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UNIVERSIDADE FEDERAL DO CEARÁ

PRÓ-REITORIA DE PESQUISA E PÓS-GRADUAÇÃO


PROJETO DE BOLSAS DE INICIAÇÃO CIENTÍFICA – PIBIC
PROJETO CULTURAS ESTUDANTIS E FORMAÇÃO DE PROFESSORES DA
EDUCAÇÃO BÁSICA: A CONTRIBUIÇÃO DA ANTROPOLOGIA DA EDUCAÇÃO
Professora Orientadora: Dra. Bernadete de Lourdes Ramos Beserra
Bolsista: Matheus Coelho Inocêncio

M: Universidade Federal do Ceará, Núcleo de Documentação Cultural. Projeto: História e


Memória da UFC. Entrevista realizada no dia quatro de outubro de mil novecentos e noventa e
quatro. Entrevistado: Raimundo Hélio Leite. Entrevistadores: Francisco Ribeiro Moreira e
Virginia Maria Aguiar Vale.

M: Professor, fale um pouco da sua vida, da sua trajetória, quem foram seus pais, os colégios
onde estudou. A trajetória acadêmica, o senhor pode desenvolver a vontade.

HL: Eu nasci no ano de mil novecentos e quarenta e um. Aliás, há uma controvérsia porque
minha mãe sempre me disse que eu nasci no dia dezesseis de agosto de mil novecentos e
quarenta e um. Mas quando foram registrar registraram no dia 11, então, fiquei como dia onze
e a informação que meu pai me deu é que não havia no livro espaço para o dezesseis. Então
começa por ai. Meus pais eles eram, originariamente, de Jaguaruana, no Vale do Jaguaribe. Eles
moravam numa cidade lá perto de Jaguaruana chamada de Borges. Era bem no Vale do
Jaguaribe às margens do Rio Jaguaribe. E é o seguinte: ele, meu pai, é João Crisostomo Filho
e a minha mãe, Raimunda Leite Silveira. Eles moravam lá no Borges e quando foi em quarenta
o meu pai teve uma crise de malária ou algo parecido e se deslocaram para Pacajus onde já
estava meu avô Francisco Leite Carvalho já tinha vindo com minha avó e morava em Pacajus
daqui a 50 quilômetros. E o meu pai vinha muito doente e ele vinha se consultar com um médico
aqui de Maranguape muito famoso que eu não me recordo o nome, mas ao longo dessa
entrevista eu vou me recordar. Curava muita gente naquele tempo. Ao chegar lá em Pacajus
meu vô convenceu a ficar por lá e acho que ele melhorou e eu nasci ai um ano depois. A minha
família era original, então, de Russas, Jaguaruana, Vale do Jaguaribe e eu nasci em Pacajus em
quarenta e um. E o que eu me lembro assim dessa época era minha mãe, era muito religiosa
como de resto a família do meu avô e da minha avó, os Leite e os Carvalho, e ela me ensinou
as primeiras coisas de religião, né? Eu me lembro muito que meus irmãos mais velhos ficavam
me balançando numa rede e minha mãe ficava recitando o oficio de Nossa Senhora e a salve
Rainha, o credo, essa coisa e eu aprendi só em ouvi-la falando pros outros. Então a surpresa é
que um belo dia eu comecei a recitar tais orações, né? E foi assim que eu também fui
alfabetizado. Quer dizer, minha mãe me ensinou as primeiras letras, né, e a tabuada um pouco.
Quando eu cheguei na escola, chamava-se Escola Reunida, nesse tempo tinha um exame de
admissão. Você chegava na escola, a professora pegava as coisas dela e mandava a gente ler e
entrevistava e dali dizia para onde você ia. Realmente quando eu cheguei na escola eu já sabia
ler e já escrevia algumas coisas. Então eu fui colocado naquela época no chamado primeiro ano
fraco, que a professora achava que eu não podia acompanhar e tal. Então eu sei que eu comecei,
então eu fiz a minha toda escola primária lá em Pacajus, nessa escola reunida, né, e em
cinquenta e cinco, mais ou menos, eu vim pra cá pra Fortaleza. Tinha terminado lá a quarta
série, quer dizer quarta, feito o primário e vim pra cá fiz o exame de admissão lá no Liceu que
também era um verdadeiro vestibular naquela época, muita gente aliás. O Liceu era muito bom
e eu fiz e passei. Fiz todo o ginásio naquela época, né, e o científico no Liceu do Ceará. E
realmente foi uma grande escola porque foi no Liceu que eu aprendi o que hoje eu sei. E depois
entrei pra universidade e pra resumir eu lhe digo que eu devo toda minha educação ao ensino
público porque eu nunca estive em escola privada porque meu pai não podia pagar. E toda
minha educação e aí vai fazer um pouco de sentido porque a minha defesa intransigente da
escola pública, a minha trajetória foi muito marcada por isso. Pois bem, lá no Liceu eu, cedo
nós começávamos a, por ser de família humilde, e por ter, sim essa parte da minha mãe ela teve
essa parte religiosa eu dizia, no começo, ela teve uma profunda influência na minha é, nos meus
compromissos sociais, porque eu comecei a descobrir que esse negócio de injustiça realmente
fazia parte da infelizmente da natureza de algumas pessoas por condições e condicionamentos
sociais, e me liguei rapidamente ao pessoal que fazia, né, nessa época era existiam grupos é,
específicos, assim na área de atuação religiosa. Então no colégio existia a JEC, chamada
Juventude Estudantil Católica, e esse pessoal rapidamente eu me liguei a eles, né, e passamos
a fazer militância é no sentido de pegar os jovens e torna-los mais responsáveis socialmente e
também essa parte espiritual das pessoas, né? Então eu me liguei a esse pessoal e foi isso que
me levou a entrar rapidamente na vida, na militância estudantil. Então, o que ocorre?
Rapidamente formamos um grupo e sem querer e sem pedir eu fui levado a determinadas
posições na política, no caso do Liceu. Pra você ter uma ideia havia lá, ainda existe, o Centro
Liceau de Educação e Cultura que era a grande escola formadora de líderes do Ceará. Nós
tínhamos o Centro Liceau, tinha o Centro Estadual Cearense e existia a UMES e a UBES que
eram, assim, na minha avaliação, as grandes formadoras de... as entidades formadores de
lideranças. Pois bem, eu inicialmente me convidaram para eu ser o presidente do que seria o
Conselho é curador do GREC, que era um conselho que curava as contas, né e que fazia, assim,
as correções na política do Liceu, e eu tive uma atuação lá, eu fui eleito pra lá, né? E
inopinadamente no outro ano já me convidaram pra eu ser candidato a presidente do Grêmio.
Eu fiquei muito surpreso com aquilo porque eu estudava de manhã, né, apesar de não ter
condições financeiras, mas o meu pai não queria que eu estudasse a noite pra não trabalhar. Foi
outra coisa que dava, deu sentido de valorização de educação da minha família. Ele dizia: olha
você tem que dizer ou você estuda ou você trabalha. Então, você tem que sacrificar-se um pouco
agora e esqueça esse negócio de trabalhar e no futuro você vai ver o investimento que está
fazendo na educação vai ter resultado. Então, eu estudava de manhã e à tarde já estudavam as
meninas com a educação no Liceu e a noite estudava o pessoal que trabalhava. E eu cheguei
pras lideranças e disse: olha mas não tem o menor sentido a gente ganhar essa eleição. O turno
da manhã era minoria. Eu sei que, pra encerrar a história, eu fui eleito, derrotamos o grande
cacique, o grande coronel que era de Maranguape, chamava-se Sebastião esse camarada. E,
então, eu me tornei presidente do grêmio nessa época e foi aí que eu comecei a militância, tá
certo? Isso que era em torno de sessenta, sessenta e um. Veio a crise do Jânio. Tivemos muitas
confusões e brigas com aumento de passagem aqui no Ceará, principalmente Fortaleza, na
época do Murilo Borges. Havia uma forca muito grande na área do Liceu. Tivemos muitas
brigas com os bombeiros também por questões de dependências lá do Liceu porque eles
queriam as vezes invadir o Liceu atrás de alguém que dava piada e a gente sempre tendo esse
sentido de que o campus de uma instituição educacional ele é absolutamente inviolável. Só pra
te dar, só porque tá na época de eleição por exemplo, uma pessoa que conviveu conosco na
época, o Ernane Barreira, o desembargador Ernane Barreira é dessa época, inclusive, foi nessa
época ele gostava muito de direito e ele foi, tá certo, na época presidente de uma das comissões
eleitorais do Grêmio. Eu me lembro demais que ele pode confirmar isso que foi presidente da
comissão. Você tem, por exemplo, o Barros Pinho. Então, boa parte dessas lideranças que
passou o Eudoro Santana, boa parte dessas lideranças do Ceará hoje, o Lúcio Alcântara, o Lúcio
Alcântara foi de lá. Então, veja, porque veja bem, como você tinha na área privada, né, você
tinha o Colégio Marista, que era muito bom, mas caro nos padrões da classe média, média baixa,
como era nosso caso, principalmente o meu; você tinha o Imaculada que era pra mulher; você
tinha o São João. Mas, veja bem, no elenco de escolas primárias basicamente da época você
tinha o Liceu pra homem, depois ficou pra mulher, e o Instituto de Educação. Mais tarde, é, no
ciclo mais avançado surgiu a Escola Preparatória de Fortaleza, e agora Colégio Militar. Mas
enfim, o Liceu foi a grande escola formadora de lideranças e, também, de lideranças
acadêmicas. Por que? Porque realmente o ensino era muito bom. Pra você ter uma ideia, eu sai
do Liceu falando francês e inglês e arrastando um pouco de espanhol. E na época o ensino de
matemática era tão bom que havia o Instituto Cearense de Matemática privado, que era o
professor Cavalcante, que morreu recentemente, que nos pegava os melhores alunos, ia ao Liceu
escolhia os melhores alunos e começou a levar os alunos para o Instituto Cearense de
Matemática, dar uma bolsa pra estudar matemática. E é daí, dessa origem do Liceu e do Instituto
de Matemática a grande forca que a matemática te hoje no Ceará. Porque, é, eles iam aos
colégios pegavam os melhores alunos de matemática e começou a formar toda uma cultura de
Matemática no Ceará. Bom, então, no plano político a minha história passa por aí. Qual não foi
minha grande surpresa porque veja bem como o Liceu era essa força político-sindical eu diria,
dessa época, todas as crises que ocorriam no estado o Liceu tinha ampla participação, certo.
Então, o que que ocorre, por conta disso, eu, na crise do Jango por exemplo, eu vim pra cá, pro
CEU onde hoje é o NUDOC, né e tivemos uma longa, longas reuniões aqui, formou-se aqui a
cadeia da legalidade. A Escola de Engenharia funcionava nesse prédio. Veja que eu não era
ainda universitário, tou falando da minha participação da época no Liceu. Formou-se aqui a
cadeia da legalidade, a Escola de Engenharia montou uma rádio experimental aqui. Nós
fazíamos transmissões da cadeia da legalidade no Rio Grande do Sul e eu fiz um bom contato
com esse pessoal. Pois bem, logo em sessenta e dois eu entro na universidade, quer dizer ai já
é outra, passa um pouco, né, essa história de colégio e entramos pra... Sim, antes disso, também
vale a pena lhe dizer o seguinte: nessa época já havia uma ampla articulação desses movimentos
religiosos de caráter ideológico a nível nacional. Então veja bem hoje eu posso citar para você
pessoas como o José Serra, por exemplo. O José Serra foi uma pessoa com a qual eu convivi já
nessa época de militância no colégio. O Aldo Arantes, o Sergio Gaudêncio, que também é
deputado, é ,pela Bahia; o Betinho, por incrível que pareça o Betinho foi uma figura que,
Almino Afonso, certo, desses assim proeminente nacional eu lembraria isso. Existem outras
pessoas, mas basicamente muita gente de Minas. Bem, quando eu entrei na universidade qual
não foi a minha.... Fiz vestibular em sessenta e dois já pra matemática. Nesse tempo era Escola
, né, de Matemática e nesse tempo funcionava aqui na frente do NUDOC, funcionava, começou
a funcionar a Escola, Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras que era pela reforma
universitária englobava toda a área de letras e ciências básicas. Então, havia ai matemática,
física, química, biologia, as licenciaturas e letras. Era uma das maiores faculdades que existia
Bom, quando nós entramos o curso de matemática não tinha diretório, aliás, a faculdade não
tinha diretório, era recém-criada, estava sendo instalada. E aí muitos militantes do Liceu tinham
entrado, né, aí fizemos uma assembleia qual não foi minha surpresa que lá vai eu, que tinha
experiência no Liceu, organizar o diretório. Bom, ai organizamos o diretório, fizemos o estatuto,
chamou-se Diretório César Lattes em homenagem a um grande físico-matematico da época e
fizemos uma assembleia para eleição. E lá vou eu de novo. Veja que situações foram sendo
criadas ao longo do tempo numa forma encadeada e eu realmente confesso que nunca pedi pra
entrar nessas coisas, as coisas foram acontecendo e... Bom, eu assumi o diretorio já como
universitário do primeiro ano. Quinze dias depois, uns vinte dias depois, fui convocado para
uma reunião pelo Diretorio Central dos Estudantes já como membro do conselho. Qual não foi
minha surpresa ao chegar nessa reunião foi o presidente chama-se Manio Silvestre, Manio
Silvestre que era maranhense e era da agronomia, hoje ele é reitor da Federal Rural do Rio, é
muito meu amigo. Pois bem, ele presidente eu novo na universidade uns quinze, vinte dias. E
foi deliberado que nos iriamos fazer uma greve chamada greve de um terço. Essa greve, o que
que era a greve? A greve era pela participação de um terco de representação dos estudantes
dentro dos órgãos colegiados. Isso porque porque a reforma universitária de sessenta e oito já
estava ainda em implantação, tinha acabado com as oligarquias das cátedras e das
congregações, tá certo? Então tinha começado a implantação dos departamentos e dos órgãos
colegiados. Quer dizer, havia uma aparente democratização e nós entendíamos, os estudantes...
eu te confesso que eu não entendia muito bem, mas o grupo ao qual eu estava ligado aceitou a
tese que nós iriamos participar com um terço, um terço de estudantes, né. Não se falava, veja
bem, na época, na participação dos funcionários nem no voto paritário e nem em voto se não
fosse numa eleição direta, certo? Pois bem a greve foi deflagrada, houve uma, eu fiquei
completamente atarefado porque eu vinha de uma estrutura relativamente autoritária do Liceu
onde havia os catedráticos, aquela história: os professores é que mandavam e a deliberação foi
a seguinte: fecha a universidade, fecha as faculdades e toma a chave. Não dormi direito porque
não passava pela minha cabeça ter que assumir responsabilidade, mas a ordem era essa.
Fechamos a faculdade, o diretor era o Padre Luz na época, porque ai existe um registro na
universidade. Tomamos as chaves. Quando os professores chegaram no outro dia a escola, a
faculdade aí em frente tava completamente trancada. Fechamos os portões. Os catedráticos do
tipo Eduardo Benevides gritaram muito. Mas enfim a greve tava deflagrada, certo? Tivemos
uma conversa com o diretor aí eu queria relembrar uma coisa que perpassou minha experiência
na época. Na nossa época de liderança estudantil havia uma lealdade muito grande aos
compromissos assumidos e o pessoal realmente tinha liderança quando as lideranças decidiam
alguma coisa não tinha essa história de consultar a base aí depois quebrar o acordo. Pois bem,
conversamos com o diretor, Padre Luz, aí o padre disse: olha eu só quero que vocês preservem.
Respeitou perfeitamente a posição do diretório dos estudantes e disse o seguinte: olha, eu só
quero que vocês preservem o patrimônio, tenham cuidado com essas coisas para não haver
roubo e tal e as condições de vocês, agora vocês assumem uma responsabilidade. Então,
naturalmente eu não sei se vocês sabem que responsabilidade é. Enfim, as aulas foram
suspensas e foi uma das greves mais longas da história da universidade brasileira. E eu tenho
lido os documentos a respeito da história da educação brasileira, essa greve ela não tá muito
bem posta porque não falam muito sobre essa greve, certo? Ela não, a greve na época,
historicamente como eu disse, ela foi colocada por conta da reforma que foi implantada, mas o
fundamento dela era essa participação de um terço. Isso era muito claro nos documentos da
época, mas eu não tenho visto isso. Eu recentemente me pareceu que a greve da qual eu falo
agora tá confusa, sabe? Tá confusa lá. Ela não, essa greve tá muito forte. Mas enfim, a coisa
demorou, né? Engrenou, enganchou e não havia solução. Essa greve demorou mais, quase seis
meses, uns quatro meses e tanto. Eu sei que não se conseguiu muita coisa. Passamos por decreto
na época porque não havia como resolver nem repor aula e essa greve terminou. E logo depois
havia eleição do, eu não sei se esses detalhes são...

Moreira: São importantes

HL: É que são coisas que...

Moreira: Se a greve é nacional, se teve articulação nacional, se foi localizada...

HL: Não, a greve era nacional. Veja, não ela não era.... É como eu te disse havia uma articulação
nacional da UNE no sentido de colocar a participação dos estudantes nesse processo de
democratização da universidade. Quer dizer, através da sua, da participação dos estudantes na
proporção de um terço, né? Ela era nacional. É isso é que tem que ser visto na historiografia da
educação brasileira, que como eu lhe disse não tá muito claro. Eu posso depois verificar um
pouco isso, mas ela não aparece nos documentos que eu li. Tem algumas coisas do Saviani
mencionando essa greve de um terço, que era o fruto da questão, que foi daí que começou a
ânsia de participação das comunidades, como você vai ver depois a ampliação para funcionários
e professores em eleições, ela começou aí. E quando a gente for conversar sobre o meu reitorado
muita gente teria vergonha de tá uma certa contradição porque na época eu tava na linha de
frente dessa batalha pela greve de um terço e depois muita gente achava que eu não estava
coerente com aquilo lá, mas isso a gente discute depois. Pois bem, então essa greve ela se
prolongou de uma forma exagerada, tá certo? Não houve condição de se resolver a coisa.
Ganhamos parte dessa greve. Houve um decreto pra promoção porque não havia condição de
se repor aula porque a greve foi muito longa, etc. Enfim, quando a greve terminou é que veio o
problema de eu ter assumido a presidência do DCE. Logo depois havia o término do mandato
do Manio Silvestre e lá vem a história de substituição do Diretório Central dos Estudantes. Eu
era como eu disse muito novo na universidade e por circunstâncias que eu vou contar
rapidamente fui também eleito presidente do DCE. A coisa passou-se assim nesse tempo: as
faculdades tinham uma representação fixa, né? Era o presidente do diretorio mais um
representante dos alunos. E a, nesse tempo, as escolas eram isoladas, não havia estrutura de
centro ainda. Então existia Medicina, Odontologia, Farmácia, né? As escolas eram isoladas:
direito, economia, etc. E o nosso grupo deu um balanço nas forças políticas e eu achei que a
eleição tava perdida. Que era a eleição era indireta. Era um conselho do Diretório Central dos
Estudantes que fazia essa eleição com esses representantes, o presidente do diretório e um
representante dos estudantes. Bom, aí reunimos o nosso grupo como eu disse era um grupo, né,
de origem católica, aí já a JUC (Juventude Universitária Católica), e olha, a eleição tá perdida.
Havia uma convenção lá na Faculdade de Direito do outro grupo, liderado sabe por quem? Pelo
Otoch, Nelson Otoch, que hoje é candidato a deputado federal. O Nelson Otoch sempre foi rico,
alugou os aviões pra trazer o pessoal do Crato que votava. Que tinha escolas agregadas no Crato
e em Sobral. E fizemos as contas e eu muito pragmático disse olha, essa eleição tá perdida. Aí
foi um chororo danado porque eu não sei não. Eu não tenho o que fazer, a questão é matemática.
Nós demos um balanço. Nós tínhamos nove votos, eles tinham quatorze votos, né? Isso a eleição
e a convenção lá diz-se até que a custa de salgadinho e uísque, né, lá na Faculdade de Direito.
Lembro demais nós estudávamos aqui na Faculdade de Ciências e Letras aqui. E eu estudava,
eu vim pra cá estudar com o meu pessoal de matemática. Bem, o, aí eu lembro-me demais que
o Eudoro Santana, esse povo que eu já falei aí, muita gente da área católica, Barros Pinho, que
trabalhava com a gente. O pessoal mais da esquerda era todo ligado a gente. Nessa epoa também
não tinha o PT. É preciso que historicamente que se saiba isso. Tinha o PCBão chamava o PC
(Partido Comunista Brasileiro) depois as lideranças vão falar alguma coisa, algum tempo
depois, mais tarde. Pois bem, então fizemos nossa convenção, pequena convenção nossa aí,
todo mundo chorou e foi pra casa e eu vim estudar aqui. Quando foi duas horas da manhã mais
ou menos chega o presidente do diretório da Faculdade de Medicina, o Dr. Moreira, também tá
aí. É um caso histórico, talvez pudesse conversar sobre o movimento estudantil. Aí o Moreira
chega, é cirurgião, do Departamento de Cirurgia. O Moreira chega muito espantado e eu fiquei
mais espantado com ele, né, aí ele disse que queria falar comigo. Eu saí. O que há, Moreira?
Ele disse: olha, rapaz, eu fui traído pela convenção lá do.... Eu disse: como foi traído? Não,
porque achava que o candidato era eu e saiu o Nelson Otoch. E eu disse: e ai? Ele disse: ai eu
vim procurar você. Aí fez uns elogios que eu tinha sido muito prudente na greve, tinha psocieos
avançadas, mas sempre fui um cara ponderado, aquela história... E que o grupo dele, significa
dizer o pessoal da área da saúde, confiava em mim. Aí eu disse: você diga o que quer que eu
faça, se nós tivermos um candidato e vocês aceitam eu vou conversar, vou já articular esse
nome. A eleição era oito horas da manhã... quer dizer, tá certo, já era duas da madrugada aí ele
olhou assim simplesmente pra mim e disse “não, nosso candidato é você”. Eu tomei um susto
muito grande porque como eu lhe disse essa turma era toda de lideranças opostas. Regis Juca,
que foi outra pessoa que não foi meu contemporâneo foi anterior a mim., mas já fazia parte
desse... Eu me lembrei agora. Pois bem, aí eu disse “mas você?”. Ele disse “não, perfeitamente,
eu não tou”. Eu pesava que era uma jogada deles pra saber se nos tavamos articulados ou não.
Aí eu disse “olha, Moreira, essa coisa já acabou. Eu já dei meu diagnóstico e a eleição tá
perdida”. Ele disse “não, meu filho, mas você tem agora seis votos que eram dois da medicina,
os dois da farmácia e os dois da odontologia”. Quer dizer, já virava, né? Aí eu disse “Mas como
que eu tenho segurança de que esses votos são meus. Ele disse “tá aqui três procurações. Esses
votos são seus se você sair candidato do seu grupo.” Ora eu queria, é claro que a eleição tá
perdida, eu queria avaliar as condições, né, na universidade. Nós saímos acordando o pessoal
e o pessoal do partido e coloquei a situação isso era umas quatro da manhã aí eu disse “olha
vamos avaliar isso muito friamente porque eu entrei agora. Não sei se eles vão ter liderança
capaz de tocar o Diretório Central dos Estudantes”. Aí foi uns pra lá e uns pra cá, aí o pessoal
achou que eu já tinha muita experiência nessa área de militância, quer dizer, na área
administrativa de diretório, já tinha sido do Liceu. Sei que topamos a historia e ganhamos por
dezesseis votos, quer dizer, além dos seis que eu peguei quando souberam que eu era candidato.
Muito bem, nessa época ai já começou a coisa a evoluir pro seguinte havia uma cirramento da
situação social muito grande que muitas lideranças do movimento de ação católica começaram
a que as propostas que a Juventude Universitaria Catolica não era suficientes pro que eles
queriam e nós tínhamos basicamente duas, além da bíblia, se tinha mais duas, uma bíblia que
era o Pierre Chardin, todos os escritos dele, E ai você ve como a liderança era uma liderança
culta tanto assim, lia o Pierre Chardin no original. E eu me lembro que então esse pessoal dava
um pano de fundo na nossa lucubração e tal. Bom ,esse grupo começou a evoluir e foi daí que
surgiu a Ação Popular, essa liderança que avançou muito no plano social e achou que a parusia
que a Igreja colocava não dava resposta pro que eles queriam, então surgiu daí a Ação Popular
que depois tornou-se realmente num grupo de uma grande ação na época da revolução. Pois
bem, ao longo dessa, talvez vale a pena, aí tivemos toda essa militância e aí eu gostaria de já
entrar no meu relacionamento com a administração da universidade, particularmente com o
reitor Martins Filho. Ele tomou um susto muito grande quando soube que eu tinha sido eleito
porque ele, mas eu me lembro que me disseram que ele disse que “não é possível que botaram
um menino desse pra ser presidente do DCE”. Porque, veja bem, na época, como agora, mas só
que tinha uma outra conotação, o presidente do DCE era membro do Conselho Universitário e
tinha todas as honras e privilégios como hoje tem. Mas só que era uma honra muito grande, né,
sessenta e dois, você dizer que tinha uma cadeira ao lado do Martins Filho, realmente havia um
prestigio muito grande. E ele ficou muito, mas disse não, que havia tanto o Padre Luz como
havia o Padre Luis Moreira, que era diretor...

LADO B

Hélio Leite: Sim, mas eu tava exatamente no ponto da eleição do DCE. Aí o mArtins Filho
soube e disse “são malucos! Como é que botam um camarada desse” e disse “quem ele é? Um
menino véi desse chegou aí já botaram pra votar”. Mas a´comecou a conversar com, aí o Padre
disse “não, mas esse camarada é ligado a Igreja. Não se preocupe não”, né? Conversou com ele.
“Ele também não é assim tão mau, né?”. Aí começamos a nos aproximar. Foi depois que
tivemos uam conversa muito boa e foi muito claro no seguinte, né? Ele disse olha, ele me disse
“eu só quero uma coisa de você lealdade comigo e eu vou ser leal com você”. Depois eu vou
contar um episódio que ele realmente ele fez bem como ele dizia, mas foi do que eu me lembro
a única vez. Ele disse “olha, quando nos acertarmos uma coisa se você tem liderança você
segura esse negócio. Não me prometa nada que você não possa segurar com o resto do seu
pessoal pra depois você vir me falhar. Pois bem, tivemos grandes confusões na época por causa
da, o grande problema sempre foi o Restaurante Universitario, né, onde a administração do
Diretorio Central dos Estudantes. Isso já é histórico. Nessa época, o Diretório e o Restaurante
já possuíam muitos recursos e a Reitoria é que bancava. Então, era uma fonte permanente de
negociação e de chantagem porque bastava o reitor dizer que não dava o dinheiro lá ia a
confusão, lá ia a confusão. E o diretório nessa época havia rubrica do restaurante, mas o reitor
que realmente controlava e só dava na dose que queria. Pois bem, e antes funcionava aqui o
chamado CEU (Centro de Estudantes Universitários). Aquela parte de cima era toda de quartos,
embaixo funcionava o restaurante e lá no segundo andar era todo dedicado ao Diretório Central
dos Estudantes. Havia salas de reuniões, nessa ponta de cá era uma sala muito grande, havia
uma sala de lazer, a parte de lá tinha uma barbearia e uma sapataria e havia uam ssitencia social
com odontologia, odontologia e medico. Então, essa parte era toda dedicada, tinha a quadra e
se fazia todas as sextas-feiras uma tertúlia, era a tertúlia do CEU, que é uma tradição da praça
da Bandeira, praça da Faculdade de Direito lá também... Mas o pessoal que morava ai era a
maioria era da agronomia, era um pessoal beberrão demais e muito criador de caso e essas
tertúlias nós é que comandávamos, embora fosse o reitor quem pagasse, ele é que pagava. Pois
bem, pra vocês terem uma ideia essas tertúlias começava bem quando dava assim dez horas
um jogava o copo lá de cima, xixi... Aí houve casos muito grave de confusão e de briga. Mas
era como eu disse uma parte da assistência social porque a composição social da universidade
realmente era diferente de hoje. Ela começou a, depois da década de sessenta, eu imagino, é
que começou a, especificamente na greve da, dos excedentes, é que eu acho que a composição
da universidade começou a, na década de sessenta começou a mudar. E então essa greve dos
excedentes foi outra greve que foi o seguinte: havia os classificáveis e ficou muita gente de
classificáveis na medicina. Já gente de parente e aderente de gente da medicina e esse pessoal
incitou uma greve. Pra ter uma ideia, entraram cento e vinte alunos de uma vez e só podia ter
entrado, se eu não me engano, trinta ou quarenta. Pois bem, esse negocio funcionava como parte
social porque você tinha festa todo, você tinha assistência social, etc. Eu lembro que na morte
do Kennedy nós tínhamos marcado uma festa no CEU, aí o reitor não quis fazer a festa, não
tava gostando e não queria pagar o conjunto , aí foi uma confusão aí ele tinha que pagar. Depois
ele realmente pagou. A nossa convivência, foi com ele que eu aprendi algumas coisas, por
exemplo, a inviolabilidade do campus da Universidade e nisso eu tentei preservar no meu
mandato de reitoria. Porque várias e variadas vezes eu vi o reitor Martins Filho vir conversar
com a gente, como foi o caso na época do Janio, da renuncia do Janio. Essa área aqui estaca
toda cercada pelo exercito, nós não tínhamos saída. Eles já tinham passado os carros ai por
cima, quebrando mesa no restaurante. Nos tínhamos colocado as mesas tentando impedir a rua
e o exercito tinha passado já com uma ameaça, né? Quando deu umas sete horas da noite não
havia solução aí alguém de bom senso disse “manda chamar o reitor”. Nessa época, o reitor
era um paizão. A gente brigava muito, né? Ele era muito autoritário, mas na hora de dizer “olha
vão bater em estudante, vão invadir o campus” ele era realmente intransigentísso com isso. Aí
ele veio, lembro-me demais, né, e ele chegou, disse, aí nós abrimos o portão e ele entrou disse,
a gente já tinha quebrado as mesas, né, aquele negócio de estudante. Os caras armados de
metralhadora. “Desse jeito ai que voces querem enfrentar esses camaradas aí com pedaços de
pau, é?” E não sei o que pa, pa, pa. Ele disse “não, não, vai ser assim, não. Eu não vou deixar
que eu acho isso um massacre. O comandante já me disse que a ordem é pra evacuar isso aqui.”
O comandante da região era terrível nessa época, aí ele “deixa disso”, sentou acolá e disse “não,
agora qual é o máximo que vocês vão?”, aí alguém disse “olha se eles saíssem pelo menos daí,
né”. Que tava realmente um aparato terrível, interditado isso aqui tudo, aí ele disse “tudo bem,
eu acho que consigo”. Eu disse “pois bem, então vamos ver”. Se eles saírem, voces saem? Aí a
gente disse “professor, se eles saírem, a gente saí”. E ele eu me lembro demais ele veio... Nesse
tempo tinha um alambrado de arame, ele chegou, ficou bem na porta, assim perto da porta, abriu
o portao e disse “quem é o comandante?”. Aí veio um capitão, o capitão e um ordenança
armado. Aí ele disse “não, senhor, pode se desarmar, primeiro aquele outro” falando com o
ordenança, “esse aí e o outro. Eu chamei o senhor e pode se desarmar que não entra armado
aqui não”. Ai o capitão olhou “se eu quiser entrar?”. “O senhor entra comigo. Os meus meninos
não vão lhe mexer não. Agora armados aqui não entra não”. O capitão vacilou um pouco e tirou,
se desarmou. Aí entrou e sentaram e começaram a conversar o que fazia, o que não fazia. Aí
ele disse “olha a proposta é uma só: o senhor tira esse povo daí que meus alunos saem. Eu saio
inclusive com eles”. Aí vai, não vai, o cara quis falar com a Décima Região. Eu sei que depois
de muita conversa resolveu o seguinte: eles tiraram esse pessoal lá pra trás da Faculdade de
Direito e nós saímos cantando o hino nacional, o reitor a frente. Quer dizer, era uma pessoa que
nos tínhamos muita discordância, por exemplo, no plano politico, ele não achava que a gente
podia ter essa participação, tá certo? Mas no plano acadêmico, no plano realmente de estrita
defesa da universidade ele fez uma coisa que absolutamente nós aprendemos, toda nossa
geração. É tanto que nos temos muita discordância e hoje todo mundo é unanime, a nossa
geração, já sabe que ele construiu isso aqui, mas deixou esses valores. Outra era a dignidade da
representação estudantil. Eu já lhe disse a gente era realmente considerados como
representantes. Eu vou contar uma ato que há e conhecido numa dessas freces do tempo do
Murilo Borges, né, houve um aumento de ônibus que ele deu e houve uma confusão
generalizada nessa cidade e os alunos da agronomia embriagados pegaram uma chaboque e
começaram a arrancar o paralelepípedo que tinha aqui na frente e amontoando. Quando eu
estava em casa, morava na Barão do Rio Branco, me avisaram e eu corri pra cá. Quando eu
cheguei tava noite e ali na praça da residência tava uma rádio patrulha estacionamento , mas,
rapaz, foi só eu chegar que tavam tomando o chaboque do, era até o Careca, que era um sujeito
brincalhão lá do Crato, a polícia chegou. E eu estava realmente com o chaboque. É tanto que o
Martins Filho teve a visão de que eu tava arrancando, mas eles confessam nesse depimento que
eu não estava, eu estava tentando controlar o pessoal, mas, relamente eu tava com chabeque na
mão que eu tinha tomado do Careca. Ai a polícia não contou pipoca. Esse ai é o homem de...

Me botaram dentro da Kombi, me abaixaram e dizia “eu sou presidente do DCE” e tinha um
brucutu que dizia “você vai se identificar lá na Polícia Central, agora você não é, você aqui ta
preso”. Aí me levaram pra lá. Pois bem, ai me prenderam lá, me botaram no xadrez, mais isso
rapidamente se espalhou a notícia e o José Maria Barros Pinho, Manuel Aguiar de Arruda e
outras lideranças correram pra lá e depois de uns quinze minutos me conseguiram... Até mais,
passei um bom tempo lá. Primeiro é que me retiraram do meio dos ladroes, né, naquela cadeia
fétida e me colocaram numa sala do delegado. Aí as conversações depois o reitor Martins Filho
me contou que fez tudo por mim, pra me soltar, mas não foi possível porque a ordem era da
Décima Região. O Murilo Borges era coronel, né, então o negócio. Enfim, depois de muita
conversa vai, não vai. Então me transferiram lá pra onde hoje é a Mister Hull, agora é a
Companhia de Guardas. Me colocaram lá preso também no xilindró cheio de aluno do Liceu.
Eu fiquei lá. Ficamos lá e amanheceu o dia. Quando foi assim seis horas lá vem uma pessoa toc
toc uma pessoa andando. O oficial do dia era o Doutor Ivo Santiago Guerra, que nesse tempo
era o pró-reitor de Assuntos Estudantis do reitor Martins Filho. Ai chegou e disse “cade o Helio?
Cade?” Aí eu levantei a mão, disse, fez um gesto pra eu me aproximar ai o cara abriu a porta e
saí, né? Aí o cara disse “ah, você”. Quando eu cheguei tava o reitor Martins Filho sentado no
carro da Reitoria, que era um simen preto. Aí então ele olhou pra mim e disse “Grande papel,
né? Grande papel um membro do Conselho Universitário faz, desempenha”. Ele me chamou de
Hélio ex-presidente do DCE. Quis me dar uma lição de que aquela não era papel de um
presidente de, um membro do... Aí saímos e tal. Então ele foi uma pessoa que ensinou esse tipo
de valores, né? Apesar do autoritarismo dele, ele ensinou esse tipo de coisa, quer dizer, a parte
acadêmica, tá certo? A preservação do território universitário é uma coisa, assim, inviolável.
Foram licoes que ele deixava. E outras licos assim, por exemplo, ele... Agora teve uma coisa,
teve um fato. Então, esse fato que eu te contei, esse negócio ele já vinha porque eu não tenho
precisao de negar agora. Ele continua dizendo que a polícia disse que eu estava arrancando o
calcamento. Eu não estava. Já fiz meu histórico é esse é de que eu tava tomando, alias, já tinha
tomado o chabeco do Careca que realmente eles estavam fazendo o maior salseiro aí na rua.
Outro episódio em que ele revelou muito a usa, o valor que ele dava a representação estudantil
era o seguinte: houve um banquete aí, ele trouxe a comissão de orçamento da Camara Federal,
que nesse tempo era presidida pelo Paulo Sarasate, pra conseguir dinheiro pra, entre outras
coisas, pra essa reforma da Reitoria. Porque tem muita gente que não é desse tempo que pensa
que esse prédio era assim. Ele não era. Esse prédio era simplesmente uma nesga que era aquela
parte original e ele conseguiu depois com o Castelo o recurso pra fazer aquela outra parte. Pois
bem, ele teve essa, ele travou na comissão de orçamento. O presidente do DCE que era eu fui
convidado pra uma banquete na Reitoria e nesse tempo nós estávamos comemorando um ano
da minha administração. Pois bem, nesse jantar eu cheguei pro reitor e disse “olha, reitor, o
DCE não tem dinheiro”. Ele disse “o que é que você quer” e disse “não, eu queria levar uns
salgadinhos, uma coisa assim”. Ai ele chamou o garçom e disse “olha, dá uns litros de uísque
pra esse menino pra eles se divertirem e tal”. Foi uma coisa, né, quer dizer, ele tinha muito
carinho, apesar de muito duro, mas ele tinha um certo carinho. Ele, por exemplo, anarquizava
a UNE na época porque ele era muito amigo dos reitores mais a direita, tipo Suplicy de Lacerda
do Paraná. Que eu vou contar um fato depois... Mas então ele fazia dobradinha com esse povo
que anarquizava a UNE, que era o Vinícius Caldeira Brant, de Minas, que era o presidente na
época. Mas quando o Vínicius veio aqui ele foi gentilíssimo com o presidente da UNE. Também
quer dizer ele fazia o jogo externo nas quando estava om a gente ele convidou o Vinícius pra
almoçar lá. Tivemos uns almoções com ele lá na Reitoria, tá certo? Então ele fazia esse, ele
sabia administrar. Hoje ele me disse que fazia aquele jogo porque era reitor na época, gostava
muito das coisas que ele fazia. Eu não sei se isso é verdade ou não é, mas ele conta essas coisas.
Mas ele realmente sempre foi muito leal. A única vez que ele realmente não cumpriu o que
prometeu foi nessa época que ele trouxe aqui o Suplicy de Lacerda, que foi ministro da
Educação, né? Ele era reitor no Paraná, muito amigo do... E aqueles móveis que você vê na
Universidade foram doados pela Universidade Federal do Paraná. Pois bem, o Suplicy era
reacionário demais, né? Então quando passou no Rio anarquizou a UNE, era um bando de
comunistas não sei o que e ba, ba, ba. Resultado da história é que a UNE me liga dizendo “olha,
já que o Suplicy de Lacerda vai dar a aula inaugural na universidade, então se você quiser fazer
um protesto aí, faça e anarquize com esse cara. Enfim.... Aí eu falei como o reitor. O reitor disse
“olha, você não vá fazer isso, é uma desfeita com o pessoal ai, né, com um homem desses”...
Ah, senhor, não nos consultou. Aí aquela história da negociação como eu lhe disse muito leal
que havia. Eu disse “então vamos fazer o seguinte: nós não fazemos nada contra o encontro, né,
da aula inaugural, mas o senhor também não nos evita. Eu não quero falar com esse camarada.”
Pois bem, o resultado é que ficou tudo certo, tudo acordado. Aí vem a história do restaurante...
Aí ele me chama. Eu estava na Instituto de Matemática ele manda me chamar dizendo que
queria despachar um processo do restaurante. Quando eu entrei no gabinete do reitor eu vi um
sujeito sentado, né, já velho de bigode. Eu não conhecia a figura. Aí comecei a despachar com
o reitor Martins Filho. Aí ele disse “olha, Hélio, aquele negocio do restaurante eu não tenho
dinheiro, mas vou... Eu te falei a história, tirava dum canto pra botar noutro e tal. Vamos dá”.
Aí eu fiquei satisfeitíssimo. O restaurante já tava em perigo. Aí ele disse “olha, agora vou lhe
apresentar uma pessoa que tava ...” Era o tal Suplicy Lacerda. Ele tinha me prometido que nós
não íamos... Pois é, aí eu me apresentei como estudante Hélio Leite. Ele sabia quem eu era. Aí
começou anarquizar o movimento estudantil, movimento de esquerda, que era uma bando de
baderneiro, que era aquilo, que era aquilo outro, etc. Aí eu disse “olha, o senhor tá muito
impertinente. Então eu não vim aqui pra aguentar abuso seu, certo, então eu vou me retirar” e
me retirei realmente, pedi licença ao reitor Martins Filho e saí. Rapaz, esse camarada me fez
uma carta. Essa carta tá transcrita nos anais do Conselho Universitário. Eu pedi porque fiquei
com medo. Ele me ele me dizendo o seguinte: que eu esperasse a volta do parafuso da história
que ainda ia me pegar e logo depois o cara saiu ministro da educação. Eu não sei se por causa
da amizade com o Martins Filho não aconteceu nada comigo. Mas essa carta tá transcrita. Pode
conversar com seu Carvalho se houver interesse histórico. Eu mandei transcrever mandei
transcrever essa carta porque eu fiquei muito apavorado com essa carta. Era terrível, né? Além
de anarquizar o movimento estudantil, me ameaçava de me pegar não sei o que... A única vez
que o Martins Filho realmente não cumpriu com o que prometeu. Mas tem um fato que eu quero
lembrar pra vocês que ainda era estudante e o Betinho estava lá, o Aldo Arantes, etc. É uma
coisa histórica do tempo do Lacerda. Houve, quando o Aldo Arantes foi presidente da UNE,
substituindo o Venício foi o Congresso foi lá no Quintandinha, no estado do Rio, e a polícia do
Lacerda, rapaz, invadiu aquilo lá de metralhadora atirando essa coisa foi um fato que pra mim
foi muito ruim no movimento estudantil porque saiu muita gente ferida e eles colocaram gás
lacrimogênio por baixo das portas dos quartos com a intenção eu acho de sufocar quem taca lá.
Então foi um negócio gravíssimo.

Quer dizer então nessa época de estudante, veja bem, há toda essa militância, né? Em sessenta
e quatro eu fui, peguei um processo no 23 BC por conta dessas coisas...

Moreira: seu mandato como DCE terminou em que ano?

HL: Terminou exatamente no final de sessenta e três. Quer dixer, foi mais ou menos outubro,
novembro de sessenta e três. E em março de sessenta e quatro veio a revolução. Quem me
substituiu no DCE foi o Valton Miranda, nesse tempo do PSB, foi ele quem ficou no meu lugar.
Então eu terminei essa fase da, dessa época de estudante. Aí vale a pena mencionar o seguinte,
né, eu tinha, eu sempre dei aula de graça aqui. A gente fazia matemática. Nessa época todo
mundo tomava cálculo, tomava matemática e não tinha professor, então a gente tinha... E fi daí
que eu comecei já nessa época ter uma visibilidade muito grande na universidade. Quando eu
terminei em sessenta e sete rapidamente fui contratado e continuei com esse trabalho de... Então
houve uma coisa interessante, né, eu não fui na estrutura acadêmica muita coisa. Quer dizer,
não fui chefe de departamente, não fui diretor de faculdade. A minha visibilidade foi externa já
por conta desse trabalho de liderança, né, estudantil e quando eu voltei do mestrado nos Estados
Unidos eu fui pra CCV, que foi outra escola de projeção na universidade. Eu entrei pra CCV
em setenta. O reitor na época era o Cantídio, Walter Cantídio. Ele disse “Hélio, o vestibular tá
muito...”. Veio a história da unificação do vestibular e havia muitos problemas de dúvidas nesse
setor. E eu fiz especialização nos Estados Unidos. Aí o reitor disse “Hélio, você quer tomar
conta dessa história?”. Eu disse “olha, reitor, eu vou se eu puder incluir um trabalho que eu
acho que deve ser”. “O que você quer?”. Eu disse “olha, eu quero determinar as bancas”. Aí ele
disse “não, pode...”.

A partir daí, com essa ida pra proximidade do reitor eu fiquei dando assessoria a administração,
né?

Moreira: Quais foram as mudanças na CCV?

HL: Na CCV? Olha a primeira coisa foi o seguinte: é que os professores não tinham a
preocupação de fazer a revisão da prova, de definir o objetivo das provas. Chegava lá, botavam
as questões e explicavam ali alguma coisa. Então veja bem avia um trabalho longo de revisão
das provas. Era um trabalho longo do professor se sentar e dizer “olha o que eu quero dessa
prova, viu?”. Havia uma análise posterior em que a gente requisitava bolsa dos Estados Unidos
e essas entidades eram levadas como forma de seminário para os colégios. Ele disse que nunca
tinha visto, havido isso aqui. A gente reunia o pessoal da História, aí a gente discutia a prova,
via o que tava fora, tava acima da complexidade do segundo grau, tá certo? Se tava bem feita a
prova, se não tava. Nós tínhamos vários indicadores capazes de dizer se a prova tava boa ou
não. Mas principalmente o que ficou mais assim, mais visto foi esse seminário que a gente fazia.
Então os professores tinham oportunidade de dizer “olha esse conteúdo, aí está acima do, né,
da complexidade do segundo grau, nós não estamos bem dando ênfase nisso”. Então era uma
verdadeira formação do próprio professor da universidade e dos professores do segundo grau e
houve uma ênfase muito grande na seriedade e no sigilo da prova. Os professores passavam,
ficavam internados três, quatro dias. Na maioria das vezes nós saíamos pra fora de Fortalezapra
preparar essas provas com cuidado, com revisões, etc.

Moreira: Hélio, só pra, eu queria retornar um pouquinho porque é mais pra gente, é, recuperar
um pouco da história desse prédio onde funciona hoje o NUDOC. Com relação a esse prédio,
que era onde funcionava o restaurante, um local, você acha que ele foi fechado mais como um,
assim, símbolo do autoritarismo, uma coisa simbólica o fechamento do restaurante?

HL: Eu acho não, eu tenho certeza. Eu vou lhe explicar porque. Porque essa área aqui ela
sempre foi uma área muito sensível, que está muito próxima que são um entroncamento muito
grande de vias. Você tem a parte sua. Então isso aqui sempre foi historicamente um centro, né?
E a própria proximidade da Reitoria, né, e a, digamos assim, essa visão de inviolabilidade do
campus que se estabeleceu ela transformou isso aqui numa área, assim, muito sensível, né.
Porque o que que ocorreu pra você ter uma ideia, veja bem, você tem aqui os seguintes
equipamentos: tem a Reitoria com a Concha, tem essa área aqui com outra, com outra coisa que
tem e tem esse centro nervoso. Então o que acontece... Tinha o restaurante universitário aqui,
tá certo? Então os equipamentos que estavam aqui por perto eram absolutamente facilitadores
de uma mobilização. Então a primeira coisa que fizeram foi primeiro tirar a colação de grau
única. Primeira coisa que eles fizeram foi essa daqui. Então esvaziou. Segundo, fecha, bota
porta, né, fecharam o restaurante universitário propriamente e depois fecharam isso aqui.
Porque já na época de sessenta e quatro o que ocorreu, outro dado é esse que amolaram muitos
estudantes, inclusive o Genoíno. Todo esse pessoal foi amolado na época. Se não fosse a
posição firme que o reitor Martins Filho assumiu em relação aos estudantes e a própria
instituição, quer dizer, não deixar que houvesse estopim tinha sido muita gente prejudicada. Eu
mesmo, por exemplo, além de ter sido preso como eu lhe disse, nós perdemos.... Houve uma
série de condições: você não colava grau; você se tivesse bolsa, perdia; você não podia ser
contratado imediatamente, etc. Então isso foi coisa que a posição firme da reitoria em defesa
da universidade. Se não fora isso, talvez tivesse sido muito pior. Porque veja bem, além de tudo,
queriam na verdade tirar proveito da situação em cima do reitor Martins Filho, que já tava há
muito tempo, tem que mudar... Agora em relação a sua pergunta não há dúvida nenhuma que
esse equipamento aí, esse conjunto de coisas foi orientado exatamente, era concurso estratégico
mesmo. Então qualquer coisa aqui, veja bem, na época mais dura, tipo, mesmo antes de sessenta
e quatro como eu tava lhe dizendo, mesmo antes de sessenta e quatro, na renúncia do Jânio,
isso aqui foi um palco de coisas muito serias em termos de ameaça e houve tentativas e houve
depredação que furou o cerco policial. E o pessoal não veio com brincadeira não, veio bem
armado e era o exército, né? Porque aqui só tem duas coisas ou a polícia federal ou o exército.
Então não há dúvida que isso foi realmente premeditado pra acabar totalmente.

Moreira: Você falou em algum momento sobre a influência do PCB. Como era que se dava
essa influência no movimento e tal?

HL: Porque, veja bem, eles eram, no caso, eram as únicas forcas mais organizadas em termos
de atuação, né? Porque, quer dizer, o PCB era muito mais forte na época na área operaria, mas
eles sabiam que as lideranças de elite intelectual não podiam ser esquecidas, né? De qualquer
maneira, apoiou. Então eles atuavam também, né, no movimento universitário. Eles tinham
também as pontas-de-lança nas outras áreas, como a JOC, por exemplo, no tempo que eu era
católico era o braço da Igreja no operariado. Então havia muitos pontos de encontro e havia
também o fato de que, como eu lhe disse, na evolução a liderança católica experimentava,
tornava os pontos de contato absolutamente indispensáveis no ponto de vista sobre mudança
política e do outro lado você tinha a direita polarizada, né. Então o que é que havia a gente
botava e fazia a chamada frente única, no sentido de que havia muita coisa que não se
concordava, mas a gente sustentava em função da polarização, né, do outro lado. E da minha
experiência sempre foram muito reais, muito reais. Porque como a gente tava num nível de
liderança capaz de conversar com as lideranças deles a nível de comitê estadual. Então a coisa
talvez no partido houvesse esse centralismo democrático mais firme, né. Pois quando a gente
decidia a nível de liderança tanto cá quanto lá a decisão era levada e feita. Então quer dizer que
hoje além do esfacelamento da área católica, hoje eu perdi um pouco o contato, mas o lado das
esquerdas ainda estão muito divididas. E pra começar eu lembro na época de reitor a gente
conversava com o PT você não sabe com quem conversa. “Não, não é comigo”. Aí ia atrás de
outro. Sempre que você chegava não era aquele. No partido, no PCB, não tinha isso. Você
chegava e dizia “olha, a pessoa que toma conta da área universitária é fulano de tal”. Você
conversava com esse fulano e o fulano levava pra quem de direito e as coisas corriam,
legalizadas. Chegava e dizia “não, nos somos contra”. Por exemplo, né, quando nós quisemos
fazer eleição direta para o Diretorio Central. O partido foi contra por causa de centralismo
democrático. Manobraram lá e ganharam. Aí nós dissemos “bem, já que nós perdemos, nós
vamos fazer”. Aí fizemos todos os passos pra eleição indireta. Quando chegou no colégio
eleitoral eles tinham quatro votos e nós tínhamos vinte votos no colégio eleitoral. O resultado
é que o partido quis dar o golpe, né, quis nos impor um candidato tendo quatro. Ai disse “olha,
isso não é democrático, isso aí nós não vamos topar”. “Não porque não sei o que, vocês não
tem candidato”. “Nós temos voto”. Aí quer dizer, havia esses quebra-pau, às vezes as coisas,
mas quando tomava uma decisão foi tomada. Então o partido fez muito disso e era muito
flexível. Olha, era sob o ponto de vista político. Eles não eram, sabiam o que queriam, eram
muito bem articulados e, mas...

Moreira: Sim, e a direita? Tinha uma direita que tivesse esse...

HL: Não, a direita, veja bem, a direita ela vai se articular... Havia na verdade alguns motivos.
A direita vai se articular no ponto de vista ideológico, né, depois do IBAD. Aí já era mais pra
trás, certo? Quando você.

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