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CIP-Brasil.

Catalogação na fonte
Sindicato Nacional dos Editores de Livros, RJ.
p~ra / Departamento de Letras da PUC-Rio. -
Pl81 N.l (1~3) - . - Rio de Janeiro: Grypho, 19()4-

Descrição baseada no nº 3 (19<)5)

1. Linguagem e linguas - Periódicos. 2. Línguas -


Periódicos. 3. Literatura - Periódicos. 4. Tradu-
ção e interpretação - Periódicos. I. Pontifícia
Universidade Católica do Rio de Janeiro.
Departamento de Letras.

CDD - 401
96-0163 CDU - 00
PALAVRA 3 (1116) n1-134

AINVISIBILIDADE
DO TRADUTOR' LAWRENCE VENUTI

... wi1h you when a word is ahered, when 1he order is disarranged by a hair's
bread1h, the whole spiril of the 1hing seems to vanish. And yet the unhappy
transb1or musl aher words and disarrange order.
Dorothy Bussy, em carta a André Gide (1937)

... philosophical problems arise when language goes 011 boliday.


Wingenslein, Pbilasopbical investigatio11S (1r.iduzido por G. E. M. Anscombe)

A prática da tradução está repleta de questões problemáticas com as quais o tradutor se confronta ao
realizar sua tarefa, mas que - por ser a tradução uma atividade acima de tudo prática -em geral não são
examinadas, ou sequer enunciadas. Dentre essas que tões, uma requer atenção especial, pois parece
definir a situação e a atividade do tradutor na cultura anglo-americana contemporânea (e, sem dúvida
também em outras culturas): trata-se do que chamo de invisibilidade do tradutor. E.5te tenno um tanto
melodramático refere-se a dois fenômenos inter-relacionados; um diz respeito à reação do leitor as tradu-
ções, o outro ao critério segundo o qual elas são produzidas e avaliadas. Por um lado, os leitores geral-
mente encaram a tradução de um texto estrangeiro, seja em prosa ou poesia, como se este houvesse sido
originariamente escrito em sua língua, como se não fosse, de fato, uma tradução; por outro lado, uma
tradução é considerada aceitável (por redatores, revisores e leitores) quando sua leitura é fluente, quando
a ausência de quaisquer passagens canhestras, construções não idiomáticas ou significados confusos
transmite a sensação de que a tradução reflete a personalidade ou a intenção do autor estrangeiro, ou o
significado essencial do texto original. O que é interessante notar aqui é que as duas atitudes apagam
completamente a intervenção crucial do tradutor no texto: quanto mais "bem-sucedida" a tradução, maior
a invisibilidade do tradutor, e maior a visibilidade do autor ou do ignificado do te>.'lo original. Ocorolário
extraído dessas atitudes, e freqüentemente sustentado pelos próprios tradutores, é que o trabalho da
tradução deve ser apagado, que a descoberta deste trabalho durante o processo de leitura é indesejável,
pois significa que o texto traduzido não satisfaz o critério da íluência.

Ainvisibilidade do tradutor, portanto, é em parte um efeito estranho de sua manipulação da língua, um


auto-aniquilamento que resulta do próprio ato da 1raduçào como ele é concebido e praticado hoje, apesar

· Tradução de: Toe translalor's invlsibUity. ln Criticism. v. XXVIII, n. 2, Spring 1986, Wayne Siate UP, pp. 179-212.

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de, sem dúvida, também ter sido promovida pelo declínio dos estudos de línguas estrangeiras ocorrido a
partir do final dos anos sessenta. Entretanto, os tradutores não podem senão se opor a esta invisibilidade,
não apenas porque ela constitui uma mistificação de todo o projeto da tradução, mas também porque ela
parece estar relacionada ao baixo status ainda atribuído ao seu trabalho. Os tradutores, com raras exce-
ções, são muito pouco reconhecidos. Como notou recentemente Ronald Christ, "muitos jornais, como The
Los Angeles Times, nem ao menos citam os tradutores no cabeçalho das resenhas, os criticos muitas vezes
não mencionam que um livro é uma tradução (e citam trechos do texto como se este houvesse sido
escrito em inglês), e os editores quase sempre excluem os tradutores das capas e dos anúncios dos
livros." 1 Ehá também a exploração econômica que os tradutores têm que suportar, em alguns aspectos
muito pior que o tratamento dado a autores que, como romancistas e poetas iniciantes, notoriamente "não
vendem". Os tradutores são rotineiramente alienados do produto de seu trabalho por relações de produ-
...a• ção que mais se assemelham às que detenninam o trabalho em outros setores econômicos, como as
; indústrias de manufaturas e de serviços. Os contratos padronizados os forçam a abrir mão de todos os
direitos sobre o texto traduzido ao menos pelo tempo em que ele pem1anecer à venda, às vezes por todo
o período de vigor do copyrigbt, que é normalmente feito em nome do editor. Além dis.so, os tradutores
recebem um s:Ilário muito baixo por uma tarefa que geralmente requer meses de trabalho intelectual
intensivo, cuja natureza é altamente especializada: os editores ainda os vêem como "trabalhadores de
aluguel", oferecendo-lhes um pagamento fixo baseado no número de palavras traduzidas e raramente
cedendo-lhes parte dos direitos autorais e das vendas de direitos subsidiários a revistas e reedições em
brochura. 2 Em 1979, por exemplo, editoras americanas respeitadas por lançar nos E.stados Unidos obras
estrangeiras de alta qualidade literária pagavam aos tradutores cerca de U$35,00 por cada mil palavras em
inglês; em 1984, estas mesmas editoras estão oferecendo cerca de U$50,00, mas o aumento é, na verdade,
menos significativo do que pode parecer, se considerarmos o altíssimo índice de inflação nesse período.
Dado o número relativamente pequeno de livros traduzidos lançados por editores americanos nos últi-
mos anos e o panoran1a aparentemente pouco otimista da tradução no atual mercado editorial, continua
sendo praticamente impossível, para o tradutor free-lancer, subsistir com a renda de seu trabalho, especi-
almente se ele investe em seu trabalho a considerável quantidade de tempo e esforço necessária para a
produção de uma tradução aceitável, sendo obrigado, portanto, a limitar ainda mais o número de tradu-
ções que pode aceitar em um determinado período. Talvez o melodrama do termo "invisibilidade" seja
mesmo o mais adequado a esta situação. O tradutor, ao que parece, é invisível em duas frentes, uma
textual ou estética, a outra sócioeconômica, e não é difícil perceber aqui uma rede de ligações causais: a
invisibilidade do tradutor para os leitores, apesar de ser em primeira instância um efeito determinado do
texto, do próprio uso da língua feito pelo tradutor, determina parcialmente o baixo status cultural e
econômico da tradução, e este baixo status, por sua vez, desempenha seu papel, determinando que a
tradução continue a ser julgada segundo o critério da fluência, que inicialmente encobre o trabalho do
tradutor.

Os efeitos sociais da invisibilidade do tradutor acrescentam uma urgência ainda maior à necessidade de
uma desmistificação da prática da tradução. E.5ta tarefa foi iniciada pelos prefácios que os próprios tradu-
tores ocasionalmente anexam ao seu trabalho e pela maior sofisticação da literatura da área de tradução,
de natureza tanto teórica como crítica. Porém a incipiência de uma reflexão sistemática sobre o assunto
indica que este corpo de textos ainda nem começou a ser examinado e sintetizado, apesar do esforço
prodigioso e exemplar de George Steiner em Afler Babe/. 3 Minha contribuição, muito mais modesta,
consistirá no desenvolvimento de duas linhas de questionamento inter-relacionadas: primeiro, quero
explorar e expandir a idéia já aceita de que a tradução é uma produção ativa de um texto que se
as.semelha ao texto original, mas que mesmo as.sim o transforma; e, segundo, este exame me permitirá
formular uma técnica de leitura crítica na qual o processo produtivo da tradução poderá tomar-se visível
de algumas formas, inclusive para leitores que desconheçam a língua estrangeira na qual o texto original
foi escrito. Em ambos os casos, o objetivo é descrever - ao invés de prescrever -a prática da tradução e,
mais do que isso, descrevê-la de forma a respeitar, como estes parágrafos introdutórios buscaram fazer
com a tradução contemporânea, a especificidade lingüística do texto traduzido, inserindo-o no contexto
social em que foi produzido. De forma mais geral, a elaboração teórica aqui desenvolvida ooseia-se, em
última instância, nas premissas do materialismo dialético tal como foi fomrnlado por Marx e reinterpreta-
do por Louis Althus.5er.

Embora a idéia de que a tradução envolve uma transfomiação íundamental do texto estrangeiro não seja
nova, foi apenas recentemente, com a dis.5eminação da lingüística e da teoria te>.'tual pós-saussureana,
que este lugar-comum pôde ganhar uma formulação rigorosa e um tanto inesperada. Atradução é o
processo através do qual uma mensagem é decodificada a partir de uma cadeia de significantes fornecida
pelo autor estrangeiro, e outra mensagem correspondente é codificada em outra cadeia, fornecida pelo
tradutor.• Os dois passos fundamentais deste processo -a escolha da mensagem e ada cadeia de significantes
-demonstram a natureza profundamente transformadora da tradução e a intervenção ativa do tradutor. Os
dois tipos de escolha são, na verdade, interpretações que não podem ser compreendidas em termos das
noções simplistas de equivalência ou igualdade lingüística entre original e tradução. Como argumentaJirí
Levy, "do ponto de vista da situação de trabalho do tradutor em qualquer momento de sua atividade (ou
seja, do ponto de vista pragmático), a tradução é um PROCESSO DE DECISÕES: uma série de situações
consecutivas -como jogadas em um jogo -que impõem ao tradutor a necessidade de escolher entre um
número determinado (e muitas vezes definível com exatidão) de altemativas." 5

Éimportante enfatizar o elemento de ~ntingência implícito no recurso de Levy à teoria dos jogos. Ainda
que o número de mensagens alternativas possíveis em qualquer ponto da tradução seja "muitas vezes
definível com exatidão", o próprio fato de existir mais de uma escolha, de que outro tradutor possa fazer
uma escolha diferente, insinua um deslizamento do significado na transição da língua-fonte para a língua-
meta: o que geralmente ocorre pode ser caracterizado como um excesso de significação na língua-meta e,
simultaneamente, uma perda de significação na língua-fonte, os quais o tradutor tenta limitar escolhendo
um significado específico e excluindo outros. Porém os significantes que o tradutor é obrigado a escolher
para executar esta função limitadora resultam ser não apenas ineficientes, mas ativos na promoção do
deslizamento semântico. Durante o processo tradutório, as características fonológicas da cadeia de
significantes original são completamente abandonadas, a sintaxe é freqüentemente alterada, e essas mo-
dificações ocorrem mesmo em textos como os poéticos, em que a sonoridade e a ordem das palavras do
texto original são importantes para a produção do significado. Como os substitutos dessas características
pertencem a outro sistema lingüístico - com significantes diferentes, assim como diferentes regras e
convenções de significação, com outra história de desenvolvimento e outra conjuntura social - eles po-
dem muito bem possuir uma densidade de significação acumulada que é novamente complicada pelo seu
uso específico no texto traduzido, precipitando, desse modo, um segundo excesso e uma segunda perda
que o tradutor deve considerar e restringir, se possível, com uma escolha calculada. Digo apenas "se .
possível" pois aqui toma-se óbvio que a tradução vai sempre diferir do original e diferir o original, que
pode haver apenas uma relação assintótica entre eles. Novamente, temos a impres.são de que a noção de

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identidade lingüística como princípio descritivo e avaliativo realmente ignora a disjunção inevitável que
surge entre o original e a tradução, devido aos numerosos atos de interpretação que o tradutor tem que
executar e às diferenças inevitáveis entre a língua-fonte e a língua-meta. Como Steiner incisivamente
observou, "a mecânica da tradução é, em primeira instância, explicativa.[ ... ] Porque a explicação é aditiva,
porque ela não se limita a reaflm1ar a unidade original, porém tem que criar para ela um contexto
ilustrativo, um campo de ramificações materializadas e perceptíveis, as traduções são inflacionárias. Não
se pode pressupor uma relação ele co-extensào entre o texto-fonte e a tradução. Em sua fom1a natural, a
tradução excede o original."6

A vi ão ele tradução que esbocei acima pressupõe uma teoria da linguagem segundo a qual o significado
desliza por ser contex1ualmente determinado. Aqui, tenho em mente não apenas a idéia seminal de
au ure de que a relação entre significante e significado é fo~ada em primeira instância pelo contexto
lingüístico do igno • isto é, por sua posição em uma determinada cadeia significante e suas associações
diferenciais com outros signos semelhante , porém ausentes · mas também a extensão revisionista de
Derrida da lingüística saussureana, particularmente seu conceito ele "iterabilidade". Em "Signature Event
Context", Derrida define este conceito como uma mudança radical do significado, que se torna possível
quando um signo é deslocado de um "contexto semiótica e interno" para outro; um de seus exemplos,
curiosamente, envolve a tradução: ele demonstra como a expressão "o verde está ou", utilizada por
Husserl como um exemplo ele agramaticalidade no "campo contextual orientado" constituído pelas ltzve;.
ligações lógicas(que inclui, devemos notar, a língua alemã), subitamente adquire gramaticalidade ao ser
traduzida para o francês: "'Onde está o verde (da grama) (/e vert est oü)?'"7 O exemplo de Derrida tem
implicações claras e profundas para a prática da tradução: se, como ele argumenta, o texto não é, de
fom1a alguma, um objeto estático, mas uma fluidez de significados possíveis que pode crescer ou decres-
cer com cada mudança de contexto, com cada "iteração", então o e forço do tradutor para dar significado
ao original através de sua substituição por uma cadeia significante sub tancialmente diferente acarreta a
criação de um conte>.10 totalmente novo que (re)con titui e restringe, e portanto pode mudar, o significa-
do do original. Logo, qualquer tradução pode envolver a perda de significação na língua-fonte e o
excesso de significação na língua-meta que ocorrem na tradução de "o verde está ou" do alemão para o
francês.

F,ssa idéia também pode ser ilu trada • e um pouco aprofundada· através do exame dos diferentes modos
como essa expre ão problemática é trabalhada na traduções de Husserl e Derrida para o inglês. Feliz-
mente para o tradutor de Husserl, J. N. Findlay, o exemplo alemão pode ser reproduzido em inglês; o
tradutor de Derrida, Alan Bass, cita a tradução de Findlay, mas é obrigado a deixar a versão francesa
original da expressão e recorrer a uma nota de pé de página para criar um contexto no qual o argumento
de Derrida ganhe sentido para o leitor do inglês. De ta fom1a, a versão inglesa de Bass aproxima-se do
texto de Derrida, mas ao me mo tempo não o alcança e vai além dele: a tradução, é claro, comunica o
argumento sobre a iterabilidade que Derrida pretende fazer com sua crítica a Husserl, mas, por ela
depender de uma expressão em uma língua estrangeira e de uma nota de pé de página, também pooe-se
dizer que ela diminui o poder de persuasão imediato do francês de Derrida ("o verde está ou" é grama-
tical em francês, agramatical em inglês) e que ela adiciona "significados" para o leitor do inglês que não
são transmitidos pelo tex'to original. Estes significados estão associados ao estilo vigoroso, porém elíptico,
de Derrida, ao conceito de gramaticalidade em inglês e à perda semântica ocorrida na tradução; eles
talvez possam ser expressos assim: "O argumento de Derrida pode ser de dificil compreensão, podendo
até mesmo perder-se, na tradução inglesa, pois ele faz uso de um exemplo em francês de modo espiritu-

4
oso, fazendo um trocadilho com a palavra ou, e portanto não leva em conta o fato de que 'o verde está
ou' é agramatical em inglês tal como em alemão." Preenchendo as lacunas que tomam enigmático o texto
francês de Derrida quando passado para o inglês, a tradução de Bass indica também de modo mais geral,
o desenvolvimento curiosamente insular da filosofia francesa desde a Segunda Guerra, seus materiais
conceituais e estilos de escrita peculiares, e a dificuldade de comunicar essas caracterí ticas para intelec-
tuais anglo-americanos dominados por uma tradição filosófica que tende a privilegiar, na análise lingüís-
tica, a intencionalidade, a lógica e as gramáticas universais.

Mas, com esta última observação, parecemos estar deixando Derrida para trás: a im como a tradução de
Bass desvia-se do original sob certos aspecto por precisar criar um novo contexto que faça sentido na
cultura da língua-meta, também o nosso uso de seu trabalho para exemplificar a importância do conceito
ele Derrida para uma teoria da tradução (no o contexto) nos afasta, em última in tância, ele Derrida, ao
apontar para a conjuntura social na qual a tradução é produzida. Em outras palavras, temos que nos
afastar de Derrida, apesar de sua utilidade, pois ele não teoriza os detem1inantes sociais do texto traduzi-
do; nossa discussão do trabalho de Bass indica que é necessário irmos além da iterabiliclade e argumentar
que o processo transfom1ativo da tradução não envolve apenas uma mudança em um contexto semiótica
e interno, mas ocorre dentro de um contexto que deve ser concebido como social e ex1emo, composto
tanto de conexões intertextuais (como, por exemplo, a tradução de Husserl feita por Findlay) quanto de
instituições acadêmicas como departamentos de filosofia e editoras universitárias, entre outras coisas.

Éo segundo Wittgenstein que nos será bem mais útil para a expansão de nossa discussão aqui· mais
especificamente, seu conceito de "jogo de linguagem", ou o que ele caracteriza como "o conjunto da
linguagem e das atividades com as quais está interligada" (1.7).8 Tal como Derrída, Wiugenstein vê o
significado como contextualmente deten11inado definido pelo uso da língua em um jogo de linguagem
1

específico (1.21, 43, 195); ele também inclui, como um dos exemplos desses jogo , "traduzir de uma
língua para outra" (l.23), e utiliza problemas de tradução em algumas de suas investigações. Entretanto,
ao contrário de Derrida, Wiugenstein parece conceber o jogo de linguagem de modo tão amplo que e te
pode admitir um exame dos determinantes sociais do significado: "o tenno 'jogo de linguagem' deve aqui
salientar que o falar da linguagem é uma parte de uma atividade ou de uma forma de vida (1.23). Assim,
a tradução de Derrida feita por Bass ocorre em uma "forma de vida" -de modo bem geral, o estudo da
filosofia no mundo de fala ingle~ contemporâneo -e sua preservação da expressão em língua estrangei-
ra, sua referência à tradução de Husserl feira por Findlay (a tradução "padrão" em inglês) e sua nota de pé
de página explicativa são detenninadas pelos limites dessa forma de vida, ou o que prefiro chamar de
conte>.1o social, já que, no mínimo, entre esses limites inclui-se o ambiente institucional dentro do qual o
texto é produzido e divulgado. Estas detenninações, relativamente autônomas com relação àquelas cons-
tituídas pelo contexto semiótica e interno, podem ser vistas como parte do "significado" do texto traduzi-
do na medida em que elas têm uma iníluência importante não apenas no consumo e na disseminação dos
textos de Derrida, mas também na própria forma que esses textos irão assumir quando traduzidos para o
inglês. Os determinantes sociais, ainda que externos ao texto traduzido, são inscritos em sua materialidade.

Ameu ver, o aparelho teórico que nos pennitirá descrever esses detenninantes de forma mais rigorosa é
a refommlação feita por Althusser da dialétia1 materialista. Seguindo esta linha, a "lorma de vida" da qual,
segundo Wittgenstein, o uso da língua é uma "parte" pode ser definida como uma formação social ou
uma conjuntura histórica específica de forças sociais, e o processo transfom1acional da tradução pode ser
definido como uma prática social no sentido de Althusser:

115
~:i.- prática em geral entenderemos todo processo de transformação de uma determinada maté-
ria-prima dada em um produto determinado, transformação efetuada por um determinado traba-
lho humano, utiliz.ando meios ("de produção") determinados. Em toda prática assim concebida,
o momento (ou o elemento) determinante do processo não é nem a matéria-prima nem o
produto, mas a prática em sentido estrito: o momento do próprio trabalho de transformação,
que põe em ação, em uma estrutura específica, homens, meios e um método técnico de utiliz.a-
ção de meios.! ... ]a unidade complexa das práticas existentes em uma sociedade determinante em
j última instância é aí a prática de transfonnação da naturez.a (matéria-prima) dada, em produtos
~ de uso pela atividade dos homens existentes, trabalhando pelo emprego metodicamente reguJa-
z
~ do de meios de produção determinados, no quadro de relações de produção determinadas.9

i Althusser especifica três momentos no processo produtivo: a matéria-prima, o trabalho de transformação,
~ o produto. Na prática da tradução, a matéria-prima é, obviamente, o texto em língua estrangeira, detem1i-
nado no sentido de que, em primeira instância, ele próprio é um produto da transformação, feita pelo
autor e trangeiro, de um conjunto anterior de matérias-primas (a língua estrangeira; os diversos tropos,
gênero I convenções, idéias e movimentos culturais existentes na história daquela língua; a experiência
vivida no país estrangeiro). O momento mais importante de qualquer prática é, como res.salta Althusser,
o trabalho de transfonnação; para qualquer trabalho intelectual, como escrever ou traduzir, a transforma-
ção é possibilitada e delimitada por uma teoria, o campo conceituai no qual o texto é produzido a partir
de suas matéria -primas e onde todos os problemas de composição são colocados e resolvidos, sejam
esses problemas explicitado ou não. Essa teoria é determinada no sentido de que, em primeira instância,
ela é o produto da tran formação, seja esta feita pelo autor ou pelo tradutor, de um campo conceituai
(estilo, movimento corrente intelectual) que tem uma existência anterior, seja na cultura passada ou na
contemporânea. o que concerne ao tradutor, sua familiaridade com duas histórias culturais, a da língua-
fonte e a da língua-meta, geralmente constitui o campo intelectual no qual ele transforma o texto original
e produz a tradução. Estou tendo o cuidado de insistir nas determinações "em primeira instância" porque
tanto a matéria-prima quanto o trabalho de tran -forma\'âo também passam por uma dada prática que é
sempre já sobredeterminada por uma ideologia, termo que defino de modo geral como um conjunto de
valores, crenças e representações sociais que &fo concretiz.ados na experiência vivida e servem, em última
instância, os interesses de uma classe definida. 10 Em outras palavras, a ideologia é constituída, de um lado,
por cada um dos momentos em uma prática social e, de outro lado, pelas relações de produção ou pelas
relações de classe nas quais essa prática é situada, e atua como mediadora entre estes dois termos. A
matéria-prima - componentes textuais para o autor, texto em língua estrangeira para o tradutor - e o
campo conceituai no qual essa matéria é transfom1ada são ambos ideológicos, porque ~ existiam previ-
amente na história cultural e porque estão implicados em conjunturas de forças sociais anteriores. Fm
vi ta dessa determinações ideológicas, o produto resultante do trabalho transformativo, seja o texto em
língua estrangeira ou a tradução, pode ser visto como algo que significa outro ponto de vista ideológico,
possivelmente uma sedimentação de ideologias, dependendo do grau de transformação sofrido pela
matéria-prima ao converter-se no produto. 11

Entre as questões a serem elaboradas para que esta abordagem possa ser aplicada ao estudo da tradução,
uma requer atenção especial, pois define o momento-chave no processo produtivo: a relação precisa
entre ideologia e a teoria ou estratégia de transformação empregada pelo tradutor, o campo conceituai no
qual ele faz suas escolhas interpretativas. Se tomarmos a exigência contemporânea de íluência e facilida-
de de leitura como nosso exemplo, logo torna-se claro que essa estratégia de tradução relaciona-se de
algum modo com o valore econômico.s burguese : quanto menos canhestra, estranha e ambígua for
uma tradução, mais legível será, e, portanto, mais "consumível" se tomará como prcx:luto no mercado
editorial. Aconsumibilidade é a ideologia que media a prcx:lução de uma tradução íluente e a sua trans-
formação em mercadoria; ela está inscrita na materialidade do texto e situa esse texto nas relações de
prcx:lução existentes. Aideologia da consumibilidade pode ser considerada como um determinante exter-
no da tradução: ela é imposta por revisores e editores, em parte em função dos índices de venda, o que
significa que ela liga o texto a outra prática social, relativamente autônoma - de forma específica, à
indústria editorial; de forma mais geral, às práticas econômicas adotadas nas forrnaçõe sociais capitalis-
tas.

Mas a reação que a íluência tende a provocar no leitores contemporâneos de traduções (incluindo
resenhistas, revisores e editores) indica uma outra detem1inação ideológica que é interna ou específica à
prática da escrita. A fluência na trJduçào gera um efeito de transparência, a partir do qual se pressupõe
que o texto traduzido representa a personalidade ou a intenção do autor estrangeiro ou o sentido essen-
cial de seu texto. Assim, a fluência pressupõe o conceito de sujeito humano como consciência livre e
unificada que transcende as limitações impostas pela língua, a biografia e a história, e que é a origem do
significado, do conhecimento e da ação. O conceito de sujeito transcendental define o autor como o
significado último do texto e privilegia o leitor como o árbitro absoluto deste significado; não apenas
autor e leitor são removidos da conjuntura histórica na qual a atividade ocorre, como também a materialidade
resistente do texto tende a evaporar, deixando uma janela transparente através da qual se pcx:le ver o
significado ou a psicologia do autor -seja no texto original ou em uma tradução. Ao prcx:luzir o efeito de
transparência, a fluência é, na tradução, a ramificação de um conceito de sujeito que vem dominando a
crítica literária desde fins do século XVIII, caracterizando discursos críticos tão diferentes como a teoria
expressiva romântica e as abordagens positivistas dos New Crilics e de alguns teóricos da estética da
recepção. 12 Ao mesmo tempo, devemos destacar que o sujeito transcendental tem ainda outra importân-
cia, de natureza ideológica: ele é um pressuposto teórico do mcx:lo de prcx:lução capitalista. Na teoria
política e econômica liberal, como observa Nicas Poulantzas, esse conceito é mais conhecido como
"individualismo burguês", uma ideologia que instaura os agentes na qualidade de indivíduos-sujeitos,
livres e iguais, os quais apresenta, de algum mcx:lo, no e tado pré-social"; essa constituição de sujeitos
como indivíduos autônomos, além disso, possibilita "o funcionamento das estruturas jurídico-políticas, as
quais permitem o contrato de trabalho - compra e venda da força de trabalho-, a propriedade privada
capitalista (o papel dessa ideologia como condição de possibilidade da relação jurídica de propriedade é
particularmente importante), a generalização das trocas, a concorrência, etc."13 Para a tradução contem-
porânea, portanto, a estratégia da íluência é o produto determinado por duas ideologias burgtJesas -
consumibilidade e individualismo • e, ainda que a primeira tenha uma relação mais próxima com as
práticas econômicas (i.e., índices de vendas, a escolha feita pelo editor do livro e trangeiro a ser traduzido
e lançado no mercado), ambas detem1inam que o texto será traduzido e lido de forma a reprcx:luzir as
relações capitalistas de prcx:lução nas quais ele está inserido. &ta contribuição do texto traduzido à
reprodução social pcx:le assumir a fom1a de mero consumo transfom1ando-se em produção, como Marx
incisivamente descreve o processo no Gnmdrisse. quando um texto traduzido toma-se uma propriedade
comerciável, em especial quando alcança a categoria de "best-se//er', ele incentiva a tradução de tipos
parecidos de textos estrangeiros (ou, pelo contrário, a desestimula, por estar o mercado saturado). 14 Por
exemplo, o enorme sucesso do romance O nome da rosa, de Umberto Eco, na tradução íluente de
William Weaver, estimulou a publicação nos &tados Unidos (e talvez a própria composição) de Pós-
escrito a O nome da rosa, e, em uma Feira do Livro de Frankfurt recente, onde editores americanos
compram direitos de tradução de livros estrangeiros, um dos itens mais procurados era qualquer romance
histórico que se assemelhasse ao de Eco. 1~ Porém, a tradução também pcx:le induzir à reprodução social

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de modo mais sutil e insidioso, através da disseminação de representações e idéias (individualismo) ou da
criação de experiências de leitura (fluência, transparência) que teoricamente suportam -as relações de
classe existentes.

Estas ob ervaçõe sobre a tradução contemporânea pem1anecerão como hipóteses provisórias até que
mais pesquisas empíricas sejam realizadas; elas indicam, entretanto, a trilha a ser tomada pela investiga-
ção, assim como apontam para algumas advertências que devem ser acrescentadas à teoria geral da
tradução e ao estudo da tradução que e tou apresentando. Em primeiro lugar, um ponto óbvio, porém
importante, que nunca é demais enfatizar: qualquer apresentação das determinações ideológicas de uma
tradução que pretenda ser exaustiva deve sempre con iderar as características textuais e ideológicas do
original em língua estrangeira. Pode acontecer de uma estratégia burguesa como a fluência ser emprega-
da para traduzir um texto cuja significação seja de algum modo não burguesa ou anti-burguesa (por
exemplo: feudal, socialista); ou a fluência pode efetivamente remover as caracterlsticas textuais do origi-
nal que o tornavam não burguês ou anti-burguês. Uma estratégia tradutória é uma teoria de seleção e
arranjo de significantes; e, se ela pode cobrir o texto original com um conjunto de determinações, ela não
é de modo algum o único determinante a atuarsobre o produto final , poi o original já chega ao processo
transformacional com o seu próprio conjunto de determinações. Analogamente, as ideologias que dão
fonna a uma tradução não são imediatamente redutíveis a modo de produção, tal como os concebe o
discurso marxista contemporâneo (i.e., comunismo primitivo, escravidão, feudali mo, etc.). Aideologia é
um conjunto complexo de representações e idéias, e é apenas em última instância que esta ideologia liga-
se às relações de produção existentes. Trata-se de uma redução necessária, pois a tradução parece ter
sempre uma relação íntima com as práticas econômicas, os sistemas de patronagem e forças atuantes no
desenvolvimento da indústria editorial; mas também é importante ter em mente que o texto traduzido
tende a ser sobredetem1inado por várias ideologias, e !éticas e políticas, além de econômicas.

Além disso, minha lllilização do materialismo dialético implica que qualquer aplicação ou elaboração
de ta abordagem de tradução leve em conta sua própria hi toricidade: sempre que as características
textuai e a detenninações ideológica de uma tradução são estudadas, deve-se encarar todo o exame
como detenninado pela conjuntura hi tórica específica na qual ele é feito - pela tendências atuais na
teoria literária, na recepção e na publicação de texto estrangeiros, pelas condições do mercado e dispu-
tas políticas específicas, que variam com o tempo e podem ser diferentes daquelas contidas na conjuntura
do texto estrangeiro. Minha própria análise é induzida pela situação e pela atividade atuais da tradução e
infomiada por desenvolvimentos teóricos recentes em diversas áreas; a própria escolha desses desenvol-
vimentos claramente tem implicações que possuem seus próprios detenninantes. São também essas con-
siderações que terão influência na formulação de uma estratégia de produção (e leitura) de traduções que
se oponha à fluência e que não seja onerada por esta ideologia específica. Isto pode ser feito, na situação
atual, apenas através do desenvolvimento de uma estratégia que coloque em primeiro plano a materialidade
do texto como tradução, como algo que não pode ser confundido nem com o texto na língua-fonte nem
com um texto originariamente escrito na língua-meta. Atradução deve ser vista como um lertium datwn,
que "soa e trangeiro" para o leitor, ma tem uma aparência opaca que a impede de parecer uma janela
tran parente através da qual se visse o autor ou o texto original: é e ta opacidade - um uso da língua que
resista à leitura fácil segundo os padrões contemporâneo -que deixará visível a intervenção do tradutor,
seu confronto com a natureza alienígena do texto e lrangeiro. Uma tradução deste tipo será lida, simples-
mente, como se houvesse sido traduzida. Ela terá o que teiner chamou, de fonna provocativa, de "a
particularidade resistente do 'outro' [... ]a grande tradução deve conter o sentido mais preciso possível do
resistente, das barreiras intactas no âmago da compreensãon16• Eu acrescentaria à afirmação de Steiner a
res.salva de que es.se tipo de estratégia de tradução pode ser considerada "grande" apenas a partir de um
determinado ponto de vista estético e, em última instância, ideológico, que pressuponha os conceitos de
significado contextualmente detenninado que examinamos e que se oponha à estratégia dominante da
fluência. Como campos conceituais nos quais a tradução é proouzida, a fluência e a resistência (para
cunhar um termo que designe esta nova estratégia) são determinadas pela conjuntura específica na qual
elas são desenvolvidas e utilizadas, e sua significação ideológica é não apenas definida em relação a essa
conjuntura, como também é iníluenciada pela ideologia do texto na língua-fonte que elas processam.

Para exemplificar estas questões teóricas, vejamos o prefácio de Rober1 Graves à sua tradução de Sobre a
vida dos césares, de Suetônio. Graves relata suas decisões interpretativas da seguinte forma:

Para os leitores de língua inglesa, as sentenças -e às vezes até grupos de sentenças -de Suetônio
freqüentemente têm que ser completamente invertidas. Sempre que suas referências são incom-
preensíveis para os que não têm muita familiaridade com o cenário romano, também inseri no
texto alguma palavras explicativas que normalmente seriam colocadas em notas de pé de pági-
na. As datas foram todas adaptadas da era p gã para a cristã; nomes modernos de cidades são
usados sempre que estes são mais familiares para os leitores comuns que o nomes clássicos; e
quantias em sestércios são reduzidas a moedas de ouro, a 100 a moeda de ouro (de vinte
denários), que se assemelhava à libra esterlina. O problema de encontrar equivalentes ingleses
para termos técnicos latinos é exemplificado por lmperator. Esta palavra, no início, significava
simplesmente "comandante do exército"; depois tornou-se um título de honra dado a um general
por uma vitória importante; em seguida, passou a ser colocada como título honorífico posposto
ou (o que erc1 ainda mais lisonjeiro) antepo to ao nome de um do césares governantes, tendo
este obtido alguma vitória ou não; finalmente, passou a ser usada em sentido absoluto, signifi-
cando "imperador .17

Com esta vigorosa transformação do original, Graves vincula duas culturas, a da língua-fonte (Roma
antiga) e a da língua-meta (Grã-Bretanha em 1957). Ele baseia suas escolhas não apenas em seu grande
conhecimento de Suetônio e da cultura romana de mcxlo geral (por exemplo, o sistema monetário e o
desenvolvimento da palavra imperator), mas também em seu conhecimento da cultura britânica contem-
poranea, tal como ela se exprime pelas formas sintáticas inglesa entre outra · coi~s, e no que ele
pressupõe que seja a função de sua tradução: sua "versão", escreve ele, não tem a intenção de servir
como "cola para colégios , mas de ser legível ("uma tradução literal seria quase ilegível ).18 Parece claro
que o campo conceituai no qual Graves fonnulou e resolveu seus problemas de tradução foi a íluência;
e é importante notar que esta foi uma escolha ao mesmo tempo deliberada e culturalmente específica,
determinada pelos valores culturais anglo-americanos contemporâneo , e de modo algum absoluta nem
fundamentalmente criada pelo próprio Graves (seu "gênio literário"). Pelo contrário: todo o processo de
produção da tradução, começando com a própria escolha do texto e incluindo tanto os movimentos
textuais de Graves como a decisão de publicar a tradução em brochura, foi condicionado por fatores tais
como o declínio no estudo de línguas clássicas entre os leitores cultos e a ausência de qualquer outra
tradução no mercado. Aversão de Graves de Sobre a vida dos césares foi lançada na coleção "Penguin
Classics", voltada para o grande público, tanto estudantes como leitores comuns.

Ao in istir em determinações culturais mais amplas, não quero excluir a questão da intencionalidade; de
fato, minha discussão incorpora o próprio registro feito por Grave , de suas intenções, seu prefácio. A

119
questão, entretanto, é que a intenção não pode ser posta como prioridade na compreensão de qualquer
prática social: a intenção de Graves está contida em um jogo de linguagem, e portanto é sobredetenninada
por uma fonnação social específica. Como afirma Wittgenstein, a "intenção está inserida na situação, nos
hábitos humanQ5 e nas instituições.[ ...! Desde que tenho antecipadamente a intenção da fonna da frase,
isto iJ é possível pelo fato de eu poder falar esta língua." (1. 337). No caso da prática da tradução, é claro,
é neces.sário muito mais do que a simples competência lingüística; o trabalho de transfonnação feito por
Graves consiste em sua assimilação de duas histórias culturais e sua valorização dos cri~érios de fluência,
e este trabalho situa-se em relações específicas de produção. Isto significa que as escolhas interpretativas
de Graves têm uma significação social que excede sua intenção, e parte dessa significação é ideológica:
seu texto pode ser visto como um choque entre a ideologia burguesa representada pela estratégia da
fluência e a ideologia não-burguesa do método específico usado por Suetônio de narração histórica e
biográfica.

Embora esta leitura de Suetônio em tradução requeira uma análise mais extensa do que me é possível
apresentar aqui (principalmente se desejar especificar de modo rigoroso minha referência deliberadamen-
te vaga a uma "ideologia não-burguesa"), pode-se argumentar que sua narrativa, mesmo quando traduzi-
da de modo íluente, subverte o conceito de sujeito transcendental. Como ressaltou o classicista Michael
Grant, Suetônio

reúne, e insere prodigamente, infonnações tanto a favor quanto contra los governantes de
[ ... J
Roma], geralmente sem acrescentar qualquer julgamento pessoal em uma direção ou em outra, e
acima de tudo sem introduzir as moralizações que com tanta freqüência caracterizavam a biogra-
fia e a história gregas e romanas. Ocasionalmente, declarações conílitantes são postas na balança.
Em geral, porém, a apresentação é friamente indiscriminada I...J as opiniões pessoais do autor
quase nunca se intrometem, e ele próprio, ao coletar todo esse material estranho e fascinante,
não parece esforçar-se muito no sentido de chegar a uma decisão quanto às personalidades que
descreve, ou de compor com suas características uma narrativa coerente. Talvez ele imagine que
é assim que as pessoas são: elas possuem elementQ5 conflitantes que não fonnam uma unidade
harmoniosa. 19

Embora o próprio Grant instale Suetônio como sujeito transcendental centrado em seu texto ("talvez ele
imagine"), parece claro que o texto a que ele se refere não oferece ao leitor uma posição coerente de
subjetividade a ser ocupada por este: somos incapazes de identificar-nos tanto com o sujeito da enunciação
("as opiniões pessoais do autor quase nunca se intrometem") quanto com o sujeito do enunciado ("as
personalidades" não fonnam "uma narrativa coerente").20 &se efeito de descentramento na narrativa de
Suetônio pode ser facilmente demonstrado na tradução de Graves. Considere-se esta passagem sobre a
vida de Júlio César, bem no início do texto:

Caesar first saw military service in Asia, where he went as aide-de-camp to Marcus Thermus, the
provincial govemor. When Thermus sent Caesar to raise a íleet in Bithynia, he wasted so much
time at King icomedes' court that a homosexual relationship between them was suspected, and
suspicion gave place to scandal when, soon after his return to headquarters, he revisited
Bithynia: ostensibly collecting a debt incurred there by one of his freedmen. However, Caesar's
reputation improved !ater in the campaign, when Thermus awarded him the civic crown of oak
leaves, at the stonning of Mytilene, for saving a fellow soldier's life.
A p~gem parece claramente desfavorável a César: de modo implícito, ela associa homossexualidade a
vício, mas, considerando que o relacionamento era com um monarca estrangeiro, há também insinuações
de ordem política, indícios de uma colusão traiçoeira que o ambicioso César estaria escondendo (o tenno
insidioso "oslensitiy' lsupostamenteD e que ele poderia explorar, mais tarde, em uma tentativa de con-
quistar o poder (na p~gem imediatamente precedente a esta, o ditador Sula as.soda César a seu arqui-
inimigo Mário). Por outro lado, a descrição de Suetônio de tal modo fundamenta-se em insinuações em
vez de julgamentos explícitos, em boatos em vez de indícios mais confiáveis, que o leitor inevitavelmente
fica cheio de dúvidas: "suspiciort' (suspeita), "scandar (escândalo), "reputatiort' (reputação) não propor- i
cionam qualquer certeza sobre os motivos e os atos de César nem sobre a própria apreciação de Suetônio. ~
Por essa p~gem ser tão carregada de acusações espetaculares, mesmo a força conclusiva do "bowever'
(entretanto), que promete uma revalorização da imagem de César, é finalmente subvertida pela possível
1

insinuação de uma outra relação homossexual, em "saving aJel/ow soldier's lifé' (salvar a vida de outro i
soldado). Na tradução fluente de Graves, a prosa é tão lúcida e flexível que o leitor é levado a ter a ~
impressão de que o texto insiste em um significado definido que parte de um sujeito transcendental; a
transparência é produzida porque Graves não transmite a sensação de que, em latim, "a dicção curiosa-
mente desconexa e stacatta Ide Suetônio] pode levar à obscuridade" 21• Aestratégia tradutória de Graves,
assim, sobrepõe uma ideologia burguesa ao texto subversivo de Suetônio (ele subverte o individualismo,
o mito de César, a ditadura romana), atenuando as características textuais do original que interfeririam no
efeito de transparência do texto em inglês. Dada a ideologia não-burguesa da narrativa de Suetônio,
entretanto, o texto traduzido conterá inevitavelmente uma contradição ideológica.

As traduções de Ezra Pound são exemplos de uma tentativa de evitar a estratégia da fluência. Assim, por
exemplo, ele opta por arcaizar sua tradução de "The Seafarer" afastando-se do inglês moderno e imitando
as palavras compostas, a aliteração e a métrica tônica da poesia anglo-saxônica. Consideremos esta
p~gem:

Not any protector


May make merry man faring needy,
This he littles believes, who aye in winsome life
Abides 'mid burghers some heavy business,
Wealthy and wine-ílushed, how I weary oft
Must bide above brine.22

Aestratégia tradutória de Pound é a resistência: esta é infonnada por seu conhecimento da língua e da
história da cultura anglo-saxônica, mas também por sua poética modernista, por seu favorecimento,
particularmente nos Cantos, de uma poesia elíptica, descontínua, na qual a transparência é rejeitada e o
sujeito (tanto da enunciação quanto do enunciado) é deslocado.23 As dificuldades de leitura da.tradução
de Pound - a sintaxe tortuosa, a aliteração ressoante que desvia nossa atenção da narrativa e da voz do
narrador -valorizam o seu trabalho de transfonnação, fazendo do texto aquele tertium datum que resiste
à assimilação, ainda que de fonna momentânea, de um sujeito coerente (seja o "autor" ou o "navegante").
Esta estratégia de tradução, portanto, subverte o individualismo; mas, assim como Suetônio complica a
versão de Graves, o texto original em anglo-saxão (e sua revisão por Pound) traz à tona outra determina-
ção ideológica conflitante. No original, existe uma discrepância intrigante entre o desejo obsessivo do
navegante de continuar a levar uma vida dura no mar, de um lado, e sua crença cristã em uma vida após
a morte cheia de recompensas e punições, de outro. Como quer que esta discrepância tenha penetrado
no texto, seja a partir de alguma versão oral original ou introduzida durante uma transcrição monástica

121
posterior, ela se baseia em dois conceitos contraditórios do sujeito, um individualista (o navegante co
ser isolado, afastado das tavernas e da cidade) e o outro coletivo (o navegante como uma alma mo
hierarquia metafisica composta por outras almas e dominada por Deus); a discrepância indica uma di~~
são não resolvida no sujeito constituído pelo texto anglo-saxão em seu estado atual. Atradução de Pound
cicatriza essa divisão e recupera o sujeito transcendental: ela omite completamente as referências cristãs
destacando os traços de individualismo do original, fazendo do texto traduzido uma expressão coerent~
do impulso que leva o navegante a buscar outras costas. Como observa usan Bassnett-MacGuire a
tradução de Pound centraliza-se no "sofrimento de um grande indivíduo ao invés de no sofrime~to
comum de todos os homens. Afigura que emerge do poema de Pound é a de um exilado acometido pela
dor, ferido, mas nunca derrotado."2• A estratégia da resistência usada por Pound recobre o poema anglo-
saxão com uma ideologia anti-burguesa, mas, no texto traduzido, esta determinação choca-se com a
posição coerente do ujeito e o individua li mo pronunciado que caracterizam sua revisão. A tradução de
Pound revela a contradição ideológica peculiar que di tingue o modernismo de modo geral: o desenvol-
vimento de estratégia textuais que descentralizam o sujeito transcendental coincide com uma recupera-
ção desse sujeito através de certos motivos individuali tas, como a "personalidade forten. Em última
instância, como argumentou Fredric Jameson, essa contradição con titui uma resposta reacionária à crise
do sujeito sob o monopólio do capitalismo.25

Além de levantar questões sobre tradução e ideologia, os exemplos de Graves e Pound demon ·tram que
o conceito de tradução como prática social escapa às ciladas da dicotomia fidelidade-liberdade que têm
levado a discussões sobre texto traduzido a um impasse. A "fidelidade" não pode ser entendida como
uma equivalência lingüí tica, pai , como o tradutor é obrigado a fazer escolhas interpretativas, a tradução
torna-se necessariamente uma aproximação ou estimativa que vai além do texto original. Isto não signifi-
ca, entretanto, que a tradução esteja eternamente confinada à e fera da "liberdade", da "impossibilidade",
do "erro" e da "subjetividade", pois a interpretação do tradutor é limitada por um conhecimento da cultura
da língua-fonte, ainda que parcial, e por uma a imilação do valore culturais da língua-meta. OSuetônio
de Graves revela com perfeição a falha conceituai da dicotomia fidelidade-liberdade, pois ainda que
Graves tenha produzido uma tradução "livre", como ele me mo admite, e ta exibe, mesmo assim, conhe-
cimentos tão detalhado que pode ser con iderada "fiel e aceita como a tradução "padrão" por acadêmi-
cos especialistas como Grant. ÉGrant, de fato, que indica que mesmo os cânones da "fidelidade" são
culturalmente específicos: sua recente edição revi ta do uetônio de Graves tem por objetivo "fazer
ajustes de forma a inserir sua versão dentro do campo do que agora é geralmente visto pelos leitores dos
Penguin Classics como uma 'tradução' -sem, e pero, prejudicar seu e tilo excelente e inimitável"26 . (Grant
deixou inalterada a passagem da tradução de Graves citada anteriormente). Bassnett-MacGuire que tio-
nou, de modo semelhante, a noção de tradução "livre", argumentando que Pound não pode, de fato, ser
culpado pela "liberdades" notórias que tomou com "Toe Seafarer", apesar dos ataques dos acadêmicos,
pois sua tradução revela a limitações da erudição historiográfica (ainda que certamente de forma
idiossincrática): não apenas suas escolhas implicam uma tentativa erudita de produzir "uma imitação da
poesia anglo-saxônica", como também sua omissão das referências cri tãs do poema pode ser considera-
da menos um desvio do original, uma expressão das opiniões religiosas pessoais do autor, do que uma
emenda textual que re ponde a uma questão levantada pelos próprios estudiosos: "Deve-se considerar
que o poema contém uma mensagem cri tã como característica integrante, ou que os elementos cristãos
são acréscimos canhestros sobrepostos às bases pagãs?"27 Ne te sentido, poderíamos argumentar que a
tradução de Pound pre upõe um conte>.1o cultural no qual o anglo-saxão ainda é muito estudado por
leitores, os quais, portanto, devem saber apreciar o trabalho de reconstrução histórica implícito nesta
versão do poema. o fim, as realizaçõe de Grave e Pound no forçam a reavaliar a idéia banal, mas
nunca verdadeiramente examinada, de que as traduções ficam "datadas", de que o contexto cultural de
um tradutor influencia de tal modo a produção da tradução que o original deve ser novamente traduzido
a cada duas ou três gerações (aproximadamente). Se isto é verdade, as questões sobre o que é "fiel" e
"livre" em tradução devem ser sempre formuladas com a consciência de que receberão respostas diferen-
tes em momentos históricos diferentes.

Deve ficar claro que, se estou combatendo a invisibilidade do tradutor com a idéia de que a tradução é
uma prática social que envolve um trabalho de transformação extremamente complicado, não chego a
elevar o tradutor ao status de outro autor que seja a origem fixa e transcendental da tradução e que desta
forma concorra com o autor estrangeiro ou o supere. Minha análise, ao contrário, propõe que a atividade
do tradutor, assim como a do autor estrangeiro, é moldada por determinações sociais das quais eles
podem ou não estar cientes, materiais lingüísticos, literários e históricos que constituem seus textos e
podem muito bem provocar significações além de suas intenções. Assim, tanto o autor como o tradutor
são descentrados, e o texto, original ou tradução, emerge como a tensão incômoda entre elementos
heterogêneos que Roland Barthes descreve como "a morte do autor": "Sabemos agora que um texto não
é feito de uma linha de palavras a produzir um sentido único, de certa maneira teológico (que seria a
"mensagem" do Autor-Deus), mas um espaço de dimensões múltiplas, onde se casam e se contestam
escrituras variadas, das quais nenhuma é original: o texto é um tecido de citações, saídas dos mil focos da
cultura" .'!3 O obituário bartheano do autor é importante para a teoria da tradução aqui oferecida, pois o
culto ao autor em nosso tempo, especificamente tal como se manifesta na valorização da transparência,
tem contribuído fortemente para a invisibilidade do tradutor. Se nos opusermos à noção predominante do
senso comum de que o autor expressa a si mesmo ou uma verdade pessoal no te.x1o, poderemos avançar
um pouco na descrição do modo exato como o tradutor produz, de modo ativo, um determinado objeto
de consumo para a cultura da língua-meta. O foco de tal descriçãOJ como indicam minhas análises de
Graves e Pound, será a "trama de citações" que compõe a tradução, os materiais culturais freqüentemente
discordantes que nela são assimilados ou "citados", com ou sem o conhecimento do tradutor, e que
trazem consigo um conjunto de determinações ideológicas, pois as escolhas do tradutor estão restritas
pelo contexto social no qual são feitas.

II

Agora talvez estejamos mais capacitados a encarar a questão do modo como a prática de transformação
do original realizada pelo tradutor pode ser percebida na tradução. Éclaro que um confronto minucioso
do texto original com a tradução, ou de duas traduções do mesmo original, nos dará o tipo de informação
que procuramos, evidenciará as várias interpretações que constituem a tradução e indicará as determina-
ções culturais subjacentes a ela. Porém tais comparações, apesar de possuírem um grande valor, tendem
a ser feitas principalmente em instituições acadêmicas (e, mesmo nelas, apenas em casos isolados), pois
não se pode esperar que os leitores e críticos contemporâneos dominem vários idiomas com um grau
elevado de proficiência para realizar uma linha de. pesquisa tão rigorosa. Existirá alguma técnica que
permita aos leitores sensíveis e informados vislumbrar o processo transformacional?

Steiner oferece algumas leituras brilhantes que indicam que a mão do tradutor é mais visível quando a
tradução manifesta uma tendência a recorrer a uma linguagem arcaica, o que parece ocorrer com mais
freqüência quando o texto original é distante no tempo e no espaço. Em muitas traduções, as caracterís-
ticas arcaicas podem ser vistas como uma "citação" barthesiana, podendo ser precisamente identificadas,
associadas a um momento específico na tradição literária da língua-meta. Assim, ao discutir diferentes

123
traduções do Timeu, de Platão, Steiner nota uma ligação entre a versão de Ben~min Jowett e a chamada
"Versão Autorizada" da Bíblia: "visando a elevação e o ritmo hannonioso, Jowett segue o modelo da
Versão Autorizada .... Atextura resultante não é um eco direto do inglês seiscentista. Éum 'semi-arcaísmo',
no qual o idioma de 1611 é filtrado através da linguagem do final do século XVIl e da dos poetas
vitorianos". Se, como Steiner generaliza, podemos detectar "sintomas de afastamento da linguagem atual"
na "grande mas.sa de traduções literárias, históricas e filosóficas, mesmo tratando-se de ficção, textos
políticos ou peças para serem encenadas," 29 seria possível, para leitores e críticos, apreciar a te>.1ura
estratificada da tradução, a trama de traços e&ilísticos extraídos unicamente da tradição da língua-meta e
condicionados pelo posicionamento singular do tradutor nessa tradição.

• Entretanto, a idéia de Steiner, apesar de certamente útil, é claramente exagerada: a maioria das traduções

1 não se inclinam tão fortemente ao arcaísmo, principalmente por causa dos padrões contemporâneos de
íluência e legibilidade. Além disso, as "citações" culturais podem ser bastante sutis e não imediatamente
reconhecíveis, mesmo para os leitores mais perspicazes. Proponho que, nestes casos, o tipo de leitura que
expõe a atividade transfonnacional da tradução é aquela que atenta de forma mais consciente para as
discrepâncias notáveis que têm sido vistas até agora simple mente como defeitos - por exemplo, devidos
a falhas lógicas na escolha de palavras. Essas discrepâncias não apenas forçam o leitor a aceitar o texto
como algo trabalhado, como uma tradução que não pode ser considerada urna versão transparente do
original; elas também levam, em última instância, a uma percepção das determinações culturais que
guiaram o processo produtivo.

Para ilustrar e te tipo de leitura, consideremo uma breve pas.sagem da versão feita por Sir Thomas Hoby
de Ocortesão (1561) a primeira tradução para o inglês do iníluente livro de Ca&iglione sobre o compor-
1

tamento cortês. Ainda que a tradução de Hoby tenha sido freqüentemente elogiada por sua prosa vigoro-
sa, ela também recebeu críticas por algumas escolhas infelizes, dentre elas a solução para sprezzatura,
palavra-chave do texto original.30 Em italiano, esta palavra é um neologismo cunhado por Castiglione para
descrever a graça desinteressada ou espontânea que distingue as ações do cortesão ideal. Vi to que o
termo de Castiglione parece ser derivado de disprezzare, "desprezar" ou "desdenhar" (de fato, sprezza/ore
significa "aquele que despreza, que desdenha"), ele também indica uma certa reserva aristocrática, num
sentido positivo, ou simplesmente uma espécie de esnobismo; as poses elegantes e os sorrisos insolentes
dos cortesãos retratados por Bronzino talvez possam ser considerados equivalentes visuais (levemente
exagerados) desse conceito. Esta etimologia é corroborada por uma escolha interessante que aparece na
versão francesa do século XVI: para traduzir sprezzatura, são usadas duas palavras: 11oncbnlm1ce, "indi-
ferença", e mespris, "desdém".31 Aversão inglesa de Hooy ainda oferece outra solução:

I, imagynyng with my self oftentymes how this grace commeth, leaving a part such as have it
from above, fynd one rule that is most general whych in thys part (me thynk) taketh place in ai
thynges belongyng to a rnan in worde or deede above ali other. And that isso eschew as much
as a man may, and as a sharp and daungerous rock, Affectation or curiosity and (to speak a new
word) to use in every thyng a certaine Reckelesness [sprezzatura], to cover art withall, and seeme
whatsoever he doth and sayeth to do it wythout pain, and (as it were) not myndying it. 32

O tenno sprezzatura criado por Castiglione leva Hoby não a inventar seu próprio neologismo mas, ao
invés dis.so, a empregar uma palavra antiga de modo diferente, a palavra anglo-saxônica recke~. A
peculiaridade de ta escolha teria sido tão clara para os leitores elizabetanos como é hoje para nós: o
Oxford Englisb Diclionary mostra que no século XVI, assim como agora, reckeless significa descuidado,
desatento ou negligente, em especial quanto às conseqüências de seus próprios atos. Parece óbvio que a
escolha de Hoby, embora omita o sentido de "desdém" prese~te em sprezzatura, representa uma tenta-
tiva de expressar o descuido ou a naturalidade estudada do cortesão de Castiglione. Mas continuamos
sem entender o que teria levado Hoby a empregar uma palavra tão imprecisa, com conotações notada-
mente negativas, especialmente se somos obrigados a descartar a simples ignorância: a proficiência de
Hoby em línguas estrangeiras permitiu-lhe empreender uma carreira de êxito como diplomata estrangeiro
no governo de Elizabeth I, e parece claro que as desculpas presentes em seu prefácio por sua "pouca
compreensão da língua" são um gesto de sprezzatura cortesã. Uma resposta a esta questão é indicada
pelo prefácio à tradução escrito por sir John Cheke, o educador humanista, amigo de Hoby: ao escolher
a palavra anglo-saxônica reckelesne§, Hoby professa implicitamente que está de acordo com a opinião de
Cheke de que "nossa própria língua deve ser escrita de forma clara e pura, nunca misturada ou desfigu- ....•
rada pelo empréstimo de outras línguas, pois se nisto não cuidarmos, e nos pusermos a tomar emprestado a
sempre sem jamais pagar, ela se tomará uma casa falida." 33 Hoby, que sabia francês (e talvez conhecesse ;
. a tradução francesa), poderia facilmente ter usado noncba/ance(indiferença) na tradução de sprezzalura;
ele aparentemente optou, entretanto, por seguir Cheke e evitar empréstimos estrangeiros.34

Entretanto, a própria aceitação de Hoby do programa nacionalista de Cheke indica outra razão para a sua
escolha, uma razão da qual ele talvez não tivesse plena consciência. O uso de reckelesness pode ser visto
como um julgamento do conceito de cortesão tal como é apresentado por Castiglione, visto que a palavra
claramente questiona a moralidade do cidadão que visa ascender na esfera política. Este sentido talvez
provenha da própria experiência de Hoby com a competição impiedosa por cargos e outros tipos de
favorecimentos na corte da rainha Elizabeth, mas o fato de que ele esteja associado a um texto italiano
pode também significar que Hoby foi influenciado pela onda de italofobia que caracterizava a cultura
elizabetana. No final do século XVI, os escritores ingleses com freqüência caracterizavam a Itália como
um lugar capaz de corromper a moralidade da juventude aristocrática, pois dizia-se que os italianos eram
dados à violência indiscriminada, ao ateísmo e a promiscuidade e perversão sexuais. Em 7be Scholemaster
(1570), Roger Ascham, o humanista que tomou-se preceptor de Elizabeth, defende esta idéia citando "o
que os italianos dizem dos ingleses!. .. ] Englese Jtalianalo, eun diabolo incanzato, ou seja, continuamos
sendo homens em forma e aparência, mas tomamo-na; demônios em vida e condição."3~Avisão elizabetana
do príncipe de Maquiavel como um tirano sem escrúpulos certamente fomentou esse estereótipo étnico,
e mesmo os valores cortesãos italianos foram atacados, apesar da imensa popularidade do livro de
Castiglione. Em The Urifortunate Tra~ler (1594), Thomas Nashe afirma sobre seus contemporâneos
italianos que "provavelmente sua única característica boa capaz de nos impedir de condenar la Itália!
completamente é que ela toma o homem um excelente Cortesão, um curioso militar de gabinete: ou seja,
um vilão fino, um hipócrita glorioso. Atualmente, quando querem estigmatizar um vilão notório, a;
homens de melhor categoria dizem, astuciOS05: ele esteve na Jtália" 36• Assim, o uso de recke/esness por
Hoby, devido à.censura que implica, parece partilhar da italofobia elizabetana, ainda que sem intenção
por parte do autor. &te argumento toma-se ainda mais convincente quando consideramos que a terceira
edição da tradução de Hoby, publicada em 1588, vinte e dois anos após sua morte, tomou a censura
explícita ao substituir reckelesne§ pela palavra disgracing Nesta escolha igualmente estranha, provavel-
mente feita pelo impressor, a marca da graça do cortesão, sua sprezzalura, transforma-se paradoxalmente
em vergonha, e o aparente esforço do impressor no sentido de aperfeiçoar a tradução de Hoby termina
por acentuar a desconfiança implícita com que ela vê os valores cortesãos italianos.37

Além disso, esta desconfiança revela a importância ideológica da versão de Hoby para sprezzatura. Em
primeiro lugar, a tradução de Hoby tem uma função social que ele mesmo anuncia em seu prefácio, onde

125
caracteriza o texto como "uma fonte de informações com os mais necessários instrumentos para a conver-
sação, o uso e a educação da vida dos homens com comportamentos cortesãos." Facilitando o desenvol-
vimento de um modo de conduta cortês, a tradução favorece os interesses políticos da monarquia dos
Tudor: ela confere valor e significado ao cortesão que serve ao príncipe com um discurso coerente, em
especial na medida em que ele cita abundantemente os textos clássicos, sendo a formação humanística
recomendada para os aristocratas que visavam obter cargos no governo; deste modo, a posição do
cortesão obteve, entre a aristocracia, a popularidade que a tornou capaz de canalizar e controlar a luta
potencialmente subver iva por vantagens na corte. Atradução de Hoby, a começar pela própria escolha
do texto de Castiglione, pode ser vista como determinada pela ideologia da monarquia absoluta, assim
como sua detern1inante e, em última instância, capaz de manter o Estado absolutista em sua tentativa de
• conter a ameaça econômica e política representada pela classes proprietárias. Tanto o texto estrangeiro

1 como a tradução inglesa, permitindo o individualismo dos empreendimentos burgueses e simultanea-


mente valorizando a submissão do cortesão à hierarquia feudal, são resultantes do que Perry Anderson
chamou de "paradoxo" do absolutismo europeu: "[o Estado absolutista! representava fundamentalmente
um aparato para a proteção da propriedade e dos privilégios aristocráticos, porém, ao mesmo tempo, os
meios através dos quais e ta proteção era promovida podiam, simultaneamente, garantir os interesses
básicos das classes mercantis e manufatureiras nascentes." 38 C.Omo tradução, entretanto, o texto de Hoby
modifica a reação de e.a tiglione a essas contradições sociais, recobrindo o original italiano com uma
outra determinação ideológica: a condenação do comportamento do cortesão implícito na escolha de
reckelesnes;, ainda que talvez motivada, primeiramente, pela teoria nacionali ta da linguagem e, a seguir,
pela italoíobia elizabetana, indica também uma ideologia anti-absoluti ·ta na qual tanto o cortesão como
o monarca são questionado . Éimportante ressaltar que rejeitar o absolutismo significa rejeitar a incômo-
da combinação entre os valores íeudais e o burgueses que o caracterizavam, principalmente na corte
elizabetana. Otexto de Castiglione (assim como a tradução de Hoby) reílete esses valores antagônicos em
sua própria lógica, através de descontinuidades na linha de pensamento; o conceito de sprezzalura, de
fato, pressupõe dois conceitos contraditórios de sujeito, um íeudal e coletivo (o cortesão sendo definido
por sua posição na hierarquia S<Xial, o JViço que ele presta ao príncipe), o outro burguês e individua-
lista (o cortesão parecendo ser a origem transcendental de suas ações, ocultando o fato de que parte de
seu comportamento deve-se a uma farmação ou "arte" disciplinada sob uma aparência de "natureza"
despojada ou espontaneidade graciosa). Estigmatizando sprezzatura como reckelesness, pode-se conside-
rar que Hoby registrJ uma ideologia conservadora, retrógrada, que rejeita o individualismo subversivo da
vida cortesã e expressa o desejo de que a hierarquia feudal não seja destruída pela competição entre
servidores do príncipe, que visam obter vantagens. As múltiplas contradições do texto de Hoby derivam,
em última instância, do conílitos de classe específicos que dividiram a sociedade inglesa durante o
reinado de Elizabeth.

Afalha na tradução de Hoby revela uma escolha interpretativa, que nos permite ver as determinações
culturais que a modelam de forrna fundamental e excedem o campo de ação da intenção do tradutor. Para
percebermos essa falha, não temos necessidade de comparar a tradução com o texto original: ela está
evidente na própria tradução, na significação lexical de um sentido que notadamente desvia-se da gama
de possibilidades delimitada pelo contexto. Poderia ser argumentado, é claro, que a escolha de Hoby para
sprezzatura é questionável, apesar de particularn1ente fértil , e que o neologismo de Castiglione seria mais
bem expresso pelo empré timo do francês, porém este tipo de atitude prescritiva nos leva a um anti-
intelectualismo que só pode retardar o desenvolvimento do estudos de tradução. O que acho particular-
mente fascinante, e que merece ser comentado, é que a escolha de Hoby efetivamente expõe o processo
produtivo de transformação que constitui todo texto traduzido; ela torna o tradutor visível, e, diria eu, não
apenas por um momento, pois es.5as falhas nos lembram de que toda a infinidade de traduções fluentes,
ou que ao menos não contêm falhas visíveis, são também produzidas pelo tradutor através do mesmo
processo transformacional. Em outras palavras, nos damos conta, por vezes talvez de forma desagradável,
de que o tradutor está presente ao longo de toda a tradução, apesar de tornar-se visível apenas quando a
língua notadamente dá um tropeço. É nessas horas que o tradutor materializa-se, não como origem
transcendental do texto, mas como um agente social em conílito, foco de certas contradições que são
refletidas, ainda que indiretamente, em outros níveis da prática social.

Isto pode ser percebido também na ver ão feita por Ben Belitt da peça em versos de Pablo Neruda, Fulgor
y muerte de joaquín Murieta. 39 O que chama a atenção aqui é o uso de dialeto feito por Belitt, já que ele
gera a discrepância lingüística que torna seu trabalho transformacional visível para o leitor de inglês. Para
Belitt, o tradutor americano da peça de Neruda que decide fazer uma tradução visando a sua montagem
deve optar entre dialetos específicos, pois seu objetivo é apresentar um texto estrangeiro sobre a história
norte-americana do século XIX para o público americano contemporâneo. A peça é uma hagiografia
política de Joaquín Murieta, um tratador de cavalos que vai para ão Francisco durante a Corrida do Ouro
em busca de dinheiro, mas se transforma em bandido quando sua esposa é violentada e assassinada por
californianos. De fonna perspicaz, Belitt esboça as diferentes expectativas que a platéias chilenas e
americanas podem ter com relação a este material. As diferenças são etnocêntricas e refletem ideologias
radicalmente opostas:

Para os chilenos, esta é uma peça sobre compatriotas privados dos direitos civis em um país de
estupradores e fanáticos capitalistas. Para os leitores norte-americanos - nós - ela diz respeito a
estrangeiros latinos em um ambiente cujas chaves lingüísticas e psicológicas apenas nós possuí-
mos. Como "país-anfitrião", a Califórnia faz exigência específicas quanto à plausibilidade da
linguagem do ponto de vista dos leitores americanos, tanto quanto qualquer peça californiana
sobre a Anaconda Copper no Chile seria julgada pelos sul-americanos quanto à inílexâo e à
credibilidade de seus participantes. a transação teatral, exi rem mais coisas envolvidas do que
substituir a "corrida" da prata ou de nitratos pela corrida do ouro, ou a United Fruit por Joaquín
Murieta. O dramaturgo e o tradutor, de fonna semelhante, devem levar em conta o próprio som
americano, assim como o som da "poesia" - devem encontrar um tom que seja coerente com
tudo o que há de idiossincrático na visão yant>i da história, sua visão real ou imaginária dos
arquétipos americanos: caubóis, jogadores de futebol americano, linchadores, lançadores de
basebal/ pistoleiros (pp. 69-70).
1

Segundo Belitt, para que o texto possa ser "representável nos Estados Unidos, para que se tenha
"plausibilidade" suficiente para envolver uma platéia norte-americana, é necessário tentar buscar dialetos
americanos familiares e os "arquétipos" históricos que eles representam, principalmente o "mito dos
'caubóis e índios'n (p. xiv). O tradutor de língua inglesa deve recorrer ao "vernáculo" para tomar "os
valentões de Neruda" convincentemente "sinistros", pois, em espanhol, eles "não sabem praguejar: eles
ainda não aprenderam a chamar para uma briga ou a atiçar as paixões de uma turba de linchadores" (pp.
xiv-xv). Entretanto, na tradução de Belitt, essa estratégia leva a uma curiosa incoerência na dicção: embo-
ra a peça exija, logicamente, que os personagens chilenos vitimados sejam diferenciados em vários níveis
de seus perseguidores californianos, todos eles usam freqüentemente a mesma linguagem dos caubóis
dos filmes de faroeste hollywoodianos (que, é claro, não é um dialeto "real" do inglês americano do
século XIX, e sim um substituto usado por atores em um gênero específico do cinema americano). Os
primeiros chilenos que encontramos no início da peça, por exemplo, vários "roustabouts' (estivadores)

127
que trabalham no cais em Vai paraíso, usam um dialeto carregado de palavras, sintaxe e ritmos típicos do
faroeste:

FirsJ RoustaoouJ.-
That 's the Port for you: one big fandango! Just look at them dudes!
SecondR.-
Well, they is dudes and they is dudes. You gotta distinguish, my friend.
Firsl R.-
They is pitchmen and pitchmen! They is setups and setups! (p. 11)

i O mesmo tipo de dialeto do oeste é atribuído, mais tarde, a californianos racistas, como o Gentleman
Swindler (vigarista bem-vestido), que trapaceia um grupo de sul-americanos, roubando-lhes os relógios
de ouro sob o pretexto de fazer uma mágica; a homogeneidade da linguagem duplica a ironia da admi-
ração dos estivadores com relação aos "dudes' (almofadinhas) que organiz.am "selu~ (trapaças) lucrati-
vas -como o Swindler:

Somethin' hurtin' you, young feller?


I do believe he's turnin' yelle~
If you find that my ideas
are a mite extraordinary -
tortillas
made of watches and chokecherry -
you ain't seen the best of it,
Alagaz.am! and all the rest of it:
now your watch is gone! (p. 87)

A discrepância entre ação (a perseguição dos chilenos pelos californianos) e linguagem (o dialeto de
faroeste onipresente) representa uma falha na lógica global da tradução, o que pode ser percebido ao
longo do texto: a maioria dos personagens não apenas fala como os caubóis de Hollywood, tanto chile-
nos como californianos (ou, nos tennos insinuados pelo dialeto, tanto "índios" como "caubóis"), mas
ocasionalmente atribui-se aos sul-americanos um dialeto americano coloquial misturado com hispanismos
como "compadre", o que reforça a sensação de uma lógica retorcida somada à incoerência gerada pela
atribuição de dois dialetos americanos diferentes ao mesmo grupo de personagens estrangeiros.

Pelo fato de que, como percebe o próprio Belitt, a escolha da linguagem feita pelo tradutor possui
implicações temáticas e sociais amplas, o significado da discrepância pode ser explicitado. Segundo
alguns, o uso do dialeto de faroeste feito por Belitt, apesar de ser um tour de force verbal de magnitude
considerável, modificou "completamente a linha política da peça", e, de fato, na tradução, os chilenos
oprimidos associam-se, através da linguagem, a seus opressores norte-americanos. 40 Mas será que isto
constitui uma mudança ou reviravolta ideológica? Com um exame mais minucioso, podemos observar
que a escolha de Belitt acentua, na verdade, uma contradição ideológica presente no texto original de
Neruda: os dialetos iguais apontam para uma identidade de valores, já que os chilenos de Neruda se
assemelham aos californianos por sua assimilação da ideologia burguesa, em especial no que diz respeito
a seu individualismo possessivo, à valoriz.açâo do acúmulo de lucros e do consumo conspícuo. Na
véspera da partida dos chilenos, um coral de homens canta uma música que expressa seus valores
contraditórios:
l'm Chilean clear through,
l've a heart clean as copper,
1cany a scythe in my mouth,
1defend the poor proper!
Toem as itch for a fight
will fetch them a whopper,
They'II get as good as I got,
and 1'11 skin them for supper!
1got it right here in my pocket:
a gold brick stamped with my name, made
in old California, I dug it oul of a rock
with the point of my biade,
Toem as yearn to go home
can walk back on the waves, if they wishes.
Toem as don't fancy a fight
a man with a gun finds suspicious.
Them as go down to the bottom
will swim for their lives with the Ílshes. (pp. 39-41)

Na primeira estrofe, os chilenos são retratados corno trabalhadores honestos e esforçados, cheios de
orgulho nacionalista e consciência de classe (a menção de "copper' !cobre] e "scytbe" !ceifeira] indica
mineiros e fazendeiros), enquanto que, na segunda, eles são metamorfoseados em individualistas rudes,
obcecados pelo acúmulo de dinheiro; com uma transformação de imagens correspondente, o lendário
revólver de seis tiros, símbolo cio heroísmo individual e da auto-exaltação criminosa, apropriadamente
toma o lugar da igualmente mítica ferramenta rural, símbolo do trabalho coletivo e do conílito de classes.
O emprego do dialeto do oeste, em especial na primeira estrofe, ressalta a contradição presente nos
valores dos chilenos, pois enquadra seus sentimentos nativos e proletários dentro de uma linguagem
estrangeira e burguesa. Portanto, a tradução de Belitt pode ser vista como uma leitura sensível do texto de
Nenida, validada pelo próprio original, o qual indica de fomia bastante explícita que os chilenos absorve-
ram a ideologia burguesa. Depois que a Corrida do Ouro é apregoada por um coro de jornaleiros ambu-
lantes, de forma muito apropriada ("Get your Dai~ySupplemenf! / Gold íound in Caliíornia! / Railroader's
Supplemenl here! / Solid-gold mountains!" lp. 15]), há uma cena em que os chilenos são atraídos para a
Califórnia por "uma procis.5âo de Tentadores mascarados" que representam "texanos, figuras encapuzadas,
etc."; a utilização da linguagem típica dos vendedores norte-americanos é, mais uma vez, brilhantemente
criativa:

There's a full purse for ali! Head straight for Frisco,


that's where you'II find it!
Ship out! Head for the harbours! Ali you Underdeveloped
Peoples -gold, there's nothing but gold!
Ye wbo Jmnger and tbitst, come to me: l'm jourty-jour-car-
ats mui California 's my beal,'€nf
Buy bulis witb )t)ttr gold! Buy Arabian dandng girls! (p. 15)

1
A tradução de Belitt, entretanto, faz mai do que oferecer implicitamente uma leitura da peça de Neruda;
ela também nos convida a disseminar a ideologia do texto estrangeiro dentro de uma formação social
com um ponto de vista ideológico diferente e até mesmo conílitante. Vale a pena relembrar aqui que
Belitt fala sobre o dialeto de faroeste como uma tentativa de dotar a tradução de "plausibilidade" para os
leitores norte-americanos, visto que o material que eruda dramatiza representa "um ambiente cujas
chaves lingüísticas e psicológicas apena nós possuímos". Entretanto, ne te "ambiente", a "plausibilidade"
dos "valentões" de eruda não apenas depende de seus insultos serem pronunciados em um dialeto do
inglês que os americano con ideram adequadamente "sini tro", como é também crucial impedir que 0
público tenha uma sen ação de superioridade sobre os chilenos oprimidos, para que o texto tenha
alguma eficiência como afimiaçâo política convincente. Se os chilenos ganhassem o que pode ser chama-

w
do de dialeto realista - digamo , uma mistura de inglês coloquial com hispanismos - que os retratasse
B como culturalmente ingênuo na Califórnia, como de provido da "chaves lingüísticas e psicológicas" do
~ "ambiente" americano, o público norte-americano poderia assumir, com relação e eles, uma postura tão
condescendente quanto a dos californianos, ainda que não explicitamente racista, e a tradução poderia
acabar confirmando os próprio e tereótipo étnicos subjacentes ao racismo que o texto de Neruda
descreve e condena. Para envolver o público norte-americano na que tões sociais tratadas por ernda e
assim extrair dele uma solidariedade consciente com Murieta e seus compatriotas na luta racial e econô-
mica contra os californianos, a tradução deve retratar os chilenos como culturalmente "iguais" à platéia,
ligados a mitos americano familiares, envolvidos em lutas semelhantes, movidos por desejos comuns. É
precisamente este o efeito do dialeto de faroeste usado por Belitt. Odialeto serve para evitar que os norte-
americanos caiam em uma atitude complacente de condescendência ou mera compaixão; de fato, ele é
capaz de forçar o público americano a reconhecer as semelhanças entre eles e os forasteiros chilenos, a
examinar as conexõe entre a opressão e os valores burgueses dos estrangeiros, e talvez a questionar
este valore atravé da per pcctiva crítica oferecida pela peça. No fim das conta , o que determina se a
tradução inglesa da peça de eruda é progressista ou reacionária é uma decisão sobre a estratégia da
tradução: a íluência leva à escolha de um dialeto distintivo e reali ta para os chilenos, pois o realismo
deixa o texto inequívoco e portanto legível para uma audiência norte-americana, satisfazendo suas expec-
tativas de que os estrangeiros devem ser culturalmente ingênuos e convidando a uma atitude condescen-
dente ou urna mera compaixão sentimental por seus problemas; a resistência leva à escolha de um dialeto
do oeste para os chilenos, pois a discrepância lingüística resultante distancia os norte-americanos, frus-
trando as expectativas etnocêntricas e exigindo uma consideração mais cuidadosa dos estrangeiros e
possivelmente alguma auto-reflexão e revalorização. O mecanismo-chave na produção dessas reações
consiste na diferentes maneiras como o texto traduzido constitui a subjetividade do público durante a
experiência de ler ou assistir à peça. O dialeto reali ta, que gera a fluência , cria uma posição de sujeito
estável a ser ocupada pela platéia, e o texto traduzido toma-se uma janela transparente voltada para a
"realidade", na qual o chilenos parecem ser retratados "como realmente são (ou seriam em tais circuns-
tância )"; o dialeto de faroeste, que gera a resistência, não oferece uma posição de sujeito estável - os
personagen chilenos estão divididos entre língua diferentes, valores diferente -, de modo que a discre-
pância lingüística toma a tradução opaca, o trabalho do tradutor faz-se visível e o público pode ser levado
a refletir sobre as contradições ideológicas na representação dos chileno .

Considerando-se este efeito do dialeto de faroe te, a menção à "plausibilidade" feita por Belin é extrema-
mente enganosa e indica que, apesar de ser um leitor perspicaz e um tradutor tremendamente talentoso:
ele entende sua estratégia tradutória em termos que se opõem não apenas à ideologia e à técnica estética
do texto de eruda, mas à sua própria e tratégia. "Plausibilidade", que conota verossimilhança, implica
uma tentativa de atingir um efeito de realismo, o que a forma delirantemente confusa de Neruda nunca
poderia fazer, e ao qual resiste o emprego do dialeto de faroeste feito por Belitt. Beli11 tem consciência de
que "é possível [. .. J ler Fulgor y muerte de forma não figurativa" pois a peça retrabalha uma variedade
instigante de formas culturais, convenções, mitos: "Puccini, D.W. Griffith e faroestes hollywoodianos !... ]
o 'estilo elevado' da tragédia neo-grega !e] as tirada cômicas de Box e Cox, ou Laurel e Hardy !. .. ] a
prosódia de Gilbert e Sullivan e o estilo da zarzuela espanholan (p. xiv). Porém, é também verdade que
atribuir o dialeto do faroeste aos chilenos é igualmente não figurativo. A mistura genérica criada por
Neruda é reforçada pela discrepância na tradução, e ambas criam não o ilusionismo e a participação
vicária do drama realista, mas o que Brecht chamou de "efeito de distanciamento" do "teatro épico"
politicamente galvanizante: "uma técnica que toma os incidentes sociais humano a serem representados
e os rotula como algo extraordinário, algo que exige uma explicação, que não é aceito como fato estabe-
lecido, como natural. O objetivo deste 'efeito' é permitir ao espectador fazer uma crítica construtiva a
partir de um ponto de vista social." 41 Aaplicação da teoria de Brecht à peça de eruda requer uma
discus.são mais detalhada do que é possível fazer aqui· o que podemos dizer sobre a tradução de Belit1 é
que o uso do dialeto de faroeste "distancia" tanto a situação do chilenos na Califórnia, de tal modo a
transforma "de algo ordinário, familiar, imediatamente ace ível em algo estranho, extraordinário e ines-
perado"42, que uma platéia norte-americana pode ser compelida a reagir de forma mais crítica. Ao prever
o modo como seus contemporâneos norte-americanos podem receber uma tradução da peça de erucfa,
a escolha de Belitt parece ser capaz de preservar a força ideológica do texto estrangeiro em uma fonnação
social que pode não lhe ser receptiva.

Aabordagem crítica de traduções da qual apresentei exemplos focaliza discrepâncias lingüísticas vi íveis
tomando-as como significantes da estratégia empregada no texto traduzido e, em última instância, das
detenninações culturais que iníluenciam a escolha dessa estratégia. Ainda falta determinar se tais discre-
pâncias estão presentes em toda tradução que mereça considerdção por causa de sua própria importância
cultural ou da do texto original. Minha argumentação indica que a discrepâncias são inevitáveis: ela
surgem na tradução a partir da disjunção irredutível que existe entre dois contextos semióticos (a língua-
fonte e a língua-meta) e entre os dois contextos sociais nos quais eles estão situados. Atradução é a
conciliação instável de dois conjuntos diferentes, à vezes conílitantes, de determinações culturais. O
número de textos estrangeiros vertidos por um dado tradutor, na medida em que afera a coerência com
que a estratégia de tradução é realizada no texto, tem também um certo impacto sobre o número de
discrepâncias; parece provável que sua incidência aumente proporcionalmente ao volume produzido
pelo tradutor, e que as traduções de livros com prazos finais estabelecidos sejam as mais vulneráveis -
dois pontos que indicam que o trabalho de tradutores profissionais, em especial aqueles que estão
trabalhando hoje, merece uma inspeção mais profunda segundo a direção aqui apontada. O que é
necessário agora, no mínimo, é uma atitude diferente com relação às traduções de modo geral) mas em
particular com relação àqueles pontos cegos que até agora provocaram acusaçõe por parte do leitores;
uma atitude que seja menos excludente e mais reílexiva, menos negativa porém mais crítica, pode ajudar
a dar à intervenção decisiva do tradutor uma nova visibilidade. O fato de que temos que focalizar as
imperfeições no trabalho do tradutor para poder conseguir-lhe algum reconhecimento é certamente um
sinal das circunstâncias extremamente desfavorávei nas quais a tradução é hoje praticada. 43

Traduçãa dt Carolina A/faro


Revisão tlcnica de Pau/q Hmriques Britto eMaria Paula Frota
Departamento tÚ Letras, PUC-Rio

131
ot$

1. Chris~ R. Tran: laUon watch (1984). PEN American Center the referent ln PMI.A, 94, 459-475. No que segue, confio
Newsleller, 53, 8. plenan1ente na analogia entre tradução e o tipo de prática
2. Em TranslaUng in 1ran ition. P11hlisbers Weekly, (18/5), 70-
específico enfocado por Althusser en1 seu ensaio• a varieda-
de de trabalho intclcccual que ele chama de "prática teórica•
72, Pt:ter GllS.Sgokl (1984) OÍ('recc extrato.s infom1aUvo.s das
de uma ·ciência·. Entretanto, rejeito, simultaneamente, sua
entn.:visias qu(' rc-allz.ou com tradut(XC'S sobre suas relações
tendência neste ensaio, po&eriom1ente reavaliada em sua
com editores. Veja também o estudo de Patricia Blakc (198~)
sobr traduç1o contemporânea, incluinoo perfis de traduto• autocrítica, a pressupor que ua disUnção entre "ciência" e
"ideologia" reduz-se àquela entre ·verdade· e "falsidade·, e
res importantes como Gregory Raba.s.5a, Ralph Manheim e
WUliam 'X-biver, cm Couricrs of the human spiriL Time, (191 de fazer oo marxlgno um sinônimo oo primeiro tenno de
11), 118-127.
cada antítese. Meu pressupo&o básico é o de que a "verda-
de· existe apenas através de uma representação interess:ida
3. rciner, G. (19 5). After &bel: As~Cls of kmg11age and ou ideológica; portamo, o discurso marxista deve ser vislo
tra11slation. Ncw York :md l.ondon: Oxford UP. u an como uma ideologb. Para uma crítica Incisiva oo argumento
13:JSSncu-MacGuirc (1980) aprrscnt:t uma sínte conci.53, de Altl1usser, em especial de suas implicações para a crítica
porém profunda, c.k· qu{'StÕl-s centrais em teoria e práUca da literária, veja Bcnnct~ T. (1979). Formalism mui Marxisn~
tr:iduçlo cm Trnnskllion sltulies. 'cw York and London: New York and Lonoon: Metheun, lnc., 138· 142.
1cthuc:n, lnc.
10. Minha definição de "ideologi:i", aqui e ao longo de mi-
4. Rom:in Jakoh n iniciou a elaooraçilo sem iÓlica da teoria nh:i dLSCUS.5:lo, basei:t-se em Althusser 0979). Marxismo e
d:! tradução em 0n linguislic aspecb of translation. ln R. humanismo. ln Afavor de Marx, 194-214; _ _ (1970).
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honor Jacknmüttlll, 11 1-1182. The 11:igue: Mou1on.
11. O aíUco que forneceu a formulação m:iis penetrante
6. Sreincr, m. Cf. Benj:Jmin, W. (1992). A 1:1refa oo tr:iduror. desta abordagem no esrudo de rexta; literário.sé Jameson, F.
Tradução de K. B:uck. Rio <lc Janeiro: UERJ, xiii: • o origi-
(19<)2). O incc,isciente polílico: a 11arr{IJi1K1 como atosocial-
nal, conteúdo e linguagem forman1 uma unidade clerermina· metlle simbólico. Tradução de V. L. Siqueira. Sào Paulo:
da, como a do fruto e cb casca, a linguagem da tradução
Ática. Em particular, minha concepção de ideologia em tra·
envolve seu conteúdo, como um manto real, con1 dolxas
dução é informada pelo tr:itamento daoo à ideologia oo gê-
sucessivas. Pois ela significa uma linguagem superior a si
nero por Jarneson; veja, por exemplo, p. 140: ·emsua forma
mesm:i e pem,:inecc, por isso, em relação ao próprio con-
emergente e forte, um gênero é essencialmente uma mensa-
teúdo, inadequada, violenra e estranha."
gem sócio-simbólica, ou, em outros termo;, que a fom1a é
7. Derrida, J. (1982). Signature Event ContexL ln Margins of imanente e intrin icamente uma ideologia em si mesmJ.
pbilosopby, 307-330. Tradução de A. Bass. Chicago: Quando essas formas são reapropriadas e remcxlelacbs em
University of Chicago Pr A p:1SSagem cilada aparece na contexto.s sociais e culturais bastante diferentes, essa mensa-
p. 320. gem persiste e deve ser funcionalmente avaliada sob a nova
forma !... ]A ideologia da própria forma, assim sedimentada,
8. Wiugenstein, L. 0 975). Jm~stigações filosóflCllS. Tradução persiste na segunda estrutura, mais complexa, como uma
de J. C. Bruni. São Paulo: Abril Cultural. Outras citaçõe.'i • mensagem genérica que coexisre • como contradição ou,
rào incluídas no texto. Newton Garver apresenta uma dis- por outro lado, como uma mediação ou mecanismo
cussão provocaliva sotxe as semelhanças entre o segundo harmonizante · com elemento.s de estágio.s po&eriores:
WiLtgenstein e Derrida no prefácio a Derrida, J. (1973).
Speecb a,ul pbenomena and orber essays on Husser/'s tbeory 12. Catl1erinc Bel y (1980) demonstra este ponto sucinta·
ofsigns. Tradução de D. Allison. Evanston, lll.: Northwes1em mente em Crilical pracJice. New York and London:
UP, ix-xxi.x. 1ethuen, lnc.
9. Altl1usser, L. (1979). Sobre a dialéUca materialista. ln A 1 . Poulantzas, 204-215; as passagens citadas aparecem nas
faoor de Marx, 140-193. Tradução de D. Lindoso. Rio de pp. 213 e 208, respectivamente.
Janeiro: Zahar. A pas.s.1gem eirada aparece na p. 144. Sou
14. Marx, K. (1973). Gnmdrisse: introduclion /.o lhe critique
rambém grato a Thomas E. Lewis (1979) pela sua impooante
of political economy. Tradução de M. Nicolaus. New York:
síntese de Altl1usser e semiélica, Olc-s toward a theory of
Vintage Books, 83-111.
15. Eco, U. (1983). O nome da rosa. Tradução de A. F. 31. A edição de 1588 da tradução de Hoby é uma edição
Bemardini e H. F. Andrade. Rk> de Janeiro: Nova Fronteira; trilíngüe do texto de Castiglione, incluindo não apenas a
Eco, U. (1989). Pós-escritoaOnomedarosa Tradução de L versão inglesa mas também a francesa.
Z. Antunes e A. l.orencinl. Rio de Janeiro: Nova Fronteira;
32. Castlglione, 8. (1900, reimpr. 1967). 7be book of the
McDowell, E. (1983). Publi.shing: NO(es from Frankfurt ln
Wtlrtier. Tradução de sir T. Hoby, edil.ado p<X' W. Ralelgh.
1be New York Times, (21/10), C32.
New York: AM Press lnc., 59. Na série Tudor Tran.slallon ,
16. Steiner, 378. este texto é uma reimpressão da edição de 1561 da tradução
feita por Hoby.
17. Suetonius, G. 0957). 7be tuel~COMrs. Tradução de R. 5
Graves. liam1ondsworth: Penguin Books lld, 8. 33. A Leucr of Syr J. Cheekes To hls lovlng frind May Ler ;
18. Cf. o ensaio de Graves (1965). Moral principies in
translation. ln Encounter, 24, 47-55: ·o primeiro problema
do tradutor é: de que exatamente o leitor precisa? Edo texto
1110111 lloby. ln 1be book of lhe courtier, ed. de Ralelgh,
12.
34. A tradução preferida p<X' u-adutores do século XX como
1
literal, em urna tradução in~esa o mals fiel possível; ou é de Charles Singleton e George Buli é, de fato, •rnmchala11a!'.
algo um pouco mai.s legível?" (p. 51). Veja Castiglione, B. (1959). 1bebookoftbecourtier. Tradu-
ção de C. ingleton. ew York: Ancl1CX" Books, 43; _ _
19. Suetonius, G. (1980). 1be úielw C(l(!S(lrs. Tradução de R.
(19 6). Tr:iduçào de G. Buli, ed. rev. ew York: Penguln
Graves, revi.são de M. Grant. New York: Penguin Books, 8.
Books, 6 .
Esta é uma versão revi.sta da tradução de Graves, na qual a
introdução de Grant subslillli o prefácio original de Graves. 35. Ascham, R. (190i, reirnpr. 19 O). E11glish 1vorks. Edit:ido
Vale a pena mencionar que a republicação e a revi.são da por W. A. ~nghl. Cambridge: Cambridge UP 229.
tradução de Graves foi provavelmente motivada · ao menos
36. Nasl1e, T. 0958). 7be umks of 7bomas Nashe. Edirado
em parte • pelo sucesso da dramatização fella pela BBC de
por R. B. McKerrow. Oxford: BasU Blackwell, li 301.
seu romance, /, Qaudi11s, na popular série de televi.são
ªMlSl.erpiece 1l1e:iter". 37. Castiglione, B. (1588). 7be book of lhe courtier. Tradução
de Hoby. London, ig. D6r.
20. Este uso chs conceitos semióticos de ·enunciação" e
·enunciadoª é infamado pela síntese de Belsey (ln Cri1ia1/ 38. Ander on, P. (1974). Lineages of lhe absolutist slllte.
practice) do.s traoolhos sobre a subjetividade na linguagem Londoo: ew Left Books, 40. O desenvolvimento des1a con-
de Emile Bcnvenlste e Tzvetan Todorov. tradição social foi p:irticulanuente complicado e problemáti·
co na Inglaterra, onde orreu, como observa AndelSOn,
21. Gran~ 8.
·uma convers.io gr:idual da arislocracia para atividades co-
22. Pound, E. (1957). Selected poems. ew York: New merci:iis muito antes de qll:llqu r classe rural comparável na
Direclions, 18-21. Europa· (p. 126). Para o alinhamento entre o movimento
human· (j e a monarquia dos Tudor, veja Caspari, F. (195-0.
23. Aqui baseio-me na abacbgem da poesia de Pound fei(j
H11ma11ism and lhe social order in Tudor Eng/mui. Chicago:
por Antony f.aslhope (1983) em Poetry as discourse. ew
Unlversky of Chicago Press.
York and London: Methuen, lnc., e. 9.
39. erud:i, P. (1972). Splendor and death of Joaq11ín
24. Bassneu-MacGuire. Trans/aJion studies, 97.
Murieta. Tradução de B. Beliu. New York: Farar, SLraus &
25. FredricJameson (1979) esrudou esta cootradiç:lo ideoló- Giroux. O pref:ício de Belill aparece nas pp. xi-xvii~ uma
gica em Fables ofa~ression: \Vyndbam Lewis, lhe Modemist vers.io ligeiramente modificada, sob o título ·Neruda's
as FascisJ.. Los Angeles and Berkeley: Unlversily of }oat/t1i11 Murieta a n()(e oo lhe poetics of tran.slatioo', foi
Califomia P. incluída em sua coletânea, (19 8). Adam's dream: a preface
10 tra11s/aJio11 67-73. ew York: Grove Press, lnc. Outras
26. Gran~ 9. referências de páginas oo prefácio serão dadas no texto: os
li. Bassneu-MacGuire, 96. algarismos romanos referem à versão mai.s antiga, os ará-
bicos ã mai.s recente.
28. Barthes, R. (1988). A morte do aut<X'. ln O mmor da
língua Tradução de M. Laranjeira São Paulo: Brasiliense, 40. ~eu-MacGuire, 78. Bassneu-MacGuire não associa
68-69. explicitamente a mudança política à semelhança dialetal
entre os chilenos e os nooe-americanos e, infelizmente, não
29. Steiner, 345-46. argumenta nem mesmo explica seu julgamento de modo
30. Veja, por exemplo, Matthiessen, F. O. 1931, reimpr. mai.s detalhado. Em outro texto, ela argumenta que a tradu-
1965). Tmnslation: an Elizabetban art. ew York: Octagoo ção de Beliu não é ·nem preci.sa nem representável\ mas
Books, 48.

133
. .
(,

sem considerar o aspecto político: veja seu artigo (19 8) 41 . (1964) Brecht on thealer. Trach.Jção e edição de J. WilleL
Translaling spatial poetry: an examinaLlon of lhealer texts in New York: HUI e Wang, 125.
performance. ln literalureand tmnslation Ed!Lado por J. S.
42. Brechl on theaJer, 143.
Holmes, J. Lambert e R. 13roeck. Leuven: Acco, 161-1 6.
Pode-se nOlar que as discrepâncias llngüísticas na Lraduçào 43. Agradeço a usan Stewart p~las conversas sobre Lradu-
de Beliu são oostante reconhecívels Lambém na crítica de ção que aprofundaram minhas reflexões sobre esse assunto.
Rosemary ei.swender publicada em (1972) libmryjoumal, Meus agradecimentos também a Mark Cohen por me ajudar
(1 /11), 3596: 1Bclinl nos apresenta hexâmeLros ricamente em uma Lradução difícil oo alemão.
swlnbumianos em lugar dos refrões cspanhói.s secos eenfá-
ticos, e algumas gíri1s anacrônicas ('brmky-dory e 'righl on!
na mesma página).·

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