesse perd1do uma
terceira perna que ate entäo me impossibilitava de andar, mas que Näo haveria mäos a medir se se pretendesse aqui arrolar os
fazia de mim um tripe est.lvel (Paixao ... ). autores que das virias partes do pais concorreram para engrossar
esse genero de fic\äo. Que, alias, assume, nos casos mais felizes,
A terceira perna e o superfluo que parece essencial: tudo um inegavel valor documenta!. Parte dela resiste a leitura pelo
aquilo que impede o espirito de caminhar com as fori;as n~as do decoro verbal que logrou atingir.
pr6prio ser. E a "paixäo", o contacto da mulher co_m ~ ~nseto E o caso dos romances amazonenses de Peregrino Jr., es-
esmagado consumam o sacrificio de todo entulho ps1colog1co. critor que vem dos fins da decada de 20 (Pussanga e de 1929;
A palavra neutra de Clarice Lispector articula essa expe- Matupa, de 1933 ), de Abguar Bastos (Terra de Icamiaba e Sa-
riencia metafisica radical valendo-se do verbo "ser" e de cons- fra, de 1937), de Osvaldo Orico (Seiva, 1937), de Raimundo
tru\Öes sint<iticas an6malas que obrigam o leitor a repensar as de Morais (Os IgaraUnas, 1938; Mirante da Baixo Amazonas,
rela\Öes convencionais praticadas pela sua pr6pria linguagem: 1939); enfim, do mais complexo e moderno de todos, o mara-

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joensc Dalcfd.io Juran<lir, c(ljo ciCTo do Extremo-Norte se com- faneiro ( 1966). Bernar<lo Elis representa hoje o ponto alto ou
poc de Chovc nos Cam pos de Cachoeira ( 1941 ) , Maraj6 ( 4 7), regionalismo tradicional. 'f ambtm goiano, Carmo Bernardes e
Trh Casas e um Rio (56), Belem da Griio-Para (60) e Passa- narrador de veia f<icil e bons recursos de humor em Re9aga
gcm das Inacentes (60)(''). r 1972) e Jurubatuba ( 72). E mineira e a ambienta,äo de A

O Nordeste, de onde vieram os cl<issicos do neo-realismo, ,\ladona de Cedro ( 1957 ), obra de Antonio Calado, que conta
tem concorrido co1n uma copiosa lit~atura ficcional, que vai do uni caso <le expia<;i:io religiosa passado em Congonhas do Campo.
simples registro de costumes locais a aberta op<;i:io de critica e Romances da vida rural paulista säo Rccuo do }.f.eridiano
engajamento quc as condi<;öes da 3.rea exigem. Documentas vi- de Joäo Pacheco, Raiz Atnarga de Lourdes Teixeira, Chao Bruto
vos de uma novelfstica da terra e do povo nordestino säo: Cas- e Filho do Destino <le 1950.
calho ( 1944) e Atem das Marimbus ( 1961) de Herberto Sales,
0 Extremo-Sul, que ja ·dispunha de uma tradi,äo cultural
obras 4ue fixam com vigor aspcctos e epis6<lios da zona das la-
rt0ionalista bem estruturada manteve-a com Darci Azambuja
vras diamantinas da Bahia; Os Corumbas ( 1933) e Rua do Siri-
(No Galpiio, 1951), Viana Moog (Um Rio Imita o Reno, 1939)
ri, narrativas sergipanas de Amando Fontes, que teve o merito
e Guilhermino Cesar (Sul, 1939), e, na linha da romance <lc in-
de chamar a aten<;äo para o submundo das popula<;Öes marginais
ten<;äo participante, Ciro Martins ( Porteira Fechada, 1944) e
urbanas do Nor<leste; Hist6rias da Cidade Maria ( 51) e Terra
de (~aruaru ( 60) de Jose Conde, escritor que mais recentemente I va Pedro de Martins ( Fronteira Agreste, 1944). De Santa Cata-
prcfcriu bater a estrada do romance de costumes cariocas (Um rina e Guido Wilmar Sassi, autor de Amigo Velho e Sao Miguel
I\arno para Luisa). 0 Cear<i conta com prosadores 4ue honram ( t 962). Do gaucho Luis Antonio <le Assis Brasil e o excelente
a tradi<;än <lo romance naturalista que l<i conheceu o alto exem- romance hist6rico Um Quarta de Ugua em Quadro, <le 1976.
plo de Oliveira Paiva e Domingos Olimpio, sem falar nos pais Ao lado <lesse filäo romanesco neoverista, alguns prosado-
da literatura regional brasileira, Alencar e Franklin 1'3.vora. De- res te1n ensaiado sfnteses formais novas que procuram dar en-
pois de Raquel de Queiroz, lembro Fran Martins, que escreveu fase nos aspectos humanos universais que a matCria provinciana
contos (Manipueira, 1934; Noite Feliz, 1946; Mar Oceano, uu rUstica lhes propicia. 0 ciclo maranhense de Josue Montello
1948) e romanccs (Ponta de Rua, 1937; lloro das Paus, 1938; ( ]anelar Fechadas, 1941; A Luz da Estrela Maria, 1948; Labi-
Hstreia da Pastor, 1942; 0 Cruzeiro tem Cinco Estrelas, 1950), rinto de Espelhos, 1952; A Decima Noite, 1955; Os Degraus
Braga Montenegro (Uma Chama ao Venia, 1946) e Joäo Clima- do Paraiso, 1965; Cais da Sagrar:ao, 1971; Os Tambores de Sao
co Bezerra (Niio Ha Estrelas no Ceu, 1948; Sol Pasta, 1952). Luis, 1975) con1bina de maneira s6bria e nuina linguagcm
Tarnbern nordestinos: Paulo Dantas ( Triloy,ia do Nordestc, cstritamente .lirer<iria a fixa<;J.o Ja vclha Säo Luls e o cui<lado
1953-61 ), Gastäo de Holanda (Os Esrorpioes, 1954; 0 ßurro <lo retrato psicol6gico nas fronteiras <lo psicanalitico. Mais ra·
de 011ro, 1960), Pcrmfnio Asfora (Noitc Grande, 1947; Fogo dical como sondagem interior e mais denso nos seus resultados
\/erde, 1951; \1cnto Nordestc, 1957). pernambucano. U1n exem- fortnais C o romance de Adonias Filho, para quen1 a iona ca~
plo tfpico de romance-documento do fanatismo religioso sertane- caueira baiana tem servido de plataforn1a para uma incursäo na
jo C o recente Ernissdrios do Diaho ( 1968) de Gilvan Len1os. alma primitiva que, para ele, sc confundc com os pr6prios movi-
0 contexto mineiro-goiano cst<i fixado por M<irio Palmtrio mentos da terra. 0 telUrico, o b<irbaro, o primordial como de-
cm <lois romances de boa fatura: Vita dos Canfins ( 1956) c Cha- terminantes previos <l~ <lestino säo os contell<los que transpöe a
padiio do Bugre ( 1965). De Goias c Bcrnar<lo Elis, que ja nos prosa elfptica <le Os Servos da Morte ( 1946), Mem6rias de Ldza-
deu Ermos e Gerais ( 1944), 0 T ronco ( 1956) e V cranico de ro ( 1952) e Corpo Vivo 11963). No mesmo espfrito foi elabo-
rado 0 Forte, de ambienta<;äo urhana. A<lonias Filho e o con-
( *) 0 romancc amaz6nico vem-se renovando a rnedida quc a regiäo tinuador de uma correntc ficci1 iru1l que come<;ou nos anos de 30
tem sofrido mais duramente o impacto de uni "dcsenvolvimento" selva- com cscritores de forn1ac;.1•.1 religiosa inclinados ao romance de
gem: M3rcio Souza, com Galve::., n Jmperadnr da Acre ( 1976) c Bcnedicto
atmosfcra: I.Uciu C:drJoso, Cornelio Pena, Jorge de Lima. A
Montciro, com 0 Afinossauro ( 1978), integrain-se numa perspectiva de
romance latino-americano. esse Lipo Je prosa ajustou-se bem o uso intensivo do mon6logo

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a Faulkner e a armac;äo de~ uma -Crama em que as personagens A alquimia, operada por Joäo Guimaräcs Rosa, tem sido o gran-
ficam, por assim dizer, suspensas nas mäos de um poder supra- de tema da nossa critica desde o aparecimento dessa obra es-
psicol6gico, a Grac;a, 0 Destino. E e corn OS recursos do Ex- pantosa que C Grande Sertiio: Veredas.
pressionismo e da Surrealismo que a prosa de Adonias Filho Ap6s a sua leitura, comec;ou-se a entender de novo uma an-
busca ultrapassar as visadas de um realismo de convenc;äo. tiga verdade: que os conteUdos sociais e psicol6gicos s6 entram
Menc;äo a parte merece J~se Ctil'lllido de Carvalho que conse- a fazer parte da obra quando veiculados por um c6digo de arte
guiu, em 0 Coronel e o Lobisomem ( 1964 )1 captar os conflitos que lhes potencia a carga musical e semäntica. E, em consontin-
e os anseios de um hornem de mente rUstica sem cair na cilada cia com todo 0 pensamento de hoje, 4ue e um pensar a nature~
que espreita as tentativas desse genero, isto e, sem enrijecer a sua za e as funi;öes da linguagem, comei;ou-se a ver que a grande no-
personagem no puro tipo, o que, alias, lhe seria f<icil realizar com vidade do romance vinha de uma alterac;äo profunda no modo
brilho, dados os pendores do ficcionista para explorar o ridiculo de enfrentar a palavra. Para Guimaräes Rosa, como para os mes-
das suas criaturas. Releva ainda notar a justeza expressiva da sua tres da prosa moderna (um Joyce, um Borges, um Gadda), a
linguagem verdadeiramente cl<issica sem deixar de ser moderna. palavra e sempre um feixe de significac;öes: mas ela 0 em um e
Combinando lenda e humor, tradic;ao popular e parodia, o f!.rau eminente de intensidade se comparada aos c6digos conven-
dramaturgo paraibano Ariano Suassuna surpreendeu seu pUblico cionais de prosa. Alem de referente semäntico, o signo estetico
com duas narrativas de f6lego, A Pedra do Reino ( 1971) e 0
Rei Degolado ( 1977).
suas obras para o frances, o italiano, o espanhol, o inglC:s e o alemäo.
C-. Rosa faleceu de cnfarte, aos cinqüenta e nove anos, tres dias depois de
admitido solenemente a Academia Brasileira de Letras.
Joäo Guimaräes Rosa (340 )
Obra: Sagarana ( contos), 1946; Corpo de Baile ( ciclo novelesco),
1956; Grande Sertiio: Veredas (rom<\nce), 1956; Primeiras Est6rias, 1962;
0 regionalismo, que deu algumas das formas menos tensas Tutameia: T ercetras Est6rias, 1967; Estas Est6rias ( p6st., 1969). 0 ciclo
de escritura ( a crönica, o conto folcl6rico, a reportagem), esta- de Corpo de Baile desdobrou-se, a partir da 3." edii;ä:o, de 1964, em tr@s
volumes: Manuelziio e Miguilim, No Uruhuquaqua no Pinhem, Noites do
va destinado a sofrer, nas mäos de um artista-demiurgo, a me- Sertiio. G. Rosa deixou ineditv Magma, poemas. Consultar: Di&logo n. 0

tamorfose que o traria de novo ao centro da ficc;äo brasileira. 8, novembro de 1957 (nllmeco dedicado a Guimaräes Rosa); Cavalcanti
Proenr;a, Augusto dos An;os e Outros Estudos, Rio, Jose Olympio, 1958;
Eduardo Portella, Dimens8es I, Rio, JosC Olympio, 1958; Ant6nio Cändi-
(340) JoAo GuIMARÄES RosA (Cordisburgo, M. Gerais, 1908 - Rio do, l'ese e Antitese, S. Paulo, C. E. Nacional, 1964; Adolfo Casais Mon-
de Janeiro, 1967). Filho de um pequeno comerciante estabelecido na zona tciro, 0 Romance. Teoria e Critica, Rio, JosC Olympio, 1964; Dante Mo-
pastoril centro-norte de Minas, aprendeu as primeiras letras na cidade na· reira Leite, Psicologia e Literatura, S. Paulo, C. Est. de Cultura, 1964;
tal. Fez o curso secund<lrio em Belo Horizonte revelando-se desde cedo Benedito Nunes, "O Amor na Obra de G. R.", in Rcvista do Livro, n."
um apaixonado da Natureza e das linguas. Cursou Medicina e, formado, 26, set. de 1964; Roberto Schwarz, A Sereia e o Descon/iado, Rio, Civ.
exerceu a profissä:o em cidades do interior mineiro (Itallna, Barbacena). Brasileira, 1965; Lufs Costa Lima, Par que Literatura, Petr6polis, Vozes,
Nesse perfodo estudou sozinho alerrlao e russo. Ern 1934, fez concurso 1966; Angela Vaz Leäo, Henriqueta Lisboa, Wilton Cardoso, Maria Lufsa
para o Ministerio do Exterior. Ingressando na carreira diplom3.tica, ser- Ramos, Fernando Correia Dias, Guimaräes Rosa, Belo Horizonte, Centro
viu como c6nsul-adjunto em Hamburgo, sen<lo internado em Baden-Baden de Estudos Mineiros, 1966; Paulo R6nai, "Os Vastos Espai;os", estudo
quando o Brasil declarou guerra a Alemanha. Foi secretario de embaixa- preposto a Primeiras Est6rias, a partir da 3." ed., Rio, J. Olympio, 1967;
da em Bogota e conselheiro diplomatico en1 Paris. De volta ao Brasil as- H~roldo de Campos, Metalinguagem, Petr6polis, Vozes, 1967; Ftibio Frei-
cende a ministro ( 1958). Um <los seus Ultimos encargos de profissional xe1ro, Da Razäo 4 Emoräo, S. Paulo, Cia. Edit. Nacional, 1968; Mary Da-
foi a chefia do Servii;o de Demarcai;ä:o de Fronteiras que o levou a tratar ni:I: ]oao Guima~ä~s Rosa: Travess~a Literdria, Rio, Jose Olympio, 1968;
casos espinhosos como o do Pico da Neblina e o das Sete Quedas. Vanos, Em Memorta de J. G. R., Rio,]. Olympio, 1968; Walnice N. Gal-
Da sua carreira de escritor, em grande parte afastado da vida liter:iria, väo, A.s Forma!. do Falso, S. Paula, Perspectiva, 1972; J. C. Garbuglio,
s6 obteve o reconhecimento geral a partir de 1956, quando safram Grande 0 Mundo Movente de G. Rosa, S. Paulo Atica 1972· Willi Bolle F6r-
Sertiio: Veredas e Corpo de Baile. Mas publicadas estas obras, o reconhe- mula e t!tihula, Perspectiva, 1974; Wendei Sant~s, A Construr;iio d~ Ro-
cimento cresceu a ponto de melhor chamar-se gl6ria. I-Ia'. tradu<;Öes de mance em G. Rnsa, Atica, 1978.

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,--------

e portador de sons e de fofqias 9-lli:


?esvendam, _fe~o~enicamen­ falar, a cismorro, de pouquinho em pouquim, o ferrabrir dos
te, as relac;öes fntimas entre o s1gn1f1cante e o s1gn1f1cado. olhos, a brumalva do amanhecer, alemäo-rana;
Toda voltada para as forc;as virtuais da linguagem, a escri- ou frases e periodos como:
tura de Guimaräes Rosa procede abolindo intencionalmente as a bala beijaflorou; os passarinhos que bem-me-viam; os ca-
fronteiras entre narrativa e Hrica, distinc;äo batida e did<itica, valos aiando gritos; rebebe o encharcar dos brejos, verde a verde,
que se tornou, porem, de uso 1 embar"19;ame para a abordagem do veredas ... ; ao que n6s acampados em pe duns bre;os, bre;at.
romance moderne. Grande Sertizo: Veredas e as novelas de Cor- cabo de varzeas; me revejo de tudo, daquele dia a dia; ai a gente
po de Baile incluem e revitalizam recursos da expressäo poetica: se cµrvar, suspendia uma folhagem, ta entrava; resumo que n6s
celulas rftmicas, aliterac;öes, onomatopeias, rimas internas, ousa- dois, sob num tempo, demos para trtis, discordas; e ai se deu o
dias m6rficas, elipses, cortes e deslocamentos de sintaxe, voca- que se deu - o isto e; eu era um homem restante trivial; ai,
bul<irio ins6lito, arcaico ou de todo neol6gico, associac;öes raras, Je, ia se arapuava o Gorgulho mestre na desconfian,a; . ..
metaforas, an3.foras, metonimias, fusäo de estilos, coralidade. Mas
como todo artista consciente, Guimaräes Rosa s6 inventou de- 0 prindpio fundamental da linguagem poetica, genialmen-
pois de ter feito o invent<irio dos processos da Hngua ( 341 ). te intufdo por Vico, e o da analogia a arcana "l6gica poetica",
Imerso na musicalidade da fala sertaneja, ele procurou, em um l6gica dos sentidos, que vincula a fala inovadora as matrizes de
primeiro tempo ( tempo de Sagarana), fix<i-la na melop'eia de um toda lingua. Ora, o pensamento anal6gico e pensamento mltico.
fraseio no qual soam cadencias populares e medievais: 0 que se passa com a linguagem de Guimaräes Rosa no trata-
mento das unidades verbais ( fonemas, morfemas), ocorre tam-
As ancas balani;;am, e as vagas de dorsos, das vacas e touros,
batendo com as caudas, mugindo no meio, na massa embolada, bem no plano dos grandes blocos de significado: as suas est6-
com atritos de couros estralos de guampas, estrondos de baques, e rias säo fabulas, mythoi que velam e revelam uma visäo global da
o berro queixoso do &ado junqueira, de chifres imensos, com mui- existencia, pr6xima de um materialismo religioso, porque pan-
ta triste.za, saudad"e <los campos, quert!ncia <los pastos, de 13. do
sert1io ...
teista, isto e,propenso a fundir numa Unica realidade, a Natu-
reza, o bem e o mal, o divino e o demoniaco, o uno e o mUl-
Um boi preto, um boi pinta?'lo, tiplo.
cada um tem sua cor.
Cada corai;;äo um jeito o· conflito entre 0 eu/her6i e 0 mundo ( que nos tem va-
de mostrar o seu amor. lido de fio de Ariadne no labirinto da fic~äo moderna) näo desa-
parece no grande romance de Guimaräes Rosa: resolve-se me-
Boi bem bravo bate baixo, bota baba, boi berrando. Dansa
doido, da de duro, da de dentro, d3 direito. Vai, vem, volta, diante o pacto do homem com a pr6pria orige~ das tensöes: o
vem na vara, vai näo volta, vai varando. Outro o avesso "os crespos do homem". Quanto a dialetica
(Sagarana, "O Burrinho Pedrf:s).
' ( que ~e' reconhece nas lutas entre jagun~os, nas v1ngan-
da trama .
~as juradas, na rela~äo ambfgua entre Riobaldo e Diadorim) näo
se processa mediante a an3lise das fraturas psiquicas nem pela
Do mimetismo entre culto e -folcl6rico de Sagarana, o escri-
mimese de grupos e tipos locais: faz-se pela intera~äo assldua da
tor soube zarpar para ousadas combina\'.Öes de som e de forma
personagem com um Todo natural-cultural onipresente: o sertao.
nas obras maduras, coalhadas de termos e grupos nominais como
"0 sertäo C do tamanho do mundo." "0 jagun\:O e
o sertäo."
essezinho, essezim, salsim, satanazim, semblar, fiUme, agar- e
"Sertäo isto, o senhor sabe: tudo incerto, tudo certo." Nesse
rante, levantante, maravilhal, fluifim (adj.), gaviäoäo, ossoso, Todo positivo e negativo interpenetram-se o sensivel e o espiri-
vivoso, brisbrisa, cavalanr;os, refrio, retroväo, remedir, deslei, des- tual de tal sorte que 0 ultimo acaba parecendo uma inten~äo
oculta da materia ( "Tem diabo nenhum, nem espfrito"), que
• ( 341) Leiam-se, por exemplo, as notas de 1Cxico que o novelista ap6s se manifesta nos modos pre-16gicos da cultura: o mito, a psique
ao texto de "Cara de Bronze" ( Corpo de Baile). infantil, o sonho, a loucura. A alma desmancha-se nas pedras,

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nos bichos, nas B.rvores., CC?mo o s«bor que näo se pode abstrair os vaqueiros atribuem ao misterioso Cara de Bronze: "Näo en-
do alimento. tender, näo entender att! se virar menino'', ou, entregando-se ao
As Primeiras Est6rias e T utameia foram resultantes nor· jogo da imagina~äo: "Tudo no quilombo do faz-de-conta." Nas
mais daquele processo ii ordern mental do adulto civilizado bran- Primeiras Est6rias e patente o fascfnio do al6gico: sä:o contos
co que se instaurara na linguagem de Grande Sertao: Veredas. povoados de criani;as, loucos e seres rllsticos que cedem ao en-
Neste ron1ance a linguagem do niita,[ompia as amarras espicio· canto de uma ilumina,äo junto ii qua! os conflitos perdem todo
-temporais: • , relevo e todo sentido. Ha um apelo aberto ao ludico e ao mJ-
As coisas que näo tem hoje e ant'ontem amanhä: C sempre. gico em "A Menina de La", que · nos fala de Nhinhinha, cujo
Ai, arre, mas; que esta minha boca näo tem ordern nenhuma. silencio de criani;a era um extase montinuo e cujos pensamentos
Guerras e batalhas? Isso C como jogo de baralho, verte e reverte se faziam milagrosamente realidade; em "As Margens da Ale-
As pessoas e as coisas näo säo de verdade. A vida disfari;a. gria", hist6ria da viagem de um menino feita em estado de so-
nho onde as coisas surgem do opaco; em "Soroco, sua mäe, sua
Sujeito e objeto opöem-se na aparencia, mas no fundo par- filha", onde a can,äo de duas loucas e o unico sinal de realidade
tilham de algo infinitamente mutavel: o devir: que restara no ar do vilarejo que a canta em coro; em "A Ter-
ß e näo C. 0 senhor ache e näo ache. Tudo C e näo C... ceira Margem do Rio", em que se fala de um homem refugiado
Quase todo mais grave criminoso feroz, sempre C muito bom mari- em uma canoa no meio do rio, onde em absolute silencio resiste
do, bom filho, bom pai, e e bom amigo-de-seus-amigos! Sei desses. ao tempo "por todas as semanas e os meses e os anos sem fazer
S6 que tem os depois - e Deus, junto. Vi muitas nuvens. conta do se-ir do viver", imagem da permanencia no fluir eter·
Mire veja: o mais importante e bonito, do mundo C isto: que no das B.guas. A linguagem como auto-expressäo, jorro imedia-
as vessoas niio estäo sempre iguais, ainda näo foram terminadat1. -
mas que elas viio sempre mudando. Afinam e desafinam. to do Inconsciente, v3lida em si mesma, aquem do esfori;o de
significar o real, e, por sua vez, o nllcleo de "Pirlimpsiquice'',
0 mitopoetico foi a soluc;äo romanesca de Guimaräes Rosa. em que se narra a aventura de meninos fazendo teatro e, a certa
A sua obra situa-se na vanguarda da narrativa contemporänea que altura, inventando, fora dos papeis a recitar, palavras de uma
se tem abeirado dos limites entre real e surreal (Borges, Buzzati, hist6ria nunca ouvida: "Cada um de n6s se esquecera do seu
Calvino) e tem explorado com paixäo as dimensöes pre-conscien· mesmo, e est3vamos transvivendo, sobreviventes, disto: que era
tes do ser humano ( Faulkner, Gadda, Cortazar e o avatar de o verdadeiro viver? E era bom demais, bonito - o milmaravi-
todos, James Joyce). E seria talvez facil paradoxe lembrar que lhoso - a gente voava, num amor, nas palavras: no que se ouvia
uma obra de täo aguda modernidade se nutre de velhas tradi- dos outros e no nosso pr6prio falar." 0 mesmo reconhecünen-
c;öes, as mesmas que davam a gesta dos cavaleiros feudais a aura to do inefavel aparece no ep!logo de "Substäncia'', quando o
do convfvio com o sagrado e o demoniaco. extase do amor se transfunde na sensac;äo de ofuscamento que
vem da branca matt!ria, o polvilho: "Acontecia o näo-fato, o näc-
1' verdade que a interpreta~äo da obra fundamental de Rosa -tempo, sil&icio em sua imaginai;ä:o. S6 o um-e-outra, um em-si-
esta ainda em aberto. Riobaldof. o protagonista de Grande Ser- -juntos, o viver em ponto sem parat, corai;äomente, pensamento,
tao, e um homem que busca, no· vaivt!m das suas mem6rias e pensamos. Alvos. Avani;avam, parados, dentro da luz, como se
reflexöes, negar a existencia real do demönio ( "o que-näo-ha·') fosse no dia de Todos os Passaros." 0 conto "Meu Tio, o Iaua-
com quem fez um pacto quando se propös vencer o jaguni;o Her- rete" ( agora em Estas Est6rias) culmina com a identificac;äo -
m6genes. E parece concluir que o Mal e um atributo do ser, sonora e semintica - do homem com a oni;a. Enfim, em "O
um acidente que vicia o cota\äo das homens, uma fatalidade que Recado do Morro" ( Corpo de Baile), a voz que vem da terra
se deve enfrentar com paciencia e vida justa. Entretanto, essa em forma de pressS:gio näo sera o pr6prio Inconsciente ( materia
perspectiva, que dissolveria o puro mito em certo nivel da cons- ou esplrito? ) que antecipa ao sertanejo o seu destino?
ciencia racional, nao se sustem no conjunto da obra rosiana. As 0 baralhar dos tempos e dos lugares ja em Grande Sertäo:
Primeiras e as Terceiras Est6rias parecem desaguar no desejo que Veredas significava um desvio dos eixos da rotina, uma ruptura

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com a hora do rel6gio, um tran!!Cender as parti,öes de geogra- Terlamos nessas palavras o princlpio que operou na elabo-
fia. Nos Ultimos livros o processo radi~aliza-se e pede uma in- ra~äo do discurso mitopoetico do grande escritor mineiro: a ra-
terpretai;äo, que os pref2.cios amaneirados de T utameia enten- dicaliza~äo dos processos mentais e verbais inerentes ao contexto
dem dar numa linha irracionalista: Guimariies Rosa ai escolhe que lhe deu a materia-prima da sua arte. Que niio foi, nem po-
3bertamente a leitura que Dante chamava "anag6gica" ou supra- deria ter sido, regionalismo banal, c6pia das superffcies com to-
-sensfvel. De-se Oll näo impo~~~ncr. as- explicai;öes do autor' 0 dos os preconceitos que a imita>äo folcl6rica leva 1i confec>iio do
fato e que toda a sua obra nos pöe em face do mito como forma objeto liter:irio.
de pensar e de dizer atemporal e, na medida em que leva a trans- E verdade, tambem, que a supera~iio se deu, para Guima-
forma1;öes bruscas, al6gica. Volta-se ao ponto de partida. A räes Rosa, na esfera da contempla>iio e da descida as matrizes
obra de Guimaräes Rosa e um desafio a narra\:äO convencional nacurais da comunidade sertaneja. Hauve e ha, por certa, ou-
porque os seus processos mais constantes pertencem 3.s esferas tras meios de esconjurar a pitaresca e o exatisma de epiderme.
do poetico e do mitico. Para compreende-la em toda a sua ri- Par exemplo, ponda a nu as tensöes entre o homem e a nature-
queza e preciso repensar essas dimensöes da cultura, näo in za, camo o fez Graciliano em Vidas Secas, e entre o homem e o
abstracto, mas tal como se articulam no mundo da linguagem. pr6ximo ( o mesmo Graciliana, em Sao Bernardo, e Lins do Re-
Outro problema seria o de situar a op\;iio mitopoetica do go, em Fogo Morto ). A "salda" Guimariies Rosa foi a entrega
escritor na praxis da cultura brasileira de hoje. A transfigura- amorosa ä paisagem e ao mito reencontrados na materialidade da
~äo da vivencia rUstica interessa principalmente enquanto men- linguagem. Niio e a unica para o escritor brasileiro de hoje.
sagem, ou enquanto c6digo? 0 que ficara em primeiro plano na Mas ( ser:i preciso dize-lo?), e a que nos fascinar:i por mais tem·
consciencia do homem culto: a reproposii;äo da vida e da menta- po e com mais razöes.
lidade rural e agreste, ou o experimento estetico? E certo que
a crftica mais recente, escolhendo o ponto de vista tecnico, no
espfrito do neoformalismo, tende a passar por alto a complexa
rede de estilos de pensamento que serviram de contexto e subja- A POESIA
zem 1i fic~iio de Rosa. Uma leitura que igllOre essas vincula\;Öes
pode resvalar em uma curiosa ideologia, especie de transcenden-
tismo formal, näo menos arriscada que o conteudismo bruto que Foi a expressäo poetica a que mais pronta e mais radical-
lhe e simetrico e oposto. Mais uma vez, impöe-se a procura do mente se alterou com a viragem modernista. Maria de Andrade,
nexo dialetico que desnuda a homologia entre as camadas inven- Manuel Bandeira e Oswald de Andrade haviam rompido com os
tivas da obra e OS seus contextos de base. A inven\äO näo e um c6digos acad€:micos e incarporado a nossa lirica as formas livres
dado autönomo, imotivado. "0 discurso m1tico - diz Luden com exemplas täo vigarosos e felizes que aos poetas dos anos
Sebag - "como qualquer outro discurso humano, necessita uma de 30 näo seria mistet inventar ex nihilo uma nova linguagem.
materia previa que lhe sirva de suporte: encontra-a no meio na- De .um modo geral, porem, pade-se reconhecer nas poetas
tural e humane em cujo interior '·apareceu. Tende a resolver no que se firmaram depois da fase her6ica do Modernismo a con-
plano simb6lico as antinomias vividas como dificilmente conci· quista de dimensöes tem3.ticas novas: a politica em Drummond
li<iveis no nfvel real". Ate aqui, temos a platafarma para enten- e em. Murilo Mendes; a religiosa, no mesmo Murilo, em Jorge
der o que o antrop6logo dir:i adiante: "O discurso mitico s6 de Lima, em Augusto Frederico Schmidt, em Cedlia Meireles.
consegue resolver as antimonias porque emprega de um modo E .nä~ s6: tan;?e~ se imp~e. a busca de uma linguagem essencial,
mais radical a /6gica sub;acente a organizar;äo social" (grifo af1m as exper1enc1as metaf1s1cas e hermeticas de certo veio rilkea-
meu )( 342 ). no .da lirica moderna, e que se reconhece na primeira fase de Vi-
nic1us d~ Moraes, em Cecilia Meireles, em Henriqueta Lisboa,
em Emilia Moura, em Dante Milano, em Joaquim Cardozo, em
(342) L. Sabag, "Le mythe: code et message", in Les Temps Moder- Alphonsus de Guimaraens Filho.
nes, mar~o de 1965.

490 491
A poc!tica destes tiltirqps, heldeiros maduros da experi~cia ra plural veiculada cada vez mais intensamente pelos meios de
formal simbolista, contimia ·de certo modo em poetas da dc!cada comunica~äo de massa. Nessa atmosfera saturada de consciencia
de 40, dentre os quais emergiu um grupo que deu um tom pole- crftica e polemica, assumem papel de extremo relevo conceitos
mico a pr6pria consciencia de ja nio mais repetir trar;os aciden· de origem filos6fica ( aliena,äo, praxis, supera\äo, dialetica), que
tais do Modernismo. E a chamada "gera~äo de 45", na qual se cruzam armas com nQ\'.Öes de Cibernf:tica e da Teoria da Infor-
tem incluido nomes dispares que ,a~esC?ntaram em comum ape- mai;äo ( entropia, redundfiltcia, emissor, receptor, c6digo, mensa-
nas o pendor para certa dict;äo· nobre e a volta, nem sempre sis- gem). Ao mesmo tempo, o discurso sobre a arte se afasta do
tem3tica, a metros e a formas fixas de cunho clS:ssico: soneto, vocabul3rio existencial ( angUstia, autenticidade, opi;äo, imagi-
ode, elegia ... ( a43 ). Enquanto grupo, esses nomes näo tive- nario ... ) corrente nos anos do imediato pos-guerra. Uma s€de
ram influencia duradoura; mas como tendiam a pesquisa formal, de atualiza~äo t6:nica, um gosto - e 3.s vezes um maneirismo -
repropuseram no meio literario brasileiro um problema basico: o da impessoalidade, da coisa e da pedra, entram a compor a lapi-
da concepfäO de poesia como arte da palavra, em contraste com losa mitologia do nosso tempo, correndo o risco de tomar por
outras abordagens que privilegiam o material extra-estetico do joio 0 trigo de valores que 0 homem vem ha seculos arduamente
texto. conquistando.
Os melhores poetas da segunda metade do sc!culo tem res- Este e o universo mental onde estamos inseridos; e näo
pondido de modo vario aos desafios cada vez mais prementes que parece de todo insensato, se descermos as razöes da aridez que
a cultura e a prixis lanr;am ao escritor. E que se chamam, por nos cerca, esperar das pof:ticas da dureza e da agressividade algo
exemplo, guerra fria, condir;äo atOmica, lutas raciais, corrida in- mais que a f3.tua cornplacencia na dureza e na agressividade: a
terplanet3ria, neocapitalismo, Terceiro Munda, tecnocracia. . . E, denllncia do que af est3 e a procura de urna cornunica\äO mais
vindos embora, em sua grande parte, do formalismo menor e es- livre e inteligente corn o semelhante.
tetizante que marcou o clima de 45, lograram atingir um plano Nos textos dos poetas estudados ou apenas referidos abai-
mais alto e complexo de integra\äo, de que säo exemplos os po- xo, o leitor reconhecera os temas e as formas predominantes na
derosos poemas de Ferreira Gullar e de Mario Faustino, os ela- poesia conternpor3.nea.
borados experimentos da poesia concreta (_Haroldo de Campos,
Augusto de Campos, Decio Pignatari, Jose Lino Grünewald,
Carlos Drummond de Andrade (34•)
Jose Paulo Paes, Pedro Xisto ... ) e da poesia-praxis ( Mario
Chamie ) , alem de todo o itinerario do maior poeta brasileiro de
nossos dias, Joäo Cabral de Melo Neto. 0 primeiro grande poeta que se afirmou depois das es·
treias modernistas foi Carlos Drummond de Andrade. Definin-
Renovar a linguagem esta no cerne das preocupai;öes e dos
projetos de todos. Mas subsistem divergencias sensiveis_ sobre
(344) CARLOS ÜRUMOND DE ANDRADE (ltabira, MG, 1902). Des·
o modo de entender as fronteiras entre poesia e näo-poesia, so- cendente de povoadores e mineradores de ouro das Gerais, passou a inf&ncia
bre o tipo de media~äo que se deve propor entre o ato estetico numa fazenda de Itabira. Fez os estudos secund.irios em Friburgo e em
e OS demais atos humanos ( etices, poHticos, religiosos, vitais)' Belo Horizonte, onde cursou Farm3cia e foi professor de Geografia. Ern
ou ainda sobre as reia\6es que se podem estabelecer entre o poe- 1925 fundou, com Emilia Moura, Joäo Alphonsus e outros escritores mi-
neiros, A Revista que, apesar da sua' curta durar;äo, foi o 6rgäo rnais im-
ma e o objeto de consumo, a imagem da propaganda, o slogan portante do Modernismo no Estado. Transferindo-se para o Rio em 33,
polftico, a can~äo popular e outras manifesta\öes de uma cultu- ingressoti no Patrimönio Hist6rico e Ardstico Nacional. Fez sempre jor-
nalismo e escreve ate hoje para 0 Correio da Manhä. Obra: Algum11 Poe-
sia, 1930; Brejo das Almas, 1934; Sentimento do Mundo, 1940; Poesias,
( 343) Entre outros, Domingos Carvalho da Silva, Pericles EugCnio 1942; A Rosa do Povo, 1945; Poesia Ate Agora, 1948; Claro Enigma,
da Silva Ramos, Geir Campos, Ledo Ivo, Jose Paula Moreira. da Fonseca, 1951; Viola de Bolso, 1952; Fazendeiro de Ar & Poesia Atl Agora, 1953;
Tiago de Melo, Paula Mendes Campos, Marcos Konder Reis, Bueno de Viola de Bolso Novamente Encordoada, 1955; Poemas, 1959; Li~äo de
Rivera, Geraldo Vidigal, Dantas Mota, Mauro Mota, Ciro Pimentel, Afon- Coisas, 1962; Versiprosa,. 1967; Boitempo, 1968; Reuniäo (com pref3cio
so FClix de Sousa, Paula Bonfim ... de Antönio Houaiss), 1969; As lmpurezas do Branco, 1973; Menino An-

492 493
do-lhe lucidamente o car:ith, dis~ Otto Maria Carpeaux da sua vididos por for,a de um programa. Ha um tecido conjuntivo a
obra que "expressao duma· alma muito pessoal, e poesia objeti- uni-los e a suste-Ios, o sentimento do mundo do poeta, tambem
va" ( 345). Parece-me que "alma muito pessoal" significa, no negativo ·na medida em que se ensombra com os tons cinzentos
caso, a aguda percep.;äo de um intervalo entre as conven.;öes e a da addia, do desprezo e do tedio, que tudo resu!ta na irrisäo da
realidade: aquele hiato entre o parecer e o ser dos homens e dos existencia.
fatos que acaba virando materia- Nivilegiada do humor, trac;o
constante na poesia de DrurhffiOnd. A pr3.tica do distanciamen-
0 Drummond "poeta publico" da Rosa do Povo foi a fase
to abriu ao poeta mineiro as portas de uma expressao que remete intensa, mas breve, de uma esperan.;a que nasceu sob a ResistCn-
ora a um arsenal concretissimo de coisas, ora a atividade IU.dica cia do mundo livre 3 fU.ria nazi-fascista, mas que logo se retraiu
da razäo, solta, entregue a si mesma, armando e desarmando dU- com o advento da guerra-fria. A civiliza,äo que se forma sob
vidas, mais amiga de negar e abolir que de construir: os nossos o1hos, fortemente amarrada ao neocapitalismo, a tecno-
cracia, 3s ditaduras de toda sorte, ressoou dura e secamente no
e a poesia mais rica eu artistico do Ultimo Drummond, que volta, com freqüCncia, 8
e um sinal de menos.
ariJez desenganada dos primeiros versos:
Os pülos coisa-razäo, que fazem de Carlos Drummond um
poeta reclamado pela vanguarda tecnicista, näo se acham nele di- A poesia e incomunicSveJ.
Fique quieto no seu canto.
Näo ame.
tigo (Boitempo - II), 1973; 0 Marginal Clarindo Gato, 1978. Ern Prosa:
Confissöes de Minas, 1944; 0 Gerente, 1945; Cantos de Aprendiz, 1951;.
Passeias na Ilha, 1952; Fala, Amendaeira, 1957; A Balsa e a Vida, 1962; A partir de Claro Enigma ( 1948-51), o desencanto que so-
Cadeira de Balanr;o, 1966. Consultar: Joäo Ribeiro, Os Modernos, Rio, brcvcio a fugaz experiencia da poesia politica tem ditado ao poe-
Academia Brasileira de Letras, 1952; Agripino Grieco, Evolur;äo da Pae-
sia Brasileira, Rio, Ariel, 1932; Tristäo de Ataide, Estudos, 5.0 serie, Rio, ta dois modos principais de compor o poema:
Civ. Brasileira, 1935; Manuel Bandeira, CrOnicas da Provincia da Brasil, a) _ Escavar o real mediante um processo de interrogac;öes
Rio, Civ. Brasileira, 1937; Eduardo Frieiro, Letras Mineiras, Belo Hori-
zonte, Os Amigos do Livro, 1937; Alvaro Lins, ]flrnal de Critica, 1." serie, e negac;oes que acaba revelando o vazio a espreita do homem no
Rio, Jose Olympia, 1941; M3rio de Andrad~, Aspectos da Literatura Bra- cora\ä:o da materia e da Hist6ria. 0 mundo define-se como "um
sileira, Rio, Americ-Edit., 1943; Otto Maria Carpeaux, Origens e Fins, v:icuo atormcntado, / um sistema de erros". Se ha um existen-
Rio, Casa do Estudante do Brasil, 1943; Alvaro Lins, Jornal de Critica, cialismo nihilista codificado em poesia, ele se colhe da leitura de
3.a serie, Rio, J. Olympia, 1944; 5.a serie, 1947; Roger Bastide, Poetas
da Brasil, Curitiba, Guafra, 1947; Sergio Milliet, Dilirio Critico, vol. IV, poemas at~radamente reflexivos como "A lngaia Ciencia", "Me-
S. Paula, Martins, 1947; Gilda de Melo e Sousa, Dois Paetas, in Revista müria'', "Morte das Casas de Ouro Preto", 11 Convfvio", "O En-
Brasileira de Poesia, S. Paula, II, abril de 1948; AntOnio Houaiss, "Poe- terra<lo Vivo", "Eterno", "Destruic;äo", e se nos da abertamen-
sia e Estilo de Carlos Drummond de Andrade", in Cultura, Rio, 1/1, te em certos fechos escritos sob o signo do näo:
set.-dez. de 1948; Othon Moacyr Garcia, Esfinge Clara. Palavra-puxa-pa-
lavra em Carlos Drummond de Andrade, Rio, Livr. S. Jose, 1955; Aires
e nada resta, mesmo, do que escreves
da Mata Machado F. Critica de EStilas, Rio, Agir, 1956; Aurelio Buar-
0
,

que de Holanda, Territ6rio Lirico, Rio, 0 Cruzeiro, 1958; AntOnio e te fon;ou ao exilio das palavras,
Houaiss, Seis Paetas e um Problema, Rio, M.E.C., 1960; Supl. Ljter3rio senäo contentamento de escrever,
de 0 Estado de Säo Paulo de 27 de outubro de lß62, em comemorai;äo enquanto o tempo, em suas formas breves
do 60. aniversario do poeta: Helcio Martins, A Rima na Poesia de
0 ou Iongas, que sutil interpretavas,
C. D. A,. Rio, Jose Olympia, 1968; Luis Costa Lima, Lira e Antilira se evapora no fundo do teu ser?
(Mliria, Drummond, Cabral), Rio, Civ. Bras., 1968; Gilberto Mendorn;a (Remissäo)
Telles, Drummond. A Estilistica da Repeti,äo, Rio, JosC Olympia, 1970;
AntOnio Cändido, Vlirias Escritos, S. Paula, Duas Cidades, 1970; Affonso o agudo olfato,
Romano de Sant'Anna, Drummand, a "gauche" na Tempo, Rio, Lia Ed., o agudo olhar, a mäo, Iivre de encantos,
1972; J. Guilherme Merquior, Verso Universo em Drummand, Rio, 1975. se destroem no sonho da existCnda.
( 345) Ern Origens e Fins, Casa do Estudante do Brasil, 1943, p. 331.
( A Ingaia Ciencia )
494 495
De tudo quanto-foi mar passo caprichoso qual a vida autentica e a que tem por horizonte Unico a certeza
na vida, restarii, pois o resto se esfuma, da morte.
uma pedra que havia em meio do caminho.
A aboli>äo de toda cren,a, o apagar-se de toda esperan>a
(Legado) trazem consigo o autofechamento do espfrito que se crispa entre
cis-me a dizer: assisto a sensac;iio e a Coisa ( 347 ), recusando-se a operar o salto, a ruptu-
alCm, nenhum, aqui, ...., ra, a passagem, que lhe parecem apenas como ilusöes a perder.
mas näo sou eu, t*m isto. Nas paginas finais de Claro Enigma, o momento da negatividade
{Sonetilho do falso Fernando Pessoa) traduz-se pela dor do desgaste c6smico, como se a sina da queda
E calamos em n6s, sob o profunde näo tivesse poupado nenhum ser vivo, condenando todo o exis-
instinto de existir, outra mais pura tente a regredir ao silencio do reino mineral:
vontade de anular a criatura.
As mais soberbas pontes e ediffcios,
(Fraga e Sombra) o que nas oficinas se elabora,
Entäo, desanimamos. Adeus, tudo! o que pensado foi e logo atinge
A mala pronta, o corpo desprendido. distäncia superior ao pensamento,
resta a alegria de estar s6 e mudo. os recursos da terra dominados,
e as paixöes e os impulsos e os tormentos
De que se formam nossos poemas? Onde?
()uc sonho envenenado lhes responde, e tudo o que · define o ser rerrestre
se o poeta C um ressentido, e o mais säo nuvens? ou se prolonga atC nos animais
( Conclusäo) au chega As plantas para se embeber

1! sempre nos meus pulos o limite. no sano rancoraso das min&ios,


1! sempre nos meus Iabios a estampilha. da valta ao munda e tarna a se engalfar,
1! sempre no meu näo aquele trauma. na estranha ordern geomC:trica de tudo,

Sempre no meu amor a noite rompe.


Sempre dentro de mim meu inimigo. e o absurde original e seus enigmas,
E sempre no meu sempre a mesma ausfuida. suas verdades altas mais que todos
monumentos erguidos a verdade;
( 0 Enterrado Vivo)
e a mem6ria <los deuses, e o solene
A alta freqüencia com que o motivo ocorre convida a pro- sentimento de morte, que floresce
no caule da exist@.ncia mais glariosa.
curar uma integrat;iio numa das linhas centrais do pensamento
moderno. Freud, retomando uma ideia-for,a de Schopenhauer, (A M:iquina do Munde)
afirmou, em Alt?m do Principio do Prazer: "Se, como experien-
cia, sem excet;iio alguma, temos de aceitar que todo ser vivo mor- b) Fazer as coisas e as palavras - nomes de coisas
re por fundarnentos internos, voltando ao inorgänico, poderemos b~iar nesse v3cuo sem bordas a que a interroga\'.iio reduziu os
dizer: o obietivo de toda vida e a morte. E com igual funda- re1nos ?o
ser: Da. poesia metafisica das anos de 50 passa Drum-
mento: o inanimado existia antes do animado" ( 346). mond a poesta ob1ectual de Lir;äo de Coisas ( 1959-62) livro em
'l:ue 0 p_rocesso b3sico e a linguagem nominal: " ( 0 p~eta) pra-
Outra niio era a visiio de Leopardi que recebera dos Sete-
t1ca, ma1s do que antes, a violai;iio e a desintegrac;äo da palavra,
centos o sensismo lucreciano calcinado pelo sorriso de Voltaire;
outra näo e a moral inerente a ontologia de Heidegger para a
(l
94 ~ ·;;i1 , JaI;J"oaparena
3
poema em prosa
"O Enigma", fecho das Novos Poemas
( 346) Ern Obras Completas, trad. esp., Madrid, BibL Nueva, 1948, ~ 1magem
petrea da CoISa, sintese de um untverso
acluso que barra o cam1nho a qualquer dec1fra~äo
vol. II, pag. 1104.

496 497
sem entretanto aderir a qualquer --receita poetica vigente" (Apre- a foice o fasdculo
sentar;äo). a lex o judex
o maiö o avö
De fato, Drummond aportou coerentemente a uma op<;äo a ave o mocot6
concreto-formalista radicalizando processos estruturais que sem- o s6 o sambaqui
pre marcaram o seu modo de escrever. A aten<;äo ao nome em
si remonta a poemas de 1942 ( "O ~utador") e de 1943 ("Pro- A rima, final au interna, a assonäncia, a aliterac;äo, o sim-
cura da Poesia") e a afirma~öes crfticas do livro de prosa Con- ples eco, no fundo a repetic;äo compulsiva do som-coisa, e a ope-
fissöes de Minas ( 1944):
ra~äo tecnica que persiste depois de abolidos os liames com a
A medida que envelhec;o, vou me desfazendo dos adjetivos. sintaxe paetica tradicional ( e "tradicional" vai aqui ate o versa
Chego a ver que tudo se pode dizer sem eles, melhor que com eles. livre). 0 nominalismo extremo da as mäos ao extremo fisicalis-
Por que "noite gelida", "noite solit<iria", "profunda noite"? Bas- mo: as estruturas justapöem-se mostrando em si mesmas a im-
ta "a noite". 0 frio, a solidäo, a profundidade da noite estäo la· possibilidade do canto que, aceita, se erige em norma. Talvez
tentes no leitor 1 prestes a envolve-Io, 3. simples provoca\äo dessa
palavra "noite" ( p:ig. 218). seja esta a Unica forma de comunicac;äo que o poeta Carlos· Drum-
mond de Andrade pode oferecer a seu tempo: a antilira que cor-
ta os vfnculos com a expressäo transparente dos afetos, näo para
Na verdade, desde Alguma Poesia foi pelo prosaico, pelo
nega-los enquanto tal ( o que seria paradoxe calculado ou simples
irönico, pelo anti-ret6rico que Drummond sc afirmou como poe-
tra<;o esquiz6ide), mas para pör em evidencia a condi<;äo de absur-
ta congenialmente moderne. 0 rigor da sua fala madura, las-
de feroz em que mais uma veZ esta submergido o vasto mundo.
treada na recusa e na contensäo, assim como o fizera homem de
esperan~a no momento participante de A Rosa do Povo o faz Munda que lhe ditou A Bomba:
1

agora homem de um tempo reificado ate a medula pela dificul- A bomba


dade de transcender a crise de sentido e de valor que r6i a nos- e uma flor de pin.ico apavorando OS floricultores
sa epoca, apanhando indiscriminadamente as velhas elites, a bur- A bomba
guesia afluente, as massas. e 0 produto quintessente de um laborat6rio falido
A bomba
A teoria do poema-objeto pode ser contestada por mais de e miseria confederando milhöes de miserias
uma filosofia; mas näo se dira, sem grave dano da verdade, que A bomba
ela näo corresponde com precisäo a mentalidade que circula nos e estt'.ipida e ferotriste e cheia de rocamboles
meios cultos do Ocidente desde os fins da decada de 50. Im- A bomba
personalismo, tecnicismo, instrumentalismo percorrem a mesma e grotesca de täo metuenda e c~a a perna
rota: um vaivem dos sentidos ao objeto, do objeto aos sentidos;
quando o caminho se alarga, entreveem-se os termos mais abstra· A bomba
amanhä promete ser melhorzinha mas esquece
tos da razäo e da forma; e ao empirismo inicial vem juntar-se A bomba
uma forma refinada de neoposiiiyismo que est6., pore1n, sempre näo est:i no fundo do cofre, estii principalmente onde näo esci
correndo o risco de regredir ao empirismo bruto e sem media~öes A bomba
de onde partiu. E dessa fronteira que se aproxima Drummond mente e sorri sem dente
ao tocar o limite da poema-objeta em "Isso e aquilo", de Lü;äo
de Coisas: A bomba
näo e seria, e conspicuamente tediosa
0 f<icil o fOssiI A bomba
o mfssil o fissil envenena as criani;as antes que comecem a nascer
a arte o infarte A bomba
o ocre o canopo continua a envenen<i-las no curso da vid:i
a urna o farniente

498
499
A bomba
e uma inflama<;Bo 'no ventn: da primavera
com n1ateriais tomados a fantasia, opcra un1a potenciai;äo das
A bomba imagcns cotidianas. 0 efeito estetico s6 näo e do puro caos por-
tem a seu scrvii;o mUsica estereof6nica c rnil \ aletes de ouro,
1 que o poeta recomp6e os mil estilhai;os da sua imaginai;äo em
cobalto e ferro alem da con1parsaria urn vitral desmesurado de crente surrealista. Assim, a dcsarti-
A bomba cula<;äo da ordern convencional, que o aproxima do cetico Drum-
te1n supern1ercado circo bibli!2tec!l csqu;idrilha de misseis, etc.
A bomba näo admitt' que nil'l"guem se de ao luxo de inorrer rnond, e nele apenas um primeiro passo para a reconquista de um
de cänccr parafso que, naturalmente, näo tera o ar devoto de velhos ritua-
A bo1nba lismos, mas se abre aos olhos do poeta como un1 universo aque-
e cäncer cido pela Gra,a.
A bomba
Murilo e poeta <le ader€:ncia ao ser, poeta c6smico e social
co1n ser uma besta confusa da tempo ao homem para que se que aceita a frui<;äo dos valores primordiais. Tendo mantido fir-
salve me a sua änsia libertciria, änsia que partilhou com o Modernismo
A bomba anterior a 30, jamais cai em formas antiquadas de apologCtica.
näo destruir8. a vida Mfstico, ele perfura a crosta das instituii;öes e das costumes cul-
0 homcm
{ tenho esperani:;a) liqüidara a bomba ( ,., ) . turais para mordet o cerne da linguagem religiosa, que e sempre
liga<;äo do homem com a totalidade. Esse o sentido geral de sua
Murilo Mendes ( 3 '") obra, a que s6 escapa o ciclo de poemas humoristicos anteriores
a 30, que fazem o giro piadistico de um Brasil morno e provin-
Com Drummon<l de Andrade tem em comum o tambem mi- ciano e ecoam a maneira inicial de M<irio e Oswald de Andrade.
neiro Murilo Mendes a rccusa as formas batidas e o senso vivfs- Com o Visiondrio, ja entramos em cheio no clima onirico e
simo da modernidade como libera(iio. Mas o seu pensamento alucinat6rio que envolveria sempre a sua poesia. Foi Joäo Ca-
trilha veredas opostas as do enxuto minera<lor de Claro Enigma. bral de Melo Neto quem acertou no alvo quando reconheceu:
E pensan1ento que näo r6i o real, mas multiplica-o, exalta-o e,
Lica. A partir de 1953 tcm vivido quase exclusivamente na Europa e, des-
(''') Ern obras posteriores (Boitempo, As l,:;;purezas do Branco, Me- de 57, em Roma, onde ensina Literatura Brasileira. Ern todos esses anos,
nino Antigo) o poeta renova-se paradoxalmente pelo franco apelo :'t me- ~1. J\1cndes tem-se revelado um dos no~sos escritores mais afins a van-
m6ria da infäncia, matriz recorrente de in1agens e afetos. Essa reabertura guarda artlstica europeia, o que, no entanto, näo o aparta das imagens e
de UIU veio biogrrifico pode interpretar-se a
luz da obra inteira de Drum- dos sentimentos que o prendem :ls suas origens brasileiras c, estritamen-
mond como uma alternativa a corroslio lancinante de sua pocsia madura; te, n1ineiras. Obra: Poemas, 1930; Hist6ria do Brasil, 1932; Tempo e
mas pode tambem entender-se como sinal dos tempos: a decada de 70 fternid11de, 1935; A Poesia em Pdnico, 1938; 0 Visiondrio, 1941; As
assistiu a retomada de um discurso Hrico mais livre do que o proposto ( ou /\;f('ta111orfoses, 1944; Afundo Enigma, 1945; Poesia Liberdadc, 1947; Con-
tolerado) pelas vanguardas do decenio anterior. Ern Drummond, porem, o lcmp!qi;äo de Ouro Prcto, 1954; Poesias (1925-1955), 1959; Tempo Es-
tom reflexivo e os descantc~ humoristicos persistem como car3.ter distin- panhol, 1959; Converg(ncia, 1970. Ern prosa: () Discipulo de F.maUs,
tivo que o estrema da mes1na corrente em que parccc dcixar·se prazero- 1944; A Jdade do Serrote, 1969; Policdro, 1972; Retratos Reld111pago,
samente arrastar. [1\lota de 1979.] ~. d_ Consultar: Joäo Ribeiro, Critica. ()s Modernos, Rio, A. B. L., 1952;
Agripino Grieco, Evolu<;Clo da Poesia Brasileira, cit.; Tristäo de Ataide,
r148) rv!URILO MoNTEIRO MENDES (Juiz de Fora, MC;, 1901). Es- lstudos, 5: serie, Rio, Cic. Bras„ 1935; Andrade Murici, A Nova Litera-
tudou na sua cidade e em Nitcr6i, come<;ou o curso de Direito, mas logo tura Br11sileira, P. Alegre, Globo, 1936; Mririo de Andrade, 0 Empalha-
o interrotnpcu. Foi scn1pre um homem inquieto passando por atividades dor de Passarinho, S. Paulo, Martins, 1946; Mririo de Andrade, Aspectos
dbpares: auxiliar de guarda-livros, pratico de dentista, telegrafista apren- da Literatura Brasileira, Rio, Americ-Edit„ 1943; Alvaro Lins, Jornal de
diz e, cn1 melhores dias, notcirio c Inspetor fedcral de Enisno. Näo n1e- Critica, 2." serie, Rio, 1943; 5: serie, 1947; Sergio Milliet, Didrio Critico,
nos rica de experiencia foi a sua vida espiritual e litetriria: tcndo estn.:ado S. Paulo, Brasiliense, 1944; Otto Maria Carpeaux, "Unidade de Murilo
ern revistas do Modernismo, Terra Roxa c Outr11.1 'l'erras e Antropofagia, i\1cndc.:s", in Religiiio, Recife, n.u 11. 1949; Pericles EugCnio da Silva Ra-
conhcccu de perto a poCtica primitivista e surrealista que as anin1ava; em rnos, "O Modernismo na Poesia'', in Literatura no Brasil, cit_, vol. III,
1934. converteu-se ao Catolicismo, partilhando com o pintor Ismael Nery t 1; Luciana S. Picchio, "La poesia in Brasile. Murilo Mendes", in Re-
( \'.) o fervor por uma arte que transmitisse conteUdos religiosos cm c6di- 11otu di Letterature Moderne e Comparate, XII/1, man;o de 19_59; Lais
gos radicalmente novos. Foi sempre asscrtor da liberJade politica e este- (,urrei~1 de AraUjo, Murilo Mendes, Pctr6polis, Vozes, 1971.

500 5Ul
"a poesia de Murilo nle ffij sempre mestra, pela plasticidade e A Virgem devc gerar o Filho
novidade da imagem. Sobretudo foi ela quem me ensinou a dar Que e seu Pai desde toda a eternidade.
A sombra de Deus se alastrara pelas eras futuras.
precedencia a imagem sobre a mensagem, ao plastico sobre o dis- 0 hornem caminhara guiado por uma estrela de fogo.
cursivo". Nessa caracterizac;äo reconhecem-se o processo futu- Havera mUsica para o pobre e ai;oites para o rico.
rista da montagem e o processo surrealista da seqüencia onirica; Os poetas celebraräo suas relai;öes com o Eterno.
a combina>äo de ambos faz-se pelO' tftl~o· comum, associativo, que Muitos medinicos sentiräo nostalgia do Egito.
A serpente de asas sera desterrada na lua.
permite se justaponham sintftica e simbolicamente os dados da A Ultima mulher sera igual a Eva.
imagina"1o. Joäo Cabral viu com nitidez: de um lado, a plasti- E o Julgador, arrastando na sua marcha as constelai;öes,
cidade, isto e' 0 espac;o poCtico cheio de formas e imagens; de Revertera todas as coisas ao seu prindpio.
outro, a novidade, isto e, as rela~s ins6litas que emergem do (0 Profeta)
fluxo pre-consciente:
A mulher do fim do mundo As mesmas v1soes teol6gicas säo interiorizadas pelo poeta
Da de comer 3s roseiras, que passa do epos biblico a melopeia cristii:
D.i de bcbcr iis cstatuas,
Da de sonhar aos poetas. Antes de eu nascer tu velavas sobre mim
A mulher do fim do mundo E mandaste teu anjo substituir minha mäe morta.
Chama a luz com um assobio, Eie me continha quando eu corria a beira·mar
Faz a virgem virar pedra, Ou quando me debrui;ava sobre o abismo,
Cura a tempestade, Cantava serestas e acalantos
Para aplacar minhas horas de pedra.
Desvia o curso dos sonhos,
Escreve cartas ao rio, ( Novissimo Jac6)
Me puxa do sono eterno
Para os seus bra.;os que cantam. Nos seus livros principais, A Poesia em Pdnico As Meta·
1

( Mctade Pissaro) morfoses e Poesia-Liberdade, Murilo Mendes objetiva a sua per-


plexidade em face de um mundo desconjuntado (sempre a obses-
0 caos recebe carisma religioso em Te"1po e EterniJade, es- säo do caos), que deve, porem, resgatar·se em vista dos valores
crito em parceria rom Jorge de Lima, e abertamente votado a absolutos: Eros e Liberdade: A palavra do poeta entende sacra-
"restaurar a poesia em Cristo". A renova~äo da literatura cris- lizar todos OS fen6menos como cre ter agido 0 Verbo ao penetrar
tä, que nos anos de 30 contou com os nomes de Ismael Nery, no ämago da Hist6ria. E ha certos arrancos er6tico·misticos que
Jorge de Lima, Augusto Frederico Schmidt, Otavio de Faria, lembram a poesia prometeica de William Blake:
Vinicius de Moraes, Tristäo de Atafde e outros, teve, como se
sabe, raizes neo-simbolistas francesas. Um Peguy, um Bloy, um Vivi entre os homens
Bernanos, um Oaudel dariam temas e formas ao novo catolicis- Que näo me viram, nem me ouviram
mo latino-americano que neles e nos ensaios de Maritain viu Nem me consolaram.
·Eu fui o poeta que distribui seus dons
uma ponte segura entre a ortodo~ia e algumas formas modemas E que näo recebe coisa alguip.a.
de pensamento ( Bergson), de praxis ( democracia, socialismo) e Fui envolvido na tcmpestade do amor,
de arte. Veio de Murilo a manifesta~äo literaria mais radical des- Tive que amar ate antes do nascimento.
sa diretriz no Brasil. 0 versiculo biblico, valorizado por Peguy e Amor, palavra que funde e que consome os seres,
Claude!, da livre modula~o a mensagem religiosa e satura-se de Fogo, fogo do inferno: melhor que o ceu.
imagens terrestres que entram como signos de uma liturgia c6s- (Amor-Vida)
mica onde se cruzam planos dispares de espa~ e tempo. Reapa-
Eu me encontrei no marco da horizonte
rece a rica simbologia das Escrituras: a mä:o do Eterno, a genese Onde as nuvens falam,
do universo, Lucifer-Serpente, Adäo e Eva e a reden~äo proje- Onde os sonhos tem mä"os c pes
tam·se na hist6ria e compöem quadros de dimensöes apocalipticas: E o mar e seduzido pelas sereias.

502
503
f I Lua. luar,
' Eu me encontrci„ onde o- real e fibula,
Näo confundamos:
Onde o sof recChe a luz da lua,
Onde a mllsica e päo de todo dia Estou mandando
E a crian~a aconselha-se com as flores, A Lua luar.
Luar C vcrbo,
Onde o homem e a mulher säo um, Quase näo C
Onde espadas e granadas Substantiva.
Transformaram-se em cha-l'llias,"
E onde se fundem• Verba e ai;äo.
( A Marcha da Hist6ria) E tu Cs cklica,
Onica, onfrica,
Envolver8nica,
A presen~a do eterno-feminino ( a Mulher, Berenice, Eva) Musa lunar.
ora opöe-se ora une-se 3.s aspira<;öes religiosas; pode-se dizer mes- Ö Iua pla'.stica,
mo que a tensä:o entre 0 profane e 0 sagrado, resolvida afor<;a Ö lua apla'.stica,
de rupturas ou de colagens violentas, da 0 significado ultimo des- M6ve1, im6ve1,
se momento central da poesia muriliana: Pagii, cristii,
Lua de alc3nfora,
HS grandes fori;as de mat6ria na terra no mar e no ar Lua de enxofre,
Que se entrela~am e se casam reproduzindo E de alumfnio,
Mil versöes de pensamentos divinos. ExcCntrica e
A matc!ria eforte e absoluta, Erodntrica,
Sem ela näo ha poesia. Ouvimos rä:pidos
Os teus cronOmetro~
No daro espa~o
Desde os Sonetos Brancos ( 1948), a voca~äo para o real, Microssoando.
täo forte que abra<;a tambem o real-imagin3rio, o supra-real, tem
Lua humanada,
levado o poeta a avizinhar-se da paisagem e dos objetos em busca Violantelua,
de formas e dimensoes concretas. Tendenci'I. que e um dos sulcos Lua mafalda
mais fundos da poesia contempor3.nea e que aproxima poetas de Lua adelaide
linguas diversas (Pound e Montale, Ponge e Drummond, Murilo Lua exilanda
a
e Cabral de Melo Neto) enquanto repropöe Estetica a questiio
da objetividade e, nos casos-limite, da autonomia da palavra ar·
tfstica. A disciplina sem3.ntica e o recurso a metros exatos säo os Os trabalhos mais recentes de l\lurilo. Tempo Espanhol,
aspectos mais evidentes dessa diretriz näo s6 nos Sonetos Brancos, Exercicio e Contactos, compostos na decada de 60, ratificam o
como tambem nessa obra-prirna de visäo e ritmo que e Contem- seu ingresso na pesquisa experimental que ve no trato da lingua-
plaräo de Ouro Preto, atC agora o ponto mais alto da carreira li- gem o primeiro dever do escritor.
teraria de Murilo Mendes. Nesta-.obra a hist6ria e a paisagem de
Vila Rica desdobram-se em compactas series de nomes e verbos
para se fundirem depois na mllsica envolvente da evocar;äo. 0 Jorge de Lima ('")
poema procura colher a essencia rnesma da barroco mineiro -
tacteando ainda nos ternos labirintos, / palpando-se nos planos Este poeta, que, a certa altura da sua hist6ria espiritual,
pensativos / das origens1 de antigas estruturas, - e da arte do partilhou com Murilo Mendes o projeto de "restaurar a poesia
Aleijadinho feita de espanto e de un,äo.
0 acesso ao corpo da palavra, 3 sua materia significante, ( 349) ]ORGE DE LIMA ( Uniäo, Alagoas, 1895 - Rio, 1953 ). Es·
d3-se no ciclo "A Lua de Ouro Preto" em que aiternam as fun- rudou humanidades em Macei6 e Medicina em Salvador e no Rio de Ja·
neiro. Exerceu em sua terra e na ex-capital a profissäo. Alem de inte-
<;Öes expressiva e metalingüfstica:

504
em Cristo", conheceu uma acidefitada evolu<;äo liter<lria. Come- religiosa, a onfrica), embora organicamente lirico, isto ~' enraiza-
<;ou como sonetista neopai-nasiano e chegou ate a "prfncipe das do na propria afetividade mesmo quando aparente dispersar-se
poetas de Alagoas", tftulo que lhe valeram os XIV Alexandrinos, em nota<;6es pitorescas, em ritmos folcl6ricos, em glosas dos gran-
dentre os quais um virou antol6gico, "O Acendedor de Lam- des cl:issicos. E importante ressalvar esse ponto, porque sem a
piöes". Mas o contato com o Modernismo em geral e, parti- sua inteligencia poderiam soar gratuitas as muta~6es de tema e
cularmente, com o grupo regionali~a do Recife ( Lins do Rego, de forma que marcam a linguagem de Jorge de Lima, poeta su-
Gilherto Freyre, Olivio Montenegro) ajudou o poeta a desco- cessivamente regional, negro, bfblico e hermetico.
brir a sua voca<;äo de artista de mUltiplas dimens6es ( a social, a 0 roteiro da sua produ,äo foi ponruado pela descida as fon-
tes da mem6ria e do inconsciente. Na fase horizontal, o poeta
deteve·se em um catolicismo sincretico, sertanejo e santeiro: nela
ressar-se vivamente pelas artes plasticas ( quadros, fotomontagens ), foi pro-
fessor de Literatura na Universidade do Brasil e fez poHtica nos anos que
0 sentimento do sagrado vive aflor d':igua e se mistura com 0
se seguiram a qucda da ditadura ( vereador a C3mara da antigo D. Fede- gosto da tetra, do povo, dos vlnculos sociais concretos. 0 pro-
ral). Fatos capitais do seu roteiro espiritual foram o contacto com o Mo- cesso de composil'ao mais comum e o raps6dico, lembrando de
dernismo nacionalista em 1925 e, dez anos depois, a conversä:o a uma for- perto as seqüencias invocativas de Walt Whitmann: os versos
ma dramatica e moderna de Catolicismo. Obra: XIV Alexandrinos, 1914; alinham, em geral, nomes ou expressöes nominais que sugerem
0 Mundo do Menino Impo.sslvel, 1925; Poemas, 1927; Novos Poemas, o embalo da evoca,ao. Ern Poemas, Novos Poemas e Poemas
1929; Poemas Escolhidos, 193~; Tempo e Eternidade (em colab. com Mu-
rilo Mendes), 1935: Quatro Poemas Negros, 1937; A TUnica lnconsUtil, Escolhidos, Jorge de Lima vale-se dessa tecnica para compor o
1938; Poemas Negros, 1937; Livro de Sonetos, 1949; Obra Poftica (in- vitral daquele Nordeste que seria o tema do painel social de Lins
cluindo os anteriores, mais J nuncia(Zio e Encontro de Afira-Celi), 1950; do Rego; como o narrador de Menino de Engenho, e a mem6ria
lnven(Zio de Orfeu, 1952; Ca.-tro Alves - Vidinha, 1952. Romance: Sa- da infiincia o seu primeiro e mais forte movel. Mas, por tras do
lomao e as Mulheres, 1927; 0 Anja, 1934; Calunga, 1935; A Mulher
Obscura, 1939; Guerra Dentr? do Beco, 1950. Ensaio: A Comedia das
mosaico ingenuo e colorido, o poeta vai reconhecendo as matri-
Erros, 1923; Dois Ensaios (P,oust e Todos Cantam a sua Terra), 1929; zes da sua emotividade que coincidem com a de tantos meninos
Anchieta, 1934; Rassenbildun,'. und Rassenpolitik in ·Brasilien, 1934; D. brancos do Nordeste: o convivio com o negro, portador de mar-
Vital, 1945; Vida de S. Francisco de Assis, 194-2; Vida de Sto. AntOnio, cas profundas tanto na conduta mftica quanto nos hclbitos vitais
1947. Deixou ineditos alguns extos para teatro (A Filha da Mae~D'Agua, e lUdicos. · Os Poemas Negros, que incorporam tantas vozes e
As Mäos, Ulisses) e um arguniento de filme, Os Retirantes. A ed. com-
pleta da sua obra poetica s 1iu pela Aguilar, Rio, 1958. Consultar: ritmos da linguagem afro-nordestina, nos däo pistas para uma de-
Joäo Ribeiro, Critica. Os Mod"rnos, Rio, A. B. L., 1952; Benjamin Lima, cifrac;äo mais cornpleta da religiosidade a um tempo mfstica e
Esse Jorge de Lima/, Rio, Adt rsen, 1933; Agripino Grieco, Gente Nova terrena de Tempo e Eternidade.
do Brasil, Rio, J. Olympio, 19~5; Nestor Vftor, Os de Ho;e, S. Paula,
Cultura Moderna, 1938; Manue; Anselmo, A Poesia de Jorge de Lima, S. Mas a carga afetiva sublimada em prece näo e o Unico tra-
Paula, Revista das Tribunais, 1938; Tristä:o de Atafde, Poesia Brasileira co de uniao entre a poesia negra e a poesia bfblico-crista de Jor-
Contemror!lnea, Belo Horizonte, Paula Bluhm, 1941; Roger Bastide, Poetas ge de Lima: perpassa por ambas um so pro de fraternidade, de
do Brast!, Curitiba, Guafra, 1947; Artur Ramos, "A Poesia Negra e Jorge assun<;äo das dores do oprimido, socialismo inerente a toda in-
de Lima'', in Revista Academica, J{l!I/70, dez. de 1948; Otto Maria Car- terpreta<;ao radical do Evangelho. Nos Poemas Negros, ha mo-
peaux, lntrodu<;äo a Obra Poetica rle J. L., Rio, GetUlio Costa, 1950; JosC
Fernando Carneiro, Apresentaräo de ]arge de Lima, Rio, M. E. C„ 1955; mentos de enfase dada a tensäo entre escravo e senhor, aguc;ada
Maria Faustino, "Revendo Jorge de Lima", serie de artiges para o Jornal pela oposil'äo entre negro e branco;
do Brasil (28-7, 4-8, 11-8, 18-8, 25 8, 1-9 e 8-9-1957; Luls Santa Cruz,
Apresenta<;1io 3.s Poesias, Rio, Agir, 1858; Waltensir Dutra, "Descoberta, Os netos de teus mulatos e de teus cafuzos
Integrm;ä:o e Plenitude de Orfeu", em Obra Completa, Rio, Aguilar, 1958; e a quarta e a quinta gera<;öes de teu sangue sofredor
Eurfalo Canabrava, "Jorge de Lima e a Expressä:o Poetica", ib.; Pericles ten taräo apagar a tua cor !
Eugenio da Silva Ramos, "O Modernismo na Poesia'', em A Literatura no E as gera<;öes dessas gera<;öes quando apagarem
Brasil, cit., vol. III, t. 1; AntOnio Rangei Bandeira, ]arge de Lima. 0 a tua tatuagem execranda,
Roteiro de uma Contradirao, Rio, Livr. S. JosC, 1959; Jpäo Gaspar Si- näo apagaräo de suas almas, a tua alma, negro!
möes, Interpreta(Öes Liter6rias, Lisboa, Arcadia, 1961. Pai-Joäo, Mä:e-negra, FulO, Zumbi.

506 507
negro-fujäo, nqro catl'f'O, negro rcbelde de Andrade reconheceu como a razäo da resistencia do poeta Jor-
negro cabinda, tlegro congo, ncgro ioruba, ge de Lima: "a qualidade lirica da sua imagina,äo". De qual-
negro que faste para o algodäo de U. S. A.
para os canaviais do Brasil,
quer modo, cabe a analise textual distinguir com ateni;äo a ca-
para o ttonco, para o colar de fcrro, para a canga mada concreta, sensfvel, variamente mel6dica, que da a medida
de toJos os senhorcs do mundo; da grande poeta, e a camada doutrin<iria que näo soube resol-
eu melhor compreendo .. a~ra ps teus blues ver-se em imagem e mllsica.
nesta hora triste da ·ra~ Dranca, negro!
A TUnica InconsUtil, momento alto da poesia mfstica brasi-
01', Negro! 01', Negro! leira, foi considerada pelo autor "um poema Unico"; e, de fato,
A ra~ que te enforca, enforca-se de t&lio, negrol a sua leitura nos da imagem processional dos homens e das ida-
des que, saindo "das profundezas do pecado original", caminham
Näo basta iluminarcs hoje as. noites dos brancos 1.'0llltcus para a salvai;äo em Cristo, e reconhecem na poesia a voz e a lan-
[jazzes. terna, signos da palavra verdadeira. Figuras aladas de Chagall,
com tuas dan~, com tuas gargalhadas! clowns de Rouault, anjos flamantes de Peguy compöem o qua-
Ola, Negro! 0 dia esti nascendo! dro imagetico desse livro, deliberadamente aleg6rico como o seu
0 dia esti nascendo ou sccl a tua gargalhada que vem vindo? pr6prio tftulo, do qua! disse em feliz comentario Roger Bastide:
01', Negro!
01', Negro! /\. tUnica ~ o largo e amplo vcstuirio do mundo, mas sem cos-
(01'1 Negro) tura. Quer dizer que o poeta poderi continuar muito bem no mun-
do da multiplicidade, mas abolindo as fronteiras que separam os
Ern Tempo e Eternidade a nota social e integrada no ponto objetos para reencontrar assim, por meio de um subterfllgio indi-
reto, a unidade essencial das coisas ( 350).
de vista da transcendencia em que se coloca o poeta:
Dividamos o mundo entre as miquinas: Näo me parecendo conveniente citar trechos isolados do con~
VEm quinhcntos mil cscravos no bojo das fabricas, texto, indicaria para leitura exemplar alguns dos poemas mais
A metade morreu na cscuridäo, scm ar. intensos do livro: "O Poeta no Temple", "Llimpada Marinha",
Näo dividamos o mundo.
Dividamos .Cristo: "A Morte da Louca", uo grande desastre aereo de entern",
todos ressuscitario iguais "Duas meninas de trani;as pretas", "As palavras ressuscitaräo" e
( A Divisäo de Cristo) cssa obra-prima que e "A Ave".
Os processos de fatura de A Ttinica Inconstitil reiteram-se
A op,äo tematica de Tempo e Eternidade levou Jorge de em Anunciar;Oo e Encontro de Mira-Celi, ciclo de composii;öes
Lima a recorrer a novos c6digos rftmicos, como o versfculo clau- c~jo leit1notiv e a imagem ublqua de Mira-Celi que, como a Bea-
deliano, e a novos conjuntos simb6licos, como as Escrituras ( em tnz de Dante, e e näo e rnulher de carne e ossc na medida em
particular os Salmos e o Cdntico dos Cdnticos) e o material li- que pode aparecer como simbolo da Grai;a:
tUrgico. Par outro lado, o salto· do pinturesco ao musical substi- Quando te aproximas da mundo, Mira-Celi,
tui o texto-painel pelo texto-atmosfera e desloca o eixo literario sinto a sarr;a de Deus arder, em 'cfrculo, sehre mim;
do regionalismo raps6dico para a montagem surreal. Näo foi entäo mil demOnios nOmades fogem nos Ultimos barcos.
por acaso que o nosso poeta ensaiou, algo canhestramente alias, E as planuras desertas se ondulam volutuosas.
o romance surrealista e, com maior felicidade, a pintura de ins- Quando, porem, te afastas, os homens se combatem entre
pira,äo onlrica e a fotomontagem voltada para 0 realismo magico. ranger de dentes;
a vida se torna um museu de p3ssaros empalhados
Nem sempre a poesia da fase engajadamente cat6lica atinge e de cora~5es estanques dentro de vitrinas poentas;
nfvel satisfat6rio de expressividade e de rigor construtivo: uma
ou outra descalda no ret6rico destoa daquele carater que Mario ( 350) Roger Bastide, op. cit., p:ig. 104.

508 509
infelizes crianc;a.S'; que hasceram em botdC.is, escondem-se nrremeter com lan\'.a em riste e archote.
atr3s <los m6veis, E ao firn de tudo ha um anjo, que venceu:
com medo <los homens bebados; Tu, D. Quixote da Anunciacäo.
paira no ar um cheiro de mulher recem-poluida;
passam aviadores desmemoriados em cadeiras <lf> rodas; 0 equih'brio metrico e estr6fico rompe-se na febril "biogra-
veem-se tanques transformados em gaiolas de passaros;
e submarines apodrecendavm- salmoura de suor. fia epica" que e Inven,äo de Orfeu, poema em dez cantos ainda
' .. (Poema 6) a espera de uma exegese capaz de descobrir a unidade subjacen-
te aa vasto arsenal de signas e slmbalos que a poeta arganizau
0 canto de Mira-Celi compunha-se ainda com materiais dis- em tarno de alguns motivas recorrentes: a viagem, a descabri-
postos em torno de uma simbologia fechada. No Livro de Sone- mento da ilha, o subsolo da vida e do instinto, os drculos do In-
tos e, principalmente, na Ultima obra de Jorge de Lima, Inven- ferno e do Parafso, Orfeu e a Musa de vario nome ( Amada,
,äo de Orfeu, da-se a passagem a um nivel mais alto de generali- Beatriz, Ines). As presen~as de Camoes e de Dante explicam-se
za\'.äo dos conteU.dos poeticos que ja näo seräo unilateralmente re- pelo proprio desfgnio de Jorge de Lima: construir uma epopeia
gionais, negros au bfblicos. A mem6ria inteira da infäncia, as centrada na roteiro da homem em busca de uma plenitude sen-
motiva~oes fundas do id, toda a gama de valores humanos entra
slvel e espiritual. E como experif:ncia complexa de estila, In-
a constituir um tesouro de estfmulos de onde o poeta, ~m plena venrao de Orfeu, leque de aitavas classicas, tercetas e ate com-
madureza formal, extrai os sonetos exatos do Livro e as numero- plicadas sextinas, revela um mestre de linguagem, o Ultimo com
sas formas fixas da Inven,ao. A retomada dos metros antigos que conta a poesia cantemporanea em Üngua partuguesa.
que, como se sabe, foi uma constante dos anos de 40, pramoveu
uma certa barroquizafäo das correntes surrealistas cam notaveis
conseqüf:ncias na esfera da gosto liter<irio moderne: o renasci- Augusto Frederico Schmidt ("t)
menta de um GOngora e de um Donne, revistos em uma pers-
pectiva pre-mallarmaica, e, em termos mais gene!ricos, a difusäo Schmidt tambem foi poeta de inspira,äo bfblica, mas, di-
de uma consciencia estetica aguda da poe<ia como ofkio de tra- versamente de Jorge de Lima, näo assistia nele o dom do verso
tar com palavras. Os nomes de Rilke, Eliot, Salinas, Ungaretti, nftido ou o encanto da imagem plastica. Era difusa a sua fala,
Montale, Pound e Dylan Thomas passaram a tutelar mais de romäntica a meladia, derramada a estila. Lidos isaladamente,
perto os compositores de poemas, que, radicalizando as influen- alguns das seus paemas sabem mesmo a ret6rica anacrönica; mas
cias, quiseram chamar-se "puros" ou, com termo menas feliz,
"hermeticos". 0 Livro dos Sonetos e exempla da absOt\'.äO des-
sas tendCncias hermetizantes sem deixar de ser tratamento lfri- ( 351) AuGUSTO FREDERICO SCHMIDT (Rio, 1906-1965 ). Obra: Can-
to do Brasileiro Augusto Frederico Schmidt, 1928; Canto do Liberto Au-
co do material que serviu de base ii obra anterior de Jorge de gusto Frederico Schmidt, 1929; Navio Perdido, 1929; Ptlssaro Cego, 1930;
Lima: Desapari~äo da Amada, 1931; Canto da Noite, 1934; Estrela Solittlria, 1940;
Ha cavalos noturnos: 'mel e fel. Mar Desconhecido, 1942; Fante Invisivel, 1949; Mensagem aos Poetas No-
0 cavalo que vai com Satanas vos, 1950i Ladainha do Mar, 1951; Morelli, 1953; Os Reis, 1953; Poesias
e o cavalo que vai com Säo Migue1 Completas, 1956; Aurora Livida, 1958; Babilönia, 1959; 0 Caminho do
0 cavalo do santo vai atras. Frio, 1964. Ern prosa: 0 Gala Branco (POginas de Mem6rias), 1948.
E vai na frente a azemola cruc1. Consultar: Tristäo de Atafde, Estudos, 3,• serie, 1, Rio, A Ordern, 1930;
Mas väo os dois e cada qual com um as. Tristäo de Atafde, Estudos, 5,• serie, Rio, Civ. Brasileira, 1935; Revista
No cavalo da frente o atro anjo infiel Academica, n.0 53, fev. de 1941 (n.0 dedicado a A. F. S.); Jose Cesar Bor·
com far;anhas de guerra se compraz. ba, "Presen\'.a de A. F. S.", in Revista do Brasil, 3.• fase, IV/36, junho
de 1941; Jose Lins do Rego, Gordos e Magros, Rio, Casa do Estudante do
Säo Miguel de la Mancha, "'D. Quixote, Brasil, 1942; M3.rio de Andrade, Aspectos da Literatura Brasileira, Rio,
Garcia Lorca viu-te, veio-te eu Americ-Editora, 1943; Roger Bastide, Poetas do Brasil, Curitiba, Gualra,
na luta igual com o 3.s da negai;~o. 1947; Aurelio Buarque de Holanda, T errit6rio Llrico, Rio, 0 Cruzeiro, 1958.

510 511
o conjunto e uno e deixa~a impt'Cssä:o de que seus temas centrais E mesmo na veste de uma forma fixa ( o soneto, mas bran-
(morte, solidäo, angllstia,· fuga) näo poderiam ser tratados fora co), mal se represa a orat6ria fluente:
daquela dic\iio intensiva que o poeta lhes deu. Que perfume de terra nos trazia
Na hist6ria da poesia brasileira de 30 a 40, o papel de Este vento que vinha procurar-nos
Na alta janela de tua casa, Amada,
Schmidt, assumido com plena consciencia, foi o de negar tudo Enquanto, olhando o cCu, de amor fallivamos!
o que marcava, a seu ver, ~tita ·grl\uiClade excessiva dos moder-
nistas "her6icos": o coloquial indiscriminado, a piada pela pia- Que perfume de flores desgrenhadas,
da, o gosto do pitoresco e do aned6tico, o neo-indianismo como De rafzes, de folhas e de feno,
De natureza plena e frutos mortos,
bandeira, etc.: De brotos virgens e rafzes pod.res.

Näo quero mais o Brasil Era o vento de outono exasperado


näo quero mais geografia - Que chegava at~ n6s como um gemido,
nem pitoresco. Corno um longo gemido de agonia.
Quero ~ perder-mc no mundo Era o vento de amor c de volUpia,
para fugir do mundo. Era o halito da terra misteriosa,
Da natureza-mäe, fecunda e triste.
0 poeta de Canto da Noite contrapunha as gaiatices de 22
o som grave do seu 6rgäo catedral:icio, näo receando cair na mo-
notonia desde que fugisse a vulgaridade. Vinicius de Moraes ("')
Se recorrermos a uma cortante, mas Util distin~äo de um
grande crltico italiano do seculo passado, De Sanctis, podere- Os primeiros livros de Vinicius tambem foram escritos sob
mos por em duvida as qualidades de artista de Augusto Frederi- o signo da religiosidade neo-simbolista que marcou o roteiro de
co Schmidt, mas s6 por injusti\a ou parti-pris lhe negaremos a {352) MARCUS VINICIUS DE MELO MORAES {Rio, 1913). Fez OS es-
voca\äo de poeta. Poeta naturalmente r!lmantico, de todo en- tudos secundarios com os jesuitas do Colegio Santo Inticio do Rio e for-
tregue ao impulso da sua mensagem religios~. mou-se em Direito. Entre 30 e 40 foi censor e crfrico cinematografico c
estudou Literatura lnglesa em Oxford. lngressando, em. 1943, na carrei-
Leitor da Bfulia e dos poetas cat6licos franceses (Claude!, ra diplom3tica, veio a servir nos Estados Unidos, na Espanha, no Uruguai
Le Tour du Pin e Peguy, em primeiro lugar ), Schmidt tomou- e na Franr;a. Nunca perdeu, porem, o contato com a vida liter8.ria c ar-
-lhes o andamento processional e a visäo simb6Iica da natureza: tistica do Rio de Janeiro que nele tem uma das suas expressöes mais
tipicas. Desde os fins da dCcada de 50, com a afirmar;io da linha musi·
Era um grande pMsaro. As asas estavam em cruz, abertas ca! conhecida por "bassa nova", Vinicius tcm-se dedicado a compor lctras
para OS ceus. para can\i}es populares, fazendo-o com a sua habitual mestria no manejo
A morte, sUbita, o teria precipitado nas areias molhadas. do verso. Obra: 0 Caminho para a Distdncia, 1933; Forma e Exegese,
Estaria de viagem, em demanda de outros ceus mais frios! 1935; Ariana, a Mulher, 1936; Novos Poemas, 1938; Cinco Elegias, 1943;
Era um grande p3ssaro, qu·e a morte asperamente dominara. Poemas, Sonetos e Baladas, 1946 Ptltria Minha, 1949; Livro de Sonetos,
Era um grande e escuro p3ssaro, que o gelado e o repentino 1957; Novos Poemas, II, 1959; Antologia Po!tica, 1960; Para Viver um
vento sufocara. Grande Amor (poemas e crdnicas), 1962; Cord~lia e o Peregrino, 196.5.
Teatro: Orfeu da Conceifäo, 1956. Prosa: Para uma Menina com uma.
Chovia na hora em que o contemplei. Flor, 1966. Consultar: Ottivio de Faria, Dois Poetas, Rio, Arid, 1935;
Era alguma coisa de tr3gico, M<lrio de Andrade, 0 Empalhador de Passarinho, S. Paula, Martins, 1946;
Täo escuro, e täo misterioso naquele ermo. Sergio Milliet, Ditirio Critico, V, S. Paula, Martins, 1948; Martins, 1948;
Era alguma coisa de trligico. As asas que os azuis queimaram Ot:lvio Melo Alvarenga, Mitos & Valores, Rio, INL, 1956; Renata Pallot-
Pareciam uma cruz aberta no Umido areal. tini, "Vinlcius de Moraes: aproximar;äo", S. Pauio, Revista Brasiliense, 1958;
0 grandc bico aberto guardava um ~rito perdido e terrfvel. Dora Ferreira da Silva, "A temtitica da poesia de Vinicius de Moracs",
(Poems) in Ditilogo, n. 11, agosto de 1959.
0

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Schmidt; mas a urgencia_-biogr<i..f,ica logo <leslocou o eixo dos te- Um 1ilencio povoodo
mas desse poeta liricO pöi-:excelencia para a intimidade dos afetos De pedidos de perdio
e para a vivencia er6tica. Vinicius sera talvez, depois de Ban- Um 1il~cio apavorado
Com o medo em solidäo
deira, o mais intenso poeta er6tico da poesia brasileira moderna. Um lil~cio de torturas
Tratando-se, porem, de um sensualismo contrastado ab initio pe- E grito1 de mal~
las reservas de uma educac;äo jesuftica, o poeta oscila entre as Um lilenclo de fraturas
angustias do pecador e 0 de.pejc:i' cnr lihertino. 0 fato em si mes- A se arrastarcm no chäo.
mo, de resto banal como caso psicöl6gico, näo interessaria se E o opcrUio ouviu a voz
De todos os seus irmäos
näo interviesse no modo de escrever de Vinicius, que passou Os seus irmäos que morreram
do verbalismo nirgido de Forma e Exegese para a lingua- Por outros que vivcräo.
gem direta e ardente das Cinco E/egias e dos Poemas, Sonetos e Uma es(>Cran9l sincera
Ba/adas; de uma e de outra obra pode dizer-se que traduzem, Crcsceu no seu cora~
E dentro da tarde mansa
Bs vezes superiormente, as vicissitudes do amor na sua condic;äo Agigantou-se a razäo
carnal. De um homcm pobre e esquccido,
Alguns de seus sonetos deram vida nova a forma antiga e Razio por6n que fizera
povoaram de ecos camonianos o estilo de näo poucos jovens es- Em opcririo construldo
0 opcririo em constru~.
treados depois da guerra. Justamente antol6gico e sempre
cit3vel, o "Soneto da Separai;äo":
rie tepente do riso fez-se o pranto Cecilia Meireles ("')
Silencioso e branco como a bruma
E das bocas unidas fez-se a espuma
E das mäos espalmadas fez-se o espanto. Com Cedlia Meireles a vertente intimista, comum aos poe-
De repente da calma fez-se o vento tas que estamos estudando, afina·se ao extreme e toca os lim.ites
Que dos olhos desfez a Ultima chama da musica abstrata. Mas, enquanto Murilo, Jorge de Lima,
E da paixäo fez-se o pressentimento
E do momento im6vel fez-se o drama. Schmidt e Vin!cius siio liricos do ser e da presen~a ( religiosa,
er6tica ou social), o poeta de So/ombra parte de um certo dis-
De repente, näo mais que de repente tanciamento do real imediato e norteia os processos imagCticos
Fez.se de triste o quc se fez amante
E de sOzinho o que se fez contente, para a sombra, o indefinido, quando näo para o sentimento da
ausencia e do nada.
Fez-se do s.migo pr6ximo o distante,
Fez-se da vicla uma aventura errante, Apesar desses caracteres, näo creio que se deva dar enfase
De repente, näo mais que de repente. as liga~öes de Cecilia Meireles com o grupo de Festa e com o
neo-simbolismo que este pregava como f6rmula para esconjurar
A tem3tica da sua poesia tem-se alargado nas Ultimas obras, o "perigo" modernista. Cecilia esteve pr6xima do cfrculo de
abrindo-se, embora sem espirito de sistema, a valorai;äo do tra- Tasso da Silveira e Andrade Murici, compartilhando com eles o
balho humano e da consciencia capaz de ver e denunciar ( "Men- culto a Cruz e Sousa e a Alphonsus, entao na penumbra; e, por
sa gern a Poesia"). Exemplo feliz de poesia participante que certo, h8 ressonfuicias de ambos nos seus primeiros versos, Nun·
mantem alta a tensäo formal e "0 Oper3rio em Construc;äo", ca Mais e Poema dos Poemas e Ba/adas para El-Rei. Mas e tarn-
que fecha a Antologia Poetica:
E um grande silencio fez-se (353) CECfLlA MEIRELES (Rio, 1901-1964). Passou a infäncia no
Dentro do seu cora~äo Rio junto A av6 materna, a~riana. Formando-se professora pri.märia, de-
Um silCncio de mardrios dicou·se por longos anos ao magist&io, de que foi fruto o belissimo livro
Um silCncio de prisäo para curso primhio Criall,a, Meu Amor. No infcio da sua carrcira litcr&·

514 l15
bem verdade que Cecilia -.renegoo essa fase ao exclui-la da sua Quando meu rosto contemplo,
Obra Poetica, e que do programa de Festa, polemico e confes- o espelho se despedaca:
sional, nada restou na tem<itica da poetisa, sa1vo, talvez, certo por ver como passa o tempo
e o meu desgosto nä:o passa.
tradicionalismo nas op<;öes estCticas da maturidade. Amargo campo da vida,
Mas ha outro neo-simbolismo, aquele de que fala Cecil quem te semeou com dureza,
Bowra em The Heritage of SymbrJ/,jsm, filiado ils sondagens ll- que os que nä:o se matam de ira
morrem de pura tristeza?
ricas de um Antonio Mach:fdo, de um Lorca, de um Rilke, de
um Tagore, que conceberam a poesia como "seritimento trans- Do Romanceiro, evocai;ao dos te1npos do ouro e da Incon·
formado em imagem", para usar a f6rmula idealista de um Cro- fidi§ncia, escolho este raro mas ardido exemplo de imprecai;äo:
ce. Nas palavras da pr6pria Cecilia Meircles. "a poesia C grito,
mas transfigurado". A transfigurar;äo faz-se no plano da expres- 0 grandes oportunistas,
sobre o papel debruc;ados,
sividade. E Cecilia foi escritora atenta a riqueza do ICxico e que calculais munde e vida
dos ritmos portugueses, tendo sido talvez o poeta moderne que em contos, doblas, cruzados,
modulou com mais felicidade os metros breves, como se ve nas que trac;ais vastas rubricas
Can,öes e no trabalhadissimo Romanceiro da Inconfidencia. Das c sinais entrelac;ados,
primeiras transcrevo estas quadras bem cecilianas pela fusä:o de com altas penas esguias
embebidas em pecados !
acordes sofridos e cadencias gnömicas:
0 personagens solenes
ria aproximou-se do grupo de Fesla dirigido por. Tasso da Silveir~. An~s que arrastais os apelidos
depois, preferiria trilhar caminhos pessoais, mais modernos. Ens1nou Lt- como pavöes auriverdes
teratura Brasileira nas Universidades da Distrito Federal ( 193&.38) e do seus rutilantes vestidos,
Texas { 1940). Viajou longamente pelos pafses de sua predil~ä:o, MCxico, - todo esse poder que tendes
fndia e sobretudo Portugal, onde viu reconhecido o seu mc!rito antes mes-' confunde os vossos sentidos:
mo de consagrar-se no Brasil como uma das maiores vozes poeticas da a gl6ria, que amais, e desses
Jingua portuguesa contempor3.nea. Obra: Espectr,ps, 1919; Nunca Mais e que por v6s säo perseguidos.
Poemas dos Poemas, 1923; Baladas para EJ-Rei, 1925; Viagem, 1939; Vaga Levantai-vos dessas mesas,
MUsica, 1942; Mar Absoluto, 1945; Retrato Natural, 1949; Amor em Leo- sa! das vossas molduras,
horeta 1952· Doze Noturnos da Holanda e 0 Aeronauta, 1952; Roman- vede que masmorras negras,
ceiro da Inc~nfidJncia, 1953; Pequeno Orat6rio de Santa Clara, 1955; Pis- que fortalezas seguras,
t6ia, 1955; Can~öes, 1956; Romance de Santa Cecilia, 1957; Metal Rosi- que duro peso de algemas,
cler, 1960; Poemas Escritos na lndia, 1961; Antologia Pottica, 1963; So- que profundas sepulturas
!ombra, 1963; Ou Isto ou Aquilo, 1965; CrOnica Trovada da Cidade de nascidas de vossas penas,
Sam Sebastiam, 1965: Prosa; Noticia da Poesia Brasileira, 1935; 0 Espi- de vossas assinaturas!
rito Vitorioso, 1959; Rui, 1949; Problemas de Literatura Infantil, 1951;
Girofl~, Girofld, 1956; Panorama Folcl6rico dos Atores especialmente 1a Considerai no misterio,
Ilha de S. Miguel, 1958; Quadrante 1 e 2 ( em colab. com outros cronts- dos humanos desatinos
tas), 1962, 1963; Escolha o seu Sonho, 1966; A Biblia na Poesia Brasilei- e no p61o sempre incerto
ra, s. d. Ha ed. das suas poesias completas: Obra Pottica, Aguilar, 1958. dos homens e dos destinos!
Consultar: Mario de Andrade, 0 Empillhador de Passarinho, S. Paulo Par sentenc;as, por decretos
Martins, 1946; Alvaro Lins, ]ornal de Critica, 5." serie, Rio, Jose Olym- parecedeis divinos:
pio, 1947; Roberto Alvim Correia, Anteu e a Critica, Rio, J. OHmpio, e hoje sois, no tempo eterno,
1948; Carlos Drummond de Andrade, "Retrato Natural'', in ]ornal de Le- como ilustres assassinos.
tras, n. 0 1, julho de 1949; Natercia Freire, "Poetisas do Brasil'', in Atldn-
tico, Lisboa, 3.• serie, n. 0 3, 1950; Darcy Damasceno, "Poesia do SensI- Ö soberbos titulares,
vel e do Imagin:irio", Introduc;ä:o a Ed. Aguilar, Rio, 1958. Va'.rios, "Su- täo desdenhosos e altivos!
plemento Liter:irio" de 0 Estado de S. Paulo de 20-1-1965, dcdicado a Por ficdcia austeridade,
Cecllia Meire1es. väs razöes, falsos motivos,

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517
inutilrnente- mata~es: I 936; Cancioneiro, 1945; Poesia, 1953; ltinerdrio Poetico,
- vossos Inortos säo mais vivos; t 968); de Maria Quintana, poeta que encontrou f6rmulas felizes
e, sobre vOs, de longe abrem
grandes olhos pensativos. de humor sem sair do clima neo-simbolista que condicionara a
( Dos Ilustres Assassinos) sua forma<;äo (Rua das Cata-Ventos, 1940; Cam;öes, 1946; Sa-
pato Florida, 1948; 0 Aprendiz de Feiticeiro, 1950; Aponta-
0 "siibio ecletismon, que ja. ~ario de Andrade notava em mentos de Hist6ria Sobrenatural, 1976); de Joaquim Cardozo,
Cecilia ao comentar Viagem,•fe-Ia preferir algumas vezes o versa lfrico forte e denso na sua economia de meios, e uma das raras
livre, manejando-o, porem, em consonäncia com o tom funda- vozes da nossa poesia capazes de soldar lisamente as fontes re-
mental de fuga e de sonho que acompanha toda a sua lirica: gionais ( no caso, pernambucanas) eo humano universal ( Poemas,
Homem, objeto, fato, sonho, 1947; Preludio e Elegia de uma Despedida, 1952; Signa Estre-
tudo e o mesmo, em substilncia de areia, lado, 1960; 0 Coronel de Macambira, 1963; Poesias Completas,
tudo säo paredes de areia, como neste solo inventado: 1971); de Dantas Mota, que estreou com um livro ainda preso
mar vencido, fauna extenuada, flora dispersa, ao pitoresco nativista do modernismo provinciano ( Surupattgo,
tudo se corresponde:
zune o caramujo na onda com o mesmo som do l<ibio de amor 1932), mas absorveu, nos anos de 40 a 50, o clima da poesia
e da voz de agonia. pura, para ao cabo integrar neste o sentido da terra e do povo no
Os abrar;os, as nuvens, o outono pelo parque seu melhor livro, Elegias do Pais das Gerais ( 1961 ); enfim, de
tem o mesmo gesto, grave, prec<irio, fluido. um poeta que, vindo do modernismo mineiro, no~: da, tantos anos
Ah, e os louros cabelos cariciosos, e a luminosa p<ilpebra, depois, a surpresa de uma poderosa vitalidade e1~istencial e este-
e as rafzcs pertinazes, e os ossos foscos, tica: Guilhermino Cesar, com Sistema do Imperfeito e Outros
e a minha deslumbrada vigilia
e a memOria do universo Poemas (1977)(*).
tudo est<i ali, mais a luz confusa que envolve a lua,
mais o claräo do pOlo e as hibridas aguas, Poesia e ·programa: a hgera~äo de 45"
e tudo se desfolha sobre lugares invisiveis
num outro reino que apenas a noite alcanr;a. Nos poetas acima, como nos vultos centrais da decada de
(Doze Noturnos da Hola"iida, 7). 30, as cadencias intimistas se resolviam amilide em metros e em
formas tradicionais ( decassilabo, redondilho maior; soneto, ele-
Outros poetas gia, ode ... ) . A reelabora\äo Je ritmos antigos e a maior disci-
plina formal nada continham, porem, de polemico em rela\äo ao
0 projeto de uma lirica essencial e comum a quase toda versa livre modernista, mesmo porque as conquistas de 22 ja
a poesia p6s-modernista. Dele participaram, cada um a seu mo- estavam incorporadas a prixis literaria de um Drummond, de
do, poetas que rem escrito desde a decada de 30, ou desde fins um Murilo, de um Jorge de Lima. E o nosso ·melhor leitor de
da decada anterior, e que, apesar de menos conhecidos pelo pU- poesia ate 1945, Märio de Andrade, secundava com simpatia e
blico medio, devem figurar ao lado de um Drummond, de um lucidez a renovada aten\äo ao trato da linguagem artfstica, sen-
Jorge de Lima e de uma Cecilia Meireles, como vozes originais tindo nela ora o aprofundamento, ora a natural supera\äo de
da literatura brasileira contemporänea. E o caso de Dante Mi- ccrtas aventuras modernistas.
lano (Poesias, 1948), de Henriqueta Lisboa, sutil tecedora de
imagens capazes de dar uma dimensäo metaffsica ao seu intimis- ( *) A recente reedii;äo, aumentada, da Obra Poitica de Sosigenes
Costa (Belmonte, 1901 - Rio, 1968), por obra de seu admirador e crfrico,
mo radical (Prisioneira da Noite, 1941; A Face Livida, 1945; Jose Paula Paes, veio chamar a atern;:äo para utn poeta original que, por
Flor da Marle, 1949; Lirica, 1958; Atem da Imagem, 1963; 0 ter vivido a margem das principais grupos liter<irios, sofreu um injusto
Alvo Humano, 1973; Miradouro e Outros Poemas, 1976); de c~yuecimento. Essa marginalidade deveu-se tambem a razöes internas. 0
Emilio !v1oura que, vindo da Revista belo-horizontina <le 1925, tcxto de Sos!genes e e näo e modernista. Alia um gosto decadente por fi.
guras coloridas e exOticas a um veio humoristico sutil, talvez par6dico, que
entrou pela porta estreita da Jfrica existencial, dando exemplos se insinua nos seus versos politicos escritos a maneira de Castro Alves.
ad,niraveis de meditar;äo interrogativa (Canto da Flora Amarga, Lcr J. P. Paes, Paväo, Parlenda, Paraiso, Cultrix, 1977.

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No entanto, apesar de·~ses el6s evidentes, alguns poetas ama- certo verbalismo abstrato que, de inicio, partilhava com os poctas
durecidos durante a II Guerra Mundial entenderam isolar os Ja sua germ;äo: Jiga-o o seu ponto alto, "Mem6rias do Boi Se-
cuidados mttricos e a dic\äo nobre da sua pr6pria poesia elevan- rapiäo".
do-os a crittrio bastante para se contraporem a literatura de 22: Alguns das poetas citados trilharam caminhos diversos <le-
assim nasceu a gera\äo de 4 5. pois de 1950 ( terminus ad quem da antologia), passando da
A atuac;äo do grupo foi bivale!'lre: ·-negativa enquanto subes- Cnfase dada ao puro estetismo subjctivo a urna poetica partici-
timava o que o modernismo !rouxera de liberac;äo e de enriqueci- pante ou experimentalista. Mas o Panorama continua sendo
mento a cultura nacional; positiva, enquanto repropunha alguns um conjunto v:ilido para <locumentar o momento poCtico das
problemas importantes de poesia que nos decenios seguintes iriam novos entre 1940 e 1950.
receber solu\Öes dlspares, mas, de qualquer modo, mais cons- Falar da linguagem comum a todos eles e lembrar quc to<lo
cientes do que nos tempos agitados do irracionalismo de 22. cüdigo simbolista assenta numa duali<lade de natureza e espirito
0 primeiro balanc;o feito pelo novo grupo, o Panorama da que se rcsolve, poeticamente, pelo processo que T. S. Eliot, um
Nova Poesia Brasileira, de Fernando Ferreira de Loanda ( 354 ), dos numes <lo p6s-modernismo, chamou correlato objetivo. Na
trazia como nota do antologista a afirma\äo seguinte: "Samos na esfera psicol6gica, habitat ideal desse genero visceralmente inti~
realidade um novo estado poetico, e muitos säo os que buscam mista de poesia, as imagens vem a ser o correlato dos sentimen-
um novo caminho fora dos limites do modernismo". A sele\äo tos e, numa fase mais avan\ada de con<lensac;äo, os simbolos vem
inclufa textos de Mauro Mota (n. 1912), Dantas Mota (1913), a ser o veu gue oculta e ao mesmo tempo sugere esses mesmos
Manuel Cavalcanti ( 1913 ), Bueno de Rivera ( 1914 ), Domingos scntimentos. E claro que nos melhores poetas liricos anteriores
Carvalho da Silva (1915), Manuel Je Barros (1916), Jose Cesar ao grupo de 45, como Vinicius, Cedlia Meireles e Jorge de Li-
Borba (1918 ), Alphonsus de Guimaraens Filho ( 1918 ), Paulo ma, se reconhecem tais modos de significa\äo das afetos ( ima-
Arman<lo (1918), Fericles Eugenio da Silva Ramos (1919), Joao gens, met:iforas, simbolos), processos täo vetustos como a
Cabral de Melo Nero ( 1920), Paulo Mendes Campos ( 1922), pr6pria atividade mitopottica do homem. Mas o que caracteri-
Marcos Konder Reis ( 1922 ), Darcy Damasceno ( 1922 ), Jose e
za - e Jimita - 0 forma}ismo do grupo a redu\:30 de todo
Paulo Moreira da Fonseca ( 1922), Edson. Regis ( 1923), Helio o universo <la linguagem lirica a algumas cadencias intencional-
Pelegrino ( 1924), Ledo lvo ( 1924), Geir Campos ( 1924), Wil- 1nente esttticas que pretendem, por for\'.a de certas op\Öes liter<i-
son de Figueiredo ( 1924), Fernando Ferreira de Loanda ( 1924), rias, definir o poetico, e, em conseqüencia, o prosaico ou näo-
Afonso Felix de Sousa ( 1925), Jose Paula Paes ( 1926) e Fred -poetico. Era fatal que a arte desses jovens corresse o risco de
Pinheiro ( 1925). a1nenizar-se na medida em que confinava de maneira aprioristica
Aos nomes do Panorama devem-sc acrescentar outros, tam- o poetico a certos motivos, palavras-chave, mitemas, etc. Reno-
btm representativos de tendencias formalistas e, lato sensu, neo- vava-se, assim, trinta anos depois, a maneira parnasiano-simbo-
-simbolistas, difusas a partir de 45: Lupe Cotrim Garaude, Hil- 1ista contra a qual reagira mascularnente a Semana; mas renova-
da Hilst, Renata Pallottini, Paulo Bonfim, Antonio Range! Ban- va-se sob a tgide da poesia existencial europtia de entre-guerras,
deira, Ciro Pimente!, Homero Homem, Elitzer Demenezes, Lelia de filia\äo surrealista, o que lhe conferia um estatuto ambigue
Coelho Frota, Celina Ferreira, Carlos Felipe Moyses, Ruth Silvia de tradicionalismo e modernidade.
de Miranda Sales, Geraldo Vidigal, Maria da Saudade Cortesao, Näo podendo citar tudo, lembro, por exemplo, "Q Gineco-
Audalio Alves, Nauro Machado, Stella Leonardos e Carlos Pena logista", de Bueno de Rivera, extraido de Luz do Pdntano
Filho; este, falecido prematuramente em 1960, deixou uma ba- ( 1948), poema em que o rnedo encontra seu correlato nas ima-
gagem de valor (Livro Geral, 1959), como tentativa de superar gens dos instrumentos de uma sala de opera\äo:
(354) Rio, Orfeu, 1951. A editora tomou o nome da revista que Olho em volta, busco
congregou a maior parte dos poetas elencados na rela<;3o que se segue. a res1gnai;äo.
Orfeu riublicou-se no Rio de 1948 a 1953. Outras revistas porta-vozes da Eis o fich<lrio azul
nova poesia: Joaquim (Curitiba) e Revista Brasileira de Poesia (S. Paula). rcpleto Je minl1cias

520 521
de vei.tres vf61ados. No outro termo - a linha -
FrasCos em silencio, Sonora em torno das coisas,
lfrios num copo, Ern meio dos planos -
uma tesoura impune. Inesgotiivel definido
0 algodäo voando, Adormecendo metamorfoses,
ave do pavor
no päntano dJ: -vnglle. "Urubu", de Geir Campos (Rosa dos Rumos, 1950), poe-
meto em decassilabos em que o poeta, um dos "virtuoses" da
Ern "Cäntico", tirado de Praia Oculta ( 1949) de Domin-
sua gera~äo, logrou tirar proveito das vogais fechadas e dqs sons
go~ Carvalho da Si~va, a estrutura se ap6ia em sfmiles fortes que nasais em fun~äo de um complexo estado de alma negativo:
res1stem ao amane1ramento neo-simbolista latente nos primeiros
versos: Sobreviventes da pureza antiga,
as penas brancas, no debrum das asas,
Do teu corpo nasce um lfrio pesam como remorsos a encurv8-las;
que se dissolve num lago virgulas negras duma negra histOria.
onde um cisne de marfim
persegue estrelas e carpas. Corno que o sentimento do pecado
Onde o sol molha no frio neutraliza a inten~ao e trunca os gestos,
das aguas 0 rosto ardente. e o vöo - lento cair espiralado,
Onde os salgueiros mergulham misto de hesitac;äo e de abandono -
as pontas na rama verde. penetra fundo o cerne azul da tarde:
longa verruma de carväo e sono.
Do lago desponta a noite,
com sua face de ard6sia, E outros textos mereceriam transcri~ä:o, como a "Can~äo
engalanada de cfrios de Cinzas" de Pericles EugCnio da Silva Ramos e o soneto "O
e perfumada de morte.
Da noite nasce um relimpago
tempo nasce em mim como exaustä:o", de Jose Paulo Paes, am-
co:m sete pontas de luz: bos plasmados sob o signo da sondagem psfquica que se resolve
sete espadas pra manchar inteiramente em imagens incorp6reas e metros exatos.
de sangue o ventre da lua. „
Teu corpo e assim: como as ondas
Poesia, hoje
de um mar rouco, em desvario, A poetica de 4 5, embora ainda anime escritores de valor,
de onde me assalta, em sua fUria, fieis ao intimismo e a uma concep~äo tradicional de forma, näo
o monstro do Apocalipse.
Cardo de agudos espinhos exerce influencia decisiva na literatura de hoje. Outra e a dire-
ou sensitiva de carne, ~äo que as pressöes hist6ricas tem dado a poesia: a direräo da
teu corpo e um trigal de lanc;as ob;etividade. Que pode ser entendida como:
e morre ao toque <los liibios. a) procura de mensagens ( motivo, temas ... ) que fa<;am do
. ''.Natureza Morta" de Jose :Paula Moreira da Fonseca (Ele- texto um testemunho crftico da realidade social, moral e polftica;
gza .Dzurna, 194 7) ja contem in nuce aquela virtude de abstrair b) procura de c6digos que, rejeitando a tradi<;ao do ver-
as linhas e as cores essenciais da paisagem, que seria o tra~o cons- so, fa~am do poema um objeto de linguagem integrcivel, se pos-
tante desse poeta e artista pliistico refinado: sfvel, na estrutura perceptiva das comunica~öes de massa, medu-
la da vida contemporänea.
No outro termo - a cor - Corno o~öes crfticas, uma e outra tendem a negar o valor
Terrosa, com lenhos obscuros
Onde resplandece ( inercia) estetico da efusä:o do eu e a privilegiar o universo do trabalho,
Aquele fugaz rubor de pomos. da tecnica e das tensöes ideol6gicas que operam no ämago da
hist6ria; e ambas sä:o poesia reflexa e polemicamente cultural.
No outro termo - o espac;o -·
Nitido o espac;o, A rigor, talvez näo fosse o melhor caminho opor as solu-
Curvas mar;as o construem. c;öes acima resumidas chamando a primeira "conteudfstica" e a
522
523
segunda "formalista"~ ou,„com .ffl.ais grave risco, batizando uma e renitente, desafia sein cessar a nossa inteligencia. Na esteira
como "participante" e a öutra como "lUdica" ... Seria aceitar o de Drummond e de Murilo Mendes, a poeta recifense estreau
jogo exclusivista em que se movem as polemicas de poetica com com a preacupac;äo de desbastar suas imagens de tada ganga de
seu costumeiro rol de an<itemas e excomunhöes mUtuas. Alem do residuas sentimentais au pitorescos, ficando-lhes nas mäos ape-
mais, na medida em que e vcilido o principio de Maiakovski, nas a nua intuic;äa das formas (de onde o geametrismo de alguns
"Näo hci poesia revolucionciria se_m forma revolucion<iria" tocam- poemas seus) e a sensac;äo aguda das abjetos que delimitam a
-se no alto as melhores expocienc.ia~da poesia dita participante e espac;o do homem moderno:
da poesia dita tecnicista, resultando em pura perda discutir, por 1-1eus olhos tCm tekscOpios
exemplo, a que "ismo" pertence um Joäo Cabral de Melo Neto espiando a rua,
ou um Ferreira Gullar. No processo vivo e concreto da elabora- espiando minha alma
c;ä:o do poema, näo ha conteUdos fora do jogo semäntico que a longe de mim mil 1netros.
palavra empreende com a outra palavra; por outro lado, as for- (Pocma)
mas que se oferecem aos sentidos da leitor näo teräo nenhum
sentido antes de serem descodificadas pela rede perceptual deste, Abandonando nos livros que se scguiram a Pedra do Sono
condicionada por contextos culturais, morais, esteticos e politicos os resquicios surrealistas deste, Cabral de Melo Nero passou a
que devem ser afetados por essas formas. E um dos meritos das realizar, desde 0 Engenheiro e Psicologia da Composir;äo, um
poeticas mais recentes estci precisamente em dar enfase ao pro- verso substantivo e despojado que, se parecia partilhar cq_m os
cesso global de criac;äo-transmissäo-rece~äo do texto, o que, de formalistas de 45 o rigor metrico, na verdade instaurava um no-
inicio, abala velhos compromissos com a expressäo intimista. vo criterio estetico, o rigor semäntico, pedra-de-toque da sua ra-
dical modernidade. Mallarme, Valery, Drummond e Jorge Guil-
Jen ( aos quais se poderia juntar o näo citado Mentale) säo os
Joäo Cabral de Melo Neto marcos que passam a nortear o seu universo claro, vitreo:
Da "nova objetividade'', qualificac;äo superior a "neo-realis- O l<ipis, o esquadro, o papel;
mo", e alto padräo a poesia de ]aiia Cabraj de Meta Neta ( 355 ). o desenho, o projeto, o n-Umero:
A sua poesia, que se estende no arco de 1942 ( Pedra da o cngenheiro pensa o mundo justo,
mundo que ncnhum veu encobre.
Sona) a 1966 ( Educa<;iia pela Pedra) tem dado um exemplo
fortemente persuasivo de "volta as pr6prias coisas" como estra- (Ern certas tardes n<ls subiamos
ao ediflcio. A cidade di<iria,
da real para apreender e transformar uma realidade que, opaca como um jornal que todos liam,
ganhava um pulmlio de cimento c vidro).
(3552 JoÄo CABRAL DE MELLO NETo (Recife, 1920). Diplomata, exer- A <igua, o vento, a claridade,
ceu fun\'.oes consulares em Assunr;äo, Barcelona e Dakar. Pertence a Aca- de um lado o rio, no alto as nuvens,
demia Brasileira de Letras. Obra: Pedra do Sono, 1942; 0 Engenhei,o, situavam na natureza o edifkio
1945; Psicologia da Composil;äo, Fdbula de Anfion e Antiode, 1947; 0 crescendo de suas fori;as simples.
Cäo sem Plumas, 1950; 0 Rio, 1954'; Duas Aguas (os anteriores e mais
Morte e Vida Severina, Paisagens cotit Figuras e Uma Faca s6 Lamina), ( 0 Engenheiro )
1956; Quaderna, 1960; Dois Parlamentos, 1961; Terceira Feira, 1961; A
Educafäo pela Pedra, 1966; Poesias Completas (1940-1965), 1968; Museu A csta nova poetica näo estaria alheio um cetto maneiris-
de Tudo, 1975. Consultar: Othon Moacyr Garcia, "A Pagina Branca e o 1no do descarnado, do 6sseo, do petreo, quc se entende.' porem,
Deserto", in Revista do Livro, Rio, n.oa 7, 8 e 9; Antönio Houaiss, Seis ao 1nenos no momento em que apareceu, como necess1dade de
Poetas e um Problema, Rio, MEC, 1960; Decio Pignatari, "Situa\'.äo Atual
da Poesia no Brasil", in InvenfäO, n. 1, S. Paulo, 1962; L. Costa Lima,
0 afirmar uma nova dimensäo do discurso lirico.
I.ira e Antilira (Mdrio, Drummond, Cabral), Rio, Civ. Brasileira, 1968; E foi com instrumentos devidamente afiados que JoJo Ca-
Bcnedito Nunes., Joäo Cabral de Melo Neto, Vozes, 1971; Lauro Escorel,
A Pedra e o Rto, Duas Cidades, 1973; Joäo Alexandre Barbosa, A Imita- hral passou de uma linguagem autocentrada ( verda~eir~ meta-
t;äo da Forma, Duas Cidades, 1975. linguagem, em Antiode) para o tratarnento da substanc1a natu-

524 525
ral e humana da sua_ proyfncia,.-dando em 0 Cäo sem Plumas mcsmo quando e assim pcquena
aquele "salto participante'-' que viria a ser, nas dCcadas de 50 e a czplosäo, como a ocorrida;
de 60, uma exigc!ncia etica sentida por toda a cultura brasileira. mcsmo quando e uma explosäo
como a de h8 p0uco, franzina;
Cäo sem plumas ( = pe!os) e o Capibaribe, rio que carreia mcsmo quando e
a cxplosäo
os detritos dos sobrados e dos mocambos recifenses, rio que de uma vida scvcrina.
seria tambem materia do compl~x~ pqema narrativo 0 Rio, ou
rela,äo que faz o Capibarib• de sua nascente il cidade do Recife, Nas obras posteriores o poeta agu~a o seu modo de ver e
onde 3 poesia nasce de Uffi sabio USO do ptosaico, do polirtftmi- dizer a paisagem e os objetos, extraindo-lhes as formas mais du-
CO, aderente as flutua~öes da Jinguagem coJoquiaJ: ras ( Uma Faca s6 Lamina) e levando ao extremo o intuito de
Na vila da Usina despir o poema de tra~os superfluos e cadencias sehtimentais,
e que fui descobrir a gente Constr6i assim uma poesia arduamente nominal, que se vale das
que as canas expulsaram perfis do concreto para atingir a pureza da abstra~äo. E tem al-
das ribanceiras e vazantes; guma coisa das rime pietrose de Dante versos belamente ingra-
e que essa gcnte mesma
na boca da Usina säo os dentes tos como estes, de Quaderna:
que mastigam a cana
que a mastigou enquanto gente; L L Se diz a palo seco
que mastigam a cana o cante sem guitarra;
que mastigou anteriormente o Cllllle sem; o cllllte;
as moendas dos cngenhos o cante sem. mais nacla.
que mastigavam antes outra gente;
que ncssa gente mesma, 1.3. 0 cante a palo seco
nos dentes fracos que e1a arrcnda, e um cante desarmado:
as moendas estrangciras
s6 • Iimina da voz
sua fo~ melhor assentam. sem a arma do b~;
que o Cllllle a palo seco
0 convivio com a meseta castelhana"" "dos homens de päo sem tem.pero ou ajuda
escasso" e com a poesia ibCrica medieval, a um tempo ·severa tem. de abrir o sil~o
e picaresca, acentuou em Cabral a tend@ncia de apertar em ver- com sua chama nua.
sos breves e numa sintaxe incisiva o horizonte da vivCncia nor-
destina, Morte e Vida Severina, "auto de Natal pernambucano", 4, L A pa/o seco canta
o seu poema longo mais equilibrado entre rigor formal e tema- o P'ssaro sem -bosque,
por excmplo: pousado
tica participante, conta o roteiro de Severino, um homem do
c

sobre um fio de cobre;


Agreste que vai em demanda do litoral e topa em cada parada
com a morte, presen~a anönim~ e coletiva, ate que no Ultimo a palo seco canta
ainda mclhor esse fio
pouso lhe chega a nova do nascimento de um menino, signo de quando sem qualquer phsaro
que algo resiste a constante nega~ao da existencia: <M o seu assovio.
E näo ha mclhor resposta 4.2. A palo seco cantam
que o espebiculo da vida: a bigoma e o martelo,
v~Ia desfiar seu fio, o fcrro sobrc a pcdra,
que tambCm se chama vida, o ferro contra o ferro:
ver a fabrica que ela mesma,
teimosamcntc, sc fabrica, a palo seco canta
v@.la brotar como h3 pouco aqudc outro fcrrciro:
em. nova vida cxplodida; o p.!ssaro araponp
quc invcnta o pr6prio fcrro.
526 527
r

4. 3. A p~hl seco -1!xistem


situar;öes e objetos:
que ele trabalha: noticiando a morte do homem quase anönimo
Graciliano Ramos, ou pranteando o firn de Che Guevara, e sempre a mesma voz
desenho de arquiteto, que mpra em cada palavra o halito da vida. Esse dom generoso
as paredes caiadas, ditou-lhe o Poema Su;o ( 1976), em que se tocam, imantados
a elegäncia dos pregos, pelo discurso da evocac;äo, o puro mito e a mais crua mimese.
a cidade de CoWoba, 0 Poema Sujo e uma longa fala da mem6ria, e o seu objeto, real
o arame •d6S' insetos.
e imaginario, a cidade do poeta, Sao Luis do Maranhäo. Mem6-
4. 4. Eis uns poucos exemplos
de ser a palo seco,
ria-saudade e mem6ria-desespero. Ha tanto dilaceramento nessa
dos quais se retirar
reconstru,äo febril do passado que, lido o poema de um s6 lance,
higiene ou conselho: cala-se toda veleidade de rotula-lo ideologicamente. A poesia re-
näo o de aceitar o seco encontra aqui a sua vocac;äo musical de abolir o tempo, näo j3.
por resignadamente, contrafazendo as artes do espa,o, mas explorando o pr6prio cerne
mas o de empregar o seco da dura,äo.
porque e mais contundente. No sulco da poesia voltada para as tensöes socrats, encon-
("A Palo Seco")
tramos obras de valor desigual, mas que podem ser citadas em
Ferreira Gullar. A poesia participante conjunto na medida em que definem uma das componentes cen-
0 relevo dado ao esfor\o construtivo, a inven\äo do poe- trais do clima liter:irio nos anos 60: Romanceiro Cubano ( 1959)
ma, e tambem um dos tra\OS diferenciais da obra de Ferreira de Jamil Almansur Haddad; Carta do Solo (1961) e Carta so'.
Gullar (S .. Luis do MA, 1930), que, em A Luta Corpora! (1954) bre a U;ura ( 1962), de Affonso Avila; Poemas Reunidos ( 1961 ),
abr1u cam1nho para a afirma\äo da poesia concreta no Brasil. de Jose Paulo _Paes; Proclama,äo do Barro ( 1964 ), de Fernan-
Embora se trate de autor in progress, de quem a hist6ria litera- do Mendes V1ana; Canto para as Transforma~oes do Homem
ria, a rigor, ainda pouco pode dizer, o seu roteiro ja permite de- (1964) e Um Poeta na Cidade e no Tempo ( 1966) de Moacir
tectar um estado de alta tensäo psfquica e ideol6gica que nem Felix; 0 Oficio das Coisas ( 1964) e 0 Pals dos H~mens Cala-
sempre se _resolve na aturada diligencia formal; de onde, o ape- dos (1967), de Luis. Paiva de Castro; Joana em Flor (1965),
lo a solu<;oes surrealistas ( como nos poemas em prosa "As Re- de Reinaldo Jardim; Canto e Palavra (1965), de Affonso Ro-
v_:la.;öes ~spllrias·: ~ ou, i:uma fase mais recente, a aberta profis- mano de Sant'Anna; Faz Escuro mas Eu Canto ( 1965) e Can-
sao de fe na poes1a soc1al capaz de resgatar o individualismo -;äo do Amor Armado (1965), de Thiago de Melo; Os Catado-
sem peias cla poetica juvenil. res de Siris (1966), de Jose Alcides Pinto; Romanceiro do
Inflectindo para a op,äo participante, Gullar deixou de Ia- Canto Soberano (1966), de Audalio Alves; Em redor do A
do os experimentos em que intervinha no corpo da palavra e ( 1967), de Fernando Pessoa Ferreira; Primeira Eplstola de J.
p_assou a veic~ar a pr6pria mensagem em c6digos modernos, Jze. da Sva. Xer., 0 Tiradentes, aos Ladröes Ricos (1967), de
s1m,_ mas. ~rgan1ca1!1ente presos a estrutura do verso que o con- Dantas Mot~; C6digo de Minas e Poesia Anterior (1969), de
cretismo 1r1a escon1urar. Exemp1os brilhantes desse momento säo Affonso Avila. E näo se podem esquecer os tr~ livrinhos da
Joä? Boa-Morte, Cabra Marcado pra Morrer, Quem Matou Apa- serie Violäo de Rua ( 1962-63), em que colaboraram desde clas-
reczda ( 1962), que transpöem temas e ritmos da literatura de sicos da literatura contemporS.nea, como Joaquim Cardozo e Vi-
cordel, e alguns novos poemas apostos a segunda edi\iio de A n{cius de Moraes, ate poetas que estrearam em torno de 45, co-
Luta Corpora!. mo Geir Campos e Jose Paulo Paes, e mesmo alguns mais recen-
. Dentro da No}te Veloz ( 1975) e Antologia Pof:tica ( 1976) tes .:omo Felix de Athayde, Moacir Felix, Jose Carlos Capinam
reaf1rmam a vocac;ao de um Gullar poeta do cotidiano vivido na e outros (356).
dimensäo ao mesmo tempo escura e vibrante da corpo: poeta da ( 356) Para uma visäo histcSrico-literfiria dessa linha de poesia, cf, o
carencia" do desejo, da mais c<ilida e sofrida oralidade. Os textos ensaio, seguido de antologia, de Manuel Sarmento Barata, Canto Melhor,
de Ferre1ra Gullar säo participantes sejam quais forem os temas uma Perspectiva da Poesia Brasileira, Rio, Paz e Terra, 1969.

528 529
Mßrio Faustino Lida, caixao e sorte,
vida, paixäo e morte
Outro poeta que ante'cipou e promoveu a exper1enc1a con-
creta foi Maria Faustino (Teresina, 1930), morto tragicamente A poesia concreta
em 1962 em desastre de aviäo. A coletänea p6stuma das suas A poesia concreta, ou Concretismo, impOs-se, a partir de
Poesias (Rio, 1966) reproduz 0 Homem e sua Hora, ja publi- 1956, como a express3o mais viva e atuante da nossa vanguar-
cado em 1955, e inclui esparsos-e.,jneditos escritos mais tarde. da estetica.
Corno observou Benedfüi Nunes na lucida apresenta,äo as 0 grupo de base ja aparece coeso na antologia pre-concreta
Poesias~ Maria Faustino era mestre nas formas tradicionais e Noigrandes 1 ( 1952) em que ha poemas, ainda em versa, de Ha-
inventor de linguagens novas. Ao lastro neo-simbolista e sur- roldo de Campos, Augusto de Campos e Decio Pignatari, escrito-
realista, a influencia que recebera de Blake, Rimbaud, Nietzsche, res cujas obras de estreia tem ainda um ou outro ponto de liga-
Dylan Thomas e do nosso Jorge de Lima, o poeta somara, na \'.ao com o formalismo de 45. Preciosismo verbal, amplo uso dos
segunda fase da sua produ,äo, a presen,a do imagismo de Pound metros tradicionais, imagetica frondosa sao trac;os de 0 Carrossel
e de Cummings. Dal a riqueza, subjetiva e inovadora, dos seus (S. Paula, 1950), de Decio Pignatari, de Auto do Possesso (1950),
textos constelados de mitos dionislacos e, ao mesmo tempo, cen- de Haroldo de Campos e de 0 Rei menos o Reino, de Augusto
trados na explora,äo dos significantes. de Campos ( 1951); em todos, porem, uma desenvoltura auto-
0 projeto existencial e estetico de Mario Faustino era a -irOnica e um maior desembarac;o no trato de motivos er6ticos ja
construi;äo de um poema longo, biografico e c6smico, que, va- diziam das suas diferen,as em relac;äo a poetica de 4 5. Diferen-
lendo-se embora dos recursos da sintaxe ideogrämica, näo per- \'.aS que logo se aprofundararn, na medida em que o grupo se
desse as riquezas ainda exploraveis da sintaxe linear. Para tan- p6e a pesquisar numa linha de sintaxe espacial abandonando po-
to, planejara compor fragmentos altarnente elaborados e integr4- lemicamente o verso: eo quese ve nas antologias de Noigrandes
veis naquele poema total que exprimiria, ao cabo, o pr6prio de- n. 0 2 ( 1955 ), n. 0 3 ( 1956) e n. 0 4 (1958 ). Na ultima, aparece
vir da sua conscifncia mitopoetica. A morte prematura nio lhe o P/ano-Piloto para Poesia Concreta, texto que, ao lado da tese
consentiu a realiza,äo da nova epopeia, mas os fragmentos que "Situa\'.äo Atual da Poesia no Brasil" de Decio Pignatari ( 857 )
deixou testemunham o esfor,o de colher no jogo das contigüida- e a melhor introdu,ao il inteligencia da nova poetica.
des e das medforas uma cifra do destino humano: Aos nomes citados no paragrafo anterior cumpre acrescen-
tar os de poetas que integrarn a antologia Noigrandes n.0 5, pu-
TUnel, pedra, tonel blicada em 1962: Jose Lina Grünewald e Ronaldo Azeredo. E
a miio sem Iuvs, poetas que, paralelamente a estes, tem realizado experimentos
a mä:o com chaga.
Munda que sobe e desce, concretos: Maria da Silva Brito ( Universo, 1961), Edgard Bra-
mundo que sofre e cresce. ga (Extralunario - Poemas Incomp/etos, 1960), Pedro Xisto
Mundo que principia, medra e finda. (Haikais & Concretos, 1960), Wladimir Dias Pino (56/ida,
mundo de fel e mel, 1962) e Jose Paula Paes (Anatomias, 1967).
tUnel, pedra, tonel.
Quanta ao material te6rico, de leitura obrigat6ria no caso,
E as dobras fartas pois se trata de uma poetica que se formula em um nlvel com-
do manto sono
tombando em torno plexo de referencias, encontra-se principalmente na revista In-
do leite tempo - venfäo ( 1962 ... ) e no volume T eoria da Poesia Concreta de
e os dobres fortes H. e A. de Campos e D. Pignatari (S. Paula, 1965)(* ).
do pranto sino ( 357) Tese apresentada ao II Congresso Brasileiro de Crfrica e His-
troando em turnos t6ria Literaria (Assis, Est. de S. Paula, julho de 1961). Foi publicada nos
de luto e vento - Anais do Congresso e na revista Inven,äo~ n.0 1, ano 1, 1962.
No firn da tUnel, o prindpio do tUnel. ( *) Para os textos poeticos, ler Haroldo de Campos, Xadrez de Es-
Na subida da pedra, a descida da pedra. trelas, 1977; Decio Pignatari, Poesia pois e poesia, 1977; Augustode Cam-
0 tonel näo tem fundo, a mäo näo chega as uvas - pos, Equivoctlbulos, 1971.

530 531
No contexto da poe~ja brasileira, o Concretismo afirmou-se cultura, um Giacometti, um Moore e, sobretudo o Calder das
como antitese a vertente intimista e estetizante das anos de 40 mobiles; no cinema, a li\äo da montagem de Eise~stein e a nou-
e repropös temas, formas e, näo raro, atitudes peculiares ao Mo- velle vague de Resnais, Godard e Antonioni; na mllsica as ex-
dernismo de 22 em sua fase mais polf:mica e mais aderente ä.s periencias seriais de Webern e as composi\öes eletrönica~ (aber-
vanguardas europeias. Os poetas concretos entendem levar 3.s tas ou niio) de Stockhausen, Boulez e Cage; no desenho indus-
Ultimas conseqüf:ncias certos pi:ot;E_SSQS estruturais que marca- trial, alguns dos principios basicos das grupos de Bauhaus e de
J:
ram o .futurismo ( italiano e tusso o dadafsmo e, em parte, o Ulm. Cito apenas alguns mestres das respectivas artes, näo ca-
bendo aqui discriminar grupos e subgrupos formados sob a egide
surreahsmo, ao menos no que este significa de exalta~äo da ima-
ginario e do inventivo no fazer poetico. Säo processos que visam de cada uma das areas e que dividem a cena das vanguardas
a atingir e a explorar as camadas materiais do siglii/icante ( o som, atuais. Ü im.portante e frisar que OS concretos brasiJeiros reco-
a letra impressa, a linha, a superffcie da p3gina; eventualmente, nhecem e promovem uma tradi\äo tecnicista como seu imediato
a cor, a massa) e, por isso, levam· a rejeitar toda conceP\iiO que ponto de referencia hist6rico e estetico.
esgote nos temas ou na realidade psiquica do emissor o interes- Na medida em que o material significante assume o primei-
se e a valia da obra. A poesia concreta quer-sc abertamentc ro plano, verbal e visual, o poeta concreto inova em v<irios cam-
antiexpressionista. pos que se podem assim enumerar:
a) no campo semäntico: ideogramas ("apelo a comunica-
Em termos ainda genericos: o Concretismo toma a serio, ~iio. niio-verbal'', segundo o Plano-Piloto cit.); polissemia, tro-
e de modo radical, a defini>äo de arte como techne isto e como cad11ho, nonsense . .. ;
atividade produtora. De onde, primeiro corolari;: o p;ema e b) . no cam_po sintatico: ilhamento ou atomiza~iio das par-
identificado como obieto de linguagem: "O poema concreto e
uma realidade em si, näo um poema sobre" (Eugen GomringerJ tes do discurso; JUStaposi~iio; redistribui~iio de elementos; ruptu·
ra com a sintaxe da proposi\äo;
apud Teoria da Poesia Concreta, p. 71 ).
. c) no campo ~e~ico: substantivos concretos, neologismos,
Os .te6ricos do Concretismo diio como ponto de partida da tecruc1smos, estrange1r1smos, siglas, term.os plurilingües; ·
sua poetica o texto de Mailarme "Un coue de des ;amais n'abo-
d) no campo morfol6gico: desintegra~iio do sintagma nos
lira le hasard" ( 1897 ), primeiro poema em que a comunica>iio
seus morfemas; separa~iio dos prefixos dos radicais dos sufixos ·
näo se faz no nlvel do tema, mas no da pr6pria estrutura ver- uso intensivo de certos morfemas; ' ' '
bo-visual. Depois de Mailarme, o futurismo de Klebnikov, de
Maiakovski, de Marinetti, de Apollinaire, de Soffici, o imagismo e) no campo fonhico: figuras de repeti>äo sonora (alite-
de Ezra Pound, de Marianne Moore, a desintegraräo sint/itico-se- r?\Öes, asson8ncias, rimas internas, homoteleutons); preferen-
mdntica de Joyce, de Gertrud Stein, de Cummings e, em lingua _c,1a dada 3s consoantes e aos grupos consonantais; jogos sonoros;
portuguesa, alguns poemas de Fernando Pessoa, de Carlos Drum- f) no campo topogriifico: aboli~iio do versa niio-linearida-
mond de Andrade e de Joiio Cabral de Melo Neto ( näo se de- de: uso construtivo das espa\os brancos; ausenci~ de sinais de
vendo esquecer um precursor s6 recentemente reposto em cir- pontua\äo; constelafi5es; 358 sintaxe grBfica.
cula>iio, Sousandrade) constituem a linhagem mais pr6xima a . Se procurarmos um prindpio lingüfstico geral subjacente
que se filia o projeto concretista. a esses processos compositivos, ressaltarS sem dU.vida o da substi-
Projeto, alias, nao restrito a literatura, mas cornum a cor- tu!\ä? da estrutura frSsica, peculiar ao ~erso, por estruturas no-
rentes experimentalistas de outras artes tambfm voltadas para m1na~s; :stas, _por sua vez, relacionam-se espacialmente, tanto
a constru~äo de objetos (sonores, pl3.sticos, cinfticos ... ) a par- na dire~ao horizontal como na vertical.
tir de materiais brutos, que, na perspectiva tradicional, säo sub-
metidos a c6digos mais ou menos estritos de expressividade. Na ( 358 ) Constela~Oes. Nome dado pelo poeta suf-;o-boliviano Eugen
pi.ntura, toda a linha abstrata, e depois geometrica, que vai de Gomringer aos seus experun·entos espac1'a1·s, pu blicados em Berna, 1953.
Picasso e Malevitch a Braque, Mondrian, Klee e Volpi; na cs-
532 533
Outra norma comuw a mttioria dos poemas concretos ja cristal
compostos e
a explorac;äo· das semelhanc;as sonoras ( paronomtl-
sia), no pressuposto de que ha relac;Oes näo-arbitr3rias entre o cristal
significante e 0 significado. 0 que e um das fundamentos da
teoria lingüfstica de Roman Jakobson e, ao que parece, uma hip6- fome
tese de trabalho nao desenvolvida~mas sugerida pelos cadernos cristal
de Saussure sobre paragrarnas ( 359 }.
Transcrevo alguns exemplos tomados a citada antologia cristal
Noigrandes, 5:
fome de forma
u m cristal
m 0 V
cristal
m e n 1 0
c 0 m p o n d 0 forma de fome
a 1 me
d a cristal
n U V e m
u m
cristal
c a m p 0 beba coca cola forma
d e babe cola
c 0 m b a t e beba coca
babe cola caco poesia em tempo de ferne
m r a ferne em tempe de paesia
g e m
caco
CO la
r a poesia em lugar da homem
d e cloaca pranome em lugar da name
u m de so/ a sol
h o r i z 0 n t e hamem em lugar de poesia saldodo
p u r o nome em !ugar do pronome de sal a so/
n u m &algodo
m o peesia _de dar o nome de sova a sova
m e n t o sovodo
V j V 0 nomear e dar a nome de suco o suco
sugado
( D&io Pignatari)
nomeie a name de sono o sono
nameio a homem sonodo
(.'3,)9) V. J. Starobinski, "Les anagramme~ de .Ferdin11nd de Saussu- no meia a fame
re, textes inCdits", Mercure de France, fev. 1964, pp. 243-262; idem, "Les sangrodo
mots saus les mots": textes inedits des cahiers d'anagrammes de Ferdinand nameio a fame de songue o songue
de Saussure", in To Honor Roman ]akobson: Essays on Occacion of his
Sevenlieth Birthday, 11-10-1966, vol. III, Mouton, Haia, 1967, pp. 1906-
-1917. ( Haroldo de Campos)

534 535
,,
;":
0 V 0 nu
n
.-. des do nada
A teoria do poema concreto coincide com a atual viragem
0 V e 0 estruturalista dos estudos antropol6gicos: dal sofrer, da parte de
novo no velho a t e 0 h u m outras correntes de pensamento e de arte, as mesmas contesta·
0 f;Jho em folhos a n o m e r o n u 1=6es que vem atingindo 0 estruturalismo (.).
na jaula dos joelhos m e r o
0 leitor critico de paesia, porem, näo deve partir de qual-
d 0 z e r o quer apriorismo. 0 seu primeiro passo e sentir a 'experiencia
infonte em fonte ... - crua crianc;a incru concreta e depois examinar os seus princlpios te6ricos sem prf-
e t 0 f e i f 0 slada no cerne da vio assentimento nem apressada rejeic;äo. Do ponto de vista es-
dentro do corne vive en tritamente estftico ( = formativo)' a poesia concreta e uma rei-
centro fim nada tera1=äo coerente e radical das experiencias futuristas e cubistas,
lato sensu1 modernistas, que pretenderam superar, uma vez por
todas, a poetica metaf6rica-musical do Simbolismo. Situando-se
na linha evolutiva do Mailarme de Un Coup de Des, de um
0 no Pound, de um Cummings e de um Ponge, o atual objectualismo
P o n 1 0 turne noite poetico retoma, em face da lirica pura dos anos de 30 e 40,
onde em forno em frevo aquela nega,äo dos ritmos tradicionais pr6pria das vanguardas
se esconde
lenda lurva sem contorno constitufdas em torno da I Guerra Mundia!.
oindo anles- 0 argumento de fundo e o mesmo e tem a chancela do mal-
morfe negro n6 cego
enfreventres ·amado historicismo: OS tempos que vivemos s3o outros, tem-·
sono da morcego nu
quondo queimondo ma sombra que o pren pos de tfcnica e de comunicac;a:o macic;a, tempos em que outra
0 s se io s sö 0 dia preta letra que
e a percep,äo da realidade (cf. o radical ap6stolo da automa,äo
P e i tos e dos mass media, Marshall McLuhan); logo, tempos em que ja
no s se torna näo faria sentido o uso da unidade versolinear nem o da frase.
dedos so/ Talvez as vanguardas concretistas tenham mais razäo no
que afirmam do que no que negam.
( Augusto de Campos) De um lado: e vilido e, mais do que va!ido, necessario ino-
var, oferecendo alternativas a tradi,äo multimilenar do ritmo fra-
sico. A sintaxe espacial e o emprego da palavra ilhada, cuja
durossolado forma-sentido se quer assim potenciar, parecem caminhos pro-
solumano
missores enquanto rompem as barreiras tradicionais entre as ar-
petrifincado
tes sonoras e as artes plclsticas, e convergem para uma perce~ao
corpumano
mais rica do todo espaciotemporal em que esta imersa a nossa
omorgamodG>
sensibilidade. E näo s6: vindo a tona o principio estruturante
fordumano
do poema, resulta mais clara a especificidade ( näo confundir com
autonomia) da produ,äo estetica. Nesse sentido, o concretismo
agrusurado servumano
e uma ponta avan,ada das tendencias formalistas p6s-romänticas,
que ja se reconhecem na Ultima fase do pr6prio Romantismo
capitalienado gadumano ( em um Edgar Poe), e constitui uma justa reivindica,äo da Ji.
berdade artlstica na sociedade de hoje.
massamorfodo de.sumono Por outro lado: a aboli,äo sistematica do ritmo frasico (de
que o verso e apenas um exeniplo) resulta de uma atitude rija
(Josc! Lino Grüncwald)
( *) 0 Autor escrevia em 1968-69
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1.' Ressalvada, pois, a existencia desse nexo entre a poesia ex-
e unilateral. A fala humana e normalmente modulada, e OS me-
tros, fixos au livres; nä6 nasc6-am do arbitrio acadc!:mico, mas perimental e os realia, podem-se. admitir nfveis diferentes de
siio possibilidades musicals da linguagem. Ainda aqui, o Sirnbo- aproxima,iio de um proieto totaltzante pelo qua! a vanguarda
lismo europeu acertou, dissolvendo os preconceitos fixistas do ( a) valendo-se de estruturas esteticas originais, inspiradas
Parnaso e dando os prirneiros exemplos de verso livre e de poe- na moderna cultura da imagem,
ma em prosa que exploravam desenvoltamente novas trilhas fo- ( b) consiga transmitir mensagens ( informa,öes semanti-
neticas. Nem se deve omitjr a pd!!sia· folcl6rica, toda ela funda- cas) que possam pür em crise os h3bitos expressivos e cogniti-
da na reitera\'.äO ritmica e sintfitica täo bem marcada nos metros vos do receptor.
breves. Esse projeto sustentaria a longo prazo uma poetica de va~­
Ora, na medida ern que o objeto Ultimo do artista moderno guarda radical e a impediria de resvalar ua tenta<;äo .do mane1-
e atingir algum grau de comunicai;äo, näo parece razoavel negar rismo que, expulso pela porta das teor1as ma1s agress1vas! entr,a
sie et sim pliciter uma das faixas possiveis da pr6pria comunica~ pela janela da pdtica e se instala no cora\äO do novo e c1berne-
,.o. 0 que ele pode e preferir e aprofundar uma vertente e ex- tico homo /aber.
perimenta-la ate o firn, sern que a sua escolha implique o fecha-
mento de outros caminhos. De resto, muito ensina a sobrevi~
vencia do versa na grande poesia de entre-guerras, posterior, Desdobra,mentos da vanguarda concrelisla
portanto, a divulga,äo dos prindpios futuristas: textos de T. S.
Eliot, de Valery, de Rene Char, de Paul Eluard, de Gottfried O grupo de base ( Noigrandes) conheceu defec.;öes e. apoios
Benn, de Nelly Sachs, de Dylan Thomas, de Ungaretti, de Mon- vLirios. J3 me referi, paginas atr3s, a rear;äo antiobjectuahsta do
tale, de Quasimodo, de Umberto Saba, de Garcia Lorca, de Jor- poeta Ferreira Gullar a partir de 1958. Eie susteve-a, quer com
ge Guillen, de Pedro Salinas, de Jose Regio, de Manuel Bandei- exemplos de versa e de teatro popular-participante, quer co1!1 u~a
ra, de Mario de Andrade, de Gabriela Mistral, de Cesar Vallejo, teoriza,äo de fundo dialetico no brilhante ensaio de soc10logia
af estäo, entre tantos outros, a indicar a possibilidade moderna da arte, Vanguarda e Subdesenvolvimento ( ).
360
de atingir um a1to grau de informar;ä.o estetica com meios rftmi-
Dissidencia mais pr6xima do projeto original e a da poesia-
co-sintaticos herdados do Simbolismo, quirndo niio de correntes
-pdxis que tem em Mario Chamie (Lavra-Lavra, 19~2! Indus_-
classicas e populares.
De outra ordern e o problema, vivido por varios grupos da tria, 1967; Objeto Se/vagem, 1977) o poeta e o teoric? ma!S
vanguarda de hoje, da rela\iio entre a atividade estetica e o em- atuante, e em Cassiano Ricardo a simpatia de um modern1sta de
penho social. A poesia construtiva exprime, como toda lingua- 22 cioso de renovar-se ( 361 ).
gem, um modo de re1acionar-se com as coisas e com os homens. A poetica do grupo praxis vincula a palavra e o contexto
0 fato de recusar-se ao tema näo significa de modo algum que extralingülstico. Segundo M. Chamie:
ela seja carente de um conteU.do psiquico e ideol6gico, como su-
gerem äs vezes, gratuitamente, os seus detratores. Näo hci pro- O autor prä'xis näo escreve sobre temas. Ele parte de tlreas
( seia um fato externo ou emo<;äo), procurando conhecer todos os
cesso lingüfstico desprovido de significa,äo: o pr6prio uso do non- significados e contradi<;öes possfveis e atuantes dessa~ Sreas, at:a-
sense significa que o poeta näo ve sentido no seu mundo. E, vh de elementos sensfveis que conferem a elas reahdade e exts-
na verdade, näo e diffcil reconhecer nos poemas concretos o uni-
verso referencial que a sua estrutura propöe comunicar: aspectos
da sociedade contemporanea, assentada no regime capitalista e ( 360) Rio, Civilizar;äo Brasileira, 1969.
( 361) Cassiano Ricardo, "22 e a Poesia de Hoje'', ~n AnaiJ ~o II
na burocracia, e saturada de objetos merc3veis, de imagens de Congresso de Critica e Hist6ria Liter&ria realizado em Assts, 1961, c1t.
propaganda, de erotismo e sentimentalismo comerciais, de luga- AJguns nomes Jigados a poesia-praxis: AntOnio Carlos Cab~al, Arman-
res-comuns dispares que entravam a linguagem aneniizando-lhe o do Freitas Filho, Arnaldo Saraiva, Camargo Meyer, Carlos Rodr1gues Bran-
tonus crftico e criador. däo, Mauro Gama, Yvonne Giannetti Fonseca.

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tencia. Esses elementos- sensf\1'€is säo levantados. Infra-estrutural LAVRA: Mapa vosso, varzea e erva,
e primordialmente säo. eles: o vocabulirio da tirea ( näo o ensejado domingo e sol um vöo -narra.
pcla subjetividade dominadora do autor); as sintaxes que a mani-
pular;äo desse vocabulirio engendra; a sem3ntica implicita em tOda 111
sintaxe organizada; a pragmcitica que daf decorre, de vez quc, na Onde e a mO, mais moeda ma,
mesma medida em que o autor partiu da tirea e de seu vocabulirio ardendo, ardente ira, nOs,
para chegar a um texto, o leitgr oQOde praticar o mesmo processa- o veio, nosso sangue, vaza.
mento a partir do levantmrlertto de uma dada 3.rea ( 362). Mapa vosso, varzea e safra_
Onde e o pO, cultivo raia.
Nessa linha foi escrito o poema rural "Lavra Dor": PO arroz outona. Acelera
o sol näo o vöo mas a raiva
nossa, lenta mO que esmaga
1 a lavra a dor, a mäo e o calo.
E orando, aramos, sem sombra,
LAVRA: onde tendes pa, o pC e o p6, se arados somos
sermäo da cria: tat terreiro.
no valo.
Doa: Onde tenho o p6, o pe e a pi,
quinhäo da via: tal meu meio Enfim, alguns poetas mineiros grupados em torno das re-
de plantar sem 8gua e sombra. vistas Tendencia ( 1957), Ptyx ( 1963) e Vereda ( 1964 ), todas
LAVRA: Onde esta o p6, tendes cäibra; publicadas em Belo Horizonte, contribuiram com exemplos de
agacho d6i ao r~s e relva. poesia concreta numa linha aderente ao grupo paulista de Noi-
grandes e Invenr;äo. Merecem destaque os nomes de Affonso
Doa: Onde, jaz o p6, tenho a planta
do pC e milho junto a grat;a Avila ( C6digo de Minas & Poesia Anterior, 1969; C6digo Na-
do ar de maio, um ar de cheiro. cional de Tränsito, 1972, Cantaria Barroca, 1975), Affonso Ro-
mano de Sant'Anna (Canto e Palavra, 1965; Poesia sobre Poe-
LAvRA: A planta e o pC, o p6 e a terra;
o mapa vosso; va'.rzea e erva:- sia, 1975) e Henri Correia de Araujo.
No momento em que escrevemos essas viirias tendencias
continuam definindo a linha-de-for~a da poesia brasileira.
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DoR: Onde o ganho alastra eu perco. Poesia ainda
Perde o mapa- a cor, fina rCstea T rabalhando uma linguagem em boa parte alheia aos pro-
de amanho em n6s, nossa rCdea
de luz lastro em casa, o raso gramas experimentalistas, tem escrito desde as decadas de 50 e
nosso e a fome clara verga 60 alguns poetas diferentes entre si, mas aproximä.veis pela sua
o corpo onde o ganho alastra. concepc;äo de lirica entre moderna e tradicional. Neles convive
-. o discurso metrificado e o imagin<irio romäntico ou surrealista
LAVRA: A planta e o mapai p6 e safra
com a preseni;a, hoje quase indefectivel, de uma forte autocons-
Doa: Onde a morte perde, em ganho. ciencia literciria. Muitos dos seus textos acordam em n6s ecos
Ganha a casa amor, o pouco
de amanho em n6s, j3. redobro
musicais de Cecflia Meireles, de Jorge de Lima, de Vinfrius de
de paz aura em casa, o rasa Moraes, cortados por uma ou outra nota mais rfspida de Drum-
nosso e a fome cava cede mond ou de Joäo Cabral. Vistas por um ängulo estreito da so-
ao corpo, onde a morte perde. brevivencia de certos hcibitos estilisticos, o seu ponto de refe-
rencia poderia ser ainda a poetica da gera~äo de 4 5. Mas prefiro
(362) De um depoimento do autor, apud Manuel Bandeira e Wal- ver neles o nosso veio existencialista em poesia.
mir Ayala, Poesia da Fase Moderna. Depois do Modernismo, Rio, Ed. de
Ouro, 1967, p. 254. A messe näo e pequena; e as omissöes, involuntcirias. Cito:
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Marly de Oliveira ( CCrto da~ Primavcra, Explicai;Oo de Nar- creven<lo em um periodo de drastica nega<;äo do discurso me-
ciso, A 1/ida .Natural; 0 Sangue na Veia); taf6rico e musical, desvinculados das vanguardas e do seu esque-
Lais Correia de AraUjo ( 0 Signa e Outros Poemas, Can- ma de sustentai;äo ideol6gica, esses poetas tem dado exemplo de
tochäo); u1na resistencia as modas criadas pelo desenvolvimento tecni-
cista. A fragilidade extrema e, näo raro, solit3ria dessa posic;äo
Renata Pallottini ( A Casa, Li41ro de Sone tos, A Faca e a ten1 a forc;a de um testemunho.
Pedra, Noite Afora); •
Enfim, os anos de 70 exigiriam um discurso a parte sobre
Foed Castro Chamma ( Mclodias do Estio, Inicia(i"lo ao So- a poesia mais nova que vem sende escrita. De um modo geral
nho, 0 Poder da Palavra, Labirinto); as chamadas vanguardas mais programaticas de 19 50-60 vivem
Stella Leonardos ( Poesia etn TrCs Tt'mpos, Poema da Busca a sua estac;äo outonal de recolha das antigas riquezas; e a cultura
e do Encontro, Rio Cancioneiro, AmanhecCncia); erudita nacional e internacional ja lhes deu a consagrac;äo a que
fizeram jus seu empenho e engenho. Mas, con10 ficou dito em
Walmir Ayala ( AntoloRia Poetica);
nota ao Ultimo Drummond, outras parecem ser as tendencias yue
Octavio Mora ( J-1usencia Viva, l'crra 11n6vel, Corpo fiabi- ora prevalecem e sensibilizam os poetas. Limito-me a mencionar
tdvel, Pulso Hordrio); trEs delas:
Bruno Tolentino ( Anula(Öcs e Outros Reparos); 1) Ressurge o discurso pottico e, com ele, o versa, livre ou
Armindo Trevisan ( A Surpresa do Ser, A lmplorai;ao do metrificado - em oposi<;äo a sintaxe ostensivamente grafica;
Nada, Corpo a Corpo); 2) Da-se nova e grande margem a fala autobiografica, com
Carlos Nejar ( Si:/esis, Livro de Silbion, Livro da Tempo, toda a sua enfase na livre, se näo ancirquica, expressäo da desejo
0 Campeador e o Vento, Dana(Öes, Ordena(Öes, Canga, Casa e da mem6ria - em contraste com o desdem pela fun<;äo emo-
das Arreios, 0 Poi;o do Caiaboui;o, Samos Poucos); tiva da linguagem que o experimentalismo formal programava;
Olga Savary ( Espelho Provis6rio, Su_midouro); 3 ) Repropöe-se com ardor o carater publico e politico da
fala poetica - em oposi<;äo a toda teoria do autocentramento e
Hilda Hilst (Baladas de Alzira, Balada da Festival, Trovas auto-espelhamento da escrita. Subordina-se a construc;äo do objeto
de muito amor para um amado senhor, Ode fragmentdria, Sete a verdade (real ou imaginaria) do sujeito e Ja grupo.
cantos da poeta para o Anja);
Exemplos desse renovado modo de conceber a poesia co-
Gerardo Mello Mouriio ( 0 Pais das Mouroes); lhem-se no Ultimo Drummond, em todo Ferreira Gullar, e no
Gilberto Mendonp Teles ( Poemas Reunidos); menos conhecido mas nao menos vigoroso poeta maranhense
Nauro Machado. Corno atitude de desafogo, mais do que como
Jose Geraldo Nogueira Moutinho ( Exercitia); realizai;ao formal convincente, a nova poetica exprime-se na liri-
Alcides Villa~a ( 0 Tempo e Outros Remorsos); ca dita "marginal", abertamente an8.rquica, satfrica, par6dica, de
Adelia Prado ( Corai;ao Disparado). cadencias coloquiais e, s6 aparentemente, antiliterarias. Uma an-
tologia representativa e 26 Poetas Ho;e, organizada por Heloisa
Embora s6 a leitura analitica de cada um desses textos possa ßuarque de Holanda (Rio, Lidador, 1976).
fazer-lhes plenamente justic;a, indicando o alcance de suas men-
sagens e o valor de suas conquistas formais, o conjunto dessas
obras tem, para o historiador da poesia no Brasil, um significado T radu\'Öes de poesia
irrecusiivel de permanencia de uma determinada concepc;äo de
lirica: sondagem do tempo subjetivo ( que se estende, em alguns A um t6pico sobre a poesia brasileira näo pode faltar a re-
casos, 3 vida social concreta) e articula<;äo do tema en1 imagens fer2ncia a algumas versöes de grandes poetas estrangeiros que
e em ritmos que sc gestam no interior da tradil;äo do versa. Es- come<;aram a falar em portugues a nossa sensibilidade.

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De tradui;öes poCtica-~ semp'te se ten<le a fazer juizo severo, as rime pietrose, de Dante, em traduc;äo/invenc;äo de Harol-
tal e a soma de solu\Öes infiCis ou canhestras que a hist6ria lite- do de Campos que tambem verteu Maiak6vski ( juntamenre com
raria tem registrado. No entanto, apesar das fatais altos e baixos Auguste de Campos e Boris Schneidermann) e uma selec;äo de
comuns a esse ingrato labor, contamos j<i com um nllmero razo<i- cantos de Ezra Pound ( com A. de Campos, Decio Pignatari e
vel de boas versöes que de certo influfram na forma<;iio de um J. L. Grünewald);
gosto liter<irio moderno. • ' Poemas, de Saint-John Perse, em versäo de Bruno Palma;
Sem pretender de modo algum ser ex'o.1ustivo, lembro: Poetas de Inglaterra, antologia bilingüe organizada por Pe-
0 l/ ento da Noite, de Emily Bronte, vertido livremente, ricles Eugenio da Silva Ramos e Paulo Vizioli;
mas com verdadeiro espfrito bronteano, por Lt'icio Cardoso; Mallarmagem, doze poemas de Mallarme, na tradu1;äo-in-
Poetas de Frani;a, Flores das Flores do Mal de Baudelaire ven~äo de Auguste de Campos, que reuniu algumas de suas vir-
e Antigona, de Sofocles, em finas tradrn;öes de Guilherme de ruosfssimas vers6es em Verso, Reverso e Controverso;
Almeida; Seis Cantos da Paraiso de Dante, elaborada recria1;äo de Ha-
As Flores da Mal, vertidas na integra por Jamil Almansur roldo de Campos.
Haddad; Representando escolhas dispares, essas versöes brasileiras
Maria Stuart, de Schiller, algumas liricas de Hölderlin e o entraram para o tesouro comum da poesia que transcende limites
Rubayat, que se destacam na ampla messe de versöes exempla- nacionais e ensina o homem a melhor conhecer o mundo e a si
res feitas por Manuel Bandeira; mesmo, construindo sobre o que e propriamente humano: a lin-
guagem.
Rilke e Brecht verti<los sobrian1ente por Geir Campos;
. Sonetos e Hamlet, de Shakespeare, por Pericles Eugenio da
Stlva Ramos) que soube encontrar para ambos felizes soluc;öes A CRiTICA
rftmicas;
0 Cemiterio Marinho, de Valery, pof Darcy Damasceno; 0 Modernismo, como uma lufada de ar entrando vigorosa-
mentc num quarto ha muito fechado, arejou tudo, beneficiando
Elegias de Duino, de Rilke, por Dora Ferreira da Silva; tambem a critica liter<iria que, ressalvadas as exce~öes de Nestor
Poesias, de Rosalfa de Castro, desconhecida e admir<ivel Vitor e Joäo Ribeiro, continuava a ser, em plena decada de 20,
poetisa galega, por Eclea Bosi; uma fortaleza do academismo neoparnasiano.
trechos do Purgat6rio dantesco e liricas de Ungaretti, por Ja vimos que saiu das pr6prios modernistas uma nova pro·
Henriqueta Lisboa; sa de ideias de que säo exemplo artigos de Maria de Andrade, de
Poemas da Angustia Alheia ( Poe, WilJe, RimbauJ ... ) por Sergio Buarque de Holanda, de Rubens Borba de Morais, de
Gondim da Fonseca; . Sergio lviilliet e de outros, impressos nas revistas do perfodo au-
reo do movimento. 0 nome que, entretanto, ficou simbolizando
Tres c~ntos do Inferno, por Dante Millano; a reflexä:o madura das novas poeticas e o de Tristäo de Atbayde,
Festas Galantes, de Verlaine, por Onestaldo de Pennafort; pscudönimo de Alceu Amoroso Lima, escritor que se manteve
Poemas Ingleses de Guerra, por Abgar Renault; ( apesar de todas as suas reservas filos6ficas), fiel ao reconheci-
mento hist6rico e estetico do Modernismo ( 3 63).
Vinte Canr;öes De Amor e uma Canr;äo Desesperada, de Pa-
blo Neruda, por Domingos Carvalho Ja Silva;
( 363) Consultar Meio Seculo de Presenr;a Literdria de Alceu Amoroso
A Cani;ao de Amor e de Morte do Porta-Estandarte Crist6- Lima, boa antologia dos seus tcxtos cr[ticos em cinqüenta anos de ativi-
v~o Rilke, de Rainer Maria Rilke, por Cedlia Meireles, que tam- dadc intelectual (Rio, J. Olympia, 1969). Ler o belo depoimento de Otto
bem traduz1u Tagore e, excelentemente ' Poesia de Israel·, 0.laria Carpeaux, Alceu Amoroso Lima, Rio, Graal, 1978.

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Leitor de amplos horiZontes~_.... soube <lefinir a seu tempo as Ern uma diretriz basicamente culturalista, mas temperada
tendencias e os limites irracionalistas do movimento ( Estudos, por fino gosto e variadissima pesquisa literäria, a obra de AntÖ·
1927-1935) e deu a nossa hist6ria espiritual slnteses culturalis- nio Cändido de Mello e Souza imp6s-se, a partir de Brigada Li-
tas amplas como a Introduriio ii Literatura Brasileira (1956) e geira ( 1945), como a sintese mais feliz de analise e interpreta>iio
o Quadro Sinthico da Literatura Brasileira ( 1956). que a nossa crltica tem conhecido neste seculo. Os seus ensaios
Nao se tratando de um esplritc1'medularmente estetico, Al- sobre Graciliano Ramos e Guimaräes Rosa, reunidos em T ese e
ceu Amoroso Lima retirou-se, desde a decada de 30, da crlti- Antitese ( 1964) integram harmonicamente a aten,ao dada aos
ca literaria militante passando a desenvolver cerradamente uma fatores geneticos e a sondagem das estruturas propriamente lite-
linha de estudos eticos e ideol6gicos. Creio que a vida mental drias. Exemplos desse metodo em leque (ja esbo~ado nas me-
do pais s6 lucrou com o trß.nsito do critico ao ensalsta. Aten- lhores paginas crlticas de um Mario de Andrade) podem colher-
do-se a sua postura religiosa basica, guia natural da A~ao Cat6- -se em toda a Formariio da Literatura Brasileira (1959), ampla
lica desde a sua conversäo 3.s correntes 't>togressistas da Igreja, hist6ria da Arddia, da Ilustra~ao e do Romantismo nacionaL
Alceu Amoroso Lima vem refletindo, no dia-a-dia dos seus ar- Nas paginas introdut6rias dessa obra, A. Cändido exp6s os pres-
tiges de jornal, as posii;öes mais abertas e democräticas em face supostos do seu trabalho crltico retomando-os mais tarde com
das vicissitudes politicas do Brasil. E consolador ver num pals exemplar clareza em estudos te6ricos de maior tensäo conceitual
de raizes ibericas um homem de aberta confissäo cat6lica tomar ( Literatura e Sociedade, 1965). Ern ensaios posteriores confir-
o partido da liberdade e da toleräncia: caminhos que, trilhados ma-se a sua vocac;äo de mestre da anälise narrativa capaz de di-
sem esmorecimento, o ajudaram a fixar uma constelac;äo de valo- namizar, no correr do texto, as melhores lic;öes da Sociologia da
res extremamente fecunda para a praxis nacional: o socialismo Literatura: "Dialetica da Malandragem" e "O Mundo-Prover-
cristäo de Peguy e Mounier; a an3.lise das conjunturas dos palses bio" säo estudos insuper3veis sobre as Mem6rias de um Sargent.o
do Terceiro Mundo, de Lebret; a visäo hegeliana de Teilhard de de Mi/icias e I Ma/avoglia, respectivamente.
Chardin e o apostolado da näo-violencia ativa como componente De um leitor-artista, Augnsto ·Meyer, o ensalsmo brasileiro
da dinß.mica social, na esteira dos "profetas desarmados" como recebeu um estilo pessoal, reflexive e irOnico, em que os ecos de
um Gandhi, um Charles Foucault e um Mutin Luther King. um Voltaire e de um Goethe iluministas se misturam as lem-
Entre os estudiosos de literatura de algum modo ligados bran~as do adolescente gaucho que escreveu tambem belos poe-
a Tristäo de Athayde nota-se o pendor pelas ideias gerais no mas de humor e melancolia (Giraluz, Poemas de Bilu). A ten-
trato do fen6meno artlstico. Alvaro Lins ( 1912-1970) foi, en- dencia para a auto-an3lise levou esse crltico nato a sondar a psi-
tre 40 e 60, um dos nossos crlticos mais ativos e percucientes, cologia machadiana em paginas que balizaram a fortuna do gran-
muito pr6ximo do modo de !er dos franceses pelo gosto da ana- de narrador (Machado de Assis, 1935). Outros livros seus:
lise psicol6gica e moral (] ornal de Critica, 8 vols.). 0 mesmo Prosa dos Pagos (1943), A sombra da Estante (1947), Preto
se pode dizer de Roberto de Alvim Correia ( Anteu e a Critica). e Branco (1956), Camöes o Bruxo e Outros Ensaios (1958).
A Afränio Continho coube 0 merito de divulgar entre n6s OS Vindos dos tempos pre-modernistas, Agripino Grieco foi
prindpios do new criticism anglo-americano ( Correntes Cruza- um dos mais atentos e vives leitores crfticos da nova literatura:
das) e sistematizar ideias e informac;öes sobre o Barroco, de o Bo/etim de Ariel que dirigiu, na decada de 30, e seus numero-
que e no Brasil um especialista; alem do que, coordenou a se- sos ensaios reunidos em Evoluriio da Poesia Brasileira (1932),
rie A Literatura no Brasil ( 5 volumes), onde h3 estudos de Evoluriio da Prosa Brasileira ( 1933 ), Genie Nova do Brasil
valor desigual, mas que, ao menos no plano do seu orienta- ( 1935) renovaram o estilo da crltica aliando o velho impressio-
dor, deveria rever esteticamente todo o nosso passado literärio. nismo a um julzo estetico em geral seguro.
Pendendo u!timamente para a hist6ria de temas, Afränio Cou- Os estudos comparatistas devem a Eugenio Gomes alguns
tinho escreveu um ensaio sobre a ideia de nacionalidade em achados de valor: foi o estudioso baiano o primeiro a detectar
nossa historiografia crltica ( A Tradiräo Afortunada). com precisäo fontes inglesas em v:irios escritores nossos, ras-

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1
treando-as con1 especial ~tenc;äo -na obra de Machado ( Espetho De analises em profundidade de obras, talvez o caminho
cantra Espelha). Coligiu ·seus melhores ensaios em Prata de mais promissor para a revisiio dos grandes textos do nosso pas-
Casa, Visöes e Revisi5es e Aspectos da Romance Brasileiro. sado, ja ha belos exemplos em: Roteiro de Macunaima, de Ca-
Ern todo o perfodo p6s-modernista assistiu-se a uma reno- valcanti Proenc;a; Hist6ria e Interpretar;äo de Os SertOes, de
va<;iio e a uma ampliao;äo da hist6ria !iteraria brasileira que ja ülfmpio de Sousa Andrade; Esfinge Clara. Palavra-puxa-palavra
conta com monografias e estu9os- d& conjunto respeitaveis, tor- em Carlos Drummand de Andrade, de Othon Moacyr Garcia;
nando-se dif.fcil näo cometer Pecados de omissäo ao se arrolarem 0 Preto no Branco. Exegese de um Poema de Manuel Bandeira,
autores e obras. Lembro, no campo das monografias: Machado de Ledo lvo; Cabra Narata: 0 Paema e a Mito, de Othon Moa-
de Assis e Vida de Ganr;aives Dias, de Lucia Miguel-Pereira; Vi- cyr Garcia; Marfalogia de Macunaima, de Haroldo de Campos,
da e Obra de Manteiro Lobato, de Edgar Cavalheiro; Revisäo näo citando aqui, para evitar redundB.ncia, os ensaios dos mes-
de Castro Alves, de Jamil Almansur Haddad; Introdur;ao ao Me- tres da critica cujos nomes e obras ficaram consignados acima.
todo Critico de Silvio Romero, de Antonio Candida; Silvio Ro- 0 estudo de fases hist6rico-literä.rias ou de generos isolados
mero, de Carlos Süssekind de Mendano;a; Tobias Barreto, de Her- tem merecido a atenc;iio de especialistas que concorrem para fixar
mes Lima; Euclides da Cunha, de Silvio Rabelo; Machado de um tipo de erudic;äo objetiva que o crescimento do ensino supe-
Assis, de Astrojildo Pereira; Gonr;alves Dias, de Manuel Ban- rior ·propicia e reclama. E o caso especifico da serie A Literatu-
deira; Como era Gonzaga?, de Eduardo Frieiro; Manuel Ban- ra Brasileira para a qua! colaboraram Jose Aderaldo Castello, com
deira, de Emanuel de Morais; Augusto das Anios e Outros En- 1\fanifestar;Oes Literdrias da Era Colonial, Antönio Soares Amora
saios, de Cavalcanti Proeno;a; Vida de Lima Barreto, de Francis- ( autor de uma apreciä.vel sintese, l-Iist6ria da Literatura Brasi-
co de Assis Barbosa; Jose de Alencar na Literatura Brasileira, /eira), com 0 Ramantismo, Joäo Pacheco com 0 Realisma, Mas-
de Cavalcanti Proeno;a; Psicalogia e Esthica de Rau! Pompeia, saud Moises com 0 Simbolismo, e Wilson Martins, com 0 Mo-
de Maria Lufsa Ramos; Ficr;äo e Confissäo - Estudo sobre a dernismo. Desse Ultimo, historiador liter:irio e critico militante,
Obra de Graciliano Ramos, de Antonio Candida; Jose Lins do que tem acompanhado com invulgar pertin3cia o nosso movimen-
Rego ~ Modernismo e Regionalismo, de Jose Aderaldo Cas- to liter3rio, lembre-se um trabalho pioneiro, A Critica no Brasil.
tello; 0 Universo Esthico de Rau/ Pompeia, de Ledo Ivo; Gra- Wilson Martins escreveu tambem um vastfssimo repert6rio da
ci/iano Ramos - Ator e Autor. de Rolando More! Pinto; Vida produc;äo intelectual brasileira, que confirma a sua infatig3vel
e Obra de Raimundo Correia, de Waldir Ribeiro do Val; Tem- erudic;äo: e a Hist6ria da Inteligencia Brasileira, em 7 volumes
po e Mem6ria em Machado de Assis, de Wilton Cardoso; Expe- ( 1976-1979).
riencia e Ficr;äo de Oiiveira Paiva, de Rolando More! Pinto; übras de fölego no terreno da pesquisa documenta! säo o
Ilusäo e Realidade em Machado de Assis, de Jose Aderaldo Cas- Panorama da Mavimenta Simbalista Brasileira, de Andrade Mu-
tello; 0 Laborat6rio Pohico de Cassiano Ricardo, de Oswaldino ricy, A Vida Literaria na Brasil, 1900, de Brito Broca, a Hist6-
Marques; Estruturas - Ensaio sobre o Romance de Graciliano, ria da Modernisma Brasileira, de Mario da Silva Brito, e 0 Lu-
de Rui Mouriio; Guimaräes Rosa e Ciarice Lispector, de Assis dica e as Pra;er;öes da Munda Barraca, de Affonso Avila.
Brasil; Jorge Amado: Vida e Obra, de Miecio Tati; Joäo Ca-
bral de Meio Neto, de Benedito Nunes; Murilo Mendes, de Lais Sobre o romance j3 ha alguns classicos: 0 Romance Brasi-
Correia de Araujo; Drummond: A Estilistica da Repetir;äa, de leiro, de Olivio Montenegro e Forma e Expressäo no Romance
Gilberto Mendono;a Teles; Maria de Andrade: Ramais e Cami- Brasileiro, de Bezerra de Freitas. Cortes sincrönicos säo: Prosa
nhas, de Tel~ Porto Ancona Lopes ( *). de Ficr;äa (1870/1920) de Lucia Miguel-Pereira e, mais recente-
1nente, Modernos Ficcionistas Brasileiros e 0 Romance de 30,
de Adonias Filho .
.(: ! A presem:;a de uma crltica diretamente ligada a produr;äo uni- A hist6ria da poesia näo se faz sem a an3lise e a acreciac;iio
vers1tana de teses e dissertar;öes e riiuito forte em toda a decada de 70:
jfi foram m~ncionados, em notas bib1iogr<lficas de rodape, alguns dos tra- de textos: cole\:Öes de ensaios ricas em notac;öes estilisticas säo:
balhos publicados que me pareceram de consulta proveitosa. 0 Territ6rio Lirico, de Aurelio Buarque de Holanda; 0 Obser-

548 549
. ,..
vador Literdrio, de AntöniQ Cändido; 0 Amador de Poemas e tem-se na intersecc;ä:o da neopositivismo com a ontologia de Hei-
Do Barroco ao Modernismo, de Pericles Eugeruo da Silva Ra- degger, tendendo a ver na travessia das formas lingüfsticas um
mos; Seis Poetas e um Problema, de Antönio Houaiss; Critica caminho do nada para o nada ( * ) .
de Estilos, de Aires da Mata Machado Filho; Dimensoes, I e II,
de Eduardo Portela; 0 Espelho Infiel, de Fernando G6is; Apon- Enfim, transcendendo os limites da hist6ria literaria brasi-
tamentos de Leitura, de Osma.i: Pi!ftentel; Convivio Poetico, de leira para a qual, porem, contribuiu como estudioso e orientador,
Henriqueta Lisboa e o vol,;me modelar de Manuel Bandeira, a figura de Otto Maria Carpeaux (Viena, 1900 - Rio, 1978)
Apresentafiio da Poesia Brasileira. aparece hoje como um divisor de aguas entre modos de ler me-
nores e, näo raro, provincianos, e uma conscif:ncia critica pode-
0 teatro foi estudado por J. Galante de Sousa em 0 T eatro
rosa da literatura como sistema enraizado na vida e na hist6ria
no Brasil, pur Sabato Magaldi no Panorama do Teatro Brasileiro
da sociedade.
e por Decio de Almeida Prado, na Apresentafiio do T eatro Bra-
sileiro e em ]oäo Caetano. A forma~äo cultural de Carpeaux na Europa foi ampla, in-
cluindo doutorados em Matematica, Filosofia e Letras. 0 histo-
Um ensaismo livre das peias did<iticas j3 amadurece entre
ricismo alemäo e italiano, que enformou a sua juventude, ensi-
n6s gra~as ao vigor de alguns criticos jovens, sensiveis ao mar-
nou-o a ver nos mUltiplos aspectos da cultura as partes de uma
xismo e ao estruturalismo que partilham hoje o espa~o cultural
totalidade) como o faziam, submetendo a imensa erudic;äo ger-
que ha vinte anos foi ocupado pelo existencialismo.
mänica a um criterio filos6fico, os seus mestres Dilthey, Croce,
A leitura dialetica e praticada nos complexos ensaios de Weber, Sombart e Simmel. Paralelamente, e em Viena que se
Roberta Schwarz reunidos em A Sereia e o Desconfiado e nos afirma, na fase de entre-guerras, outro sistema globalizante de
estudos percucientes de Jose Guilberme Merquior ( A Raziio do entender o animal simb6lico, a Psicana!ise de Freud e de Jung;
Poema; A Astucia da Mimese). Luis da Costa Lima em Par que
Literatura, Fausto Cunha em A Luta Literilria, Fibio Lucas em
Compromisso Litertirio e em 0 Carti.ter Social da Literatura Bra- { *) Nota de 1979. Quanto a cdtica produzida nos anos de 70, re-
sileira, e Eduardo Portela em Literatura ~ Realidade Nacional gistre-se a tendencia formalista e estruturalista vinda do decenio anterior
e conservada de forma epig6nica, mas tenaz, em muitos cfrculos univer-
repropöem o tema do enraizamento do escritor: tema vigorosa- sit:irios. Faz parte desse tipo de abordagem pör em relevo a presen~a de
mente tratado em Vanguarda e Subdesenvolvimento de Ferreira certas figuras de linguagem como a paranom<isia e os anagramas; reali;ar
Gullar. a fun~äo metalingüistica e o correlato ensimesmamento do texto ( o poema
que fala do poema, o romance que se refere a sua pr6pria estrutura etc.);
A militftncia da o~äo experimental cabe aos poetas concre- enfim, descobrir a intertextualidade: textos que entram em outros textos,
tos de Säo Paula dentre os quais superiormente dotado para a ou deles saem, ou com eles se fazem au desfazem etc.
reflexäo crltica e Haroldo de Campos, que reuniu algumas de No entanto, uma viragem salutar .deu-se, nos Ultimos anos, paralela-
suas pontas-de-lanc;a de an<ilise estrutural em Metalinguagem e mente a luta pela reabertura democratica e a crise dos valores tecnicistas
A Arte no Horizante do Provavel. que a.fetou a maior parte dos intelectuais brasileiros. Novas correntes con-
textualistas e marxistas de varios matizes solidtam uma leitura ideol6gica
Com Benedito Nunes ( 0 Munda de Clarice Lispector; 0 do texte, de tal modo que a cdtica est<i vivendo um periodo em que se
Dorso do Tigre) Anatol Rosenfeld ( Texto/Contexto) e Vilem combina um enfoque ainda estrutural ou, mesmo, funcionalista, com men-
Flusser (Da Religiosidade, Lingua e Realidade), a capta~iio do sagens e acenos da filosofia dialetica.
estetico faz-se mediante abordagens fenomenol6gicas. E sensi- Mas a vit6ria de um novo "historicismo de esquerda" longe esta de
vel em Benedito Nunes a abertura a genese existencial do texte, ~er rranqüila. Pois, em difuso contraponto, espraia-se com insistencia o
gosto de uma linguagem corp6rea, descontrafda, tendencialmente irrado-
forma de ler que nele remonta ao Sartre das Situations; a Rosen- nalista, que desejaria cancelar do discurso cdtico tudo quanto de regra-
feld devemos a melhor compreensäo do teatro brechtiano alem do ou vinculante trazem em si o estruturalismo e o marxismo. Essa ati-
de poiginas iluminadoras sobre a estrutura da obra de arte na tude, filiada a movimentos de contracultura, perdurara, creio, ate que ve-
linha de Roman Ingarden ( 0 Personagem na Ficfiio); quanto a nha ancor<i-la algum outro lastro de categorias e de valores. No momento
Flusser, antes manipulador de ideias, que analista liter<irio, nlan- em que escr.e}J.o, esse lastro parece vir de uma releitura da Psicanalise ainda
oscilante entre os opostos magisterios de Freud e Jung.

550 551
c no tnesmo ccntro interf1".acional <le arte definem-se as linhas ~1 abordagem culturalista, 1nas Jesloca, em certos casos-limite, o
mestras da an<ilise formal da pintura com Riegl e Dv6rak e da eixo da interpretac;äo do historicismo idealista para o dialetico,
nova mUsica, com Schoenberg, Webern e Berg. E näo esque~a· dando o necess3rio peso as motiva\6es sociais, conforme a lic;äo
1nos que o entäo lmpErio Austro-HUngaro foi um dos nUcleos lle Gramsci, Lukacs, Walter Benjamin e Adorno
irradiadores de um estilo de angUstia e crise, o Expressionismo, A maturidade do grande critico näo vem sendo utn augusto
que pressentiu, nas p<iginas sombria~e"Kafka e nas telas de Ko· fechamento sobre a pr6pria obra. Nos Ultimos anos (ver Brasil
koschka, a deforma~äo absurda da pessoa humana que iria atin- no Espelho da Munda) tem realizado lucidamente aquela passa-
gir a Europa com o triunfo iminente do nazismo. 0 triunfo gcm da teoria a pr3tica que para o velho hegeliano Croce era o
veio e come~ou por anexar a p3tria de Carpeaux a Alemanha ( o destino de todo espirito que ousou pensar para agir em conso-
Anchluss, de 1938), for<;ando-o a fuga, primeiro para a Holanda, n3ncia com o Espirito.
onde escreve o relato do firn da liberdade austriaca e, depois,
para o Brasil, onde, radicado a partir de 1939, deu o melhor de
si para a nossa cultura.
Colaborou intensamente em alguns jornais do Rio e de Säo
Paulo, escrevendo artiges e ensaios. sobre grandes escritores es·
trangeiros que aqui se conheciam pouco ou nada (Kafka, Bor·
ges, Antonio Machado, Hoffmannsthal, Stephan George, Croce,
Vico, Alfieri, Leopardi) e fazendo circular problemas de socio-
logia do conhecimento e da arte que ate hoje estäo no cerne da
vida intelectual do Ocidente.
E de 1942 o seu primeiro livro em portugues, A Cinza do
Purgat6rio, a que se segue Origens e Fins, no qual ja sc espelha
o convivio com o Brasil e o discernimento com que soube apre·
ciar valores da nossa literatura; ai estä:o aii.3.lises penetrantes de
Graciliano Ramos e Carlos Drummond de Andra<le, que, soma·
dos a seus prefacios a Lins do Rego, Jorge de Lima e Manuel
Bandeira, formam o nllcleo da sua brasiliana moderna. A pra.
tica assidua das letras nacionais levou o seu espirito sistem<itico
a elaborar a Pequena Bibliografia Critica da Literatura Brasileira,
trabalho pioneiro ate hoje nä:o superado.
Com o mesmo rigor met6dico, aquecido por uma verdadei·
ra devo,ao a beleza do opus humanum, que ele sabe tocar fundo,
trabalhou nesse monumento de erudi~äo e inteligf:ncia que e a
Hist6ria da Literatura Ocidental ( 364 ), em que se 1nantem fiel

(364) Rio, 0 Cruzeiro, 8 volumes, 1959·1966, mas escrita a partir


de 1944. A Hist6ria esta-se reeditando, revista pelo Autor (Ed. Alham-
bra). Outras obras de Carpeaux: Respostas e Perguntas, 1953; Presen~as,
1958; Uma Nova Hist6ria da MUsica, 1958; Livros na Mesa, 1960; A Li-
teratura Alemä, 1964; A Batalha da Amt?rica Latina, 1965; Vinte e Cinco
Anos de Literatura, 1968; Alceu Amoroso Lima, 1978; Reflexo e Reali·
dade, 1978.
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A lista de obras que vai a seguir compreende apenas trabalhos de lizai;äo Brasileira, 1969.
introdu~äo ä Literatura Brasileira e a seus momentos principais. Näo me SoTERO oos REIS, Francisco - Curso de Literatura Portuguesa e Bro.sileira.
pareceu necess8.rio along8-1a com dtulos de ensaios especificos sobre g!ne- Sao Luis do Maranhäo, 1866-1873, tomos IV e V.
ros e autores, pois estes ja se acham consignados nas notas de rodapC VERiSSIMO, JosC - Hist6ria da Literatura Brasileira. Rio, Francisco Alves,
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SACRAMENTO BLAKE - Diciontirio Bibliogrti/ico Brasileiro. Rio, Tipogra-
fia Nacional, 1883-1902. 7 vols.
SILVA, Inocencio Francisco da - Diciontirio Bibliogrd/ico Portugues. Es-
tudos Aplictiveis a Portugal e ao Brasil. Lisboa, Imprensa Nacional,
1858-1923. 22 vols.

AGRADECIMENTO
Agrad~ a Jose Paula Paes e a Celso Frederico. amigos a quem devo
inllmeras sugestöes bibliogr3ficas; e a minha mulher, EclCa, pela paciente
e inteligente leitura das originais.
A. B.
Deixo consignada minha gratidäo aos colegas da Universidade de Säo
Paula, Zenir Campos Reis, AntOnio Dimas e JosC Jeremias de Oliveira
Filho, pelas preciosas indica9)es bibliognificas.
A. B.

562
-- ~- -~~~-

tNDICE DE NOMES

AßRANCHES, Auguste <los San· Alighieri, Dante, 66, 189, 258, 509,
tos, 463 545
Abreu, Casimiro JosC Marques de, Almeida, Cändido Mendes de, 435
100, 127, 128, 130, 194, 244 Almeida, Fernando Mendes de,
Abreu, Joäo Capistrano de, 18, 22, 393
28, 56, 181, 275, 276, 277, 278, Almeida, GuiJherme de, 303, 323,
335, 426 344, 375, 376, 379, 380, 382,
Abrcu, Limpo de, 182 383, 385, 389, 390, 402, 403,
Abrcu, Moacir de, 383, 384 421, 422, 544
Abreu, Modesto de, 347 Almcida, Hor<irio de, 324
Abreu, Rodrigues de, 321 Almeida, Jose Americo de, 219,
Accetto, Torquato, 39 438, 445, 448
Acioli, Breno, 476 Almeida, Manuel Antönio de, 100,
Achillini, Cl<iudio, 36 111, 139, 140, 142, 145, 146,
Ackermann, Fritz, 115 147, 148, 194, 462
Adam, Villiers de l'Isle, 317, 330 Almeida, Moacir de, 247, 264
Adonias Filho, 437, 443, 445, 448, Almeida, Paulo Mendes de, 375
465. 467, 470, 473, 483, 484, Almeida, Renate de, 373, 381,
549 383
Adorno, T. W., 553, Almeida, Rodrigues de, 383, 384
Agostinho, Sto., 335 Almcida, T3.cito de, 383
Aguiar, Fl<ivio, 275 Alonso, D3.maso, 34
Aires, Matias, 52, 53 Alphonsus, Joäo, 313, 390, 474,
Albano, Jose, 24 7, 264 493
Albuquerde, Medeiros e, 181, Alvarenga, Oneyda, 391
222, 287, 303, 413 Alvarenga, Ot3.vio-Melo, 510
Alem<in, Mateo, 146 Alvarenga, Silva, 15, 62, 66, 74,
Alcncar, Heran de, 143, 150 78, 86, 87, 88, 89, 114

t Alencar, Jose de, 16, 65, 95, 100,


101, 107, 108, 110, 111, 113,
139, 142, 143, 148, 149, 150,
Alvaro, Corrado, 439
Alvares, Diogo, 77
Alves, Aud3.lio, 520, 529
1 151, 152, 153, 154, 155, 156,
Alves, Castro, 100, 101, 104, 128,
129, 130, 131, 132, 133,' 134,
'l 157, 161, 162, 168, 169, 181,
192, 197, 215, 224, 230, 231,
215, 272, 280, 282, 283, 285,
ll5, 136, 137, 171, 181, 183,
185, 244, 279, 288, 289, 2c1,
519
156, 372, 441, 482 Alvcs, Oscar Rodrigues, 384
Alencar, M8.rio de, 149, 195 Amado, )orge, 162, 433, 434, 438,
Alficri, 552 439, 442, 452, 457

565

~I
Am8lia, Narcisa, 137 Apollinairc, 300, 376, 386, 391, 225, 226, 258, 268, 301, 329, Barrcto, Pereira, 287
An1aral, An1adeu, 247, 254, -~264 532 335, 441, 454 Barreto, Tobias, 130, 132, 135,
Amiel, 66 Aranha, Gra~ä, 181, 183, 194, 195, 136, 181, 183, 134, 244, 275,
t\zcvcdo, Alvares de, 100, 101,
Atnora, Ant6nio Soares, 14, 68, 220, 329, 344, 345, 356, .367, . 103, 120, 121, 123, /24, 125, 276, 278, 279, 284, 335, 372
107, 144, 150, 164, 549 368, 370, 371, 372, 373, 374, 127, 128, 129, 130, 390 Barras, Antönio Carlos Couto de,
Anceschi, 36 375, 376, 381, 382, 383, 385, ,--\zc\·cdo. Artur, 209, 258, 259, 383
Anchieta, JosC de, 21, 22, 23, 25, 386, 387, 408, 438 268, 269, 270 Barros, Domingos Borges de, 92
26, 27, 344 .,.,_Aranha, Lufs, 381 .\zcvedo, Fernando de, 428 Barras, Manuel de, 520
Andrada, Francisco Ladislau tl.e, ·Araripc JUnior. Tristäo de Alen- AzcYcdo Filho, Leodeg8rio de, 22 Barroso, Maria Alice, 437, 442,
159 car, 43, 149, 204, 209, 215, 275, Az,;vedo, J. LU.cio de, SO 444, 467, 477
Andrada, Gon1es Frcirc de 54 56 276, 279, 282, 283, 305, 332, Bartoli, Danielc, 36
Andrade, Aln1ir de, 447, 448, '453 334, 347 BALANDIER, Georges, 13 ßastide, Roger, 305, 309, 393, 403,
Andrade, Carlos Drurnrnond de AraUjo, Adolfo, 320 Bacon, 47 408, 414, 494, 506, 509, 511
127, 340, 390, 395, 408, 417: AraUjo, Ferreira de, 312 Ba!ct, Lco, 34, 38 Bastos, Abguar, 481
432, 433, 434, 491, 493, 494, AraUjo, Henri Correia de, 541 Balfour, 289 Bastos, Tavares, 181, 317
495, 497, 498, 499, 500, 501, Aralljo, Lais Correia de, 501, 542, Halzac, 112, 145, 154, 188, 191, Baudelaire, Charles, 125, 245, 246,
504, 516, 518, 519, 525, 532, 548 206, 210, 394 250, 257, 296, 301, 304, 310,
543, 552 Aralljo, Murilo, 388, 470 Bandarra (Gon9alo Anes), SO 320, 325, 329, 330, 420, 422,
Andrade, Goularl de, 247, 264 Arinos. Afonso, 87, 234 Bändeira, Ant6nio Range!, 393, 544
Andrade, M8rio de, 16, 120, 132, Ariosto, 34, 39 506, 520 Beiguelman, Paula, 167, 186, 219
146, 148, 195, 204, 205, 232, Arist6tcles, 105, 282 Bandeira, Euclides, 317 Belo, Jose Maria, 241, 288
241, 247, 251, 253, 254, 257, Arn1ando, Paula, 520 Bandcira, Manuel, 83, 115, 119, Benedetti, LUcia, 475
260, 263, 281, 300, 303, 334, Asfora, Pennfnio, 482 244, 251, 256, 300, 303, 313, Benfcio, Manuel, 162
344, 345, 373, 375, 377, 380, Assis, Machado de, 119, 124, 144, 316, 344, 345, 373, 376, 378, Benjamin, Walter, 553
381, 383, ~ 385, 386, 387, 146, 154, 186, 187, 188, 191, 381, 383, 385, 391, 393, 395, Benn, Gottfried, 538
389, 391, 392, 394, 395, 396, 192, 193, 194, 195, /96, 197, Bcrenson, Bernard, 479
408, 411, 413, 420, 433, 491,
397, 398, 399, 400, 401, 402, 200, 201, 202, 203, 205, 208, Bergson, 233, 336, 337, 344, 386,
494, 538, 540, 544, 548, 550,
403, 408, 411, 414, 415, 416, 211, 246, 249, 251, 271, 272, 432, 502
273, 280, 283, 284, 329, 335, 552 Bernanos, George, 439, 502
420, 422, 431, 433, 448, 463, Banville, 246, 249
470, 471, 473, 474, 491, 493, 372, 394, 435, 441, 454, 460, Bernardes, Carmo, 483
462, ~72. 547, 548 Barata, Manuel Sarmento, 526 Bcrnardes, Pe. Manuel, 52, 288
501, 511, 513, 516, 518, 519, Barbosa, Agenor, 383
538, 545, 54 7 Atafdc, Felix de, 529 Bernardi, Mansueto, 319
Atafde, Joäo Martins de, 449 Barbosa, Domingos Caldas, 87 Bertarclli, Ernesto, 376
Andrade, Olfmpio de Sousa, 347, Barbosa, Francisco de Assis, 88,
549 Atafde, Manuel da Costa, 39 Bertrand, Aloysius, 328, 330
358, 408, 423, 453, 548 Besouchet, Lidia, 453
Andrade, Oswald de, 16, 303, 344, Atafde, Tristäo de (pseud. de Al-
Barbosa, Francisco Vilela, 92 Bezerra, Alcides, 160
373, 375, 376, 377, 379, 380, ceu de Amoroso Lima), 53, 230,
234, 236, 241, 254, 312, 333, Barbosa, Janu::irio da Cunha, 90 Bezerra, Joäo Clfmaco, 482
381, 383, 384, 385, 386, 388, Barbosa, Joäo Alcxandre, 176, 284
334, 336, 338, 344, 345, 568, Bevilacqua, Cl6vis, 181, 275, 276,
389, 391, 393, 395, 400, 402, 524
376, 393, 403, 408, 414, 415, 279, 336
403, 404, 405, 406, 407, 408, B<:1rbosa, Rui, 129, 132, 136, 194, ßilac, Olavo, 119, 204, 226, 246,
417, 420, 423, 433, 434, 445,
;6~' 422, 423, 431, 433, 491, 446, 447, 463, 470, 494, 501, 223, 275, 287, 288, 289, 290, 254, 255, 256, 260, 262, 335,
502, 506, 511, 545, 546 291, 332, 348, 359, 400 356, 376, 381, 403, 411, 413
Andreoni, Joäo AnlÖnio (pseud.: Augier, 269 Barbusse, Henri, 383 Blake, 66, 102, 124, 296, 503, 530
Antonil), 29, 278 Austen, Jane, 188 Barrcira, Joäo, 330 Blanc, Louis, 351
Anes, Goni;alo, 50 Avila, Affonso, 54, 529, 541, 549 Barrcto Filho, 195, 388 ßlavatsky, 317
Angelo, Hersflio, 347 Ayala, Walmir, 540, 542 Barrcto, Lima, 148, 193, 196, 220, Blikstein, Izidoro, 134
Anjas, Augusto das, 122, 323, Ayres, Jose, 67 222, 242, 263, 329, 335, 344, Blok, 296, 310
324, 325, 326, 327, 328, 368, Azambuja, Ü<:1rci, 483 345, 357, 358, 359, 360, 361, Blonde!, 336
Anjas, Cyro dos, 435, 438, 442, Azeredo, Ronaldo, 531 362, 363, 365, 366, 367, 375, Bloy, Leon, 502
443, 472 Azcvedo. Aluisio, 155, 187, 191, 391, 423, 438, 441, 462, 463 Baal, Augusto, 436
Anscln10. M<:1nuc\, 506 192, 193, 208, 209, 210, 211, Barreto, Lfvio, 322 Boas, Franz, 354, 428
Ant6nio. Joao, 478 212, 214, 215, 216, 219, 221, Barreto, Muniz, 226 Bocage, 122. 255
Bocaillva, Ouintino, 194, 271i„272 ,,..., Calder6n, 39
Boccaccio, 210 Caldwell, 439 Carvalho, Campos de, 476 Chamie, MB.rio, 414, 426, 492,
Boileau, 63 Calkins, 289 Carvalho, Elisio de, 383 539
Bolle, Willi, 485 Callado, Antönio, 475, 483 Carvalho, Hor<icio de, 217 Chamma, Foed Castro, 542
Bonfim, Manuel, 254, 276, 345, Calmon, Pedro, 132 Carvalho, Jose Cändido de, 437, Char, Rene, 538
353, 354 Calvino, 488 481, 484 Chardin, Teilhard de, 546
Bonfim, Paulo, 492, 520 Caminha, Adolfo, 187, 192, 208, Carvalho Jr., 185, 244, 245 Chasin, J., 419
Bopp, Rau!, 344, 385, 388, 41 4, .., 216, 217, 221, 225, 301, 322, Carvalho, Laerte Ramos de, 335 Chateaubriand, 65, 77, 90, 101,
417, 418 0
335 Carvalho, Maria Concei<;äo, 260 105, 106, 110, 112, 113, 115,
Borba, Jose C€sar, 511, 520 Caminha, Pcro Vaz de, 16, 17 Carvalho, Matias de, 137 152, 153, 173, 231, 296
Borges, Jorge Luis, 485, 552 Cam6es, Luis de, 18, 34, 41, 47, C<irvalho, Ronald de, 87, 323, 357, Chatterton, 66
Bosi, A., 150, 282 70, 255, 273, 508 368, 373, 376, 379, 381, 382, Chavannes, Puvis de, 332
Bosi, Ectea, 544 383, 385, 408, 420 Chaves, FIB.vio Loureiro, 204, 460
Campos, Augusto de, 138, 321,
Bossuct, 49 Carvalho, Vicente de, 246, 260, Chiacchio, Carlos, 321
489, 529, 531, 533, 536, 544,
Bourget, 220 545 262, 301, 335, 347, 376, 391, Cicero, 290
Bowra, Cecil, 516 403 Cidade, Hernani, 50
Campos, Geir, 250, 436, 492, 520,
Braga, Belmiro, 264 523, 544 Carvalho, Xavier de, 322 Claudel, Paul, 136, 502, 512
Braga, Edgard, 531 Casassanta, M<irio, 195 Cocteau, 391, 406
Campos, Haroldo de, 138, 393,
ßraga, Te6filo, 244, 279 Cascudo, Lufs da Cämara, 281 Coelho, Jorge de Albuquerque, 41
404, 405, 485, 492, 531, 535,
Branca, Visc. de Pedra, 105 545, 549, 550 Castelo, Jose Aderaldo, 54, 57, Coelho, Marcos, 39, 40
Branco, Alves, 90 · 107, 108, 150, 171, 376, 390, Coelho Neto, 193, 220, 221, 222,
Campos, Humberto de, 138, 415
Branco, Camilo Castelo, 106, 155, Campos, Lima, 330 403, 448, 470, 548, 549 223, 224, 225, 226, 227, 228,
242, 290 Castilho, A. Feliciano de, 149, 229, 230, 231, 232, 236, 240,
Campos, Paula Mendes, 492, 520
Brandäo, Ambr6sio Fernandes, 16, Camus, Albert, 439 249, 290 254, 330, 348, 359, 365, 397,
27, 278 Canabrava, Alice, 29 436, 438
Castriciano, Henrique, 322
Brandäo, Carlos Rodrigues, 539 Canabrava, Eurfalo, 506 Castro, A. Urbano Pereira de, 159 Coelho Neto, Paula, 222
Brasil, Assis, 482, 483, 548 Caneca, Frei, 93, 94, 110 Castro, Auguste de, 269 Coleridge, 296
Brasil, Zeferino, 319 Capinam, Jose Carlos, 529 Castro, Eugenio de, 316, 321 Colombo, Arnaldo, 244
Brecht, 544 Comte, 181, 186, 214, 244, 260
Cardim, Fernäo, 16, 21, 22, 278 Castro, Galdino de, 322
Brito, Parias, 263, 335, 336, 337, Cardoso. Pe. Armando, 22, 27 Castro, Josue de, 281, 433 Concei9äo, Edgard, 384
347 Conde, Jose, 482
Cardoso, Fausto, 367 Castro, Luis Paiva de, 529
Brito, M<irio da Silva, 247, 251, Cardoso, LUcio, 433, 434, 435, Castro, Rosalia de, 102, 544 Cony, Carlos Heitor, 437, 475
254, 257, 260, 273, 376, 377, 438, 439, 442, 443, 465, 466, Cavalcanti, Domingos Olfmpio Corazzini, 379
378, 381, 384, 403, 531, 549 467, 468, 470, 483, 544 Braga, 218 Corbisier, Roland, 435
Brito, Paula, 194 Cavalcanti, Manuel, 520 Correa, Roberta Alvim, 124, 448,
Cardoso, Viccntc Liclnio, 335,
Broca, Brito, 195, 220, 222, 224, 347 Cavalcanti, Valdemar, 216, 452 467, 516, 546
227, 328, 329, 549 Cavalheiro, Edgard, 121, 130, 241, Correia, Raimundo, 187, 246, 250,
Cardoso, Wilton, 195, 485, 548
Bronte, Emilv, 468, 544 548 252, 257, 262, 301, 335, 379,
Cardoso, Joaquim, 434, 491, 519,
Brunetiere, 284 529 381
Cayru, _Visc. de, 89, 93
Bruno, Haroldo, 458 Correia, Viriato, 222
Carducci, 101, 302, 379 Cearcnse, Catulo da Paixäo, 126,
Buckle, 276, 277 Cort<izar, 489
Carlos, Luis, 264 376
Buzzati, Dino, 113, 488 Carlyle, 291 Cortesäo, Jaime, 17
ceJine, 439
Byron, 90, 91, 101, 105, 120, 122, Carmo, Pinto do, 277 Cortesäo, Maria da Saudade, 520
124, 223, 252 Celso, Afonso, 244
Carnciro, hdson, 457 Costa, Ciro, 264
Ccndrars, Blaise, 376, 386, 387 Costa, Cl<iudio Manuel da, 48, 62,
Carneiro, Jose Fernando, 506 Cepclos, Batista, 264, 321
CABRAL, Ant6nio Carlos, 539 Carneiro, SB., 376 67, 68, 69, 70, 71, 72, 83
Caccesc, Neusa Pinsard, 389 CCsar, Guilhermino, 107, 275, 390, Costa, Joäo Cruz, 181, 291, 336,
Caetano, Batista, 22 Carpeaux, Otto Maria, 221, 263, 483, 519
368, 391, 448, 450, 453, 463, 347
Calado, Frei Manuel, 48 Cervantes, 34 Costa, Sa da, 26, 63
494, 501, 506, 545, 551, 552 Chacon, Vamireh, 174, 175
Calasans, Pedro, 137 Costa, Sosigenes, 457, 5 t 9
Carvalho, Afonso de, 254, 260 Chagas, Pinheiro, 149
Caldas, Pe. Sousa, 15, 90, 92, 93, Cousin, 95
105, 116 Carvalho, Arnaldo Vicente de,
260 Chalmers, Vera, 403 Coutinho, Afränio, 13, 42, 115,
Chamberlain, 426 144, 150, 171, 173, 195, 230,
568
569
247, 251, 277, 282, 358, 453,
546 Dias. Terifilo, 244, 245, 246 i crnandes, c.· D., 162, 317 Freire, Paulo, 435
Dickcns, 188, 191
Coutinho, Carlos Nelson, 190' h:rnandes, Florestan, 281 Freitas Filho, Arn1ando, 539
Coutinho, Cruz, 277 Didcrot, 188, 210 Fcrraz. Gcraldo, 437, 444, 477
Dilthcy, 55 t Frcitas, Bczerra de, 195, 358, 549
Coutinho, D. Jose Joaquim da Ferreira, Anibal Damasceno, 275 Freitas, Newton de, 453
Cunha Azercdo, 93 Dimas, Antönio, 162 Fcrn:ira, Celina, 520 Freitas, Tcixeira, 275
Dinis, Alm3quio, 376 Fcrrcira, Fernando Pessoa, 529
Couto, Domingos de Loreto, 56 Frcitas, Tibtircio de, 317
Dollinger, 288 F.:rrcira, Jerusa Pires, 414
Couto, Ribeiro, 303, 323, 378, 379, Freixciro. F3bio, 485
383, 408 ..Ponne, 44, 510
J Cval, 113 Freud, 233, 318, 344, 384, 388,
~b6ria, Franklin, 137 Fichte. 104
Croce, 34, 37, 551, 552 398, 418, 432, 496, 551
D'Ors, Eugenio, 37 J"ic:l<ling, 106, 188
Cruz, Sor Juana Ines de la, 44 Freyre, Gilbcrto, 15, 58, 150, 175,
Cruz, Luis Santa, 506 Das Passos, 439, 460 F'1guciredo, Cändido de, 412 185, 277, 281, 324, 335, 336,
Cummings, 530, 532, 537 Dostoievski, 221. 296, 299, 364, Figuciredo, Fidelino de, 41, 54 344, 345, 347, 350, 354, 390,
365, 465 Figueirc<la, Jackson de, 287, 321,
Cunha, Euclides da, 15, 181, 220, 411, 428, 434, 446, 447, 448,
223, 242, 260, 263, 276, 277, Dourado, Autran, 437, 442, 444, '322, 335, 336, 337, 338, 356 449, 506
477
280, 281, 322, 335, 343, 344, Figuciredo, Pedro, 172 Friciro, Eduardo, 66, 79, 234, 236,
Duartc, Paula, 391 riguciredo, Wilson de, 520
345, 346, 347, 348, 349, 350, 472, 494, 548
Duarte, Urbano, 270 Fi::-cher, Eugen, 425
351, 352, 368, 375, 391, 425, Frota, LClia Caelho, 520
426 Dujardin, 317 J·laubert, 186, 187, 188, 192, 205, Furtado, Celso, 27, 342, 435
Dumas, pai, 113 223, 295, 301, 302, 441
Cunha, Fausto, 138, 228, 550 Fusco, Ros<irio, 390, 460
Cunha, Joäo Jtibere da, 317 Dumas, Alexandre, 106, 144, 269 rlusser, VilCm, 550
Du Pin, Le Tour, 512 Funscca, Ant6nia J ose Vitorino GADDA, Carlo Emilia, 485
Duque, Gonzaga, 330, 331, 332 Borges da, 56 Galväo, Patricia, 477
DAMASCENO, Darcy, 164, 516,
520, 544 Duräo, Santa Rita, 74, 75, 76, 77, ronscca, Gondim da, 544 Galväo, Waln'ice N., 459, 485
Daniel, Mary, 485 78, 88, !08, 109, 116, 317 Fonscca, Jose Paula Moreira da, Gan1a, Basflio da, 15, 62, 72, 73,
Durtain, Luc, 418 436, 492, 520, 522
D'Annunzio, 136, 220, 299, 302, 74, 75, 78, 87, 108
319, 331, 379, 404 Dutra, Lia Correa, 448 Fonseca, Rubem, 478 Gama, Lufs, 130, 131
Dantas, Paula, 482 Dutra, Waltensir, 506 Fonseca, Yvannc Giannetti, 539 Ga1na, Marcelo, 319
Dantas, Pedro, 150 Duval, Guerra, 323 Fontes, Amando, 482 Gama, Maura, 539
Dantas, Santiago, 457 Fantes, Hermes, 247, 264 Gändavo, Pero de Magalhäes, 16,
Darwin, 181, 220, 301, 369 ECO, Umberto, 192, 478 Fantes, Martins, 247, 264 18, 19, 21, 22, 28, 278
D'Avila, Floriano Maia, 240 Eirri. Paula, 169, 170 Fort, Paul, 376 Garaude, Lupe Cotrim, 141, 520
Da Vinci, Leonardo, 34 Eliot, T. S„ 308, 384, 409, 435, Foscolo, 66, 104 Garbuglio, Jose C., 368, 371, 485
Debenedetti, 106 510, 521, 538
Fourier, 297, 351 Garcia, Othon Moacir, 417, 494,
Defoe, 188 Elis, Bcrnardo, 482, 483 Franca, Pe. Leancl, 337, 338 524, 549
Delfino, Luis, 246 Elisio, Americo (fase BonifBcio), Fran<;a, Aristides, 317 Garcia, Rodolfo. 22, 278
90, 92
De!ille, 92 1-'ranya, Cicero, 317 Garrett, Almeida, 103, 106, 107,
Ellison, Fred, 447, 448, 453 Franya JUnior, 270, 271
Dclgado, Luis, 288 112, 114, 119, 167, 171, 173,
Eluard, Paul. 376, 538 Francastel, Pierre, 141
De Marino, 39 E1nerson, 333 273
France, Anatole, 186, 195, 265, Gautier, ThCophile, 186, 223, 245,
De Lope, 39, 46, 252 Encarna~äo, Frei Gaspar da, 68 285, 317
Demcnczcs, Eliezer, 520 Engels, 278 246, 250, 252, 295
Ericcira, Conde de, 63 rranco, Afanso Arinos de Melo, Gelbcke, Jose, 317
Denis, Ferdinand, 107, 171, 173 87, 234, 235, 236, 473
Escorel, Lauro, 524 Gentil, Alcides, 353
De Sanctis, 34, 110, 189, 190, 512 Franco, Caio de Melo, 68, 83 George, Stephan, 552
Descartes, 47
Franco, Francisco de Melo, 88 Geraldy, Paul, 418
Deus, Fr. Gaspar da Madrc de, 56 FANTlNANTl, Carlos, 358
Frazer, 416, 418 Ghil, Rene. 297
Dias, Fernando Correia, 39, 485 Faria, Otävio de, 222. 434, 435,
FrCchcs. Claude-Henri, 26 Giannotti, J. Arthur, 141
Dias, Gon<;:alves, 89, 95, 100, 101, 438, 439, 442, 444, 446, 457, rrcire, Francisco JasC, 63 Gidc, Andre, 136, 233
!08, l IO, 114, 115, 116, 117, 467, 470, 473, 502, 513
Freire, JUiia, 383 Gioberti, 103
Faulkner, 439, 443, 478, 484, 488
118, 119, 120, 125, 127, 128, f-:reire, Junqueira, 101, 120, 124, Girard, Rene, 440
130, 132, 139, 167, 168, 177, Faustino, MBrio, 492, 506, 530
Felix, Moacir, 529 125, 127 Gliozzi, Giuliana, 19
255, 284, 406, 542 Freire, Laudelino, 279 Gobincau, 353, 426
Fenelon, 52, 53
I-'reire, NatCrcia, 516 God6i, Ant6nio de, 321
570
511
GOes, Fernando, 264, 305 .-~316 .r"'
Gullar, Ferrein1, 324, 492, 524,
391, 550 ' . ' Jtaparica, Fr. Manuel de Santa Ledo, Goni;alves, 90
528, 539, 543, 550 Maria, 35, 39, 48 Legouve. 92
Goethe, 101, 189, 441, 547
Gold, Michael, 457 1vo. Ledo, 204, 393, 408, 437, 470, Leite, Ascendino, 476
G~~d man, Lucien, 39, 141, 440, HADDAD, Jamil Almansur 120, 476, 492, 520, 548, 549 leite, Dante Moreira, 120, 153,
1 132, 170. 529, 544, 548 '
Haeckcl, 181, 301, 325
277, 347, 353, 354, 428, 485
Gomes, Dias, 436 JABO AT AO, Frei Antönio de Leite JU.nior, 317
Games, Eugenio, 46, 152, 1~5, ,Ha.rdy, Thomas, 187, 452 Santa Maria, 56 Leite, Pe. Serafim, 16
J-lartmann, 372 )"'ob, Max, 376, 386, 391 Lerne, Ernesto, 288
204. 209, 365, 547
Goniringer, Eugen, 532 Hecker Filho, Paula, 473 jäcome, Goni;alo, 317 lerne, Pedro Taques de Almeida
Gons:aives, Floriano, 453 Hegel, 141, 278, 296, 435 faguaribe, H6lio, 435 Pais, 56
Heidegger, 496, 551 jakobson, Roman, 134, 534 Lemos, Gilvan, 482
Goni;alves, Paulo, 264
Gonyalves Ricardo, 264 Heine, 124, 252, 315, 323 fammes, Francis, 300 Lemos, Miguel, 274
Hemingway, 439 Janotti, Maria de Lourdes, 176 Lemos, Ricardo, 317
Goncourt, Jules e Edmond de,
188, 205 Herculano, Alexandre, 106, 110, 1ardim, Reinaldo, 529 Leonardos, Stella, 520, 542
G6ngora, 36, 39, 44, 46, 61, 510 112, 114, 119, 158 290 Jarry, 274 Leoni, Rau! de, 264, 265, 266, 267
Heredia, 249, 252 ' jorge, Fernando, 254 Leopardi, 124, 187, 197, 198, 289,
Gonzaga, To1näs Ant6nio, 62, 65, Her6doto, 426
66, 67,~. U, n, ~8~ 8~ foycc, 300, 391, 416, 444, 465. 313, 496, 552
84, 88, 273, 284 Hesse, Herman, 478 478, 488, 532 Lesage, 147, 188
Gorender, Jacob, L3 Hilst, Hi!da, 520, 542 [U!ia, Francisca, 246, 257, 321. 381 Lessa, Jose Aureliano, 128, 129
Gorki, 365 Hoeldcrlin, 104, 124, 409, 544 fung, Car!, 318, 444, 473, 551 Lessa, Pedro, 128, 336
(;ourmont, Re1ny de, 321 Hoffmann, 103, 296, 331 /unqueiro, Guerra, 301, 304, 305, Lessing, 282, 283
Gozzano, 300, 379 J--Joffn1annsthal, 552 316, 328, 544 Levy-Bruhl, 418, 477
Graciiin, Baltasar, 35, 36, 39 Holanda, Aurelio Buarque de 53 /urandir, Dalcidio, 482 Levy, Hannah, 38
Gramsci, 553 111, 148, 150, 162, 215, '222: Levi-Strauss, 399
238, 368, 408, 494, 511 KAFKA, 330, 552 Lima, Abreu e, 172, 174, 175
Gravina, Gian Vincenzo, 62, 63
Green, Graham, 439 Holanda, Gastäo de 482 Kahn, Gustave, 299, 323 Lima, Augusto de, 257
Green, Julien, 439, 473, 478 Holanda, Heloisa, 543 Kardiner, 428 Lima, Benjamim, 506
Grieco, Agripino, 195, 241, 264, Holanda, Sergio Buarque de 19 Kilkerry, Pedro, 321 Lima, Heitor, 264
58, 91, 93, 107, 195 215 '277' Klebnikov, 391, 532 Lima, Herman, 222
265, 324, 337, 358, 368, 374,
39.J, 443, 447, 448, 458, 463, 281, 3'44, 366, 380.' 386: 387: Konder, Leandro, 190 Lima, Hermes, 183, 548
467, 494, 501, 506 403, 408, 428, 545 Lima, jorge de, 334, 390, 398, 433,
Griffin, Viele, 299 Homc1n, Homcro, 520 LA BRUY~RE, 147, 198 434, 439, 448, 467, 483, 491,
Grünevald, JosC Lino, 492, 531. Homem, Sales Torres, 106, 107 La Rochefoucault, 53 502, 505, 507, 508, 509, 510,
536, 545 Homero, 258 La Tour du Pin, 509 511, 515, 518, 519, 521, 530,
Hopkins, 296 Lacombe, Americo Jacobina, 288 541, 552
Guarini, 61, 64, 65
Hor8.cio, 62, 108, 282 Laet, Carlos de, 337 Lima, Luis Costa, 138, 453, 458,
Guarnieri, Gianfrancesco, 436
Guarnieri, Rossini Camargo, 391 Houaiss, Antönio, t 15, 131, 324, Lafayette, Conselh., 149 470, 478, 485, 494, 524, 550
358, 493, 494, 524, 550 Laforgue, 300, 323, 391 Lima, Oliveira, 195, 359, 361
Guil16n, Jorge, 525, 538
Hugo, Victor, 101, 105, 106, 110, Lamartine, 105, 106, 107, 112, Lima, Rocha, 276
Guimaraens, Alphonsus de, 300,
112, 132, 136, 137, 188, 191, 132, 214, 245 Linhares, Temistocles, 204
302, 311, 312, 313, 314, 315, 245, 252, 291 Lammenais, 175 Lins, Alvaro, 209, 283, 324, 355,
316, 320, 322.421 Lange, Curt, 40 393, 414, 417, 423, 448, 453,
Huxley, Aldous, 242, 459, 461
Guimaraens Filho, Alphonsus de, Huysmans, 330 Lanson, 284 458, 463, 465, 467, 473, 478,
313, 491, 520 Lapa, Rodrigues, 79, 83, 84, 85 494, 501, 516, 546
Guimaraens, Arcängelus de, 320 IANNJ, Octavio, 435 Lapouge, 353 Lins, Ivan, 181
Guimaräes, Bernardo, 111, 128, lbsen, 221, 333, 334 Lara, Cecilia de, 146, 385 Lins, Osman, 358, 437, 442, 444,
129, 114, 139, 140, 142, 155, Iglesias, Francisco, 337, 353 Lawrence, 439 476, 477
156, 157, 158, 159, 160 Ingarden, Roman, 550
Lautreamont, 386, 410 Linton, 428
Guimaraens, Eduardo, 319 320 Leal, Antönio Henriques, 138, 149, Lisboa, Henriqueta, 313, 433, 435,
Inojosa, Joaquim, 390
323
Guimaräes Jlinior, 246
' '
Ionesco, 274
Is6crates, 290
} 175, 176
Leäo, Angela Vaz, 485
485, 491, 518, 550
Lisboa, Joäo Francisco, 172, 175,
' Leäo, MU.cio, 355 176, 178
572
573
Lisboa, Rosalina Coelho, 264 Magaldi, S8bato, 164, 271, 550
L'Isle, Leconte de, 187, 198: t-.1assa. Jean Michel, 195, 196 Michalski, Yan, 275
Magalhäes, Adelino, 388 r-.-tata, Edgar, 320 . Michelet, 101, 103, 110
Lispector, Clarice, 437, 442, 444, Magalhäes, Almeida, 335, 336
476, 478, 479, 480, 481 J'vfatos, Carlos Lopes, 335 Milane, Dante, 491, 518, 544
Magalhäes, Domingos de, 209 J\:latos, Eusebio, 49 Milliet, sergio, 344, 376, 383, 393,
Lispector, Elisa, 475 Magalhäes, Gon9alves de, 89, 92,
Loanda, Fernando Ferreira de, r-,.-1atos, Greg6rio de, 35, 39, 42, 414, 420, 423, 424, 465, 470.
95, 106, 107, 108, 109, 111, 112, 43. 44, 45, 49, 282, 283 494, 501, 513, 545
520 114, 116, 120, 123, 130, 139,
Lobato, Monteiro, 157, 158, 195, \.{atos, Jose Pedro Games de, 277 Mirales, Jose, 56
.., f48, 149, 163, 171, 172. 173, \1aul. Carlos, 353 Miranda, Veiga, 121
220, 236, 241, 242, 243, 3J5, 174, 280
342, 345. 375, 177, 191, 402 i\taupassant, 186, 187, 188, 189, Mirandola, Pico della, 34
Magalhäes Jr., Raimundo, 194, 210, 244 Mistral, Gabriela, 538
Locke, 47 195, 259, 268, 288, 305, 324
Longino, 282 Mauriac, 443, 473 Maises, Massaud, 304, 305, 316,
Magalhäes, Valentim, 185, 209, l\1aurras, 432 319, 333, 549
Lopes, Ascänio, 390 210
Lopes, B„ 257, 304 [l.1acLuhan, Marshall, 537 Moliere, 270
Maia, Alcides, 195, 209, 231 :V1cireles, Cecflia, 388, 433, 434, Monat, Olympia, 478
Lopes Neto, Joäo Simöes, 156, Maiakovski. 221, 391, 524, 532, 435. 491, 515, 516, 518, 521, Montaigne, 115
232, 233. 238, 239. 240, 329, 545
345 541. 544 Montale, Eugenio, 504, 510. 525,
Mailarme, 221, 297, 298, 299, 301, i\'teireles, Saturnino, 317 538
Lopes, Roberta, 95 302, 309, 317, 391, 410, 525,
Lopes, Tele Porto, 393, 548 i\-1clo, Carlos Correia de Toledo Monte Alverne, Frei Francisco de,
532, 537, 545 e, 67
Lorca, Garcia, 409, 435, 516, 538 93, 95, 96, 108, 171, 334
Mallet, Pardal, 226 rvtelo, Gladstone Chaves de, 150,
Louys, Pierre, 418 Malraux, 439 Monteiro, Adolfo Casais, 408, 448,
Louzada Filho, 437, 444, 478 288 458, 472, 485
Mangabeira, Francisco, 322 i\1elo Neto, Joäo Cabral de, 437,
Loyola, Inacio de, 23 Monteiro, Benedito, 482
Mangabeira, Joäo, 288 492, 501, 502, 504, 520, 524,
Lucas, Fäbio, 550 Mannheim, Karl, 65, 100, 295 Montello, josue, 209, 268, 437,
Lugon, C„ 72 525, 526, 532, 541 443, 483
Mansfield, Katherine, 443, 460, Melo, Teixeira de, 128
Luis, Pedro, 100, 128, 137, 194 472 Montenegro, Braga, 482
Lukacs, Georg, 190, 211. 440. Mclo, Tiago de, 492, 529 Montenegro, Olivio, 151, 195, 209,
Manzoni. 104, 106, 107, 112, 145 Mendes, Catulle, 252
553 Maquiavel, 33 215, 284, 445, 448, 458, 460,
Lusitano, Cändido, 63 Mendes, Martins, 390
Maranhäo Sobrinho, 322 473, 506, 549
Luzan, lgnacio de, 63 Mendes, Murilo, 388, 395, 433,
Maria, ee. Jtilio, 287 434, 491, 500, 501, 502, 503, Moog, Viana, 14, 195, 483
Mariano, Oleg8rio, 264, 323 504, 505, 515, 519, 525 Mora, Octavio, 542
MACEDO, Joaquim Manuel de. Marinetti, 233, 376, 380, 382, 391, Moore, Mariane, 532
100, 111, 112, 113, 127, 139, Mendes, Odorico, 138, 172, 175,
416, 532 178 Moraes, Durval de, 322, 335
142, 143, 144, 145, 146, 147, Marine, Gianbatista, 36, 61 Moraes, Emanuel de, 408, 548
165, 168, 192, 193, 194, 268, Mendon9a, Carlos Süssekind de,
Maritain, Jacques, 337, 338, 502 279. 548 Moraes, Jomar, 138
441 Marques, Oswaldino, 414, 420, Moraes, Llgia Chiappini Leite de,
Macedo, Jose Agostinho de. 75, 76 Mendon9a, Salvador de, 132
548 Meneses, Agr<irio de, 169, 170 238. 390
Macferson, 66 Marques, Xavier, 222, 231 Moraes, Vinicius de, 433, 434,
Machado Filho, Aires da Mata, Meneses, Castro, 317
Martins, Ciro, 483 Meneses, Vasco Fernandes Desar 467, 491, 502, 513, 514, 515,
393, 494, 550 Martins, Fran, 482 521, 529, 541
Machado, Anibal, 437, 453, 476 de, 54
Martins, H€1cio, 494 Menezes, Lufs da Cunha, 83 Morais, Carlos Dantes de, 265,
Machado, Antönio de Alcäntara, Martins, Ismael, 317 366
107, 344, 385, 391, 422, 423, Menezes, R., 150, 209
Martins, Ivä Pedro, 483 Menucci, Sud, 241 Morais Neto, Prudente de, 386,
424 Martins, Jllnior, 244 Mercadante, Paula, 172 387, 393, 403, 420
Machado, Antönio, 516, 552 Martins. Luis, 358 Merou, _r....1artin Garcia, 282 Morais, P€ricles de, 222
Machado, Dion€1io, 437, 474 Martins, M. de Lourdes de Paula, Merquior, J. Guilherme, 495, 550 Morais, Raimundo de, 481
Machado, Gilka. 264, 388 22
Mesquita, Lobo de, 39, 40 Morais, Rubens Borba de, 383,
Machado, Lufs Toledo, 423 Martins, Nogueira, 353 Metast<isio, Pietro, 61, 63, 74, 105 386, 387, 545
rvlachado, Mauro, 520, 543 Martins, Wilson, 284, 333, 415,
Macicl, Luis Carlos, 275 Metraux, Alfred, 21 Mor<ivia, 439
417, 418, 445, 448, 460, 549 Moreas, Jean, 299
Macpherson ("Ossian"), 66, 129 Meyer, Auguste, 150, 195, 238,
Mascarenhas, Jose, 56 Moreyra, Alvaro, 319, 323, 383,
Maeter!inck ..300. 317, 333 240, 350, 390, 434, 547
Mascarenhas, Juliana, 79 Meyer, Camargo, 539 406
574
57 5
Mota, Artur, 149 ~"' .,... OBERMANN, 120 Peguy, 502, 512, 546 Pimente!, Osmar, 550
Mota, Carlos Guilherme, 58· 0 'Casey, 406 Peixoto, Afränio, 132, 193, 220, Pinheiro, Fred, 520
Mota, Dantas, 492, 519, 520, 529 Oiticica, Jose, 264 221, 222, 230, 231, 232, 438 Pinheiro, Pericles da Silva, 56
Mota Filho, Cä.ndido, 344, 353, Olimpio, Domingos, 192, 217, 218, Peixoto, Alvarenga, 67, 78, 83, 84, Pinheiro, Xavier, 129
380, 383, 388, 415 446, 479 85, 88 Pino, Wladimir Dias, 531
Mota, Mauro, 437, 520 Olinto, Antönio, 460 Peixoto, Francisco 1., 390 Piiion, Nelida, 478
Motta, FI<ivio, 330 , Ol!veira, Alberte de, 119, 246, Peixoto, Tiago, 317 Pinte, Alvaro Vieira, 435
Mounier, 338, 546 247, 249, 250, 251, 262, 335, peguy, Charles, 338, 499, 506, Pinto, Jose Alcides, 529
Moura, Cl6vis, 347 356, 381, 387 509, 540 Pinto, Rolando Morel, 219, 453,
Moura, Emilio, 390, 435, 491, 493, Oliveira, Manuel Botelho de, 15, Peladan, Sär, 330 548
518 39, 40, 45, 46, 48 Pelegrino, H61io, 520 Pinto, Roquete, 277, 281, 428
Moura, Reinaldo, 476 Oliveira, Felipe d', 319, 323 Pena, Corn61io, 434, 435, 438, 439, Pirandello, 200, 201, 221, 274,
Mouräo, Gerardo Mello, 542 Oliveira, Franklin de, 347, 350, 442, 443, 465, 467, 469, 470, 341, 463
Mouräo, Rui, 453, 456, 548 351 471, 483 Pires, Corn6lio, 376
Moutinho, Jose Geraldo Noguei- Oliveira, Mamede de, 320 Pena Filho, Carlos, 520 Pires, Homero, 121, 124
ra, 542 Oliveira, Marly de, 542 Pena, Martins, 162, 163, 164, 165, Pita, Rocha, 29, 54, 55, 76
Moyses, Carlos Felipe, 520 Oliveira, Martins de, 491 166, 167 Placer, Xavier, 368
Mucciolo, Gennaro, 403 Oliveira, Numa de, 384 Penhafiel, Anast8cio Ayres de, 55 Poe, Edgar Allan, 113, 296, 313,
Mugnier, Henri, 383 Orban, Victor, 195 Pennafort, Onestaldo de, 323, 544 331, 537, 544
Muratori, L. A., 62, 63 Orico, Osvaldo, 481 Penteado, Alberte, 384 Poliziano, 64
Muricy, Andrade, 301, 304, 305, Orlando, Artur, 183, 336 Penteado, Armando, 384 Pombo, Rocha, 317, 330, 331
316, 319, 331, 501, 515, 549 Ornelas, Manoelito de, 238, 390 Peregrino JUnior, 195, 481 Pompeia, Rau!, 187, 192, 203, 204,
Musset, 101, 120, 123, 132 Orta, Teresa Margarida da Silva Pereira, Antönio Olavo, 437, 443, 205, 206, 208, 282, 283, 329,
e, 52, 53 475 335, 435, 441, 446
NABUCO, Carolina, 183 Ortigäo, Ramalho, 186 Pcreira, Astrojildo, 148, 195, 286, Ponge, Francis, 504, 537
Nabuco, Joaquim, 132, 182, 183, Orwel, 242 354, 358, 433, 453, 548 Pontes, El6i, 204, 254
194, 195, 275, 283, 286, 287, Ossian, 66 Pereira, Batista, 288, 289 Pontes, Joel, 271, 453, 458, 473
288, 351, 367 Otaviano, Francisco, 128, 129 Pereira, Hip6lito da Costa, 93, 94 Portella, Eduardo, 313, 414, 472,
Nascentes, Antenor, 45 Otävio Filho, Rodrigo, 319, 323 Pereira, Lafayette Rodrigues (La- 485, 550
Nash, N. Richard, 406 Ottoni, '!10 bieno), 194, 195, 275, 277 Porto Alegre, Manuel de Aralljo,
Nassar, Raduan, 478 Ovidio, 27 Pereira, LUcia Miguel-, 160, 162, 95, 106, 107, 108, 109, 112, 116,
Nava, Pedro, 390, 476 163, 195, 197, 204, 209, 212, 130, 171, 174
N ejar, Carlos, 542 PACHECO, Felix, 317 214, 215, 216, 218, 219, 230, Pound, Ezra, 384, 390, 409, 504,
Neme, MB.rio, 391 Pacheco, Joäo, 219, 247, 251, 284, 238, 279, 358, 548, 549 510, 530, 532, 537, 545
Neruda, Pablo, 544 324, 448, 483, 549 Pereira, Nuno Marques, 29, 52 Prado, Ad61ia, 542
Nerval, 296 Paes, lose Paulo, 29, 134, 324, Perez, Renard, 463, 465, 467 Prado, Antönio Armoni, 358
Nery, Ismael, 502 492, 519, 520, 523, 529, 531 Perneta, Emiliano D., 317, 318 Prado, D6cio de Almeida, 163,
Ney, Paula, 226 Pais, Brig. Jose da Silva, 56 Perse, St.-John, 136, 545 164, 169, 271, 550
Nietzsche, 62, 221, 233, 296, 299, Paiva, Manuel de Oiiveira, 162, Pessoa, Fernando, 52, 376, 390, Prado, Eduardo, 287
333, 365, 372, 530 217, 218, 219, 441, 446, 482 435, 532 Prado, J. F. de Almeida, 17
Nobre, Antönio, 300, 305, 316 Pallottini, Renata, 513, 520, 542 Pestana, Rangei, 182 Prado, Paulo, 277, 344, 355, 373,
Palma, Bruno, 545 Petrarca, 34, 66, 69, 70, 313 383, 384, 400, 403, 407, 423,
N6brega, Humberto, 324
Palmerio, Mcirio, 482 Petrönio, 210 424, 425, 426, 428
N6brega, Pe. Manuel da, 16, 21 Picchia,_ Menotti del, 303, 344, Prado Jr., Antönio, 384
22 ' Pamplona, Armando, 383
Pappini, 432 375, 376, 377, 378, 379, 380, Prado Jr., Caio, 13, 57, 90, 182,
Norberto, Joaquim, 87, 110, 172 382, 383, 384, 385, 388, 402, 185, 281, 428, 433
Papus, Dr., 317
Novais, Fernando, 13, 58 Pareto, 432 413, 416, 417, 419 Prates, Homero, 319
Novais, Germane de, 265 Pascal, 39, 53, 336, 337 Picchio, Luciana, 501 Prisco, Francisco, 283
Novalis, 102, 112, 296, 333, 334 Passos, Guimaräes, 226, 254 Pignatari, Decio, 403, 492, 524, Proenc;a, Cavalcanti, 149, 281,
Nunes, Benedito, 403, 478, 485, Patrocinio, Jose do, 226, 287 531, 534, 545 324, 328, 352, 358, 393, 463,
524, 548, 550 Paz, Octavio, 36 Piloto, Erasmo, 319 467, 485, 548, 549
Nunes, M. T„ 353 Pederneiras, M8rio, 322, 323 Pimente!, Ciro, 492, 520 Proudhon, 351

. /(, 517
,,
,,

Pr~rJ\~~\gJ1, 233, 300,, 384, , Rebelo, Marques, 146, 360, 434, Rodenbach, 300, 421 Santos, Antönio Noronha, 356
439, 442, 462, 463, 464, 506 Rodrigues, Jose Hon6rio, 57, 275 Säo Carlos, Frei Francisco de, 90
Puchkin, 104 Rebou~as, Andre, 287 Rodrigues, Nina, 277, 281, 336, Saraiva, Arnaldo, 539 .
Pujol, Alfredo, 195, 382 Regis, Edson, 520 350 Sardou, 269
R6gio, Jose, 538 Rollinat, 252 Sartre, 13, 418, 544
QORPO-SANTO (pseud. de Josi: Rego, Jose Lins do, 162, 348, 390, Romero, Nelson, 279 Sassi, Guido Wilmar, 483
Joaquim de Campos Leao), 273, 407, 432, 433, 438, 442, 448, Romero, Silvio, 15, 100, 111, 128, Saussure, 534
274, 275 ... ~49, 450, 453, 481, 491, 507, 130, 135, 164, 173, 181, 183, Savary, Olga, 542
Quadros, Antönio, 460 511, 552 184, 185, 194, 195, 244, 275, Sayers, Raymond, 131; 159, 170
Quasimodo, Salvatore, 538 Reis, Alvaro dos, 322 276, 278, 279, 280, 281, 282, Schwartz, R„ 150, 195, 393, 485,
Oueiroga, Ant6nio Auguste, 171 Reis, Marcos Konder, 452, 467, 284, 285, 286, 332, 333, 335, 550
Queir6s, Dinah Silveira de, 476 520 336, 426, 547 Schiller, 544
Queir6s, E>a de, 155, 186, 197, Reis, Sotero dos, 138, 172, 175, R6nai, Paulo, 485 Schlegel, 103
209, 210, 211, 216, 224, 226, 178, 280 Rosa, Joäo Guimaräes, 156, 232, Schmidt, Afonso, 383
242, 301, 454 Reis, Zenir Campos, 324 233, 395, 398, JIJ7, 442, 444, Schmidt, Auguste Frederico, 136,
Oueir6s, RaqueJ de, 219, 446, Renan, 182, 186, 265, 285 445, 477, 478, 484,) 485, 486, 433, 434, 453, 457, 467, 470,
447, 452, 453, 457, 482 Renault, Abgar, 390, 544 487, 488, 490, 491 471, 491, 502, 511, 512, 514,
Queir6s, Wenceslau de, 303 Resende, Enrique de, 390 Rosas, Oscar, 304 515
Ouental, Antero de, 186, 244, Resende, Garcia de, 23 Rosenfeld, Anatol, 324, 393, 550 Schneiderman, Boris, 355, 545
251, 301, 311 Resende, Jose Severiano de, 320 Rouf:de, Emilio, 209 Schopenhauer, 187, 198, 309, 325,
Quevedo, 44, 146 Resende, Otto Lara, 437, 443, Rousseau, 62, 65, 80, 90, 115 372, 496
Quintana, M<irio, 519 475 Rubiäo, Murilo, 476 Schwartz, Roberta, 393, 478, 482,
Ouintas, Amara, 175 Reverbel, Carlos, 238 544
Ouintiliano, 282, 290 Ribeiro, Ernesto Carneiro, 288 SA, Pe. Antönio de, 48 Scott, Sir Walter, 65, 77, 91, 101,
Ribeiro, Flexa, 322 Saba, Umberto, 538 106, 110, 112, 113, 144, 152,
RABELAIS, 34, 43 Ribeiro, Francisco Bernardino, 171 Sabino, Fernando, 437, 475 296
Rabelo, Laurindo, 100, 125, 126, Ribeiro, Joäo, 68, 276, 281, 335, Sachs, Ne!ly, 538 Scribe, 113, 269
127 355, 356, 357, 375, 393, 414, Sadek, M. Tereza, 473 Schure, 318
Rabelo, Silvio, 279, 335, 347, 417, 494, 501, 506, 545 Saint-Exupery, 439 Sebag, Lucien, 490
548 Ribeiro,-Jtllio, 191, 192, 193, 208, Saint-Pierre, Bernardin de, 231 Seixas, Maria Joaquina Dorot6ia,
Racine, 66 217, 225, 285 Saldanha, Jose de Natividade, 92, 79
Ramos, Alberte, 264, 321 Ribeiro Jr„ Jose, 100 110 S€:rgio, Antönio, 50
Ribeiro, Leonidio, 230 Sales, Alberto, 287 Serpa, Phocion, 247
Ramos, Artur, 277, 281, 428, 506
Ribeiro, Sab6ia, 216 Sales, Antönio, 217, 218 Serra, Joaquim, 269
Ramos, Graciliano, 162, 218, 233,
Ribeiro, Santiago Nunes, 172, 173, Sales, Artur de, 322 Serrano, Jönatas, 335, 336
348, 407' 432, 433, ;138._ 439, 174 Setllbal, Paulo, 376
Sales, Herberto, 482
442, 443, 448, 449, ~52,' 454, Shakespeare, 34, 66, 168, 409, 544
Ricardo, Cassiano, 115, 344, 356 Sales, Ruth Sllvia de Miranda,
455, 456, 457, 478, 48"1, 491,
547, 552 379, 385, 388, 389, 395, 413'.
c 520 Shaw, 460
415, 416, 419, 539 Salgado, Plinio, 382, 385, 388, Shelley, 104, 202
Ramos, Guerreiro, 354, 435 Richardson, 106 389, 414, 416, 419, 420 Silesius, 44
Ramos, Hugo de Carvalho, 232, Riedel, Dirce Cortes, 195, 236 Salinas, Pedro, 510, 538 Silva, Da Costa e, 322
241 Silva, Domingos Carvalho da, 22,
Rilke, 409, 435, 510, 516, 544 Salles, David, 231
Ramos, Maria Luisa, 204, 485, 548 Rimbaud, 221, 233, 296, 301, 323, Salvador, Fr. Vicente do, 16, 28, 436, 492, 520, 522, 544
Ramos, Pericles EugCnio da Silva, 329, 330, 386, 387, 391, 410, 278 Silva, Dora Ferreira da, 513, 544
46, 55, 128, 247, 250, 251, 257, 530, 544 Samain, Albert, 300, 319 Silva, Jacinto, 195
304, 316, 323, 393, 414, 415, Rio, Joäo do, 224 Sanches, Antönio Nunes Ribeiro, Silva, Joaquim Norberto de Sou-
417, 420, 436, 492, 501, 506, Rita, Sta., 315 63 sa, 111
520, 523, 544, 545, 550 Rivera, Bueno de, 492, 520, 521 Sand, George, 106 Silva, Jose Bonifacio de Andrada
Ramos, Ricardo, 437, 476 Rizzini, Carlos, 94 Sannazaro, 61, 64 e, 62, 89, 90, 91, 92, 105
Ramos, Vitor, 448 Rocha, Justiniano Jose da, 171 Sant'Anna, Affonso Romano de, Silva, Luis Vieira da, 66
Range!, Alberte, 347, 352 Rocha, Lindolfo, 446 494, 529, 541 Silva, o Mo~o. Jose Bonifacio de
Rawett, Samuel, 444, 475, 477 Roche, Jean, 460 Santilli, Maria Aparecida, 470 Andrada e, 129, 130

578

„„„„...... --------~~~ l 579


Silva, Jt'tlio Cesar da, 320 -~ ,.,..
Silva, Maria Beatriz Nizza da, 17 Sousa, Teixeira e, 100, 111, 112,
113, 441 Tesauro, Emmanuele, 36 Vergara, Pedro, 390
Silva, Pereira da, 100, 106, 107,
109, 172, 276, 317 Sousändrade, 128, 130, 137, 138, Thackeray, 188, 210 Vergara, Telmo, 474
Silveira, Agenor, 236 139, 171, 181, 185, 532 Thiollier, Rene, 384 Verissimo, f;rico, 360, 417, 433,
Silveira, Helena, 476 Spencer, 181, 214, 220, 260, 301, Thomas, Dylan, 510, 530, 538 437, 438, 439, 442, 459, 460,
325 Thompson, 448 461, 462
Silveira, Sousa da, 107, 127, 401
Silveira, Tasso da, 303, 305, 333, Spengler, 432 Tigre, Bastos, 264 Verissimo, Incicio Jose, 282
337, 388, 515, 516 • '-Spina, S., 42 Tinoco, Diogo Grassen, 48 Verissimo, Jose, 15, 42, 72, 90,
Spitzer, 34 Tolentino, Bruno, 542 93, 95, 111, 125, 127, 130, 146,
Silveira, Valdomiro, 156, 232, 233,
236, 237, 345 StaeJ, Mme. de, 107, 112, 173 Tolst6i, 365, 465 162, 175, 194, 195, 209, 210,
Silveira Neto, 317 Starobinski, 534 Torres, Alberte, 276, 345, 353, 215, 222, 247, 254, 275, 277,
Simmel, 551 Stein, Gertrude, 391, 532 354, 428 279, 282, 283, 284, 285, 286,
Simöes, Joäo Gaspar, 506 Steinheck, John, 439, 457, 465 Torres, Antönio, 324 JDO, 313, 332, 360, 368
Soares, Antönio Toaquim Macedo, Stendhal, 106, 112, 145, 188, 384, Torres, Artur de Almeida, ~OS. Verlaine, 298, 301, 302, 313, 323,
171 440, 465 Torres, Joäo Camilo de Ohverra, 421, 544
Sterne, 193 181 Verney, Luis Antönio, 63
Soares, Jose Carlos de Macedo,
382 Stowe, H. B„ 159 Torres, Vasconcelos, 354 Viana, Alvaro, 320
Soares, Orris, 324, 368 Strindberg, 221, 296 Trevisan, Armindo, 542 Viana, Fernando Mendes, 529
Sodr6, Nelson Werneck, 93, 156, Stuart-Merril, 299 Trevisan, Dalton, 437, 475 Viana, Helio, 277
183, 281, 354, 458, 467 Sturzo, 338 Trismegisto, Hermes, 317 Viana Filho, Luis, 230
Soffici, 532 Swedenborg, 295 Turguieneff, 365 Viana, Oliveira, 15, 58, 186, 220,
S6focles, 422, 544 Swift, 193, 196, 289, 460 276, 277, 281, 345, 353, 354,
Sombart, 551 Suassuna, Ariano, 436, 484 UNGARETTI, 300, 390, 409, 435, 425, 426
Sore!, 432, 440 Sue, Eugene, 113, 144 510, 538, 544 Vicente, Gil, 23, 26
Sotero, 178 Vico, Giambattista, 484, 552
Sousa, Afonso Felix de, 241, 492, TACITO, 426 VAL, Waldir Ribeiro do, 251, 548 Vidigal, Geraldo, 482, 520
520 Tagore, 320, 418, :]lü, 544 Vale, Freitas (pseud.: Jacques Viegas, Artur, 7~ .
Sousa, Antönio Cändido de Melo Taine, 34, 181, 182, 186, 276, 277, d'Avray), 312, 320 Vieira, Pe. Antonio, 29, 48, 49,
e, 64, 71, 77, 92, 121, 125, 144, 282, 283, 301 Valery, 99, 267, 298, 391, 409, 50, 51, 178, 290
148, 150, 195, 209, 246, 281, Tasso, 'i'orquato, 34, 39, 44, 64, 435, 525, 538, 544 Vieira, Hermes, 260
70, 74 Vallejo, Cesar, 538 Vieira, Joäo Fernandes, 48
348, 391, 403, 404, 408, 460,
465, 470, 472, 485, 494, 547, Tati, Miecio, 195, 458, 472, 548 Van Tieghem, 66 Vieira, Jose Geraldo, 434, 435,
548, 550 Taunay, Afonso d'Escragnolle, 29, Var~la, Fagundes, 100, 101, 120, 438, 443, 464, 465, 466
Sousa, Auta de, 322 111, 139, 142, 143, 155, 156, 129, 130, 131, 132, 134, 244 Vigny, Alfred de, 104, 105, 124
Sousa, Cruz e, 216, 285, 296, 300, 160, 161, 192, 194, 215, 230 Vargas Neto, 390 Villa<;a, Alcides, 542
301, 302, 303, ~. 305, 306, TB.vora, Fränklin, 100, 139, 142, Varnhagen, Francisco Adolfo de, Vilar, Pethion de, 321
308, 309, 311, 312, 314, 315, 143, 149, 155, 161, 162, 163, 21, 109, 110, 111 116, 171, 172, Vilhena, Luis dos Santos, 67
316, 317, 318, 319, 322, 323, 181, 192, 215, 482 175, 177, 276 Virgilio, 27, 51, 64
326, 329, 330, 332, 335 Tchecov, 210, 472 V<irzea, Virgilio, 301, 304 Vita, Luis Washington, 279, 337,
Sousa, Erthos de, 138 Teixeira, Bento, 41, 278 Vasconcelos, Carlos, 352 401
Sousa, Frei Luis de, 356 Teixeira, Gustavo, 264 Vasconcelos, Jose de, 354 Vftor, Nestor, 265, 305, 309, 319,
Sousa, Gabriel Soares de, 16, 20, Teixeira, Maria de Lourdes, 476, Vasconcelos, Leite de, 26 329, 330, 331, 332, 333, 334,
21, 22, 28 483 Vauvcrnargues, 53 445, 506, 545
Sousa, Gilda de Mel1o e, 408, 494 Teixeira, MUcio, 257 Vaz, Pe. Henrique, 435 Vittorini, 439
Sousa, Ingles de, 158, 191, 192, Tel1es, Gilberto Mendoni;a, 494, Vega, Lope de, 39, 45, 252 Vizioli, Paulo, 545
208, 214, 215, 216, 335, 454 542, 548 Veiga, Evaristo da, 93, 94, 110 Voltaire, 62, 63, 65, 90, 496, 547
Sousa, J. Galante de, 41, 164, 194, Veiga, J. j„ 478 Von Lippmann, 27
Teiles, Lfgia Fagundes, 437, 442,
195, 270, 550 474 Velinho, Maises, 238, 240, 460
Sousa, MB.rcio, 482 WAMOSY, Alceu, 319
Te6crito, 64 Veloso, Dario, 317
Sousa, Octcivio Tarquinio de, 94 Waugh, Evelyn, 439
Sousa, Pero Lopes de, 16 Te6filo, Rodolfo, 162, 192, 217, Venäncio Filho, Francisco, 347 Weber, 551
218, 446 Verde, Ces<irio, 301, 328 Wellek, 36
Verga, Giovanni, 187, 188, 452 Werneck, Adolfo, 317
580

4
581

:
Willams, Frederick G., 138 .
Whitman, Walt, 136, 323, 507 X~ VIER, Fontoura, 185, 244, 257
Wilde, Oscar, 220, 299, 365, 421 X1sto, Pedro, 492, 531 Leia tambem
544, 539 '
Wisnik, Jose Miguel, 42 YEATS, 317, 398 0 SER E 0 TEMPO DA POESIA
Woelfflin, Heinrich, 34, 37
Wolff, Virginia, 443, 478 ZOLA, 186, 188, 191, 209, 211,
...225, 301, 331 Aifredo Bosi

A.s palavras "ser" e "tempa", na titulo deste valume, defi-


TH'HI as tOnicas dos seis ensaias que o canstituem. Siia ensuios
no sentida mais nobre da genera: jaga criativa da inteligencia
a rnaver-se, alerta e sensivel, na espa<;a que vai da geral aa
particular; dos parilmetras da essencia O.s farmas de sua atua-
!i::..a<;iia histOrica; do ser aa tempa da paesia. 0 ser da paesia
- · a imagem que "busca aprisianar a alteridade estranha da.s
r·oisas e das homens"; o som no signa, "a figura da mundo e
a rnUsica das sentimentas" recuperadas via linguagem; o ritmo
da /rase no discursa poitica, "imagem das coisas e movimento
do espirito". 0 tempo da poesia - a resposta das poetas
ao estilo capitalista e burgues de viver, desde "o autismo
a
altivo" do "simbolo fechado" parddia negativista que "brinca
com o fogo da inteligencia"; os valores religiosos, iticos e pa-
!iticos da ideologia a fundarem a unidade de perspectiva na
l)ivina Comedia; Giamhattista ' 1ico, "mente poitica em tem-
pos analiticos"' que investigou "o ser da Poesia, em termos de
linguagem", numa abordagem antecipadoramente estrutural.
Alfredo Bosi e professor de Literatura Brasileira da Uni-
rersidade de Siio Paula, autor de ensaios, antologias e obras
de historiografia literdria, entre as quais a Hist6ria Concisa da
I_,iteratura Brasileira.

j EDITORA CULTRIX
582 '
EDITORA DA UNIVERSIDADE DE SAO PAULO
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