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UNIVERSIDADE FEDERAL FLUMINENSE

FACULDADE DE DIREITO
CURSO DE SEGURANÇA PÚBLICA E SOCIAL
DISCIPLINA OFICINA DE TEXTO EM SEGURANÇA PÚBLICA I

Profª. Msc. Elizabete Ribeiro Albernaz


Acadêmico Rodson William Barroso Juarez

A Bola Quadrada1

Numa manhã de domingo, daquelas de verão forte, Pedro mal comeu o pão torrado
que sua mãe deixara antes de mais um dia de trabalho, foi logo pegando uma bola de
borracha, bem desgastada e desceu as escadas do morro correndo em direção ao campinho de
terra batida que havia ali perto.
O jogo de solteiros e casados da comunidade tinha hora para começar e a molecada
queria adiantar os trabalhos. Os holofotes ligados; torcida eufórica gritava “Pedro Gol” num
coro repetitivo e marcante; seus colegas se acomodavam para esperar a entrada do capitão do
time do Flamengo. Quando Pedro tomou fôlego para então correr para o centro do campo e
receber a mais calorosa saudação...
“O que é isso moleque?” Indagava um homem vestido com uma roupa incomum para
um dia ensolarado de fim de semana. Botas pretas, calças de um tecido reforçado de tons
rajados em cinza, um colete cheio de trecos, mangas longas, capacete e nas mãos a arma
igualzinha à do último joguinho que Pedro jogara na sala de acesso. “Tá de olhos fechados de
cara pro sol! Pirou?”, continuou com uma voz firme aquela figura que parecia saída de uma
história em quadrinhos, tocando-lhe um dos ombros.
De um susto, Pedro saiu daquele breve transe e situou sua realidade. Chinelos de dedo
gastos pelo uso das brincadeiras de pega-pega e de esconder; shorts puídos pela lavagem no
tanquinho que sua mãe fazia todos os dias; as pulseiras coloridas da moda, que enchiam quase
a metade de seu braço esquerdo. Deixando a o bola cair ao chão e quicar levemente em
direção ao pé direito, admirado com aquela figura, respondeu: “É que eu sempre respiro fundo
antes de entrar no campinho pra jogar com meus amigos”.
“Mas hoje é dia de ocupação! Não vai ter joguinho nenhum!” Ríspido e quase
bramando, continuava o herói dos quadrinhos ditando a ordem. “Vaza todo mundo! Não
quero ver um vermezinho aqui em dois segundos!”. Pedro, então, piscou rapidamente fitando

1
Narrativa ficcional entregue como avaliação parcial no dia 19/09/2014
os olhos daquela figura indaga: “Tio, podemos jogar com vocês, então? É facinho, só apertar
o botão do tiro quando alguém aparecer. Meu jogo é sinistro e...”. Antes que Pedro terminasse
de falar recebe um baita empurrão do herói dos quadrinhos e caiu de costas. Começava um
grande tiroteio entre policiais e traficantes que desconsideraram a panfletagem dos dias
anteriores informando local e hora da chegada das forças do Estado.
E era tiro para todo o lado e Pedro sentiu medo e buscou abrigo. Não sabia se corria
para perto dos policiais ou para casa, de onde os tiros também partiam. Correu para perto de
um muro, mas como havia esquecido a tão estimada bola borracha, ele se achava no dever de
por a salvo seu único brinquedo. Aproveitou uma breve pausa na cadência dos disparos, olhou
para um lado e para o outro, como se fosse atravessar uma rua com tráfego pesado, puxou
mais uma vez o fôlego e foi. Pegou a bola e correu como um corredor dos 100 metros rasos
para debaixo de sua cama.
Assustado, sozinho em casa, acabou adormecendo, mesmo ao som de tiros
esporádicos. No final da tarde, já começando a esfriar, os policiais falavam mais alto, mais
leve, numa atmosfera que lhe parecia familiar. Lembrava o churrasco na casa de seu tio que
morava mais perto do asfalto, mas sem música. Resolveu sair e dar uma espiadela pela fresta
da porta da frente.
Pronto, estava tudo em ordem. Sua casa cercada por heróis de quadrinho, com armas
das quais nem nos videogames ele havia visto. Holofotes reais iluminavam o campinho de
terra batida, mas havia bem no centro uma caixa, pintada em azul claro e branco, com faixas e
letreiros que ele não conseguia ler. Repórteres de colete estranho falavam com tom e servis
duras diante de câmeras e outros de coletes. Parecia uma coletiva depois do jogo que ele
costumava assistir com sua mãe aos domingos.
Nem mãe, nem herói saído dos quadrinhos, nem mesmo seus colegas de futebol, nem
aquele moço de mecha branca que aparece da televisão todas as noites, simplesmente
ninguém conseguiria explicar o que havia acontecido naquele dia, nem o novo jeito de viver
naquele bairro que era tão conhecido por Pedro. Passar pelas passarelas apertadas e escadarias
íngremes, mesmo agarrado a uma das pernas de sua mãe, deixaria, sem paz, aquela mesma
paz que fazia com que ele sonhasse todas as vezes antes de começar um nova brincadeira. No
meio do campo não teria mais uma bola esperando para começar o jogo.

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