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Algumas considerações sobre os sons de Libera me

Shirley Mônica Silva Martins1


Université Lumière Lyon 2, França
Universidade Federal do Ceará, Brasil

Abstract falada e cantada. Ou seja, o silêncio é


Is it possible to say that the absence of percebido por meio do contraste com a
speech in the film Libera me is a gesture produção/emissão de vozes na dimensão
of silencing? We must consider that Alain da fala – nos diálogos entre as carmelitas
Cavalier founds his cinema around the –, e do canto a capella de uma das
spoken word. Even his voice is present in mulheres.
many of these films. Inscribed in his Mas devemos esclarecer que nos
cinema as an orphan of the presence of interessa refletir sobre o silêncio não
the spoken word, Libera me was invented somente em sua correspondência com a
in dis-coincidence (François Jullien). extinção do som ou como elemento
3
Cavalier names the choice to keep in this constituído por sons .
movie the moments before and after the Em sua análise sobre o filme de Sharunas
dialogs of "between". More radical than in Bartas, Few of Us, Louis Daubresse faz
the film Thérèse, he also removes the menção à dupla origem etimológica do
music. Libera me immerses the spectator termo silêncio.
into an atmosphere built only by noises
and silences. The essay on Vilém De fato, a língua latina distingue
Flusser's gesture of speaking allows us to dois tipos de silêncios: tacere e
reflect upon the gesture of silencing. We silere. Tacere é um verbo ativo
cujo sujeito é uma pessoa.
propose to analyze the sounds produced
Marca uma parada ou ausência
by the established relationship between de fala humana. (...) Silere é um
bodies and objects as a performance. verbo intransitivo. Não se aplica
apenas ao homem, mas também
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Keywords: Cinema, Sound treatment, à natureza, objetos e animais.
Gesture of silencing, Vilém Flusser, Alain (2016, 134)
Cavalier.
Em ambos os filmes de Cavalier, a fala se
ausenta. Mas até mesmo a estética
Quando a palavra desaparece
dotada de rigor de Thérèse não se
do cinema de Alain Cavalier aproxima da radicalidade de Libera me. A
adoção do silêncio em Libera me também
De que maneira Alain Cavalier des- provém do tacere, mas implica na
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coincide do seu próprio cinema quando eliminação total da voz como fala e canto.
ele realiza Libera me (1993)? Em seu caderno de notas, o cineasta
Diferentemente de seus outros filmes, ele declara que obteve depoimentos de
não compartilha a palavra com o sobreviventes dos campos de
espectador. Em Libera me, nos concentração. Amanda Robles, em seu
deparamos com as nuanças de um artigo Genèse de Libera me, assume que
silêncio que pode ser angustiante na o testemunho registrado no caderno de
medida em que cria as condições para Cavalier, e citado abaixo, é de alguém
uma experiência de escuta de um silêncio entrevistado pelo cineasta:
indubitavelmente particular.
Para nossa melhor compreensão, Se você quer fazer um filme
partamos de uma comparação entre sobre os campos, ouça, o que é
Libera me e o longa-metragem de ficção necessário é trazer de volta o
que o precede, Thérèse (1986). silêncio, porque o campo de
Em Thérèse, Cavalier possibilita que o concentração, o real, o que nos
espectador perceba o silêncio que fez muito mal, é o silêncio. Tente
envolve o cotidiano das carmelitas a partir fazer um filme de uma hora e
meia de silêncio, isso não é
da presença da voz. Mais precisamente,
possível, e nós éramos 10.000,
há uma cena onde o espectador pode se nós éramos 20.000, todos
dar conta do momento em que a madre alinhados assim e nós
superiora autoriza que o silêncio seja sentíamos um silêncio especial,
rompido pelas carmelitas. E a retomada não um feito por uma multidão
do uso da voz se dá nas modalidades em bom estado físico, havia uma
espécie de, é isso, de silêncio incapazes de traduzir: “sobre aquilo de
psíquico, uma espécie de que não se pode falar, deve-se calar”
atmosfera de morte, eu não sei (Wittgenstein 1921, 131). Ou seja,
como chamá-lo, um silêncio de transpor essa barreira significa tentar
5
morte (...). (2014, 67) 9
“dizer as coisas nunca ditas antes”
(Flusser 2014, 63).
Em Libera me, o tacere acompanha tanto
E o limite estético é definido no Decálogo
oprimidos quanto opressores. Para além
da Bíblia que estabelece que é proibido
de estar associado a personagens ou
dizer o nome de Deus em vão. Logo,
grupos, este silêncio marca o filme como
transpor a barreira estética é tentar
um todo e desborda, permitindo que o 10
pronunciar as palavras impronunciáveis
espectador possa experienciá-lo. Sim, o
(63).
espectador entra em contato, em alguma
Na sua dimensão política, Flusser diz que
instância, com o silêncio psíquico na
o gesto de falar "é, portanto, uma tentativa
modalidade de atmosfera de morte.
de abrir um novo espaço ao dizível e
E Cavalier obtém o tacere em Libera me a 11
assim aumentar o domínio da liberdade"
partir da incompletude das ações, que ele
(63-64). E ele acrescenta: “nós falamos
denominará, em seu caderno de notas, de
para entender o mundo pelas palavras e
"between": "Cortes no gesto, corte no 12
assim alcançar os outros” (62).
ruído em curso. Na subida, não no pico.
6 No entanto, há uma garantia de fracasso
Descontínuo" (Cavalier apud Robles
nesse processo. No ensaio, Flusser
2014, 73). O espectador é tragado pela
defende que o homem é possuído pela
suspensão promovida pela elipse do
palavra, mas não a domina. E ele cita a
instante em que os personagens
gagueira de Demóstenes e Moisés como
conversam. Cavalier mantém o intervalo: 13
exemplo disso (64). Logo, o filósofo
apenas o que se encontra antes e depois
defende que o gesto de falar é uma das
do diálogo.
manifestações da dignidade humana pela
Logo, nos interessa refletir sobre como o
tentativa “de romper seus limites apesar
tacere de Libera me se afirma enquanto 14
da garantia de fracasso” (64-65).
gesto de silenciar. O ensaio sobre o gesto
Mas como o gesto de falar se expressaria
de falar de Vilém Flusser nos ajudará a
no cinema? A palavra falada no cinema
compreender em que instância isso
poderia atrelar a dimensão política do
ocorre.
gesto de falar à ousada decisão de
atravessar a dupla barreira do silêncio,
Flusser e a fenomenologia dos apesar dos obstáculos inerentes ao
gestos: do gesto de falar ao corpo?
gesto de silenciar Flusser também escreveu um ensaio
sobre o gesto fílmico, que foi incluído na
Um dos ensaios da fenomenologia dos edição francesa do seu livro sobre a
gestos de Flusser se dedica à reflexão fenomenologia dos gestos. Para ele, o
sobre o gesto de falar. Incluído no ciclo de filme pode ser imaginado como uma tese.
cursos ofertados pelo filósofo, no ano de Na qualidade de superfície projetada, o
1977, no Relais culturel d’Aix-en- filme (assim como a TV e o vídeo)
Provence, o gesto de falar alude à “época imaginaria o conceito perdido que
das palavras e do esplendor”, conceberia a imagem perdida (esta, por
contrapondo-se à “época das palavras e sua vez, concebida pelo texto linear
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coisas” . Diz Flusser: “O peso original do literário, matemático...) que imaginaria o
gesto de falar, este valor determinado no [mundo] concreto perdido (que é
discurso, esta escolha difícil e deliciosa concebido pela superfície tradicional:
das palavras, este é o gesto que 15
pintura, fotografia...) (165-166).
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atravessa a barreira de silenciar” (1991, O gesto fílmico seria alcançado por meio
59). da distinção entre as imaginações da
Aqui, aludimos a sua definição do gesto superfície projetada e da tradicional.
de falar como essa decisão do falante de Assim como por meio da distinção entre
romper as duas barreiras do silêncio: a as histórias da experiência cotidiana e do
ontológica e a estética. cinema – e seus procedimentos técnicos
Quanto ao limite ontológico, Flusser cita o 16
que proporcionam credibilidade (165).
sétimo aforismo do Tractatus Logico- Como exemplo do gesto de falar no
Philosophicus de Ludwig Wittgenstein cinema, e enquanto gesto fílmico, nós
sobre os problemas que as palavras são temos a cena da canção Titine em
Tempos Modernos, de Charles Chaplin. Outro aspecto relevante mencionado por
Combinando as estéticas do cinema mudo Fiant e que coincide com o filme Libera
às do sonoro, a tese de Chaplin permite me é que o cinema subtrativo é um
que Carlitos transponha a barreira do "cinema do presente (...) mas também
silêncio por meio da palavra cantada em capaz de sugerir o passado e de tratar a
17 22
um idioma fictício (Valverde 2008, 275). história" (18). Ele cita Chantal Akerman,
Feitas as considerações sobre o gesto de Béla Tarr, Wang Bing, Pedro Costa e
falar, analisaremos as condições de Tariq Teguia como exemplos de cineastas
produção do gesto de silenciar. cujos filmes estabeleceram "um diálogo
23
Primeiramente, vamos buscar no ensaio entre [os] mundos de ontem e hoje" (18).
de Flusser sobre o gesto de falar os
indícios do que seria o gesto de silenciar: Estética da sensação
"Silenciar não é permanecer em silêncio. O filme Libera me poderia ser analisado a
É um esforço violento: não permitir à partir da estética da sensação.
palavra que ela saia da boca, apesar da No seu artigo La forme et l'informe: de la
pressão que ela exerce contra as cordas dissolution du corps à l'écran, Martine
18
vocais" (58). Beugnet aborda a estética da sensação:
No que diz respeito ao filme Libera me, "as técnicas cinematográficas são
parte-se do pressuposto que as barreiras colocadas a serviço das qualidades
do silêncio são intransponíveis. E Cavalier sensoriais do filme, [e] participam na
realiza o gesto de silenciar na medida em elaboração de uma sinestesia, mais
24
que ele filma "apenas os momentos da precisamente de uma visão "háptica""
vida (...) pouco antes de a palavra nascer, (2010, 50).
19
ou logo depois que nos calamos" (apud Diferentemente do modo óptico, adotado
Robles 2014, 72). pelo cinema clássico e que é fundado na
perspectiva (54), no "háptico, a atenção
Libera me vai para os detalhes táteis e para a
superfície material da imagem onde figura
25
Estética subtrativa e fundo se fundem" (55).
O filme Libera me poderia ser estudado a Em seu artigo Alain Cavalier: visage de
partir de alguns aspectos do cinema style, Bernard Perron diz: "Nenhum plano
subtrativo. exibe uma perspectiva para o infinito ou
Em seu livro Pour un cinéma um ponto de fuga. (...) Nenhum
contemporain soustractif, Antony Fiant movimento de câmera, nem mesmo uma
define como cinema subtrativo "um panorâmica como em Thérèse, vem
cinema que mostra certa relutância (...) liberar o ponto de vista sempre fixo e
26
em relação aos preceitos de uma arte frontal de Libera me" (26) .
desenvolvida e universalmente adotados Faz-se necessário dizer que, em Libera
durante a sua assim chamada era me, figura e fundo não se fundem.
20
clássica" (2014, 10-11). Maël Guesdon se refere ao filme Thérèse
Fiant detecta quatro características da durante uma entrevista a Alain Cavalier
narratologia do cinema clássico que são como "uma construção formal trabalhando
contestadas pelos cineastas dos filmes figuras e ações que se destacam de um
27
subtrativos: uma narrativa fechada; uma fundo homogêneo" (2016). A mesma
história a ser contada; uma história é descrição pode servir para Libera me,
produzida por alguém (por se tratar de com sua ausência de cenário, nada além
uma ficção); a unidade da narrativa é o de "um fundo entre o cinza claro e o cinza
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evento (22-27). escuro" (Cavalier apud Villain 2013, 69),
Curiosamente, apesar de sua estética "um fundo mais ou menos luminoso -
29
radical com base na supressão da palavra dependendo da atmosfera da cena"
e da música, Libera me se identifica com (Perron 1996, 26).
as características da narratologia clássica Cavalier canaliza os recursos estilísticos
elencadas por Fiant. de Libera me para tornar perceptível para
Por outro lado, a identificação com o o espectador o que aparentemente é mais
cinema subtrativo se dá por meio de sua inacessível: "Transpassar um toco de
restrição narrativa, pois o filme nega ao cigarro com um alfinete. Tudo é precioso,
30
espectador uma experiência garantida tudo faz falta. Aqui está a força do filme"
"por uma progressão dramática (Cavalier apud Robles 2014, 62).
21
imediatamente legível" (21) Em seu livro Cinéma et cognition, Laurent
Jullier nos explica que a percepção distal
(ouvido/vista) pode estimular a percepção
proximal (tato/olfato/paladar) do Libera me faz parte do cinema que
espectador (2002, 161-162). Em Libera Cavalier menciona como pertencente ao
me, a percepção proximal é ativada seu passado, datando da época em que
enquanto sugestão de experiência táctil ele ainda apostava no contraste entre um
(Jullier, p. 161), e vai ao encontro do que rosto e um objeto.
Laura U. Marks menciona como uma É na interação entre o corpo do ator e o
possibilidade de "relação íntima entre o objeto que o filme se constrói. Por
corpo do espectador e a imagem exemplo, quando o açougueiro troca seus
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cinematográfica" (2000, 171). instrumentos de trabalho pelas armas de
combate aos opressores.
Som inframince? Dos 90 atores e atrizes de Libera me, na
Marcel Duchamp vai explorar as ocasião, apenas cinco deles possuíam
possibilidades do inframince em 46 notas, experiência de atuação em cinema, vídeo
que serão publicadas depois de sua e TV. Até os dias atuais, 72 deles
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morte. O artista evoca o inframince como participaram apenas de Libera me.
analogia, separação, transparência, De acordo com Perron, "todos os atores
isolamento, carícia, contato, som... não profissionais que figuraram em Libera
A nota 9 nos interessa para analisar me possuíam características
Libera me: interessantes para o filme, e isto foi
37
suficiente (1996, 28-29).
Calças de veludo – Um dos critérios de importância para a
seu assobio (na) caminhada pela escolha dos atores e atrizes foi a
familiaridade com o(s) objeto(s)
fricção das 2 pernas é uma manuseado(s) em cena. Cavalier recorreu
separação infra mince sinalizada à memória do corpo dos atores e atrizes
pelo som. (não é? um som infra mince).
32 na condição de gesto de trabalho. Por
exemplo, o personagem do fotógrafo foi
(Duchamp 1980, 25) interpretado por Michel Quenneville, que é
fotografo na vida real. Ele estreou como
Em L'Empreinte, Georges Didi-Huberman ator em Libera me, mas já tinha
explica o inframince como sendo uma trabalhado como cinegrafista em Il y a des
denominação que qualifica o que "faz da jours... et des lunes (1990), de Claude
operação reprodutiva uma operação Lelouch.
diferencial, uma operação de lacuna Mantido o distanciamento estético e
33
[l'écart]" (1997, 164) do que se obtém histórico necessário, aludimos às palavras
por meio da impressão (l'empreinte). Ou de Antonin Artaud em seu primeiro
seja, de "uma forma pela pressão sobre manifesto do teatro da crueldade para que
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ou em qualquer coisa" (23). O gesto a questão do trabalho realizado por
dessa impressão vai proporcionar uma Cavalier com os atores de Libera me seja
marca durável (23). desenvolvida:

Seres animados = inanimados O ator é ao mesmo tempo um


elemento de importância
primordial, pois é da eficácia de
Não há mais diferença, em Le
sua atuação que depende o
Paradis, entre uma abóbora e
sucesso do espetáculo, e uma
um rosto, porque, na minha
espécie de elemento passivo e
mente, não há nenhuma
neutro, já que qualquer iniciativa
diferença em filmar uma
pessoal é rigorosamente
abóbora, uma menina, uma 38
recusada. (1938, 152)
velha senhora, um jovem. É a
mesma vitalidade atômica. (...) É
mais do que uma irmandade Um elemento de aproximação entre o que
entre uma abóbora e um rosto, é propõe Artaud em seu manifesto e a
totalmente a mesma coisa. estética de Libera me (e que não foi
Antes, eu apostava mais no mencionado nessa citação): ambos
contraste entre um rosto e um (Artaud e Cavalier) almejam a sensação,
objeto chamado "inanimado" – e não a palavra.
que não era para mim. Agora, Vale ressaltar que Cavalier alcança a
35
nem sei o que é um contraste. vitalidade atômica e o efeito desejado
(Cavalier apud Quatrebarbes &
também por meio do contato entre
Guesdon, 2016)
personagens e objetos. Em Libera me, contato com o que está contido apenas
existe uma estranha combinação entre a dentro desses lugares?
energia que pulsa do conflito não Aqui, o pensamento de François Jullien
verbalizado (ainda que explicitado) e a sobre os desdobramentos da existência
precisão dos gestos de trabalho. O som do íntimo como interior compartilhado
inframince promove as acentuações. (dedans partagé) nos ajuda a pensar
Em O lugar do corpo: Elementos para sobre esta questão.
uma cartografia fractal, Paulo Cunha e Partamos da dupla acepção do uso
Silva dialoga com o pensamento de (adjetivado) da palavra íntimo(a) tal como
Michel Foucault acerca da utilidade do faz Jullien: "porque um [sentido] se refere
corpo em sua simultaneidade como ao que está distante e inacessível, e o
40
produtividade e subjugação para delinear outro significa relação" (2013, 22). Por
o contorno do que seria um corpo um lado, íntimo(a) remete à
centrípeto. Cunha e Silva afirma que indisponibilidade do que é privado (vida
Foucault "convoca um registro energético íntima), mas também à ideia de partilha e
de contornos circulares, de acesso (jantar íntimo).
aproveitamento, de fechamento" (1999, No seio da contradição entre os usos
168), que tende a ser um "atractor dessa palavra, Jullien percebe o apelo
pontual" (168). para superar essa diferença a partir da
O conceito de Cunha e Silva se conjuga explicitação de íntimo(a) como qualidade
com a ideia de que em Libera me ocorre a superlativa da palavra interior:
promoção do espaço do espectador em
polarização centrípeta. Ideia que foi Intimus, diz o latim: o que é
extraída do ensaio Pintura e Cinema, de "muito" ou "o mais interior". (...)
André Bazin: "Íntimo", de um sentido ao outro,
realiza esta inversão: o que é o
mais interior – porque é o mais
Os limites da tela não são, como
interior do seu limite – é o que
o vocabulário técnico daria por
assim suscita uma abertura ao
vezes a entender, a moldura da
Outro; portanto, o que faz a
imagem, mas a máscara que só
separação cair, provoca a
pode desmascarar uma parte da 41
penetração. (23)
realidade. A moldura polariza o
espaço para dentro, tudo o que a
tela nos mostra, ao contrário, A partir dos personagens de Georges
supostamente se prolonga Simenon no romance Le train (1961),
indefinidamente no universo. A Jullien nomeia de recurso do íntimo
moldura é centrípeta, a tela é (ressource de l'intime) a abertura do
centrífuga. (1958-1962, 173). "íntimo entre eles dois [os personagens
Marcel Féron e Anna Kupfer] como
A dimensão do íntimo como 42
potência e como resistência" (14).
partilha Marcel e Anna estão num vagão para
Em Libera me, o espectador acessa o que animais que se separou do trem em que a
corresponderia ao interior dos recintos. mulher grávida e a filha de quatro anos de
Diz Cavalier: Marcel seguiram viagem. Diante do que
desumaniza (o êxodo provocado pela
Você viu a pequena casa de invasão alemã), eles têm uma aventura
Bonnard: ele está realmente amorosa. Diz Jullien:
emparedado. Daí as janelas
para escapar. E de onde, para O que a partir deste momento se
mim, a decisão de filmar tornou primordial ou, digamos
Thérèse e Libera me (...) sem melhor, tornou-se vital, tornou-se
decoração, sem porta, sem crucial, nesta mudança de
janela, sem árvore. Entrar em destino que tem início, neste
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uma sala é entrar no campo. Êxodo do qual ninguém sabe
(Cavalier apud Robles 2014, 78) para onde ele conduz ou quando
pode parar, é que este Exterior
Ao mesmo tempo que o espectador é no qual eles derivam pode se
proibido de escapar do lugar, ele é transformar em interior
convidado a acessar o que é revelado do compartilhado. Eles promoveram
interior do recinto. Então, qual poderia ser lá, entre eles dois, um interior
o impacto na espectação a partir do secreto onde é possível se
refugiar contra esse Exterior que
se estilhaça, sitiando,
ameaçando, para o qual eles que o permitam conhecer pormenores dos
43
foram arrastados. (14) personagens. Só que a estética
minimalista de Libera me conduz o
A possibilidade de contato descortinada espectador a uma espécie de
pelo interior compartilhado entre neutralização do questionamento sobre o
personagens de uma mesma obra que motiva os personagens para além de
literária, tal como faz Jullien, nos permite sua condição de opressão ou resistência
estabelecer alguns critérios para a análise à opressão.
do que poderia ser reconhecido como o Narrativamente, Cavalier fornece ao
recurso do íntimo no entre-dois da relação espectador apenas os elementos
obra fílmica/espectador. Partamos do imprescindíveis para que aconteça a
pressuposto que o minimalismo de Libera identificação dos personagens: os
me oferece certas condições para a vínculos de família e trabalho. O que é
existência do interior compartilhado entre negado ao espectador no que concerne
obra e espectador. ao relato das histórias dos personagens
Retornemos ao que concerne à análise (reveladas em outros filmes por meio de
que o filósofo faz do romance de diálogo ou narração) pode ser acessado
Simenon. por meio dos objetos, dos seres
Jullien reflete sobre a supressão da inanimados que habitam Libera me.
curiosidade na relação que se estabelece Aqui, o que se impõe é o como, ou seja, o
entre os amantes de Le train: que concerne à forma dos mundos
revelados no filme Libera me e seu
Não por indiferença, mas porque impacto sobre a espectação.
o íntimo anda de mãos dadas
com o discreto e é de outra
ordem: não significa Uma performance inframince?
necessariamente contar tudo ou Bernard Perron faz menção à figura de
44
apenas confiar. (17) linguagem sinédoque para explicar o grau
(...) Esse íntimo que eles de renovação artística operado por
pactuam dispensa qualquer Cavalier em Libera me a partir da
conversa, ou melhor, suprime-a. abstração e simplificação (1996, 31).
45
Deixando-a tão para trás. (18) Vamos adotar a acepção da origem grega
da palavra sinédoque – sunekdokhê –
Na mesma perspectiva do filósofo sobre como "compreensão simultânea de várias
as condições de promoção do interior 46
coisas" (Rey 2012, 3556) para nossa
compartilhado entre Marcel e Anna com análise de uma das cenas de Libera me: o
base na supressão da curiosidade, o jogo de bilhar.
minimalismo de Libera me fornece Primeiramente, faz-se necessário dizer
elementos para que o espectador que o contato dos personagens com os
estabeleça uma relação com o filme que objetos se dá fora de campo. Aqui, o
vai além da curiosidade. espectador vai ter acesso, no campo da
Recordemos que o rigor estético de imagem, ao golpe do taco na bola de
Thérèse também apresentava o interior bilhar apenas no final da cena.
dos recintos ao espectador. Mas, na Os opressores se divertem. Eles golpeiam
comparação com Libera me, cabe refletir as bolas de bilhar com seus tacos. Um de
sobre dois aspectos que diferenciam cada vez. Seus olhos observam a
formalmente as duas obras. Em Thérèse, trajetória da bola na mesa de bilhar.
o espectador não se encontra em território Apenas o som das bolas que são
desconhecido pois o conteúdo precede o golpeadas, e as respirações dos
filme: a alusão à história da carmelita jogadores. Um personagem chega a dar
Thérèse de Lisieux. E a presença dos um meio-sorriso.
diálogos que, por mais sucintos que Com base na sinédoque, faremos uma
sejam, esclarecem questões até para os comparação extra-filme: entre a cena do
desconhecem a vida da carmelita. O jogo de bilhar e um trecho do romance À
espectador pode obter elementos que la recherche du temps perdu, de Marcel
satisfaçam sua curiosidade. Proust.
O filme Libera me, para além da questão A comparação entre a cena do jogo de
concernente à concentração das cenas no bilhar e a cena do croissant mergulhado
interior dos recintos e da economia dos no café-com-leite de Madame Verdurin se
elementos que caracterizam os lugares, dá por meio do critério de semelhança.
não brinda o espectador com elementos
Faz-se necessário mencionar que lembrança daqueles que eram crianças
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Cavalier, na ocasião de um debate, durante a guerra de 1940” (2001, 182)
explicou que os ruídos produzidos no
contato com as bolas de bilhar poderiam
ser percebidos como o som das balas que Notas Finais
1
teriam executado as vítimas dos Bolsista do Programa de Doutorado Pleno no
jogadores de sinuca da cena em questão. Exterior da Coordenação de Aperfeiçoamento
Proust apresenta o prazer de Madame de Pessoal de Nível Superior (CAPES), Brasil.
Verdurin ao comer seu croissant Doutoranda na Université Lumière Lyon 2, sob
mergulhado no café-com-leite, ao mesmo a orientação do prof. Martin Barnier.
Professora do curso de Cinema e Audiovisual
tempo em que lê sobre as vítimas do
da Universidade Federal do Ceará.
naufrágio do Lusitania. Diz Proust: 2
François Jullien argumenta que a "des-
coincidência destaca o processo envolvido, em
Mas a morte de todos os que há dissociação da adequação-adaptação
afogados só poderia parecer-lhe precedente, podendo gerar uma outra,
reduzida a um bilionésimo, pois renovada" (« décoïncidence met en lumière le
ao fazer, com a boca cheia, processus impliqué par lequel il y a
esses reflexos desolados, o ar dissociation de l'adéquation-adaptation
que flutuava em seu rosto, précédente pouvant en générer une autre à
trazido provavelmente pelo nouveaux frais »). Jullien, François. 2017. Dé-
sabor do croissant, tão precioso coïncidence. Paris: Bernard Grasset, p. 44.
contra a enxaqueca, refletia mais 3
No seu livro Bruit et Cinéma, Millet diferencia
47
uma doce satisfação. (1918, o silêncio do que Guy Chapouillié propôs como
1290-1291) menor espessura sonora. O silêncio seria "uma
percepção subjetiva, e contrastiva". Por sua
Os sons estão vinculados aos mundos vez, a "mise-en-scène dos sons que compõem
dos personagens e fornecem leituras dos a tonalidade da menor espessura sonora"
objetos que caracterizam suas diferenças. converteria a cena em "silenciosa por
O som das balas/bolas em Libera me: os impregnação". Thierry. 2007. Bruit et Cinéma.
fuzilados. O som do naufrágio/croissant Aix-en-Provence: PUP, p. 40. Localizamos um
texto de Chapouillié sobre o filme Histórias que
que mergulha no café-com-leite em À la
só existem quando lembradas (2011), de Julia
recherche du temps perdu: os afogados. Murat, que data de 2013, e no qual ele
Em ambos os contatos, o som inframince. emprega a noção de menor espessura sonora:
Aqui, recordando as implicações do gesto « Dans cet arrière pays, personne n’a peur la
de silenciar em Libera me, percebemos nuit et Rita découvre avec son compagnon du
que a experiência da espectação pode ser soir, tout en buvant la cachacas, le plaisir de
atravessada por uma espécie de atração- parler au cœur de la moindre épaisseur sonore
repulsão. Enquanto o tacere (na condição d’une nature rassurante, bienveillante, mais
do "between") causa estranhamento no mystérieuse. C’est le moment sublime d’un
effet acousmatique où le compagnon éteint la
espectador, os ruídos da cena se
lanterne pour que dans le noir l’acuité auditive
encarregam de aproximá-lo, seduzindo-o. s’élève, et les sons s’élèvent ; des sons
d’insectes, de bruissements d’ailes et d’autres
Conclusão sources subtiles et incertaines auxquelles se
O gesto de silenciar em Libera me permite joignent parfois les vibrations de la salle de
uma experiência sensorial de partilha de cinéma, ce qui renforce l’impression d’une
mundo. Uma partilha que também se dá manifestation irréductible du vécu. »
como uma experiência de contato: do http://www.cinemalecratere.com/les-
conversations-de-lesav/le-pain-quotidien.
contato entre personagem-objeto ao
Acedido em 29 de abril de 2018.
contato entre filme-espectador. Em 4
« En effet, la langue latine discerne deux
alguma medida, uma vez afetado por esse types de silences : tacere et silere. Tacere est
silêncio imposto, o espectador a partir de un verbe actif dont le sujet est une personne. Il
seu corpo percebedor pode se deparar marque un arrêt ou une absence de parole
com uma experiência de espectação em humaine. (...) Silere est un verbe intransitif. Il
polarização centrípeta. ne s'applique pas seulement à l'homme mais
Aqui, urge citar a descrição feita por aussi à la nature, aux objets et aux animaux. »
Suzanne Langlois da reação de um Daubresse, Louis. "Few of Us: Un territoire
silencieux pour quelques-uns d'entre nous". In
espectador não anônimo ao filme de
Boutang, Adrienne e Pavec, Nathalie (org.).
Cavalier: “Louis Malle havia dito sobre 2016. Le silence dans les arts visuels. Paris:
Libera me que ele se dirigia diretamente a Michel Houdiard Éditeur, p. 134.
ele, que ele era sua própria memória, a 5
« Si vous voulez faire un film sur les camps,
écoutez, ce qu’il faudrait c’est pouvoir rendre le
silence, parce que le camp de concentration, le se passe) permettent qu'on saisisse le geste
vrai, ce qui nous a fait vraiment mal, c’est le filmique. (...) Au niveau de la vie quotidienne,
silence. Essayez de faire un film d’une heure et elle est une onde qu'il faut couper en anecdote
demie avec du silence, ce n’est pas possible, pour la rendre imaginable, et analyser en
et nous étions 10.000, nous étions 20.000, tous poussière pour pouvoir la raconter et la rendre
alignés comme ça et on sentait un silence concevable. Et au niveau du cinéma elle est
spécial, pas celui rendu par une foule en bon une chaîne de photographies sonores
état physique, il y avait une espèce de, c’est projetées par un trompe-l'œil en onde qui se
ça, de silence psychique, une espèce passe de façon vraisemblable, donc
d’ambiance de mort, je ne sais comme imaginable comme thèse. »
17
l’appeler, un silence de mort (…). » Robles, "Essa “falsa canção”, totalmente voltada
Amanda. "Genèse de Libera me". In Dereux, para o jogo dos significantes de um idioma
Robin e Le Péron, Serge (org.). 2014. Alain fictício, seria, então, uma espécie de
Cavalier, cinéaste et filmeur. Paris: metonímia do desejo, em que a voz – esse
L’Harmattan, p. 67. instrumento musical arquetípico, feito de carne,
6
« Coupes dans geste, coupe dans bruit en pulso e fôlego – seria simplesmente o veículo
cours. Dans la montée, pas à l’apogée. de uma afirmação vital, para além de todos os
Discontinu. » códigos e rótulos."
7 18
« Nous sommes en train d'abandonner « Taire, ce n'est pas rester silencieux. C'est
l'époque des paroles et de la splendeur pour un effort violent : ne pas permettre à la parole
pénétrer dans celle des mots et des choses. » qu'elle sorte de la bouche malgré la pression
Flusser, Vilém. 2014 [1999]. Les Gestes. qu'elle exerce contre les cordes vocales. »
19
Marseille: Al Dante; Bruxelles: Aka, p. 59. « (...) il ne faut filmer que des moments de la
8
« Ce poids originel du geste de parler, cette vie (...) juste avant que la parole naisse, ou
mesure dans les paroles, ce choix difficile et juste après que l’on se soit tu. »
20
délicieux des mots, c'est cela le geste qui « (...) un cinéma faisant preuve d'une
franchit la barrière de se taire. » réticence certaine (...) envers les préceptes
9
« Par une des façons on franchit la limite d'un art mis au point et adoptés
ontologique du taire en essayant de dire des universellement au cours de son ère dite
choses jamais dites auparavant. » classique. »
10 21
« Par l'autre, on franchit celle esthétique du « (...) sur une progression dramatique
taire, en essayant de prononcer des paroles immédiatement lisible. »
22
jamais dites auparavant. » « Cinéma du présent (...) mais aussi cinéma
11
« Le véritable geste de parler (...) est donc capable de suggérer le passé et de traiter de
une tentative pour ouvrir un espace nouveau l'histoire. »
23
au dicible et ainsi augmenter le domaine de la « La Shoah chez Akerman, la fin du
liberté, c'est-à-dire pousser la frontière de la communisme chez Béla Tarr ou Wang Bing, la
détermination humaine un peu plus en avant. » dictature salazariste chez Costa ou encore
12
« On parle afin de saisir le monde par des l'histoire algérienne chez Teguia, les films
paroles et ainsi atteindre autrui. » témoignant d'un dialogue entre mondes d'hier
13
« La parole est la demeure de l'être, mais et d'aujourd'hui ne manquent pas. »
24
l'homme ne la possède jamais et quand il est « (...) les techniques cinématographiques,
possédé par elle, il ne la domine pas (Moïse et mises au service des qualités sensorielles du
Démosthène étaient bègues). » film, participent à l'élaboration d'une
14
« Mais c'est précisément à cause de son synesthésie, plus précisément d'une vision
dernier échec que le geste de parler est l'une « haptique ». »
25
des manifestations de la dignité humaine et « Dans le mode haptique, l'attention va aux
qu'on l'a souvent proposé pour définir l'être détails tactiles et à la surface matérielle de
humain, car la dignité humaine c'est essayer l'image où figure et fond fusionnent. »
26
de franchir ses limites malgré l'échec certain « Aucun plan affiche une perspective à l'infini
(l'hybris héroïque). » ou un point de fuite. (...) Aucun mouvement de
15
« Un film signifie une thèse, on le déchiffre caméra, pas même un panoramique comme
quand on imagine cette thèse. Il s'agit de trois dans Thérèse, ne vient affranchir le point de
pas sucessifs en arrière du monde concret. La vue toujours fixe et frontal de Libera me. »
27
surface traditionnelle (la peinture, la mosaïque, « (...) une construction formelle travaillant
le tapis, la photographie) imagine le concret des figures et des actions qui se détachent
perdu. Le texte linéaire (littérature, d’un fond homogène. »
28
mathématique, logique symbolique) conçoit « (...) un fond entre le gris clair et le gris
l'image perdue qui imagine le concret perdu. La foncé. »
29
surface projetée (film, TV, vidéo) imagine le « (...) un fond plus ou moins lumineux –
concept perdu qui conçoit l'image perdu qui selon l'atmosphère de la scène. »
30
imagine le concret perdu. » « Transpercer un mégot avec une épingle.
16
« Tout cela est naturellement très Tout est précieux, tout manque. Là est la force
schématique. Mais la distinction entre les deux du film. »
31
imaginations (celle de la surface figée et de la "(...) the sympathetic relationship between
surface projetée) et entre les deux histoires the viewer's body and the cinematic image."
(celle qui se passe et celle qui raconte ce qui
32
« Pantalons de velours o – / leur sifflotement nécessairement à tout dire ou seulement à se
(dans la) marche par / frottement des 2 jambes confier. »
45
est une / séparation infra mince signalée / par « (...) Cet intime dont ils ont fait un pacte
le son. (ce n'est pas ? un son infra mince). » dispense de tout bavardage ou plutôt le défait.
33
« (...) fait de l'opération reproductive une Il laisse celui-ci tellement en arrière. »
46
opération différentielle, une opération de « (...) « compréhension simultanée de
l'écart. » plusieurs choses ». »
34 47
« (...) une forme par pression sur ou dans « Mais la mort de tous ce noyés ne devait lui
quelque chose. » apparaître que réduite au milliardième, car tout
35
« Il n’y a plus de différence, dans Le Paradis, en faisant, la bouche pleine, ces réflexions
entre une courge et un visage parce que dans désolées, l'air qui surnageait sur sa figure,
mon esprit, il n’y a aucune différence à filmer amené là probablement par la saveur du
une courge, une jeune fille, une vieille dame, croissant, si précieux contre la migraine, était
un jeune homme. C’est la même vitalité plutôt celui d'une douce satisfaction. »
48
atomique. (...) C’est plus qu’une fraternité entre « Louis Malle a dit de Libera me qu’il
une courge et un visage, c’est que c’est s’adressait directement à lui, qu’il était sa
totalement la même chose. Avant, je jouais propre mémoire, la mémoire de ceux qui
davantage sur le contraste entre un visage et étaient des enfants pendant la guerre de
un objet dit « inanimé » qui ne l’était pas pour 1940. »
moi. Maintenant, je ne sais même pas ce que
c’est qu’un contraste. »
36
Bibliografia
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<https://www.imdb.com/title/tt0107403/fullcredit double. Seguido de Le théâtre de Séraphin.
s?ref_=tt_cl_sm#cast>. Acedido em 20 de abril Paris: Gallimard.
de 2018. Bazin, André. 1991 [1958-1962]. O cinema :
37
« Tous les acteurs non-professionnels qui ensaios. Trad. de Eloisa de Araújo Ribeiro.
ont figuré dans Libera me avaient des têtes São Paulo : Brasiliense.
intéressantes pour la pellicule et ça suffisait. » Beugnet, Martine. 2010. « La forme et
38
« L'acteur est à la fois un élément de l'informe : de la dissolution du corps à l'écran ».
première importance, puisque c'est de In Game, Jérôme (dir.). Images des corps /
l'efficacité de son jeu que dépend la réussite du corps des images au cinéma. Lyon : ENS
spectacle, et une sorte d'élément passif et Éditions, p. 49-68.
neutre, puisque toute initiative personnelle lui Daubresse, Louis. 2016. « Few of Us : Un
est rigoureusement refusée. » territoire silencieux pour quelques-uns d'entre
39
« Vous avez vu la petite maison de nous ». In Boutang, Adrienne e Pavec,
Bonnard : il est emmuré en fait. D'où les Nathalie (org.). Le silence dans les arts visuels.
fenêtres pour s'échapper. Et d'où, pour moi, la Paris : Michel Houdiard Éditeur, p. 131-146.
décision de tourner Thérèse et Libera me (...) Didi-Huberman, Georges. 1997. « L'empreinte
sans décor, sans porte, sans fenêtre, sans comme procédure : sur l'anachronisme
arbre. Entrer dans une pièce c'est entrer dans duchampien ». In L'Empreinte. Paris : Centre
le champ. » Georges Pompidou.
40
« (...) car l'un dit l'à part et l'enfoui, l'autre dit Duchamp, Marcel. 1980. Marcel Duchamp,
la relation. » notes. Paris: Centre national d'art et de culture
41
« Intimus, dit le latin : ce qui est « très » ou Georges Pompidou.
« le plus intérieur ». (...)« Intime », d'un sens à Fiant, Antony. 2014. Pour un cinéma
l'autre, accomplit ce renversement : que ce qui contemporain soustractif. Saint-Denis :
est le plus intérieur – parce qu'il est le plus Presses Universitaires de Vincennes.
intérieur à sa limite – est ce qui par là même Flusser, Vilém. 2014 [1991]. Les Gestes.
suscite une ouverture à l'Autre ; donc ce qui fait Marselha, Al Dante; Bruxelas, Aka.
tomber la séparation, provoque la Jeannelle, Jean-Louis. 2010. « Entretien. Alain
pénétration. » Cavalier : le filmeur, la caméra et le
42
« (...) de l'intime entre eux deux comme spectateur ». In Coudreuse, Anne e Simonet-
puissance et comme résistance. » Tenant, Françoise (org.). Itinéraires/Littérature,
43
« Ce qui désormais est devenu primordial textes, cultures. Janeiro de 2010, n° 4, Pour
ou, disons mieux, devenu vital, devenu crucial, une histoire de l'intime : Et ses variations.
dans cette déroute qui commence, dans cet Paris : L'Harmattan. Entrevista realizada na
Exode dont nul ne sait où il mène ni quand il Université Paris-IV, em fevereiro-maio de
pourra s'arrêter, c'est que ce Dehors dans 2009. P. 175-191.
lequel ils dérivent puisse se retourner en Jullien, François. 2014 [2013]. De l'intime : Loin
dedans partagé. Ils ont promu là, entre eux du bruyant Amour. Paris : Le Livre de Poche.
deux, un dedans secret où se réfugier contre Jullien, François. 2017. Dé-coïncidence : D'où
cet Extérieur en débâcle, assiégeant, viennent l'art et l'existence. Paris : Éditions
menaçant, dans lequel ils sont entraînés. » Grasset et Fasquelle.
44
« Non par indifférence, mais parce que Jullier, Laurent. 2002. Cinéma et cognition.
l'intime va de pair avec le discret et qu'il est Paris : L'Harmattan.
d'un autre ordre: il ne porte pas Langlois, Suzanne. 2001. La résistance dans le
cinéma français 1944-1994 : De La Libération
de Paris à Libera me. Paris ; Montréal ;
Budapeste ; Turim : L’Harmattan.
Marks, Laura U. 2000. The Skin of the Film :
Intercultural cinema, embodiment, and the
senses. Durham ; Londres : Duke University
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visage de style ». In Ludiciné. Portail de
recherche.
http://www.ludicine.ca/sites/ludicine.ca/files/Per
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em 25 de abril de 2018. Texto inicialmente
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Quatrebarbes, Marie de ; Guesdon, Maël.
2018. « En suivant les images qui se lèvent
dans notre cerveau : entretien avec Alain
Cavalier ». In Diacritik.
https://diacritik.com/2018/05/28/en-suivant-les-
images-qui-se-levent-dans-notre-cerveau-
entretien-avec-alain-cavalier/. Acedido em 28
de maio de 2018. Datada de 06 de fevereiro de
2016, esta entrevista foi inicialmente publicada
na revista La tête et les cornes, n° 3, 2017,
avec Alain Cavalier, 1 entretien, 12 textes.
Rey, Alain (org.). 2012. Dictionnaire historique
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Cláudia Neiva de Matos, Elizabeth Travassos e
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Wittgenstein, Ludwig. 1994 [1921]. Tractatus
logico-philosophicus. Tradução, apresentação
e estudo introdutório de Luiz Henrique Lopes
dos Santos. São Paulo: Editora da
Universidade de São Paulo.

Filmografia
Libera me (DVD 2). 1993. De Alain Cavalier,
França. Arte Éditions, 1h17. O DVD 1 traz o
filme Le combat dans l'île.

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