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Fábrica de Noobs – Investigando Lendas Virtuais

Ritual Zangbeto
Nesta edição, investigaremos os segredos por trás do ritual retratado no
vídeo abaixo
(https://www.facebook.com/entenderparaver/videos/2034588159903200/), no
qual armações de palha parecem se movimentar sem a ação de nenhuma força
humana.

Observe, também, uma descrição do suposto fenômeno, retirada do site


“Sete Antigos Heptá” (https://seteantigoshepta.blogspot.com.br/2017/01/alta-
magia-praticada-na-africa.html):

“Eis um tópico extremamente interessante e importante, se trata de praticantes da


verdadeira magia/bruxaria na África realizando fenômenos paranormais milagrosos e
incontestáveis. Você já ouviu falar dos Zangbeto? Na língua dos povos da África
Ocidental Zangbeto significa Guardiões, esses guardiões não são pessoas usando
armações de palha e saindo por aí fazendo desfile, se trata na verdade de almas que
“veste” essas palhas e prestam serviço espiritual e de vigilância, (SIM! Isso mesmo que
você leu!) Veja a série de vídeos abaixo que reuni mostrando as almas animando essas
armações de palha, não há ninguém embaixo dessas palhas! E ainda por cima ocorre o
fenômeno das materializações!”

Dessa forma, iremos realizar algumas pesquisas de cunho antropocêntrico


para identificar qual povo pratica esses rituais e quais seus significados dentro da
cultura desse povo.
Esse ritual faz parte da religião Iorubá
(https://en.wikipedia.org/wiki/Yoruba_religion), presente principalmente na
Nigéria, Togo e Benin, países situados na porção oeste do continente africano.
Em um guia de turismo da região
(https://books.google.com.br/books?id=qM4f8MNsCW4C&pg=PR4&lpg=PR4&
dq=Benin,+Guilford,+Connecticut:+Bradt+Travel+Guides&source=bl&ots=unJ-
U5f8mv&sig=To6xv1_y4KC_LYqW3jXuY5ZR_V8&hl=pt-
BR&sa=X&ved=0ahUKEwiu7-6-
lYLZAhWGhJAKHe9OBFgQ6AEIRzAD#v=onepage&q=zangbeto&f=false),
encontramos um glossário das entidades pertencentes a cultura local, entre elas:
sacerdotes, mediums, videntes, curandeiros, bruxos, feiticeiros, bonecos de vodu.
Há também algumas entidades locais, como Engunguns, Kokou, Djagli,
Gilgbangbe, Mami Wata e, claro, Zangbetos.
Observe a definição, segundo o guia, para os Zangbetos.
De acordo com ela, podemos extrair três representações para os Zangbetos:
• Segundo a crença local, os Zangbetos, também chamados de Vigilantes
Noturnos, atuam como uma força policial não oficial, que patrulha as
ruas e rastreia criminosos, que são denunciados para a comunidade.
Alguns crimes mais sérios dispensam julgamento, e podem envolver a
pena de morte. Eles também possuem sua sociedade secreta, e seus
templos são inacessíveis para os não-membros. Antes do surgimento das
forças policias estatais, os Zangbetos eram os guardiões da lei em Benin,
sendo seguidos nas cidades por guardiões que agem como controladores
de multidão e tradutores.

• Na prática, os Zangbetos são, da mesma forma que os Egunguns,


homens fantasiados que, segundo a crença, entram em transe e permitem
que seus corpos sejam temporariamente ocupados por espíritos que
sabem o que as pessoas fazem “quando ninguém está olhando”.

• Já em panfletos turísticos, eles costumam ser chamados de “palheiros


dançantes”, em função de sua aparência: suas roupas tem a forma de um
palheiro cônico. Além disso, eles têm o hábito de marcarem presença
em shows folclóricos voltados aos turistas, realizando danças.
Evidentemente, nossa pesquisa não se limita às informações contidas em
um guia turístico. Encontramos também dois estudos antropológicos a respeito dos
Zangbetos, presentes em http://www.diva-
portal.org/smash/get/diva2:419980/FULLTEXT01,
https://culturalanthropologyandethnosemiotics.files.wordpress.com/2016/06/okur
e_zangbeto.pdf, https://www.arcjournals.org/pdfs/ijhsse/v1-i11/3.pdf e
https://eap-iea.org/index.php/eap/article/view/112/104.
De acordo com ambos os trabalhos, os Zangbetos têm origem entre os Egun
(ou Ogu), um subgrupo dentro dos Iorubás, existindo diversas explicações para seu
surgimento.
A explicação mitológica relata que Zangbeto é um espírito ancestral que
saiu do mar, e se estabeleceu na terra de Ogu (litoral de Benin), levando bons
elementos (saúde, alimento, tecnologias de pesca e de construção) para as pessoas.
Porém, a explicação histórica é, no mínimo, curiosa. Ela se passa por volta
de 1684, quando um fazendeiro, chamado Te-Agbanlin, migrou para Porto Novo
(Benin) e conheceu alguns praticantes da religião Iorubá.
De acordo com a história, o fazendeiro pediu ao chefe da comunidade um
terreno para se instalar, pedido esse que foi atendido. Então, o homem cortou uma
pele de antílope em pedaços menores e, com ela, construiu uma corda, que utilizou
para cercar seu pedaço de terra.
Visando manter sua terra livre de invasores e de animais selvagens, o
homem construiu figuras chamadas Azo, que mais tarde foram chamadas de zanho,
que significa “casa da noite”. Com um chifre de antílope, ele construiu um
berrante, que utilizava para manter invasores afastados. Mais tarde, esse chifre se
tornaria o principal símbolo dos Zangbetos.
Através desse ato, Te-Agbanlin originou uma organização de segurança
institucionalizada, denominada Zangbeto (zan-gbeto, por sua vez, significa
“homem da noite”, indicando que estes operavam à noite).
No entanto, com o desenvolvimento da sociedade, outros valores culturais,
incluindo crenças religiosas, foram incorporados aos Zangbeto. Dessa forma,
constituiu-se o conceito atual dos Zangbetos, segundo a qual suas vestes possuem
mobilidades e poderes sobrenaturais.
Assim, o Zangbeto é constituído tanto pela figura mascarada (que será
detalhada abaixo) quanto por uma organização, elementos que não podem ser
explicados separadamente.
A figura mascarada (que é mostrada nos vídeos que analisamos) é composta
por uma armação em formato cônico, coberto com folhas de ráfia (uma espécie de
palmeira, mostrada abaixo).
Para construir tais vestes, as folhas de ráfia são colhidas, secas e tingidas
conforme a escolha e, em seguida, dispostas em uma armação oca, muitas vezes
adornada com máscaras ou chifres. As cores são simbólicas, e representam
aspectos da vida, como a morte, vitalidade, fertilidade, progresso, dor, sacrifício,
maturidade, entre outros.
Por parte da divisão dentro da ordem, existem três categorias de Zangbetos.
O Zanholu é o líder de todos os Zangbetos, e aparece publicamente poucas
vezes por ano, normalmente em ocasiões especiais, sendo maior que os demais.
De acordo com a lenda, trata-se de um espírito que emerge do mar.

Em seguida, existem os Ataho, que são mais populares e mais comuns nas
festividades menores. São os responsáveis por executar danças impressionantes,
performances com fogo e, em algumas situações, por “dar a luz” a outros
Zangbetos menores.

Existem também os Oho yin-yin Ataho, que são menores e realizam danças
mais ágeis e acrobáticas. São associados com o vigor da juventude
Na parte administrativa, os Zangbetos são dividos em: Zangan, o líder
ancião da ordem; os Kogan, responsáveis pela supervisão logística das cerimônias
e os Kregbeto (cuja palavra significa “homens do dia”), responsáveis por guiar as
multidões durante suas apresentações;

Dessa forma, os Zangbetos exercem duas atividades principais: durante a


noite, agem como vigilantes e, durante o dia, fazem apresentações públicas e
festivas, com fins de entretenimento.
Em situações de vigilância noturna, o grupo procura coibir a ocorrência de
crimes na região, agindo como uma espécie de força policial não oficial. Além
disso, todo o elemento místico por trás da figura dos Zangbetos faz com que essas
entidades sejam respeitadas e funcionem como uma forma de controle social.
Além disso, os Zangbetos são frequentemente requisitados em
apresentações diurnas com funções de entretenimento. Nessas situações, aparecem
de 2 a 4 homens mascarados, que vestem uma roupa de raphia (mostrada abaixo)
e são escoltados por grupos de homens e mulheres.
Ao contrário de outros trajes, os Zangbetos não possuem partes do corpo
(como pernas, mãos ou braços) visíveis ao público, o que aumenta mais ainda a
aura de mistério por trás desses elementos.

Finalmente, chegamos à questão que motivou a produção desse material: o


movimento frenético Zangbetos são causados por atividades sobrenaturais (tais
como espíritos), ou são apenas produto de um bom truque de ilusionismo?
Evidentemente, a resposta para essa questão envolve a busca de evidências
que comprovem que, na verdade, os Zangbetos não realizam tais movimentos
sozinhos e, portanto, são movidos por alguma força deste mundo.
Para tanto, iremos nos basear em vídeos de tais apresentações e em
fotografias encontradas na internet. Todas elas indicam a existência de um humano
dentro dessas vestes.
A primeira delas, presente em
https://www.youtube.com/watch?v=sR7NW9WNyT0, mostra um Zangbeto fora
do local de apresentação comum. Aqui, ele percorre uma estrada e é guiado por
um homem. Em diversos pontos do vídeo, a existência de pernas abaixo da veste
é visível e o caminhar da entidade se assemelha muito ao caminhar humano.
A próxima evidência encontra-se em
https://www.youtube.com/watch?v=cAcqqqY21WY. Aqui, observamos que os
Zangbetos possuem uma espécie de abertura, dentro da qual as pessoas
frequentemente observam. Em dado ponto, os dois Zangbetos parecem alinhar suas
abertuas e se comunicar. Ao final do vídeo, os Zangbetos andam, curiosamente,
com a abertura voltada para o sentido do movimento.

Já em https://www.youtube.com/watch?v=mpOdxI1owdQ, têm-se uma


dança no qual uma estrutura fixa um longo “chifre” não chão e exibe movimentos
que lembram ventos nas folhas de uma palmeira.
Ao passo que muitas pessoas tem a impressão de que tal entidade mantém
apenas o “chifre” fixo ao chão, há sempre uma parte da roupa que,
invariavelmente, também toca o chão. Observe:

Além disso, podemos ver claramente como essas roupas funcionam em


https://youtu.be/WzaSA5Tk2r0?t=7m34s, no qual uma pessoa ereta, em uma
dessas vestes, passa casualmente em frente à câmera.
A existência de uma pessoa por baixo dos Zangbetos também é visível em
https://youtu.be/v_8_Gb4BBik?t=3m28s, momento em que as pernas do ocupante,

Além disso, existem diversas fotografias que evidenciam a presença de uma pessoa
abaixo da vestimenta. Observe algumas delas:
Talvez a evidência mais cômica de que tal apresentação é apenas um show
de ilusionismo encontra-se a seguir. Com alguma pesquisa, encontramos diversas
imagens que mostram um Zangbeto andando de motocicleta!
Ao que tudo indica, essas apresentações são relativamente comuns. Em
https://www.youtube.com/watch?v=outRBgbO0S0&t=316s, um morador local
diz que viu um Zangbeto andar de motocicleta.
Existem, também, algumas pessoas que afirmam que os Zangbetos são
capazes de andar sobre as águas. O único vídeo de tal feito que encontramos foi
em https://www.youtube.com/watch?v=xfKat6v4vH8. Nesse caso, o Zangbeto
está situado em cima de uma plataforma, não faz movimentos rodopiantes e é
agitado pelos locais. Logo, a afirmação mencionada carece de evidências.

Talvez, neste momento, você esteja pensando: “mas e aquele vídeo, no qual
eu não vi ninguém entrando sob a roupa, e ela começou a mexer?” Pois bem, como
percebemos, essas apresentações são frequentemente realizadas à luz do dia,
muitas vezes abertas para turistas.
Evidentemente, o mistério por trás dessas atuações é fundamental para que
o público (em especial estrangeiro) mantenha-se engajado e continue visitando os
povoados que os praticam. Logo, investir nesse mistério, através do ilusionismo,
possivelmente representa uma forma de tornar o espetáculo mais atrativo.
É exatamente isso que ocorre, por exemplo, ao assistir truques de mágica.
Você e as pessoas ao redor podem não conseguir compreender como a ilusão
apresentada funciona, mas ainda assim, isso não significa que o mago possua
poderes sobrenaturais.
Dessa forma, podemos concluir que:
1. Os Zangbetos são, entre vários outros elementos, parte da cultura dos
Eguns, um grupo habitante da região da Nigéria, Benin e Togo. Sua
função é a de vigia noturno, agindo como uma espécie de força policial
extra-oficial. Os Zangbetos constituem uma ordem, com hierarquia e
segredos que seus membros devem guardar.
2. Além disso, as apresentações durante o dia tornaram-se frequentes,
muitas vezes com caráter de espetáculo, nos quais eventos
aparentemente paranormais ocorrem, a exemplo de estruturas cônicas
cobertas com palha deslocando sozinhas.

3. No entanto, alguns vídeos mostram claramente que há uma pessoa


vestindo essas estruturas. Além disso, algumas delas possuem uma
abertura, a qual, aparentemente, é utilizada para comunicação e visão.
Seriam essas necessidades de uma entidade paranormal, ou de humanos?

4. Além disso, uma evidência de tal espetacularização é que estas


“entidades” já dirigiram motocicletas. Essa atividade também se inclui
no hall das atribuições de entidades paranormais?

5. Por fim, o turismo local estima a espetacularização e o ilusionismo, uma


vez que instiga a curiosidade do público.

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