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NINHO DA SERPENTE

SOSYETE VODOU DEKA

MÓDULO 5 - Intermediário

Curso Vodu

O CULTO DA DUALIDADE

Houngan Alexandhros
vodubrasil@hotmail.com

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ÍNDICE

Apresentação da Aula – 3

A Dualidade Sagrada, Tudo é Dois – 4

Imagens, Fetiches, Estátuas e Bonecos e a Ligação com os dois mundos – 9

Pensamento abstrato – 13

Oceano de Pensamentos – 14

Pensamento Egoísta – 15

Pensamento Pessoal – 16

Pensamento dos Benfeitores e dos Malfeitores – 16

Os Bonecos Vodu – 18

Dando Vida às Estátuas ou bonecos – 20

Criando seu Nkondi de Nova Orleans (Betsy Toledano, 1850) – 22

Trabalhando com seu Nkondi – 25

Símbolo Congo – 27

The Black Cat Opening (A Abertura do Gato Preto) – 28

O Buraco de Oferendas (do Iniciado) – 30

Betsy Toledano – 32

Laura Hopkins – 34

A Jornada do Voduísta (Parte V) – 36

Disposição das Velas na feitura do Nkondi (círculos coloridos) – 40

Exemplos de Nkisi Nkondi tradicionais – 41

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APRESENTAÇÃO DA AULA

De acordo com a segunda lei hermética, a Lei da Correspondência, tudo é dual, somos
reflexos do mundo dos deuses, assim como eles são nosso reflexo. A fórmula dessa lei
diz: "O que está em cima é como o que está embaixo. O que está dentro é como o que
está fora." Este mesmo simbolismo pode ser encontrado na imagem de Baphomet
enquanto ele aponta para o céu, com sua mão direita, e para a terra, com sua mão
esquerda.

Analisando do ponto de vista psicológico, a Lei da Correspondência nos ensina que o


que está em cima (seu consciente) é como o que está em baixo (seu subconsciente) e o
que está dentro (as emoções geradas pela ideia posta em seu subconsciente) é como o
que está fora (resultado no mundo físico gerado pelo universo com base nas emoções
e vibrações geradas pelo seu corpo, seguindo seu subconsciente). Extraído do Livro Η
Ψυχή και το Μυαλό (Alma e Mente, Constantinos Staphanopoulos, editora Atenas,
1999).

E, de acordo com os ensinamentos de Hermes Trimegistos, a perspectiva muda de


acordo com o referencial. Isso quer dizer que a perspectiva da Terra normalmente nos
impede de ver outros domínios acima e abaixo de nós. A nossa atenção está tão
concentrada no microcosmo (nós mesmos) que não podemos perceber o imenso
macrocosmo (o divino) à nossa volta. Dessa forma, o princípio da Lei de
Correspondência diz-nos que o que é verdadeiro no macrocosmo é também
verdadeiro no microcosmo e vice-versa.

A dualidade também se faz presente na quarta lei hermética, a Lei da Polaridade, que
diz: "Tudo é duplo, tudo tem dois polos, tudo tem o seu oposto. O igual e o desigual
são a mesma coisa. Os extremos se tocam. Todas as verdades são meias-verdades.
Todos os paradoxos podem ser reconciliados" A polaridade revela a dualidade, os
opostos representando a chave de poder no sistema hermético. Mais do que isso, os
opostos são apenas extremos da mesma coisa. Tudo se torna idêntico em natureza. O
polo positivo + e o negativo - da corrente elétrica são uma mera convenção. O claro e o
escuro também são manifestações da luz. A escala musical do som, o duro versus o
flexível, o doce versus o salgado. Amor e o ódio são simplesmente manifestações de
uma mesma coisa, diferentes graus de um sentimento.

A dualidade se faz presente em todas as culturas e você não pode se considerar mago
se não puder compreender a importância disso. Temos o Ying Yang dos chineses,
Ejioko no Ifismo, assim como todos os Odù Méjì (Odus duplos), temos a dualidade no
Karma e no Darma, nos Ibeji dos Nagos, em Apolo e Ártemis, em Legba e Kalfou
(simbolicamente gêmeos), Mawu-Lisá e, finalmente, os MARASA.

Houngan Makout Alexandhros

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A DUALIDADE SAGRADA, TUDO É DOIS

Em todas as religiões antigas vemos a dualidade sendo


honrada, reconhecida sua importância e com status de
divindade ou símbolos que representam essas divindades
em terra. Os gêmeos, desde a antiga África e passando por
todos os continentes possuem um caráter mágico. Em
tempos remotos, essa crença mágica era por causa da
falta de conhecimento genético, então algo superior,
mitológico e sagrado precisava acontecer a fim de explicar
a sacralidade dos gêmeos. Os números dois, nas lâminas
do Tarot, sempre falam de ambiguidade, dois de paus
mostrar o estar entre duas coisas, e mesmo assim estar
apático em relação a elas, o dois de espadas nos mostra
dúvidas em relação a tudo, o dois de ouros fala do
equilíbrio necessário em se lidar com o mundo material e
o dois de copas representa a união, talvez de opostos, talvez de iguais, mas uma união
inevitável para o bem da humanidade. Na astrologia, tudo pode ser analisado pela
dualidade sagrada, o signo solar (o Eu) e o ascendente (minha máscara), o signo solar
(o Eu comum) e o signo Lunar (o Eu instintivo), o ascendente (quem eu finjo ser) e o
descendente (o outro que me completa). Ainda na astrologia, os planetas “conversam
entre si” através de dualidades. Quando estão em oposição, mostram energias que se
repelem, mas que precisam ser conscientemente equilibradas; já nas conjunções, as
energias estão unidas até demais, e precisam de um controle, de um freio consciente.
Até mesmo na ciência a dualidade é importante e podemos analisar isso a partir da
união do espermatozoide e do óvulo, que uma vez unidos, tornam-se uma unidade
que passara a divisão celular sempre em pares. É como a união de Damballah e Ayida
Wèdo, que uma vez unidos em uma só unidade, se dividiram em dois e a partir daí o
mundo foi criado. Observe sua anatomia, tudo é dois, desde os seus órgãos internos
quanto sua estrutura básica, com dois olhos, dois membros, dois lados, etc. Em tudo
você encontrará a dualidade sagrada, ela é inquestionável. Os Marassa, como já é
sabido, são os gêmeos sagrados do Vodu. Eles foram simbolicamente os primeiros a
nascer e os primeiros a morrer, tornando-se assim os primeiros antepassados. Quando
digo que foram os primeiros a nascerem, não me refiro exatamente aos Marassa
enquanto divindade, mas sim como símbolos da dualidade. Uma vez sendo os
primeiros à nascerem, por óbvio serão os primeiros a morrerem e se tornar os
primeiros antepassados. É uma linguagem simbólica, precisa ser compreendida para
além das divindades Marassa.

Como Loas, eles são sempre os primeiros, logo após Legba, a serem evocados na
cerimônia Vodu. Primeiro Papa Legba é quem abre o portão para todos os outros
espíritos descer à terra, mas em segundo lugar nós cantamos e louvamos os Marasa

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para criar equilíbrio não só em nossas cerimônias, mas também na terra. Em muitas
culturas ao redor do mundo, os gêmeos são vistos como seres mágicos e, no Vodu,
representam dois corpos que compartilham uma alma, simbolizando o abismo (uma
alma) que separa os mundos interno e externo, o mundo do Espírito e o mundo físico
(os gêmeos). O Vodu carrega essa ideia em todo o simbolismo, principalmente o
simbolismo da encruzilhada, onde o braço horizontal da encruzilhada representa o
plano terrestre do tempo e do espaço e o braço vertical representa o fluxo do Espírito
por todo o mundo. Em um dos simbolismos quaternário, no topo da encruzilhada vive
Papa Legba, o guardião do portão, que caminha sobre os pontos de poder do sol.
Legba é velho, manco e desgastado por andar com seus filhos em todo o mundo,
abrindo e fechando caminhos pela eternidade. Na base da encruzilhada vive Ghede, o
deus da morte e da sexualidade. Ghede é o sol da meia noite. Entre os dois flui o
Espírito e o mundo mágico. No centro da encruzilhada está a porta que separa um
mundo do outro. Nós chamamos Legba para abrir a porta para deixar o Espírito fluir
para o mundo físico. No simbolismo do Templo, o eixo central é o eixo vertical, e o
chão do templo é a horizontal das encruzilhadas. Os dois mundos existem
simultaneamente. Cada um é revelado através da relação com o outro. O invisível está
vestido com o visível e o visível é animado pelo invisível. No eixo da encruzilhada, onde
os dois mundos se cruzam, a energia mágica da transformação é experimentada. É
como guardiões ou recipientes desse mistério transformador que primeiro honramos
os Marassa. Legba vem antes, pois ele é a própria energia da encruzilhada, mas
Marassa precisa vir imediatamente após, pois representam o resultado do encontro de
ambas as energias, o phallus (linha vertical) e o cteis (linha horizontal). Mas o símbolo
de Marassa é também formado por dois Vs que se cruzam, tal como o compasso e
esquadro dos Maçons. Os gêmeos são exatamente opostos, mas exatamente iguais. Os
opostos no vodu não são antagônicos, eles não brigam entre si. Eles se refletem como
um espelho, revelam e se interpenetram. A geminação dos Marassa é muitas vezes
honrada com tigelas cerimoniais com suas comidas separadas em três porções iguais
dentro de cada um dos dois pratos: dois elementos (dualidade) criam a criança
(unidade) que é formada por sua essência combinada (dualidade), mas que
transcende. Da união do Marassa vem todas as coisas, funcionam exatamente como a
dualidade que encontramos em Damballah e Ayida Wèdo.

Pensamos em Marassa como um espelho que reflete ambos os mundos, espiritual e


físico, masculino e feminino, bem e mal, Rada e Petwo, positivo e negativo, sol e lua,
enfim, toda a dualidade possível. Os Marassa são como duas divindades regidas por
uma mesma energia que os liga, os intermedia. E na união equilibrada dessas duas
facetas que temos o portal por onde os deuses passam para vir até o nosso mundo.
Assim como é a união desequilibrada dessa dualidade que surge espíritos negativos,
entidades destruidoras como, por exemplo, o Marassa Twa, o terceiro elemento criado
da desunião dos Marassa. Podemos entender a importância do equilíbrio da dualidade

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da seguinte forma: Fogo + Ar se equilibra e é necessário oxigênio (ar) para gerar e
manter o fogo. O vento alimenta a chama, e ela aquece o ar. Da mesma forma, Água +
Terra são símbolos da vida, da terra úmida nascem as plantas. São como Marassa
equilibrados. Mas Fogo + Água, ou um apaga o outro ou o outro evapora seu oposto,
desconstruindo ele de seu equilíbrio. O Ar + Terra também é estéril, muita terra e
ventos formam os desertos. São como o resultado do desequilíbrio de Marassa,
trazendo um terceiro elemento, invasor e estéril.

Como os Marassa são divindades que estão em ambos os mundos, físico e espiritual,
ele também são protetores de oráculos. A grande diferença entre os Marassa e Legba,
no que diz respeito aos oráculos, é que Legba trás os conselhos comuns de um velho
sábio, vivido, que já vivenciou de tudo um pouco. Mas os Marassa, como crianças que
representam, são deuses oraculares um tanto realistas, beirando à grosseria gratuita,
falam de forma direta com uma inocência quase debochada. Agradar os Marassa para
te ajudarem com oráculos é muito bom, muito eficiente, mas poderão te deixar muito
antiético ao aconselhar, haverá algo de violento nas leituras. Enquanto Legba pega
pelas mãos e mostra o caminho, os Marassa dizem o que precisa ser feito, e caso se
recuse, que vá se fuder! Legba e Marassa não estão só unidos por um ser a
encruzilhada e o outro representar o portal no meio dela. Eles também representam a
absoluta juventude e a avançada velhice. Legba simboliza a África passada, antiga,
longínqua, de onde os negros foram arrancados, enquanto Marassa representam o
Novo Mundo, o encontro com diferentes energias e delas uma fusão. É Legba que nos
permite a comunicação com o mundo espiritual, mas é Marassa que liga ambos,
Marassa é a ponte entre nós e o Ginen, Legba é o viajante desse caminho. Por essa
razão, o símbolo abaixo mostra Marassa (azul e rosa) e Legba (preto), unidos e
formando a estrela de oito pontas.

O número três (o ternário) é importante no Vodu e é o resultado do encontro da


Dualidade. O ternário é o resultado do Dual, e sem ele o Dual não faz sentido, é estéril.
Os Marasa, embora sejam conhecidos como os gêmeos sagrados, podem vir em
conjuntos de dois (Dosou e Dosa) ou, em sua parcela Petwo, em três (Marasa Twa). O
termo Marasa Dosou Dosa também é o mais conhecido, considerado como um
equilíbrio perfeito de energias e assim é desejado manter. Dosou é o nome do Marasa
do sexo masculino e Dosa é o Marasa do sexo feminino. Alguns templos podem
representar os Marasa como sendo dois homens, mas está um tanto errado, já que o
simbolismo base dos Marasa é a dualidade como um todo, é o estado de ser duplo,
macho e fêmea, bom e mal, positivo e negativo e assim por diante. Naturalmente que
não vemos necessariamente que um Marasa seja bom e outro mal, mas ambos
possuem os dois potenciais.

Na vida real, entretanto, é considerado Dosou o filho que nasceu antes dos gêmeos ou
depois dos gêmeos, assim como Dosa será a filha que tenha nascido antes ou depois

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dos irmãos gêmeos. Explicando melhor, se você nasceu e, alguns anos depois sua mãe
está grávida de gêmeos, então você nasceu primeiro e é chamado de Dosou. Se for
uma mulher que nasceu e, anos depois, a mãe está grávida de gêmeos, então essa
mulher é chamada de Dosa. A mesma regra vale se os gêmeos nasceram primeiro e
você veio alguns anos depois. Tal criança, nascida antes ou depois dos gêmeos,
chamada Dosou ou Dosa, é considerada poderosa, ainda mais poderosa que os
próprios gêmeos. Mas se os gêmeos sagrados possuem o nome Dosou e Dosa, porque
a pessoa que, embora seja o irmão ou a irmã, mas não constitui um dos gêmeos, é
quem carrega os nomes sagrados Dosou e Dosa? Simplesmente porque essa pessoa
nascida antes ou depois dos gêmeos constitui o terceiro elemento, que pode trazer o
desequilíbrio da energia. Ao se nomear eles de Dosou ou Dosa, acredita-se que isso
tenha o poder de apaziguar sua fúria, evitando um problema no futuro.

Portanto, o número três parece uma caracterização lógica do resultado da união da


energia de Marasa quando está em desequilíbrio. Dois fluxos de energia e um terceiro
surge como invasor a partir da tensão que pode acontecer dessas energias. Um ditado
Kreyòl diz Twa fey, twa rasin ou três folhas, três raízes, é uma ideia recorrente em
muitas músicas do Vodu, até mesmo músicas para se louvar os Marasa. Ao mesmo
tempo que não queremos evocar o terceiro gêmeo, também não queremos esquecê-lo
por muito tempo e termos que enfrentar sua fúria movida por inveja. Dessa forma, os
Marasa que são louvados com um toque de tambor chamado Yanvalou, ao chegarem
são também saudados com o toque Twarigòl, que faz referência ao ternário, aos três
fluxos de energia, louvando dessa forma o terceiro elemento.

Algo que pouco se fala hoje em dia nos meios Vodu é a ligação entre Marasa e a chuva.
Eles podem fortalecê-la, tornando-a destrutiva ou até mesmo trazê-la, se forem
suficientemente agradados com oferendas. Muitas Loas, como o Marasa, residem em
nascentes, fonte de um riacho, de acordo com as crenças do Vodu. Um deles está
sempre do lado de fora da água, enquanto o outro está dentro da água, um observa o
reflexo de outro, sabem que são iguais e diferentes, que dependem um do outro, que
precisam dançar a valsa divina sem perder o ritmo, pois se tal coisa acontecer, o
terceiro elemento pode surgir desse desequilíbrio e causar muitos estragos.

A esfera de regência dos Marasa é principalmente a família, a abundância, a fartura, a


fertilidade e, claro, os irmãos gêmeos. Marasa Twa é o desequilíbrio e prejuízo
relacionados à esfera mencionada. Marasa Twa, além de ser o próprio polo negativo e
base de grande maldade, ele também desequilibra Dosou e Dosa, ruindo com todo o
sagrado. As pessoas não costumam trabalhar com Twa por livre e espontânea vontade,
não queremos o desequilíbrio a nossa volta. Mas há templos que dão uma visão mais
tranquila de Twa, incentivando estranhamente o culto ao terceiro elemento,
chamando ele de energia da caridade. As origens de Twa são obscuras, muitas teorias
foram levantadas por diversos voduístas. Uma delas e muito interessante nos fala que,

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segundo as crenças antigas dos Congoleses, cada nascimento de gêmeo, um terceiro
fica abandonado no mundo espiritual. Então, para não se sentir sozinho, ele vem em
espírito e fica vivendo entre os gêmeos. Como não pode encarnar, ele sente muita
inveja e pode causar coisas ruins sempre que possível.

Marasa Twa não é o tipo comum de divindade que você trabalha com ele de forma
consciente, ou pelo menos não deveria ser. Ele é mais um resultado natural do
eventual desequilíbrio de energias entre os Marasa do que a terceira divindade a ser
colocada em seu altar. Cultuar o terceiro gêmeo não é também algo que o Sevityè
precise se preocupar ou julgar importante. Houngans e Mambos costumam dar
especial atenção ao terceiro elemento, pois não queremos ter problemas com ele.
Marasa Twa está claramente nos vèvè de Marasa, no meio, mas que poucas vezes é
iluminado por velas.

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IMAGENS, FETICHES, ESTÁTUAS E BONECOS E A LIGAÇÃO COM OS DOIS MUNDOS

De uma forma geral, estátuas e seus semelhantes (bonecos, fetiches, fotos, quadros,
etc) sempre fizeram parte das religiões antigas. Muitos, entretanto, vão lhe dizer que
cultuar estátuas de madeira ou gesso é ridículo, é condenado pelo deus deles, seja
Allah ou Jeová. Mas se idolatrar essas imagens é tão improdutivo e sem sentido,
porque o deus deles proíbe terminantemente esse tipo de culto? Porque os
monoteístas, com exceção dos católicos, têm tanto pavor do culto às estátuas?
Provavelmente, os antigos monoteístas conheciam os segredos por trás disso, e os
novos monoteístas apenas repetem o que tem sido dito século após século, mesmo
sem terem a sabedoria do que uma estátua e seus afins significavam e ainda significam
para os pagãos.

Na antiga suméria, as muitas estátuas dos deuses, feitas em pedra, funcionavam como
“câmeras de monitoramento”. Uma das tabuletas de argila, datada do ano 3400 a.E.C.,
dizia o seguinte: “...estrangeiro, saiba que não há lugar em Ur (uma das cidades mais
importantes da época) que os deuses não estejam te observando de dentro de seus
corpos de pedra. Não há uma tosse e nem um lamento que os deuses não possam
ver...”. Também na Suméria, o Rei Mesh Ane Pada, vendo que a criminalidade estava
ficando sem controle na cidade de Ur, ele mandou “...que os melhores escultores de
Ur tripliquem as estátuas da cidade, e que os sacerdotes se preparem para dar vida aos
deuses, para que cuidem das ruas com seu olhares atentos.” Os exemplos da
importância das estátuas na Suméria são evidentes. A partir deles, a importância
desses receptáculos foi levada para os quatro cantos do mundo.

No Egito, influenciados pela Suméria e, mais tarde, pela Pérsia e Babilônia, as estátuas
estavam por todos os lugares, em todas as casas, repartições públicas e até mesmo em
desertos. O que hoje pode parecer apenas decoração feita por um povo poderoso e
vaidoso, para os antigos egípcios, suas estátuas estava vivas e podiam falar e até se
mexer. Se você vivesse no antigo Egito e cometesse algum crime, seria julgado quase
como acontece hoje, mas com algumas testemunhas incomuns, estátuas.
Normalmente eram duas estátuas à sua direita e outras duas à sua esquerda, que
poderiam variar de deuses de acordo com a região, mas Maat, a deusa da verdade,
sempre estava entre eles. Segundo alguns papiros da época nos contam, essas
estátuas podiam consentir com suas cabeças, mexendo elas, para responder às
perguntas nas quais caberiam resposta de sim ou não. Pode ainda ser lido em uma das
tumbas em Luxor, onde um sacerdote foi enterrado, um relato sobre esse sacerdote
ter sido julgado por abuso de poder e corrupção contra o Faraó, mas o julgamento foi
muito mais por convenção e regras da época, uma vez que todos, até o Faraó, tinham
certeza de sua inocência. Mas as estátuas de Sobek, Amunet, Seshat e Maat
confirmaram a culpa do azarado sacerdote, balançando suas cabeças, diante de todos
os presentes. Assim o Sacerdote foi condenado à morte. Relatos como esses podem

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ser encontrados por todos os lados no Egito. Da mesma forma, estátuas que falavam
na cabeça dos sacerdotes e sacerdotes que entravam em transe ao tocar estátuas
eram coisas do dia a dia dos antigos egípcios.

Na antiga Grécia não era diferente. As estátuas estavam por todos os lados, bustos
marcavam estradas e avenidas, estátuas gigantescas eram erguidas no mar, nas
encostas, em montanhas, em templos, em praças públicas, marcavam prédios do
governo e também estavam nas casas dos gregos. Assim como no Egito, muito além de
embelezar a cidade, mostrar opulência, essas estátuas eram a morada (receptáculos)
dos deuses. Contam as histórias antigas que Atena e seu tio Posseidon iam disputar
quem seria o padroeiro de uma cidade inteira, que o honraria pela eternidade. Então,
diante de ambas as estátuas, de Atena e de Posseidon, muitas oferendas e preces
foram colocadas e, como em uma disputa de futebol, as pessoas estavam torcendo
para que vencesse o seu deus predileto. Dessa forma, os deuses, a partir da
comunicação com suas estátuas, estabeleceram um concurso: quem desse o melhor
presente à cidade ganharia a disputa. Poseidon bateu com seu tridente e fez jorrar
água do mar e também fez aparecer um cavalo. Já Atena além de domar o cavalo e
torna-lo um animal doméstico, também deu como presente uma Oliveira que produzia
alimento, óleo e madeira, e por isso ela ganhou e assim a cidade levou seu nome,
Atenas. Mais tarde, Péricles ergueu o Parthenon, templo dedicado à Atena, dentro do
qual uma gigantesca estátua podia ser vista. Todos os anos, uma procissão de gregos
caminhava por toda Atenas junto com um touro muito saudável e todo enfeitado,
assim como levavam todos os tipos de oferendas possíveis, como frutas, mel, água,
vinho, pães e outros animais. Essa procissão terminava na Acrópole, e ali as oferendas
eram colocadas e os animais sacrificados. Atena, a estátua, podia demonstrar seu
apreço pelas oferendas mexendo sua cabeça, assim como alguns podiam entrar em
transe apenas tocando nos pés da estátua. Em Olímpia, no Templo de Zeus Olímpico,
era igualmente sua estátua que indicava os melhores atletas que haviam competido
nas Olimpíadas. Inclusive, foi essa estátua de Zeus, esculpida por Fídias, que deu um
rosto para o Jesus Cristo, que até então não era nada mais do que um boato, uma
ideia. A estátua de Zeus Olímpo foi levada para Constantinopla e lá despedaçada, para
se vender seu mármore, ouro e pedras preciosas. Sua cabeça tornou-se o rosto de
Jesus. Pouco antes disso, o imperador Calígula pediu que seus homens fossem à
Olímpia e arrancassem a cabeça de Zeus e colocassem a sua própria cabeça esculpida
no lugar, mas a estátua de Zeus teria soltado uma terrível gargalhada e derrubou os
operários de Calígula de seus andaimes, matando-os.

No antigo Reino do Congo, principal influência para o Vodu dos EUA, os curandeiros,
que eram chamados de ngangas (ungangas) faziam estátuas mágicas chamadas de
nkisi, mesmo nome dado às suas divindades, e as vendiam para seus clientes
resolverem problemas pessoais ou vendiam para toda comunidade obter diversos
benefícios coletivos, como sorte, fartura, proteção, etc. Os marinheiros portugueses

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que encontraram pela primeira vez esses objetos mágicos no século XV os chamaram
de feitiços, palavra que na época era usada para descrever encantos e amuletos. Hoje,
dentro do Vodu, eles são comumente chamados de fetiches. Alguns fetiches têm as
cabeças ou estômagos vazios para conter substâncias especiais como terra, sangue ou
ervas mágicas. Outros são decorados com chifres, conchas, unhas, penas, metal,
cordéis, tinta, tecido ou contas. Algumas dessas figuras fetichistas combinam atributos
masculinos e femininos para darem ouvidos ao ancestral andrógino original de toda a
humanidade. Outros têm dois rostos, para que possam proteger seus donos de
ataques em qualquer direção. Os olhos e o “pacote de medicamentos” (cobertura para
o buraco que contém as ervas secretas e substâncias que fortalecem o espírito da
estátua) são geralmente cobertos por espelhos refletivos. Estes destinam-se a ofuscar
e assustar os fantasmas do mal, e eles também podem ser usados para adivinhação.
Olhando para estes, os ngangas são capazes de entrar em um estado de transe e
entrar no mundo espiritual. O fetiche nkondi (que significa caçador) é usado para caçar
ladrões, feiticeiros do mal e outras ameaças à comunidade. Para inspirar os espíritos
residentes nas estátuas a agir, pólvora era acesa diante deles e pregos eram cravados
em seus corpos de madeira, enquanto as evocações sangrentas os incitavam a se
vingar de maneira igualmente sangrenta contra esses inimigos. Assim como no Egito e
na Grécia, um nkondi também poderia servir como testemunha de juramentos ou
como testemunha de acusação ou defesa. Como testemunha de juramento, as partes
envolvidas fariam suas promessas e selariam o acordo dirigindo um prego ou
semelhante na estátua de nkondi. Acreditava-se que, se violassem os termos do
acordo, os nkondi os castigariam por doença ou morte. Um velho e poderoso nkondi
pode ter muitos pregos e lâminas que o deixará parecido com um porco-espinho: diz-
se que cada prego cravado "acordou" o espírito para executar uma tarefa específica.

Alguém que acreditasse que ele havia sido amaldiçoado com uma doença enviada por
um feiticeiro, poderia pregar um prego em um nkondi para enviar a doença de volta ao
conjurador. Ou o indivíduo amaldiçoado poderia procurar os serviços de uma mbula,
uma estátua coberta com pequenos tubos cheios de pólvora representando rifles.
Esses mbula poderiam ser usados para matar espíritos malignos que afligem um
indivíduo ou uma aldeia. As pessoas também poderiam evocar uma estátua na
mgonga, uma imagem benevolente que, acredita-se, traz cura e boa sorte para aqueles
que a propiciam com oferendas e rezas. Uma mulher grávida podia cercar um nkisi
com um bilongo, oferendas de barro, ervas e outras substâncias que eram colocadas
em pano e depois amarradas ao redor da estátua para garantir um parto seguro e um
bebê saudável. E enquanto a maioria das aldeias tem vários minkisi (plural de Nkisi)
comunais, muitos indivíduos e famílias também tinham seus próprios nkisi para
proteção e prosperidade. Há evidências claras de que pelo menos algumas rainhas
Vodu de Nova Orleans do passado tinham minkisi próprias. A estátua confiscada de
Marie Laveau supostamente se assemelhava a um centauro. Muitas estátuas minkisi

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combinavam elementos humanos e animais, e a Rainha Vodu Betsy Toledano alegou
que sua sociedade “era uma instituição religiosa africana, que havia sido transmitida a
ela, através de sua avó, das antigas rainhas do Congo”.

Enquanto os bonecos Vodu contemporâneos vendidos em lojas de Nova Orleans são


geralmente feitos na China, seu design também mostra uma influência do Congo.
Colheres ou paus envoltos em tecido colorido são regularmente usados como fetiches
nas práticas Congo e Bantu. Os envoltórios mais comumente escondem ervas ou
outros materiais sagrados que são destinados a atrair o espírito para o item e, assim,
envolvê-lo, algo que está faltando nas bonecas turísticas. As penas que decoram o
topo da boneca podem ser vistas como um símbolo do “relâmpago” do espírito que
desce no item para fazer dele sua morada. As penas também podem servir ao
propósito prático de “dar asas ao espírito”: adicionando artefatos de um pássaro,
acredita-se que o espírito ganha o poder de voar. Os criadores dos bonecos Vodu
turísticos podem não ter feito muita pesquisa sobre as raízes africanas das práticas de
Nova Orleans. Mas eles (ou as empresas chinesas que atenderam suas ordens)
reproduziram fetiches Congoleses com surpreendente fidelidade. Por sua vez, muitos
dos praticantes de Vodu, desde muitos séculos atrás, incorporaram uma prática
comum europeia em seu trabalho - a confecção de bonecos. Com o tempo, eles se
tornariam tão famosos por esses itens que viriam a ser identificados não com feitiçaria
europeia, mas com a prática espiritual africana.

Durante a era da Passagem do Meio (quando as levas de escravos ainda estavam


sendo levados da África às Américas), a maioria dos senhores de escravos, nos Estados
Unidos, era protestante. Os donos de escravos, então, os viam como idólatras e
feiticeiros supersticiosos, por causa de sua veneração aos Nkisi e suas estátuas feitas
de barro ou madeira. Por causa disso, os negros foram obrigados a ir abandonando
suas estátuas, ou pelo menos escondendo muito bem elas, para que os senhores de
escravos não os punissem. Como resultado, o Vodu que foi se desenvolvendo nos EUA
era cultuado com muito menos estátuas do que o Vodu haitiano e seus santos
católicos, já que o catolicismo era menos forte do que o protestantismo nos EUA.
Assim, uma forma de magia muito popular na antiga Nova Orleans era o uso dos
salmos como evocações mágicas, usando esses salmos para fazer diversos
encantamentos e até maldições. Não muito mais que cem anos depois (1720), a
Louisiana começou a receber muitos católicos, principalmente com a chegada de
famílias tipicamente francesas, algumas vindas das colônias de São Domingos e
também muitos imigrantes da Itália e Irlanda. Com esses imigrantes, o Vodu (que ainda
estava em desenvolvimento) recebeu muito da influência católica, como a forma que
seus altares eram erguidos, suas estátuas que até então não eram usadas (de nenhum
tipo), incensos, turibulo, castiçais e muitas rezas católicas. Assim, a partir de 1750,
todos os templos Vodu de Nova Orleans estavam repletos de imagens de Santos
católicos, que eram usados como receptáculos dos deuses africanos. Essa abertura foi

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importante, pois permitiu que os antigos fetiches africanos, como os Nkisis, pudessem
ser novamente usados, lado a lado com anjos e santos. Dr. John, segundo algumas
testemunhas, ostentava orgulhosamente uma presa de elefante na qual estava
esculpida a imagem de Vodoun Legba. Todos os Reis e Rainhas Vodu possuíam grandes
e decoradas estátuas, nas quais os espíritos africanos podiam vir até eles e serem
devidamente honrados. Independente se essas estátuas serviam como canal de
contato para pessoas e santos católicos ou para pessoas e antigos deuses africanos do
Reino do Congo, principal influência do Vodu dos EUA. Essas estátuas eram festejadas
com flores, comida, bebida e velas por servos que as tratavam como se estivessem
realmente vivas, e na realidade elas estavam vivas, pelo menos do ponto de vista
mágico da crença Vodu. Quando cuidamos de uma estátua, vamos criando uma forma
pensamento que vai sendo fortalecida com nossas oferendas, criando um “ambiente”
perfeito para a morada de um determinado espírito. Como já muito citado por Helena
Blavatsky, “este processo torna-se muito mais forte quando esta imagem já foi
alimentada por milhões de adoradores antes de você. As muitas imagens da Virgem,
por exemplo, foram alimentadas durante séculos e foram creditadas com numerosos
milagres.” Ao estabelecer uma imagem de santo em sua casa ou templo, você
simultaneamente se conecta e fortalece ainda mais uma egrégora já bem estabelecida,
ou seja, uma forma-pensamento que foi alimentada por gerações de servos espirituais.

As formas pensamento (que caem na categoria de poder do pensamento) podem ser


lindamente explicadas de acordo com o Livro Compêndio de Teosofia (Edição Luxo),
de C. W. Leadbeater, Editora NY Books (no Brasil pela Editora Pensamento). De acordo
com C. W. Leadbeater, a teosofia explica que as formas-pensamento são criações
mentais que utilizam a matéria fluídica ou matéria astral para compor as
características de acordo com a natureza do pensamento. Deste ponto de vista,
encarnados e desencarnados podem criar formas-pensamento, com características
boas ou ruins, positivas ou negativas. As formas-pensamento são supostamente
criadas através da ação da mente sobre as energias mais sutis, criando formas que
correspondem a natureza do pensamento gerado. As formas-pensamento podem ser
divididas em cinco categorias: Pensamento Abstrato, Oceano de Pensamentos,
Pensamento Egoísta, Pensamento Pessoal e Pensamento dos Benfeitores.

Pensamento Abstrato

Quando um homem dirige o pensamento para um objeto concreto, uma caneta, uma
casa, um livro ou uma paisagem, forma-se na parte superior de seu corpo mental uma
pequena imagem do objeto, que flutua em frente ao seu rosto, ao nível dos olhos.
Enquanto a pessoa mantiver fixo o pensamento sobre o objeto a imagem vai
permanecer, e persiste mesmo algum tempo depois.

O tempo de duração desta imagem dependerá da intensidade e também da clareza do


pensamento. Além disso, essa imagem é inteiramente real e poderá ser vista por

13
aqueles que tenham desenvolvido suficientemente a visão de seu próprio corpo
mental. Do mesmo modo como ocorre com os objetos, quando pensamos em um dos
nossos semelhantes, criamos em nosso corpo mental o seu retrato miniaturizado.

Quando o nosso pensamento é puramente contemplativo e não encerra um


determinado sentimento como a afeição, inveja ou a avareza, nem um determinado
desejo, como por exemplo, o desejo de ver a pessoa em quem pensamos, o
pensamento não possui energia suficiente para afetar sensivelmente essa pessoa.

Exemplo: você deseja ter um carro novo, então você para por um momento para
pensar nele. Consegue perceber que a imagem mental é tão pequena, como se fosse
uma fotografia em suas mãos? Ninguém pensa no carro em seu tamanho real. Essa
forma pensamento criada paira em volta de sua cabeça, como um holograma, passível
de ser visto por médiuns clarividentes. Seus pensamentos, portanto, geram imagens
fracas, e essas imagens necessitam a energia fluídica pela qual estamos envoltos.

Oceano de Pensamentos

"Cada pensamento produz uma forma. Quando visa uma outra pessoa, viaja em
direção a essa. Se é um pensamento pessoal, permanece na vizinhança do pensador.
Se não pertence nem a uma, nem a outra categoria, anda errante por um certo tempo
e pouco a pouco se descarrega, se desfazendo no éter.

Cada um de nós deixa atrás de si por toda parte onde caminha, uma série de formas-
pensamentos. Nas ruas flutuam quantidades inumeráveis. Caminhamos no meio deles.

Quando o homem momentaneamente faz o vácuo em sua mente, os pensamentos que


não lhe pertencem o invadem; em geral, porém, vai impressioná-lo e influenciá-lo
fracamente. Algumas vezes, todavia, um pensamento surge e atrai a sua atenção de
um modo particular. O homem comum e fraco se apodera dele e o considera como
pensamento próprio, fortifica-o pela ação de sua própria força e, por fim, o expele em
estado de ir afetar outra pessoa. O homem não é responsável pelo pensamento que
lhe atravessa a mente, porquanto pode não lhe pertencer. Porém, torna-se
responsável quando se apodera de um pensamento e o fixa em si e depois o reenvia
fortalecido."

Exemplo: Às vezes, estamos distraídos, caminhando felizes, fazendo compras e não


pensando em nada de especial. Mas, de repente, uma tristeza nos invade,
pensamentos negativos, desânimo, uma energia ruim que nos faz pensar em coisas
trágicas. Esses pensamentos não são seus! São na verdade pensamentos que você
pescou em um mar de pensamentos em meio uma multidão, onde muitas pessoas
tóxicas podem ter enviado essas formas pensamentos e você atraiu para dentro de sua
cabeça. Sem conhecer os segredos mágicos, as pessoas começam a acreditar
plenamente que esses pensamentos e sensações são delas mesmas, então o desânimo

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toma conta e elas se entregam ao desespero. Quantas vezes você estava animado para
algo e, no meio da multidão, do trajeto, você desanimou e talvez até queria voltar pra
casa? Em muitos casos, esse pensamento cria força dentro da pessoa e, quando está
suficientemente forte, ele é lançado novamente na multidão, indo em direção de outra
pessoa, enquanto te abandona fraco, com sono, estressado, com raiva sem motivo.
Quando você está em um grupo de pessoas, onde todos riem animados e estão felizes,
então suponhamos que este “mar de pensamentos” é positivo e te contagia. Se, por
outro lado, você está em um grupo protestando, brigas, gritos de ordem, você vai estar
em um “mar de pensamentos” negativos, e vai se enfurecer junto com a multidão.
Quanto mais se fica nesses ambientes, bons ou maus, mais essas formas pensamentos
vão sendo lançadas entre as pessoas e ficando mais forte. Perceba que tanto entre os
felizes quanto entre os furiosos, chegará um momento no qual você vai estar cansado,
seja de rir ou seja de gritar. Isso acontece porque essas formas-pensamento sugam
nossas energias para que possam se fortalecer. Quando as pessoas saem dali, a forma-
pensamento continua, e pode influenciar outras pessoas que ali chegar ou, se ninguém
vier, ela de desfaz pois vai enfraquecendo.

Pensamento Egoísta

"Os pensamentos egoístas de qualquer espécie vagueiam pela vizinhança daqueles que
os emitem. O corpo mental da maior parte dos homens está envolto por eles, como
por uma espécie de concha. Esta concha obscurece a visão mental e facilita a formação
de preconceitos. Cada forma-pensamento é uma entidade temporária. Pode-se
compará-la a uma bateria elétrica carregada, esperando a ocasião de fazer a descarga.
Determina sempre no corpo mental que atinge, um número de vibrações igual à sua e
faz nascer um pensamento idêntico. Portanto, se as partículas desse corpo já vibram
com uma certa rapidez, em consequência de pensamentos de uma outra ordem, o
pensamento que chega, espera a sua hora vagueando ao redor da pessoa visada até
que o corpo mental dela esteja em suficiente repouso para lhe permitir entrar. Então,
descarrega-se e cessa instantaneamente de existir."

Exemplo: Os pensamentos egoístas são naturais dos homens e mulheres desse planeta
e vagueiam em nossa volta como abelhas ansiosas para nos atacar. Um bom exemplo
de pensamento egoísta e que já e natural da espécie humana é aquela sensação de que
somos o centro do mundo, de que tudo gira ao nosso redor. Quando estamos
apaixonados, é também comum os pensamentos egoístas de posse. Esses pensamentos
ficam mais fortes quando abrimos nossa guarda, durante o sono, que é quando eles
entram em nós, instalam suas ideias, e desaparecem. De onde esses pensamentos
vêm? Atraímos eles nas ruas. Todas as pessoas são egoístas, nem que seja um
pouquinho, e trocamos entre nós essas energias egoístas, enviando para os outros e
recebendo de alguns, formando um círculo vicioso de insegurança-egoísmo-
insegurança.

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Pensamento Pessoal (muito importante!)

"O pensamento, quando é pessoal, atua inteiramente do mesmo modo em relação à


pessoa que o engendrou e se descarrega sobre ela quando a ocasião se apresenta.
Quando o pensamento é mau, a própria pessoa que o gerou pode considera-lo como
obra de um demônio tentador, quando, de fato, essa pessoa é o seu próprio tentador.
Em geral pode-se dizer que cada pensamento produz uma nova forma-pensamento.
Porém, sob o império de certas circunstâncias e a repetição constante de um mesmo
pensamento, em lugar de produzir uma nova forma, funde-se com a primeira forma-
pensamento e a fortifica. De sorte que o assunto, através de continuada meditação
gera, muitas vezes, uma forma-pensamento de um poder formidável. Quando é má,
pode-se tornar maléfico e durar muitos anos. Formas-pensamento deste tipo possuem
a aparência e os poderes de uma entidade realmente viva." Podem ser facilmente
confundidas com outras entidades astrais, pois possuem uma forma e um movimento
que lembra seres vivos.

Exemplo: A pessoa é muito negativa, e ela passa o tempo todo pensando no quanto é
doente e azarada. Nas primeiras vezes que ela pensa nisso, cria uma forma-
pensamento negativa. Conforme ela continua pensando e se vendo de tal forma, ela
vai alimentando essa forma-pensamento e vai agindo de acordo com o que acredita.
Em um determinado momento, ela começa a julgar que as coisas ruins em sua vida
está sendo causada por um demônio, por uma entidade qualquer. Dessa forma, ela
começa a dar forma para seus pensamentos, que vão se moldando de acordo, um ser
vivo, pensante, reflexo de si mesmo, que vai engolir a pessoa enquanto ela julga ser um
feitiço enviado por um desafeto, não se dando conta de que ela está realizando um
feitiço em si mesma. Com toda essa energia negativa, a pessoa vai criando
energeticamente um recipiente para a entrada de Djabs e Bakas que vão se aproveitar
da situação e ajudar a consumir a pessoa. O contrário pode também acontecer.
Pessoas com pensamentos positivos vão criar uma forma-pensamento propícia para a
morada temporária de entidades boas que vão ajudar a pessoa a alcançar seus
objetivos ou pelo menos facilitar isso.

Pensamento dos Benfeitores ou Malfeitores (muito importante!)

Os tipos de pensamentos tratados acima são os que nascem da mente sem nenhuma
premeditação, são quase automáticos. Existem, entretanto, formas-pensamento
elaboradas intencionalmente com o fim de auxiliar – ou não – as outras pessoas.

São peculiares aos benfeitores da humanidade os pensamentos vigorosos, dirigidos


inteligentemente, que podem se constituir em um grande auxilio para quem os recebe.
São formas-pensamentos em forma de verdadeiros anjos da guarda; protegem contra
a impureza, a irritabilidade, o medo, as dores, as crises e tudo o que está
desequilibrando a pessoa. Este tipo de forma-pensamento pode ser visto nas orações

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com finalidade positiva e também no Reiki. O ato de se criar um boneco Vodu ou de
usar uma fotografia da pessoa e, além de cercar o objeto com coisas simbolicamente
boas, também visualizar as coisas positivas acontecendo com ela, está criando uma
forma-pensamento positiva que tende a refletir no alvo.

Mas, os Bòkòr e as Caplatas, assim como qualquer pessoa que trabalhe com energia
negativa, podem usar essas formas-pensamentos intencionais para atacar inimigos ou
outras pessoas. É o que chamamos de criar entidades com uma finalidade
determinada, geralmente negativa. Certa vez, um grupo de 11 pessoas usaram uma
fotografia e uma vela vermelha acesa enquanto todos repetiam incessantemente a
ordem “queime!” por uma hora sem parar, enquanto visualizavam a pessoa da foto
sendo queimada. No final, queimaram a fotografia da moça na chama da vela, e todos
imaginavam a cena acontecendo. Eles lançaram essa forma pensamento, ela foi de
encontro com o alvo, que morreu queimada menos de 20 dias depois do ritual. Como o
ritual foi baseado em forma-pensamento, nenhuma oferenda foi dada no momento
em que foi feito, uma cobrança de Ti Jean Petwo não demorou a vir. Ele exigiu uma
grande festa em troca do “favor” que ele fizera. Além da magia da forma-pensamento,
a lei de similaridade foi também aplicada por esse grupo.

Todas as magias de todas as religiões trabalham com as formas-pensamento. À grosso


modo, se você parar por um momento e imaginar com foco e por uns 5 minutos que
na sua frente há um homem em pé, e você ir imaginando todos os detalhes dele, as
energias espirituais, inteligentes ou não, mas moldáveis vão começar a tomar a forma
deste homem. Vê-lo com os olhos físicos nem sempre é possível, apenas médiuns
clarividentes conseguem vê-los. Mas, os vendo ou não, eles estarão ali, como forma-
pensamento criada por você. As energias, se boas ou ruins, como explicado, vão
depender muito de sua própria energia, sua intenção, seu amor ou sua raiva naquele
momento. Essas formas pensamentos não são amigos imaginários, mas sim o poder de
sua mente dando forma às energias inteligentes que estão a sua volta.

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OS BONECOS VODU

Para se entender a magia com os bonecos, você precisa compreender a lei da


similaridade, que é reconhecida como uma regra dual. Ao se criar uma imagem,
qualquer que seja, o mais parecido possível com o alvo, então, qualquer manuseio na
imagem resultará na influência deste alvo. Esses bonecos com a finalidade de se atingir
um alvo específico são pontes que nos ligam ao alvo. Este conceito começou na pré-
história. Dezesseis mil anos atrás xamãs paleolíticos pintavam cervos e touros nas
paredes de sua caverna de Lascaux para garantir uma boa caçada. Durante o reinado
de Ramsés III (1187-1156 a.E.C.), um grupo de sacerdotes, cortesãos e mulheres do
harém foram condenados à morte por usar estatuetas de cera para trabalhar feitiçaria
contra o rei e seus guarda-costas. Mais de 2.600 anos depois, em 1591, várias pessoas
de North Berwick, uma cidade costeira na Escócia, foram executadas depois de terem
sido acusadas de fazer e depois derreterem uma imagem de cera do rei Jaime VI da
Escócia.

Para tornar essas imagens especialmente poderosas, as bruxas, assim como os


voduístas, frequentemente acrescentavam a isso o que chamamos de Lei do Contato,
ou Lei do Contágio. Enquanto uma imagem poderia ser usada efetivamente, algo
diretamente conectado com o indivíduo forneceria um link especialmente poderoso.
Uma mecha de cabelo ou recortes de unhas estão entre os itens mais usados. Sangue
menstrual ou sêmen são frequentemente usados para magia sexual ou amorosa, e
você pode até mesmo usar a assinatura de uma pessoa. Um toque particularmente
africano comum em Nova Orleans é usar a poeira das pegadas do seu alvo. Acredita-se
que a pegada contém um pouco da essência da pessoa e que um indivíduo pode ser
atacado pelos pés com claudicação, paralisia, loucura e até morte. Os bonecos podem
ser feitos de muitas substâncias. Você pode construir um boneco usando cera, argila
ou até mesmo gengibre. Os bonecos usados na magia de Nova Orleans são geralmente
feitos de tecido que foi costurado em uma forma humana e recheado com musgo
espanhol ou algodão, juntamente com ervas apropriadas e objetos pessoais. Por
exemplo, um boneco para fazer um vizinho detestável se afastar pode combinar a
poeira das pegadas do vizinho com esterco de gato seco, pimenta vermelha e enxofre -
o tipo de coisa que faria você sair da área se entrasse nela! Um boneco feito para
matar seu alvo pode misturar um pouco do cabelo da pessoa com terra de um
cemitério ou poeira pegada de um túmulo. Um boneco Vodu feito para ganhar o
carinho do seu alvo pode estar recheado de pétalas de rosa vermelha e açúcar. Depois
de ter construído o seu boneco por qualquer meio que você escolher, você deve
batizá-lo, nomeando seu alvo escolhido. A maneira tradicional católica de fazer isso é o
rito do batismo. Embora o rito solene completo possa ser realizado apenas por um
sacerdote ordenado, há um rito particular mais curto que pode ser feito por qualquer
pessoa. Para fazer isso você deve primeiro vestir seu boneco com roupas brancas,
idealmente uma batinha branca. Você também precisará de uma vela branca, de

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preferência abençoada por um sacerdote, e um pouco de água benta (disponível em
qualquer igreja católica). Acenda a vela e diga algumas orações; um Rosário seria o
ideal. Em seguida, borrife o seu boneco com água benta e diga “[nome do alvo], eu te
batizo em nome do Pai e do Filho e do Espírito Santo”. Sopre no boneco e, ao fazê-lo,
sinta-o preenchido com o sopro da vida e se tornando um ser vivo com uma conexão
íntima com o seu alvo. Agora que o seu boneco está devidamente carregado, você
pode fazer por ele ou com ele o que você quer que aconteça ao seu alvo. Se você
quiser usar o seu boneco em um feitiço de amor, você pode cercá-lo com doces e
coisas perfumadas. Fale com ele todos os dias, dizendo o quanto você ama e quanto
você quer que seu amor seja correspondido. Você pode esfregar mel ou xarope de
cana sobre o coração dele para fazer com que seu alvo se sinta mais doce com relação
a você, e você pode usá-lo com diferentes Óleos Vodu para incentivar a atenção do
alvo. Se você quiser deixar seu superior mais inclinado a lhe dar um aumento, você
pode colocar uma corda no pescoço do boneco e amarrá-lo de modo que fique de
joelhos em uma posição apropriadamente submissa. Você também pode inserir a
planta chamada de cinco-folhas (penax quinquefolíum) e Tomilho desidratado (thymus
vulgaris) no boneco, juntamente com açúcar mascavo para fazer seu chefe se sentir
mais gentil com você, dominado e aberto em relação à dinheiro. Para que um feitiço
faça mal, você pode usar a tradição de enfiar alfinetes na boneca. Você também pode
colocar a boneca em um pequeno caixão e enterrá-la no cemitério, esperando que seu
alvo morra quando a boneca apodrecer. Um truque para a cura pode envolver a
imposição regular de mãos e orações (ou mesmo tratamentos de Reiki!), Juntamente
com ervas destinadas a tratar a condição do alvo. Seu uso das bonecas é limitado
apenas pela sua imaginação.

Se você não quer colocar uma estátua sagrada em sua casa, pode usar uma boneca.
Estes são comumente usados pelos espiritualistas como receptáculos de energia
espiritual e lares para seus amigos não-corpóreos. Você pode escrever o nome do
espírito ou santo no corpo da boneca em tinta apropriadamente colorida. O preto
pode ser usado para uma divindade da morte, vermelho para um espírito de guerra,
verde para uma deusa da fertilidade, azul para um oceano ou deus da água. Você
também pode usar as cores mais comumente associadas a esse espírito. (A tinta
prateada ou dourada é quase sempre aceitável.) Vista a boneca em roupas apropriadas
e coloque-a em uma posição de honra. Alimente-o regularmente com ofertas e
conversas, e ouça quaisquer palavras de sabedoria que queira compartilhar com você.
Esta técnica pode ser aplicada aos espíritos além daqueles comumente servidos no
New Orleans Vodu. As Rainhas Vodu estavam sempre abertas a trabalhar com
qualquer entidade que estivesse bem disposta em relação a elas e que pudesse
produzir resultados. Se você já estabeleceu contato com um guia espiritual, pode dar a
ele uma casa em uma imagem apropriada. Isso pode ajudá-lo a desenvolver um
relacionamento mais concreto e pessoal e melhorar suas comunicações. Ao oferecer

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oferendas aos seus espíritos, você as fortalece e garante maior sucesso em suas
petições. A reciprocidade se aplica tanto no mundo espiritual quanto no mundo
espiritual. Aqueles que dão presentes generosos são muito mais propensos a receber
recompensas abundantes.

DANDO VIDA ÀS ESTÁTUAS OU BONECOS

Somente o ato de você colocar uma estátua ou boneco Vodu no altar e começar a
cultuar ali, o espírito destinado ao altar vai fazer dessa estátua ou boneco sua morada.
Poucos ou nenhum Houngan/Mambo vai te contar isso, pois eles querem cobrar muito
dinheiro para fazerem rituais complexos para “benzer” sua estátua. Entretanto, você
pode querer fazer um ritual para essa finalidade, para facilitar ou apressar a entrada
de um espírito ali dentro. Neste caso, siga a receita.

Rum branco (use água no caso de Damballah, Ayida, Freda e Marasa)

Farinha de milho

Florida Water ou um perfume comum (use água de rosas com Damballah, Ayida, Freda
Marasa)

Uma vela preta, uma vermelha, uma amarela e outra azul

Tecido na cor da Loa

Passo a passo:

01 – Arrume o local. Deixe o chão limpo. Tome um banho com água e sal marinho e se
vista de branco. Defume o local com Olíbano.

02 – Com a farinha de milho, crie o buraco de oferendas desta apostila. Mas o desenhe
com as pontas viradas para os pontos cardeais.

03 – Misture o perfume e o rum. No caso de Damballah, Ayida, Freda e Marasa,


misture a água com água de rosas. Lave a estátua com essa mistura.

04 – Coloque a estátua no centro do buraco de oferendas dessa apostila.

05 – Acenda a vela preta ao norte, a vermelha ao sul, e amarela à direita e a azul à


esquerda. Faça uma libação para Legba, pedindo para que ele abra os portões e
permita que a Loa venha até você.

06 – Após a libação, recite o encantamento do espírito:

Ng’unzoma a luango nze, dife y nze ng’amabú! Nga lepango didé fwa eze mbo se lá!

Nhunzomá a luangô unzê, difé inzê nhamabú! Ungá lepangô didé fuá ezê umbô se lá!

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07 – Faça o cumprimento Rada ou Petwo, de acordo com a estátua.

08 – Cubra a estátua com um tecido na cor da Loa.

09 – Defume a estátua coberta com partes iguais de resina de mirra, benjoim e folhas
secas de arruda.

10 – Deixe as velas terminarem por completo. Então poderá varrer o chão e reservar a
farinha e os restos das velas para serem descartados em uma encruzilhada. Coloque a
estátua no altar, mas ainda coberta. Prepare uma oferenda de acordo com a Loa.
Separe algumas pétalas de flor ou folhas de ervas ligadas à Loa em questão. Descubra
a estátua, ofereça a comida, bebida, vela, e jogue as ervas ou pétalas de flores sobre
ela. Faça novamente o encantamento.

11 – Sua estátua estará “viva” a partir desse ponto e deverá ser cuidada no altar.
Quanto mais velha a estatua ficar, mas forte as energias vão estar nela.

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CRIANDO O SEU NKISI NKONDI (Betsy Toledano, 1850)

Como a base do Vodu dos EUA foi trazida do Reino do Congo, muitas crenças desses
povos foram usadas por eles. Os fetiches, como também são chamadas as estátuas,
eram figuras protetoras usadas por indivíduos, famílias ou comunidades inteiras para
destruir ou enfraquecer os maus espíritos, prevenir ou curar doenças, repelir maus
atos, solenizar contratos ou fazer juramentos e decidir argumentos. Um adivinho ou
pessoa santa ativaria a estátua usando substâncias mágicas. Os fetiches ganhavam
poder e eram eficazes porque as pessoas acreditavam neles, criando uma forma-
pensamento passível de atrair verdadeiros espíritos para dentro da imagem. Os nkondi
são os mais poderosos dos nkisi (espíritos, deuses ou um objeto que um espírito ou
deus habita). Ídolos religiosos, feitos pelos Bakongo, povos do Reino do Congo,
costumavam identificar e caçar criminosos desconhecidos, como ladrões e pessoas que
se acreditava causar doenças ou morte por meios ocultos.

Eles também foram usados para punir pessoas que juravam falsamente e aldeias que
quebraram tratados. Para inspirar o nkondi à ação, eles eram evocados/invocados e
provocados. Invocações com palavras de ódio, de ameaça, de guerra, encorajavam-no
a punir o culpado. Também era provocado ao ter pólvora explodida na frente da
estátua, ter pregos martelados nela e sangue jogado sobre o Nkondi. Eles também
estavam acostumados a literalmente "fechar acordos" com claras implicações sobre o
que aconteceria com as pessoas que quebrassem os tratos. Muitos nkondi eram de
propriedade pública e eram usados para afirmar juramentos ou proteger aldeias e
outros locais contra bruxos ou malfeitores. Isto é conseguido invocando o poder
espiritual dos minkisi para fazê-los habitar a estátua como nkondi (caçador de
cabeças). Por serem agressivos, muitos nkondi com figuras humanas são esculpidos
com as mãos levantadas (sinal de ação, de agressividade), às vezes portando armas.
Nkondi com pregos já eram feitas pelo menos até 1864, quando o Comodoro Britânico
AP Eardley Wilmont adquiriu uma enquanto suprimia a pirataria de Solongo (Soyo) na
foz do rio Congo, uma peça que foi objeto de uma pintura contemporânea e está
atualmente no Instituto Geográfico Real em Londres. Outra das primeiras descrições e
ilustrações de um nkondi pregado (chamado Mabiala mu ndemba, e descrito como um
“ladrão-descobridor”) é encontrada nas notas da expedição alemã a Loango de 1873-
76. Marie Laveau, Betsy Toledano, Laura Hopkins e tantos outros Reis e Rainhas Vodu
tinham seus Nkondi protetores ou fechadores de acordo entre elas e sua Fanmi Vodu.
Hoje, os Nkondi não estão tão em voga quanto antes. Como essas estátuas não são
usadas pelo Vodu ortodoxo haitiano, os americanos que se aproximaram do culto da
ilha se afastaram das raízes congolesas e perderam essa cultura. Os Nkondi que
chegaram às Américas são um pouco diferentes dos usados no Reino do Congo, pois
tiveram que ser readaptados à nova cultura. Há algo de bruxaria tradicional na feitura
deles. Entretanto, se acordo com a cultura do antigo Vodu de Nova Orleans, só há uma
receita para a criação do seu Nkondi, como mostrado a seguir.

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Material:

Estátua de madeira, africana, de qualquer gênero.

Corrente (dessas usadas com cadeado)

Cadeado

Enxofre

Olíbano (resina)

Rum branco

Arruda fresca

Folhas de pimenta fresca

Canela em lascas

Folhas de aroeira (para substituir folhas de noz pecã)

Uma folha de mamona picada (para substituir folhas de figueira do diabo)

Algumas pimentas que sejam muito ardidas

Folhas de flamboyant (árvore tipicamente africana, ligada ao fogo)

Folhas de café, frescas

Folhas de limoeiro, frescas

Folhas de laranjeira, frescas

Menta ou hortelã, frescas

Noz moscada em pó

Patchouli

Tomilho fresco ou desidratado

Raspas ou pedacinhos de osso de defunto

Cera de abelha (para selar o buraco)

Passo a Passo:

01 – A estátua precisa ter um buraco na barriga onde serão colocados os elementos. O


local precisa estar limpo, o desenho mágico (símbolo Congo, pág. 27) precisa estar
feito e o ambiente defumado com olíbano.

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02 – Prepare as 14 ervas amassadas e as raspas do osso do defunto com um
pouquinho de rum, a ideia é fazer uma massinha com tudo. Use um pilão para facilitar.

03 – Derreta em banho Maria, lentamente, um pedaço de cera de abelhas.

04 – Coloque essa massinha de ervas e pó de osso no buraco feito na barriga da


estátua.

05 – Derrame a cera de abelha derretida no buraco, sobre a massinha de ervas,


preenchendo ele bem. Deixe esfriar.

06 – Banhe a estátua com uma mistura de 300ml de rum, uma colher de chá de
enxofre, uma pimenta bem ardida e amassada e fumo. Misture tudo, então passe essa
mistura na sua estátua.

07 – Coloque a estátua no centro do desenho. Acenda as velas conforme indicado no


desenho.

08 – Diante da estátua, faça uma oferenda com corações de frango fritos em dendê e
muito apimentados, sem sal. Ao lado uma vela vermelha comum, um copo de rum, um
charuto e um doce qualquer.

09 – Faça a seguinte evocação em língua Kituba:

Mbutá Nkondi, zaclé matimba ndokí ala kindokí, nga munganga lai kilongo, nga
nfumu kufunda. Ya kati mazemetu ala nzo zaikalongo nga mono. Tatai na ng’ ambú,
nga lezango mu! Papá mpasi, Papá ng’ asekilembo, kusala mandinku laze suanlango!

Umbutá unkodí, zaclé matimbá undokí alá kindokí, ungá mungánga lái kilongô, ungá
unfúmu kufundá. Iá katí mazemetú alá unzô zaikalôngo ungá monô. Tatái na nhambú,
ngá lezangô mú! Papá umpássi, Papá nhasekilembo, kussalá mandínku lazê sualangô!

10 – Logo após a evocação acima, prenda a corrente com cadeadp em volta do


pescoço da estátua. Retire-se do local e deixe que as velas terminem. Sempre é bom
checar se as velas ainda estão acesas, pois é importante que elas cheguem ao final.

11 – Quando as velas terminarem, seu Nkondi poderá receber um canto especial na


casa onde ele poderá ficar. Nkondis podem ficar dentro ou fora de casa, podem ser
vistos por qualquer pessoa sem problema algum. O desenho pode ser apagado com
água e sabão.

12 – As oferendas deverão ser descartadas em uma encruzilhada.

13 – Uma semana após o ritual, acenda uma vela vermelha para seu Nkondi. Pregue
um prego na testa dele. Depois converse com ele, explique quem é você, fale seu
próprio nome completo. Apresente sua casa para ele, leve a estátua em uma mão e a

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vela em outra, mostrando cômodo por cômodo. Depois a devolva onde ela vai ficar.
Converse mais com ela, fale de seus problemas, de seus inimigos, de seus desejos.

TRABALHANDO COM SEU NKONDI

Nkondi significa caçador, mas num sentido de caçar inimigos, espíritos, feitiços, caçar
cabeças na realidade. Os Nkondis são protetores de nossas casas e trabalho. É pra ele
que oferecemos nossos inimigos. De acordo com as crenças Vodu de Nova Orleans, se
você estiver com problemas com um inimigo, jogue rum sobre a cabeça do Nkondi
enquanto faz a evocação citada. Então crave um prego, apenas um prego em uma
parte qualquer do corpo dele. Na frente da estátua, coloque um pouquinho de pólvora
e a exploda (cuidado!). Fale palavras como:

Nkondi, meu guardião, [fulano de tal] está fazendo [cite o que está acontecendo] e
eu preciso de sua ajuda. Arranque a paz dele, destrua seus caminhos, arranque seu
sangue, que sua dor seja dez vezes maior que desse prego, que sua mente seja
perturbada, que todo meu ódio se transforme em dor no corpo de [fulano de tal].
Que a doenças consumam seu corpo, sua alma. Nkondi, meu pai, meu justiceiro, meu
juiz, meu executor, peço que arranque a cabeça de [fulano de tal] e a traga para
mim. A morte de [fulano de tal] é pouco perto do sofrimento que desejo a ele/ela.
Obrigado por me ouvir, conto com sua ajuda!

À vezes, a ameaça é velada, ou não sabemos de onde os ataques podem vir. Neste
caso, proceda da mesma forma acima, mas não cite na reza o nome de nenhum
inimigo em especial, apenas cite sobre a sua situação de ameaça.

Talvez, sua intenção seja fazer um trato, um acordo com outra pessoa ou realizar um
juramento diante de Nkondi. Acenda uma vela vermelha diante dele, faça a evocação
mencionada, enquanto derrama rum sobre ele. Exploda um pouquinho de pólvora
(cuidado!) diante da estátua. Faça seu juramento e, logo depois, crave um prego em
alguma parte da estátua. Pode usar as seguintes palavras para o juramento: Nkondi, eu
[nome completo] juro que [um trato, uma confissão, uma defesa] e se eu estiver
faltando com a verdade, serei devidamente punido e meu próprio sangue o alimentará!

Muitas vezes, você pode querer que uma determinada pessoa jure algo diante de
Nkondi. Pode ser um parceiro/a, um membro de sua comunidade, um amigo. Neste
caso, leve a pessoa diante de Nkondi. Acenda uma vela vermelha, jogue rum sobre a
estátua e recite a evocação. Então, exploda um pouquinho de pólvora (cuidado!)
diante da estátua e diga as palavras: Nkondi, nosso guardião, venho diante de ti para
apresentar [fulano de tal]. Após isso, a pessoa apresentada deve dizer o seguinte:
Nkondi, eu me chamo [fulano de tal] e estou aqui para afirmar minha palavra, e
evoco o teu poder para que seja testemunha de minha verdade. Estou aqui para jurar
em seu nome... [citar o juramento] e que seu eu faltar com a verdade que eu seja

25
castigado duramente e que a minha morte seja a sua oferenda. Agora, a pessoa deve
cravar um prego no corpo da estátua.

Se um trato entre você e outra pessoa for a intenção, então ambos devem estar diante
do Nkondi, acender uma vela vermelha cada um, ambos devem molhar a cabeça da
estátua com rum, ambos devem recitar a evocação de Nkondi, um dos dois deve
explodir a pólvora (cuidado!) diante dele e um de cada vez deve fazer a seguinte reza:
Nkondi, eu [fulano de tal], estou diante de ti para que testemunhe minha verdade em
relação a [fale sobre o trato]. Após as rezas, cada um deverá cravar um prego em uma
parte do corpo ou rosto da estátua.

Ao invés de cravar pregos, você pode preferir cravar outros elementos como pequenas
facas, punhais, pedaços de ferro (em forma de lâminas) ou qualquer coisa assim. Não
muda o efeito, mas pregos gastam menos espaço no corpo da estátua, o que pode ser
vantagem.

Pessoas iniciadas geralmente oferecem a ele um animal que deverá ser sacrificado e
preparado como oferenda para o espírito. Como vocês não são iniciados e não podem
oferecer sacrifícios animais, busquem agradar Nkondi com oferendas, sempre depois
de uma semana que o prego foi cravado nele. As seguintes oferendas podem ser
apreciadas por Nkondi e evitar problemas.

Frango grelhado e muito apimentado, sem sal, carne com osso. Sirva esse frango com
arroz branco, também sem sal. Com essa oferenda, sirva um copo de Rum branco e
uma vela vermelha. Descarte essa oferenda 24 horas depois em lixo comum (típico do
Vodu).

DE ACORDO COM A TRADIÇÃO VODU DE NOVA ORLEANS, QUEM VAI RESPONDER


DENTRO DO SEU NKONDI É UM DJAB QUE SE VALERÁ DO RECIPIENTE CRIADO PELA
FORMA-PENSAMENTO DO PRATICANTE!

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SIMBOLO CONGO

Este símbolo é chamado em Nova Orleans como Símbolo Congo, ou um portal entre
você e os antepassados divinizados do antigo Reino do Congo. Ele representa
claramente os pontos cardeais e colaterais. Cada círculo nos pontos cardeais é onde se
pode colocar as oferendas, se for o caso e cada ponto desse representa uma divindade
ou um grupo de divindade como já estudado no quaternário. Para o Sevityè, este
símbolo só terá a utilidade para fazer a sua versão Vodu de um Nkondi. Outros usos
além deste somente são utilizados por Houngans e Mambos. Como costume,
atualmente fazemos este desenho com farinha de milho, Mas, este símbolo, somente
este, pode ser feito com giz, se preferir.

Ele é claramente uma mistura de símbolos africanos comuns nos vèvè com símbolos
da bruxaria europeia. É uma antiga assinatura dos espíritos, que rapidamente o
reconhecerão e se manifestarão de acordo com sua vontade.

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BLACK CAT OPENING (ABERTURA DO GATO PRETO)

Graças à Laura Hopkins, chegou aos nossos dias o antigo ritual do Black Cat Opening.
As verdadeiras origens desse ritual são desconhecidas, embora ele tenha elementos
típicos de magia da idade média da Europa. O Black Cat Opening tem como finalidade
a iniciação em alguns grupos Vodu, sendo um renascimento e a quebra de todas as
maldições e formas-pensamento que estejam agindo sobre a pessoa. O Black Cat
Opening, embora não seja igual, é o equivalente do Kanzo Semp do Vodu haitiano, a
primeira iniciação. O nome Black Cat está relacionado à um antigo e mítico grimório do
século XV, de mesmo nome. Opening era a forma que os antigos Voduístas de Nova
Orleans usavam para falar de um ritual que tinha como função te abrir para algo novo.
Os relatos sobre os Black Cat Openings, suas evocações, encantamentos e estrutura
chegaram intactos nos nossos dias, mas a grande maioria dos praticantes o tem
ignorado para seguir os caminhos haitianos. Trata-se de uma cerimônia longa, com
reclusão de 48 horas à uma semana.

A pessoa chega ao local e hora marcada para seu Black Cat Opening. Na entrada, ela é
recebida com um chá gelado e doce. Terá seus olhos vendados e será levada para um
local devidamente preparado, onde terá os olhos descobertos e passará por um ritual
com pelo menos três banhos mágicos. Um desenho será feito em suas costas e outro
em seu peito. Uma roupa branca e um Moushwa serão então colocados, terá os olhos
vendados novamente e será conduzida até outra sala, onde muitas coisas estarão
preparadas, como desenhos mágicos, comidas, bonecas e wangas. A pessoa deverá
estar acompanhada, no mínimo, por dois padrinhos ou duas madrinhas ou um de cada.
Uma música estará sendo tocada em um só tambor, com notas lentas em três batidas,
lembrando os três passos de Legba, um de cada perna e o terceiro da bengala. O
sacerdote toca seu chocalho o tempo todo, o cheiro de estoraque está por todos os
lados. A pessoa é conduzida, através de palavras de ordem, a se sentar em uma
cadeira virada ao Leste (Vida, Sol, Legba). Suas mãos serão amarradas na frente, entre
elas uma faca ou punhal. O Houngan/Mambo beija os pés da pessoa, o peito (se for
homem) ou ambos os ombros (se for mulher), beija o lado esquerdo do rosto e então a
testa. Passa um óleo na altura do Ajna e pede para que a pessoa repita os juramentos,
que são feitos em sua língua nativa. Cada juramento feito (sete no total) é terminado
com o estalar de um chicote no chão, logo ao lado da pessoa. A pessoa é induzida à
criar uma determinada forma-pensamento, enquanto o Houngan/Mambo ou seus
ajudantes montam uma wanga na frente da pessoa vendada. Legba é então evocado e,
logo após ele, um determinado espírito que será o dono do ritual. Um encantamento é
então falado pelo sacerdote em voz alta, e uma série de três comidas mágicas é dada
na boca do iniciando, que poderá tomar vinho para amenizar o gosto e ajudar a
engolir. Um “tapete” de ervas mágicas é colocado debaixo dos pés da pessoa, depois
disso, um frango branco é passado na pessoa, ainda sentada e vendada, da cabeça aos
pés dela, enquanto o Sacerdote profere outras encantações mágicas. A pessoa terá

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neste momento as mãos desamarradas e sua faca será usada pelo sacerdote. Uma
tigela com um pouco de leite é colocada nas mãos da pessoa. O iniciando precisa
cochichar no ouvido do frango o próprio nome três vezes. Com a faca, cortamos a
cabeça do frango e deixamos seu sangue escorrer dentro da tigela, misturando-se ao
leite. Assim que o frango estiver morto, é entregue para alguém limpar e cozinhar ele
nos moldes religioso. A tigela será colocada sobre um dos símbolos do local.

Os padrinhos ou madrinhas deverão cumprimentar o iniciando com um beijo em sua


bochecha esquerda e um na testa. O Houngan/Mambo se aproxima e lhe beija as
mãos, como símbolo de sua humildade e igualdade. Uma bebida amarga é então
servida, mas a pessoa poderá limpar o paladar com um pouco de vinho e um pequeno
pedaço de uma fruta doce que é imediatamente servida. A camisa da pessoa é tirada
(se for mulher, poderá estar com um top branco por baixo) e um corte em forma de
cruz é feito em suas costas, do lado direito. Após o corte, um líquido mágico é jogado
na ferida, de forma que os espíritos ali presentes façam da pessoa uma morada de
bênçãos. O sangramento é limpo com um tecido branco pequeno que será reservado.
A pessoa será cuidadosamente guiada nos quatro pontos cardeais onde serão feitos
cumprimentos e juramentos, e em cada ponto cardeal uma oferenda será colocada. A
pessoa volta para sua cadeira, onde um grande pano branco é colocado sobre ela. O
Houngan/Mambo pede para a pessoa retirar a venda e entregar para o sacerdote. Um
outro ritual começará neste momento, com a pessoa o tempo todo coberta. Neste
momento, pelos pubianos, cabelo da nuca, aparas de unhas, suor e saliva são colhidos
pelo sacerdote e reservados junto com o pano com sangue.

A pessoa é então levada para outro cômodo, onde passará por um novo banho de
ervas. Ela é deixada sozinha, por uma hora, neste quarto devidamente preparado.
Depois de passada uma hora, o sacerdote busca a pessoa, cobrindo-a com o tecido e
guiando ela até a cadeira. O frango estará preparado, com arroz e feijão, normalmente
bem apimentados. Uma porção pequena é dada à pessoa que deverá comer pelo
menos a metade. Os restos dessa comida deverá ser colocado junto com o pano sujo
com sangue. Alguns rituais seguirão nesse momento. A pessoa será finalmente
descoberta e poderá ver o mundo a sua volta. Ela deverá caminhar em direção aos
quatro pontos cardeais e apresentar as wangas que estão ali. Então voltará a se sentar
em sua cadeira e conversará com a wanga que está na sua frente, fazendo todos os
seus pedidos. Todos os presentes cumprimentarão o iniciando, beijando suas mãos e
seu rosto esquerdo e então a pessoa é levada para um quarto onde ficará presa entre
48hrs e uma semana, com seis refeições por dia, dois banhos e alguns ensinamentos
secretos. No dia de sair, um novo ritual será feito, bem mais curto, e novos banhos
serão tomados. Então a pessoa poderá voltar para sua casa e seguirá 30 dias de
resguardo e manterá por 30 dias alguns compromissos dentro da Fanmi, assim como
novos rituais que serão feitos ao longo desse período.

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O BURACO DE OFERENDAS (DO INICIADO)

O Buraco de Oferendas é uma estrutura riscada com farinha de milho, nos mesmos
moldes dos Vèvè, que pode ou não estar com um buraco no meio. Repito aqui as
informações já dadas anteriormente. O Buraco de Oferendas é algo muito antigo
dentro do Vodu. Já chegou a ser segredo de Djevo, depois foi revelado, então voltou a
ser segredo e hoje depende de cada templo. Pra mim, é um segredo iniciático sim, mas
que posso revelar, pois não está listado no Reglamen. O círculo representa a proteção
divina e da unidade primordial. Em volta, marcando os quatro pontos cardeais, temos
o phallus e o cteis, a encruzilhada sagrada, a união de Legba e Marassa. Em cada
extremidade, uma estrela de oito pontas, uma bussola sagrada.

Depois de desenhado, você deve fazer libação com água, em volta do desenho, não
sobre ele. Pegar um pouco da farinha do prato, fazer uma cruz (encruzilhada) sobre ele
e jogar a farinha no centro. Está ativado!

As Funções do “Buraco” de Oferendas.


Como eu já disse, é bastante difícil ver algum Voduísta usando esses portais, é algo que
já foi muito comum antes da década de 50. No Ninho da Serpente usamos bastante,
pois já era usado desde o início de Mambo Wakenaton, já se tornou tradicional.
Usamos este portal para protegermos nossa oferenda de algum Ghede, Djab ou Baka,
para que não roubem a oferenda. Imagine você oferecer algo para Bawon e outro
Ghede for lá e comer? Então este portal vai proteger. Também o usamos para enviar
um presente direto para a Loa, como uma flor e uma vela para Brigitte. Se alguém está
sendo inoportuno, pode fazer o portal, ativá-lo e colocar uma foto ou o nome inteiro

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da pessoa e acender uma vela para alguma Loa, fazendo seus pedidos para que a Loa
cuide dessa pessoa, mantendo ela longe de você. Mas também pode usar para cura
simpática, colocando uma foto da pessoa no portal e acendendo uma vela para Loas
de cura. Quer usar para fazer uma limpeza pessoal? Faça o portal, ative ele e coloque
algum objeto seu, um anel, um chinelo, um pouco do seu cabelo, enfim, coloque um
link pessoal seu, acenda uma vela branca e deixe queimar ao lado de um copo com
água. Muitas Wangas podem fazer uso deste portal, como fazer um boneco Vodu de
uma pessoa querida e colocar ele dentro do portal, com uma vela na cor ideal do
propósito, a fim de proteger ela. Por exemplo, fazer um boneco Vodu, ou só pegar algo
da pessoa, como um link pessoal (meia, calçado, anel, brinco, cabelo, etc), e colocar no
meio do portal ativado. Se a pessoa for passar por uma cirurgia, use vela vermelha e
entregue para Ogou; se for em uma entrevista de emprego, vela Vermelha para Ogou,
Amarela para Legba ou Verde escura para Azaka; assuntos amorosos, vela rosa para
Freda, azul clara para Lasirèn ou vermelha para Lubana; saúde em geral, use vela
branca para Loko ou uma vela preta e outra roxa para Ghedes; assuntos de justiça, use
uma vela roxa e outra preta e ofereça para Samedi e Brigitte. Todo tipo de oferenda
pode ser entregue e protegido por este portal, e o tamanho dele será de acordo com
as necessidades de cada um. Quando a vela terminar de queimar, caso tenha feito isso
no seu local pessoal, sala, quintal ou templo, você pode recolher as oferendas sólidas e
jogar no lixo, pois a entidade já consumiu sua energia. Oferendas líquidas são jogadas
em terra, até em um vaso serve. Presentes para as Loas, devem ir no altar. Flores, vão
ao altar, quando secar, reservar as pétalas em um vidro para fazer banhos
relacionados com aquela Loa.

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BETSY TOLEDANO

Quando se fala de Rainha Vodu da antiga Nova Orleans, todos pensam logo em Marie
Laveau. Mas existiram muitas outras, cada uma com sua importância histórica. Uma
dessas Rainhas Vodu foi Betsy Toledano, uma sacerdotisa Vodu muito ativa em Nova
Orleans em 1850. A única documentação de sua vida em registros civis ou da igreja é
sua aparição no censo de Nova Orleans de 1850. Nele, ela foi listada como uma mulher
negra de 40 anos, sem ocupação declarada, nascida na Louisiana por volta de 1810.
Não havia outros membros de sua família. Betsy Toledano chamou a atenção do
público em reportagens de jornais de Nova Orleans durante o verão de 1850, quando
as autoridades da cidade conduziram uma repressão ao Vodu. Embora muitos não
considerassem o Vodu como uma religião legítima, mas sim uma prática supersticiosa
dos africanos, ele nunca chegou a ser banido oficialmente em Nova Orleans. Em vez
disso, a polícia invadia cerimônias e prendia os participantes acusando-os de reunião
ilegal de escravos, pessoas livres de cor e pessoas brancas. Os Guardas do Terceiro
Município, encarregados de policiar os bairros abaixo do Quarteirão Francês e as áreas
menos povoadas perto do Lago Pontchartrain, foram particularmente vigorosos e
cruéis nessa busca. O relatório do Third Municipal Guards (guardas do terceiro
município) mostra que na noite de 27 de junho de 1850, um grupo inter-racial de
mulheres escravizadas e também de mulheres livres foi preso “por estar em
contravenção à lei. No relatório dizia que elas estavam dançando Vodu, todas juntas,
em uma área remota perto do Canal São Bernardo. Sua líder era Betsy Toledano. Cerca
de cem mulheres relataram ter estado presentes quando a polícia chegou, mas apenas
duas mulheres brancas, quinze mulheres livres de cor, incluindo Toledano, e uma
escrava foram presas. Depois que o acusado passou uma noite miserável na prisão, o
magistrado multou as mulheres livres em dez dólares cada e as libertou; a mulher
escrava foi açoitada como castigo. Em um jornal da época havia um destaque
relatando o ataque, onde comentaram sobre a “grande quantidade de parafernália
sem sentido” confiscada pelos guardas. Esses “estandartes, varinhas e varas
encantadas” lembram as bandeiras e a espada carregadas no início de uma cerimônia
do Vodu haitiano.

Em 2 de julho de 1850 houve outro ataque ao Vodu. Uma entrada no Livro de Guardas
do Terceiro Município afirma que um grupo de mulheres foi preso “em Milneburg (no
Lago Pontchartrain) em uma casa de má fama por estar em violação de ordenanças
proibindo escravos, pessoas livres de cor e pessoas brancas se reunindo. Além de
ridicularizar o vodu como “a superstição mais grosseira” e “a indulgência da
depravação e da licenciosidade”, os jornalistas tentaram associar a prática à
prostituição. De acordo com o jornal New Orleans True Delta, Betsy Toledano “finge
possuir poderes sobrenaturais, e as mulheres impensadas são induzidas a visitá-la e
participar das cerimônias que ela dirige, com a promessa de ter seus desejos
satisfeitos. [Toledano] é uma das feiticeiras mais notáveis da cidade e, como toda a

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tribo de adivinhos e praticantes de feitiçaria, finge assumir conhecimentos e poderes
sobrenaturais para trazer consigo o trabalho pouco sofisticado de seu sexo e conduzi-
los à rápida ruína.”

As perseguições e as prisões por causa do Vodu continuavam a todo vapor, e foram


sentidas duramente no decorrer o verão de 1850 até junho de 1851. Em 14 de julho, as
mulheres praticantes de Vodu levaram os oficiais da Guarda do Terceiro Município
para a corte civil. Lideradas por Betsy Toledano, elas alegaram que tinham sido presas
ilegalmente durante a realização de cerimônias religiosas, presas de maneira falsa,
indevidamente multadas e sujeitas a agressões, tortura psicológica e maus tratos em
geral. Entretanto, em 30 de julho, Betsy Toledano e seus seguidores foram novamente
presos na casa de Toledano, na rua Bienville, no Quarteirão Francês. A acusação, como
sempre, era a reunião ilegal de pessoas livres e escravos para a prática de orgia
disfarçada de religião. Reportagens de jornais descrevem a “capela grosseira de
Toledano com paredes cobertas de gravuras coloridas dos santos e outros seres
esquisitos, demoníacos” e um altar no qual foram encontradas “tigelas”... contendo
pedras variando do tamanho do cascalho até as maiores, geralmente usadas para
pavimentar” e “taças e vasos cheios de líquidos desconhecidos”. Betsy Toledano
novamente defendeu seu direito de praticar a religião da “terra mãe” que aprendeu
com sua avó africana e ninguém tinha o direito de afastar ela de suas origens. Apesar
disso, Toledano foi ignorada e o jornal do dia seguinte publicou uma advertência sobre
o perigo para a sociedade gerado por "assembleias ilegais", que diziam, em parte, o
seguinte:

Esse tipo de reunião parece estar aumentando rapidamente... Realizados em segredo,


eles colocam os escravos em contato com negros desordeiros e brancos maliciosos, e o
efeito não pode ser diferente de promover descontentamento, inflamar paixões,
ensiná-los práticas cruéis e deixa-los indispostos diante de seu desempenho em relação
aos deveres para com seus senhores... O público pode ter aprendido com as recentes
revelações de Vodu o que acontece em tais reuniões. As cerimônias místicas, orgias
selvagens, danças, cantos, etc... A polícia deveria ter sua atenção continuamente
atenta à importância de desbaratar tais práticas ilegais.

Depois disso, nada mais foi ouvido sobre Betsy Toledano nos jornais. Ela nunca
reapareceu no censo ou em outros registros oficiais. Esta mulher corajosa, que
enfrentou a polícia e os tribunais e sofreu os ataques de repórteres que ridicularizaram
sua religião e a chamaram de procuradora, parece ter desaparecido após seus poucos
meses de fama no verão de 1850.

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LAURA HOPKINS

Laura Hopkins, conhecida como Miss Lala por seus amigos na década de 1930, foi uma
das últimas praticantes e rainhas do antigo e puro Vodu do Vale do Mississippi em
Nova Orleans, sem a forte influência haitiana. Embora ela não tenha sido
particularmente influente na religião, ela provou ser importante para os acadêmicos
porque estava entre os poucos profissionais que forneceram aos pesquisadores do
Federal Writers' Project (FWP) detalhes importantes sobre o que se tornou uma fé em
declínio no início do século 20. Apesar do fato de os pesquisadores do FWP terem
pouco respeito por Lala, eles foram diligentes o suficiente para preservar os detalhes
pessoais sobre ela, assim como as informações que ela forneceu sobre a prática vodu
de sua época. Hopkins era uma mulher muito magra, com uns vinte e cinco quilos, com
1,55 de altura. Seu tamanho diminuto desmentia sua reputação. De acordo com outro
praticante, Lala era notória por seu “trabalho com a mão esquerda”, embora a própria
Hopkins alegasse ter evitado a “magia negra”. Os pesquisadores do FWP a
descreveram como “a mais famosa rainha Vodu/Hoodoo dos dias atuais”. A ação mais
notável de Lala, quando foi entrevistada, era a realização de vagas. Uma delas, uma
abertura de gato preto, imediatamente seguiu uma abertura de São Pedro conduzida
por um pequeno grupo de praticantes que não incluíam Hopkins. As experiências de
dois representantes da revista Life, acompanhando os trabalhadores e posando como
figuras do submundo de Nova York, fornecem algumas dicas sobre o sucesso de Lala.
Os dois homens trataram a abertura precedente de São Pedro como uma farsa,
chegando a rir em voz alta durante a cerimônia. Em contraste, eles foram
surpreendidos por alguns dos poderes aparentes de Lala, que incluíram o sucesso de
comandar uma chama de vela para formar cinco pontos e emitir fumaça. Hopkins
também os surpreendeu preparando um dispositivo de adivinhação que consistia de
uma palha de vassoura colocada em cima de um ovo que descansava em um pedaço
de papel dentro de um copo. Ela ordenava que a palha apontasse para aqueles que se
tornariam obreiros de sucesso da magia do mal. A palha obedecia, apontando para
cada iniciado por sua vez. Mais tarde, Lala também executaria uma abertura de
descruzamento para outro membro do FWP, a quem Hopkins alegou ter sido
amaldiçoado por sua ex-mulher. Ao contrário da abertura do gato preto, que tinha
muitas características de uma iniciação, o propósito da abertura de descruzamento
parece ter sido simplesmente remover os efeitos da magia malévola. Muitas das
práticas de Lala se concentram no trabalho do Vodu/Hoodoo. Enquanto instruía os
trabalhadores recém-iniciados do FWP, por exemplo, ela ensinou-lhes uma variedade
de feitiços, que tinham o propósito de trazer sorte para matar inimigos. Embora ela
geralmente desse pouca informação aos entrevistadores sobre a teoria por trás de sua
magia, ela claramente confiava no poder dos mortos por pelo menos parte de seu
trabalho, uma prática atestada por outros profissionais entrevistados pelo FWP. Em
particular, Lala contou com vários praticantes de vodu falecidos, incluindo Marie

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Laveau, cujos espíritos supostamente ajudaram seu trabalho. Ela também convocou
algumas vezes o espírito de Black Hawk, um espírito nativo americano associado às
Igrejas Espirituais de Nova Orleans.

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A Jornada do Voduísta (Parte V)

Apesar de a internet estar engatinhando nessa época, já existia ICQ e MSN (antigos
programas de mensagem instantânea, caso alguém não saiba), o que permitia meu
contato com eles enquanto eu estava longe. Eu sempre contava sobre os sonhos que
eu tinha, pois eles pareciam seriamente interessados nisso. Finalmente as férias
chegaram, fui novamente para a casa do meu irmão, mas já interessado em rever os
amigos do culto africano. Um sonho havia se repetido o ano todo e este parecia ter
sido especialmente positivo na visão deles.

Sempre sonhava que eu estava correndo em uma rua de terra longa, com muitas
curvas em ziguezague. Havia muitas árvores enormes e muito bonitas dos dois lados,
eu podia sentir um frescor agradável. Eu não corria no sentido de fugir de algo, eu
apenas sentia vontade de correr, como se aquilo me desse alguma liberdade, algo que
me fazia feliz. Esse sonho se repetia muito, com poucas coisas diferentes entre eles,
mas sempre nesse mesmo contexto, caminhos em ziguezague, árvores, frescor e
liberdade. Este sonho era, infelizmente, curto, e sempre terminava comigo caindo de
cara ou em um lago muito bonito, ou em uma poça de água meio suja.

Na mesma semana em que eu cheguei na casa do meu irmão, uma festa estava para
acontecer no templo. Ia ser a Fèt Ghede, no dia 02 de Novembro. Eu já sabia do que se
tratava, claro, e eu estava animado para a festa, sem tanto medo. Comprei algumas
oferendas básicas para eu levara aos mortos, como bebidas, doces, frutas e velas.
Ajudei a arrumar as coisas no templo (eu estava íntimo já!) e tudo ia muito bem.
Entretanto, havia uma parte minha que poucos sabiam, eu sentia vergonha de falar
abertamente sobre isso, pois eu achava que eu tinha problemas mentais.

Desde meus 6 anos (quase 7), coisas começaram a acontecer comigo. Era sempre igual
e à noite! De repente, eu perdia o controle de mim mesmo, todas as coisas físicas
(sofá, mesa, cadeira, paredes, etc) ficavam meio distantes de mim, como se eu não
pudesse tocar nelas mesmo esticando os braços. Os barulhos ficavam
insuportavelmente altos, mesmo se um alfinete caísse no chão, era ensurdecedor. Eu
me sentia muito pequeno, infinitamente menor do que eu era. Eu não tinha nenhum
controle do meu corpo e dos meus atos, eu apenas estava como um espectador
passivo de mim mesmo. Minhas lembranças desses momentos eram como sonhos,
mas infelizmente eram reais, muito reais. Algumas vezes eu me via cantando e
brincando com meus brinquedos na sala de casa, em outros momentos eu saia de
madrugada e ia para um pequeno bosque próximo de minha casa, e ficava lá,
caminhando. Mas não era eu! Era apenas meu corpo fazendo essas coisas de forma
involuntária. Muitas vezes, meus pais me despertavam desses estados de transe,
várias vezes fui “acordado” em meio a mata, na sacada de casa ou na sala, em meio
aos brinquedos.

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Aos 8 isso continuava, e meus pais preocupados me levaram a um psiquiatra, que
identificou como “imaginação fértil”. Depois fiz exames neurológicos e nada deu.
Depois fiz terapia com um psicólogo, mas nada desses ataques pararem. Ocorriam pelo
menos uma vez na semana, e sempre sabia minutos antes de acontecer. Meu coração
acelerava, eu suava, uma ansiedade forte, os barulhos iam ficando enlouquecedores,
meu corpo formigava e então eu tinha que me entregar, perdendo o controle de tudo.
Eu ficava realmente muito mal, sentia muito medo e era uma sensação horrível,
impossível de explicar em palavras. Eu tinha absoluta certeza de que estava louco,
assim como meus pais o achavam também. Havia muito tempo que eu tinha
comentado com a Mambo Wakenaton sobre isso. Ela presou muito atenção, sorriu e
não quis comentar nada sem ter certeza. Esse episódio da minha vida é algo muito
íntimo pra mim, e acho que é a primeira vez que escrevo sobre isso (o que me faz
sentir um pouco vulnerável!).

Então, chegou a noite do Fèt Ghede. O lugar estava lotado! Haviam pessoas dentro e
fora da casa, e tinha presenças “ilustres”, embora eu não saiba quem são até hoje
(risos!). Eu já havia estado lá pela manhã, quando sacrificaram alguns animais, eu não
vi, e prepararam algumas oferendas, alguns cultos privados somente entre os
membros (e eu ali no meio, infiltrado!). Assim que eu cheguei para a festa já fui
pedindo meu banho de ervas, que tomei, me vesti de preto (como pedido, dessa vez!)
e me amarraram um lenço roco na cabeça e na cintura. Eu estava me sentindo bem,
orgulhoso de mim mesmo, e todas aquelas pessoas me olhavam com admiração ou
estranheza. De alguma forma, eu estava amando a situação.

Todos os convidados se ajeitaram como pôde, uma música começou a ser tocada e
então começamos a dançar em volta do poste central, que eu já sabia o nome,
Potomitan. Pouco mais de uma hora de músicas e danças, os Ghedes começaram a
chegar. O primeiro a ir foi Bawon Simityè da Mambo Wakenaton. Ao chegar, ele “caiu”
no chão, e as pessoas correram para cobrir ele com um lençol branco e amarrar um
tecido na boca dele, segurando o queixo. Ele ficava ali, deitado. Mas as pessoas iam
cumprimenta-lo e algumas manifestavam Ghedes nesse momento. Muito rapidamente
a maioria das pessoas estava com Ghedes manifestados, bagunçando, fazendo uma
dança sexual e sensual, gostosa de ouvir. A dança e a música eram tão contagiantes
que não podíamos ficar parados, até as pessoas que estavam só assistindo caiam na
dança.

Eles não paravam um momento. Ficavam andando o tempo todo, falando palavrões,
cantando músicas em francês que todos riam demais, certamente pelo conteúdo que
eu não podia compreender. Muitas vezes, eles apontavam pra mim e falavam coisas
que todos riam muito, mas não sabia (e ainda não sei, embora eu imagine) do que se
tratava. Eu tentei ajudar como pude, pegando velas, oferendas, ajudando os Ghedes,
as pessoas. Enfim, sempre gostei de ser útil! Não percebi em qual momento a Mambo

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Wakenaton havia voltado para o corpo. Mas ela começou uma música e os Ghedes
puxaram a gente, os que estavam conscientes até então, e nos mandaram dançar.

Dançamos bastante enquanto um chocalho colorido fazia um barulho irritante na


nossa cabeça. Algumas pessoas estavam ficando estranhas, mas eu estava tão focado
em mim mesmo que procurei esquecer os outros. A música era muito alta, muito
barulho, tudo muito bagunçado, a sensação é de que as pessoas estavam focadas na
gente, esperando para ver o que ia acontecer. Que eu me lembre, só havia três
brancos dançando ali, e eu era um deles. Embora não fossem a maioria, muitos
brancos estavam na festa, mas não eram muito na roda de dança.

De repente, minha cabeça começou a pesar, minha face formigou, meus olhos
pesaram demais e eu não tinha forças para abri-los. Ao mesmo tempo, eu podia ver
tudo ao meu redor, mas era uma visão de fora do meu corpo, levemente fora dele,
deslocado para trás. Cai de joelhos nesse momento, mas não sentia nada de mim. Do
ponto de vista que eu me encontrava, vi alguns Ghedes manifestados nos médiuns
aplaudindo e apontando para mim e para outros ali na mesma situação que eu.
Pareciam felizes e eu estava numa paz inexplicável, era uma sensação gostosa! Foi
então que eu escutei meu nome bem de longe, era a voz da Mambo e, como em um
piscar de olhos, voltei para a realidade, eu estava de fato de joelhos, um rapaz com um
copo d’água na minha frente e algumas pessoas me abanando. Tomei a água e me
levaram para um quarto pequeno, comum, e pediram para eu me recompor. Levaram
uma fruta para eu comer e pediram para eu tomar bastante água.

O Luiz veio em seguida ver como eu estava e eu tinha muito mais perguntas a fazer do
que responder. Mas ele foi curto e grosso na minha primeira questão, sobre o que
tinha acontecido. Ele me respondeu dizendo que meu Ghede havia se manifestado e
eu tinha ficado por meia hora de joelhos na frente de todos, mudo, mas incorporado.
Eu pensei, meia hora? Como assim meia hora? Para mim havia se passado poucos
segundos!!! A sensação ao voltar para a realidade não era ruim, pelo contrário, era
muito leve e gostosa. Eu estava bem, nada cansado.

Eu não estava sozinho neste quarto. Outras pessoas que tiveram uma experiência
semelhante a minha estavam ali, todos assustados. No meio da minha conversa com o
Luiz, uns 15 Ghedes invadiram o quarto, batendo panelas e cantando alguma coisa que
era muito engraçada, já que a risada era incontrolável para quem entendia aquela
língua. Ao entrar, os Ghedes jogaram rum na gente, e pegaram duas pessoas ali e
levaram para a festa, por alguma razão que eu desconheço. Eu queria muito voltar
para a festa, mas me aconselharam a descansar mais.

Fiquei ali por alguns minutos, quando umas moças entraram com bacias, dentro das
quais tinha uma água com um cheiro bom e suave. Pediram para que nos sentássemos
e começaram a cantar algo e a lavar nossas cabeças. Como num piscar de olhos, pelo

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menos do meu ponto de vista, eu deixei de ser eu, algo estava controlando meu corpo,
eu mais uma vez me via levemente deslocado para fora do meu corpo. A moça que
estava lavando minha cabeça correu, eu não conseguia ouvir muitas coisas, apenas o
barulho dos tambores eram alto na minha cabeça, mas as pessoas falando ao meu ado
pareciam mudas. Não lembro claramente do que houve, tenho apenas flashes como
lembrança, mas me lembro de voltar deitado no chão, ali mesmo no quarto. Me
ajudaram a me sentar e já foram explicando que isso não iria me ocorrer mais naquela
semana, para eu ficar tranquilo. A Mambo estava ali também. Ela me disse que eu (e
outras pessoas ali na mesma situação) deveria ir falar com ela no outro dia! Eu pedi
para ir embora. O Luiz me levou para casa e eu estava muito estranho, nem cá nem lá.
Mas estava com sono e dormi muito bem.

Acordei mais de onze da manhã, o que é estranho, já que eu sempre fui de acordar
muito cedo. A Mambo já havia mandado um recado, dizendo que adoraria que eu
fosse almoçar com ela para conversarmos, o que eu aceitei. Chegando lá, vi que outras
pessoas que passaram pela mesma experiência que eu também foram almoçar.
Almoçamos, falamos da festa, rimos com alguns acontecimentos engraçados e, no
final, a Mambo começou a se pronunciar com todos. Ela disse para mim, não
exatamente igual disse para os outros, mas no mesmo raciocínio, que dois espíritos
teriam vindo em mim. Primeiro teria sido meu Ghede pessoal, mas que não tinha
falado nada e ela não sabia de quem se tratava. Mas o segundo, ela disse que falou
algumas coisas com ela (eu não lembro de nada disso, para mim, eu tinha saído da
realidade por alguns segundos apenas). Este espírito havia dito, inclusive, que eu
precisava urgente de um ritual chamado Lave Tèt. Era a forma de equilibrar e corrigir
minha espiritualidade. Assim como outras pessoas ali, aceitei fazer esse ritual, afinal de
contas, parecia ser bom pra mim. Este ritual foi marcado para dentro de 15 dias, eu
tinha muita pressa por ele.

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Disposição das Velas na feitura do Nkondi (círculos coloridos)

As cores de velas e sua distribuição mudam conforme o tipo de ritual que será feito
num símbolo como este. O padrão mostrado acima é exclusivo para a feitura do
Nkondi segundo os ensinamentos de Betsy Toledano. A estátua vai no centro do
desenho e as velas distribuídas como mostrado.

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Exemplos de Nkisi Nkondi tradicionais

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