Você está na página 1de 21

A democracia direta em Rousseau

Rousseau é um dos principais pensadores da concepção jusnaturalista


ou contratualista. Suas obras serviram de referencial à Revolução
Francesa e permanecem como fundamentais ao entendimento do que
conhecemos por Estado moderno. O grande diferencial de sua teoria, se
comparada a outros contratualistas, é a exigência da participação direta
do povo no ato legislativo. A forte crítica ao Estado representativo permite
uma interpretação de Rousseau como um crítico do liberalismo, teoria
emergente em sua época. Entretanto, para conseguirmos perceber o que
implica a afirmação da democracia direta em Rousseau é fundamental
situar este princípio no conjunto de sua obra política.

1. A origem da desigualdade

A concepção rousseauniana da política estabelece uma trajetória de evolução da organização social


que difere de outros pensadores. Assim como Hobbes, Rousseau constrói uma hipótese de estado
de natureza e estado civil, mas considera o “estado de guerra” hobbesiano presente na sociedade
civil. O estado de natureza é apresentado como um momento de ampla felicidade humana, onde os
seres humanos não tinham a necessidade de se relacionarem e não havia desigualdade. Este modo
de vida, hipoteticamente construído para justificar sua proposta de República, teria sido destruído
com a instituição da propriedade privada e das leis. É na sociedade das instituições civis que reside
a crítica rousseauniana e o fundamento de sua teoria política. Entretanto, se com a razão o ser
humano construiu uma civilização corrompida, é com a capacidade racional que a humanidade
deverá encontrar suas soluções.

Diante da constatação de que “o verdadeiro fundador da sociedade foi o primeiro que, tendo
cercado um terreno, lembrou-se de dizer ‘isto é meu’ e encontrou pessoas suficientemente simples
para acreditá-lo”, Rousseau encontra na desigualdade humana o principal problema da organização
política (ROUSSEAU, 1980:270).

2. A necessidade de igualdade para a existência de liberdade

Diante do problema da desigualdade humana, a proposta política de Rousseau afirma como valores
fundamentais a igualdade e a liberdade. Como para ele não existe liberdade sem igualdade, as leis
que se fundam num contexto de desigualdade só servem para a manutenção da injustiça: “Sob os
maus governos a igualdade é ilusória e aparente, e não serve senão para manter o pobre na miséria
e o rico na usurpação” (Idem:27).

A liberdade não existe sem igualdade porque o ser humano que estiver numa condição superior ao
outro terá mais poder e o que estará em situação inferior ficará limitado a este. A superioridade só
funciona enquanto relação de força e não constitui direito. O direito só existe a partir de convenções,
que são próprias de um corpo político, como resultado de um processo de discussão. Neste
aspecto, Rousseau critica o Estado liberal, como uma instituição que surgiu para converter em
direito o que os burgueses já possuíam enquanto força, através da instituição da propriedade
privada.

Com o objetivo de construir um Estado que se oponha à sociedade civil corrompida na


desigualdade, a defesa da liberdade e da igualdade é o fim de todo o sistema legislativo em
Rousseau: “A liberdade porque toda a dependência particular é outro tanto de força tirada ao corpo
do Estado; a igualdade, porque a liberdade não pode existir sem ela”. (Idem: 52).

3. A instituição pública como garantia da liberdade

Sendo as convenções a fonte de toda forma de direito, é através do pacto social que as pessoas
podem conquistar sua liberdade. A liberdade em Rousseau é positiva, enquanto emancipação
humana na conquista de autonomia, portanto, oposta à liberdade negativa dos liberais, que se
sustenta na “não-intervenção” do Estado, para estimular a livre iniciativa ou a liberdade individual.

Para Rousseau, a instituição pública, criada com o pacto social é a única garantia da liberdade
humana. A liberdade individual só existe com a liberdade coletiva, ou seja, sem a existência de uma
convenção, construída pelos indivíduos para estabelecer os seus direitos, estes não existiriam e uns
poderiam se apoderar dos outros. Esta teoria política baseia-se na possibilidade dos seres humanos
regerem coletivamente sua própria convivência que, de maneira geral, é entendida como superação
de toda arbitrariedade, no momento em que o ser humano se submete a uma lei erguida por ele
acima de si mesmo.

4. A vontade de todos e a vontade geral

A fundamentação do Estado rousseauniano é a vontade geral, que surge do conflito entre as


vontades particulares de todos os cidadãos. Como existe uma tendência humana em defender os
interesses privados acima da vontade coletiva, a assembléia, enquanto um processo de decisão, é
o espaço da destruição das vontades particulares em proveito do interesse comum. Isto é diferente
da vontade de todos, que seria apenas a soma dos interesses particulares dos cidadãos. “Há, às
vezes, diferença entre a vontade de todos e a vontade geral: esta só atende ao interesse comum,
enquanto a outra olha o interesse privado, e não é senão uma soma das vontades particulares.
Porém, tirando estas mesmas vontades, que se destroem entre si, resta como soma dessas
diferenças a vontade geral”. (Idem:32).

A vontade geral é, portanto, a soma das diferenças das vontades particulares e não o conjunto das
próprias vontades privadas. Percebe-se que a existência de interesses particulares conflituosos
entre si é a essência da vontade geral no corpo político, o que confere à política uma condição de
arte construtora do interesse comum.

5. Soberano e Estado: cidadãos e súditos.


Assim como é necessário discernir entre a vontade de todos e a vontade geral, é importante
diferenciar os conceitos de Estado e Soberano, para entendermos de forma mais sistemática o
pensamento político de Rousseau. Com esta diferenciação chegamos também à diferença básica
que existe entre súdito e cidadão, visto que esta condição distinta equivale aos mesmos homens,
que ora cumprem um papel e posteriormente outro.

República e corpo político são sinônimos. Quando o povo está reunido, em assembléia, este
constitui o soberano mas, após as deliberações, o corpo político assume a forma de Estado,
fazendo com que o povo cumpra o que ele mesmo estabeleceu. Soberano e Estado assumem a
forma de poder quando se comparam com seus semelhantes, outros Estados. O corpo político é
constituído de cidadãos e súditos: cidadãos enquanto participantes da atividade soberana (ativos);
súditos enquanto submetidos às leis do Estado (passivos).

6. A participação direta no soberano como legitimadora do conceito de povo e das leis

Em Rousseau não se admite a representação da vontade de um cidadão para o outro. A vontade só


será geral se tiver a participação de todos os cidadãos de um Estado, por ocasião do ato legislativo.
A soberania só existe se for geral: “...é a de todo um povo ou de uma parte dele. No primeiro caso,
esta vontade declarada é um ato de soberania e faz lei, no segundo, é simplesmente uma vontade
particular, um ato de magistratura ou, quanto muito, um decreto”. (Idem: 30).

O pacto social é o ato pelo qual um povo se faz povo, é o verdadeiro fundamento da sociedade.
Assim, é a efetiva participação de um povo que garante o bem comum e a garantia dos direitos de
cada cidadão. A soberania é o exercício da vontade geral e é inalienável, “...e ainda que seja
soberano, que é o ser coletivo, não pode representar-se senão por si mesmo, podendo o poder ser
transmitido, porém, não a vontade”. (Idem:29). Alienar significa dar ou vender. Nenhuma pessoa se
dá ou se entrega gratuitamente. Só um louco faria isso e loucura não constitui direito: “Renunciar à
liberdade é renunciar à qualidade de homem” (Idem: 15).

O fato de alienar a sua vontade a outro faz o ser humano perder o seu próprio direito de viver, visto
que esse só vale em função do Estado, que o garante através das convenções. Ora, se o ser
humano entrega a outro a possibilidade de decidir no soberano, estará se submetendo de tal forma
que já não terá como assegurar sua sobrevivência, já que nada mais irá protegê-lo, a não ser ficar
na esperança de que não haverá submissão, o que, no entanto, nunca estará garantido. Rousseau
é firme nesta afirmação: “Vede, pois, dividida assim a espécie humana em rebanhos, cada um dos
quais tem um chefe que o conserva para devorá-lo. Assim como o pastor é de natureza superior a
do seu rebanho, os pastores de homens, seus chefes, são de natureza superior a de seus povos”.
(Idem: 12).

A idéia de representatividade no poder provém da idéia de superioridade aceita entre vários povos.
Rousseau afirma que ela surge da tendência que os homens desenvolveram em compararem-se
uns aos outros. A comparação sempre será frustrada, pois um ser humano não poderá ser superior
em todos os aspectos em relação aos outros, mas alimenta esse desejo que o torna infeliz. Ao
referir-se à comparação, Rousseau usa o termo amor-próprio, não entendido como amor de si, mas
exatamente o desejo de ser mais que os outros. Isso é muito enfatizado na obra rousseauniana,
pois na sociedade de sua época, cultivava-se o valor do crédito, uma abstração que diferenciava as
pessoas, valorizando-as de acordo com um status. Essa vontade de poder teria instituído o
parlamento representativo, com uns se colocando na condição de quem decide pelo povo,
instituindo leis.

Para que possamos ter um verdadeiro corpo político, baseado na vontade geral, em defesa da
liberdade, enquanto essência da humanidade, todos os participantes do Estado deverim estar
presentes nas deliberações, para que não se quebre o caráter geral. Para isso, não precisaria,
necessariamente, haver unanimidade, mas nenhum voto poderia ficar de fora: “...no lugar de cada
pessoa particular, de cada contratante, este ato de associação produz um corpo moral e coletivo,
composto de tantos membros como a assembléia de votantes, o qual recebe deste mesmo ato sua
unidade, seu eu comum, sua vida e sua vontade” (Idem:21).

7. A representatividade e o fim do Estado

Considerando que todos precisam estar em condições de igualdade para haver democracia,
nenhum ser humano poderá ser autoridade diante dos demais e as convenções, criadas por todos,
são a base de toda autoridade legítima. O interesse de um representante sempre é privado e não
poderá expressar o que os outros têm a dizer. Rousseau refere-se à representatividade como uma
idéia absurda, originária da sociedade civil corrompida, não podendo haver democracia se essa não
for direta e as leis que não forem ratificadas pelo próprio povo são consideradas nulas.

O fim da atividade do soberano está estreitamente ligado ao fim da participação popular: “Logo que
o serviço público deixa de ser a principal ocupação dos cidadãos, e estes preferem seu interesse, o
Estado se aproxima da sua ruína. (...) Por força da preguiça e do dinheiro, têm soldados para servir
à pátria e representantes para vendê-la. É o desbaratamento do comércio e das artes, é o cobicioso
interesse do lucro, é a moleza e o amor às comodidades quem troca os serviços pessoais em
dinheiro” (Idem:91).

8. A educação como condição de possibilidade para a democracia direta

Geralmente quando estudamos o pensamento político de Rousseau nos baseamos na sua obra
mais difundida O Contrato Social. Nessa elaboração, Rousseau trata dos principais fundamentos
de organização da República, mas não apresenta uma das principais condições para o exercício
democrático: a educação do povo para o exercício direto do poder. Esse enfoque, de caráter
pedagógico e educativo está presente na obra O Emílio, que foi lançada no mesmo período de O
Contrato Social, mas menos difundida, tendo sido rasgada e queimada como sentença do
Parlamento de Paris em 1762, como livro proibido.

Em O Emílio, Rousseau apresenta uma nova educação, preparando as crianças como sujeitos que
se desenvolvem de forma autônoma e criativa, em contato com a natureza. Evitando metodologias
expositivas e baseando-se em experiências da vida, o aluno estaria desenvolvendo capacidades
que o tornariam comprometido com a sociedade. Outra característica marcante é a ausência de
qualquer idéia de superioridade, educando as pessoas para a valorização da igualdade e da
liberdade. A liberdade de um povo, para Rousseau, é algo que pode ser adquirido mas não
recuperado. Por isso, a educação dos jovens é colocada como prioridade e os pais têm o dever de
gerar e sustentar filhos, seres humanos sociáveis à sua espécie e cidadãos ao Estado.

A maior dificuldade que Rousseau aponta para o fato de legislar são os preconceitos que as
instituições no Estado civil corrompido reproduzem na cultura humana. O desafio, portanto, “não é o
que se deve fazer, senão o que se tem de destruir, e, o que é mais estranho, a impossibilidade de
encontrar a simplicidade da natureza unida às necessidades da sociedade” (Idem:51-52).

O povo ideal à legislação, segundo Rousseau, será aquele que puder apresentar o maior número
das seguintes características: a) estar ligado a uma união original sem ter tido leis; b) não possuir
hábitos e superstições arraigadas; c) não temer invasão súbita, podendo resistir sozinho; d) cada
um dos membros poder ser conhecido de todos; e) ninguém deve estar sobrecarregado de funções,
mas todos devem tê-las; f) que possa passar sem os outros, mas os outros não possam passar sem
ele; g) bastar a si mesmo, não sendo rico nem pobre; h) conciliar a consistência de um velho e a
docilidade de um jovem.

9. O tamanho do Estado

A participação popular e a cidadania dependem muito da forma como está constituído o Estado, se
a sua estrutura possui mecanismos que oportunizem a manifestação da vontade geral e que prezem
pelo cumprimento daquilo que o povo delibera. Por isso, a preferência de Rousseau é por um
Estado pequeno: “Quanto mais se estende o laço social, mais se debilita e, em geral, um Estado
pequeno é proporcionalmente mais forte que o maior” (Idem:47).

O Estado grande possui vários limites: a) administração penosa em grandes distâncias; b) estrutura
mais onerosa pelas diversas instâncias; c) o povo dificilmente tem acesso, é como o mundo a seus
olhos (imenso); d) existência de diferentes costumes e tradições (cultura), vários climas, enfim,
diferentes realidades dos diversos povos; e) falta de controle, havendo a necessidade de
delegações de funções.

10. A possibilidade de representação no governo

A nível de executivo, Rousseau admite a representatividade, defendendo a necessidade de um


governo forte, ágil e eficiente, o que muitas vezes o soberano não consegue ser ao mesmo tempo.
Neste sentido, “sendo a lei a declaração da vontade geral, está claro que no poder legislativo não
pode o povo ser representado, porém pode e deve sê-lo no poder executivo, que é a força aplicada
à lei” (Idem: 92).

Rousseau defende três formas básicas de governo: monarquia para Estados grandes, aristocracia
para Estados médios e democracia aos Estados pequenos. Além disso, existem diversas formas
mistas que podem ser criadas a partir dos três tipos básicos, dependendo das características de
cada Estado. Enquanto o legislativo é comparado à vontade ou coração do corpo político, o governo
constitui a força (cérebro). O governo é considerado como funcionário do legislativo. Sua função é
executar as decisões do soberano. Quando o soberano está reunido, o executivo deixa de ter
função. Enquanto o legislativo se preocupa com as questões gerais, o executivo trabalha com o
particular, executando o que a lei determina.

A idéia de democracia em Rousseau situa-se no nível do dever-ser, necessitando de uma ação


efetiva que conduza à sua concretização. Os interesses arbitrários do indivíduo devem dar lugar à
construção coletiva daquilo que permite que todos possam ser iguais. A partir da participação direta
do povo no poder seria possível construir a vontade geral, que é o fundamento do corpo político
rousseauniano. A República é vista como garantia da liberdade, valor colocado como condição à
humanidade. Como a liberdade só existe quando há igualdade, chegamos ao centro das
preocupações de Rousseau diante da sociedade de sua época: a desigualdade. E, para construir
uma sociedade de liberdade e igualdade, é imprescindível a democracia direta.

--------------------------------------------------

A ideia de um governo na qual o povo (demos) governe (cracia) ou execute diretamente as

tarefas administrativas e legislativas do Estado surgiu na Grécia Antiga. Nela, os cidadãos


governavam a polis reunindo-se em assembleia na ágora (praça pública) e votando a favor ou
contra determinada lei ou ação.

Contudo é preciso considerar que mesmo na Grécia antiga, que mais perto chegou de
um governo democrático, não havia a participação de todos os membros do Estado. Isso
porque, como se sabe, mulheres, crianças, escravos e estrangeiros não eram considerados
cidadãos. E ser considerado cidadão significava ter direito a participar das decisões políticas.
Para o filósofo do Iluminismo francês, Jean-Jacques Rousseau, se levarmos em consideração
que apenas uma pequena parcela da população ateniense que tinha direito a voto nas decisões
políticas o fazia em assembleias então, mesmo em Atenas, jamais existiu uma Democracia
pura (e dificilmente existirá). Para Rousseau, se formos radicais, veremos que de fato nunca
existiu uma democracia ateniense: na verdade, Atenas não era uma Democracia, mas sim uma
aristocracia bastante tirânica, governada por oradores e eruditos, pois as questões a serem
votadas eram apresentadas ao público e discutidas por aqueles que tinham mais facilidades no
trato com as palavras. Era natural então que os melhores oradores convencessem a maioria
dos votantes a dar seu consentimento a favor dos interesses deles. E os interesses desses
oradores e eruditos nem sempre estava de acordo com a vontade geral, que deveria ditar os
passos do “poder executivo”.

De qualquer forma é preciso considerar que a democracia ateniense era direta, e não
Representativa. O comparecimento à Assembleia soberana era aberto a todo cidadão que teria
a possibilidade de se pronunciar nas deliberações da Assembleia, a chamada isegoria: o
direito universal de falar na Assembleia. E a decisão era pelo voto da maioria simples
daqueles que estivessem presentes (FINLEY, 1988).

O termo Democracia teve seu significado alterado no transcorrer da antiguidade para a


modernidade. De um sistema de governo no qual o povo participa diretamente do poder
executivo, a democracia passou a ser conhecida como um sistema Representativo de governo,
cujos poderes Executivo e Legislativo são exercidos por representantes eleitos através do
sufrágio popular. A democracia como o exercício direto do governo pelo povo recebeu seu
significado diretamente da etimologia da palavra. Traduzido do original em grego,
democracia é o governo pelo povo. Essa definição clássica envolve a participação direta do
cidadão no poder, mas a democracia moderna aceita a representação como uma forma de
governo do povo. Transferindo aos representantes até mesmo a função de expor suas ideias
sobre a legislação e a Administração do Estado, os cidadãos modernos estão cada vez mais
afastados da isegoria grega.

A democracia direta pertence aos antigos não somente por serem antigos, mas por se
tratar de povos pouco numerosos e de costumes mais simples entre outras particularidades.
A Democracia Representativa pertence aos modernos por ser a única alternativa viável, visto
que a forma direta seria impraticável com uma população tão numerosa.

Por mais que seja difícil a instituição de uma democracia nestes termos, a participação
direta de todos os cidadãos nas decisões do governo é a única maneira em que se dá uma
administração que possa ser corretamente chamada de democracia.
Democracia em Rousseau

Para um melhor entendimento do pensamento de Rousseau é necessário levar em


consideração o contexto histórico-social da Europa do século XVIII, sobretudo a partir dos
regimes políticos estabelecidos em alguns países, como a monarquia absolutista e o
feudalismo aristocrático ainda vigente.

A monarquia absolutista, tal como existia na França e Espanha, tinha como principal
característica a concentração absoluta dos poderes nas mãos de um único soberano: o rei,
senhor de tudo e de todos e a quem todos deviam obediência. Nesse contexto, a grande
contribuição de Rousseau foi formular e conceber toda uma organização política em que a
soberania deve pertencer ao povo e não mais a um único senhor ou um grupo de indivíduos
dotado de poderes absolutos (CHEVALLIER, 2001). Mas para entender como Rousseau
chega a propor esta ideia de que a soberania deve pertencer ao povo é preciso ir um pouco
mais além no seu pensamento e compreender as origens da própria sociedade civil.
Considerando o pensamento do filósofo genebrino de que a sociedade civil surge
através de um pacto social, Rousseau propõe um contrato que permita compensar a perda da
liberdade individual do estado de natureza (estado que antecede o surgimento da sociedade
civil) apenas se esta perda (alienação) estiver à serviço do interesse geral da sociedade. Por
meio do pacto social os homens alienam as suas liberdade e igualdade individuais, do estado
de natureza, em troca da liberdade e igualdade civis, do estado social. Por isso é preciso
pensar um poder político legítimo, efetivamente comprometido com o bem comum e que
garanta o exercício da igualdade e liberdade civil.

No Contrato Social Rousseau discorre sobre o Estado e a soberania popular e é aqui


que o povo aparece como a origem legítima do poder soberano e não mais a figura do
monarca como soberano absoluto, limitado pela instituição da constituição. O povo passa a
ser o soberano e o governante (monarca ou administrador eleito) restringe-se à função de
agente do soberano. A soberania do Contrato não reside no administrador executivo, mas nos
próprios indivíduos, tomados coletivamente como povo, que lhe prescrevem como governar.
Neste sentido, podemos dizer que uma das preocupações de Rousseau era o de mostrar em sua
obra que a monarquia não era a única forma de governo capaz de fundar a soberania do
Estado (como o pensavam Jacques Bossuet[1] e Jean Bodin[2]). O autor do Contrato concebe
o povo como portador da vontade geral que constitui o fundamento do Estado.

Contrariamente ao regime monárquico onde os homens alienam sua liberdade sem


contrapartida, o filósofo considera uma democracia onde os homens alienam sua liberdade ao
conjunto do povo que eles compõem. A vontade geral assim constituída deseja o que há de
melhor para cada um, onde cada um aliena sua liberdade sob a condição de que todos façam o
mesmo, sendo a condição igual para todos, pois a vontade particular tende para interesses
particulares, mas a vontade geral tende para a igualdade. Desta forma, os indivíduos cedem de
sua liberdade não para um outro indivíduo ou um conjunto de indivíduos, mas para o coletivo,
sob a condição de que todos façam o mesmo. Isso porque, de acordo com o filósofo, em uma
legislação perfeita, a vontade particular ou individual deve ser nula enquanto que a vontade
geral é a única regra para todas as outras. Rousseau vê num rei e seu povo, a mesma relação
entre senhor e escravo, pois o interesse de um só homem será sempre o interesse privado. Por
outro lado, quando a soberania é dada ao povo é possível pensar que, trabalhando para os
outros, trabalha-se para si mesmo. Os indivíduos têm suas vontades particulares, mas também
existe a vontade geral. Cada homem é legislador e sujeito, obedecendo a leis que lhe são
favoráveis. Desta forma, o tratado social tem por finalidade conservar os contratantes.

Por isso, Rousseau pode ser considerado um dos maiores defensores da ideia de que o
Povo deve ser o detentor de uma soberania que, além de absoluta, é infalível, inalienável e
indivisível. Absoluta, porque “Comme la nature donne à chaque homme un pouvoir absolu sur
tous ses membres, le pacte social donne au Corps politique un pouvoir absolu sur tous les
siens” (ROUSSEAU, 2012, p. 108)[3]. Infalível, porque a vontade geral não pode errar, sendo
a vontade qualitativa de todos os particulares ela deseja sempre o próprio bem. Inalienável,
pois o povo deve exercê-la diretamente, não podendo ser suscetível de transmissão ou
representação; o poder pode ser transferido, mas não a soberania, pois a vontade soberana só
pode ser exercida pelo soberano: “Je dis donc que la souveraineté nʼétant que lʼexercice de la
volonté générale, ne peut jamais sʼaliéner, et que le Souverain, qui nʼest quʼun être collectif,
ne peut être représenté que par luimême, le pouvoir peut bien se transmettre, mais non pas la
volonté” (ROUSSEAU, 2012, p. 105)[4]. É indivisível pela mesma razão que é inalienável:
“Car la volonté est générale ou elle ne lʼest pas; elle est celle du Corps du Peuple, ou
seulement dʼune partie” (ROUSSEAU, 2012, p. 106)[5]. O poder pode ser dividido (como
acontece a divisão dos poderes em Executivo e Legislativo) e, nesse caso, constitui uma
emanação da autoridade soberana, desde que não seja uma divisão da soberania (da vontade
geral).

Democracia e Soberania[6]

Em um Estado republicano[7], a soberania pertence ao povo e não pode ser alienada.


Em outras palavras, o poder legislativo, em um Estado legítimo, somente pode ser exercido
pelo povo, único detentor do poder soberano. A lei ratificada pelo soberano é a expressão da
vontade geral (sobre a ideia de vontade geral veremos de forma mais específica mais adiante).

A soberania manifesta-se pela capacidade legislativa, e o executivo, ou administrador


(príncipe ou presidente), é apenas um agente que aplica a lei aos casos específicos; sendo seu
poder simples concessão do soberano. Além disso, a separação entre Poder Legislativo (que
trata do interesse geral) e Poder Executivo (que trata da aplicação das leis à casos particulares)
visa impedir o abuso da autoridade soberana. Em Rousseau é explícita a separação entre o
poder legislativo e o poder executivo: aquele que executa as leis é um mero funcionário de
quem as ratifica.

Soberania e poder legislativo fundem-se na figura do povo contratante. Sendo o


contrato (pacto) firmado entre cada indivíduo e o conjunto destes, cabe unicamente ao povo o
poder soberano, que se trata da autoridade máxima e inquestionável. Cabe necessariamente ao
povo ratificar suas leis, visto serem estas a expressão da vontade geral. O governo, que se
ocupa da execução daquilo que já está prescrito pela lei, é considerado mero funcionário do
soberano por ser encarregado de uma função secundária. Exprimir as vontades do corpo cabe
somente a este: no caso, o povo. O ato de executar aquilo que pede uma vontade já expressa é
uma função que pode ser delegada a outro.

Nesse sentido podemos dizer que o poder legislativo tem uma função superior à do
poder executivo e, quanto ao primeiro, não pode haver transferência deste poder do soberano
para qualquer tipo de representante. “Devemos enfatizar que tal poder não pode ser
representado pelo mesmo motivo pelo qual a vontade geral não o pode: o ato de querer não é
representável. Ninguém pode querer pelo outro, muito menos por todo um povo” (GOMES,
2006, p.47). Quanto ao poder executivo, este sim pode ser exercido por funcionários
designados pelo povo.

Rousseau critica a ideia de representação sobretudo no que diz respeito ao soberano e


sua função legislativa[8]. Ele enfatiza a ligação entre soberania e poder legislativo para não
deixar dúvidas de que somente o que for ratificado pelo povo soberano em forma de sufrágio
popular pode ser considerado lei. Quaisquer decretos feitos por funcionários do executivo são
abusos do Governo. Dessa forma, o legislativo não pode ser representado, mas o executivo,
que é submisso ao primeiro, pode (GOMES, 2006, p. 70-71).

Apesar de Rousseau ser partidário da democracia direta, entendendo a representação


como uma forma de alienação da soberania, razão pela qual ela é inalienável, existe espaço
para a representação no Contrato, a partir da figura dos deputados do povo, sendo que estes
são apenas seus comissários.

A questão sobre a representação passa em Rousseau pela pergunta sobre o que pode
ou não ser representado. A busca pela resposta partirá dos conceitos de vontade geral e
soberania popular. O poder soberano pertence ao povo em união. É nessa união que se forma
a vontade geral, que não pode de forma alguma ser transferida ou representada. Perguntamos
então a Rousseau: o que é que não pode ser representado? Sua resposta é: a vontade soberana
do povo.

O governante de uma nação a representa na medida em que age em nome de seus


cidadãos. Ele não substitui o povo em sua soberania, apenas age no lugar dele, devendo
respeito aos detentores deste poder. Rousseau dizia que a vontade geral, identificada com o
poder soberano, não pode ser representada. Nesse caso, não é a vontade que o governante
representa: ele age no lugar do povo, mas a sua vontade não toma o lugar da vontade geral.
Ele tem a autonomia necessária para agir sem a necessidade de a cada passo consultar o povo
a que representa. Mas em cada atitude ele tem a consciência de sua responsabilidade nesse
cargo, pois deve prestar contas periodicamente e pode ser destituído de seu posto caso não
faça seu trabalho honesta e corretamente.

Essa discussão em torno de uma democracia direta ou representativa leva a uma série
de dilemas e, por mais difícil que seja a instituição de uma democracia no sentido literal do
termo, a participação direta de todos os cidadãos nas decisões do governo é a única maneira
em que se dá uma administração que possa ser corretamente chamada de democracia. Por
outro lado, exercer diretamente o poder executivo, por menor que seja o Estado e por mais
simples que sejam suas questões a serem resolvidas, exige um tempo e uma dedicação dos
quais raramente dispõe a maioria dos cidadãos.

Daí que, por falta de tempo, estrutura e, no entender de Rousseau,


principalmente por comodidade, são eleitos representantes para
realizar as tarefas políticas. O principal problema está no fato de que,
dentre essas tarefas políticas, encontra-se também a aprovação das leis
do Estado, tarefa cabível somente ao povo soberano. A aprovação das
leis corresponde ao poder legislativo e este é inalienável e não pode
ser representado por ser a expressão da vontade geral. Contrariando
essa exigência do Contrato, o poder legislativo comumente é delegado
a representantes que, como o próprio nome dá a entender, têm a
permissão para tomar decisões em nome do povo. O povo, por sua vez
fica à mercê das atitudes destes representantes, sendo obrigado a
obedecer leis que não foram ratificadas diretamente por ele. Segundo
o genebrino, a representação serve somente para escravizar o povo,
que prefere a comodidade da escravidão a uma liberdade cheia de
responsabilidades civis (GOMES, 2006, p. 51-52).

Ademais, a participação popular pode e deve ser incentivada e possibilitada através da


Educação[9]. É a constante participação no exercício do poder que contribui com a educação
de cidadãos ativos. A contribuição se dá pela experiência direta, proporcionando ao cidadão
uma visão mais clara do funcionamento do governo e exigindo dele maior consciência dos
problemas do Estado. Participação popular e educação se fundem num círculo que deve ser
preservado e aprimorado a cada instante, de geração em geração (GOMES, 2006, p. 66).

O que se faz necessário para que o sistema republicano funcione bem é que seja
investido na educação dos indivíduos que compõem o Estado para que estes se tornem
cidadãos participativos.

Representatividade x Participação[10]

No pensamento político de Rousseau verificamos que a melhor forma de regime


político é a democracia e que a melhor forma de governo é aquela na qual a soberania
pertença ao povo. Mas é preciso considerar aquilo que poderíamos chamar de “relatividade
histórica no âmbito do governo” no pensamento de Rousseau: cada uma das formas de
governo (democracia, aristocracia ou monarquia) pode ser a melhor em determinados casos e
pior em outros. É preciso levar em consideração as condições econômicas, geográficas,
demográficas etc. para decidir a quem confiar a governança de um povo. Rousseau é enfático
ao afirmar que a democracia convém aos pequenos Estados, a aristocracia aos médios e a
monarquia aos grandes. E no que diz respeito a Democracia, é preciso considerar o Rousseau
do Contrato Social, para o qual os cidadãos devem intervir diretamente no Poder Legislativo,
caso contrário estaremos diante da usurpação do poder político pelos interesses particulares e
o Rousseau das Considerações sobre o Governo da Polônia (1771) e do Projeto de
Constituição para a Córsega (1765) que incorporam a dimensão prática no pensamento do
filósofo. Aqui Rousseau dá um salto da democracia direta defendida no Contrato, para
a Democracia Representativa, pois é preciso considerar que a Polônia é um país de grandes
dimensões e muito povoado, o que impede o exercício direto da soberania, isto é, o exercício
da soberania sem representantes. Isso levará Rousseau a repensar a defesa da democracia
direta e a aceitar, ainda que com algumas reticências, a democracia representativa.

A democracia direta é afirmada categoricamente no capítulo XV, do Livro III, do


Contrato, intitulado: dos deputados ou representantes. Rousseau chega a comparar os
cidadãos que por preguiça ou desinteresse nomeiam ou pagam deputados ao serviço com
soldados mercenários que vendem seus préstimos a pátria. Mas já no Contrato Rousseau
introduz o elemento representativo, mas com uma certa cautela: Rousseau dirá que se deve
eleger delegados (e não representantes). A democracia representativa surge como uma
variante da democracia direta, sempre que os deputados sejam comissários e não
representantes, ou seja, sem que possam tomar qualquer conclusão definitiva: os deputados
devem ajustar as suas decisões à opinião e vontade dos cidadãos. Trata-se de encontrar um
equilíbrio entre a impossibilidade da democracia direta e a democracia representativa. Já no
Projeto de Constituição para a Córsega, Rousseau recomenda como melhor forma de
governo o regime democrático representativo: um governo misto que integre o elemento
aristocrático (representativo) e o elemento democrático (da soberania popular), onde o povo
se reúna por parte e mude com frequência os depositários do poder.

Rousseau rejeita a teoria e prática da representação política por considera-la alienadora


da soberania e da autonomia dos indivíduos. O seu enfoque político exige um sistema de
Participação política direta. Tendo a associação política como objetivo o interesse público,
torna-se necessário que cada indivíduo participe diretamente da coisa pública como único juiz
legítimo de seus próprios interesses. Só a participação política pode garantir a liberdade civil e
dar autenticidade a democracia: quanto mais a opinião e a vontade dos indivíduos se expressar
sem a necessidade de intermediários e representantes, maior o grau de democracia e de
legitimidade das decisões tomadas. Quando Rousseau abandona sua especulação teórica do
Contrato para recomendar uma outra forma de governo possível, no caso da Córsega, ele
aposta na democracia representativa, desde que esta seja fortemente Democracia Participativa
e comprometida com o bem comum.
Vontade geral: essência da soberania popular e da democracia

Os conceitos de vontade geral e soberania popular são chaves para penetrar a ideia de
democracia em Rousseau[11]. Utilizando o significado correto de expressões como governo,
soberano, república e democracia, estamos cada vez mais aptos a entrar no tema da
democracia rousseauniana.

A soberania popular aponta os cidadãos em conjunto como únicos possuidores da


soberania nacional, que representa o maior poder do Estado e que devem dirigi-lo no interesse
comum. A impossibilidade de transferir total ou imparcialmente a soberania se explica por ser
ela a sede da vontade geral. Segundo Rousseau existe uma diferença entre a vontade de todos
e a vontade geral, pois a vontade geral não é a mera soma da vontade de todos, mas pretende
ser a vontade do interesse comum (Do Contrato Social). Em Rousseau existem vários níveis
de vontade: a vontade geral, que se trata da vontade do corpo formado por toda a comunidade
política (por todos os cidadãos); a vontade particular de um indivíduo ou de um grupo
formado apenas por uma pequena parcela dos indivíduos da sociedade; e a vontade de todos,
que é a soma de todas as vontades particulares e que não deve ser confundida com a vontade
geral. A vontade geral, conforme dito, somente pode existir e ser estabelecida por uma
comunidade política legítima, dentro de uma República.

A vontade geral é a expressão política da vontade do soberano – o povo. A quem o


povo deve obedecer? Ora, a si mesmo, responde Rousseau![12] Correspondendo ao
enunciado da vontade geral e, consequentemente, pertencendo ao interesse público, as leis
devem estar acima dos interesses particulares: “La première et la plus importante conséquence
des principes ci-devant établis est, que la volonté générale peut seule diriger les forces de
lʼEtat selon la fin de son institution, qui est le bien commun” (ROUSSEAU, 2012, p.
105)[13]. Quando o contrário acontece, os abusos resultantes culminam na sociedade
corrompida da qual Rousseau deseja se afastar.

Como então a vontade geral se expressa? Por meio da lei, cuja elaboração deve ficar a
cargo do legislador. Quem redige as leis não pode ter qualquer direito legislativo; este é
inalienável, pertence ao povo soberano. Para Rousseau, preocupado em pôr limites aos
abusos, desejos e vontades privadas, só a lei, a mais sublime de todas as instituições humanas,
seria capaz de assegurar ao estado social a justiça e a liberdade.

Quanto à execução das leis, é tarefa do governo – formado por magistrados ou reis,
governadores –, que age como ministro do soberano. É, portanto, um corpo intermediário
(Príncipe) entre súditos e soberano, encarregado da manutenção da liberdade civil e política.
Esse corpo executa as leis, não as interpreta; tarefa essa reservada ao legislativo.

O Legislador

Levando em consideração a dificuldade de, numa sociedade, por menor que seja,
conseguir englobar a vontade geral, Rousseau propõe então a figura do legislador. “Esse
elabora as leis sem ser o detentor do poder legislativo. Ou seja, ele organiza e enuncia as leis
derivadas da vontade geral, mas quem tem o poder de declarar o que foi escrito como sendo
uma lei é o povo, o único e legítimo soberano” (GOMES, 2006, p. 37).

É preciso considerar também que, apesar da soberania dever ser infalível, a vontade
geral pode errar. Aparentemente há aqui uma contradição que pode facilmente ser resolvida a
partir das ideias do próprio Rousseau. A soberania deve ser infalível porque o povo jamais vai
desejar algo de mal para si. Contudo, pode acontecer que não se esteja suficientemente
esclarecido quanto ao bem que se pretende adquirir.

De lui-même le peuple veut toujours le bien, mais de lui-même il ne le


voit pas toujours. La volonté générale est toujours droite, mais le
jugement qui la guide nʼest pas toujours éclairé. Il faut lui faire voir
les objets tels quʼils sont, quelquefois tels quʼils doivent lui paroître,
lui montrer le bon chemin quʼelle cherche, la garantir des séductions
des volontés particulières [...] Voilà dʼoù naît la nécessité dʼun
Législateur. (ROUSSEAU, 2012, p. 113 – grifo nosso)[14].
Para explicitar seu entendimento sobre a figura do legislador, Rousseau escreveu um
capítulo inteiro para falar exclusivamente do papel do legislador, cuja principal atribuição
deveria ser captar a essência da vontade geral e, ao mesmo tempo, traduzi-la numa linguagem
acessível ao povo. Essa tarefa, Rousseau julgava tão além das possibilidades humanas, que ele
comparava a figura do legislador com uma espécie de deus: um ser dotado de uma
inteligência superior,

Pour découvrir les meilleures regles de société qui conviennent aux


nations, il faudroit une intelligence supérieure, qui vît toutes les
passions des hommes, & qui nʼen éprouvât aucune, qui nʼeût aucun
rapport avec notre nature, & qui la connût à fond, dont le bonheur fût
indépendant de nous, & qui pourtant voulût biens sʼoccuper du nôtre;
enfin qui, dans le progrès des temps se ménageant une gloire éloignée,
pût travailler dans un siecle & jouir dans un autre. Il faudroit des
Dieux pour donner des loix aux homes (ROUSSEAU, 2012, p.
114)[15].

O Legislador é o mecânico que inventa a máquina, o governador (ou príncipe) é


aquele que a monta e a põe em movimento. O príncipe só tem que seguir o modelo proposto
pelo Legislador.

Além disso, o Legislador deve ser alguém disposto a “mudar a natureza humana”, no
sentido de “transformá-lo”: de um indivíduo, em parte de um todo maior, “do qual de certo
modo esse indivíduo recebe sua vida e seu ser” (ROUSSEAU, 2012). Em outras palavras, é
preciso tornar os indivíduos conscientes de que os mesmos fazem parte de um todo maior, que
é o corpo político (o Estado), “substituir” suas ações instintivas e naturais por “padrões” de
comportamento comuns a todos e torná-los aptos a convivência no seio do corpo político.

Uma outra tarefa que compete ao Legislador é examinar se o povo a que se destina
determinadas leis está apto a recebê-las.
Comme avant dʼélever un grand édifice lʼarchitecte observe et observe
et sonde le sol pour voir sʼil en peut soutenir le poids, le sage
instituteur ne commence pas par rédiger de bonnes loix en elles-
mêmes, mais il examine auparavant si le peuple auquel il les destine
est propre à les supporter (ROUSSEAU, 2012, p. 116)[16].

Nesse sentido, não se pode dizer que para Rousseau, a atividade do legislador seja
apenas a de elaborar leis, mas é uma tarefa pedagógica também, de formação e transformação
da sociedade[17].

Considerações Finais

Ainda brilhava sob os céus da França o Roi Soleil[18], Luis XIV (1638-1715), quando
nasceu em Genebra, em 1712, Jean-Jacques Rousseau. Foi Rousseau quem, pela primeira vez
na história da Filosofia Política e contrariando a teoria do direito divino dos reis e as ideias
absolutistas, alçou o povo à condição de senhor de si mesmo e soberano. Esse é sem dúvida
um dos maiores legados de Rousseau: conceber o povo como titular da legitimidade do poder
político e como agente político de transformação. O povo deixou de ser mero coadjuvante na
arena dos debates políticos e ganhou uma nova dimensão com o pensamento rousseauniano.

As influências de Rousseau são significativas e não é sem razão que Paulo Bonavides
afirma: “o Contrato Social sacode o homem do século XVIII com a mesma intensidade com
que o Manifesto Comunista abala o século XX” (1961, p. 187).

É preciso repensar a nossa forma de organização política onde é possível facilmente


perceber uma crise do nosso modelo de democracia representativa. O modelo atual de
democracia no Brasil, que Boaventura de Sousa Santos chama de democracia liberal,
representativa, “não garante mais que uma democracia de baixa intensidade baseada na
privatização do bem público por elites mais ou menos restritas, na distância crescente entre
representantes e representados e em uma inclusão política abstrata feita de exclusão social”
(2002, p. 32). Dentro do que atualmente é conhecido por democracia, o povo quando muito
participa dos atos políticos no momento em que dá o seu voto na escolha daqueles que irão
governar por eles. O descaso é tanto que muitos sequer fazem questão de exercer seu direito
ao voto.

Nesse quadro atual de fragilidade do sistema democrático, como aproveitar as ideias


de Rousseau em um contexto onde a democracia representativa já não responde mais as
demandas da sociedade e a democracia direta parece impossível?

Apesar de ser um pensador do século XVIII em luta contra o Antigo Regime,


acreditamos que suas ideias acerca da democracia, soberania popular, vontade geral, têm
muito a contribuir no sentido de buscar alternativas ou até mesmo soluções para uma
sociedade que possa ser protagonizada por comunidades ou grupos sociais que não sejam
subalternos ao poder político vigente e em luta contra a exclusão social e a trivialização da
cidadania mas, ao contrário, um novo modelo onde o povo aparece como protagonista de seu
destino e, de fato, a origem de toda e qualquer soberania

----------------------------

Democracia Direta

 A participação direta no soberano:


 A vontade só será geral se tiver a participação de todos os cidadãos de
um Estado, pelo ato legislativo.
 É a efetiva participação de um povo que garante o bem comum
e também os direitos de cada cidadão.

 A representatividade e o fim do Estado:


 Considerando que todos precisam estar em condições de igualdade
para haver democracia, nenhum ser humano poderá ser autoridade
diante dos demais.
 Segundo Rousseau, as leis que não forem ratificadas pelo próprio povo
são consideradas nulas.
 O fim da atividade do soberano está ligado ao fim da participação
popular.

 A educação como condição para a democracia direta:


 Rousseau, em seu livro "Emilio", prepara as crianças para que se
desenvolvam de forma autônoma e criativa, em contato com a
natureza.

 Baseando-se em experiências da vida, o aluno estaria desenvolvendo


capacidades que o tornariam comprometido com a sociedade.
 Ausência de qualquer idéia de superioridade, educando as pessoas
para a valorização da igualdade e da liberdade.

 A possibilidade de representação no governo:


 A nível de executivo, Rousseau defende a necessidade de um governo
forte, ágil e eficiente.
 Rousseau defende três formas básicas de governo: monarquia para
Estados grandes, aristocracia para Estados médios e democracia aos
Estados pequenos.
 A República é vista como garantia da liberdade.
 Então para se construir uma sociedade de liberdade e igualdade, é
imprescindível a democracia direta.
Ler mais: http://www.portalconscienciapolitica.com.br/products/a-democracia-em-
rousseau/

Você também pode gostar