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Oswald de Andrade
Resumo: Este artigo busca observar a poética de Oswald de Andrade, a partir de poemas
selecionados na coletânea Pau-Brasil (1925). Para isso serão relacionados esses poemas a
algumas das teses presentes no texto “Sobre o conceito de história” (1940), de Walter
Benjamin, com o intuito de entender de que forma a poética oswaldiana elabora a reescrita da
história oficial brasileira, por meio dos fragmentos de imagens do passado colonial, atualizadas
na modernidade, o que permite uma reflexão crítica sobre o Brasil do século XX e de nossos
tempos. Sendo assim, busca-se pensar a produção poética oswaldiana a partir das discussões
benjaminianas acerca do discurso histórico.
Palavras-chave: Oswald de Andrade; Walter Benjamin; reescrita da história; Pau-Brasil,
“Sobre o conceito de história”
Abstract: This article aims to observe the poetic of Oswald de Andrade, from the poems
selected in a collection Pau-Brasil (1925). For this will be related this poems to some of the
theses present in the texto “Sobre o conceito de história” (1940), by Walter Benjamin, with the
aim of to understand the way like the oswaldiana poetic elaborates the rewriting of Brazilian
official history, through of pieces of images of the colonial past, updated in modernity, which
allows a critical reflection on Brazil of twentieth century and of our times. Therefore, we seek
to think of Oswald's poetic production from the Benjamin´s discussions about the concept of
history.
Key-words: Oswald de Andrade; Walter Benjamin; rewrite of history; Pau-Brasil; “Sobre o
conceito de história”
Para dar início a esse texto convém evocar a nona tese benjaminiana, aquela que nos
leva ao encontro da imagem do anjo da história, trazida por meio da impressão que o pensador
judeu tem de um quadro de Paul Klee:
Segundo Michael Löwy (2005), essa tese, de certa maneira, sintetiza todas as demais e,
além disso, traz uma imagem emblemática à cultura ocidental, por ser a expressão da crise
profunda da modernidade e por possuir uma “dimensão profética” (LÖWY, 2005, p. 87) ao
parecer anunciar Auschwitz e Hiroshima, “as duas destruições mais monstruosas que vieram
coroar o amontoado que ‘cresce até o céu’” (LÖWY, 2005, p. 87).
Esse anjo visualiza o passado como um acúmulo de catástrofes, que crescem
infinitamente e é, ainda, arremessado por uma furiosa tempestade, que é o próprio progresso,
em direção ao futuro. Assim sendo, ele não consegue levantar os mortos que estão presos nos
escombros da história e permitir que eles tenham a redenção.
A alegórica figura do anjo ilustra bem a crítica de Benjamin ao discurso histórico
tradicional, de caráter burguês, progressista e teleológico, uma vez que a história oficial se
propõe a narrar os grandes feitos dos conquistadores e ver a passagem de tempo como um
caminhar “natural” em direção a um progresso e não como um acumulado de ruínas.
Esse discurso faz com que a barbárie, a opressão, as mortes e as dominações sejam
justificadas como partes integrantes e necessárias para o progresso da humanidade e a
construção de uma ideia de civilização, o que consequentemente leva ao silenciamento das
vozes das minorias dizimadas pelos processos de domínio e colonização.
Nesse sentido, as teses sobre o conceito de história de Walter Benjamin pedem a
elaboração de um discurso guiado pela ideia de um “tempo de agora”, por meio de um
historiador “capaz de identificar no passado os germes de uma outra história, capaz de levar
em consideração os sofrimentos acumulados e de dar uma nova face às esperanças frustradas”
(GAGNEBIN, 1987, p. 8).
Essa concepção de história e de tempo não possui uma imagem cristalizada do passado
e compreende que o presente possui ligações com toda a história anterior da humanidade, não
sendo apenas um intervalo entre o passado e o futuro, como se pensa cartesianamente, mas um
período importante para uma reflexão sobre o passado, sobre o modo como esse presente se
constituiu.
Ao pensarmos nesses aspectos, trazidos pela tese benjaminiana, podemos observar o
cenário modernista do Brasil, dando atenção especial à produção poética de Oswald de
Andrade, para assim compreendermos o modo como a apreensão benjaminiana do discurso
histórico e da ideia de temporalidade encontra diversas consonâncias com elaboração artística
do poeta brasileiro.
Oswald de Andrade faz parte de um importante movimento cultural nacional, o
modernismo. O momento inicial do modernismo brasileiro, circunscrito nos anos 20 do século
passado, compreendia que o Brasil mesmo há cem anos independente politicamente de Portugal
não havia conseguido se desligar de fato do ideário europeu, o que afetava a produção cultural
de forma geral.
Por esse motivo, os modernistas de 20 buscavam renovar as bases artísticas nacionais,
quebrando paradigmas, dando novas cores à linguagem poética e destruindo a própria forma
do verso, que ganhava ares experimentais. Não é por acaso que João Luís Lafetá (2000) refere-
se a esse momento do modernismo como aquele dominado por um projeto estético, uma vez
que se buscava “[...] ‘ajustar’ o quadro cultural do país a uma realidade mais moderna”
(LAFETÁ, 2000, p. 29).
Contudo, não há como negar que aquilo que Lafetá chama de projeto ideológico, marca
dominante dos modernistas de 30, visto que queriam “[...] reformar ou revolucionar essa
realidade e modificá-la profundamente.” (LAFETÁ, 2000, p. 29) esteja presente na poética
oswaldiana, pois esta buscou não apenas reformular as estruturas do verso e abalar a linguagem
da poesia, mas também questionar a história brasileira e olhar para as mazelas nacionais.
Levando esses aspectos em consideração podemos trazer a percepção que Haroldo de
Campos possui da poética oswaldiana, segundo ele: “se quisermos caracterizar de um modo
significativo a poesia de Oswald de Andrade no panorama do nosso modernismo, diremos que
esta poesia responde a uma poética da radicalidade” (CAMPOS, 1990, p. 7). E isso se dá tanto
em nível estético quanto ideológico, visto que a preocupação oswaldiana com a renovação da
linguagem e a destruição da estrutura conhecida do verso se liga diretamente a sua consciência
política dos dilemas brasileiros.
A discussão de Campos (1990) nos possibilita pensar nas teses de Benjamin, pois a
consciência ideológica e política de Oswald de Andrade também o impede de ter uma visão
teleológica e progressista da história, percebendo-a, de certa forma, como o próprio “tempo de
agora” benjaminiano, ao levar em conta aquela narrativa calada e escondida nas ruínas da
história oficial.
A coletânea de poemas Pau-Brasil, publicada em 1925, revela essa noção de tempo ao
mergulhar no passado colonial brasileiro, buscando acordar os mortos e reavivar nas
consciências a barbárie que sustentou o processo de colonização, com o intuito de discutir
também a modernidade e fazer pensar sobre o futuro.
Os poemas presentes em Pau-Brasil mostram a rede complexa que liga o passado ao
presente e, inevitavelmente, ao futuro e dessa forma destrói o modo contemplativo de se
observar o passado, que deixa de ser visto como aquilo que passou e que por isso deve ser
entendido como algo imutável ou a ser esquecido.
Quando os eu-líricos oswaldianos reacendem as dores coloniais no chão da
modernidade, eles nos mostram que o país que somos ou que iremos nos tornar está
intimamente ligado com aquilo que foi a nossa história e com o modo com a qual ela foi
contada, por isso a importância de revê-la e rediscuti-la, pois assim também nos repensamos e
ganhamos a possibilidade de transformar nossas realidades.
Os eu-líricos de Pau-Brasil também estão sendo irremediavelmente lançados ao futuro
pelo progresso, mas ainda olham para o presente e também para o passado, para as ruínas
deixadas pela colonização, pelas memórias da escravidão: “nesse conjunto de poemas Oswald
repassa a história e a literatura brasileira, em um percurso que vai da Carta de Pero Vaz
Caminha à atualidade do poeta” (FONSECA, 2008, p. 104). Com esse intuito de passar a limpo
história e a literatura nacional, Oswald escolhe os seguintes títulos para a segunda e terceira
seção de sua coletânea: “História do Brasil” e “Poemas da colonização”.
Notamos que os próprios títulos das seções reivindicam a tentativa de reescrita da
história nacional no chão dos tempos modernos, valendo-se dessa ideia podemos observar o
poema que abre a “História do Brasil”:
A DESCOBERTA
Seguimos nosso caminho por este mar de longo
Até a oitava da Páscoa
Topamos aves
E houvemos vista de terra (ANDRADE, 1990, p. 69).
OS SELVAGENS
Mostraram-lhes uma galinha
Quase haviam medo dela
E não queriam pôr a mão
E depois a tomaram como espantados.
(ANDRADE, 1990c, p. 69).
Dessa forma, se questiona e se derruba o binarismo que alimentou boa parte do discurso
colonial, de que haviam homens europeus civilizados que precisavam se defender ou domar os
selvagens das terras descobertas, o que, de certa forma, justificava toda a violência da
colonização.
Além disso, o poema permite que observemos com mais atenção a figura do índio, que
ao longo da história brasileira é olhado de modo estereotipado, como um ser sem complexidade
cultural, o que impede o conhecimento da pluralidade identitária existente nas diversas
sociedades indígenas e os próprios sentimentos e atitudes dos nativos diante do contato com o
português.
Luzia Aparecida Oliva dos Santos nos fala que o recorte feito por Oswald em “Os
selvagens” revela dois “[...] aspectos fundamentais do sentimento indígena: o temor e o
espanto” (p. 334), que se transforma em coragem e encanto, levando-o a pegar a galinha com
as mãos, apesar de espantados.
Isso nos permite notar que não estamos diante de seres humanos apáticos diante da
invasão portuguesa e nem de ignorantes que sequer tentaram entender o que estava havendo,
vemos o medo e o espanto diante do desconhecido, mas também a coragem de lidar com aquilo,
junto ao encanto promovido pelo encontro com o diferente.
O nativo do recorte oswaldiano não é mais o bom selvagem de Rousseau, que recebe o
outro passivamente e aceita de bom grado o que ele tem a oferecer, mas o bárbaro de
Montaigne, que observa com astúcia a ave trazida pelo português, que desconfia das intenções
do invasor e possui a coragem de enfrentá-lo, de lidar com o desconhecido.
Vemos assim que o eu-lírico criado pela poética oswaldiana corresponde à figura de um
cronista, mas não de um cronista que falará em nome dos dominadores, estigmatizando o
nativo, transformando-o em ignorante, em desprovido de sentimentos e ações, em um ser
humano vazio que precisa ser preenchido pela inteligência e pela cultura dominadora.
Temos na poética de Oswald um cronista, que viaja pelas terras brasileiras em busca de
entender suas complexidades, em busca de olhar todos os acontecimentos sem distingui-los
como grandes ou pequenos, pois entende que todas as vozes são fundamentais para se
compreender a narrativa histórica. Isso nos leva ao encontro de mais uma das teses
benjaminianas:
O cronista que narra os acontecimentos, sem distinguir entre os grandes e os
pequenos, leva em conta a verdade de que nada do que um dia aconteceu pode
ser considerado perdido para a história. Sem dúvida, somente a humanidade
redimida poderá apropriar-se totalmente do seu passado. Isso quer dizer:
somente para a humanidade redimida o passado é citável, em cada um dos
seus momentos. Cada momento vivido transforma-se numa citation à l´ordre
du jour – e esse dia é justamente o do juízo final. (BENJAMIN, 1987, p. 223).
NEGRO FUGIDO
O Jerônimo estava numa outra fazenda
Socando o pilão na cozinha
Entraram
Grudaram nele
O pilão tombou
Ele tropeçou
E caiu
Montaram nele (ANDRADE, 1990, p. 85 - 86).
AS MENINAS DA GARE
Eram três ou quatro moças bem moças e bem gentis
Com cabelos mui pretos pelas espáduas
E suas vergonhas tão altas e tão saradinhas
Que de nós as muito bem olharmos
Não tínhamos vergonha nenhuma (ANDRADE, 1990, p. 69 – 70).
O poema citado está na subseção “Pero Vaz Caminha”, tratando-se, assim, de mais um
recorte do documento oficial português, que deixa a prosa protocolar europeia e transforma-se
em verso brasileiro. Revela-se aqui o olhar português as nativas nuas e o modo como esse
encontro se deu.
A utilização dupla do substantivo feminino “vergonha”, ora representando a genitália
das índias e ora o despudor do português em olhar a nudez dessas mulheres, deixa bastante
evidente um processo de dominação que desconsiderou a cultura do nativo e o seu modo de
expressar, pois a falta de roupa da índia não é vista pelo homem branco como algo característico
de sua identidade cultural, mas é colocada no plano da malícia e da sexualidade.
O trecho de Caminha escolhido por Oswald para ilustrar esses versos revelam que o
desejo de dominação sexual, que pode ser visto também como um desejo de exploração das
terras brasileiras, foi algo marcante na invasão portuguesa, afinal o europeu não fica só
extasiado com as riquezas naturais do território, mas também com os corpos nus que visualiza
de forma bastante intensa: “Que de nós as muito bem olharmos” (ANDRADE, 1990, p. 69 –
70, grifo nosso).
O título escolhido pelo poeta tem poder absoluto sobre o recorte do texto do cronista,
pois por meio dele a crítica do olhar europeu sobre as índias e o interesse sexual do branco
sobre esses corpos nus fica ainda mais evidente. Afinal gare, significa em francês, estação
ferroviária, sendo assim as meninas da gare, são mulheres que ficam nas ferrovias vendendo
seus corpos, trata-se então de prostitutas.
Entendemos, então, que o português olha para as índias nuas, simplesmente, como
prostitutas, não levando em conta seus modos de ser e sua individualidade, elas são
simplesmente objetos que satisfarão os desejos europeus.
Por isso, o domínio desses corpos nus e posteriormente o domínio territorial do país são
realizados de forma violenta e totalmente predatória, uma vez que se olha para os corpos e para
o espaço como objetos a serem invadidos, dominados a qualquer custo para a satisfação dos
interesses da coroa portuguesa ou para o prazer sexual daqueles homens.
A colocação das nativas de 1500 no espaço da ferrovia, do transporte e,
consequentemente, da modernidade contribui para a elaboração de uma crítica ao período da
invasão e também aos tempos em que o poeta vive, no qual a sanha por dinheiro, lucro,
progresso e inovação continua fazendo vítimas, explorando corpos e destruindo territórios.
As ideias anteriores nos leva a uma relação direta com o anjo da história que ao olhar
para o passado só consegue ver a barbárie que se acumula até o céu, mesmo com a criação de
um discurso histórico que baseado na ideia de progresso a qualquer custo busque esconder
essas ruínas, impelindo violentamente o ser humano ao futuro.
Quando Oswald nos mostra que a barbárie de 1500, permaneceu viva ao longo de toda
a escravidão brasileira e se mantem ainda presente na sua contemporaneidade, ele anuncia, em
certa medida, que um estado de violência e desrespeito aos direitos humanos foi uma regra
geral ao longo de toda a história do país, o que corrobora com mais uma das teses
benjaminianas:
Referências
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BOAVENTURA, Maria Eugenia. Vanguarda antropofágica. São Paulo: Editora Ática, 1985.
CAMPOS, Haroldo. Uma poética da radicalidade. In: ANDRADE, Oswald. Pau-Brasil. 1. ed.
São Paulo: Globo: Secretária de Estado da Cultura, 1990, p. 7 – 59.
FONSECA, Maria Augusta. Ensaio de leitura. In:_______. Por que ler Oswald de Andrade.
São Paulo: Globo, 2008, p. 44 – 134.
GAGNEBIN, Jeanne Marie. Walter Benjamin ou a história aberta. In: BENJAMIN, Walter.
Magia e técnica, arte e política. Tradução de Sérgio Paulo Rouanet. São Paulo: Brasiliense,
1987, p. 7 – 20.
LAFETÁ, João Luiz. Modernismo: projeto estético e ideológico. In: ______. 1930: a crítica e
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LÖWY, Michael. Walter Benjamin: aviso de incêndio – uma leitura das teses “Sobre o
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PRADO, Paulo. Poesia Pau-Brasil. In: ANDRADE, Oswald. Pau-Brasil. 1. ed. São Paulo:
Globo: Secretária de Estado da Cultura, 1990, p. 57 – 60.
REVISTA DE ANTROPOFAGIA, 1928 – 1929. Edição fac-similar, São Paulo: Abril, 1975.
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