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Judeu
Juízes e guardas designarás para ti, em cada uma de tuas tribos, em todas as tuas
cidades que o Eterno, teu Deus, te der, para que julguem o povo com reto juízo.
(Deuteronômio, 16:18).
Edição 45 - Junho de 2004
Quando D'us outorgou a Torá ao povo judeu, no Sinai, Ele ordenou-lhes constituir um
sistema de tribunais para preservar a justiça e executá-la segundo as leis que Ele
transmitira a Moisés. Essas cortes jurídicas deveriam ter autoridade abrangente,
abarcando todas as facetas da legislação judaica, quer fossem de teor civil, criminal ou
religioso. Era sua missão manter e ensinar o judaísmo e, sempre que necessário, julgar os
atos do homem perante D'us e sobretudo perante seu semelhante. A dicotomia existente
entre a legislação civil e a religiosa na maioria dos países e sociedades, inexiste na Torá.
Toda e qualquer matéria sobre a Lei Judaica é regida pelos mandamentos Divinos,
encontrados em detalhe na Torá Escrita ou esmiuçados, em todas as suas interpretações,
pela Torá Oral. Essas leis foram ministradas por D'us a Moisés ao pé do Sinai e
posteriormente transmitidas - sem interrupção - pelos sábios, de geração em geração.
Até os dias de hoje, um judeu que se tenha envolvido em uma disputa com um
correligionário, é obrigado, de acordo com a lei da Torá, a levar essa pendência a um
tribunal judaico - um Beit Din, literalmente, "uma casa da legislação". É vedado a um judeu
encaminhar sua reivindicação a um tribunal secular ou não judeu, a não ser que, tendo
primeiramente apresentado seu caso a um tribunal judeu, a parte oponente a isto se
recuse. Maimônides escreveu que aquele que desafia esse preceito judaico e tramita sua
queixa em uma corte de justiça laica ou secular, é considerado como tendo blasfemado e
atacado a Torá, pois, ao assim agir, deu provas de desdenhar as Leis promulgadas por
Ele. Desnecessário mencionar, mas é proibido um judeu delatar outro judeu às
autoridades para ser julgado por uma corte não-judaica.
Um Beit Din consiste de um grupo de juízes que ouvem os casos e proferem a sua
sentença. Na lei judaica, não há a figura do júri; são os próprios juízes que interrogam as
testemunhas, analisam as evidências e questões relativas ao caso, para então aplicar o
veredicto e proferir a sentença. Quando há desacordo entre os juízes, prevalece a maioria
simples. No entanto, em épocas ancestrais, quando as cortes judaicas julgavam um caso
capital, era necessária uma maioria de no mínimo dois juízes para sentenciar que o réu
era culpado.
Os sábios do Sanhedrin
Para que um judeu fosse qualificado a servir no Sinédrio, tinha que possuir grande
sabedoria, conhecimento e sagacidade. Acima de tudo, tinha que ter notável domínio das
questões da Torá, bem como vasto conhecimento de outras disciplinas que poderiam ter
relevância no julgamento de uma ação. Os juízes que o compunham deviam, também, ser
fluentes em vários idiomas para que pudessem julgar um réu ou examinar testemunhas
que falassem uma língua estrangeira.
Deviam, também, esses magistrados, ter conhecimentos sobre outras religiões, bem como
sobre práticas da idolatria e do ocultismo, de modo a poder ajuizar e pronunciar veredictos
em casos que versassem sobre tais temas. Por essa razão, mesmo as matérias cujo
estudo era vedado ou não recomendado aos judeus, eram conhecidas a fundo pelos juízes
do Sanhedrin, pois que poderiam ser requisitadas durante um julgado.
Todos os juízes, mesmo os que integravam a instância inferior dos tribunais, possuíam
atributos e qualidades pessoais irrepreensíveis. Seu caráter tinha que ser exemplar e sua
integridade, impecável. Como o disse Maimônides, tinham que ser homens sábios,
humildes, tementes a D'us, incorruptivelmente honestos, amantes da verdade; tinham que
possuir boa disposição no trato com seus semelhantes e a reputação ilibada.
E para que o tribunal do Sanhedrin impusesse o maior respeito possível ao povo, seus
magistrados deviam ainda ser indivíduos maduros e de boa aparência. Portanto, dava-se
preferência a que tivessem quarenta anos, no mínimo, exceção feita a alguém que tivesse
sabedoria e conhecimentos incomparáveis. Para a autoridade máxima do Sanhedrin dava-
se preferência a alguém que tivesse entrado na casa dos cinqüenta. Em hipótese alguma
uma pessoa com menos de dezoito anos era indicada para compor a Corte Suprema do
judaísmo.
Tampouco tinha assento nessa assembléia o homem estéril ou sem filhos - pois que
conforme explicavam os Sábios, o homem se torna mais misericordioso depois de ser pai.
Considerava-se inválida, portanto, a composição de um Sanhedrin se um de seus
membros se enquadrasse nesta condição. A pessoa que tivesse sido culpada de roubo ou
de qualquer transgressão que envolvesse ganho pecuniário era considerada inapta para a
nobre função.
Obviamente, não podia ter assento em um julgamento o juiz que tivesse algum parentesco
com o indiciado, litigantes ou uma das testemunhas.
Para compor um Sanhedrin, o magistrado tinha que ser ordenado com uma Semichá. No
entanto, esta não deve ser confundida com a ordenação que é pronunciada, hoje, na
formatura de um rabino). Essa Semichá também era um pré-requisito para os juízes do
Sanhedrin Inferior, mesmo que se tratasse apenas de um tribunal de três membros para
julgar algo tão trivial como uma multa. A instituição da Semichá era uma forma singular de
ordenação que remontava à época de Moisés, que recebera a sua de D'us. Era transmitida
de mestre a discípulo, em uma corrente inquebrantável, até ter caducada a sua vigência,
no final do século IV da era comum. A cerimônia de outorga da Semichá somente podia
ser realizada na Terra de Israel. Quando a perseguição das autoridades romanas aos
judeus fez com que a maioria da população fosse exilada da Terra, foi interrompida a
significativa ordenação da Semichá.
No ano de 28 E.C., quando os romanos dominavam a Terra de Israel, o Sanhedrin foi
destituído de grande parte de seu poder. Sua assembléia deixou de se reunir na Câmara
da Pedra Talhada, transferindo-se para outro cômodo do Monte do Templo, em nítida
indicação de que tinha sido forçada a abdicar de sua autoridade de julgar casos capitais.
Posteriormente, deixou por completo o recinto do Templo, transferindo-se para Jerusalém.
Quando a mais sagrada das cidades foi destruída pelas legiões romanas, em 70 da era
comum, o Sanhedrin foi para Yavne. Durante o século seguinte, sua sede alternou-se
entre Yavne e Usha. De lá, transferiu-se para Shafaram, Beth Shearim, Séforis e
Tiberíades. Continuou a funcionar em Tiberíades até pouco antes de ser completada a
compilação do Talmud.
Durante as perseguições de Constantino, entre 337-361 E.C., o Sanhedrin foi forçado a
passar à clandestinidade e acabou por ser dissolvido.
A autoridade do Sanhedrin
Ordena a Torá que todo o povo judeu obedeça o que determinam as decisões judiciais do
Sanhedrin e suas sentenças. É proibido contestar ou mesmo ignorar sua autoridade, pois
que D'us ordenou em sua Torá: "Conforme o mandado da lei que te ensinarem e conforme
o juízo que te disserem, farás; da sentença que te anunciarem não te desviarás, nem para
a direita nem para a esquerda" (Deuteronômio, 17:11). As determinações do Sanhedrin
tinham que ser aceitas ainda que parecessem ilógicas ou erradas. No entanto, esta corte
não tinha o poder de promulgar um decreto - jamais o tendo feito - que abolisse um
mandamento da Torá nem de proibir algo que a Torá expressamente permitia. Mas, por
outro lado,tinha o poder de promulgar uma legislação consoante com as necessidades da
época. Qualquer lei decretada pelo Sanhedrin é chamada de Mandamento Rabínico. E
quem, porventura, desrespeitasse um mandamento rabínico estaria transgredindo a
própria Torá.
Os juízes, apesar de humanos e falíveis, eram guiados pelo espírito de D'us, que os
ajudava a perseguir a verdade e a justiça. Com efeito, a Torá e o Talmud referem-se,
ocasionalmente, aos magistrados do Sanhedrin como Elo-im, que é um dos Nomes que a
Torá utiliza para se referir a D'us, Todo Poderoso! Por definição, suas sentenças
representam a Vontade Divina. Era, portanto, algo extremamente sério contestar a
autoridade do Sanhedrin.
Em determinados casos, quem o fizesse poderia ser condenado à morte, pois está escrito:
"Se um homem, pois, agir com soberba e não der ouvidos ao... juiz, tal homem morrerá; e
assim eliminarás o mal de Israel" (Deuteronômio, 17:12). Era a autoridade desse tribunal
supremo o que garantia a preservação da Torá e que fazia ser único e unificado o
judaísmo, não estando sujeito aos caprichos e interpretações de quem quer que fosse.
Os Sábios que o compunham eram os líderes - as mentes mais elevadas, os homens mais
santos de Israel. Até em nossos dias, quando não mais existe a grande assembléia do
Sanhedrin, menosprezá-lo é mostrar total desrespeito ao povo judeu, à Torá e mesmo a
D'us.
Como vimos acima, tratava-se de uma Corte Suprema humanitária e justa, que funcionava
sob os auspícios do Juiz Celestial. E, assim sendo, fazia tudo a seu alcance para evitar
sentenciar pessoas à morte é uma inverdade histórica. O libelo de sangue que,
infelizmente ainda perdura, de que o Sanhedrin teria julgado Jesus, um judeu, no ano de
33 de nossa era, sentenciando-o à morte e, a seguir, entregando-o aos romanos para que
o executassem. Como vimos acima, o Sanhedrin deixou de examinar casos capitais no
ano de 28 E.C., quando se retirou da Câmara de Pedra Talhada. E o que é ainda mais
grave em tal acusação infundada é o absurdo teológico que encerra. É um despropósito e
uma ironia sugerir que os maiores mestres nas questões da Torá teriam violado
grosseiramente a Sua Lei, que proíbe, de forma inarredável, a um judeu entregar outro
judeu para ser julgado por autoridades não judias - muito menos se este ato redundasse
em sua execução. É mister, também, que fique muito claro que o Sanhedrin, de acordo
com a sagrada Torá, não podia julgar casos capitais - como nunca o fez - na véspera de
Shabat, de Pessach nem de qualquer de suas datas sagradas, pois é contra a lei judaica
executar quem quer que seja nos Dias Santificados.
Quando o Sanhedrin era forçado a condenar um judeu à morte, ainda que pelo mais
hediondo dos crimes ou pecados, essa assembléia de homens sábios empenhava-se ao
máximo para preservar a dignidade do indiciado e minimizar sua dor física. No dia da
execução do culpado, todos os juízes jejuavam, em sinal de luto pelo réu judeu - um de
seus irmãos - que eles próprios haviam condenado à morte. Os magistrados que
compunham o Sanhedrin tinham consciência de sua terrível responsabilidade: a de se
tornarem parceiros Divinos ao ser o braço da justiça no mundo que Ele criou. Ao tentar
emular o Juiz de toda a Terra, eles temperavam a justiça com misericórdia, decretando a
pena capital muito raramente, apenas quando de fato não lhes restava alternativa.
A restauração do Sanhedrin
Referindo-se ao Sanhedrin, a Torá afirma:.. "deverás... subir ao local...," indicando que o
lugar escolhido para acolher a Suprema Corte era um dos mais elevados na Terra de
Israel. Ao tentar determinar o lugar escolhido por D'us para a construção do Templo
Sagrado, o Rei David e o Profeta Samuel guiaram-se por esse versículo. O fato de o local
escolhido ter sido determinado por um verso da Torá que, por sua vez, se refere à
localização do Sanhedrin, nos revela que a razão primária para a existência do Templo
Sagrado era a de sediar a magna instituição. Com efeito, uma das principais funções do
Templo era a educativa - "... para que aprendas a temer o Eterno, teu D'us, todos os dias
de tua vida" ((Deuteronômio, 14:23). A principal fonte de instrução era o Sanhedrin, cujos
magistrados ensinavam a Torá a todo o povo de Israel. E a Lei de Moisés era preservada
pelo Sinédrio, que, desta maneira, evitava sua interpretação errônea e aplicação indevida,
pois isso daria motivo a fricção e dissidência no seio do povo judeu. Pois que nos ordena a
Torá: "Uma mesma Lei, um mesmo estatuto (Torá) haverá para vós..." (Números, 15:16).
Hoje, quase dois mil anos depois de destruído o Templo, o Sanhedrin continua a
desempenhar um papel dominante na vida do povo judeu. Foi essa corte moldou o
judaísmo.
Uma tradição diz que a restauração do Sanhedrin precederá a chegada do Messias. Pois
que este será Rei de Israel e, portanto, precisa ser confirmado por uma ordenação direta
do Sanhedrin. Eis que D'us disse a Seu profeta: "Restituir-te-ei os teus juízes, como eram
antigamente, os teus conselheiros, como no princípio; depois te chamarão Cidade da
Justiça, Cidade da Fé. Sion será redimida pelo direito; e os que se arrependem, pela
justiça" (Isaías, 1:26-27). Por outro lado, um ensinamento nos diz que o Sanhedrin será
restaurado após uma parcial reunião dos exilados judeus, antes que seja reconstruída e
restaurada Jerusalém; e que o Profeta Eliahu se apresentará perante esta Corte Suprema
dos judeus, ao anunciar a chegada do Messias. Por isso, na Amidá, a oração recitada três
vezes ao dia, rogamos a D'us que "restitua nossos juízes, como no passado, e nossos
conselheiros, como outrora". Por trás desse rogo sente-se a nostalgia judaica que clama
pela reconstrução do Templo Sagrado de Jerusalém, para que todos os judeus voltem a se
reunir na Terra de Israel e D´us contemple a humanidade com uma era de prosperidade e
paz absoluta.