comunicar ao homem, penetrando em nosso íntimo e acolhida por nós na fé, constitui um potencial energético novo de vida extremamente elevado, profundo e condensado. É a energia da ressurreição de Cristo, forma superior da vida nova, que nos envolve e em nós se enraíza. Esse potencial é tanto maior se lembrarmos de que ele se insere organicamente no conjunto da vida que o homem tem por criação e que cada um recebe por natureza na geração biológica. Tudo isso, sendo vida, tende a se desenvolver em atividades concretas múltiplas, que colocam o homem concreto, o homem como um todo, em contato com as realidades objetivas concretas que o envolvem, contato com o todo através de um enfoque particular. Esse movimento atinge também a esfera da consciência, pequena porção do ser humano, mas fundamental pela sua tarefa de tomar a direção do movimento de crescimento, de conduzir o homem ao objetivo de sua existência. O conjunto desses fatores (energia, ato, contato, consciência) constitui o que denominamos vulgarmente de “experiência”, mas que na Bíblia é chamado simplesmente de “conhecimento” – João 17:3: — “a vida eterna é que conheçam a ti, Pai, e aquele que enviaste”. Só conseguimos experimentar uma pequena porção da vida que vivemos de fato. Todavia, essa experiência cristã é o ponto de partida, a plataforma de lançamento, da Teologia como ciência. E é para suprir a incapacidade da experiência de abranger o todo, que se exercita a atividade teológica. É grande a desproporção entre a inesgotável riqueza do mistério divino e de sua comunicação e a nossa capacidade de elaborar para que tudo sejam vida e salvação efetiva. A experiência cristã ligada ao compromisso ativo de transformar as estruturas da sociedade é o que chamamos de práxis. Trata-se, ao
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www.santoevangelho.com.br mesmo tempo, de um tipo especial de experiência cristã e de uma forma mais completa. Tanto a experiência como a práxis compreendem uma prática, qual expressão ativa de atitudes concretas de vida, como uma mística, ou seja, a motivação interior complexa e bem enraizada na pessoa. Portanto, a Teologia nasce, por um lado, em virtude da riqueza da revelação que excede o que a experiência pode alcançar, e, por outro, lado, dessa mesma precariedade da experiência. De fato, a experiência e a práxis, sobretudo se não desenvolvida e não qualificada, é:
Vaga, indefinida, tendente a desvanecer com o tempo.
Incompleta e parcial: ela é só minha, em si mesma
incomunicável; é só uma pequena parte da vida que está em mim e no mundo; é só do meu tempo, lugar e cultura, não abrangendo a Igreja inteira, pois, embora todos os cristãos, e para muitos aspectos todos os homens, possuem a mesma vida, cada um experimenta ou experiência só uma parcela.
Condicionada pela constituição e pelo histórico da
pessoa, segundo idades, grau de instrução, estado de saúde física e mental, etc.
Sujeita a falsificações, a pseudo-experiências, a
confusões entre os vários tipos de fenômenos psicológicos, como emoções, sentimentos, preconceitos, ilusões, neuroses, veleidades, que deturpam ou bloqueiam a afirmação de experiências autênticas.
Sujeita a contradições e antinomias, gerando
perplexidades e unilateralismos: humildade ou confiança em si mesmo? – abnegação e renúncia ou desenvolvimento dos dons naturais? – tradição ou
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www.santoevangelho.com.br criatividade? – obediência ao carisma pessoal ou à autoridade? Essas tensões devem estimular a procura de sínteses sempre mais ricas, sem cair na mediocridade, pegando um apouco de cada lado, e sem optar só por um lado, passando em seguida para o outro extremo.
Essas e outras deficiências da experiência e da práxis são
supridas de muitas maneiras: pela comunhão eclesial, pelo exercício do Magistério, pela oração e iluminação divina, pela graça do Espírito Santo, pela experiência mística, etc. De uma maneira mais geral, observamos que o homem desenvolveu o processo discursivo da reflexão racional, através da introspecção, da observação da natureza e do diálogo de confronto com outras experiências de outras épocas, lugares e pessoas. A vida cristã-espiritual assume, pois, não só a função da consciência, mas se estende à racionalidade, à reflexão sobre si mesma. O conhecimento concreto e vital da experiência toma assim a direção do conhecimento racional abstrato. Esse conhecimento não está sujeito aos particularismos da experiência, mas ele não é nem o objetivo nem o conteúdo da vida espiritual. Ele supre as deficiências do conhecimento experiencial, mas não pode se substituir a ele e nem tomar a dianteira da vida. Esta última hipótese não é nada infrequente: daí surge às teorias que sacrificam a vida e a ela se impõem ou dela se afastam. A reflexão racional faz parte, portanto, da vida, dela mesma surge como necessidade de levar a vida adiante. Facilmente aparecem tensões, para as quais a pior solução é o desligamento e o desinteresse entre a reflexão e a experiência da vida. O homem exerce o processo reflexivo de muitas maneiras e em graus diferentes de intensidade e de aplicação. Essa reflexão é necessária para todos em alguma de suas formas, mas não obrigatoriamente na forma que denominamos propriamente de Teologia ou reflexão teológica. As muitas formas de
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www.santoevangelho.com.br reflexão recebem vários nomes, por exemplo, meditação, exame de consciência, avaliação, autoanálise, doutrina, espiritualidade (no sentido de má reflexão sobre um modo especial de viver a vida cristã). Há propriamente reflexão teológica quando há um esforço programado para conseguir apresentar as seguintes características:
1 – Abrangência: — estudar toda a vida cristã em todas as
suas manifestações. 2 – Metodicidade: — estabelecer a ordem do que vai ser pesquisado ou exposto e os recursos para apurar os fatos e propostas. 3 – Organicidade: — perceber e avaliar as relações entre os vários componentes. 4 – Sistematicidade: — perceber e respeitar a hierarquia, a ordem interna dos dados. 5 – Objetividade: — distinguir o que é fato e o que é interpretação. 6 – Criticidade: — estabelecer o grau e o tipo de pertinência de um dado e examinar o rigor da aplicação do método. 7 – Comunicabilidade: — um método e uma linguagem compreensível comum a todos. 8 – Verificabilidade: — possibilidade de controlar e confrontar as conclusões.
A Teologia tende para tudo isso, sem, contudo, atingi-lo
totalmente. Trata-se, portanto, de uma reflexão científica, de uma ciência teológica, que expõe de maneira sistemática uma realidade objetiva baseada num método rigoroso apropriado para o objeto de estudo. Embora necessária, essa forma de conhecimento não é a mais perfeita. O ideal é o que a tradição cristã denominou sabedoria, uma síntese entre a reflexão e a experiência, entre a racionalidade e a intuição, entre o intelecto e o sentimento, síntese vital que proporciona uma visão do
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www.santoevangelho.com.br todo da vida cristã e ao mesmo tempo uma capacidade para entender, apreciar e interpretar cada pormenor (1 Coríntios 2:6 – 16). Segundo FLICK-ALSZEGHY (Como fazer Teologia, p. 123 – 125), a cultura científica analítica comprometeu a visão primitiva que via o mundo como uma unidade viva. A síntese teológica tenta redescobrir a unidade estrutural do todo na multiplicidade, identificando os componentes interdependentes do conjunto ordenado. A Teologia leva adiante o que Maria começou, quando meditava as atitudes de Jesus, comparando uma coisa com outra (Lucas 2:19, 51), desenvolve uma reflexão incessante sobre o que causou a admiração dos pastores (Lucas 2:18) e dos pais de Jesus (Lucas 2:33) e sobre o que provocou o entusiasmo de Simeão (Lucas 2:25 – 29), é um querer chegar mais perto, para ver o que aconteceu e o que o Senhor deu a conhecer (Lucas 2:15).