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RESUMO
Os livros didáticos, mídias, filmes e outros têm representado os povos indígenas com o estereótipo da inferioridade.
Evidencia-se o indígena genérico, enquadrado e homogêneo. Muitas vezes são representados como culturas
atrasadas, fixas, que pertencem tão somente ao passado. Essas representações são reproduções do conhecimento
herdado e construído para sustentar o processo colonialista no Brasil. Conhecimento que é calcado na ideia de
raças, tendo o homem, branco e europeu como topo. Como pensar o ensino fundamentado em referências que
abordem a problemática com a devida profundidade? Poderia a história propor reconhecimento de outros processos
de identidades, trajetórias e narrativas? Este artigo tem como objetivo discutir as perspectivas educacionais para o
ensino de história indígena dentro da educação básica. Para tanto utilizará a ideia de que o ensino de história está
ligado às representações que se fazem dentro da perspectiva de memória coletiva, influenciadora das relações entre
as pessoas. A memória pode ser socializada por meio de políticas, histórias, educação, família, heranças, traumas
coletivos, acontecimentos regionais e processos colonialistas. Neste sentido as escolas, em especial as aulas de
história, tem papel fundamental para criar ambiente de construção da memória e de referências sobre a formação
e o sentimento de pertencimento (ou não) à sociedade.
Palavras-chave: Descolonização. Ensino de história indígena, Educação cidadã. Direitos Humanos.
RESUMEN
Los libros didácticos, medios, películas y otros han representado a los pueblos indígenas con el estereotipo de la
inferioridad. Se evidencia el indígena genérico, encuadrado y homogéneo. Muchas veces son representados como
cultivos atrasados, fijos, que pertenecen tan sólo al pasado. Esas representaciones son reproducciones del
conocimiento heredado y construido para sostener el proceso colonialista en Brasil. Conocimiento que es calcado
en la idea de razas, teniendo el hombre, blanco y europeo como cima. ¿Cómo pensar la enseñanza fundamentada
en referencias que aborden la problemática con la debida profundidad? ¿Podría la historia proponer reconocimiento
de otros procesos de identidades, trayectorias y narrativas? Este artículo tiene como objetivo discutir las
perspectivas educativas para la enseñanza de la historia indígena dentro de la educación básica. Para ello utilizará
la idea de que la enseñanza de la historia está vinculada a las representaciones que se hacen dentro de la perspectiva
de memoria colectiva, influenciadora de las relaciones entre las personas. La memoria puede ser socializada por
medio de políticas, historias, educación, familia, herencias, traumas colectivos, acontecimientos regionales y
procesos colonialistas. En este sentido las escuelas, en especial las clases de historia, tienen un papel fundamental
para crear un ambiente de construcción de la memoria y de referencias sobre la formación y el sentimiento de
pertenencia (o no) a la sociedad.
Palabras-clave: Descolonización. Enseñanza de historia indígena, Educación ciudadana. Derechos humanos.
Introdução
A implantação da Base Nacional Comum Curricular (BNCC), já em sua terceira versão,
é encaminhada pelo Ministério da Educação (MEC) e o Conselho Nacional de Educação (CNE)
junto à participação civil. A proposta de direitos, objetivos de aprendizagem e desenvolvimento
para os alunos da Educação Regular é pactuada entre os Estados, o Distrito Federal e os
Municípios deve, em tese, ser continuamente construída através da participação da sociedade
civil, individualmente ou reunida em coletivos de atuação. Como pontua a terceira publicação
da BNCC “A primeira versão do documento [...] recebeu mais de 12 milhões de contribuições
– individuais, de organizações e de redes de educação de todo o País.” (2016. P.8). Portanto o
modelo matriz da base parece ter vindo com ares de estabilidade, para ficar. Os livros didáticos
que forem editados a partir da base nacional seguirão as diretrizes, subsídios, conteúdos e
habilidades propostos.
Os eventos selecionados permitem a constituição de uma visão global da
história, palco das relações entre o Brasil, a Europa, o restante da América, a
África e a Ásia ao longo dos séculos. A valorização da história da África e das
culturas afro-brasileira e indígena (Lei nº 10.639/200344 e Lei nº
11.645/200845) ganha realce não apenas em razão do tema da escravidão,
mas, especialmente, por se levar em conta a história e os saberes produzidos
por essas populações ao longo. e sua duração. Ao mesmo tempo, são objetos
de conhecimento os processos de inclusão/exclusão dessas populações nas
recém-formadas nações do Brasil e da América ao longo dos séculos XIX e
XX. (BRASIL, 2016, p.367)
Um importante detalhe sobre a BNCC é que ela inclui a Educação Infantil e Educação
Básica ao processo de sistematização. Primariamente o estudante, ingressante na educação
básica, é contemplado com os “Direitos de aprendizagem e desenvolvimento” que são:
Conviver; Brincar; Participar; Explorar; Expressar-se; Conhecer-se. Posteriormente
ingressando dentro de cinco campos de experiência: O eu, o outros e o nós; Corpo, gestos e
movimentos; Traços, sons, cores e formas; Oralidade e escrita; Espaços, tempos, quantidades,
relações e transformações. A organização cronológica é proposta em três grupos: 1) De 0 a 6
meses. 2) 1ano e 7meses – 3anos e 11meses. 3) 4 a 5 anos e 11meses. Cada faixa etária terá
seu conjunto de “Objetivos de aprendizagem e desenvolvimento”.
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(EI01EO07) Demonstrar sentimentos de afeição pelas pessoas com as quais interage. (EI02EO07) Valorizar a
diversidade ao participar de situações de convívio com diferenças. (EI03EO07) Manifestar oposição a qualquer
forma de discriminação. (BRASIL. 2016. P.41)
Em estudo elaborado pelas pesquisadoras Kelly Russo e Mariana Paladino, intitulado
“11.645 e a visão dos professores do Rio de Janeiro sobre a temática indígena na escola”
(2016) as autoras apresentam um interessante relato acompanhado de sensata análise sobre a
questão dos enquadramentos que se fazem dos povos ameríndios:
Todo Dia do Índio é a mesma coisa: fazemos com as crianças um cocar de
penas coloridas, elas pintam o rosto, fazem “uh-uh-uh” pela escola, e também
damos exercícios com o tema do índio, como, por exemplo, “ligue o
indiozinho à sua oca”, ou “conte quantos indiozinhos estão na canoa”, coisas
assim [risos]. Sei que essa temática deveria ser muito melhor abordada, mas a
gente não tem muito tempo, né? Fica difícil, e terminamos repetindo essa
fórmula falha ano após ano...[...] Com esse depoimento, uma professora do
primeiro segmento do ensino fundamental de uma escola pública do Rio de
Janeiro descreveu de que maneira a temática indígena era abordada na escola
onde trabalhava. Sua fala aponta não só a superficialidade com que a história
e a cultura dos mais de trezentos povos indígenas existentes no país são
reduzidas no cotidiano escolar, mas também a forma limitada e pontual com
que são abordadas: geralmente a temática indígena não ultrapassa a segunda
semana do mês de abril dentro do projeto pedagógico escolar (2016, p.899)
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Disponível em: http://www.dicionarioinformal.com.br/sinonimos/%C3%ADndio/ Acesso em setembro de
2017.
o homem branco e europeu, como grau máximo. Tais representações projetam a subalternidade
nos processos identitários dos povos originários da América como incapazes de produzir sua
própria história. As estruturas de poder coloniais, fundadas a partir da modernidade, com bases
na racionalidade europeia “[...] produziram as discriminações sociais que posteriormente foram
codificadas como ‘raciais’, ‘étnicas’, ‘antropológicas’, ou ‘nacionais’, segundo os momentos,
os agentes e as populações implicadas” (QUIJANO, 1992, p.12). Estudos e análises das
representações dos povos indígenas nos livros didáticos, amplamente encontrados em canais de
busca de trabalhos científicos, têm ajudado a ilustrar a situação e evidenciado o enquadramento
que subalterniza. Uma das principais características é a abordagem do outro como exótico,
através do relato europeu, observando o indígena de um ponto de vista pretensamente superior.
Outra característica é fixar as populações nativas como pertencentes ao passado. As
representações que os livros didáticos fazem sobre as populações ameríndias, como fixas ao
passado, não produtoras de história, repercute nos processos de identidade dos indivíduos
indígenas e não indígenas. No caso dos estudantes não indígenas, é alimentado o sentimento de
hegemonia que a sociedade branca, europeia, cristã e normativa exerce sobre as demais matrizes
étnicas, além de fortalecer os mecanismos ligados à ação hegemônica da cultura européia, o
etnocentrismo, principal fator criador das distinções raciais, étnicas e religiosas. No caso dos
estudantes indígenas, tais diferenciações geram sentimentos de não pertencimento, exclusão e
baixa estima. A homogeneização das etnias indígenas, iniciada com a chegada dos europeus, é
recorrente até os dias atuais, mesmo nos cursos de graduação, onde todas as culturas, línguas e
povos se vêem reduzidas à categoria colonial “índio”.
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BRASIL, 2016, p.361
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BRASIL, 2016, p.363
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BRASIL, 2016, p.365
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BRASIL, 2016, p.371
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BRASIL, 2016, p.373
reduzidas e são tuteladas pelo Estado. A Habilidade número onze é portanto uma boa
oportunidade de decolonialidade. (EF08HI11 )40 “[...] tutela dos grupos indígenas e a
participação dos negros na sociedade brasileira do final do período colonial, identificando
permanências na forma de preconceitos e estereótipos.” Dentro de outra Unidade Temática “O
Brasil no século XIX” encontra-se o eixo “Políticas de extermínio do indígena durante o
Império” que é “objeto de conhecimento” assim como “O discurso civilizatório nas Américas
e a questão indígena” provavelmente com o intuito de atingir a décima oitava habilidade do
oitavo ano (EF08HI18) “Identificar e analisar as políticas oficiais com relação ao indígena
durante o Império”, (EF08HI24) 41 “Identificar as tensões e os significados dos discursos
civilizatórios e discutir seus impactos entre as sociedades indígenas nas Américas”. Os
discursos civilizatórios são justamente estes ligados à categorial colonial que legam às
sociedades ameríndias, local subalterno, desde os modos de fazer, pensar, organizar-se e
expressar-se.
Finalmente no Nono Ano do Ensino Fundamental, dentro da Unidade Temática “O
nascimento da República no Brasil e os processos históricos até a metade do século XX” está o
objeto de conhecimento: “A questão indígena durante a República (até 1964)”. Atendendo a
sexta Habilidade do nono ano “(EF09HI06)42 “Identificar e explicar, em meio a lógicas de
inclusão e exclusão, as pautas dos povos indígenas, no contexto republicano (até 1964), e das
populações afrodescendentes”. Ainda no nono ano, porém na Unidade Temática
“Modernização, ditadura civil-militar e redemocratização: o Brasil após 1946” podemos
encontrar como Objeto de Conhecimento “O processo de redemocratização, a Constituição de
1988 e a emancipação das cidadanias (analfabetos, indígenas, jovens etc.)”. Chamando atenção
para a vigésima habilidade do nono ano: (EF09HI20) “Identificar e relacionar as demandas
indígenas como forma de contestação ao modelo desenvolvimentista da ditadura”.
Conclusões
Como opção para práticas que provoquem um deslocamento na situação hegemônica
dos códigos europeus, decolonialidade, fica como sugestão a rápida adoção do conjunto de
saberes propostos pela nova versão da Base Nacional Curricular Comum. A BNCC reconhece
que o conhecimento histórico, apesar de ser localizado no passado, preserva-se e transmite-se
no presente contemporâneo. O historiador tem a função de possibilitar um caminho para
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BRASIL, 2016, p.376
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BRASIL, 2016, p.377
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BRASIL, 2016, p.379
"identificar, analisar e compreender os significados de diferentes objetos, lugares,
circunstâncias, temporalidades, movimentos de pessoas, coisas e saberes" (BRASIL, 2016,
p.347). A BNCC fomenta ainda que o professor de história faça relações entre o passado e
presente considerando o papel da fonte primária como de importância retórica, pois é o
historiador que produz o discurso histórico, surgindo mais espaço à oralidade ameríndia e
afroreferencial. No texto dedicado à disciplina de “História e suas diretrizes para o ensino
fundamental”, retoma o exercício da frente de ação "Eu, o Outro e do Nós", iniciado lá na
educação infantil, como articulador da compreensão histórica, o que abre espaço para a ação
autônoma do professor. Portanto, fica a provocação de que são insustentáveis as desculpas
como falta de tempo e escassez de fontes.
Por fim, o ensino de história decolonial parte para o mundo, sempre em movimento e
transformação onde não há espaço para preconceitos e enquadramento de um índio pelado, fixo
nas idealizações de um passado indígena. Transversalmente muitas convenção dessas variáveis
– do Eu, do Outro e do Nós –, que sendo trabalhadas desde os seis meses iniciais de
escolarização, inseridas em tempos e espaços específicos, indivíduos produzem saberes que os
tornam mais aptos para enfrentar situações marcadas pelo conflito ou pela conciliação étnico
racial.
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