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1. A origem da desigualdade
Diante da constatação de que “o verdadeiro fundador da sociedade foi o primeiro que, tendo
cercado um terreno, lembrou-se de dizer ‘isto é meu’ e encontrou pessoas suficientemente simples
para acreditá-lo”, Rousseau encontra na desigualdade humana o principal problema da organização
política (ROUSSEAU, 1980:270).
Diante do problema da desigualdade humana, a proposta política de Rousseau afirma como valores
fundamentais a igualdade e a liberdade. Como para ele não existe liberdade sem igualdade, as leis
que se fundam num contexto de desigualdade só servem para a manutenção da injustiça: “Sob os
maus governos a igualdade é ilusória e aparente, e não serve senão para manter o pobre na miséria
e o rico na usurpação” (Idem:27).
A liberdade não existe sem igualdade porque o ser humano que estiver numa condição superior ao
outro terá mais poder e o que estará em situação inferior ficará limitado a este. A superioridade só
funciona enquanto relação de força e não constitui direito. O direito só existe a partir de convenções,
que são próprias de um corpo político, como resultado de um processo de discussão. Neste
aspecto, Rousseau critica o Estado liberal, como uma instituição que surgiu para converter em
direito o que os burgueses já possuíam enquanto força, através da instituição da propriedade
privada.
Sendo as convenções a fonte de toda forma de direito, é através do pacto social que as pessoas
podem conquistar sua liberdade. A liberdade em Rousseau é positiva, enquanto emancipação
humana na conquista de autonomia, portanto, oposta à liberdade negativa dos liberais, que se
sustenta na “não-intervenção” do Estado, para estimular a livre iniciativa ou a liberdade individual.
Para Rousseau, a instituição pública, criada com o pacto social é a única garantia da liberdade
humana. A liberdade individual só existe com a liberdade coletiva, ou seja, sem a existência de uma
convenção, construída pelos indivíduos para estabelecer os seus direitos, estes não existiriam e uns
poderiam se apoderar dos outros. Esta teoria política baseia-se na possibilidade dos seres humanos
regerem coletivamente sua própria convivência que, de maneira geral, é entendida como superação
de toda arbitrariedade, no momento em que o ser humano se submete a uma lei erguida por ele
acima de si mesmo.
A vontade geral é, portanto, a soma das diferenças das vontades particulares e não o conjunto das
próprias vontades privadas. Percebe-se que a existência de interesses particulares conflituosos
entre si é a essência da vontade geral no corpo político, o que confere à política uma condição de
arte construtora do interesse comum.
República e corpo político são sinônimos. Quando o povo está reunido, em assembléia, este
constitui o soberano mas, após as deliberações, o corpo político assume a forma de Estado,
fazendo com que o povo cumpra o que ele mesmo estabeleceu. Soberano e Estado assumem a
forma de poder quando se comparam com seus semelhantes, outros Estados. O corpo político é
constituído de cidadãos e súditos: cidadãos enquanto participantes da atividade soberana (ativos);
súditos enquanto submetidos às leis do Estado (passivos).
O pacto social é o ato pelo qual um povo se faz povo, é o verdadeiro fundamento da sociedade.
Assim, é a efetiva participação de um povo que garante o bem comum e a garantia dos direitos de
cada cidadão. A soberania é o exercício da vontade geral e é inalienável, “...e ainda que seja
soberano, que é o ser coletivo, não pode representar-se senão por si mesmo, podendo o poder ser
transmitido, porém, não a vontade”. (Idem:29). Alienar significa dar ou vender. Nenhuma pessoa se
dá ou se entrega gratuitamente. Só um louco faria isso e loucura não constitui direito: “Renunciar à
liberdade é renunciar à qualidade de homem” (Idem: 15).
O fato de alienar a sua vontade a outro faz o ser humano perder o seu próprio direito de viver, visto
que esse só vale em função do Estado, que o garante através das convenções. Ora, se o ser
humano entrega a outro a possibilidade de decidir no soberano, estará se submetendo de tal forma
que já não terá como assegurar sua sobrevivência, já que nada mais irá protegê-lo, a não ser ficar
na esperança de que não haverá submissão, o que, no entanto, nunca estará garantido. Rousseau
é firme nesta afirmação: “Vede, pois, dividida assim a espécie humana em rebanhos, cada um dos
quais tem um chefe que o conserva para devorá-lo. Assim como o pastor é de natureza superior a
do seu rebanho, os pastores de homens, seus chefes, são de natureza superior a de seus povos”.
(Idem: 12).
A idéia de representatividade no poder provém da idéia de superioridade aceita entre vários povos.
Rousseau afirma que ela surge da tendência que os homens desenvolveram em compararem-se
uns aos outros. A comparação sempre será frustrada, pois um ser humano não poderá ser superior
em todos os aspectos em relação aos outros, mas alimenta esse desejo que o torna infeliz. Ao
referir-se à comparação, Rousseau usa o termo amor-próprio, não entendido como amor de si, mas
exatamente o desejo de ser mais que os outros. Isso é muito enfatizado na obra rousseauniana,
pois na sociedade de sua época, cultivava-se o valor do crédito, uma abstração que diferenciava as
pessoas, valorizando-as de acordo com um status. Essa vontade de poder teria instituído o
parlamento representativo, com uns se colocando na condição de quem decide pelo povo,
instituindo leis.
Para que possamos ter um verdadeiro corpo político, baseado na vontade geral, em defesa da
liberdade, enquanto essência da humanidade, todos os participantes do Estado deverim estar
presentes nas deliberações, para que não se quebre o caráter geral. Para isso, não precisaria,
necessariamente, haver unanimidade, mas nenhum voto poderia ficar de fora: “...no lugar de cada
pessoa particular, de cada contratante, este ato de associação produz um corpo moral e coletivo,
composto de tantos membros como a assembléia de votantes, o qual recebe deste mesmo ato sua
unidade, seu eu comum, sua vida e sua vontade” (Idem:21).
Considerando que todos precisam estar em condições de igualdade para haver democracia,
nenhum ser humano poderá ser autoridade diante dos demais e as convenções, criadas por todos,
são a base de toda autoridade legítima. O interesse de um representante sempre é privado e não
poderá expressar o que os outros têm a dizer. Rousseau refere-se à representatividade como uma
idéia absurda, originária da sociedade civil corrompida, não podendo haver democracia se essa não
for direta e as leis que não forem ratificadas pelo próprio povo são consideradas nulas.
O fim da atividade do soberano está estreitamente ligado ao fim da participação popular: “Logo que
o serviço público deixa de ser a principal ocupação dos cidadãos, e estes preferem seu interesse, o
Estado se aproxima da sua ruína. (...) Por força da preguiça e do dinheiro, têm soldados para servir
à pátria e representantes para vendê-la. É o desbaratamento do comércio e das artes, é o cobicioso
interesse do lucro, é a moleza e o amor às comodidades quem troca os serviços pessoais em
dinheiro” (Idem:91).
Geralmente quando estudamos o pensamento político de Rousseau nos baseamos na sua obra
mais difundida O Contrato Social. Nessa elaboração, Rousseau trata dos principais fundamentos
de organização da República, mas não apresenta uma das principais condições para o exercício
democrático: a educação do povo para o exercício direto do poder. Esse enfoque, de caráter
pedagógico e educativo está presente na obra O Emílio, que foi lançada no mesmo período de O
Contrato Social, mas menos difundida, tendo sido rasgada e queimada como sentença do
Parlamento de Paris em 1762, como livro proibido.
Em O Emílio, Rousseau apresenta uma nova educação, preparando as crianças como sujeitos que
se desenvolvem de forma autônoma e criativa, em contato com a natureza. Evitando metodologias
expositivas e baseando-se em experiências da vida, o aluno estaria desenvolvendo capacidades
que o tornariam comprometido com a sociedade. Outra característica marcante é a ausência de
qualquer idéia de superioridade, educando as pessoas para a valorização da igualdade e da
liberdade. A liberdade de um povo, para Rousseau, é algo que pode ser adquirido mas não
recuperado. Por isso, a educação dos jovens é colocada como prioridade e os pais têm o dever de
gerar e sustentar filhos, seres humanos sociáveis à sua espécie e cidadãos ao Estado.
A maior dificuldade que Rousseau aponta para o fato de legislar são os preconceitos que as
instituições no Estado civil corrompido reproduzem na cultura humana. O desafio, portanto, “não é o
que se deve fazer, senão o que se tem de destruir, e, o que é mais estranho, a impossibilidade de
encontrar a simplicidade da natureza unida às necessidades da sociedade” (Idem:51-52).
O povo ideal à legislação, segundo Rousseau, será aquele que puder apresentar o maior número
das seguintes características: a) estar ligado a uma união original sem ter tido leis; b) não possuir
hábitos e superstições arraigadas; c) não temer invasão súbita, podendo resistir sozinho; d) cada
um dos membros poder ser conhecido de todos; e) ninguém deve estar sobrecarregado de funções,
mas todos devem tê-las; f) que possa passar sem os outros, mas os outros não possam passar sem
ele; g) bastar a si mesmo, não sendo rico nem pobre; h) conciliar a consistência de um velho e a
docilidade de um jovem.
9. O tamanho do Estado
A participação popular e a cidadania dependem muito da forma como está constituído o Estado, se
a sua estrutura possui mecanismos que oportunizem a manifestação da vontade geral e que prezem
pelo cumprimento daquilo que o povo delibera. Por isso, a preferência de Rousseau é por um
Estado pequeno: “Quanto mais se estende o laço social, mais se debilita e, em geral, um Estado
pequeno é proporcionalmente mais forte que o maior” (Idem:47).
O Estado grande possui vários limites: a) administração penosa em grandes distâncias; b) estrutura
mais onerosa pelas diversas instâncias; c) o povo dificilmente tem acesso, é como o mundo a seus
olhos (imenso); d) existência de diferentes costumes e tradições (cultura), vários climas, enfim,
diferentes realidades dos diversos povos; e) falta de controle, havendo a necessidade de
delegações de funções.
Rousseau defende três formas básicas de governo: monarquia para Estados grandes, aristocracia
para Estados médios e democracia aos Estados pequenos. Além disso, existem diversas formas
mistas que podem ser criadas a partir dos três tipos básicos, dependendo das características de
cada Estado. Enquanto o legislativo é comparado à vontade ou coração do corpo político, o governo
constitui a força (cérebro). O governo é considerado como funcionário do legislativo. Sua função é
executar as decisões do soberano. Quando o soberano está reunido, o executivo deixa de ter
função. Enquanto o legislativo se preocupa com as questões gerais, o executivo trabalha com o
particular, executando o que a lei determina.
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Contudo é preciso considerar que mesmo na Grécia antiga, que mais perto chegou de
um governo democrático, não havia a participação de todos os membros do Estado. Isso
porque, como se sabe, mulheres, crianças, escravos e estrangeiros não eram considerados
cidadãos. E ser considerado cidadão significava ter direito a participar das decisões políticas.
Para o filósofo do Iluminismo francês, Jean-Jacques Rousseau, se levarmos em consideração
que apenas uma pequena parcela da população ateniense que tinha direito a voto nas decisões
políticas o fazia em assembleias então, mesmo em Atenas, jamais existiu uma Democracia
pura (e dificilmente existirá). Para Rousseau, se formos radicais, veremos que de fato nunca
existiu uma democracia ateniense: na verdade, Atenas não era uma Democracia, mas sim uma
aristocracia bastante tirânica, governada por oradores e eruditos, pois as questões a serem
votadas eram apresentadas ao público e discutidas por aqueles que tinham mais facilidades no
trato com as palavras. Era natural então que os melhores oradores convencessem a maioria
dos votantes a dar seu consentimento a favor dos interesses deles. E os interesses desses
oradores e eruditos nem sempre estava de acordo com a vontade geral, que deveria ditar os
passos do “poder executivo”.
De qualquer forma é preciso considerar que a democracia ateniense era direta, e não
Representativa. O comparecimento à Assembleia soberana era aberto a todo cidadão que teria
a possibilidade de se pronunciar nas deliberações da Assembleia, a chamada isegoria: o
direito universal de falar na Assembleia. E a decisão era pelo voto da maioria simples
daqueles que estivessem presentes (FINLEY, 1988).
A democracia direta pertence aos antigos não somente por serem antigos, mas por se
tratar de povos pouco numerosos e de costumes mais simples entre outras particularidades.
A Democracia Representativa pertence aos modernos por ser a única alternativa viável, visto
que a forma direta seria impraticável com uma população tão numerosa.
Por mais que seja difícil a instituição de uma democracia nestes termos, a participação
direta de todos os cidadãos nas decisões do governo é a única maneira em que se dá uma
administração que possa ser corretamente chamada de democracia.
Democracia em Rousseau
A monarquia absolutista, tal como existia na França e Espanha, tinha como principal
característica a concentração absoluta dos poderes nas mãos de um único soberano: o rei,
senhor de tudo e de todos e a quem todos deviam obediência. Nesse contexto, a grande
contribuição de Rousseau foi formular e conceber toda uma organização política em que a
soberania deve pertencer ao povo e não mais a um único senhor ou um grupo de indivíduos
dotado de poderes absolutos (CHEVALLIER, 2001). Mas para entender como Rousseau
chega a propor esta ideia de que a soberania deve pertencer ao povo é preciso ir um pouco
mais além no seu pensamento e compreender as origens da própria sociedade civil.
Considerando o pensamento do filósofo genebrino de que a sociedade civil surge
através de um pacto social, Rousseau propõe um contrato que permita compensar a perda da
liberdade individual do estado de natureza (estado que antecede o surgimento da sociedade
civil) apenas se esta perda (alienação) estiver à serviço do interesse geral da sociedade. Por
meio do pacto social os homens alienam as suas liberdade e igualdade individuais, do estado
de natureza, em troca da liberdade e igualdade civis, do estado social. Por isso é preciso
pensar um poder político legítimo, efetivamente comprometido com o bem comum e que
garanta o exercício da igualdade e liberdade civil.
Por isso, Rousseau pode ser considerado um dos maiores defensores da ideia de que o
Povo deve ser o detentor de uma soberania que, além de absoluta, é infalível, inalienável e
indivisível. Absoluta, porque “Comme la nature donne à chaque homme un pouvoir absolu sur
tous ses membres, le pacte social donne au Corps politique un pouvoir absolu sur tous les
siens” (ROUSSEAU, 2012, p. 108)[3]. Infalível, porque a vontade geral não pode errar, sendo
a vontade qualitativa de todos os particulares ela deseja sempre o próprio bem. Inalienável,
pois o povo deve exercê-la diretamente, não podendo ser suscetível de transmissão ou
representação; o poder pode ser transferido, mas não a soberania, pois a vontade soberana só
pode ser exercida pelo soberano: “Je dis donc que la souveraineté nʼétant que lʼexercice de la
volonté générale, ne peut jamais sʼaliéner, et que le Souverain, qui nʼest quʼun être collectif,
ne peut être représenté que par luimême, le pouvoir peut bien se transmettre, mais non pas la
volonté” (ROUSSEAU, 2012, p. 105)[4]. É indivisível pela mesma razão que é inalienável:
“Car la volonté est générale ou elle ne lʼest pas; elle est celle du Corps du Peuple, ou
seulement dʼune partie” (ROUSSEAU, 2012, p. 106)[5]. O poder pode ser dividido (como
acontece a divisão dos poderes em Executivo e Legislativo) e, nesse caso, constitui uma
emanação da autoridade soberana, desde que não seja uma divisão da soberania (da vontade
geral).
Democracia e Soberania[6]
Nesse sentido podemos dizer que o poder legislativo tem uma função superior à do
poder executivo e, quanto ao primeiro, não pode haver transferência deste poder do soberano
para qualquer tipo de representante. “Devemos enfatizar que tal poder não pode ser
representado pelo mesmo motivo pelo qual a vontade geral não o pode: o ato de querer não é
representável. Ninguém pode querer pelo outro, muito menos por todo um povo” (GOMES,
2006, p.47). Quanto ao poder executivo, este sim pode ser exercido por funcionários
designados pelo povo.
A questão sobre a representação passa em Rousseau pela pergunta sobre o que pode
ou não ser representado. A busca pela resposta partirá dos conceitos de vontade geral e
soberania popular. O poder soberano pertence ao povo em união. É nessa união que se forma
a vontade geral, que não pode de forma alguma ser transferida ou representada. Perguntamos
então a Rousseau: o que é que não pode ser representado? Sua resposta é: a vontade soberana
do povo.
Essa discussão em torno de uma democracia direta ou representativa leva a uma série
de dilemas e, por mais difícil que seja a instituição de uma democracia no sentido literal do
termo, a participação direta de todos os cidadãos nas decisões do governo é a única maneira
em que se dá uma administração que possa ser corretamente chamada de democracia. Por
outro lado, exercer diretamente o poder executivo, por menor que seja o Estado e por mais
simples que sejam suas questões a serem resolvidas, exige um tempo e uma dedicação dos
quais raramente dispõe a maioria dos cidadãos.
O que se faz necessário para que o sistema republicano funcione bem é que seja
investido na educação dos indivíduos que compõem o Estado para que estes se tornem
cidadãos participativos.
Representatividade x Participação[10]
Os conceitos de vontade geral e soberania popular são chaves para penetrar a ideia de
democracia em Rousseau[11]. Utilizando o significado correto de expressões como governo,
soberano, república e democracia, estamos cada vez mais aptos a entrar no tema da
democracia rousseauniana.
Como então a vontade geral se expressa? Por meio da lei, cuja elaboração deve ficar a
cargo do legislador. Quem redige as leis não pode ter qualquer direito legislativo; este é
inalienável, pertence ao povo soberano. Para Rousseau, preocupado em pôr limites aos
abusos, desejos e vontades privadas, só a lei, a mais sublime de todas as instituições humanas,
seria capaz de assegurar ao estado social a justiça e a liberdade.
Quanto à execução das leis, é tarefa do governo – formado por magistrados ou reis,
governadores –, que age como ministro do soberano. É, portanto, um corpo intermediário
(Príncipe) entre súditos e soberano, encarregado da manutenção da liberdade civil e política.
Esse corpo executa as leis, não as interpreta; tarefa essa reservada ao legislativo.
O Legislador
Levando em consideração a dificuldade de, numa sociedade, por menor que seja,
conseguir englobar a vontade geral, Rousseau propõe então a figura do legislador. “Esse
elabora as leis sem ser o detentor do poder legislativo. Ou seja, ele organiza e enuncia as leis
derivadas da vontade geral, mas quem tem o poder de declarar o que foi escrito como sendo
uma lei é o povo, o único e legítimo soberano” (GOMES, 2006, p. 37).
É preciso considerar também que, apesar da soberania dever ser infalível, a vontade
geral pode errar. Aparentemente há aqui uma contradição que pode facilmente ser resolvida a
partir das ideias do próprio Rousseau. A soberania deve ser infalível porque o povo jamais vai
desejar algo de mal para si. Contudo, pode acontecer que não se esteja suficientemente
esclarecido quanto ao bem que se pretende adquirir.
Além disso, o Legislador deve ser alguém disposto a “mudar a natureza humana”, no
sentido de “transformá-lo”: de um indivíduo, em parte de um todo maior, “do qual de certo
modo esse indivíduo recebe sua vida e seu ser” (ROUSSEAU, 2012). Em outras palavras, é
preciso tornar os indivíduos conscientes de que os mesmos fazem parte de um todo maior, que
é o corpo político (o Estado), “substituir” suas ações instintivas e naturais por “padrões” de
comportamento comuns a todos e torná-los aptos a convivência no seio do corpo político.
Uma outra tarefa que compete ao Legislador é examinar se o povo a que se destina
determinadas leis está apto a recebê-las.
Comme avant dʼélever un grand édifice lʼarchitecte observe et observe
et sonde le sol pour voir sʼil en peut soutenir le poids, le sage
instituteur ne commence pas par rédiger de bonnes loix en elles-
mêmes, mais il examine auparavant si le peuple auquel il les destine
est propre à les supporter (ROUSSEAU, 2012, p. 116)[16].
Nesse sentido, não se pode dizer que para Rousseau, a atividade do legislador seja
apenas a de elaborar leis, mas é uma tarefa pedagógica também, de formação e transformação
da sociedade[17].
Considerações Finais
Ainda brilhava sob os céus da França o Roi Soleil[18], Luis XIV (1638-1715), quando
nasceu em Genebra, em 1712, Jean-Jacques Rousseau. Foi Rousseau quem, pela primeira vez
na história da Filosofia Política e contrariando a teoria do direito divino dos reis e as ideias
absolutistas, alçou o povo à condição de senhor de si mesmo e soberano. Esse é sem dúvida
um dos maiores legados de Rousseau: conceber o povo como titular da legitimidade do poder
político e como agente político de transformação. O povo deixou de ser mero coadjuvante na
arena dos debates políticos e ganhou uma nova dimensão com o pensamento rousseauniano.
As influências de Rousseau são significativas e não é sem razão que Paulo Bonavides
afirma: “o Contrato Social sacode o homem do século XVIII com a mesma intensidade com
que o Manifesto Comunista abala o século XX” (1961, p. 187).
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Democracia Direta