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r. TNTRODUçÃO
rr. o QUADRO HISTÖRICO 1905-1927
ü.OS CONGRESSOS SOLVAY DE 1927 E 1930
IV.ELEMENTOS DE REALIDADE VERSUS FENÔMENO QUÂNTTCO (1935)
v. CoNSIDERAçÕES PÔS-193s E CONCLUSÕES
Sinto que a última palavra ainda não foi dita sobre a relação entre
ondas e partfculas. Quando for dita, se¡ão dife¡entes as idéias das
I
pessoas sobre complementaridade. (Di¡ac) .
I. INTRODUçÃO
* Este attigo é uma tentativa de organizar algumas idéias que discutimos em uma conferéncia
dada no segundo semestre de 1980 no Instituto de Flsica da USP, da qual uma versão mais
curta foi apresentada anteriormente no Seminário do Departamento de Filosofîa da UNICAMP.
Gostaríamos de agradecer ao P¡of. H. NussenzwelC (USP) e, em particular, ao Prof.
V. Buonomano (UNICAMP) (que forneceu as referências de vá¡ias publicações relevantes), por
discussões úteis relacionadas com os assuntos tratados aqui, embora quaisquer erros sejam
exclusivamente de nossa responsabilidade. Muitas deficiências no português deste texto
foram corrigidas gr&ç¿ts às leitu¡as de vá¡ios colegas e amigos. Estamos gratos a todos eles.
1 Cit"do por J. Mehra em Salam e Wigner 197 2, p.41.
Cadernos de História e Fílosofio do Ciência 2 (1981), pp' 51-89.
52 Hørvey R. Brown
5
otto ste¡n lemb¡¡-¡e de Ein¡tein dizendo "Tonho pensado c€m vezes mais sobre os pre
blemas quânticos do que sobre a teo¡ia da relatividade geral". citado em pais, op.ctt.,pþlo.
O Debate Eìnsten - Bohr sob¡e ø Mecânica Qu&ttica 53
6
Einstein 1909. Ver, neste sentido, Klein 1970, Nussenzweþ 1979, Whittaker 1973,
pp. l0l,102.
7 Como foi notado, tanto por Pais 1979 como pot Hendry 1980, essa conclusão de Einstein,
apesar da aceitação geral da raltdade emplrica da lei de Planck, produziu pouco impacto em
1909. Planck, como no caso da maioria dos ffsicos, não aceitava a hipótese do quantum de
luz. At¡ibuiu o temo "corpuscular", na expresâo cit¡d¿, a um fenômeno de ressonância
na matéria que acompanha a radiaçlo. A evidência emplrica em favor dos quanta de luz
ainda e¡a escæsa, embora rd¡ios flsicos trabalhando com raios-X tivessem, independentemente,
defìnido modelos corpusculares na Á¡ea, Por volta de 1912, Ieans, Ehrenfest e Poincaréjá
tinham mostrado que o eq)ectto discæto da energia de radiação é uma condição necesMria
para a validade da lel de Planck, mas essps res¡ltados nõo eram influentes, Como Hendry
op.cít, nola, a maio¡la dos ffslcos da época recusåya-se a abandonar a teoria clCssica da luz,
porque nlfo existia nenhuma altemativ¿ teórba coe¡ente, (Isso é consistente com a obserração
de Lakatos de que um '?¡ogruîs dc pequisa cientlfica" näo lica falsiflcado, no sentido de
rejeitado, até que zurja um programa rlval). Volta¡emos a este ponto quando discutimos as
idéias de Bohr.
54 Haney R. Brown
I Einstein 1920.
e É bem conhecido que Einstein era um mestre da mecânica estatfstica cldssica, tendo. indepen-
dentemente, derivado um número de resuitados fundamentais de Gil¡bs antes de 1905. Além
do mais, o racioclnio da mecânica estatfstica foi a base das descobe¡tas de Einstein em relação
ao fóton (ver Klein 1967, Pais 1979, p.888). Um artþo recente de Byme (Byrne 1980) trat¿
da ligaçífo entre esses primeiros t¡abalhos estatfsticos de Einstein e seu princlpio causal,
to Em Pais (op.cit.), encontra-se um excelente ¡es¡mo das contribuições de Einstein para a
teoria quântica.
ll Lanczoslg74
O Debate Einsten - Boh¡ sobre ø Mecllnica Qutlntico 55
Agora, concentraremos a nossa atenção sobre Niels Bolrr, que, por volta do fim
dos anos vinte, era o autor e porta-voz da nova ortodoxia na fìlosofìa natural associada
com a M.Q..
A intensidade da intuição de Bohr. era motivo de espanto e respeito p¡lra a
comunidade físicar s . Seu modelo de 1913 para o átomo de hidrogênio, e a explicação
das linhas espectrais, eram reconhecidos como uma mìstura miraculosa de intuição e
ousadiar6. Enquanto Einstein tinha quarrtizado a radiação, Bohr tinha introduzido a
quantização dentro da estrutura do dtomo de matéria. Mas, como a maioria dos ffsicos,
até os meados dos anos vinte Bohr rejeitava a hipóteæ do quanturn de luz.
O pensamento convencional parece sugerir que a maior mudança dentro do debate
Einstein-Bohr foi por parte de Einstein, por volta de 1930 (uma posição que
discutimos mais adiante). Seja como for, pode-se constatar que a reconsideração de
Bohr, nos anos vinte, no que diz respeito ao stutus da dualidade onda-partlcula,
representa uma ruptura de grandes conseqüências no debate.
A oposição inicial de Bohr ao quantum da luz baseava-se em três considerações
fundunentais. Em prirneiro lugar, havia o fato óbvio de que a teoria clássica da
radiação explica, de maneira brilhante, efeitos ópticos corriqueiros, tais como a
interferéncia. Como anatureza discreta da radiação poderia ser reconciliada com tais
efeitos? Ern segundo lugar, e de maior interesæ do ponto de vista conceitual, a idéia
de um qrtanturn de luz cuja energia é associada com uma freqüência característica
parecia, para Bohr, incongruente, até auto-contraditória, A referência a uma
freqü6ncia sugere a presença de um fenômeno ondulatório. como é possfvel que o
quantum seja partfcula e onda ao mesmo ternpo? 1? Finalmente, Bohr pensava que os
quanta de laz não podiam fornecer a base de urna "generalização racional" da
eletrodinâmica clássica. Portanto, eram contra o seu princípio heurfstico de
correspondéncia, que eta,paÍa ele, a única chave segura para a nova ffsicals.
Não obstante, a evidência empírica em favor do quantum dehtz, fornecida pelos
efeitos de fotoeletricidade e o de compton, era, é claro, patente para todo mundo.
l5 Isso não quer dizer, evidentemente, gue suas intuições er¿rm sempte sujeitas a aceitação univer-
sal. Boh¡ admitiu que sentia frequentemente solidâo como cientista, pot caus:r da falta de
compreens¿lo nas su¿s tentativas de descnvolver sistematicamente a teoria quântica (Rosenfeld
e Rädinger 196Q), Em 1925, Pauli disse que a teoria de Bohr, K¡ame¡s e Slate¡ (ver abaixo)
teria sido rrm impedimento para L ffsica, se fosse (contrafatualmente) confirmada empirica-
mente, especlalmente para os ffsicos cujo senso da ¡ealidade nâo era tão forte quanto o de
Bohr ! Ve¡ M.Klein t91O,p .36 .
t6
Ver, por exemplo, Einstein t949a.
t7
ver Bohr 1949, e o. Klein 1968, p. 77. o termo "fóton" foi somente int¡oduzido em 1926.
18
Para detalhes, ver M. Klein op. clt,,pp.24-25.
O Debate Einsten - Bohr sobre a Mectlnícø Qwânticø 57
Mas tal evidência tinha a ver com a interação radiação'matéria, e assim Bohr tentou
desesperadamente mostrar como o comportamento não'Clássico associado com a
interação æ baseava nos aspectos nlfo-clássicos da matéria, deixando a teoria clássica
da radiação essencialmente intacta. O preço a ser pago, como é bem sabido, era o
abandono do princlpio de conservagão de energia e quantidade de movimento
(e, em segundo plano, a introdução de um curioso campo virtual de radiação). Esse
passoradicalforneceuabasedateoriade lg24deBohr,KramerseSlaterre.Defato,
vários físicos, antes de 1924, tinham investigado a possibilidade de abandonar, nesse
sentido, o princfpio de conservação2o. Um deles, Einstein, havia rejeitado esse
caminho em 1912, e apres€ntou uma lista devastadora de objeções à teoria de Bohr
et al2t, antes mesmo da sua refutação empírica em 1925, pelas experiências de
Compton e Simon, e Bothe e Geiger'
Bohr foi, então, forçado a aceitar e a dar sentido ao dualismo aparentemente
impossfvel presente nos fenômenos de radiação. O mesmo aconteceu em relação à
matéria, despois que Schödinger, a partir do trabalho de de Brogfie'e Einstein,
desenvolveu a mecânica de ondas.
A solução do paradoxo onda-partícula era uma componente essencial dentro do
programa bohriano mais amplo de fornecer uma descrição "inequívoca" de fenômenos
atômicos22. Enquanto Heisenberg embarcava na busca de uma interpretação ffsica
satisfatória de certos elementos de signifìcado obscuro do novo formalismo, Bohr
tendia a considerar o formalismo, em si, Como um mero algoritmo. O que a1¡zla z
sua atenção era a possibilidade de especifìcar com precisão a lógica dos limites da
descrição física convencional para processos atômicos, de um modo consistente com
o seu princípio de que a física cldssica fornece å linguagem necessária para a descrição
dos resultados de qualquer ptocesso de medida23. Contudo, enfie 1926 e 1930,eraa
reconciliação de onda e partícula que dominava s€u pensamento e motivava as versões
iniciais da sua celebre doutrina de "complementaridade". Neste sentido, afirmar a
complementaridade era fazet da necessidade, virtude'
A nova doutrina sofreu modifìcações significativæ entre a conferência de Como de
Bohr em 1927, que representa efetivamente a sua primeira divulgação pública, e sua
resposta eni 1935 ao desafìo de Einstein, Podolsky e Rosen2a. Versões iniciais, em
particular, incorporaram alusões freqüentes, e às vezes obscuras, a dificuldades
inerentes à distinção sujeito-objeto, e às suas implicações em certos estudos psicológicos.
Bm determinados lugares, a mera introdução do quantum de ação parecia, para Bohr,
19 Para detalhes históricos, ver M. Klein op. cìt.,Pzisop.cit..
n Ver Pais op. clf., p. 891'
2t Ve¡ M Klein op. clt.,p' 32'33.
z¿ Para mais detalhes, ver o estudo do pensamento de Boh¡ em Sheibe 1973, especialmente
pp. 16-18.
I ïoltaremos mais tarde a analisa¡ em maiores detalhes esses princípios bohrianos.
a para tratamentos abrangentes do desenvolvimento de complementaridade, ver por exemplo,
Scheibe 1973, Jamme¡ 1974,Petersen 1968, Hooke¡ 1972'
58 Harvey R. Brown
O Quinto Congresso Solvay de 1927 não representa nem o primeiro encontro entre
Einstein e Bohr, nem mesmo a primeira discussão substancial entre os dois sobre os
I
fundamentos da teoria quântica3 . Porém, sendo dedicado ao tema "Eletrons e F'ótons".
forneceu o prirneiro fórum para os grandes nomes da ffsica debaierem juntos o status
da nova mecânica. Além disso, testemunhou o começo do debate aberto entre a
ortodoxia crescente, liderada por Bohr, e a oposição bastante inesperada da parte
de Einstein.
Antes de 1927, Einstein devotou energia considerável a uma tentativa de reconciliar
as condições quánticas com a descrição causal da teoria dos campos, ou seja, com a
utilização de equações diferenciais para as equações de movimento. A idéia era de
"sobredeterminação" das equações, ou de deixar o núr,nero das equações exceder o
número de variáveis do campot 2 . A tentativa falhou, mas testemunha o deæjo de
Einstein de basear a teoria quântica em uma linguagem teórica causal do campo.
Em abril de 7927 , Einstein recebeu uma carta de Bohr contendo uma copia da análise
de Heisenberg das relações de indeterminação, na qual este tinha introduzido a
a primeira das suas famosas experiências gedanken, o microscópio de raios-7. Bohr
enfatizou, na sua nota, o ponto já mencionado de que os limites operacionais impostos
pelas relações asseguram a consciência da dualidade, pois "os aspectos diferentes do
problema nunca s€ manifestam sirnultaneamente".
Ora, é um dos dois temas essenciais da "oposição" de Einstein que esses "aspectos
diferentes do problema", ou seja, as considerações espaço-temporais e caus¿ris, não
devenr ær encarados na M.Q. corno necessariamente incompatíveis entre si, segundo
alegava Bohr33. Iæmbremos o raciocínio de Einstein delineado na secção II. Se Bohr
tivesæ razão, o programa da teoria causal do campo æria fútil. A chamada tentativa
de Einstein de "desacreditar" a nova mecânica a partir de 1927 era primordialmente
motivada por essa corisideração central.
Depois da carta de Bohr, Einstein entrou em correspondência direta comHeisenberg.
Parece que tentava questionar a interpretação de Heisenberg das relações formais de
incerteza como limites na mensurabilidade simultfurea de aspecots complemehtarês
para sistemas individuais, bem como questionar a necessidade de não-casualidade
na descrição de microeventos3{. Nessa altura, Einstein não estava colocando em
dhvida, pelo menos explicitamente, a própria consistência do formalismo Heiænberg.
Schrödinger, junto com a, regta probabillstica de Born, A preocupação com a incom-
pletude do formalismo parece ter sido o fator dominante no pensamento de Einstein
na época3s.
3l Einstein e Bohr se encontra¡am pela primein vez em Be¡lim, em 1920, uma época na qual
Einstein procurava uma teo¡ia unificatla da radiaçlto, combínando as características ondula-
tórias e corpusculares, e Bohr ainda se opunha ao quantum de luz.Apesar de suas diferenças,
os dois se impressionaram mutuamente, Encontraram+e noy¿mente em Leiden em 1925,
quando Bohr já havia se convertido à hipótese do quantum da luz. Pouco se sabe da natureza
detalhada das zuas discussões naquela ¡eunião.
t2 Para alguns detalhes e referências, ver Jammer, op. cit., p,
123,
30
Outro tema que discutiremo.s em breve, trata de implicações ffsicas inaceitáVeis dentro da
interpretação de Copenhagen,
A YetPais,op.cít, p.901.
O Debate Einstm - Bohr sobre a Meúnica Qu¡lntico 6l
3s Em maio de 1927 ,Einstein submeteu à Academia Prussiana de ßerlim unr trabalho cujo título
era "Serd que a mecánica de ondas de Schröringer dete¡mina completamente o movimento
de um sistema, ou apenas em um sentido estatístico?" lngo depois pedirl para retirar o
trabalho.
36 Omitimos os detalhes. Para ttatamentos mais conrpletos, ver Ballentine 1972, e Jamrner,
op.cit.,pp.115-l 17.
31 No sentido encontrado em Ballentine 1970.
38 J anme¡, íhtd.
39 Seria descjdvel ter um relato desse argumento de l']instein mais cornpleto do que o oferpcido
por Jammer.
rrc Tem-se notado corretamente que é implícita na crftica de Einstein a questão do colapso da
t'unçf,o da onda em uma medida na M.Q. Isto é uma inconsistência no formalismo,nnsess:t
questflo não pode ser atribulda exclusivanente a lìinstein. Além do mais, nãq representa
um aspecto fundamental de sua crltica de 192'l e 1935, como veremos.
41 Segundo Otto Stern (ver Pais, op.cit., p.901) Irinstein vinha ao café da manhã no hotel
(onde ficavam os participantes do Simpósio) com suas objeções, e no jantar Bohr comunica
sua lesposta. O pobre Bohr nÍo deve ter'prestado muita atenção às secções oficiais durante
o dia.
62 Hamey R. Brown
F;
Fr
F;,
note-se bem, não se trata de uma inconsistência lógica. Por estranhas que pareçam tais
implicações ffsicas da teoria, Einstein tinha a intenção de most¡ar a possibilidade,
ou melhor, a desejabilidade, de tal abordagem. Assim, sugeriu que D2 fosse
desconectado do suporte rígido, para permitir-lhe movimento (minúsculo) translacional
de recuo no eixovertical,como resultado da colisão da partfcula com as fendas. Para as
partículas que são registrados por P em pontos não remotos do eixo de simetria do
arranjo, um rechaço para cima por parte de D2 indica que a partfcula veio de Fl ,etc.
Podemos, então, demonstrar operacionalmente aspectos ondulatórios e corpusculares!
(De vez em quando, escreve-s€ que foi intenção de Einstein refutar a relação de
indeterminação de posiçfÍo e nromentoa3 . Pode-æ calcular com precisão arbitrária
a componente vertical do momento da partfcula eml)2, a partir do padrão de difração
em P. Também, a largura das fendas defìne a posição da partlcula em D2. Não obstante,
isso repreænta um cdlculo para uma só parlfcula, que se refere ao passado. Por isso,
não refuta as relações formais de indeterminação interpretadas como limitações sobre
o processo de preparação de estado para "ensembles" de sistemasaa . Além disso, essa
versão do argumento de Einsteinas esconde parcialmente a essência do seu racioclnio,
que era o de mostrar a natureza insatisfatória da complementaridade.)
(ii) A resposta consagrada de Bolrra6 pode ser delineada rapidamente. Bohr
considera D2, apesar do seu tamanho macroscópico, como um objeto quântico, sujeito
também às relações de indeterminação. (Essa estratégia é algo controvertida na
filosofia de Buhr, como veremos mais adiante.) Ora, para que a inforrrìação com
respeito ao deslocamento de D2 seja relevante no sentido mencionado, existe um
limite superior, facilmente calculável , para a indeterminação no momento inicial
(no sentido vertical) de D2 . Por conæguinte, existe um certo mínimo de indeterminação
na posição inicial (neste sentido) de Dz, e portanto deFlefj'.So¡rmostrouque
tal indeterminação na posição é sufìciente para obliterar as franjas de interferência
em P. Assim, as relações de indeterminação fazem parte integral da "conspiração
quântica" de reforçar a complementaridade.
Na verdade, não importa, nem para o argumento de Einstein, nem para a resposta
¿l¡l
Ver, por exemplo, Jamm er, op.clt.,g.l29.
4 Ver Ballentine, op.cft.,Park e Margenau 1968-
45
Note-se que essa versão nâo existe no céleb¡e relato do próprio Bohr sob¡e o debate. (Bohr
r949).
4 Boh¡. låid.
64 Hartey R. Brown
de Bohr, que seja Dt,Dz, ou mesmoP, que sofra o moYimento de rechaçoa?. Além
disso, como é sabido, as conclusões de Bohr são co¡roboradas èm outros casos de
tentativas de estabelecer operacionalmente as trajetórias das partfculasaE.
Não se pode negar que a defesa de Bohr ao ataque de Einstein é brilhante na sua
simplicidade. Mas ærá que os argumentos de Böhr (e suas corroborações em outros
casos) demonstram conclusivamente a impossibilidade de trajetórias coexistirem
com franjas? Voltaremos a essa pergunta ¡nais tarde.
(iii) Bohr escreveu no seu relato que ". . . é somente a circunstância de que se nos
apresenta a escolha, ou de æguir a caminho de uma partícula, oU de observar efeitos
de interferência, que nos permite escapar da necessidade paradoxal [descrita acima]".
Atualmente, poderíamos dizer que o ponto realmente infeliz do argumento de
Einstein foi a escolha do tipo de experiência, pois deixou BOhr chamar atenção para
a exclusividade total dos aspectos complementares, nas dadas crrcunstâncias. Será
que não existem outros arranjos experìmentais possfveis que, embora consistente
com a M.Q., manifestem aspectos corpusculares e ondulatórios? A resposta é um
'sim' com restrições. A experiência de Einstein é apenas o caso limite, dentro de
uma classe de experiências de interfer€ncia, que, em um sentido a ær explicado,
permitem que os dois aspectos complementares se manifestem. Vamos imaginar,
por exemplo, que uma das fendasF j ,Fi'seia consideravelmente maior do que a outra,
ou que o mecanismo para determinar a trajetória não seja cem por cento efìciente.
Em tais situações, poderlamos dizer apenas que uma dada partfcula, se fosse
definitivamente localizada antes de chegar à placa P, tetia uma probabilidade x de
estar em uma das duas trajetórias definidas por F), F)'. Ora, em uma análise
rigorosa e importante'da experiência das duas fendas, Wootters e Zurek mostrat'am
recentementeot qu*, para um arranjo particular, o valor de x de 0,99 é consistente
com propriedades ondulatórias fortes em P. Ou seja, podemosTer 99% de esperança
de que uma ¡nedida (hipotética) acharia qualquer partícula do "ensemble" passando,
digamos, pela fenda Fi, mas ainda assim podemos obter para o "ensemble" efeitos
de interferência! (É claro que, se Bohr temrazão, para obter as franjas a medida de
localização não pode ser executada, mas este não é o ponto.)
{, Nestesentido,ve¡Marsh 1975.O¡a,ofatodequeess¡rsexperiênciassäo,naverdade,depensa-
mento (Gedonkenexperimente), é enfatnado por um cllculo l'eito por Whecler, em uma
andlise da experiência das duas fendas, à qual nos referiremos novamente mais adiante
(lVheele¡ 1978). Wheeler conside¡ou o caso de fotons, onde é a placa P que estd livre para se
desloca¡. Ele calculou que agitações térmicas aleatórias em P ¡ão maio¡es, por um fator de 1012,
do que as flutuações produzidas pelo impacto do foton,para a menorplaca capaz de registrar
interferência! Uma versão ergenhosa recente da experiéncia de Einstein, que é em princfpio
ptrticável,encontra-se em Woottors e Zurek 1979,
ß Ver Feynman 1965 e Bohm 195 1. No caso de fotons, talvez a evidência mais constrangedora
da conspiraçiÍo bohriana encontra-se nas experiências dnmáticas de Pfleegor e Ma¡rdel (L96'l),
de interferência de duas fontes independentes da luz, e de Wykes com feixes modulados.
Para um bom resumo desses resultados, ver Sillitto 1971172.
49 Wootters e Zurek,op.cit..
O Debate Einsten - Bohr sobre a Meclìnicø Quôntica 65
Einstein, seremos forçados a aceitar algo assim. Não obstante, é diflcil livrarmonos
do sentimento incômodo, mesmo adotando a linha de pensamento de Bohr, de
que
ou fóton passa pof
o que está realmente acontecendo nas fendas quando um elétron
por parte de um agente
D2, potleria depender do exercfcio futuro da vontade livre
---iulfinuf-ente,
humano.
vo etse os argumentos de Bohr excluem
categoricamente a po junte trajetórias e franjas de
agen-l que
inter-ferência. Para ab amos a Teoria da Solução Dupla de de
como
trajetórias de de Broglie como algo mais do que possibilidades metafísicas. Sela
for-, essa acusação solene não consegue, é claro, dissuadir os "realistas" de continuar a
fendas zté, P, cntza o eixo de simetria do arranjo, o que irnplica que as partículas que
chegarn à placa acima (abaixo) do eixo vierarn da fenda de cima (de baixo). Este
..rriltudo sai diretamente das pressuposições teóricas na base das teorias' Aqui, o
processo de loczlizagão na placa rígida é, ao mesmo tempo, unn medida de trajetória,
s De Broglie 1964,PP.6168.
ss Uma outra tentàtiva intêiessante e orþinal de reconclliar trajetórias com efeitos de interfe-
rência encontra-se em Buonomano 1978 e 1980, embora esta teoriâ esteja em conflito com
a M.Q. em certæ ci¡cunstâncias.
# Bohr¡ 1952.
s7 Prosser 1976.
s8 Philippidus, Dervdney e Hiley 1979 '
O Debate Einsten - Bohr sobre a Mecllnicø Ouânticu 67
o que não é o cæo para Einstein e muito menos para Bohr. Claramente, o fato de
haver uma medida depende da teoriase-
Essasteorias de Bohm e Prosser salientam as limitações da resposta de Bohr e
Einstein. Complementaridade não é a única interpretação da M.Q' consistente com os
fatos6o. Ao estabelecer esse Ponto, as novas teorias de trajetórias conseguiram o que
Einstein não conseguiu em 1927, quando subestimou o papel deæmpenhado pelas
relações de indeterminação na conspiraçlo quântica6l .
*l{t
O debate entre Einstein e Bohr assumiu novas proPorçtþs três anos mais tarde'
no Sexto Congresso Solvay de 1930. Mais uma vez, fora das secções ofìciais, Einstein
e os representantes da linha de Copenhagen envolveram-se profundamente em
discussões sobre os fundamentos da M.Q. Já vimos que em 1927 Einstein adotava uma
interpretação incompleta do estado de um sistema individual. E mencionamos acima
que, segundo essa linha, pode-se imaginar mecanismos determinísticos que controlam
o comporta¡nento de cada sistema, mas que não são elevados em conta pela nova
mecánica, exceto no sentido estatlstico para "ensembles" de sistemas. (Vamos chamar
a isso incompletude I.) Tais mecanismos eram, é claro, rejeitados pela escola de
Copenhagen, por s€rem inconsistentes com a solução coreta da questão da dualidade
onta-partícula e, além disso, por não ser possfvel demonstrar experimentalmente
a sua existência, àluz das relações de indeterminação.
Em 1930, Einstein fa¡ia, efetivamente, a pergunta que estava impllcita no seu
pensamento desde 1927. Será que a M.Q. é também, em certos casos, uma descrição
incompleta de "ensembles" (incompletude II)? Ou seja, é possível que em certos casos
existam "ensembles" de sistemas, dentro dos quais sabe-se que a dispersão dos valores
de certos observáveis é menor do que aquela permitida pelas relações de indeterminação
de Heisenberg?
Estamos nos referindo à experiência do fóton na caixa, a experiência de pensamento
na qual Einstein tentou, através de considerações relativfsticas (a relação entre energia
59 Uma outra exemplificaçlo disso vêse no caso da experiência da "escolhademorada" das duas
fendas de ìrVheele¡ para fotons (op.cil.\. Uma das escolhas é posicionar simet¡icamente dois
fotodetectores separados,em um plano vertical afastado suficientemente do diafragmaD2 eue
contém as fendas. Para Wheeler, se o fotodetector de acima registra, a conclusão é que o foton
veio da fenda de baixo. Na teoria de Prosser, a conclusão pa¡ece serque o foton veio da fenda
de cima.
@ No comegò do t¡abalho já citado, Ma¡sh constata: "Uma conseqüência bem conhecida do
princípio de incerteza de Heisenberg é que não se pode produzir uma padrão bem desenvol-
vido de difração de elet¡ons das duas fendas, enquanto se determina simultaneamente a fenda
pela qual cada elet¡o passou". Bem conhecida ou n¿io, essa conseqüência, se tomada no
sentido geral ou indqrendente da interpretação da M.Q,, é falsa.
61
Einstein não estaria, contudo, muito interessado nos detalhes das teorias em si, como veremos.
68 Hamey R. Brown
62 Pode ser, como constata Jammer, op. ct.,p, l32,que Einstein tenha tido a intenção de
emprega¡ a relatividade restrita como apoio à sua posiçâo;Bohr, em uma pub licação de 1929,
havia feito o mesmo em relação à complementaridade.
ó3
I
L¿ LnÞ L l1çqB - BA)>l
2
a a respeito do problema da <lerivação e interpretação correta
8-f encontra-se em Jammer op,cit.,pp.140-152. Para contri-
excmplo, Bauer e MellqÍ1978) Cook, op. cif., de la peña 1980.
ø pu¡¿ ur¡ a ,lreryriçlio de desespero iniciai de B olrr ao nllo poder
lefrutar o atgumento de Einstein,
ve¡ Rosenfeld 1968, também citado em Pais,op.cir.,p.9o2, Bohr passou uma noite sem
dormir formulando a sua resposta.
6s Bohr, op-cít., J ammer, op.ciî.,pp. 132-136.
6 Unruhe Opat1979.
61 Treder 19?1.
ß ida, no relato de Boh¡
iscussões sofreram uma
desafio sdrio . . ." (pp.
æ de Einstein de 1927
intenção,ver cook,op.cít..
69 O argumento explícito de Einstein tratou da possibilidade de mcdida simultânea, com preci-
são arb¡itária, da energia e do instante de salda da caixa, p¿ua urn foton índividual. Mas a
Datureza do arranjo também a de um preparador de um ..ensemble" de fotons.
æ Duas exceções encontramse em Hooker 2,p.78, e Hoffnran n
L97 197 9 ,pp.lg7 ,190.
O Debøte Einsten - Bohr sobre a Mecânica Quânticø g9
dizer que este representa apenas uma extensão do argumento da incompletude (como
sugere a terminologia adotada aqui). Demonstrar um arranjo experimental que possa
produzir um "ensemble" de sistemas livre de dispersão em obærváveis complementares,
não é necessariamente demonstrar a inconsistência do formalismo quántico. Pode-se
simplesmente dizer, para salvar a consisténcia, que nem todos os "ensembles" em
natureza são descritos, de maneira completa, por uma função de onda de schrödinger,
ou, mais abstratamente, por um raio no espaço de Hilbert (ou por "misturas"
desses)71
O próximo ataque substancial por parte de Einstein foi lançado no artigo de 1935,
escrito juntamente com os æus colegas Podolsky e Roæn. Analisaremos esse artigo
e a resposta dada por Bohr na secção æguinte deste trabalho. A visão convencional
constata que, depois dos fracassos de 1927 e 1930, Einstein abandonou a tentativa
de demonstra¡ a inconsistência inerente ao formalismo quántico e, daí em diante,
concentrou æus esforços em refutar a linha de copenhagen ægundo a qual a M.e.
fomece uma descrição completa da realidade associada a microprocessos individuaisT2.
ora, nosso objetivo nessa parte do trabalho, como deve ser evidente, foi o de oferecer
um ponto de vista altemativo. É que a incompletude da nova mecânica, em alguma
das formæ, era o fator esencial na bæe da "oposição" de Einstein, nÍfo apenas depois
de 1930, mas desde o princípio da disputaß. Talvez o enquadramento dá experiência
de pensamento de 1930 em nosso esquema seja mais questionável, mas tentamos
mostrar
houve, n
opinião,
da tese
incompletude I.
El Os autores notam que tal correlação ent¡e I e II pode existir para outros obse¡'Jveis, aldm de
posição e momento.
a2 Note'se que-não há nada, a priori, de misterioso ou paradoxal nesse tipo de correlaçâo entre
os sistemas I,II. Voltaremos a este ponto mais ta¡de.
83 A existência de elementos símr¡ltâneos de ¡ealidade associados à posição e ao momento r¡fo
rcfiita Qtoce Clauser e Shimony 1978, p.1885) as relações de indeterminação de Heisenberg,
mæ sim a interprctação de Bohr-Heisenberg das mesmas.
72 Hantey R. Brown
84 Estd cla¡o que o argumento de EPR é um exemplo de uma experiéncia do tipo "escolhademo-
¡ada" de lüheeler. Lembramos que Wheeler int¡oduziu a idéia para a experiência das duas
fendas, Para fecha¡ o clrculo notamos que lVootters e Zurek (op.cit.) most¡aram que a própria
experiência de Einstein das duas fendas jC contém a essência do fenômeno de correlação
tþo EPR.
8i P.178.
s6 P.780.
87 A hipótese de que o estado de I + II colapsa, fndependentemenle do medìda, em uma mistura
de estados fatorizáveis, uma vez que os sistemas I e II estlfo bem separados e que termina a
interaçifo mrftua, foi levantada por Furry 1936 e Schrödinger 1935, Com base na evidência
encontrada em Bohm e Aharonov 1957, Kasday 19?1 e Clauser 1972e 1977,acredita*e hoje
queahipóteseéfalsa.
O Debate Einsten - Bohr sobre a Mecânica Quântica 73
Por outro lado vê-se no r¡ltimo trecho uma ênfaæ renovada na idéia da ligação
entre a própria defìnição de atributos ffsicos do sistema e o contexto experimental
de preparação e medida, ou seja, do "fenômeno quântico"' Na parte final de nossa
reænha, analisaremos a evolução apos 1935 deste princfpio bohriano. Basta dizer
agora que a esséncia da posição de Bohr, em,relação a sistemas com correlação tipo
EPR, é de que a possibilidade de definição de atributos de realidade do sistema II
deve ser considerada inextricavelmente associada com o "fenômeno" definido para
a unidade I + ll pela medida escolhida em L A medida, digamos, da posição de I,
define um "fenômeno quântico" para o sistema composto que permite, na
terminologia tfpica de Bt¡hr, o legítimo emprego futuro da noção da coordenada
espacial de II, mas nlfo do momento. Em suma, falar sem cuidado sobre conjuntos de
propriedodes objetivas de microssistemas leva, na opinilo de Bohr, à ambigüidade.
Portanto, a teoria quântica, enquanto uma linguagem de realidade flsica independente,
trata essencialmente de processos flsicos inteiros. (Voltaremos mais adiante a discutir,
embora de uma perspectiva menos descritiva e neutra, essa tentativa de Bohr de
reconciliar a física intrigante de pares de microssistemas correlatos com os princfpios
da complementaridade.)
Na última parte do artigo, Bohr levanta questões mais gerais dentro da sua fìlosofìa
qrântica, O elemento mais importante dessa discusão é a énfase na utilização
indispensável da linguagem da flsica clássica para a 'Interpretação" de todos os
processos de medida. Tivemos pouca oportunidade, até a$ora, de comentar esse
segundo princfpio bdsico do pensamento de Bohr, que pode ser considerado uma
espécie de axioma epistemológico, cuja primeira expressão encontra-se no s€u
76 Hamey R. Brown
; ;:,i:.'rn:ff.i:if:
BOhr teria analisado essa situação, mas isso nos levaria longe demais. Diremos apenas
que, na nosa opinião, a maneira de tratar esta posibilidade dentro da linha bohriana
seria, no mínimo, tortuosa.
s Nâo nos lembramos sê essa possibfidade jd foi lerrantada na literatura. Custa-nos ac¡edita¡
que não.
s S.h"ibu, op . cÍt., p. 21.
5 Ver, por exemplo, Bohr 1949.
t Assim, é diffcil ac€¡taf a opinião de Hooker (op. clt., p. la9) de que o dobate de 1935 em
nada alterou o pensamento básico de Boh¡.
s Boh¡ 1939.
O Debøte Einsten - Bohr sobre a Meúnica Quântica 77
ee Bohr 1935.
tæ Boht 1929,9p.5, l5 e 94, 1939, 1949, 1958 e 1960.
78 Harttey R. Brown
lol Err" reconstruçäo curta tem elementos em comum com as interpretações de Pete¡sen
(op. cit.) e Scheibe (op. cit.). Na primeira, a propriedade de "fechamento" (clo$re) de
sistemas clássicos está enfatizada. Na última, o princípio em questão é visto como proteção
(buller) contra o princípio da totalidade do fenômeno quântico , evitando um regresso
de dependência de contexto na definiçifo de conceitos físicos.
lo' cit"do em Pete¡sen 1963.
O Debate Einsten - Bohr sobre ø Mecânica Quilntica 79
1o9 B"ll, op. cit. É, importante enfatiza¡ que Bell não aceita o papel bohriano do arranjo intefuo
como definindo os limites de definibilidade das propriedades do mic¡osistema. Bell, como
veremos, explorou brilhantemente as implicações do fenômeno EPR, e recentemente
escreveu em um "preprint" de Cern que a resposta de Boh¡ ao artigo de EPR é, para ele,
incompreensível. (Bell 1980). (Somos gratos ao Prof. Klaus Tausk por nos ter fornecido
uma côpia do t¡abalho).
t ro Ballentine 1972.
tll Not"*o* que ha versão que Ballentine (op. cit.) dá do argumento específico de Einstein,
em relação ao efeito de uma perturbação dependente do tempo sobre um sistema, um ponto
importânte é omitido. Isto é, que no estado superposto final do sistema,Einstein originalmente
constatou que um dos coeficientes da expansÍio tem um valor absoluto quadrado muito maior
do que os outros. Menciona¡nos esse ponto porque aid,éia deEinstein éanálogaaoresultado
de lilootters e Zu¡ek (op. cit.) comentado na página 10 acima.
O Defute Einsten - Bohr sobre a Mecânica Quôntica 8l
Então Einstein conclui que Bohr aceitava, na sua resPosta' uma influência
nãolocal em II, originada na medida em I. Como Hooker notal¡6, essa é uma
deturpação grosseira da posição de Bohr, que (como já notamos) rejeitava
enfaticamente uma influência ffsica'entre I e II. Mas embora Hooker castigue
Eínsteín por est¡a falha em penetru nas sutilezas do pensamento bohriano, nossa
posição é de que essa interpretação da parte de Einstein é nada m€nos do que o que
se deve esperar. Afinal de contas, Einstein iludia-se ao pensar que Bohr tinha uma
teoria da realidade, e não meramente (como vimos acima) uma teoria da linguagem
sobre a realidade. Ao nosso ver, a veñ6o de Einstein representa a û¡ica interpretação
viável da posiçÍo de Bohr, se se ptessuPõe que Bohr levava a sério a questão da
realidade independente. Não era esta questão a motivação central do arfryo de EPR?
Não é de estranhat, pois, que Einstein de novo tenha escolhido a única opção restante
para evitar a não-localidaderll isto é, a conclusão de que a descrição fornecida pela
teoria é incompleta.
Assim, o mérito pertence a Einstein de chamar a atenção às possíveis ocorrências
de fenômenos não-locais na M.Q..Embora em 1927 ele sugerisse que tais efeitos são
inerentes ao formalismo de Schrödinger (i.e. independente de interpretação), em
1935 e depois Einstein ac'reditava que, pelo menos no caso de sistemas com correlação
tipo EPR, a nãoJocalidade poderia ser evitada na sua inte¡pretação não-ortodoxa.
Em relação ao fenõmeno de EPR, em certo sentido ele tinha razão. Mas em outro
sentido muito mais interessante Einstein estava completamente errado. Para sistemas
correlatos, se considerarmos apenas casos de observáveis de I e II que têm correlação
absoluta (como era o caso de posição e momento no argumento original de EPR),
o comportamento é facilmente entendido, na teoria 'realista' de Einstein, em tetmos
exclusivamente locaisll8. Mas, em geral, há casos de observáveis de I que são correlatos
apenas estatisticamente com outros observáveis de II. ora, sabe-se hoje que tais
correlações, previstas na M.Q., não podem ser reconciliadas com uma interpretação
"realista" local do formalismo, seja determinista, seja estocástica. (Tais teorias seriam
exemplos de TVE contextual mencionada acima.) Este resuitado, devido
essencialmente a Belllle, é objeto de grande atenção nos dias de hoje. Em particular,
acredita-se agora que tais correlações estatísticas previstas na M.Q. têm sido
experimentalmente verificadæ 120.
Este golpe no programa de Einstein é consideravelmente mais du¡o do que qualquer
"fracasso" sofrido dentro dos debates com Boh¡. A arma mais forte de Einstein
construída em 1935 contra a linha ortodoxa representou trinta anos depois um tiro
pela culatra e os danos, em grande parte, foram relutantemente inflingidos por
seguidores da sua linha realista.
,.Posso entender bastante bem por que você me considera um velho pecador obstinado'
mas sinto clafamente que você näo compreende como é que acabei viajando neste
para você
meu caminho solitário. Certamente o divertiria, embora fosse impossível
atitudc. Eu teria grande prazer em rasgar em pedaços o seu ponto
apreciar a minha
dc vista tilosófrco-positivista. Mas nesta vida é improvável que aþo lesultasse daí"124
"' V., Holton 1966 e L973, secção IL8' Fite, op' cít'
rB Þuro aþuns detalhes, ver Pais, op. cit-, pp' 909-910'
124 F,io*t"in 1948. Também citado em Jarnmer, op- cit.,p. 188
84 Haney R. Brown
v- k=l> r.
/or t* @nr (r)
onde os números c¿ são reais, c¿ à O, e g 4 min (m, n). Iæmbramos que dado um
par qualquer de bases ortonormais {ú¡} em lQ e {ó¡} eml(¡¡ podemos escrever
v: ,?¡î¡¡
úi@þ¡ (2)
onde os fi¡ sto números complexos. A diferença importante entre (l) e (2) é que
em (l) existe uma correspondência I I entre os elementos das bases, o que não é
o caso em (2),
Em quais condições é o par {Ei}, {n¡l em (l) único para ú?
Acontece que se todos os qk são distintos e não nulos, então o par é único
para !Ir. Caso contrário, o par não é único e, em particular, quando m : n (
-, e
todos os eñ são iguais, existe uma expansão canônica para v em termos de qualquer
par de bases ortonormais em lt¡ e l(ilt26.
r2t Von Neumann 1955, p. M2 e segs. Ver também Ba:llcca,et oI. l974,Bergiaet ol (1979)
t6
No caso de & !P: Ð Ct hØh onde os C¡ são complexos, e
satisfazer a express![o
onde {r/¡} e {@¿} øo bases em lQ e Xty (*rp.¡, . onde todos o, lc¿l; são þais, enrão,
como acima, a "expansão biortogonal" de V pode ser escrita em número infinito de
manei¡as. Ver Furry 1966, p. 50.
O Debste Einsten - Bolir sobre a Mecônica Qu/lnticø 85
út, tI s n*
E*@n* (3)
k
t27 Isso poderia ser questionável em alguns casos. Mas este problema não surge no caso EPR.
No argumento EPR, desenvolvido na linguagem da mecânica de ondas, A e C para I (e B e D
para II) representam posição e morlento, que säo operadores com espectÌos contínuos, e
portânto os somató¡ios acima aparecem como integrais. Nota-se que a funçlio cla onda
"biortogonal" no argumento de EPR não é normalizável. (Ve¡ Fvry, op. cit.).
86 Hamey R. Brown
J"J;ik:i fiil,:Í'##;
pa¡a um dado Ú þ.436), Po
demo¡ conclui¡ que, por volta de 193O von Neumann esteva familiarizado com os elemento¡
c¡ænci¡l¡ do fcnômcno atc EPR.
O Debate Einsten - Bohr sobre a Meaûnica Quôntica 87
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