Escolar Documentos
Profissional Documentos
Cultura Documentos
Monografia - AUTOGESTÃO - Daniel PDF
Monografia - AUTOGESTÃO - Daniel PDF
AUTOGESTÃO:
Algumas Reflexões e um estudo de caso sobre sua implantação em um Banco
Comunitário de Desenvolvimento
Niterói
2013
2
Niterói
2013
3
BANCA EXAMINADORA
................................................................
Prof. Dr. Sergio Ricardo Rodrigues Castilho (Orientador)
Universidade Federal Fluminense
................................................................
Prof. Dra. Letícia Helena Medeiros Veloso
Universidade Federal Fluminense
................................................................
Prof. Dr. Marcos Otávio Bezerra
Universidade Federal Fluminense
Niterói
2013
5
AGRADECIMENTOS
Considero que essa monografia é a síntese de minha trajetória acadêmica como aluno
da Universidade Federal Fluminense. Portanto cabem agradecimentos a todos aqueles que
tornaram esse trabalho possível.
A minha mãe Marcia, por todo apoio financeiro e emocional, que mesmo estando
com o “coração na mão” de tanta saudade sempre apoiou meus sonhos.
Ao meu pai Luiz Felipe, pelo acolhimento no Rio de Janeiro, por me mostrar
constantemente os percalços da vida e por ser o principal responsável pela escolha de fazer a
faculdade de Ciências Sociais.
Aos meus avós: Aray e Dalila, pelo amor e apoio incondicional. A Jana, ao Sergio e
ao Pedro por terem me adotado como membro da família Castanheira. Em especial a toda
família “Simon”, nosso afeto mútuo é um “fato social”.
Aos amigos que ficaram na saudade, mas mesmo distantes mostram seu afeto (por
ordem alfabética): Alex, Carlos, Gabriel, Gustavo Henrique, Henre Max, Lucas, Matheus
Henrique e Olívio. A Clara, pela “maternidade”, a Polyana, pela “irmandade” e a Natasha por
conseguir aturar minha chatice. E claro meu trio de irmãos favoritos: Eduardo, Erick e
Taysson. Em especial ao Luiz Henrique por me acompanhar ao longo de toda minha vida,
mesmo que a vida nos tenha levado por trajetórias distintas, de alguma forma sempre
estivemos próximos.
Aos meus amigos de faculdade, cujo são cúmplices na escrita desse trabalho: Diego
Sodré, enchendo minha vida de alegria com sua espontaneidade e sentimentos sinceros. Diego
Sandins, por deixar minha vida mais “engraçada”, suas piadas serviram de alento em
momentos difíceis. Givaldo: pelo seu alto astral e companheiro de arquibancada no Engenhão
e no “antigo” Maracanã. E ao meu casal preferido: Bernardo e Myllena pela camaradagem,
sempre me lembrando que a importância da vida para além dos muros da universidade.
A toda equipe IEES-UFF: Esse trabalho não seria realizado sem vocês. Bernardo e
Givaldo (já citados), Ana Luisa, Carina, Ícaro e Marianna. Muito obrigado pelo
companheirismo, são colegas de trabalho que se tornaram grandes amigos. A Érica e a
Rafaelle, que tomo como exemplos de vida. O afeto que alimento pelas duas é resultado de
todo aprendizado que me foi proporcionado nos últimos dois anos.
Aos professores da UFF cujo quais admiro o trabalho de ensino e pesquisa:
Alessandro Lemes, Alessandra Barreto, Daniel Bitter, Maurício Vieira e Luis Carlos
6
Friedman. Em especial a professora Letícia Veloso, pelo debate proporcionado nas aulas de
Marx, Elias e Bourdieu. Outro adendo especial ao professor Marcos Otávio Bezerra, por me
ensinar os “truques e métodos de pesquisas” (a lá Becker) e espero que este aprendizado
esteja refletido nesse trabalho.
A professora Maria Lúcia Pontual Braga, que sempre demonstrou bastante interesse
pela temática dessa monografia, apoiado-o incondicionalmente como orientadora.
Infelizmente por motivos de “força maior” não foi possível a conclusão do trabalho. Espero
que suas influências estejam carregadas nas páginas dessa monografia.
Ao professor Sergio Ricardo Rodrigues Castilho que gentilmente aceitou prosseguir
com esta orientação, contribuindo de forma ímpar para seu término.
Por último a ex-professora da UFF Bárbara França, por ser bárbara (acho que isso diz
tudo).
7
Paul Singer
RESUMO
Este trabalho apresenta uma discussão sobre autogestão a partir dos seus vários
sentidos, estabelecendo-a como forma administrativa dentro da economia solidária. Serão
abordados, portanto elementos essenciais para sua construção e manutenção. Posteriormente
irá se explicar o que é um Banco Comunitário de Desenvolvimento, que se assume como uma
manifestação da economia solidária e sua relação como o modelo autogestionário. E
posteriormente, um estudo de caso que aborda as duas temáticas.
ABSTRACT
SUMÁRIO
1 INTRODUÇÃO. 11
5 CONCLUSÃO. 54
6 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS. 56
7 ANEXOS. 59
11
1 INTRODUÇÃO
1
Disponível em: http://www.hsm.com.br/artigos/autogestao-estrategia-de-carreira. Acessado no dia 29 de
Janeiro de 2013.
2
Disponível em http://www.pt.wikipedia.org/wiki/autogestão. Acessado no dia 29 de janeiro de 2013
3
Falasntérios foram comunidades idealizadas pelo filósofo Frances Charles Fourier.
4
ALBUQUERQUE; Paulo Peixoto de. Autogestão. In: CATANI, David. A Outra Economia (2003) P.20.
5
MOTHÉ, Daniel. Autogestão. In:___O Dicionário Internacional da Outra Economia (2009) P.26;
12
6
“Moeda Própria e Desenvolvimento para os Moradores do Preventório”, O Fluminense, Niterói, 19 de Maio de
2012 http://jornal.ofluminense.com.br/editorias/cidades/moeda-propria-e-desenvolvimento Acessado em 30 de
janeiro de 2013
7
“Saracuruna tem moeda Própria”, Folha da Cidade, Duque de Caxias 23 a 30 de novembro de 2011. Acessado
em 30 de janeiro de 2013.
13
2.1 Autogestão como o ato de tomar uma decisão (ou fazer por si):
A atribuição do termo nesse sentido deriva seu significado a partir da filosofia liberal.
Smith (2002b, p. 269) conceitua o indivíduo responsável como aquele que “cuida da sua
fortuna, posição e reputação”. Portanto, o prefixo pode ser tomado “auto” como exemplo de
autonomia, isto é, alguém toma uma decisão sobre realizar ou não uma ação. O sufixo
“gestão”, aparece justamente como essa decisão a ser tomada.
A definição parece autoexplicativa. Mas ao mesmo tempo deixa um grande vácuo de
respostas. Pensar em um indivíduo como autônomo prevê que o mesmo possui uma larga
escala para tomada de decisões. Portanto, ele possui poder para tal. A categoria, no entanto,
não explicita que tipos de indivíduos são esses e quais são as decisões que eles irão tomar. É
muito simples imaginar um grupo de pessoas tomando para si uma prerrogativa decisória, mas
pensar que decisões são essas e quem elas atingem é algo muito mais complexo.
O termo nesse sentido transmite uma ideia de suposta neutralidade e igualdade nas
tomadas de decisão. Indivíduos que decidem “algo por si” - isto não diz muito sobre quais
atributos eles detêm e nem de quais serão os atos tomados. A definição carece, portanto, de
uma explicação que classifique quem são essas pessoas ou grupos que detém esse poder. E
que tipo de poder será esse? Não ficam claras quais são as decisões que podem ser tomadas,
ou se qualquer prerrogativa de tomar alguma decisão pode ser classificada como autogestão.
Tomar a “decisão para si” também uma presume uma iniciativa individualizada. Aonde cada
um assumiria prerrogativas de forma desprendida da realidade social.
8
Disponível em www.dicionarioinformal.com.br/autogestão/. Acessado em 10 de abril de 2013
9
Idem. p. 13.
10
Idem. p. 13.
14
Nesse caso o termo aparece como referente ao mundo do trabalho. É uma definição
comumente usada na área de Administração e de Recursos Humanos, de fundo liberal e
neoliberal. Pode-se pensá-la como extensão da anterior. É conservada a definição do prefixo
“auto” referindo-se a autonomia de tomar decisões, com o diferencial que o sufixo “gestão”
está ligado a carreira profissional. Percebe-se, portanto que houve uma seleção daqueles que
exercem atividades ligadas ao termo. Agora aquele que pratica a “autogestão” é um
trabalhador consciente que se assumiu como responsável pelos rumos tomados pela sua
carreira.
A partir daí, tem-se o “autogestor” como um “trabalhador consciente”. Isso presume
também que o mesmo detenha todas as condições de atingir seus objetivos profissionais,
sendo o fracasso ou sucesso atribuído apenas responsabilidade individual. Assim como a
definição anterior a concepção do termo autogestão é extremamente individualizada. Tratando
como autônomo e colocando em suposta posição de igualdade todos aqueles que estão
inseridos no mundo do trabalho.
No artigo publicado no portal HSM Brasil, publicado pela socióloga e administradora
Isleide Arruda Fontenelle11, é feita uma referência aos trabalhos de Richard Sennett sobre a
flexibilização do trabalho. É relatado como nos moldes de produção fordista o trabalhador se
acomodava e “abandonava” a gestão de sua própria carreira, pelo conforto e estabilidade
social. A argumentação é de que muitos trabalhadores passaram a se preocupar mais com o
seu futuro profissional, e portanto se colocassem como “gestores”, melhorando sua formação
através de cursos de idiomas, pós-graduações e etc. “Portanto decisões individuais e auto-
suficientes” (p. 77, 2004).
Desta forma, depura-se que o termo “autogestão” é compreendido como uma “gestão
de si mesmo” no mundo profissional. É aquele trabalhador que se preocupa com o futuro de
sua carreira. Da mesma forma como a definição anterior ela carece de uma explicação sobre
11
Idem p. 13 e p. 15.
15
quais são os tipos de trabalhadores que detém condições necessárias para fazer tal feito. A
impressão que se passa é de uma suposta neutralidade onde qualquer um, a partir do seu
esforço, possa ter controle de sua carreira profissional. Desprezam-se as contingências sociais.
A significação aparece como uma conseqüência natural da flexibilização das relações de
trabalho e esta é pobremente explorada.
Essa categoria assume posição oposta das anteriores, sendo, portanto a que interessa
do ponto de vista das ciências sociais. Trata-se de um empreendimento sobre controle dos
trabalhadores onde não existe uma direção central delegando ordens aos mesmos. As decisões
são tomadas de formas coletivas em assembléias. Dessa forma pode-se conceituar o
significado morfológico do termo Autogestão:
Fica claro que apesar do termo ter sido cunhado em uma época recente sua
significação já era praticada muito anteriormente. Existiram diferentes iniciativas na história
da humanidade que a praticaram com nomes diferentes. Pode-se citar a experiência que ficou
conhecida como “coletivizações” na Espanha, como resposta ao regime fascista de Franco.
Vivendo em um ambiente de guerra civil, habitantes de municípios rurais assumiram os
serviços públicos e a produção de bens, que haviam sido destruídas ou funcionavam
precariamente em decorrência dos combates. Esses serviços de produção, consumo e
administração foram transformados em cooperativas que estavam sobre o controle da
população. Outro exemplo bem emblemático ocorreu na Alemanha após a segunda guerra
16
2.4 Autogestão para Ciências Sociais e suas relações com a Economia Solidária
12
Para mais informações consultar: VENOSA. R. A Evolução da Participação nas Organizações Autogeridas
Iugoslavas. In:______. Participação e Participações: Ensaios sobre Autogestão. São Paulo: Babel Cultural, 1987.
17
13
Tomando-a como o ‘modelo’ padrão da economia solidária.
18
“fluem de cima para baixo” (2002a, p.18), isto é, a diretoria precisa saber quais são as
demandas dos associados. Enquanto as ordens e instruções partem de “baixo para cima”
(2002a, p. 18).
Para que isso aconteça de forma plena, é importante, segundo França (2008b, p. 85)
“que os canais de comunicação entre os membros sejam abertos e que as informações não se
percam no caminho”. Exige-se também um esforço extra para executar as atividades braçais e
intelectuais, ou produtivas e administrativas. Se omitir da direção é o maior risco para
autogestão, o que será tratado mais adiante.
Outro aspecto importante diz respeito os gastos e ganhos da empresa. Presumir que a
mesma é autogestionária é em si considerar que seus resultados são compartilhados entre os
membros. Depura-se a partir dessa afirmação que caso a empresa lucre, os associados
ganharão e caso a empresa tenha prejuízo os associados irão perder. Isso se deve a forma
como o capital econômico investido no empreendimento é realizado.
O sistema funciona da seguinte forma, cada associado (ou sócio), ao entrar na empresa
investe uma determinada quantia, essa será a sua cota de participação, podendo ser igual ou
não14. De toda forma, não existem salários em cooperativas, mas sim uma retirada mensal que
cada membro tem direito. Em relação a isso é importante considerar que o “ideal” seria a
igualdade das cotas, mas caso não aconteça, que essa divisão seja a mínima possível. Isso é
importante, pois está intrinsecamente ligado a outro princípio básico da economia solidária
“um sócio, um voto” (2008b, p. 84), vital para realização da Autogestão. Estabelecer uma
desigualdade apresenta uma ameaça e esse princípio. No caso de existirem pessoas com um
capital econômico disponível e interessadas em investi-lo no empreendimento, às vezes pode
mais interessante tomá-lo como empréstimo do que efetivar o credor como sócio. Pois isso
poderia causar um desequilíbrio na distribuição das cotas.
Para impedir a descapitalização da empresa os fundos são separados em dois: Os
divisíveis e os indivisíveis. Os primeiros são aqueles repartidos entre todos os membros. Caso
algum membro se retire da cooperativa ele tem o direito de levar consigo a parcela investida
no empreendimento. O indivisível é usado para manutenção da mesma. Ele impede que a
cooperativa se descapitalize por completo, caso haja uma debandada ou rotatividade de
sócios. “O fundo indivisível sinaliza que a empresa solidária não está a serviço de seus sócios
atuais apenas, mas de toda sociedade presente no futuro” (SINGER, 2002, p. 16.).
14
Isso é algo controverso dentro da economia solidária: Existem empreendimentos onde as cotas são diferentes,
no entanto é estabelecido um limite para essa diferença, nenhum sócio pode obter uma parcela
significativamente alta, ao ponto de comprometer a autogestão. Para mais informações consultar Singer (2002) e
Cattani (2003).
19
trabalhadores apresenta-se como um grande desafio. Inclusive Singer (2002a, p. 36) também
coloca que muitas vezes o trabalhador que se torna um cooperado, “apresenta apenas um
desejo de ganhos econômicos através de trabalho, não se importando de fato como a forma de
gestão do empreendimento”. A conseqüência disso são possíveis conflitos internos em torno
das tomadas de decisão. Isso deriva justamente da dimensão prática e dos habitus trabalhistas
introjetados, pois sua trajetória de vida profissional está ligada a experiências verticais de
heterogestão. Ao ingressar em uma experiência de trabalho autogestionário, é compreensível
o não-entendimento da lógica de trabalho. Este exemplo é bem ilustrativo:
“(...) Durante uma obra de reforma, três cooperados foram aconselhar outro a não
trabalhar escutando rádio com o fone no ouvido, pois isso poderia acarretar
acidentes que envolveriam a todos. Reagindo de forma agressiva, o cooperado
afirmou que só receberia ordens do colega designado como encarregado daquela
obra e de ninguém mais.” (2008b, P. 86).
16
“Contribuir para a formação de uma consciência crítica nesta população é o desejo de todos que mantêm os
ideais de que um outro mundo e uma outra economia são possíveis. Portanto, assessorar grupos econômicos para
que obtenham maior retorno de suas atividades significa, para a maioria dos incubadores, que o ganho não seja
só econômico, mas o bem comum, a melhoria da qualidade de vida, a garantia da cidadania e a conquista do
trabalho emancipatório” (Idem, 2008b, p, 23).
17
Opus. Cit. 2008b, p. 38.
22
realidade local por parte daqueles que pensam e executam o trabalho de incubação18 e de
desejo real por parte daqueles que são assistidos pelo projeto, pode levar a um eminente
fracasso.
Respondendo a questão levantada pode-se concluir que a demanda para realização de
um empreendimento solidário autogestionário deve vir dos próprios agentes que virão a ser
sócioadministradores do empreendimento. É importante que haja uma atividade econômica
anterior ou já tenham experiências em práticas associativas (participação em sindicato,
associação de moradores, igreja e etc.) para qual o grupo se identifique, podendo assim
dialogar com os incubadores e ambos cheguem a um consenso sobre a realização do trabalho.
18
Incubação é o trabalho feito por Incubadoras Sociais estas “(...) funcionam como um intermediário para a
transferência de conhecimento acumulado da Universidade para grupos de trabalhadores e desempregados que
estão procurando meios de alcançar o mercado formal de trabalho. Elas assessoram os grupos populares desde o
início de sua formação até a chegada ao mercado. Essa é a missão de uma incubadora: atender as necessidades
de qualificação educacional, técnica e empresarial de iniciativas econômicas populares adotando uma concepção
de negócios que integre o econômico com o social.” (ibdem, 2008a, p. 10)
23
“(...) a questão do subsídio e ajuste da taxa de juros, ter ou não ter um papel de
poupança, a escala da operação, a remuneração dos trabalhadores, limites restritos
na concessão de empréstimos para garantir que os fundos sejam focados somente
para os pobres, conhecimento do tomador, respeito a diferenças culturais, escala de
atuação e a dimensão de territorialidade e comunidade presente nestas primeiras
instituições de microfinanças” (P. 156, 2003b).
19
Uma crítica comum feita a esse modelo de desenvolvimento – muito mais em um senso comum, revestido por
ciência - é um suposto isolamento dos espaços que constroem (ou recebem) ações desse tipo. Achar referências.
20
“Microcrédito é a concessão de empréstimos de baixo valor a pequenos empreendedores informais e
microempresas sem acesso ao sistema financeiro tradicional, principalmente por não terem como oferecer
garantias reais. É um crédito destinado à produção (capital de giro e investimento) e é concedido com o uso de
metodologia específica”. Disponível:
www.bndes.gov.br/siteBNDES/bndes_pt/Institucional/Apoio_Financeiro/Programas_e_Fundos/Microcrédito/o_
que_e_microcrédito.html. Acessado no dia 10 de junho de 2013
21
Loc. Cit., 2003b, P.155
25
experiências semelhantes ocorreram também na Irlanda com o Irish Loan Funds, que chegou
a conceder pequenos empréstimos para “20% das famílias irlandesas22.
Outra experiência importante ocorreu na Alemanha em 1840, com o surgimento da
rede de cooperativas de crédito Raiffeisen (2003, P.156). A metodologia era semelhante aos
demais, a concessão de pequenos valores de empréstimos para pessoas em situação de baixa
renda. Mas o grande diferencial estava no conhecimento do território em atuação:
Fica claro que expansão do microcrédito como ferramenta das Finanças Solidárias
também traz algumas problematizações de conceito. Como foi citado anteriormente Singer
(2002a, p. 73; p. 74) muitas cooperativas de crédito que fizeram sucesso na Europa e na
América do Norte, mudaram seu público alvo após a ascensão econômica de seus membros,
mudaram o foco de sua atuação23. Dá mesma forma, como nos dias atuais vários Bancos
formais abriram programas de microcrédito24, o que leva a uma reflexão se esse instrumento é
realmente uma prática financeira transformadora, que busca uma relação distinta da economia
vigente ou se visa apenas um ajuste ou forma de inclusão no “sistema bancário formal”.
Portanto, essas conceituações estão em disputa.
Atualmente cabe colocar uma breve explanação sobre aquela que talvez seja a mais
bem sucedida cooperativa de crédito: Fundado em 1976, em Bangladesh o Grameen Bank
mantém até hoje aspectos metodológicos com enormes diferenças dos Bancos convencionais.
Primeiro por conceder crédito para mulheres, pois foi constatado que elas o geriam melhor,
“usavam o financiamento para a família ao contrário dos homens que geralmente usavam para
fins próprios” (2002a, p. 79). Segundo, os moradores não precisam ir até a agência para
22
Loc. Cit. 2003b, p. 155
23
“É preciso considerar também que, nos países desenvolvidos os pequenos produtores rurais e urbanos estão
longe da pobreza que condicionou originalmente a invenção do cooperativismo de crédito. A grande maioria não
requer poupança alheia para financiar seus investimentos e sua vulnerabilidade a infelicidades foi devidamente
reduzida pelas redes nacionais de seguro que constituem o Estado de bem-estar social.” ( Loc. Cit., 2002ª, p. 73;
p. 74).
24
O Banco Popular do Brasil (BPB) e a Caixa Econômica Federal (CEF) possuem linhas de microcrédito.
26
conseguir um empréstimo, as “agentes de crédito”25 iam até eles para convencê-los. Mas o
que diferencia dos demais Bancos é o aval solidário:
Desta forma, o Grameen Bank pode ser entendido como o “antibanco” (2002a, P.81),
por fazer exatamente o contrário dos Bancos convencionais. Segundo dados da própria
instituição, em 2011 o ativo passou de US$ 1.700.000, já foram concedidos mais de US$
1.300.000 em empréstimos e 96,12% dos sócios são mulheres.26
Não foram encontradas informações sobre cooperativas de crédito populares bem
sucedidas no Brasil, cabe inclusive citar que mesmo o BCD sendo um expoente das finanças
solidárias, visando o desenvolvimento do território atendido, ele não é uma cooperativa de
crédito. Esta só pode ser feita para “usufruto de seus sócios, tanto para aquisição de crédito
como na gestão” (INSTITUTO PALMAS, 2008c, p. 20). Ao passo que um BCD não possui
um grupo de pessoas que são donas do empreendimento, a gestão é feita por um órgão local
autônomo (geralmente uma associação comunitária), mas ambos têm finalidades parecidas27.
A história dos BCD´s começa no Brasil começa na década de 1980. Um grupo de
pessoas havia sido despejado do local onde moravam próximos a uma praia em Fortaleza,
Ceará, para construção de um condomínio de luxo. O local para onde foram removidas ficava
no subúrbio da cidade e desprovido de serviços públicos básicos. O novo bairro foi construído
em mutirão pelos próprios moradores e batizado de Conjunto Palmeira. Da união desse grupo
surgiu a Associação de Moradores do Conjunto Palmeira (ASMOCOMP). Também a base de
25
Moradoras bem quistas no local que são sócias do Banco e buscam outras pessoas para serem membros.
26
Dados disponíveis em http://www.grameen-
info.org/index.php?option=com_content&task=view&id=632&Itemid=664. Acessado em 01/02/13
27
“Quanto à filosofia, tanto a cooperativa de crédito como os Bancos Comunitários estão no campo da economia
solidária e compartilham os valores de cooperação, da autogestão, da solidariedade e da democracia nas
decisões.” (2008c, p. 20)
27
mutirões houve a construção de “canais para drenagem e redes de esgotos, além de creches e
outros serviços comunitários” (2008c, P. 7).
Em 1997, quando o bairro foi definitivamente urbanizado (obtendo acesso a água,
esgoto, eletricidade e etc.) houve um problema de evasão, pois muitos moradores não
conseguiam arcar com as taxas dos serviços públicos28. Assim por terem conseguido essa
conquista atraíram a atenção do mercado imobiliário, muitas pessoas por não conseguir arcar
com as despesas se viam obrigadas a se mudar para bairros cada vez mais distantes. Visando
acabar com esse quadro, a ASMOCOMP viu a necessidade de um projeto para
desenvolvimento de trabalho e renda voltado para a comunidade. A questão era: Como
fomentar um projeto desse tipo para uma população semi analfabeta, com pouquíssima
inserção no mercado de trabalho e um grande número de moradores com restrições para
obtenção de crédito?
Na época existiam cinco pessoas a frente da associação, entre elas o ex-padre ligado a
teologia da libertação, Joaquim Melo29, que quando entrevistado para esse trabalho disse que
o objetivo na época era entender o “porque de serem pobres” (SIC). A resposta muito comum
era “porque não temos dinheiro” (SIC). Melo e outros membros da associação não se
conformaram com essa resposta. Para isso foi realizada uma pesquisa no bairro para tentar
descobrir “o porquê de serem pobres” com 4 perguntas: 1) O que você já consome por mês
(alimentação, vestuário, material de limpeza), 2) Onde você faz a maioria de suas compras?
Qual é a marca dos produtos? Você produz alguma coisa (comercio, indústria ou serviço). A
conclusão foi a seguinte:
Ainda segundo Melo 80% (SIC) dos moradores faziam suas compras fora do bairro e
apenas 1,7% produzia alguma atividade produtiva30. Com os resultados dessa pesquisa, a
ASMOCOMP realizou várias reuniões até que resolveu criar seu próprio sistema de crédito:
28
Loc. Cit. 2008c, p. 7.
29
Coordenador Institucional do Instituto Palmas, um dos idealizadores do Banco Comunitário de
Desenvolvimento Palmas.
30
Tempo depois essa pesquisa ganhou o nome de “mapeamento de produção e consumo”, sendo realizada a cada
dois anos. (2008c, P.8).
28
31
A quantia foi paga 8 meses depois. (2008c, p. 9)
32
Loc. Cit., 2008c, p. 9.
33
(2008c, p. 16).
34
(2008c, P. 13).
35
Atualmente existe uma terceira linha de crédito voltada para a construção civil.
36
O primeiro registro que se teve de moedas paralelas aconteceu em 1930 na cidade de Worgl na Áustria, o
prefeito fez circular o chamado “xelim livre”. No Canadá em 1982, Michael Linton inaugura em Vancouver um
sistema não monetário de intercâmbio. Na Argentina, entre os anos de 2001 e 2002, diversas pessoas passaram a
se organizar em grupos para trocas diretas ou através de “vales”, para minimizar os efeitos da desvalorização do
peso argentino. No Brasil, entre os anos de 1993 e 1994, a prefeitura o município de Campina de Monte Alegre
em São Paulo, criou o “Campino Real”, como combate a hiperinflação. Com exceção do caso Argentino, os
Bancos Centrais reagiram enfaticamente contra as iniciativas. (PRIMAVERA, 2003d, p. 194; p. 195).
29
em relação a moeda oficial “é o fato de não possuir o juros bancários, portanto, se constitui
apenas como uma ferramenta de troca e não uma mercadoria” (PRIMAVERA, 2003d, p. 193).
Outra questão importante que diverge sobre sua finalidade é ser de fato paralela, ou
apenas complementar a oficial. Essas situações se determinam de acordo com a forma de
implementação, pois a moeda pode ser lastreada ou não pela moeda oficial37. No caso do
Banco Palmas de todos os BCD´s a moeda é lastreada ao real. Por isso pode ser classificada
como um “vale” que tem a equivalência a moeda oficial brasileira, ou seja, 1 palmas (moeda
local) equivale a 1 real. O modelo funciona da seguinte forma: Qualquer independente de ser
bairro vai ao BCD, troca seu real pela moeda social e com ele pode consumir serviços ou
mercadorias de microempreendedores que fizeram parceria com o BCD. Eles darão descontos
de 5% a 10%, e em troca supostamente teriam um aumento de clientela, pois a moeda social
só pode ser utilizada na área de abrangência do BCD. Posteriormente, o comerciante ou
prestador pode trocar o montante de moeda social por real, para comprar insumos necessários
que não são encontrados no bairro. Entretanto, é recomendável que se evite essa “retroca”,
pois isso retiraria o objetivo da moeda social que é formar uma “poupança interna” no
território. (2008c, p. 10). Portanto, dentro do Conjunto Palmeiras a finalidade da moeda social
é fazer que os rendimentos obtidos pela população, circulem e não evadam para outras
localidades.
Até esse ponto, não existe nenhuma novidade já que o microcrédito favorece a criação
de uma rede entre consumidores e produtores. A grande inovação que o Banco Palmas
apresenta é aliar a moeda social ao crédito, algo inédito na história das finanças solidárias
(FRANÇA FILHO, P. 3, 2007). O fato de só poder ser usada no território, torna-se uma
espécie de garantia de que não será gasta em outros espaços, algo que não se pode garantir
quando o empréstimo é feito na moeda nacional. Além disso existe também o fato do BCD
ser usufruto de toda uma população de um bairro, diferente das cooperativas de créditos, que
só podem ser usadas pelos sócios38. Isso se faz notório quando um empréstimo é concedido
não importa que o “cliente” individualmente se satisfaça e sim que o crédito adquirido seja
investido no próprio bairro para que se crie uma rede de pessoas que são consumidoras e
produtoras ao mesmo tempo, são os chamados prossumidores. (FRANÇA FILHO, p. 34,
2009d). Isso é um exercício de democracia e cooperação entre seus participantes ao passo que
quebra esta dicotomia anterior a partir dessa nova categoria.
37
Existe uma polêmica em relação à moeda social ser lastreada ou não pela moeda oficial. Consultar Primavera
(2003) e Soares (2009)
38
Idem. a nota 28.
30
Portanto, mesmo o aval não sendo dado por um grupo que vai coletivamente pegar o
empréstimo, isto é, um se responsabilizando pelo empréstimo do outro, existe um mecanismo
de controle da própria vizinhança para que os empréstimos sejam pagos. Percebe-se também
uma dimensão trazida em relação a Norbert Elias, no que diz respeito a “fofoca”. Está é
segundo o autor, um fenômeno “essencialmente comunitário” (2000, p. 166) por ser restrita as
formas de identificação dos indivíduos que ali residem. Elas podem ser classificadas entre
depreciativas [blame gossip] e elogiosa [pride gossip]. Não deixa de ser uma “fofoca” a forma
como é feita essa avaliação do “caráter” do cliente. Categorias como “bom pagador”,
“conhecido na comunidade”, “pessoa correta”, são bastante utilizadas para liberação do
crédito. Presume-se, sem dúvida a necessidade de uma coesão comunitária no mínimo ao
nível do discurso para pensá-la como instrumento de liberação crédito. O “aval da
vizinhança” 39 parte do pressuposto que a “voz do povo, é a voz de Deus”40 e, portanto, cabe a
ele um papel de “regulador” sobre a poupança que BCD possuí. A fofoca também pode
possuir um fator negativo para os Bancos Comunitários, afinal o “descrédito” com a
39
Loc. Cit., 2008c, p. 25
40
Ditado Popular Brasileiro.
31
população local (2008c, p. 18) é o maior perigo que a instituição corre no meio dos “boatos”
sobre a implementação e a gestão do BCD podem gerar coisas bem distintas no imaginário
popular.
Do ponto de vista da gestão, é necessário que todos os trabalhadores sejam do bairro,
pois só assim é possível o “aval da vizinhança”. Trabalhar no BCD significa ter uma relação
de proximidade com o público atendido. No Banco Palmas 95%41 dos trabalhadores são da
comunidade, os demais são técnicos e especialistas que transmitem conhecimentos de gestão e
plano de negócio, além da formação que exige um curso de 600 horas, fornecido pelo próprio
Banco Palmas. De fato, existem 6 pessoas que trabalham diretamente em seu interior, mas por
ser um projeto da associação de moradores local, são realizadas reuniões semanais toda
quarta-feira às 19h30m42, com a participação de comerciantes, tomadores de crédito,
instituições comunitárias (culturais, esportivas, religiosas), públicas (escola, posto de saúde e
outros) e demais moradores que se interessarem. Esse é o chamado Fórum Socioeconômico
(FECOL) aonde são discutidos assuntos do bairro, seja do Banco ou não. Os participantes
também podem opinar sobre futuros projetos que o Banco venha a desenvolver. Existem
outros projetos organizados pela ASMOCOMP e pelo Instituto Palmas43, que contam com a
participação da população local.
Depura-se que em certa medida esses critérios apresentam um resgate de relações mais
pessoalizadas ou intimistas. Os critérios de avaliação envolvem questionário nos quais
vizinhos indicados serão argüidos pelos agentes de crédito do BCD sobre o “caráter” do
tomador em arcar com os compromissos para com o Banco. Essas relações representam
significações na lógica da dádiva:
“Dádiva pode ser definida como o oferecimento aos outros de um bem ou serviço
sem garantia de que haverá retribuição, mas com esperança de que ocorrerá
correspondência, situação que pode estabelecer relações de aliança ou amizade.
Dádiva não é filantropia ou sacrifício, tampouco gratuidade sem motivos e sem
intenções.” (CAILLÉ, 2009. p.103)
41
2008c, p. 14.
42
2008c p. 29.
43
São eles a Incubadora Feminina, Escola Popular Cooperativa Palmas, Academia de Bairro Periferia, Bairro
Escola de Trabalho, Consultores Comunitários, Feira Solidária, Loja Solidária, FACES – Fundo de Apoio à
Cultura e ao Esporte Solidário, Jornal Banco Palmas na Rede, Cia. Bate Palmas (2008c, pp. 31-34).
32
44
Desde 2004 em parceria com o governo Venezuelano, foram construídos mais de 3000 BCD´s naquele país,
segundo a metodologia do Banco Palmas, (2009d, p. 33).
45
Para mais informações consultar: www.bcb.gov.br/microfinancas/arquivos/horario_arquivos/apres_116.pdf.
Contudo, ainda não existe uma lei que regularize sua circulação. Acessado no dia 07 de junho de 2013.
46
Correspondentes bancários são máquinas que as agências bancárias disponibilizam em áreas de difícil acesso
para os Bancos Convencionais. Existe uma polêmica sobre sua utilização. Mesmo sendo uma forma de obtenção
de fundos para os BCD´s, também são vistos como forma de precarização do trabalho bancário. Inclusive o
deputado federal Ricardo Berzoini (PT-SP), apresentou um projeto para limitar sua atuação. Disponível em:
33
Federal registrou a existência 8147 BCD´s em atividade por todo Brasil. Eles estão dentro da
“Rede Brasileira de Bancos Comunitários de Desenvolvimento” 48, criada pelo Banco Palmas
para troca de conhecimentos, experiências e discussão sobre desafios futuros.
www.1folha.uol.com.br/mercado/960724-banco-central-pode-discutir-mudanca-em-correspondente-
bancario.shtml. Acessado no dia 03/02/2013.
47
“Brasil já possui 81 bancos comunitários formalizados”. Portal Brasil, disponível em:
http://www.brasil.gov.br/noticias/arquivos/2012/12/13/brasil-ja-tem-81-bancos-comunitarios. Acessado no dia
01/02/2013.
48
Existem ainda outros Bancos Comunitários de Desenvolvimento que não estão registrados na Rede.
49
Disponível em: www.inovacaoparainclusao.com/index.html. Acessado no dia 13 de julho de 2013.
50
São os casos da UFBA e da USP que possuem incubadoras de empreendimentos populares. O Banco Bem no
Espírito Santo foi organizado por uma ONG. E existem inúmeros casos de prefeituras no Brasil que fomentaram
BCD´s em cidades ou bairros.
34
51
Todas essas informações se baseiam em oficinas de treinamento oferecidas pelo Instituto Palmas.
52
2006, p. 11.
35
53
Loc. Cit. 2002a, p.9.
54
Loc. Cit. 2008b, p. 86
55
Dependendo do recurso disponível às vezes a remuneração atende a CLT.
36
56
Loc. Cit. 2008c, p. 25
57
Lembrando que a própria fundação da ASMOCOMP é bem anterior a isso.
37
58
Loc. Cit., 2009d, p. 33.
59
2008c, p. 17.
60
Esse é o termo técnico utilizado pela empresa, para “roubo de energia”, popularmente conhecido como “gato”.
61
França (2008) e Castro (2008), explicam a história e a metodologia da IEES/UFF.
38
de patrocinadora evitando o contato direto com a comunidade, deixando esse papel para a
IEES/UFF, sendo portanto sua função fazer a assessoria de implementação do projeto. Apesar
de intencionalmente se distanciar do processo, e não interferir na metodologia da IEES-UFF,
a AMPLA, em diversos momentos do colocou demandas e interveio em seu andamento,
defendendo algum interesse. De certa forma, por se manter na postura de “patrocinadora”, não
importava diretamente o tipo de gestão que seria feita no BCD, importando apenas de fato a
“eficiência técnica” dos serviços prestados, sendo convertido posteriormente na queda do já
citado “furto” de energia e também no aumento do pagamento das faturas.
O que motivou a coordenação da IEES/UFF a aceitar o convite da AMPLA foi o fato
que pela primeira vez ela teve o apoio financeiro ideal para o fomento de um empreendimento
de economia solidária. Apesar de nunca ter fomentado BCD´s a proposta era bastante atrativa
e representava uma boa chance de disseminar a proposta em um setor tão estratégico com o
das finanças solidárias. A condição proposta para aceitar o convite foi de construir o projeto
nos moldes da economia solidária: Portanto um empreendimento “igualitário e democrático
para organizar as relações econômicas” (2002a, p. 16), para isso deveria ser autogestionário.
Diferentemente, de outras incubadoras universitárias ou outras agências de fomento a
IEES/UFF sempre destacou a necessidade da presença quase diária da entidade assessora com
o público que dialoga. A presença constante fortalece os vínculos entre “incubadores e
incubados”. Isso representa um custo adicional que reflete a forma como esses projetos são
pensados, na maioria das vezes o orçamento para equipamentos é muito maior do que para
capacitação técnica e de formação em economia solidária, tanto para a equipe gestora quanto
para o público alvo62.
Acertado esses detalhes a proposta do projeto era construir dois BCD´s, em territórios
onde possuíam dificuldade de abertura para sua entrada e ao mesmo tempo por exigência da
IEES, locais que além de carentes economicamente também possuíssem uma razoável
associação entre os moradores. Ficou decidido a princípio que os locais seriam o morro do
Preventório, no bairro de Charitas, Niterói/RJ e outra comunidade na cidade de Magé na
Baixada Fluminense. No entanto, esta segunda foi descartada pela “invasão” do tráfico a
comunidade, após a ocupação do poder público do morro do Alemão, gerando sua expulsão e
migração para outros lugares.63 No seu lugar, foi escolhida a comunidade Parque Esperança,
que fica no bairro de Saracuruna, na cidade de Duque de Caxias/RJ. Pois segundo
62
Loc. Cit. 2008b, p. 38
63
Disponível em: www.noticias.uol.com.br/cotidiano/ultimas-noticias/2012/09/11criminosos-que-fogem-de-
areas-pacificadas-se-reorganizam-em-outras-favelas-do-rio-diz-cabral.htm. Acessado em 03 de julho de 2013
39
funcionários da “consciência AMPLA”, aquela localidade havia sido fruto de uma ocupação
popular organizada, o que facilitaria a implantação do BCD.
A metodologia de trabalho da IEES/UFF presume uma aproximação com o público, a
ponto de ele ser realizadora do projeto, cabendo a Incubadora o trabalho de “assessoria” ou
64
“incubação” , portanto presume-se a aproximação das “lideranças locais” ou pessoas
aclamadas como tal. O próximo passo era a composição da equipe de bolsistas que fariam o
trabalho de campo direto nas comunidades. Foram selecionados alunos dos cursos de Ciências
Sociais, Economia, Filosofia, Psicologia, Serviço Social e Geografia. Sendo nove ao todo, três
no Preventório e quatro para Saracuruna.
Inicialmente o projeto teria um ano de realização, sendo dividido em três fases:
Sensibilização (janeiro a abril), Capacitação (maio a julho), Inauguração e consolidação
(agosto a dezembro).
Durante a manhã do dia 17 de dezembro de 2010, ocorreu na UFF a primeira reunião
que daria início ao projeto. Haviam duas pessoas assumidas como lideranças comunitárias do
Preventório e uma do Parque Esperança. Ali também estava presente Joaquim Melo,
presidente do Instituto Palmas e Coordenador Institucional do Banco Palmas. A tarde houve
um almoço com o staff da “Consciência Ampla”, para falar sobre suas expectativas ao projeto.
O representante do Parque Esperança chamava Jorge65, e foi identificado como uma das
principais lideranças do local. Foi a partir desse contato que a equipe IEES/UFF começou sua
entrada no local.
64
Loc. Cit. Nota 19.
65
Nome fictício, que será dado às demais pessoas citadas nesse trabalho.
66
Mapa de Duque de Caxias, Anexo I
40
direito ficam Parque João Pessoa, Cângulo e Ana Clara67. É curioso notar que alguns deles,
têm o nome dado pelos moradores, mas “oficialmente” não se consta dessa forma. Justamente
por essas classificações dúbias em relação ao território, é difícil determinar ao certo sua
população68.
O bairro de Saracuruna nasce da “venda da Fazenda Rosário por Francisco Vieira
Neto a Jaime Fichman” na década de 1940 (BATISTA, 2011, p. 81). A primeira área a ser
ocupada é onde se localiza a Vila Urussaí. A maioria dos loteamentos na região era feito de
forma ilegal e algumas vezes inclusive, com facilidades pelo poder público. A empresa
responsável era a “Melhoramentos Imobiliários” - ligada a Jaime Fichman - começou a lotear
as proximidades do Rio Saracuruna com a rápida derrubada das matas ali existentes.
A princípio, esses terrenos não tinham muita procura; algo que muda com “a
promessa do governo municipal de levar saneamento à região no final dos anos 40”
(ALMEIDA; BRAZ; 2010, p. 88). Cumprida precariamente, esta expectativa serviu muito
mais como um motivo de propaganda para que as imobiliárias estimulassem a procura por
terrenos. Na Vila Urussaí, por exemplo, região longe de ser a ideal para habitação, por ser
bastante propícia a alagamentos, a solução encontrada para amenizar o problema foi a
construção de uma barragem que, contudo, mostrou-se ineficaz para conter as águas (2011, p.
83). Percebida sua inaptidão o centro do bairro foi mudado, para onde hoje é o Parque
Uruguaiana.
Nessa região já existia a Leopoldina Railway, que passava pelas terras do antigo
dono Francisco Vieira Neto. Por acordo com o poder público69, foi aberta a parada de trem
conhecida como “Rosário”, que em 1928 seria elevada à condição de estação. É importante
situar o leitor para que entenda a importância da Leopoldina Railway. Atualmente é
conhecida como o ramal Saracuruna da Supervia: saindo do centro do Rio de Janeiro,
cortando o subúrbio, passando pelo centro de Duque de Caxias e alcançando o segundo
distrito, até o ponto final na estação Saracuruna. Conseqüentemente, o fato de existir uma
estação de trem na região era o ideal para que as imobiliárias começassem a lotea-la.
Devido à precariedade de serviços locais, a população se via obrigada a se deslocar
ao centro de Duque de Caxias ou ao Rio de Janeiro, para conseguir itens de necessidade.
Apesar disso, as linhas de ônibus se mostravam precárias. Por isso, para um deslocamento
mais rápido do que a ligação rodoviária através da Rio-Petrópolis, o trem se mostrava como
67
Anexo II.
68
Segundo o IBGE, a população do bairro varia entre 35 mil a 50 mil pessoas.
69
O acordo era fazer um bar dentro da estação que seria gerido pela família do proprietário. Para mais
informações (2011, p. 84).
41
uma alternativa mais eficiente, como ainda o é atualmente. Apesar da importância, até hoje os
ramais funcionam de maneira problemática com muitos acidentes, e as más condições das
estações, justificando os “quebra-quebras” de trens, assaltos e revoltas contra as empresas,
mesmo que atualmente com freqüência menor.
É importante lembrar, que Saracuruna é resultado da ocupação desordenada e da
exploração através da especulação imobiliária, que assolou toda Baixada Fluminense
(chamada na época Iguassu) na década de 1940. No começo do século XX a região de Merity
(onde hoje é Duque de Caxias), chegou a contar com apenas 800 habitantes, pois em
decorrência dos surtos de malária a população caiu drasticamente. O quadro só voltaria a
mudar na década de 1930, quando o censo populacional registrou 28.756 pessoas70.
O motivo da rápida recuperação populacional se deu em conseqüência da queda da
atividade agrícola, e pelo aumento da industrialização ocorrida no país nas décadas de 1910 e
1920. Camponeses que nada mais tinham em seus estados natais vão tentar a vida na “cidade
grande”, a então capital federal Rio de Janeiro. Os planos para região reivindicados pelas
elites locais ao ver suas propriedades sendo desvalorizadas é o renascimento da atividade
agrária na baixada fluminense para abastecimento da capital. Contudo, os planos agrários
iniciados pela administração federal getulista não foram concretizados, pois “o capital
fundiário perdeu espaço para a especulação imobiliária que varria a região”. (2010, p. 51)
Somaram-se a esses migrantes; negros alforriados, brancos e pardos pobres além dos
imigrantes europeus que rumaram ao Brasil no início do século XX. Todas estas pessoas a
mercê das fatalidades sociais, como morar em casebres em condições insalubres, se viam
pressionados a buscar os morros e os bairros de subúrbio, graças à revitalização do centro do
Rio de Janeiro. Foi apenas questão de tempo para que essa massa expurgada do centro da
capital federal chegasse até a Baixada Fluminense, ou seja, em grande maioria são essas
pessoas que irão morar em Duque de Caxias, por conseqüência, também em Saracuruna.
Fica evidente que Saracuruna foi apenas um dos bairros que viveram e sofreu o
processo loteador que devastou toda a Baixada Fluminense. Mudado seu caráter de rural para
o urbano e diante das pressões impostas pelas elites locais e pelo poder público, pode-se
perceber como essa demanda popular foi explorada pelas autoridades e pelos empreiteiros
oportunistas, que colocaram a população refém do clientelismo político e da troca de
favores71. E muitos desses fatos perduram até os dias atuais.
70
2010, p. 35.
71
Questões como as citadas acima são exemplares para se entender o porquê da região enfrentar problemas
sociais e econômicos que perduram até os dias de hoje. Inclusive o nome mais notório da política na Baixada
42
Fluminense, Tenório Cavalcante, é uma figura dúbia. Classificado por Almeida e Braz (2010) como um líder
“paternalista e populista” foi muito querido pelo povo apesar das inúmeras acusações de corrupção, suas gestões
foram marcadas por assistencialismo, personalismo e troca de favores.
72
Já havia pessoas militantes em economia solidária, que participaram de cursos de formação da IEES/UFF.
Além de uma das coordenadoras do projeto ter realizado sua dissertação de mestrado sobre Preventório.
43
O fato de haver remuneração para aqueles que trabalhassem no BCD, gerou certo
murmurinho entre os participantes, Jorge avisava: “Essa associação vai ficar cheia, mais a
qualidade vai cair”, dizia temendo que pessoas se aproximassem apenas visando o emprego.
Também havia um atrativo extra, pois o emprego seria de acordo com o conjunto de leis
trabalhistas (CLT). Ele e outros participantes acabaram sendo convencidos pelos assessores
da IEES/UFF de que as pessoas que desejassem apenas um “emprego”, não agüentariam ficar
durante todo cronograma de atividades sem receber nada. Pois, o que na época foi chamado
de “ajuda de custo”, só ocorreria quando os trabalhos do BCD se iniciassem após a
inauguração73.
Com isso, começou a se construir aqueles que seriam os futuros trabalhadores do
Banco. A idéia seria que a partir do dia 30 de abril, fosse o fim da fase de sensibilização e
início da capacitação. O objetivo era a formação de algo em torno de 20 pessoas. Não sendo
somente para aquelas que trabalhassem no BCD, mas também para outros que se colocassem
como “parceiros” na divulgação e sensibilização de outras pessoas do bairro. O critério
73
A reunião em que esse fato ocorreu foi no mês de abril, na época, segundo o cronograma de atividades a
inauguração do Banco, seria pensada para Agosto.
44
estabelecido para seleção era que fossem chamadas pessoas de confiança dos antigos
moradores.
De fato, o anúncio atraiu mais pessoas que foram chegando aos poucos nas reuniões,
sendo que apenas cinco permaneceram durante toda formação com o intuito de trabalhar no
Banco. Miriam, Joana, Isabel, Olga e Vitor e Alexandre.
Mirian tinha 27 anos, era divorciada e tinha dois filhos. Era dona de casa, já tinha fez
serviços como doméstica, nunca teve experiências formais no mercado de trabalho, morava
com os pais. Joana tinha 31 anos, era casada e tinha um filho. Tinha dois “bicos” para
conseguir dinheiro: vendia salgados feitos em casa e também tinha um emprego de meio
período como cuidadora em uma creche. Isabel era uma jovem de 17 anos, estudante do
ensino médio, solteira, morava com os pais e não teve experiências formais no mercado de
trabalho. Alexandre tinha 16 anos e um perfil parecido com o de Isabel: estudante, solteiro,
sem filhos, morava com os pais e sem experiências de trabalho. A única exceção foi Olga, que
já participava de reuniões anteriores, havia presidido uma associação de moradores na Vila
Urussaí, era militante da economia solidária no Fórum Popular de Economia Solidária de
Duque de Caxias. Tinha 3 filhos, viúva, se sustentava através de uma pensão deixada pelo
marido e fazia artesanato, bijuterias e quitutes para complementar sua renda. Percebe-se que
nenhuma das pessoas teve uma experiência “formal” no mundo do trabalho com carteira
assinada.
No entanto, nenhumas dessas pessoas demonstravam interesse ou possuíam
experiência associativa para gerir o banco. Era nítido que com exceção de Joana, que se
mostrava proativa nas reuniões, e de Olga, que já tinha experiência com trabalho comunitário.
A maioria freqüentava as reuniões mais pelo desejo de um trabalho, do que propriamente para
formação constitutiva do Banco.
Esses fatores fizeram com que mais uma vez fossem buscadas novas pessoas para
participarem do projeto. Houve durante os meses de abril e maio um grande questionamento
sobre qual seria a entidade que poderia ser parceira, recebendo o BCD. A maioria das
associações buscadas existia apenas formalmente, não tendo uma reunião há anos. Foi então
que se conseguiu contato com a Associação dos Aposentados de Saracuruna (APOPENSA).
De todos os “possíveis parceiros” que se buscaram até o momento, foi a APOPENSA
quem mais se mostrou solicita e aberta ao debate, chegando a ponto de se cogitar a
implementação do BCD no espaço, se utilizando o CNPJ que ela possuía. Era uma associação
ativa, havendo reuniões uma vez por semana aos sábados. Houve um interesse inicial em
estabelecer parcerias, tanto que as duas oficinas técnicas previstas no projeto para serem
45
dadas por Joaquim Melo do Instituto Palmas ocorreram naquele espaço. É preciso destacar
que diferentemente das outras associações procuradas, a APOPENSA, ficava no Parque
Uruguaiana, o assim chamado “centro” de Saracuruna, ou seja, o local onde possuía mais
comércios, próximo a linha do trem, e segundo os próprios moradores o “mais rico”. Neste
espaço agregou-se uma série de pessoas que até então, nada sabiam sobre BCD´s, gerando um
contraste ao núcleo de moradores que vinham trabalhando com a IEES/UFF há mais tempo.
Foram sendo jogadas uma série de demandas, que divergiam dos participantes mais antigos. E
da mesma forma como no caso da divulgação em outras localidades, ocorreu o aparecimento
de supostas “lideranças” que tinham mais interesse em usar o Banco para interesses próprios
do que para interesses comunitários.
Além disso, pode-se destacar concretude que o projeto ganhou. A partir da exposição
de Joaquim Melo sobre o Banco Palmas, ouviram-se comentários como “existe mesmo”, “é
de verdade”. Também foram escolhidos os nomes do Banco Comunitário e da moeda social.
Um processo bastante lúdico, ocorrendo a partir de uma dinâmica onde vários moradores se
levantavam e ficavam em círculo e faziam suas propostas. Joana propôs que a moeda se
chamasse “Esperança”, em homenagem a comunidade onde o projeto foi iniciado. Também
foram propostos os nomes “Rei” (um trocadilho com “real) e “saracurunense”. Mas o nome
que realmente foi aclamado como alcunha da moeda social foi a “saracura”, em homenagem a
ave que dá nome ao bairro74. Para o nome do Banco foram pensadas duas propostas, uma
senhora propôs “saracurunense”, mas todos votaram na proposta “saracura”, proposta por
Jorge. Ao ponto da tal senhora na hora da votação retira-la. Dessa forma no dia 14 de maio de
2011, o “tal Banco” passou a se chamar Banco Comunitário de Desenvolvimento de
Saracuruna” ou simplesmente “Banco Saracuruna”, e sua moeda social se chamou “saracura”.
Importante notar que o BCD que inicialmente deveria ser apenas da comunidade Parque
Esperança, abrangendo posteriormente Parque Independência e Vila Urussaí, com a
realização de reuniões no “centro” surgiram novas pessoas de outras localidades que
reivindicaram uma maior abrangência do projeto, ao ponto do BCD abranger todos os bairros
de Saracuruna.
Passada essa euforia, os membros da APOPENSA não concordaram em ceder o
espaço e seu CNPJ para o BCD, alegando haver problemas judiciais em relação à posse do
74
Segundo Batista (2011), seu nome originado pelo grande número de aves Saracuras Unas (saracuras pretas) –
ave que habita regiões pantanosas - chamadas popularmente de “saracurunas”.
46
terreno. Ficou então decidido que seriam reunidas sete pessoas75 para fundação de uma nova
associação para abrigar o Banco Saracuruna. O projeto entrava no mês de junho76, com a
inauguração prevista para agosto, havendo apenas três pessoas para composição da diretoria.
Durante as formações dadas pelo Banco Palmas, na APOPENSA, havia um senhor que se
mostrou participativo fez questionamentos importantes, e por isso chamou a atenção da
IEES/UFF. Era Hugo, tinha 62 anos, casado, com dois filhos, ferroviário aposentado, com
grande atuação em movimentos sindicais e associações comunitárias, era membro da
APOPENSA, morou muitos anos em Saracuruna, atualmente reside no bairro vizinho Jardim
Primavera. Mostrou-se disposto a participar da fundação do Banco e com ele trouxe outro
nome importante.
Marcio foi apresentado à equipe IEES/UFF por indicação de Hugo. Têm 32 anos,
casado com um filho, professor de história e coordenador de um projeto comunitário. Por ser
professor sempre pedia livros didáticos extras para as escolas onde trabalhava. Ficando sem
espaço em casa, começou a empilhá-los na varanda. E para sua surpresa, as pessoas paravam
para ler. Foi então que surgiu a ideia: “Porque não fazer uma biblioteca?”. E assim começou a
recolher livros, chegando a ponto de não haver mais espaço em sua casa. Buscando a ajuda de
amigos, conseguiu fazer uso de um terreno com um galpão no Cângulo, comunidade onde
mora. Foi então, em 2005, que nasceu a Biblioteca Comunitária Solano Trindade (BCST).
Hoje, é uma instituição com reconhecimento nas três instâncias de poder (municipal, estadual
e federal), que recebe apoio da Prefeitura de Duque de Caxias como reconhecimento por suas
atividades em “pró da leitura na cidade”, oferecendo cursos de pré-vestibular e oficinas, sendo
também núcleo de resgate da “cultura negra e popular”.
Na reunião do dia 11 de junho de 2011 tudo indicava que seria feito o anúncio da
paralisação do projeto por não haver pessoas suficientes para integrar a diretoria do Banco,
com a entrada de Hugo e Marcio o projeto ganhou um fôlego adicional. Finalmente no dia 18
de junho de 2011, ocorreu a assinatura do Estatuto e da Ata de Fundação da Associação para
o Desenvolvimento Solidário de Saracuruna, ou simplesmente: “Saracuruna Solidária”. A
composição dos membros ocorreu da seguinte forma: Hugo (presidente), Jorge (vice), Marcio
(Tesoureiro), Valdomiro (secretário), Alberto (Conselheiro Fiscal), Isabel (Conselheira Fiscal)
e Joana (Conselheira Fiscal). Por mais que fosse destacada a autogestão para a organização
do projeto, ou seja, os cargos assumidos seriam apenas formais, pois na prática todos
dividiriam as tarefas por deliberações coletivas, havia uma grande preocupação pelas posições
75
Requisito mínimo de pessoas exigido pelos trâmites legais.
76
Já na fase de capacitação dos membros fixos, mas ainda assim, buscando outras pessoas.
47
cujo cada um iria representar institucionalmente. Hugo foi alçado à presidência da associação
por “não haver ninguém para o cargo”, o próprio o assumiu com bastante receio, dizendo em
diversas reuniões “eu não sou presidente, eu estou presidente”. Jorge ficou com a vice-
presidência, pois segundo ele “ninguém liga muito pro vice”, portanto não seria visado pela
posição. Marcio poderia ter sido o presidente, mas ficou como tesoureiro por já ter
experiência com orçamentos na BCST e também por pretender ser candidato a vereador77,
achou que não “pegaria bem sair como presidente”. Valdomiro – morador ainda não citado –
era um militante de economia solidária, membro do Fórum popular de economia solidária em
Duque de Caxias, assim como Olga. Estava desempregado e pretendia trabalhar no Banco,
quando a uma semana da inauguração alegou “problemas pessoais” e manteve apenas o cargo
de secretário. Ele morava no bairro Vila Maria Helena, bem próximo ao de Saracuruna, mas
fazia as “atividades do dia-a-dia no bairro”. Segundo ele, a função lhe agradava, pois já era
desempenhada no Fórum. Para o conselho fiscal, surgiu Alberto que foi indicado por Hugo,
era membro da APOPENSA, casado, tinha um filho, morava no Parque Independência,
trabalhava como vendedor.
É importante citar como Isabel e Joana se tornaram membros da diretoria. Inicialmente
cogitava-se que Olga deveria participar da mesma, pela sua militância prévia na economia
solidária e em outros movimentos comunitários. No entanto, ela possuía uma dívida
aproximada R$ 5000,00 em decorrência de não pagamento de débitos da associação da Vila
Urussaí, cuja qual ela foi presidente. É importante citar que uma das maiores formas que um
BCD encontra para geração de renda são as parcerias com Bancos estatais como o BPB e a
CEF, através da implementação de correspondentes bancários78. Acontece que existe uma
exigência por parte desses Bancos que nenhum dos membros da associação deve estar
respondendo há um processo judicial ou ter o nome protestado no serviço de proteção ao
crédito (SPC). Percebe-se mais uma vez como empresas desejam fazer um “negócio social”
(2006, p. 26), isto é, uma parceria com uma instituição comunitária, não conhecem de fato a
realidade social do público que se deseja trabalhar, fazendo exigências através de mecanismos
burocráticos, que muitas vezes, segundo França “é impossível de ser cumprido por parte do
público alvo” (2008b, p. 23). Joana, também possuía uma dívida no valor de R$ 900,00, a
IEES/UFF concordou em pagar sua dívida com o dinheiro do projeto em forma de
77
Cabe destacar que diferente das demais pessoas que procuravam o projeto com “fins eleitoreiros”, Marcio,
além disso, mostrava ter um interesse real na construção do BCD, somado ao fato de ser coordenador de outro
projeto comunitário de sucesso. Sempre deixou clara para a IEES/UFF e os demais moradores sua intenção de
concorrer a um cargo público.
78
Loc. Cit., nota 47.
48
empréstimo, e em troca ela pagaria em parcelas, sendo que o dinheiro retornaria para o fundo
de empréstimos do Banco Saracuruna. Ainda havia a carência de um nome, devido a urgência,
Isabel que recém havia feito 18 anos, foi escolhida para ser a última participante do conselho
fiscal.
Assim foi fechada constitui-se o chamado “núcleo duro”. Nesse ponto, revelou-se uma
dicotomia mortal para a construção do processo autogestionário. Pelo baixo número de
participantes, somado ao fato de que alguns quererem apenas o trabalho e outros ficarem
impossibilitados por entraves burocráticos, ocorreu a separação entre “diretoria” e
“funcionárias79”. Isso mais tarde se revelaria como uma espécie diferenciada da relação
“patrão” e “empregado”, mesmo que isso não tenha sido verbalizado nas práticas corriqueiras.
No período que se seguiu exigiu-se um grande empenho da IEES/UFF, para a busca de um
aluguel de um imóvel para ser a sede do Banco. Apesar de a tarefa ter sido divida com os
moradores, poucos se empenharam em seu auxílio. Isso também resultou em outro problema,
de fato aquele era o momento para um novo reforço de formação nos valores da economia
solidária, visando equacionar a diferença entre membros recentes e os mais antigos.
Uma das tentativas para superar essas diferenças foi a ida “III oficina de
multiplicadores da metodologia de bancos comunitários”, organizada pelo Instituto Palmas
em agosto de 2011. A IEES-UFF foi convidada e poderia levar duas pessoas de Preventório e
Saracuruna, a sua escolha. A idéia é que na volta as pessoas que fossem auxiliassem as
demais. Em Saracuruna foram escolhidos Hugo e Jorge, escolha que se mostrou errada, pois
poucos aproveitaram do conhecimento técnico e acabaram não fazendo o papel de
multiplicadores da metodologia como esperado.
Após o retorno, somado as oficinas técnicas, as obras do imóvel alugado depois de
bastante dificuldade80, comprometeram todo planejamento em oficinas que deveriam ser
destinadas para formação dos membros em economia solidária. Em grande parte isso se deve
a data de inauguração imposta pela AMPLA, para 13 de setembro (Preventório) e 14 de
setembro (Saracuruna), visando entrar de carona na mídia gerada pela inauguração do BCD
da Cidade de Deus, inaugurado no dia 15 de setembro81. Nesse processo, ficou bem nítida a
separação entre um trabalho administrativo e prático, as “funcionárias” (além é claro de
Alexandre), tiveram uma participação pouco ativa na obra, apenas os bolsistas da IEES/UFF
79
O adjetivo será usado no feminino, por ser um grupo majoritariamente de mulheres.
80
Havia sido encontrado fechado um aluguel para imóvel, no entanto, o dono desfez o negócio as vésperas da
inauguração prevista. Por falta de opções foi alugado um espaço em um lugar desprivilegiado.
81
Disponível em: www.g1.com/economia/2011/09/cidade-de-deus-no-rio-ganha-moeda-e-bancos-proprios.html.
Acessado em 30/06/2013
49
permaneceram como “fiscais” dos trabalhos de reforma no imóvel alugado. Percebe-se que
ocorreu uma “legalidade precoce”82 do projeto, na época muito se falou entre os membros da
Incubadora o “tempo do projeto” e o “tempo da comunidade, em Saracuruna esse
descompasso era muito grande.
No dia 14 de setembro de 2011, aconteceu na Praça Vieira Neto em Saracuruna, a
inauguração do Banco Comunitário de Desenvolvimento de Saracuruna. Uma grande festa
com a UFF, Joaquim Melo representando o Banco Palmas, boa parte do staff da AMPLA,
jornalistas, curiosos e claro os moradores que foram os protagonistas desse projeto.
82
Loc. Cit. 2008b, p. 23.
83
Todas as informações são retiradas de relatório de bolsistas e de atas de reunião entre a IEES/UFF e a
“Saracuruna Solidária”.
50
Tomando o capital social como normas e valores que coordenam as interações entre
as pessoas e as organizações às quais elas estão envolvidas, diz respeito também a ação dos
diferentes tipos de poder quando discute o acúmulo de forças dos agentes em suas posições
em um determinado campo. Como já citado, a maioria das pessoas que participavam do
projeto não possuíam experiência no mundo do trabalho ou participaram de projetos
associativos ou comunitários, ou aqueles que já participaram como Jorge e Valdomiro,
demonstravam pouco engajamento no projeto. As exceções justamente de Hugo e Marcio,
84
Loc. Cit. 2008c, p. 25
51
tomam a frente do ponto de vista administrativo, por deterem tal situação. É curioso notar,
85
que em uma cooperativa o capital social, também se traduz pelas “cotas de participação” ,
que cada sócio possui no empreendimento.
Como problematizado anteriormente, um BCD não possuí esse modelo. Todo fundo,
constituído do Banco é usado para os empréstimos e os gastos cotidianos, que implicam em
sua sobrevivência. Pode-se se dizer que os dois tomaram a frente no trabalho administrativo
por serem considerados “mais capacitados”, algo que já dito por Isabel a um dos bolsistas da
IEES/UFF.
Outros membros da assim dita “diretoria”, não demonstravam interesse em participar
da gestão do Banco Saracuruna. Era o caso já citado de Jorge, que dizia que seu desejo “era
ficar quieto” ou “só apoiar por trás”. Alberto de fato, só aceitou participar do projeto por
pressão de Hugo, mas não se comprometia com tarefas na gestão do Banco e raramente ia às
reuniões. Tanto com a IEES/UFF, quanto às internas da própria Associação. Valdomiro outro
membro da diretoria, com experiência em economia solidária, estava sempre presente nas
reuniões, participando ativamente, mas também se eximia da realização de tarefas, o motivo
dele desistir de última hora pra trabalhar no BCD foi uma incógnita.
É Banco Preventório – outro assessorado pela IEES/UFF – a equipe gestora já havia
86
participado de outro projeto chamado “mulheres da paz” , como já citado (2008b, p. 35),
“que já trabalharam juntas, são amigas, vizinhas ou tiveram participação em algum
movimento social, como sindicato, associação de produtores, etc.” Todas assumiram cargos
na “diretoria”, fazendo portanto tanto as funções administrativas quanto as braçais. Dito isso é
importante lembrar que Isabel e Joana, além de trabalhadoras também faziam parte da
diretoria. Mas aceitaram o cargo muito mais como uma exigência para a definição dos
membros da associação gestora do BCD, para poderem ocupar postos de trabalho no Banco.
Portanto, assim como Hugo e Marcio se colocavam em uma posição de chefia, as
“funcionárias” não os questionavam com medo de “perder o emprego”. A intenção da IEES-
UFF em sua metodologia era de fato incubar um empreendimento autogestionário, onde mais
ou menos “3 ou 4 meses, as pessoas pudessem se revezar nas funções de trabalho87”, para que
pudessem contemplar todas as funções do trabalho. Somada esses dois fatores, formou-se uma
85
Loc. Cit. 2002a, pp. 14-15
86
Projeto criado pelo Ministério da Justiça que objetiva a capacitação de mulheres para prevenção da violência
doméstica e contra o uso de drogas. Disponível em: www.mj.gov.br/pronasci/mulheres-da-paz.html. Acessado
em: 01 de Agosto de 2013.
87
Loc. Cit. 2008b, p. 87
52
configuração distinta no Banco Saracuruna: O fato de haver uma diferença hierárquica entre
“funcionárias” e “diretoria”, se refletia em formas de conflitos cotidianamente.
Dito isto, o que era transmitido como “ensinamentos de autogestão”, muitas vezes
eram interpretados como “esse banco não tem patrão”, em algum momento em que as
“funcionárias”, não queriam aceitar ou discordavam da posição de Hugo e Marcio. Um
exemplo ocorreu no dia 14 de dezembro de 2011, Isabel havia faltado no dia anterior, porque
tinha um trabalho de escola e não avisou as colegas da falta. Teve sua atenção chamada por
Jorge na reunião com a IEES/UFF, a resposta dela foi: “Você não pode mandar em mim, aqui
não tem patrão”. A incompreensão de um novo modelo de trabalho fica clara nesses
momentos, pois ela deveria ter avisado as demais colegas que não poderia comparecer. Ainda
assim, também é preciso destacar, a forma como Jorge reagiu a resposta: “Isso aqui não é
brincadeira, se você não quer ficar pode ir pra rua”. Nesse ponto, ele falou da sua posição
como “membro” da diretoria, tratando Isabel como subordinada.
Depura-se disso que ocorreu uma espécie de “anarquia do trabalho”, pois deveria
ocorrer uma construção de autogestão, se traduziu em um sentimento de ausência de gestão. O
que se revelou no processo formativo do Banco, somado a um acúmulo de trabalho e outras
demandas emergenciais, foi a necessidade de um número maior de oficinas de formação. Algo
que não aconteceu mesmo que o projeto tenha sido estendido até junho de 2012, portanto,
também a assessoria da IEES/UFF. Agrava-se ainda a leniência da “diretoria”, que não estava
presente no dia-a-dia do Banco. Mesmo Hugo e Marcio, não estavam lá todos os dias.
Essas situações tinham conseqüência direta na execução do trabalho. Era comum,
que quando um cliente fosse ao Banco, não fossem explicados todos os serviços que o mesmo
oferecia. Ocorria uma resistência a execução dos trabalhos cotidianos, como por exemplo, não
sair para fazer a análise de crédito porque “estava muito quente”, como relatado por Olga, no
dia 15 de fevereiro de 2012. Ou como ocorrido no dia 08 de maio de 2012, quando houve uma
grande preocupação pela perca do boleto de pagamento da internet, e ninguém sabia
exatamente onde estava ou o que fazer para resolver a situação.
É preciso adicionar ainda mais dois agravantes, que comprometeram a gestão do
Banco Saracuruna. No segundo capítulo, foi ressaltada a importância do conhecimento e da
atuação no território onde o BCD atua. Sabe-se também que Saracuruna apresenta uma
constituição peculiar por abrigar dentro de si, vários sub-bairros ou comunidades. A
confluência desses dois fatores acarretou em uma situação de enorme dificuldade para
sensibilização da população local sobre e na constituição da própria equipe gestora. Em
primeiro lugar, é preciso que haja proximidade entre os moradores e o BCD. Saracuruna é um
53
bairro que conta com aproximadamente 50.000 habitantes, segundo dados do IBGE. De fato,
existem grandes diferenças entre essas sub-comunidades, apesar de ser um local “pobre”
segundo os indicadores de renda, muito desses moradores não se consideram em tal situação.
De fato, as pessoas que moram nos espaços “mais centrais” do bairro possuem um melhor
acesso, a serviços básicos, como escolas, postos de saúde, linhas de ônibus e a proximidade
da estação ferroviária facilitam o deslocamento. Isso se reflete na constituição da própria
equipe gestora: Jorge e Isabel, moravam no Parque Esperança. Marcio, no Cângulo.
Alexandre e Alberto, no Parque Independência. Joana, no Parque João Pessoa. Olga e Miriam
na Vila Urussaí. E ainda havia o caso de Hugo e Valdomiro, que moravam em outro bairro.
De fato dificulta-se bastante a constituição de uma “identidade comunitária” (ELIAS, 2000, p.
165), pois a maioria dessas pessoas nem se conheciam antes do projeto ter início, tudo isso
corroborou para a não realização do modelo autogestionário de administração.
Outro agravante é o fato do BCD ter sido construído em um espaço alugado e não em
uma associação que tenha o “respaldo comunitário”. Isso também dificulta a identificação da
população com a proposta. Ainda, o espaço que foi conseguido para ser alugado, ficava no
segundo andar de uma galeria, espaço pouco atraente.
Pode-se concluir que todos esses fatores somados a falta de formação em economia
solidária resultou na constituição de dois grupos: A “diretoria” que reconhecia os demais
membros como empregados e não como “sócios”, se colocando na posição de patronato. E
por parte das “funcionárias” por agirem como empregados e até reconhecerem que não expõe
suas ideias abertamente porque tinham medo de “perder o emprego”, mas ainda assim
resistiam a críticas.
54
5 CONCLUSÃO:
88
A equipe IEES/UFF deixou de assessorar o Banco Saracuruna em junho de 2012.
89
Loc. Cit. 2008b, pp. 28-29.
55
6 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS:
________. Notas sobre Capital Social. In:______. Escritos de Educação. Petrópolis: Vozes,
2007.
FRANÇA, B. H. (et. al.) Guia de Economia Solidária: Ou porque não organizar cooperativas
para populações carentes. 1 ed. Niterói: Eduff, 2008. 183 p.
________. Considerações sobre um marco teórico analítico para a experiência dos Bancos
Comunitários. In: Encontro Nacional de Pesquisadores em Gestão Social, I, 23-25 de maio de
2007, Juazeiro do Norte, Ceará, Anais do Evento. 2007.
MAUSS, M. Ensaio sobre a Dádiva: Forma e razão da troca nas sociedades arcaicas.
In:____________. Sociologia e Antropologia. São Paulo: Edusp, 1974. pp. 183-314.
SINGER, P. Introdução a Economia Solidária. 1. ed. São Paulo: Fundação Perseu Abramo,
2002. 127 p.
58
7 ANEXOS: