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TEOLOGIA REFORMADA

A Teologia Reformada pode ser honesta e


conscienciosamente resumida como a “Teologia dos
Cinco Pontos”?! Bem, esses pontos são fundamentais
para a correta ênfase da Soberania de Deus e sua
aplicação na salvação de Seu povo. Contudo, esses
marcos são apenas o princípio, não todo o Calvinismo.
Portanto, nem cinco nem cinquenta!

Em Mileto, Paulo quando se despede dos presbíteros de


Éfeso, diz que durante o seu ministério de três anos entre
eles, jamais deixou de “anunciar todo o desígnio de
Deus” (Atos 20:27). O Evangelho não consiste no anúncio
de “algumas partes” da Bíblia, mas sim de todo o
“Conselho” de Deus revelado nas Escrituras. (cf. Gálatas
1:8, 9, 11). O conteúdo da mensagem cristã deve ser nada
mais, nada menos do que toda a vontade revelada de Deus
(cf. Deuteronômio 29:29). O calvinismo declara Packer, é
uma maneira teocêntrica de pensar acerca da vida, sob a
direção e controle da própria Palavra de Deus. A Teologia
Reformada envolve uma nova cosmovisão, que, partindo
da Palavra, afeta obviamente todas as áreas de nossa
existência, não havendo compartimentos estanques do ser
e do saber onde a perspectiva teocêntrica não se faça
presente de forma determinante em nossa epistemologia
doutrinária e existencial. O Calvinismo, com sua ênfase na
centralidade das Escrituras, é mais do que um sistema
teológico, é, sobretudo, uma maneira teocêntrica de ver,
interpretar e atuar na história. O estudioso inglês Tawney
(1880 – 1962), observa que “o Calvinismo foi uma força
ativa e radical. Era um credo que buscava não
meramente purificar o indivíduo, mas reconstruir a
Igreja e o Estado, e renovar a sociedade permeando
todos os setores da vida, tanto públicos como
privados, com a influência da religião”.

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O Cristianismo – conforme entende o Reformado – não é
uma forma de acomodação na cultura, antes de formação e
de transformação através de uma mudança de perspectiva
da realidade, que redundará necessariamente numa
mudança nos cânones de comportamento, alterando
sensivelmente a sua agenda e praxes. Assim sendo, a
nossa fé tem compromissos existenciais inevitáveis. Ser
Reformado não é apenas um status nominal vazio de
sentido, antes reflete a nossa fé em atos de formação e
transformação.

Abraham Kuyper (1837 – 1920) interpretando o


pensamento reformado, diz:

Calvino abomina a religião limitada ao gabinete, à cela ou à


igreja. Com o salmista, ele invoca o céu e a terra, invoca
todas as pessoas e nações a dar glória a Deus. Deus está
presente em toda vida com a influência de seu poder
onipresente e Todo–Poderoso e nenhuma esfera da vida
humana é concebida na qual a religião não sustente suas
exigências para que Deus seja louvado, para que as
ordenanças de Deus sejam observadas, e que todo labora
seja impregnado com sua ora em fervente e contínua
oração. Todavia, neste estado de existência, nenhuma
cultura é ou será perfeita; haverá sempre, em maior ou
menor grau o estigma do pecado. O calvinismo consiste
numa busca constante de fidelidade a Deus; a
transformação cultural é apenas um resultado daqueles
que têm os olhos firmados na Palavra, um coração
prazerosamente submisso a Deus e um comprometimento
existencial no mundo, no qual vive e atua para a glória de
Deus. Tawney interpreta corretamente: — “Para o
Calvinista, o mundo está ordenado para manifestar a
majestade de Deus, e o dever do cristão é viver para tal
fim”. Com estes princípios o Calvinismo influenciou as

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artes, a política, a ciência, a economia, a literatura e outros
diversos setores da cultura. Para Calvino, a pergunta
condenatória de Tertuliano (c.160c. 220 AD) à Filosofia não
fazia sentido, o Cristianismo é uma cosmovisão que parte
das Escrituras para o exame de todas as facetas da
realidade. “Para Calvino, nenhum tipo de ensino que
levasse os homens a deixarem de se preocupar com
qualquer coisa que afetasse de maneira profunda a
vida humana, até mesmo em suas preocupações
puramente humanas, poderia de forma alguma ser
cristão”.

A Palavra de Deus oferece-nos o escopo de nosso pensar


e agir. Através dela poderemos ter uma real visão de Deus,
de nós mesmos e do mundo. Portanto, uma cosmovisão
Reformada é uma visão que se esforça por interpretar a
chamada realidade pela ótica das Escrituras. Sem as
Escrituras permanecemos míopes para distinguir as
particularidades do real, tendo uma epistemologia
desfocalizada. Calvino usa de uma figura que continua
atual: — “Exatamente como se dá com pessoas idosas,
ou enfermas de olhos, e quantos quer que sofram de
visão embaçada, se puseres diante deles até mui
vistoso volume, ainda que reconheçam ser algo
escrito, mal poderão, contudo, ajuntar duas palavras;
ajudadas, porém, pela interposição de lentes,
começarão a ler de forma mais distinta. Assim a
Escritura, coletando-nos na mente conhecimento de
Deus de outra sorte confuso, dissipada a escuridão,
mostra-nos em diáfana clareza o Deus verdadeiro”. O
calvinismo fornece-nos óculos cujas lentes têm o senso da
soberania de Deus como perspectiva indispensável e
necessária para ver, interpretar e atuar na realidade,
fortalecendo, modificando ou transformando-a, conforme a
necessidade. Isso tudo, num esforço constante de atender
ao chamado de Deus a viver dignamente o Evangelho no

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mundo. Schaff comenta que “O senso da soberania de
Deus fortaleceu os seus seguidores contra a tirania de
senhores temporais, e os fez os campeões e
promotores de liberdade civil e política na França,
Holanda, Inglaterra, e Escócia”.

No entanto, mesmo com toda essa influência, o calvinismo


não moldou a cultura ocidental somente através das idéias,
mas principalmente através de seus ideais que fizeram com
que homens fiéis morressem pelo testemunho de sua fé.
“Os protestantes franceses, conta-nos Leith, ao serem
levados para a prisão ou para a fogueira, cantavam
salmos com tanta veemência que foi proibido por lei
cantar salmos e aqueles que persistiam tinham sua
língua cortada. O Salmo 68 era a Marselhesa huguenote
(Hino)”.

Como nos adverte Kuyper, “(a) vida que o Calvinismo


tem pleiteado e tem selado, não com lápis e pincel no
estúdio, mas com seu melhor sangue na estaca e no
campo de batalha”. A força prática da Teologia
Reformada não está simplesmente em seu vigor e
capacidade de influenciar intelectualmente os homens, mas
no que tem produzido na vida de milhões de pessoas,
conduzindo-as, em submissão ao Espírito, à fidelidade
bíblica e a uma ética que se paute pelas Escrituras. A
grande contribuição do Calvinismo não se restringe aos
manuais das mais variadas áreas do saber, mas, estende-
se à integralidade da vida dos discípulos de Cristo que
seguem esta perspectiva. Calvino, com sua vida e
ensinamentos, contribuiu para forjar um tipo novo de
homem: — “O reformado”, que vive no tempo, a plenitude
do seu tempo para a glória de Deus! Portanto, “O
verdadeiro discípulo de Calvino só tem um caminho a
seguir: — não obedecer ao próprio Calvino, mas àquele
que era o mestre de Calvino”. Portanto, podemos dizer

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que o Calvinismo prima não simplesmente pela
preocupação teológica – o que sem dúvida é fundamental –
mas, sim, pela obediência incondicional ao Deus da
Palavra. Assim, dentro desse princípio fundamental – que
recebe os Símbolos de Westminster como exposição fiel
das Sagradas Escrituras – podemos dizer que a nossa
identidade Reformada enfatiza, entre tantas outras coisas:

1 – O fundamento de nossa relação com Deus está no


Pacto da Graça através do qual Deus “livremente oferece
aos pecadores a vida e a salvação através de Jesus
Cristo [...]”. (Confissão de Westminster, Capítulo VII –
Parte 3).

2 – A salvação por Graça unicamente em Jesus Cristo; o


Deus encarnado: — Verdadeiro Deus e Verdadeiro
Homem.

3 – A suficiência do sacrifício de Cristo para salvar


completa e totalmente o povo de Deus.

4 – A fé como a boa obra do Espírito em nós que nos


capacita a responder positivamente ao chamado de Deus.

5 – A Palavra de Deus, e somente Ela é a autoridade final


de todo o nosso pensar, crer, agir e sentir.

6 – A Inerrância e infalibilidade das Escrituras como


princípios teóricos e práticos que norteiam a nossa
perspectiva da realidade em todas as suas dimensões: —
religiosa, social, política, econômica, ética, profissional,
familiar, etc. Portanto, uma ética comprometida com as
Escrituras.

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7 – O Culto a Deus como meta e razão de ser da Igreja,
que se manifeste em consonância com a Palavra, em santo
temor e sincera gratidão para com Deus.

8 – Um compromisso com o real a partir da fé em Cristo,


gerada em nós pelo Espírito.

9 – A aceitação incondicional da Majestade de Deus e do


Senhorio de Cristo em todas as coisas a começar de nossa
salvação definitiva.

10 – A compreensão de que a Igreja de Deus não é um


conjunto de pessoas individuais, mas, é o corpo de Cristo,
o povo constituído por Deus através do Seu Espírito, para
cultuá-lo, viver a Sua Palavra e proclamar a Sua salvação
em Cristo.

11 – O zelo pela pregação fiel da Palavra, administração


correta dos Sacramentos e o exercício fiel da disciplina.

12 – Oração sincera e submissa. Como vimos, de forma


figurada, Calvino diz que “o coração de Deus é um
‘Santo dos Santos’, inacessível a todos os homens”,
sendo o Espírito Quem nos conduz a Ele. Entendia que
“com a oração encontramos e desenterramos os
tesouros que se mostram e descobrem à nossa fé pelo
Evangelho” e, que “a oração é um dever compulsório
de todos os dias e de todos os momentos de nossa
vida”, e: — “Os crentes genuínos, quando confiam em
Deus, não se tornam por essa conta negligentes à
oração”. Portanto, este tesouro não pode ser
negligenciado como se “enterrado e oculto no solo!”.
“Agora, quanto é necessário, e de quantas maneiras o
exercício da oração é útil para nós, não se pode
explicar satisfatoriamente com palavras”. Aqui está o
segredo da Palavra de Deus, segundo a percepção de

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Calvino: — Estudo humilde e oração, atitudes que se
revelam em nossa obediência a Cristo. Schaff resume: —
“Absoluta obediência de seu intelecto à Palavra de
Deus, e obediência de sua vontade a vontade de Deus:
— esta foi à alma de sua religião”. “A oração tem
primazia na adoração e no serviço a Deus” – Calvino.
Daí o seu conselho: — “A não ser que estabeleçamos
horas definidas para a oração, facilmente
negligenciaremos a prática”. No entanto, devemos ter
sempre presente o fato, que é o Espírito “Quem deve
prescrever a forma de nossas orações”.

13 – A Glória de Deus como alvo supremo de toda as


coisas. (1 Coríntios 10:31). “Não busquemos nossos
próprios interesses, mas antes aquilo que compraz ao
Senhor e contribui para promover sua glória”.

Encerro essas anotações, com as palavras do Rev. José


Manoel da Conceição (1822 – 1873), o primeiro grande
reformador nacional: — Não há reforma possível que não
comece por reafirmar: — Primeiro que Cristo crucificado
uma só vez no Calvário é a única e suficiente expiação pelo
pecado, e já não há mais oferenda pelo pecador; segundo,
que os méritos de Cristo estão ao alcance de toda a alma
contrita e crente; terceiro que a essência de uma vida cristã
está na reabilitação do homem interior, e não há força
capaz de efetuar tal transformação exceto o Espírito de
Deus, com quem estamos em contato imediato.

Paz e graça.
Pr. Me. Plínio Sousa.
Fonte: Universidade Presbiteriana Mackenzie.

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