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LIVROS DIDÁTICOS DE FÍSICA ADOTADOS NAS ESCOLAS PÚBLICAS

DO CEARÁ: UMA ANÁLISE CRÍTICA

Eloneid Felipe Nobrea [eloneid@fisica.ufc.br]


Ricardo Sávio Teixeira Moretzsohna [msohn@fisica.ufc.br]
José Ramos Gonçalvesa [ramos@fisica.ufc.br]
Carla Maria Salgado Vidala [carla@fisica.ufc.br]
Afrânio Araújo Coelho a [afranio@fisica.ufc.br]
a
Departamento de Física, Universidade Federal do Ceará

R ESUMO
A maioria dos professores do Ensino Médio das escolas brasileiras tem que enfrentar o
grande desafio de ensinar um tema para o qual a maior parte dos alunos mostra
desinteresse e grande dificuldade de aprendizado. Mas, além de ter que lidar com o
desinteresse da maioria dos seus alunos, alguns professores têm ainda que enfrentar um
desafio maior que é o de superar suas próprias deficiências oriundas de uma formação
deficiente. É comum encontramos professores de Física com formação em áreas
totalmente diversas. Quadros como esses estão, felizmente, caminhando para a extinção,
de acordo com as novas Leis de Diretrizes e Bases do Ministério da Educação e Cultura,
que impõem a Licenciatura para todos os professores.
Neste trabalho nós apresentamos uma análise crítica dos novos livros did áticos de Física
[1] que serão adotados nas escolas públicas de Ensino Médio no estado do Ceará. Esses
livros serão distribuídos pelo Governo, a exemplo dos livros de Português e Matemática
que foram pela primeira vez disponibilizados para os alunos do Ensino Médio, no ano
de 2005. Os professores da rede pública, cerca de 220 professores da capital e do
interior do Ceará, que trabalharão com esses livros textos, passarão por um período de
capacitação, durante o qual receberão treinamento acerca do conteúdo e uso do livro. As
discussões sobre os conceitos físicos, a abordagem matemática, a busca pela inserção da
Física no cotidiano dos alunos, as aplicações tecnológicas da Física no mundo atual,
tudo isso certamente contribuirá para melhorar o desempenho dos professores em sala
de aula e, dessa forma, atrair a atenção de seus alunos para essa fascinante ciência que é
a Física.

INTRODUÇÃO

O ensino da Física pode ser, ao mesmo tempo, gratificante mas também frustrante. Quase
todos os professores das escolas brasileiras de Ensino Médio têm que enfrentar o grande desafio de
ensinar um tema para o qual a maior parte dos alunos mostra desinteresse e grande dificuldade de
aprendizado. Ocasionalmente encontramos algum estudante que mostra um especial interesse e
habilidade em compreender facilmente o que lhe é ensinado e mais, algumas vezes, esse estudante
mostra-se inspirado e transformado pelos ensinamentos que recebe nas aulas de Física. Através dos
bons resultados obtidos em física, o aluno se sente também mais motivado a se dedicar às outras
matérias, o que leva a uma melhoria geral no desempenho desse aluno. Essas situações,
infelizmente raras, são extremamente gratificantes para qualquer professor. Se por um lado existem
alguns poucos casos de gratificação, por outro lado existe uma grande quantidade de frustração.
Quase todo professor encontra em sua sala de aula alguns estudantes, algumas vezes a
maioria, que se mostram incapazes de compreender o sentido daquilo que lhes é transmitido. O
professor procura meios de atingir esses alunos, seja simplificando sua abordagem, seja tentando
fazer suas aulas mais interessantes, mas infelizmente, muitas das vezes não obtém sucesso em
conseguir despertar minimamente o interesse de seus alunos.

Além de ter que lidar com o desinteresse da maioria dos seus alunos, alguns professores têm
ainda que enfrentar um desafio ainda maior que é o de superar suas próprias dificuldades oriundas
de uma formação deficiente. É comum encontramos professores de Física com formação em áreas
totalmente diversas. Por exemplo, encontramos em algumas escolas do Ceará, no interior
principalmente, professores formados em Pedagogia, Agronomia, ensinando Física para turmas de
primeiro, segundo e terceiro ano do Ensino Médio. Quadros como esses estão, felizmente,
caminhando para a extinção, de acordo com as novas Leis de Diretrizes e Bases do Ministério da
Educação e Cultura, que impõem a Licenciatura para todos os professores na sua área específica de
ensino.

Quando os estudantes terminam seus cursos de Licenciatura em Física, tornando-se


professores nas escolas de Ensino Médio, esperamos que eles sejam capazes de criar, analisar e
resolver problemas, tanto teoricamente quanto experimentalmente, pelo uso de métodos analíticos,
experimentais ou numéricos. Eles devem conhecer os aspectos relevantes do processo de ensino-
aprendizagem de Física. O físico, seja qual for sua área de atuação, deve ser um profissional que,
apoiado em conhecimentos sólidos e atualizados em Física deve ser capaz de abordar e tratar
problemas novos e tradicionais e deve estar sempre preocupado em buscar novas formas do saber e
do fazer científico ou tecnológico. Em todas as atividades que venha a exercer, quer na área da
pesquisa científica, pesquisa em ensino, ou na sala de aula, um físico deve manter sempre acessa a
chama do interesse na investigação, como também manter uma atitude reflexiva. acerca dos
conhecimentos adquiridos e transmitidos e, acima de tudo uma postura ética que deve estar sempre
presente quaisquer que sejam as formas e objetivos do seu trabalho. Dessa forma, esses professores
devem ser plenamente capazes de trabalhar o livro texto ou qualquer outro material didático que
venha a ser utilizado, no intuito de fornecer aos seus alunos um aprendizado significativo e de boa
qualidade.

Um dos grandes problemas que os professores encontram na escola pública é a ausência de


bons livros texto em Física [1] Muitos dos livros de Física adotados na escola pública não são de
boa qualidade. São livros sem atrativos, com poucas ilustrações, com conteúdos compactados em
volumes únicos, na sua maioria. Para dificultar ainda mais as coisas, muitos dos estudantes não
possuem o livro texto. Dessa forma, as aulas resumem-se num eterno copiar da lousa a anotações do
professor, entre aqueles poucos alunos interessados na aula.

Este projeto que nós apresentamos, esperamos, dará uma boa melhoria no processo ensino-
aprendizagem de Física das escolas públicas. O governo pretende distribuir livros textos de Física
para os estudantes de nível médio das escolas públicas, no ano de 2007. Antes de trabalhar com o
livro em suas salas de aula os professores receberão um treinamento aonde os conteúdos do livro
serão analisados e discutidos. Esse treinamento será feito com uma equipe de especialistas em
Física da Universidade Federal do Ceará juntamente com uma acessoria pedagógica.

O livro texto de Física que será adotado no ano de 2007, intitulado Física, Ciência e
Tecnologia, é apresentado em três volumes [2,3,4], divididos da forma mostrada nas tabelas abaixo.
Capítulo Conteúdo
1 A natureza da Ciência
2 Os métodos da Ciência
3 Força e movimento
4 Hidrostática
5 Quantidade de movimento
6 Energia e trabalho
7 Gravitação universal
8 Máquinas simples

Tabela 1- Conteúdos do Volume 1

Capítulo Conteúdo
1 Energia Térmica e Calor
2 Termodinâmica
3 Ondas e Som
4 Luz

Tabela 2-Conteúdos do Volume 2

Capítulo Conteúdo
1 Eletrostática e Corrente Elétrica
2 Eletromagnetismo
3 Energia Hoje e Amanhã
4 Ondas Eletromagnéticas
5 Relatividade Especial
6 Física Quântica
7 Física Nuclear

Tabe la 3 –Conteúdos do Volume 3


CONCLUS ÕES

Nós analisamos os livros sobre os quais daremos treinamento aos professores da escola de
ensino médio. Os livros apresentam uma diagramação moderna e atraente com fotos e ilustrações de
boa qualidade. Todos os volumes são separados em duas unidades, cada unidade abrangendo vários
capítulos. No volume 1, a Unidade 1 intitulada Fundamentos de Física Teórica é dividida em dois
capítulos e a Unidade 2, chamada Força e Energia, contém seis capítulos. No Volume 2 a Unidade 1
intitulada Termologia é dividida em dois capítulos e a Unidade 2, Som e Luz, é também dividida
em dois capítulos. As duas Unidades do Volume 3 têm os títulos Eletricidade e Magnetismo, a
Unidade 1 e Física Moderna, a Unidade 2.

Merece um destaque a Unidade dedicada à Física Moderna. Como sabemos a inserção da


Física Moderna no Ensino Médio ainda é um grande problema, tanto para os professores, alunos e
também para os projetos pedagógicos das escolas que não encontram uma maneira de inserir esses
conteúdos em seus currículos. Desde o ano 2000, o programa do exame vestibular da Universidade
Federal do Ceará introduziu os conteúdos de Física Moderna, entretanto esse tema continua a ser
mal ensinado para os alunos em geral, nas escolas privadas e pior ainda nas escolas públicas. Todos
concordam que os jovens, quer alunos da escola pública, quer alunos da escola privada, têm acesso
cada vez maior a um mundo aonde a tecnologia é fortemente apoiada sobre conceitos da Física
Moderna e Contemporânea. Um mínimo de conhecimento das formas contemporâneas de
linguagem, um mínimo de domínio dos princípios científicos e tecnológicos que atuam na produção
moderna, é indispensável na formação de qualquer cidadão. A necessidade da implementação dos
conteúdos da Física Moderna no Ensino Médio é um fato indiscutível. Entretanto sabemos que a
carga horária das aulas de Física nas escolas, principalmente nas escolas públicas, é pequena e que o
vestibular é um grande fator limitante. A forma como se apresenta atualmente a Física Moderna aos
estudantes, apenas como um pequeno, rápido e muitas vezes dispensável apêndice às apostilas de
terceiro ano, apenas causa confusão e mais problemas de compreensão para esses alunos já
polarizados pelo vestibular. Citando o Professor João Zanetic, da USP, sabemos que é necessário
que “ensinemos a Física do século XX antes que ele acabe”. Estamos no século XXI e ainda não
resolvemos o problema da Inserção da Física Moderna no Ensino Médio. Os conteúdos de Física
Moderna desse livro são apresentados de uma forma qualitativa, quase sem aplicações matemáticas,
com muitas fotos e figures coloridas, uma boa estratégia para atrair a atenção dos alunos. A
proposta desse livro de trazer a Física Moderna com um capítulo regular, quem sabe, seja um dos
primeiros passos para a solução desse problema.

As unidades são identificadas, mesmo com o livro fechado, pelas “vinhetas” coloridas na
lateral de cada página. Os assuntos tratados em cada capítulo são complementados por quadros em
destaque com os títulos :

O que diz a Mídia?

Você sabe por quê?

Aplicação Tecnológica.

A seção “O que diz a Mídia” tem o propósito de mostrar ao aluno a importância do


conhecimento de modo a que ele seja capaz de entender, sistematizar e até mesmo difundir as
informações acerca dos acontecimentos e progressos da Ciência, apresentados nos meios de
comunicação. Esses quadros são apresentados sem uma análise crítica da qualidade e da
procedência da informação que diz a Mídia. Entretanto, essa análise poderá ser estimulada pelo
professor a despeito de não ser sugerida no livro.

Na seção “Você sabe por que? “o aluno é levado a compreender e expressar os conceitos
físicos, entendo o porquê da coisas, indo além do simples ato de decorar fórmulas matemáticas.

“Aplicação Tecnológica” é uma seção em que os alunos são apresentados aos objetos e
fenômenos físicos, muitos dos quais fazem parte do cotidiano deles.

Nos finais de todos os capítulos encontra-se o quadro “Sugestão de Leitura”. Há ainda


pequenos quadros propondo atividades em grupo. Há ainda quadros propondo atividades
experimentais, entretanto esses quadros são em quantidade bem limitada, demonstrando um apelo
bem mais teórico do que empírico, requerendo do professor o uso de bibliografia auxiliar se quiser
explorar melhor atividades experimentais.

Os exercícios resolvidos são bem identificados em quadros de colorido destacado, chamando


assim a atenção do aluno. Os livros apresentam um total de 1234 exercícios divididos entre os trêes
volumes da seguinte maneira:

Volume Cap. 1 Cap. 2 Cap. 3 Cap. 4 Cap. 5 Cap. 6 Cap. 7 Cap. 8


1 5 45 127 70 31 82 51 32
2 156 77 89 122
3 130 61 44 33 28 28 23

Tabela 4 – Quantidade de exercícios por capítulo

Sendo, de um modo geral, muito boa a concepção visual, o conteúdo escrito possui algumas
falhas, entre as quais podemos destacar algumas, mencionadas a seguir:

No Volume 1 temos o conceito de velocidade instantânea apresentado de forma muito simplificada


como sendo “a velocidade do móvel no momento em que é observada” apesar do conceito de
velocidade apresentado anteriormente referir-se a um movimento observado em dois instantes de
tempo distintos. Os conceitos de velocidade e aceleração são apresentados, inicialmente sem
nenhuma menção à natureza vetorial ou escalar de uma grandeza. Essa distinção é feita, entretanto,
posteriormente.

Ainda no Volume 1 na página 43, apresenta-se o conceito de aceleração utilizando a letra “a”.
Inexplicavelmente, a partir da página 52, a letra grega “alfa” é usada para o mesmo conceito. A
partir daí, todas as equações que envolvem a aceleração adotam a letra “alfa” que é geralmente
destinada à aceleração angular nos livros textos.

Uma exposição bem inadequada da aceleração gravitacional em que a mesma é apresentada com os
sinais “+” e “-“ dependendo do movimento de subida ou descida de um corpo nas proximidades da
superfície terrestre.
Ainda é usada uma terminologia deveras inadequada quando o sistema de referência a ser escolhido
na análise do problema é denominado de “trajetória orientada”. Essa terminolo gia, além de
inadequada, pode levar o aluno a ter dificuldades em um simples problema em que um objeto é
lançado para cima e cai sob ação gravitacional além de poder levar o aluno a se confundir com o
conceito consagrado de trajetória descrita por um móvel. Dois móveis que descrevam um
movimento circular com o mesmo raio e que andem em sentidos opostos (horário e anti-horário)
descrevem a mesma trajetória.

No Volume 3, na parte relacionada à Física Moderna, quando tratam da Radioatividade, os


autores refe rem-se a Pierre e Marie Curie como “o casal de químicos franceses”, quando na verdade
é de conhecimento universal que, embora Marie Curie tenha ganho um prêmio Nobel de Química,
ambos os cientistas eram Físicos!

Ainda relacionado à Física Moderna, no que se refere à parte conceitual, encontramos várias
inadequações, principalmente na Relatividade aonde os conceitos de tempo próprio, dilatação
temporal e contração espacial merecem uma revisão ou uma atenção maior por parte do professor.

Merece destaque uma comparação com a obra que será usada no estado do Paraná[5]. Da
mesma forma que no Ceará, o livro de Física para o Ensino Médio será distribuído pelo governo do
Estado para os estudantes da escola pública. O livro a ser aplicado no estado do Paraná FÍSICA-
ENSINO MÉDIO, diferente da obra abordada nesse trabalho, é de volume único e diferencia-se
além disso, por ter sido elaborado a partir das anotações dos próprios professores da rede estadual
de ensino que trabalharam em interação com os professores do Departamento de Ensino Médio,
com consultoria dos professores do Ensino Superior. Uma notável diferença entre a obra a ser usada
no estado do Paraná e o estado do Ceará, é a total ausência de exercícios, de qualquer tipo, no livro
que será adotado naquele estado.

Nós concluímos que os livros, a despeito de apresentarem algumas falhas, podem se


constituir em uma boa ferramenta para os professores trabalharem com seus alunos de nível médio.
Com relação às falhas mencionadas, acreditamos que um treinamento com os professores pode
superar todas essas dificuldades. Essa obra, bem como qualquer material didático, deve ser encarada
como um auxiliar do professor e utilizada com o objetivo claro de fornecer significado ao que se
quer ensinar, mostrando situações que fazem parte da vivência do aluno e, assim, facilitar a
compreensão do que se está aprendendo. Portanto, os livros de Penteado e Torres, Física Ciência e
Tecnologia tem por objetivos:

Ser um facilitador do trabalho do professor, identificando e preparando recursos para


auxiliar o seu desempenho;

Relacionar os grandes temas da ciência Física quando apresentados em contextos diversos;

Privilegiar o aprendizado por compreensão e não por memorização, atribuindo significado


ao que se aprende e relacionando, quando possível, aquilo se aprendeu com outras áreas de
conhecimento;

Aplicar os conceitos Físicos a outras áreas do conhecimento como a Química, a Biologia, a


Astronomia e a Medicina;

Despertar a curiosidade científica, estimular o prazer de aprender.


REFERÊNCIAS

[1] Ciência e Educação, V0l. 9, No 2, p. 147-157, 2003


[2] Física, Ciência e Tecnologia – Vol 1, PENTEADO, Paulo César M; TORRES, Carlos
Magno A. Ed. Moderna. (2006)
[3] Física, Ciência e Tecnologia – Vol 2, PENTEADO, Paulo César M; TORRES, Carlos
Magno A. Ed. Moderna (2006)
[4] Física, Ciência e Tecnologia – Vol 3, PENTEADO, Paulo César M; TORRES, Carlos
Magno A. Ed. Moderna (2006)
[5] FÍSICA-ENSINO MÉDIO – Volume único, BURKARTER, Ezequiel; FUJIMOTO, Júlia
T.; LOCH, Juliana; JULIANI, Kleber S.; RAMME, Leunice; POLAK, Luiza;
MACHADO, Marina de Lurdes; SILVA, Otto HenriqueMartins; OLIVEIRA, Robson
Lima; ALBUQUERQUE, Teresinha Aparecida Soares.

Agradecimentos: Os autores agradecem à Editora Moderna, na pessoa do Senhor César


Matucheski, gerente regional da Editora Moderna e ao Professor André Motta, acessor pedagógico
da Editora Moderna.

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