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PF fez acordo com Palocci para

provar que tinha o poder de
fazer, diz procurador da Lava
Jato
Carlos Fernando defende delações, mas diz que há acordos que
são mais benéficos aos réus

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30.jul.2018 às 2h00

 EDIÇÃO IMPRESSA

   

Ana Luiza Albuquerque

CURITIBA Carlos Fernando dos Santos Lima parece


confortável. Vestindo trajes casuais, o procurador recebe
a reportagem no QG da Lava Jato para falar sobre um
assunto que conhece bem: as colaborações premiadas.

Passados quatro anos do primeiro acordo firmado no


âmbito da operação, o instituto segue motivo de
polêmica. Há três meses, a contragosto do Ministério
Público, a Polícia Federal marcou posição ao fechar
a delação do ex-ministro Antônio Palocci.

Para Santos Lima, ainda assim, a Procuradoria é a porta


da frente para os acordos. Sobre a colaboração de Palocci,
não poupa críticas: "Qual era a expectativa? De algo,
como diz a mídia, do fim do mundo. Está mais para o
acordo do fim da picada."
O procurador Regional da República Carlos Fernando dos Santos Lima
- Rodolfo Buhre/Folhapress

Para ele, a autorização do Supremo Tribunal Federal aos


acordos com a polícia "deu excessivo poder ao juiz".

"A PF faz o acordo: você me entrega e depois o juiz vai te


dar o benefício. Nosso acordo diz assim: você me entrega
isso e vamos oferecer esse benefício. Se o juiz negar,
vamos recorrer. Isso dá mais segurança jurídica."

 
A primeira fase ostensiva da Lava Jato foi em
março de 2014. Em agosto do mesmo ano, foi
fechado o primeiro acordo de colaboração, com o
ex­diretor da Petrobras Paulo Roberto Costa. A
investigação e as delações sempre andaram lado
a lado?
Um dos pilares da Lava Jato é a colaboração, uma técnica
que nós criamos em 2003, [sendo] a primeira com o
Alberto Youssef no Banestado. É a única forma de você
compreender como uma investigação sai de uma Range
Rover presenteada a um ex-diretor da Petrobras para
chegar na situação atual. Economiza muito do dinheiro
público em relação a investigações complexas. 
Como seria a Lava Jato sem as colaborações?
Nós mal teríamos chegado à conclusão de que houve
corrupção na Petrobras. Na primeira vez em que a
Petrobras veio aqui, veio para nos dizer que era
impossível ter corrupção na Petrobras, que todos os
esquemas de controle funcionavam perfeitamente. Mas
vem Paulo Roberto Costa e diz: "Não, existia". Ele explica
tudo. Estaríamos nos batendo hoje, ainda, com uma
discussão se houve ou não corrupção. 

Isso torna a operação dependente dos acordos?
É uma técnica moderna que tem que ser usada. Todas as
investigações de crime organizado hoje vão depender da
colaboração. Quando você tem uma organização
criminosa, você tem uma confiança entre os membros.
Eles estão todos ganhando, não tem por que derrubar o
esquema.

Quando você introduz a possibilidade da colaboração,


começa a gerar desconfiança. Isso tem um aspecto
preventivo. Hoje, no Brasil, esquemas estão acontecendo.
Entretanto, eles sabem que a qualquer momento
qualquer um pode, se tiver possibilidade de ser pego,
colaborar. Acho que está havendo uma reação injusta
contra o instituto. Nós tivemos colaborações que não
foram boas, não foram feitas com a melhor técnica.

O senhor pode citar algumas?
O caso do Delcídio [do Amaral], do Sérgio Machado, por
exemplo. Quando você faz com excesso de rapidez, corre
o risco de fazer colaborações mal feitas. Delcídio, na
minha opinião, quase nem se autoincrimina. A primeira
coisa é o colaborador falar os crimes que cometeu.

Nestes casos o acordo foi mais benéfico para o
colaborador do que para o Estado?
Eu acho que sim. No caso do Sérgio Machado, no final
das contas, o principal sequer foi denunciado. Aquelas
conversas supostamente com membros do Congresso e
ex-parlamentares, que geraram até pedido de prisão no
Supremo, sequer movimentaram uma denúncia. Aquela
gravação era um bom início de negociação, mas não era
um fim em si mesma. A gente tem que tomar muito
cuidado com excesso de vontade de conseguir certos
documentos, provas, gravações.

Há afobação às vezes?
É natural, acho que até o jornalista compreende bem isso.
Você está diante de uma situação de ter aquela
reportagem, aquela denúncia, mas talvez não seja aquela
[ênfase] que poderia ser, se tivesse um pouco mais de
cuidado. O grande problema são colaborações mal feitas,
não ilegais, e que geram uma crítica ao instituto.

O acordo dos irmãos Batista, da JBS, arranhou o
instituto perante a opinião pública?
Acho que sim. É uma confusão, um ataque ao instituto, e
não ao acordo em si. O instituto é bom. Nós, em Curitiba,
não damos imunidade, por princípio. Marcelo Odebrecht
era até uma figura mais importante que Joesley, mas nós
exigimos que ele ficasse um ano preso depois de assinado
o acordo. Ficou três anos no regime fechado. Você precisa
explicar para a população por que você fez o acordo. Vou
dar o exemplo também do acordo do [Antônio] Palocci,
celebrado pela PF depois que o Ministério Público
recusou.

Demoramos meses negociando. Não tinha provas


suficientes. Não tinha bons caminhos investigativos. 
Fora isso, qual era a expectativa? De algo, como diz a
mídia, do fim do mundo. Está mais para o acordo do fim
da picada. Essas expectativas não vão se revelar
verdadeiras. O instituto é o problema? Eu acho que a PF
fez esse acordo para provar que tinha poder de fazer.

Foi uma queda de braço?
Foi uma queda de braço talvez conosco, mas a porta da
frente dos acordos sempre será o Ministério Público. A
porta dos fundos é da PF. As pessoas irão à PF se não
tiverem acordo conosco. Não recusamos porque não
gosto da cara do cidadão, mas porque vamos ter
dificuldade para explicar por que fizemos. Acordo não é
favor. 

Por que o senhor acha que o Supremo autorizou
a PF a firmar os acordos?
Acho que a interpretação do Supremo deu excessivo
poder ao juiz. A PF faz o acordo: você me entrega e depois
o juiz vai te dar o benefício. Nosso acordo diz assim: você
me entrega isso e vamos oferecer esse benefício. Se o juiz
negar, vamos recorrer. Isso dá mais segurança jurídica.
Tenho a impressão que houve excesso de
empoderamento do Judiciário. 

Juiz tem que ser inerte. Não pode participar de


negociação porque começa a se interessar pelo resultado
da investigação. Tem que decidir conforme as provas, não
pode se envolver emocionalmente. Por mais que se fale
aqui no Paraná, no Brasil inteiro, que o [Sergio] Moro
dirige as investigações, doutor Moro não dirige
investigação nenhuma. 

1 12 Réus da Lava Jato na Justiça Federal do Paraná


Um dos mais conhecidos réus da Lava Jato, Marcelo Odebrecht foi
condenado sob acusação de pagamento de propina a ex-dirigentes da
Petrobras. Ele passou a cumprir prisão domiciliar em regime fechado
dois anos e meio depois de ser preso/Heuler Andrey - 1.set.2015/AFP

No início do ano a Folha publicou uma
reportagem relatando que a delação da
Odebrecht havia gerado, até então, poucos
resultados práticos.
Depende do ponto de vista. Ela gerou inúmeras
investigações. O problema é o foro privilegiado. O que
estamos vendo nos arquivamentos no Supremo é a
incapacidade de investigar adequadamente no foro
privilegiado. No foro o ministro participa de cada decisão,
vai e vem. Às vezes aqui uma coisa que é feita em uma
tarde lá demora uma semana. 

Tenho certeza de que, se boa parte dessas investigações


fosse feita em primeiro grau, teria um resultado mais
eficiente. Até nós podemos sofrer a crítica. Por que a Lava
Jato diminuiu o ritmo? Porque a todo momento estamos
sendo brecados ou pelo foro privilegiado ou pela
transferência de casos para a Justiça Eleitoral. A Lava
Jato no começo era uma Ferrari. Agora, somos um
caminhão. Milhares de coisas que fomos acumulando,
que temos que resolver.

Um dos problemas que está nos segurando é a estrada,


que é ruim. Se os ministros do Supremo insistirem em
tirar as coisas do Paraná ou mandar para a Eleitoral, vai
ficar difícil. A Justiça Eleitoral em segundo grau é muito
menos jurídica e muito mais influenciada por fatores
políticos. O Supremo hoje diz: esse caso não é seu. Mas se
alguém olhar a Constituição, o Supremo não tem essa
competência. Quem decide conflito de competência entre
Justiça Federal e Estadual é o STJ. 

A Procuradoria do Paraná colocou um freio no
firmamento de novos acordos?
Estamos voltando para o básico. Em vez de termos
grandes acordos, estamos optando por pequenos acordos
pontuais, que têm muita utilidade no desdobramento de
investigações. Toda vez que faço um grande acordo
esbarro no foro. É preferível fazer um acordo com
pessoas menores que resolvo aqui no Moro. 

Para o senhor, qual foi a delação do fim do
mundo?
Diria que do Paulo Roberto Costa porque dela decorre
todo o restante. [Pedro] Barusco foi importante. O
Alberto Youssef é a colaboração que deu origem à 7ª fase,
das empreiteiras, o momento de virada da Lava Jato. Não
existe acordo do fim do mundo. Ainda mais no mundo
em que os aspectos políticos acabam abafando as
investigações. Palocci é dito que vai ser do fim do mundo.
Não vai ser. Existem colaborações boas, que se justificam,
e as que, infelizmente, não se justificam.

 
RAIO­X

Carlos Fernando dos Santos Lima, 54, é procurador


regional da República. Mestre em direito pela Cornell
Law School (EUA), é coautor dos livros "Lavagem de
Dinheiro: Prevenção e Controle Penal" e "Compliance
Bancário: Um Manual Descomplicado"

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