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Universidade Federal Fluminense


Instituto de Ciências Humanas e Filosofia
Graduação em Ciências Sociais

DANIEL DOS SANTOS SIMON DE CARVALHO

AUTOGESTÃO:
Algumas Reflexões e um estudo de caso sobre sua implantação em um Banco
Comunitário de Desenvolvimento

Niterói
2013
2

Universidade Federal Fluminense


Instituto de Ciências Humanas e Filosofia
Graduação do Curso de Ciências Sociais

DANIEL DOS SANTOS SIMON DE CARVALHO

AUTOGESTÃO: Algumas Reflexões e um estudo de caso


sobre sua Implantação de em um Banco Comunitário de
Desenvolvimento.

Monografia apresentada a coordenação do curso


de Ciências Sociais da Universidade Federal
Fluminense, como parte dos requisitos para a
obtenção do grau de bacharel

Orientador: Prof. Dr. Sergio Ricardo Rodrigues Castilho


Co-orientador: Prof. Dr. Maria Lúcia Pontual Braga

Niterói
2013
3

Ficha Catalográfica elaborada pela Biblioteca Central do Gragoatá


4

Universidade Federal Fluminense


Instituto de Ciências Humanas e Filosofia
Graduação de Ciências Sociais

DANIEL DOS SANTOS SIMON DE CARVALHO

AUTOGESTÃO: Algumas Reflexões e um Estudo de Caso


sobre sua Implantação em um Banco Comunitário de
Desenvolvimento.

BANCA EXAMINADORA

................................................................
Prof. Dr. Sergio Ricardo Rodrigues Castilho (Orientador)
Universidade Federal Fluminense

................................................................
Prof. Dra. Letícia Helena Medeiros Veloso
Universidade Federal Fluminense

................................................................
Prof. Dr. Marcos Otávio Bezerra
Universidade Federal Fluminense

Niterói
2013
5

AGRADECIMENTOS

Considero que essa monografia é a síntese de minha trajetória acadêmica como aluno
da Universidade Federal Fluminense. Portanto cabem agradecimentos a todos aqueles que
tornaram esse trabalho possível.
A minha mãe Marcia, por todo apoio financeiro e emocional, que mesmo estando
com o “coração na mão” de tanta saudade sempre apoiou meus sonhos.
Ao meu pai Luiz Felipe, pelo acolhimento no Rio de Janeiro, por me mostrar
constantemente os percalços da vida e por ser o principal responsável pela escolha de fazer a
faculdade de Ciências Sociais.
Aos meus avós: Aray e Dalila, pelo amor e apoio incondicional. A Jana, ao Sergio e
ao Pedro por terem me adotado como membro da família Castanheira. Em especial a toda
família “Simon”, nosso afeto mútuo é um “fato social”.
Aos amigos que ficaram na saudade, mas mesmo distantes mostram seu afeto (por
ordem alfabética): Alex, Carlos, Gabriel, Gustavo Henrique, Henre Max, Lucas, Matheus
Henrique e Olívio. A Clara, pela “maternidade”, a Polyana, pela “irmandade” e a Natasha por
conseguir aturar minha chatice. E claro meu trio de irmãos favoritos: Eduardo, Erick e
Taysson. Em especial ao Luiz Henrique por me acompanhar ao longo de toda minha vida,
mesmo que a vida nos tenha levado por trajetórias distintas, de alguma forma sempre
estivemos próximos.
Aos meus amigos de faculdade, cujo são cúmplices na escrita desse trabalho: Diego
Sodré, enchendo minha vida de alegria com sua espontaneidade e sentimentos sinceros. Diego
Sandins, por deixar minha vida mais “engraçada”, suas piadas serviram de alento em
momentos difíceis. Givaldo: pelo seu alto astral e companheiro de arquibancada no Engenhão
e no “antigo” Maracanã. E ao meu casal preferido: Bernardo e Myllena pela camaradagem,
sempre me lembrando que a importância da vida para além dos muros da universidade.
A toda equipe IEES-UFF: Esse trabalho não seria realizado sem vocês. Bernardo e
Givaldo (já citados), Ana Luisa, Carina, Ícaro e Marianna. Muito obrigado pelo
companheirismo, são colegas de trabalho que se tornaram grandes amigos. A Érica e a
Rafaelle, que tomo como exemplos de vida. O afeto que alimento pelas duas é resultado de
todo aprendizado que me foi proporcionado nos últimos dois anos.
Aos professores da UFF cujo quais admiro o trabalho de ensino e pesquisa:
Alessandro Lemes, Alessandra Barreto, Daniel Bitter, Maurício Vieira e Luis Carlos
6

Friedman. Em especial a professora Letícia Veloso, pelo debate proporcionado nas aulas de
Marx, Elias e Bourdieu. Outro adendo especial ao professor Marcos Otávio Bezerra, por me
ensinar os “truques e métodos de pesquisas” (a lá Becker) e espero que este aprendizado
esteja refletido nesse trabalho.
A professora Maria Lúcia Pontual Braga, que sempre demonstrou bastante interesse
pela temática dessa monografia, apoiado-o incondicionalmente como orientadora.
Infelizmente por motivos de “força maior” não foi possível a conclusão do trabalho. Espero
que suas influências estejam carregadas nas páginas dessa monografia.
Ao professor Sergio Ricardo Rodrigues Castilho que gentilmente aceitou prosseguir
com esta orientação, contribuindo de forma ímpar para seu término.
Por último a ex-professora da UFF Bárbara França, por ser bárbara (acho que isso diz
tudo).
7

“Autogestão significa que a mais completa igualdade de direitos


de todos os membros deve reinar nas organizações da economia
solidária”

Paul Singer

“Together we stand, divided we fall”


Roger Waters
8

RESUMO

Este trabalho apresenta uma discussão sobre autogestão a partir dos seus vários
sentidos, estabelecendo-a como forma administrativa dentro da economia solidária. Serão
abordados, portanto elementos essenciais para sua construção e manutenção. Posteriormente
irá se explicar o que é um Banco Comunitário de Desenvolvimento, que se assume como uma
manifestação da economia solidária e sua relação como o modelo autogestionário. E
posteriormente, um estudo de caso que aborda as duas temáticas.

Palavras-chave:. Autogestão, Bancos Comunitários de Desenvolvimento, Economia


Solidária.
9

ABSTRACT

This work presents a discussion of self-management from its several meanings,


establishing it as an administrative form within the solidarity economy. Will be discussed, so
essential elements for its construction and maintenance. Later will explain what is a
Community Development Bank, which is assumed to be a manifestation of the solidarity
economy and its relation to the self-management model. And later, a case study which
addresses the two issues.
keywords: Self-Management, Community Development Banks, Solidarity Economy.
10

SUMÁRIO

1 INTRODUÇÃO. 11

2 AUTOGESTÃO SENSO COMUM E CIÊNCIAS SOCIAIS. 13


2.1 Autogestão como o ato de tomar uma decisão (ou fazer por si). 13
2.2 Autogestão como gerenciamento profissional de carreira. 14
2.3 Autogestão como forma de administração coletiva de um empreendimento. 15
2.4 Autogestão para Ciências Sociais e suas relações com a Economia Solidária. 16

3 O QUE É UM BANCO COMUNITÁRIO DE DESENVOLVIMENTO? 23


3.1 Algumas Reflexões sobre o fomento e gestão de Bancos Comunitários de
Desenvolvimento. 33

4 AUTOGESTÃO NO BANCO SARACURUNA: UM ESTUDO DE CASO SOBRE


SUA IMPLEMENTAÇÃO. 37
4.1 A chegada em Saracuruna. 39
4.2 A constituição da “Equipe Gestora” do BCD Saracuruna. 43
4.3 A anarquia do trabalho ou “aqui não tem patrão”. 49

5 CONCLUSÃO. 54

6 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS. 56

7 ANEXOS. 59
11

1 INTRODUÇÃO

O termo autogestão é tido como polissêmico. No senso comum se refere ao ato de


gerir sozinho, isto é, fazer algo por si mesmo, sem intermédio de terceiros. Segundo o portal
de negócios HSM Brasil, a autogestão aparece como uma “estratégia de carreira” 1, onde
trabalhadores estão conscientes de que devem realizar a gestão de suas trajetórias
profissionais. Segundo o portal Wikipédia: Autogestão se classifica como uma forma de
gestão coletiva feita por trabalhadores.2
Historicamente o termo começou a ser usado na década de 1950 pelo partido
comunista Iugoslavo, que buscava melhorar o sistema econômico do país atraindo pessoas
para a burocracia, mas lhes dando autonomia para a gestão de órgãos públicos. Também se
apresentou como uma forma de organização produtiva semelhante nos falanstérios3, na
Revolução Russa e na Comuna de Paris, mesmo que ainda não fosse conhecida por esse
nome4. Voltou a ter destaque na França em 1968, com os movimentos de contracultura. A
autogestão voltou a aparecer como uma crítica ao Stalinismo e primordialmente como uma
recusa dos “partidos de vanguarda” 5. Foi durante essa época que começou a se popularizar a
crítica aos regimes do Leste Europeu “que não haviam deixado lugar algum à democracia
operária, prometida tanto nas fábricas como na nação” (Monthé, 2009, p. 27).
De forma larga Paulo Peixoto de Albuquerque (2003a, p. 22) divide a autogestão em
quatro frentes:
Primeiro seu caráter “social”, tendo ações e resultados aceitáveis para indivíduos e
grupos participantes. Segundo é o aspecto “econômico”, que buscam outra forma de
organização que privilegiam o trabalho sobre o capital. Terceiro, de caráter político, onde as
decisões passam pelo “poder compartilhado” dos participantes. E quarto, uma característica
“técnica”, que busca outra forma de organização e de divisão social do trabalho.
Ao que interessa a essa monografia, autogestão, também é o termo designado para
empreendimentos de Economia Solidária. Esta é uma manifestação que parte do pressuposto
da Cooperação entre os trabalhadores ao invés da competição que predomina nas empresas
capitalistas. Segundo Singer (2002a, p. 10) a economia deve ser solidária ao invés de
competitiva para que haja igualdade nas “relações econômicas”. Essa solidariedade só pode se

1
Disponível em: http://www.hsm.com.br/artigos/autogestao-estrategia-de-carreira. Acessado no dia 29 de
Janeiro de 2013.
2
Disponível em http://www.pt.wikipedia.org/wiki/autogestão. Acessado no dia 29 de janeiro de 2013
3
Falasntérios foram comunidades idealizadas pelo filósofo Frances Charles Fourier.
4
ALBUQUERQUE; Paulo Peixoto de. Autogestão. In: CATANI, David. A Outra Economia (2003) P.20.
5
MOTHÉ, Daniel. Autogestão. In:___O Dicionário Internacional da Outra Economia (2009) P.26;
12

realizar se o empreendimento for organizado de forma igualitária entre os participantes.


Portanto, a autogestão aparece como condição indispensável em um empreendimento de
Economia Solidária bem sucedido, no entanto, “não é condição única para seu sucesso”.
(França, 2008b, p. 22).
A ideia de eleger para esta monografia o tema autogestão e suas implicações práticas
dentro de um empreendimento de economia solidária, foi a inserção do autor durante dois
anos em um projeto de implementação e assessoria de dois Bancos Comunitários de
Desenvolvimento (BCD´s), no morro do Preventório, Niterói6, e no bairro de Saracuruna,
Duque de Caxias7, realizado pela Incubadora de Empreendimentos em Economia Solidária da
Universidade Federal Fluminense (IEES/UFF). Será estabelecido como ponto de partida o
conceito de autogestão tratado pelos autores já citados e outros, além dos conceitos
consagrados para sua construção e manutenção.
Este trabalho busca algumas reflexões sobre o conceito e um estudo de caso, voltado
para construção da autogestão em um Banco Comunitário de Desenvolvimento. Utilizar-se-á
de categorias analíticas para entender os elementos fundamentais da sua prática. Desta forma
apresenta a seguinte estrutura:
O primeiro capítulo procura buscar a compreensão de Autogestão e suas
manifestações no senso comum e para as Ciências Sociais. O segundo capítulo irá descrever o
que é um BCD de Desenvolvimento e a construção da autogestão nesse tipo de
empreendimento que é manifestação da economia solidária. O terceiro capítulo enfoca a
construção e organização do Banco Comunitário de Desenvolvimento de Saracuruna, como
um estudo de caso a partir das reflexões geradas dos capítulos anteriores.

6
“Moeda Própria e Desenvolvimento para os Moradores do Preventório”, O Fluminense, Niterói, 19 de Maio de
2012 http://jornal.ofluminense.com.br/editorias/cidades/moeda-propria-e-desenvolvimento Acessado em 30 de
janeiro de 2013
7
“Saracuruna tem moeda Própria”, Folha da Cidade, Duque de Caxias 23 a 30 de novembro de 2011. Acessado
em 30 de janeiro de 2013.
13

2 AUTOGESTÃO: SENSO COMUM E CIÊNCIAS SOCIAS

A palavra autogestão é tratada de forma diversa na atualidade. Existem diferentes


correntes que empregam significados distintos. Numa primeira aproximação, diríamos que os
sentidos mais comuns do termo são: assumir uma responsabilidade8; gerir sua própria carreira
profissional9; gerir um empreendimento coletivamente pelos trabalhadores10. Cabe como
objetivo neste presente capítulo realizar uma diferenciação entre as categorias atribuídas entre
o senso comum e as Ciências Sociais. Também será exemplificado como é reconhecida a
autogestão para esse espaço.

2.1 Autogestão como o ato de tomar uma decisão (ou fazer por si):

A atribuição do termo nesse sentido deriva seu significado a partir da filosofia liberal.
Smith (2002b, p. 269) conceitua o indivíduo responsável como aquele que “cuida da sua
fortuna, posição e reputação”. Portanto, o prefixo pode ser tomado “auto” como exemplo de
autonomia, isto é, alguém toma uma decisão sobre realizar ou não uma ação. O sufixo
“gestão”, aparece justamente como essa decisão a ser tomada.
A definição parece autoexplicativa. Mas ao mesmo tempo deixa um grande vácuo de
respostas. Pensar em um indivíduo como autônomo prevê que o mesmo possui uma larga
escala para tomada de decisões. Portanto, ele possui poder para tal. A categoria, no entanto,
não explicita que tipos de indivíduos são esses e quais são as decisões que eles irão tomar. É
muito simples imaginar um grupo de pessoas tomando para si uma prerrogativa decisória, mas
pensar que decisões são essas e quem elas atingem é algo muito mais complexo.
O termo nesse sentido transmite uma ideia de suposta neutralidade e igualdade nas
tomadas de decisão. Indivíduos que decidem “algo por si” - isto não diz muito sobre quais
atributos eles detêm e nem de quais serão os atos tomados. A definição carece, portanto, de
uma explicação que classifique quem são essas pessoas ou grupos que detém esse poder. E
que tipo de poder será esse? Não ficam claras quais são as decisões que podem ser tomadas,
ou se qualquer prerrogativa de tomar alguma decisão pode ser classificada como autogestão.
Tomar a “decisão para si” também uma presume uma iniciativa individualizada. Aonde cada
um assumiria prerrogativas de forma desprendida da realidade social.

8
Disponível em www.dicionarioinformal.com.br/autogestão/. Acessado em 10 de abril de 2013
9
Idem. p. 13.
10
Idem. p. 13.
14

Portanto, pode-se presumir que essa definição se restringe ao fato de um indivíduo


realizar uma ação, pelo simples fato de possuir poder para isso. Mas como esse poder foi
adquirido, no que ele consiste, quais são as decisões e a quem elas interessam, são ocultadas
em seu significado.

2.2 Autogestão como gerenciamento profissional de carreira:

Nesse caso o termo aparece como referente ao mundo do trabalho. É uma definição
comumente usada na área de Administração e de Recursos Humanos, de fundo liberal e
neoliberal. Pode-se pensá-la como extensão da anterior. É conservada a definição do prefixo
“auto” referindo-se a autonomia de tomar decisões, com o diferencial que o sufixo “gestão”
está ligado a carreira profissional. Percebe-se, portanto que houve uma seleção daqueles que
exercem atividades ligadas ao termo. Agora aquele que pratica a “autogestão” é um
trabalhador consciente que se assumiu como responsável pelos rumos tomados pela sua
carreira.
A partir daí, tem-se o “autogestor” como um “trabalhador consciente”. Isso presume
também que o mesmo detenha todas as condições de atingir seus objetivos profissionais,
sendo o fracasso ou sucesso atribuído apenas responsabilidade individual. Assim como a
definição anterior a concepção do termo autogestão é extremamente individualizada. Tratando
como autônomo e colocando em suposta posição de igualdade todos aqueles que estão
inseridos no mundo do trabalho.
No artigo publicado no portal HSM Brasil, publicado pela socióloga e administradora
Isleide Arruda Fontenelle11, é feita uma referência aos trabalhos de Richard Sennett sobre a
flexibilização do trabalho. É relatado como nos moldes de produção fordista o trabalhador se
acomodava e “abandonava” a gestão de sua própria carreira, pelo conforto e estabilidade
social. A argumentação é de que muitos trabalhadores passaram a se preocupar mais com o
seu futuro profissional, e portanto se colocassem como “gestores”, melhorando sua formação
através de cursos de idiomas, pós-graduações e etc. “Portanto decisões individuais e auto-
suficientes” (p. 77, 2004).
Desta forma, depura-se que o termo “autogestão” é compreendido como uma “gestão
de si mesmo” no mundo profissional. É aquele trabalhador que se preocupa com o futuro de
sua carreira. Da mesma forma como a definição anterior ela carece de uma explicação sobre

11
Idem p. 13 e p. 15.
15

quais são os tipos de trabalhadores que detém condições necessárias para fazer tal feito. A
impressão que se passa é de uma suposta neutralidade onde qualquer um, a partir do seu
esforço, possa ter controle de sua carreira profissional. Desprezam-se as contingências sociais.
A significação aparece como uma conseqüência natural da flexibilização das relações de
trabalho e esta é pobremente explorada.

2.3 Autogestão como forma de administração coletiva de um empreendimento

Essa categoria assume posição oposta das anteriores, sendo, portanto a que interessa
do ponto de vista das ciências sociais. Trata-se de um empreendimento sobre controle dos
trabalhadores onde não existe uma direção central delegando ordens aos mesmos. As decisões
são tomadas de formas coletivas em assembléias. Dessa forma pode-se conceituar o
significado morfológico do termo Autogestão:

“Autogestão é tradução literal da palavra servo-croata samoupravlje (samo,


equivalente eslavo do prefixo grego ‘auto’, e upravlje com significado aproximado de
‘gestão’). Guillerm e Bourdet (1976) destacam que o uso abusivo do termo dificulta
uma definição precisa do seu significado. Afirmam que autogestion só aparece na
língua francesa no início dos anos 1960 para identificar a experiência política,
econômica e social da Iugoslávia de Tito em sua ruptura com o stalinismo (anos de
1950). Com os acontecimentos de Maio de 1968 na França, Autogestão passou a ser
utilizada para qualificar práticas sociais alternativas ao capitalismo e se tornou a
palavra de ordem nas lutas reivindicatórias no âmbito de todas as esferas da vida
social [...] Embora o termo seja relativamente novo, a idéia da autogestão é tão antiga
quanto o próprio movimento operário; remonta aos inícios do século XIX. Sob
palavras e doutrinas diferentes, as formulações e propostas acerca de modelos de
sociedade fundados na propriedade coletiva remontam à própria história de resistência
e de busca de formas de trabalho e de vida alternativas ao capitalismo, sendo seus
precursores Fourier, Owen, Saint-Simon, Louis Blanc, Lassale e Proudhon.
(FISCHER; TIRIBA. 2012, p. 613).

Fica claro que apesar do termo ter sido cunhado em uma época recente sua
significação já era praticada muito anteriormente. Existiram diferentes iniciativas na história
da humanidade que a praticaram com nomes diferentes. Pode-se citar a experiência que ficou
conhecida como “coletivizações” na Espanha, como resposta ao regime fascista de Franco.
Vivendo em um ambiente de guerra civil, habitantes de municípios rurais assumiram os
serviços públicos e a produção de bens, que haviam sido destruídas ou funcionavam
precariamente em decorrência dos combates. Esses serviços de produção, consumo e
administração foram transformados em cooperativas que estavam sobre o controle da
população. Outro exemplo bem emblemático ocorreu na Alemanha após a segunda guerra
16

mundial, na região de Ruhr. Devastada pelas batalhas, os trabalhadores assumiram a gestão de


indústrias na região. Iniciativa estimulada pela Grã-Bretanha – a região estava sobre seu
domínio - que possuía um governo trabalhista, quando o governo voltou para os alemães, os
operários já haviam se consolidado como cooperativas na administração dessas indústrias.
Esse modelo ficou conhecido como “co-gestão”. Essas experiências apesar de nomes
diferentes carregam grande semelhança ao modelo autogestionário cunhado em decorrência
do governo de Tito na Iugoslávia12.
Como ficou claro ela é designada para vários tipos de reivindicações do mundo social
e não apenas empreendimentos coletivos. No entanto, é numa cooperativa de produção que a
prática da autogestão poderia ser plenamente desenvolvida, na forma de um modelo. Isto
porque se poderia “associar uma atividade econômica de produção de bens com a gestão
coletiva do empreendimento realizada pelos próprios trabalhadores”. (2002a, p. 10) Talvez
seja nesse ponto onde realmente se dê a maior diferença entre essa definição e as duas
anteriores. Enquanto nas primeiras significações tratava-se de ações individuais visando o
benefício próprio, aqui são iniciativas coletivas de associação que visam ganhos
compartilhados.
Em sentido lato associação pode ser definida como “grupo de pessoas que reúnem
para demandas comuns” (2003a, p. 15). No entanto, é a qualidade dessas associações que irão
definir a forma de gestão do empreendimento. Por isso, é preciso deixar claro que
empreendimentos coletivos podem não ser necessariamente autogestionários. O fato do
comando de atividades produtivas estarem nas mãos dos trabalhadores não significa
propriamente que o empreendimento seja administrado de forma igualitária entre todos os
seus membros. Também existem aqueles empreendimentos que apesar de serem coletivos,
nunca tiveram a intenção de ser autogestionários. É preciso cuidado com a palavra “coletivo”
que não diz muito: uma “copergato”, por exemplo, como são chamadas, só é coletivo
formalmente, no seu registro jurídico como cooperativa. De fato, neste caso, “só se utiliza
deste recurso para burlar direitos trabalhistas e em nada de sua prática é de fato um
empreendimento coletivo”. (2008b, p. 14).

2.4 Autogestão para Ciências Sociais e suas relações com a Economia Solidária

12
Para mais informações consultar: VENOSA. R. A Evolução da Participação nas Organizações Autogeridas
Iugoslavas. In:______. Participação e Participações: Ensaios sobre Autogestão. São Paulo: Babel Cultural, 1987.
17

Autogestão também é o desígnio que recebem os empreendimentos da economia


solidária em relação a sua forma de administração. Esta aparece como uma forma de produção
e consumo que busca criar relações de trabalhos distintas do capitalismo. Apesar de
ambiguamente desenvolver ações dentro desse sistema. O emprego desse modelo para forma
administrativa da empresa é vital para que se construa outra lógica, distinta das relações
capitalista de trabalho.
Por Economia Solidária podemos tomar a conceituação de “um modo de produção que
visa à solidariedade mútua entre os seus membros ao contrário da competição que é comum
nas empresas capitalistas” (2002a, p. 9). Como já foi dito, para isso é preciso que exista uma
associação entre aqueles que vão participar dessas iniciativas. É importante, no entanto, que,
além disso, essa associação se dê de forma “igualitária”. Entretanto, o fato de trabalhadores
gerirem um empreendimento coletivamente, não significará necessariamente que ele será
autogestionário. Não basta apenas que um grupo de trabalhadores compartilhe um espaço,
onde formalmente (e aparentemente) não exista a figura de um “patrão”. A democracia
autogestionária precisa ir muito além disso.
Serão consideradas algumas características vitais para que autogestão aconteça dentro
de um empreendimento de economia solidária. Para isso, será usada a produção acadêmica na
área de Ciências Sociais sobre o assunto. Serão elencadas questões fundamentais para a
viabilidade da autogestão em um empreendimento de economia solidária.
Para início de análise o que diferencia uma empresa convencional de outra
autogestionária é o modo como as informações circulam em seu interior. Na primeira existe
um modelo hierarquizado de administração, portanto diferentes níveis de poder “onde as
informações e consultas fluem de baixo pra cima, enquanto as ordens e instruções vão de
cima para baixo” (2002a, 17). Esse modelo estratifica a empresa em diferentes níveis
decisórios, onde cada agente detém uma parcela das informações conforme a posição
ocupada, sendo maior quanto mais for valorizada. Esse modelo é conhecido como
heterogestão.
A autogestão neste caso se baseia no modelo oposto, por todos possuírem cotas iguais
de capital no empreendimento. Conforme o tamanho da cooperativa13 é possível fazer a
gestão a partir de assembléias, mas caso ela cresça é interessante que se constitua uma
diretoria para execução de negócios. A diferença é que essa diretoria é escolhida pelos
trabalhadores, ocorrendo uma inversão na lógica administrativa. As informações e consultas

13
Tomando-a como o ‘modelo’ padrão da economia solidária.
18

“fluem de cima para baixo” (2002a, p.18), isto é, a diretoria precisa saber quais são as
demandas dos associados. Enquanto as ordens e instruções partem de “baixo para cima”
(2002a, p. 18).
Para que isso aconteça de forma plena, é importante, segundo França (2008b, p. 85)
“que os canais de comunicação entre os membros sejam abertos e que as informações não se
percam no caminho”. Exige-se também um esforço extra para executar as atividades braçais e
intelectuais, ou produtivas e administrativas. Se omitir da direção é o maior risco para
autogestão, o que será tratado mais adiante.
Outro aspecto importante diz respeito os gastos e ganhos da empresa. Presumir que a
mesma é autogestionária é em si considerar que seus resultados são compartilhados entre os
membros. Depura-se a partir dessa afirmação que caso a empresa lucre, os associados
ganharão e caso a empresa tenha prejuízo os associados irão perder. Isso se deve a forma
como o capital econômico investido no empreendimento é realizado.
O sistema funciona da seguinte forma, cada associado (ou sócio), ao entrar na empresa
investe uma determinada quantia, essa será a sua cota de participação, podendo ser igual ou
não14. De toda forma, não existem salários em cooperativas, mas sim uma retirada mensal que
cada membro tem direito. Em relação a isso é importante considerar que o “ideal” seria a
igualdade das cotas, mas caso não aconteça, que essa divisão seja a mínima possível. Isso é
importante, pois está intrinsecamente ligado a outro princípio básico da economia solidária
“um sócio, um voto” (2008b, p. 84), vital para realização da Autogestão. Estabelecer uma
desigualdade apresenta uma ameaça e esse princípio. No caso de existirem pessoas com um
capital econômico disponível e interessadas em investi-lo no empreendimento, às vezes pode
mais interessante tomá-lo como empréstimo do que efetivar o credor como sócio. Pois isso
poderia causar um desequilíbrio na distribuição das cotas.
Para impedir a descapitalização da empresa os fundos são separados em dois: Os
divisíveis e os indivisíveis. Os primeiros são aqueles repartidos entre todos os membros. Caso
algum membro se retire da cooperativa ele tem o direito de levar consigo a parcela investida
no empreendimento. O indivisível é usado para manutenção da mesma. Ele impede que a
cooperativa se descapitalize por completo, caso haja uma debandada ou rotatividade de
sócios. “O fundo indivisível sinaliza que a empresa solidária não está a serviço de seus sócios
atuais apenas, mas de toda sociedade presente no futuro” (SINGER, 2002, p. 16.).

14
Isso é algo controverso dentro da economia solidária: Existem empreendimentos onde as cotas são diferentes,
no entanto é estabelecido um limite para essa diferença, nenhum sócio pode obter uma parcela
significativamente alta, ao ponto de comprometer a autogestão. Para mais informações consultar Singer (2002) e
Cattani (2003).
19

Depura-se, portanto que as cotas de participação são um indicativo de que cada


membro da cooperativa (ou outro tipo de empreendimento) é “dono” de uma parcela da
empresa. Portanto colocando-os em posição de igualdade por possuírem a mesma quantidade
de capital e portanto o mesmo poder decisório.
Tudo isso denota pensar que a autogestão exige um empenho duplo do trabalhador.
Em primeiro lugar é preciso destacar que diferentemente da heterogestão, ele não está
resignado apenas a produção. Ele também é um administrador. Portanto, o empreendimento
que deseja ter essa prática precisará de um dispêndio de tarefas além do que os seus membros
estavam acostumados. Além disso, exige uma compreensão de que todos são iguais naquele
espaço. Onde as decisões devem prestigiar o grupo.
Nesse ponto ocorre uma das maiores incompreensões por parte dos trabalhadores, que
é o desconhecimento por parte dos mesmos de relações de igualdade no trabalho. O fato de
estarem apenas acostumados a seguir ordens pode gerar certo comodismo. A “lei do menor
esforço” é fatal para a vida de um empreendimento autogestionário. O fato de muitas vezes os
sócios delegarem questões “urgentes” a uma diretoria ou a pessoas no grupo que são
aparentemente mais “capacitadas” para resolvê-los pode levar a uma distinção entre aqueles
que estão tomando as decisões e os que estão trabalhando. Neste caso o empreendimento
corre o grave risco de cair em uma nova heterogestão.
Muito disso se deve a falta de “formação democrática” (2002a, p. 21) que o grupo
pode apresentar. Significa que muitos dos participantes desses empreendimentos não tiveram
a chance de vivenciar experiências práticas sobre como trabalhar e gerir um empreendimento
autogestionário. A dimensão prática representa uma importante ferramenta para esse
processo. Bourdieu (2006, p. 85) considera a prática como “um processo de incorporação de
experiências da vida cotidiana”. Essas práticas são introjetadas em constituindo uma espécie
de “calculo estratégico”, que funciona como um sistema de disposições duráveis, conhecido
como habitus (BOURDIEU, 2009b, p. 88). Isso leva muitas vezes há uma incompreensão de
um modelo produtivo distinto. Um bom exemplo disso acontece no trabalho de Castro
(2008a, p. 32) onde são apresentadas “as dificuldades de construção da autogestão em uma
cooperativa de construção civil”. É comum que os trabalhadores do setor apresentem um
baixo nível escolar e sócio econômico. Além disso, o chamado “peão” está inserido de forma
precarizada nesse mercado, portanto vive da inconstância do trabalho temporário
sobrevivendo através de “bicos”. Nesse contexto eles estão sempre subordinados a contratos
de trabalho em empresas heterogestionárias, onde ele estava subordinado aos encarregados,
mestres de obra e supervisores. Propor uma mudança de modelo produtivo a esses
20

trabalhadores apresenta-se como um grande desafio. Inclusive Singer (2002a, p. 36) também
coloca que muitas vezes o trabalhador que se torna um cooperado, “apresenta apenas um
desejo de ganhos econômicos através de trabalho, não se importando de fato como a forma de
gestão do empreendimento”. A conseqüência disso são possíveis conflitos internos em torno
das tomadas de decisão. Isso deriva justamente da dimensão prática e dos habitus trabalhistas
introjetados, pois sua trajetória de vida profissional está ligada a experiências verticais de
heterogestão. Ao ingressar em uma experiência de trabalho autogestionário, é compreensível
o não-entendimento da lógica de trabalho. Este exemplo é bem ilustrativo:

“(...) Durante uma obra de reforma, três cooperados foram aconselhar outro a não
trabalhar escutando rádio com o fone no ouvido, pois isso poderia acarretar
acidentes que envolveriam a todos. Reagindo de forma agressiva, o cooperado
afirmou que só receberia ordens do colega designado como encarregado daquela
obra e de ninguém mais.” (2008b, P. 86).

Esses aspectos serão superados apenas no dia-a-dia. A prática autogestionária não é


algo dado, precisa ser construída. É comum que muitos trabalhadores ainda imaginem que
possuam cargos idênticos aos seus trabalhos anteriores, isso quando tiveram uma experiência
no mundo do trabalho formal, sendo mais comum experiências de trabalho precarizadas.
Nesse ponto o conceito de habitus15 como “esquemas de percepção” da realidade através de
pensamentos e ações, que se reproduzem de forma contínua, mas sem ser considerada
automática e nem ao ponto da mudança extrema. Portanto, leva-se um determinado período de
tempo, variando dentro de cada conjuntura, onde essas novas práticas serão incorporadas.
Isso deriva outro aspecto importante que a autogestão exige do trabalhador: A
politecnia. Além de se revezarem nas funções administrativas, “é importante que haja um
rodízio de todas as funções do empreendimento a cada três ou quatro meses” (2008b, p. 86). É
vital para este exercício de “democracia do trabalho” que os seus membros experimentem e
dominem todas as possibilidades de postos de trabalho. Quebrando a dicotomia entre o
trabalho braçal e administrativo (intelectual).
Dito tudo isto é muito importante saber quais as condições propícias para a
constituição de empreendimentos autogestionários. É fato que não basta apenas boa vontade.
“Não é verdade que a única coisa que impedia estas pessoas de buscarem alternativas deste
tipo era o desconhecimento da sua existência” (2008b, p.22).
A história dos empreendimentos de Economia Solidária bem sucedidos, assim como
outras experiências coletivas de autogestão mostra que na maioria das vezes as contingências
15
Ibdem. 2009b.
21

políticas e econômicas levaram indivíduos e grupos a se associarem. Foi a necessidade que na


maioria das vezes contribuiu para esse fato. Foi assim que surgiram experiências de
coletividades produtivas na Espanha na década de 1930, em resistência ao governo de Franco
(VENOSA, 1987, p. 42). Também na Polônia, na década de 1980, que implantou durante um
curto período um governo autogestionário como resposta a crise econômica e a opressão
soviética (1987, p. 43). Além de empresas falidas que foram reerguidas pelos funcionários
que antes eram trabalhadores (1987, p. 74). É preciso, portanto, que haja alguns fatores
prévios para que isso ocorra.
Em primeiro lugar, presume-se que um empreendimento solidário deve ser opção dos
próprios participantes. É comum que grupos de classes mais privilegiadas e instituições de
cunho público e privado se engajem na formação de empreendimentos e que proponham que
eles sejam autogestionários. Existem diversos projetos de inclusão social e geração de renda
que buscam alcançar esses objetivos através da organização popular. No entanto, muitos deles
carecem de uma configuração adequada para atender seu público alvo. É muito comum que se
deseje alcançar um crescimento socioeconômico dos participantes, mas sem propriamente
lhes delegar uma participação ativa no processo16.
Esses projetos pensados de “cima para baixo” dificilmente terão sucesso por uma série
de motivos. Primeiro, pela “falta de uma política pública adequada” (2008b, p. 38). É comum
que muitos dos editais voltados para projetos de Economia Solidária foquem a maioria de
seus recursos para compra de equipamentos, deixando de lado a formação de seus membros.
Segundo, normalmente existe pressão das entidades fomentadoras para uma regularização
precoce do empreendimento. É importante lembrar que “são as relações de produção
existentes que definem o empreendimento e não sua forma jurídica” (2008b, P. 25). Portanto
cabe ao próprio grupo atendido definir quando e qual será a forma que o empreendimento irá
tomar. E por conseqüência leva-se ao terceiro erro, um desligamento precoce da entidade
proponente logo após a constituição do empreendimento. O que também é um desdobramento
da falta de uma política pública adequada, que muitas vezes não prevê recursos de
acompanhamento após inauguração sua inauguração e muitas vezes não propicia nem uma
capacitação apropriada da acessória17. Tudo isso denota que a falta de conhecimento da

16
“Contribuir para a formação de uma consciência crítica nesta população é o desejo de todos que mantêm os
ideais de que um outro mundo e uma outra economia são possíveis. Portanto, assessorar grupos econômicos para
que obtenham maior retorno de suas atividades significa, para a maioria dos incubadores, que o ganho não seja
só econômico, mas o bem comum, a melhoria da qualidade de vida, a garantia da cidadania e a conquista do
trabalho emancipatório” (Idem, 2008b, p, 23).
17
Opus. Cit. 2008b, p. 38.
22

realidade local por parte daqueles que pensam e executam o trabalho de incubação18 e de
desejo real por parte daqueles que são assistidos pelo projeto, pode levar a um eminente
fracasso.
Respondendo a questão levantada pode-se concluir que a demanda para realização de
um empreendimento solidário autogestionário deve vir dos próprios agentes que virão a ser
sócioadministradores do empreendimento. É importante que haja uma atividade econômica
anterior ou já tenham experiências em práticas associativas (participação em sindicato,
associação de moradores, igreja e etc.) para qual o grupo se identifique, podendo assim
dialogar com os incubadores e ambos cheguem a um consenso sobre a realização do trabalho.

18
Incubação é o trabalho feito por Incubadoras Sociais estas “(...) funcionam como um intermediário para a
transferência de conhecimento acumulado da Universidade para grupos de trabalhadores e desempregados que
estão procurando meios de alcançar o mercado formal de trabalho. Elas assessoram os grupos populares desde o
início de sua formação até a chegada ao mercado. Essa é a missão de uma incubadora: atender as necessidades
de qualificação educacional, técnica e empresarial de iniciativas econômicas populares adotando uma concepção
de negócios que integre o econômico com o social.” (ibdem, 2008a, p. 10)
23

3 O QUE É UM BANCO COMUNITÁRIO DE DESENVOLVIMENTO?

Um Banco Comunitário de Desenvolvimento (BCD) pode ser compreendido como


uma das ações empreendedoras dentro da Economia Solidária, tido como um projeto voltado
para o desenvolvimento local. Esse conceito pode ser classificado como um “plano de ação
coordenado, descentralizado e focalizado” (JESUS, 2003c, p. 72) a partir de atores
considerados relevantes como lideranças comunitárias, instituições e empresas, que atuam em
nível focal, visando gerar benefícios coletivos para determinado território. Pode ser também
classificado como uma ferramenta dentro da área de finanças solidárias. Em sentido lato
pode-se ser tomado como uma forma de “democratização dos sistemas financeiros”
(COELHO, 2003b, p. 153), que procura dar respostas às necessidades de populações
excluídas do sistema bancário tradicional.
O ideal em um projeto de desenvolvimento local é que ele ocorra de maneira aberta e
em diálogo com todos os participantes, utilizando-se de recursos e valores locais, através de
instituições e pessoas que tenham uma ligação direta com o território atendido. É comum que
projetos que visam o desenvolvimento local, ocorram de “cima para baixo” de forma
autoritária. A grande questão que o conceito traz segundo Amaro (2009a, p. 111) é “se seu
objetivo será apenas a elevação da renda ou deve acarretar demais fatores”. No caso
específico da Economia Solidária é imprescindível que a viabilidade de projetos que
conservem a autogestão e a autonomia dos trabalhadores. Sem isso, dificilmente se realizará
um projeto que conte com a participação da sociedade civil. Dessa forma pode-se definir o
desenvolvimento local, a partir dos seguintes atributos:

“a) um processo de mudança, levando à melhoria do bem-estar e das condições de


vida da população; b) centrado numa comunidade territorial de pequena dimensão,
definida pela existência (real ou potencial) de uma identidade comum, capaz de
mobilizar solidariedades de acção (colectiva) e com pretensões a uma autonomia de
afirmação do seu destino; c) que tem como uma das motivações fundamentais a
resposta a necessidades básicas da comunidade que estão por satisfazer; d) a partir
essencialmente da mobilização das capacidades locais; e) o que implica a adopção
de metodologias participativas e de “emporwerment” da comunidade local (do
ponto de vista individual e colectivo) f) contanto também com a contribuição de
recursos exógenos, capazes de mobilizar e fertilizar os recursos endógenos (e não
de os substituir ou inibir); g) numa perspectiva integrada, na abordagem dos
problemas e das respostas; h) o que exige uma lógica de trabalho em parceria, ou
seja, de articulação dos vários actores, protagonistas e instituições locais ou a
trabalhar no local; i) com impacto tendencial para toda a comunidade; j) e segundo
uma grande diversidade de processos, dinâmicas e resultados (AMARO, 2009a, P.
111).
24

Essas perspectivas são apontadas como essenciais para um projeto de desenvolvimento


local. Existem críticas a esse modelo, no entanto não é o foco do presente trabalho se debruçar
nas problematizações do conceito.19 Cabe apenas uma explanação sobre em que contexto
social se insere os BCD´s. O mesmo vale para Finanças Solidárias.
Um projeto de Finanças Solidárias presume a construção de formas alternativas para
obtenção de produtos financeiros. Pode-se destacar o microcrédito20 como sua principal
ferramenta. São concedidos pequenos valores de crédito, com critérios diferenciados para
produtores locais e procura gerar uma espécie de rede em um território atendido, entre
produtores e consumidores, muitos desses que não teriam condições necessárias para
obtenções de crédito em instituições formais, por isso usa critérios diferenciados como as
relações de vizinhança ou créditos concedidos coletivamente, que colocam pessoas em
interdependência, dividindo o pagamento do empréstimo e também sua responsabilidade. Por
esses aspectos entra em relação direta com o conceito de desenvolvimento local. Algumas
questões pertinentes que perpassam essas iniciativas são:

“(...) a questão do subsídio e ajuste da taxa de juros, ter ou não ter um papel de
poupança, a escala da operação, a remuneração dos trabalhadores, limites restritos
na concessão de empréstimos para garantir que os fundos sejam focados somente
para os pobres, conhecimento do tomador, respeito a diferenças culturais, escala de
atuação e a dimensão de territorialidade e comunidade presente nestas primeiras
instituições de microfinanças” (P. 156, 2003b).

Portanto pode-se conceber que um projeto de desenvolvimento local, utilizando-se do


microcrédito como expoente das finanças solidárias, deve-se ter uma lógica diferenciada das
instituições financeiras convencionais. A história dessas experiências é antiga, a primeira data
o século XVIII, com a Lending Charity, “um sistema de fundo de empréstimos para
empreendedores em Londres” 21. No século XIX houve iniciativas semelhantes na Irlanda e a
formação de cooperativas de crédito na Alemanha, Itália além dos países já citados. Outras

19
Uma crítica comum feita a esse modelo de desenvolvimento – muito mais em um senso comum, revestido por
ciência - é um suposto isolamento dos espaços que constroem (ou recebem) ações desse tipo. Achar referências.
20
“Microcrédito é a concessão de empréstimos de baixo valor a pequenos empreendedores informais e
microempresas sem acesso ao sistema financeiro tradicional, principalmente por não terem como oferecer
garantias reais. É um crédito destinado à produção (capital de giro e investimento) e é concedido com o uso de
metodologia específica”. Disponível:
www.bndes.gov.br/siteBNDES/bndes_pt/Institucional/Apoio_Financeiro/Programas_e_Fundos/Microcrédito/o_
que_e_microcrédito.html. Acessado no dia 10 de junho de 2013
21
Loc. Cit., 2003b, P.155
25

experiências semelhantes ocorreram também na Irlanda com o Irish Loan Funds, que chegou
a conceder pequenos empréstimos para “20% das famílias irlandesas22.
Outra experiência importante ocorreu na Alemanha em 1840, com o surgimento da
rede de cooperativas de crédito Raiffeisen (2003, P.156). A metodologia era semelhante aos
demais, a concessão de pequenos valores de empréstimos para pessoas em situação de baixa
renda. Mas o grande diferencial estava no conhecimento do território em atuação:

“As cooperativas Raiffeisen tiveram muito sucesso, evitando grandes perdas. O


principal fator desse sucesso foi a dimensão de territorialidade presente na
formação das cooperativas. Cada cooperativa deveria operar numa pequena região
para conhecer pessoalmente os tomadores de empréstimos e seus propósitos. Dessa
forma asseguravam que todos os empréstimos fossem pagos. As cooperativas
Raiffeisen ao longo do tempo se desenvolveram e se transformaram em bancos
comerciais sem diferenças quanto aos demais bancos que já existiam. (COELHO,
2003, P. 156).

Fica claro que expansão do microcrédito como ferramenta das Finanças Solidárias
também traz algumas problematizações de conceito. Como foi citado anteriormente Singer
(2002a, p. 73; p. 74) muitas cooperativas de crédito que fizeram sucesso na Europa e na
América do Norte, mudaram seu público alvo após a ascensão econômica de seus membros,
mudaram o foco de sua atuação23. Dá mesma forma, como nos dias atuais vários Bancos
formais abriram programas de microcrédito24, o que leva a uma reflexão se esse instrumento é
realmente uma prática financeira transformadora, que busca uma relação distinta da economia
vigente ou se visa apenas um ajuste ou forma de inclusão no “sistema bancário formal”.
Portanto, essas conceituações estão em disputa.
Atualmente cabe colocar uma breve explanação sobre aquela que talvez seja a mais
bem sucedida cooperativa de crédito: Fundado em 1976, em Bangladesh o Grameen Bank
mantém até hoje aspectos metodológicos com enormes diferenças dos Bancos convencionais.
Primeiro por conceder crédito para mulheres, pois foi constatado que elas o geriam melhor,
“usavam o financiamento para a família ao contrário dos homens que geralmente usavam para
fins próprios” (2002a, p. 79). Segundo, os moradores não precisam ir até a agência para

22
Loc. Cit. 2003b, p. 155
23
“É preciso considerar também que, nos países desenvolvidos os pequenos produtores rurais e urbanos estão
longe da pobreza que condicionou originalmente a invenção do cooperativismo de crédito. A grande maioria não
requer poupança alheia para financiar seus investimentos e sua vulnerabilidade a infelicidades foi devidamente
reduzida pelas redes nacionais de seguro que constituem o Estado de bem-estar social.” ( Loc. Cit., 2002ª, p. 73;
p. 74).
24
O Banco Popular do Brasil (BPB) e a Caixa Econômica Federal (CEF) possuem linhas de microcrédito.
26

conseguir um empréstimo, as “agentes de crédito”25 iam até eles para convencê-los. Mas o
que diferencia dos demais Bancos é o aval solidário:

“[...] o Grameen só aceita como membros grupos de cinco mulheres, dispostas a se


responsabilizar coletivamente pelos empréstimos feitos a cada uma. O grupo se
reúne regularmente e aprova os pedidos de empréstimo de cada membro. Se a
devedora deixar de reembolsar o empréstimo nos prazos devidos, os demais
membros a ajudam ou a fazem em seu lugar. Em caso de falta de reembolso, todas
as cinco mulheres do grupo são eliminadas do Banco da Aldeia. [...] As mulheres
que recebem empréstimos não são meras clientes do Banco, elas se tornam sócios
dele, integrando uma rede que se estende por milhares de aldeias de Bangladesh.
Elas integram um grupo de cinco constituí um fundo mútuo, formado por 5% de
cada empréstimo e mais 2 takas por membro. Este fundo ajuda os membros em
dificuldade a manter em dia seu compromisso com o Banco. Para melhorar a ajuda
mútua, criaram-se ‘centros’ que aglutinam até oito grupos de cinco e se reúnem
semanalmente, com a presença de um agente de crédito do Banco.” (2002a, P. 79 e
80)

Desta forma, o Grameen Bank pode ser entendido como o “antibanco” (2002a, P.81),
por fazer exatamente o contrário dos Bancos convencionais. Segundo dados da própria
instituição, em 2011 o ativo passou de US$ 1.700.000, já foram concedidos mais de US$
1.300.000 em empréstimos e 96,12% dos sócios são mulheres.26
Não foram encontradas informações sobre cooperativas de crédito populares bem
sucedidas no Brasil, cabe inclusive citar que mesmo o BCD sendo um expoente das finanças
solidárias, visando o desenvolvimento do território atendido, ele não é uma cooperativa de
crédito. Esta só pode ser feita para “usufruto de seus sócios, tanto para aquisição de crédito
como na gestão” (INSTITUTO PALMAS, 2008c, p. 20). Ao passo que um BCD não possui
um grupo de pessoas que são donas do empreendimento, a gestão é feita por um órgão local
autônomo (geralmente uma associação comunitária), mas ambos têm finalidades parecidas27.
A história dos BCD´s começa no Brasil começa na década de 1980. Um grupo de
pessoas havia sido despejado do local onde moravam próximos a uma praia em Fortaleza,
Ceará, para construção de um condomínio de luxo. O local para onde foram removidas ficava
no subúrbio da cidade e desprovido de serviços públicos básicos. O novo bairro foi construído
em mutirão pelos próprios moradores e batizado de Conjunto Palmeira. Da união desse grupo
surgiu a Associação de Moradores do Conjunto Palmeira (ASMOCOMP). Também a base de

25
Moradoras bem quistas no local que são sócias do Banco e buscam outras pessoas para serem membros.
26
Dados disponíveis em http://www.grameen-
info.org/index.php?option=com_content&task=view&id=632&Itemid=664. Acessado em 01/02/13
27
“Quanto à filosofia, tanto a cooperativa de crédito como os Bancos Comunitários estão no campo da economia
solidária e compartilham os valores de cooperação, da autogestão, da solidariedade e da democracia nas
decisões.” (2008c, p. 20)
27

mutirões houve a construção de “canais para drenagem e redes de esgotos, além de creches e
outros serviços comunitários” (2008c, P. 7).
Em 1997, quando o bairro foi definitivamente urbanizado (obtendo acesso a água,
esgoto, eletricidade e etc.) houve um problema de evasão, pois muitos moradores não
conseguiam arcar com as taxas dos serviços públicos28. Assim por terem conseguido essa
conquista atraíram a atenção do mercado imobiliário, muitas pessoas por não conseguir arcar
com as despesas se viam obrigadas a se mudar para bairros cada vez mais distantes. Visando
acabar com esse quadro, a ASMOCOMP viu a necessidade de um projeto para
desenvolvimento de trabalho e renda voltado para a comunidade. A questão era: Como
fomentar um projeto desse tipo para uma população semi analfabeta, com pouquíssima
inserção no mercado de trabalho e um grande número de moradores com restrições para
obtenção de crédito?
Na época existiam cinco pessoas a frente da associação, entre elas o ex-padre ligado a
teologia da libertação, Joaquim Melo29, que quando entrevistado para esse trabalho disse que
o objetivo na época era entender o “porque de serem pobres” (SIC). A resposta muito comum
era “porque não temos dinheiro” (SIC). Melo e outros membros da associação não se
conformaram com essa resposta. Para isso foi realizada uma pesquisa no bairro para tentar
descobrir “o porquê de serem pobres” com 4 perguntas: 1) O que você já consome por mês
(alimentação, vestuário, material de limpeza), 2) Onde você faz a maioria de suas compras?
Qual é a marca dos produtos? Você produz alguma coisa (comercio, indústria ou serviço). A
conclusão foi a seguinte:

“O resultado desse mapeamento nos mostrou que mensalmente os moradores


consumiam em produtos, ou seja, gastavam com alimentação, vestuário, produtos
de limpeza de higiene e beleza, um total de R$ 1.200.000,00 (um milhão e duzentos
mil reais). Então dissemos para os moradores: não somos pobres porque não temos
dinheiro, e sim porque perdemos nossa base monetária, ou seja, perdemos o
dinheiro que temos.” (INSTITUTO PALMAS, P.8, 2008c).

Ainda segundo Melo 80% (SIC) dos moradores faziam suas compras fora do bairro e
apenas 1,7% produzia alguma atividade produtiva30. Com os resultados dessa pesquisa, a
ASMOCOMP realizou várias reuniões até que resolveu criar seu próprio sistema de crédito:

28
Loc. Cit. 2008c, p. 7.
29
Coordenador Institucional do Instituto Palmas, um dos idealizadores do Banco Comunitário de
Desenvolvimento Palmas.
30
Tempo depois essa pesquisa ganhou o nome de “mapeamento de produção e consumo”, sendo realizada a cada
dois anos. (2008c, P.8).
28

Nasce assim o “Banco Palmas”, batizado em homenagem ao nome do bairro, Conjunto


Palmeira. Apesar do nome, juridicamente falando a instituição não é um banco, mas sim um
projeto da ASMOCOMP. A idéia era a partir de essa iniciativa criar uma “poupança interna”
(2008c, P.11) do bairro, fazendo com que o dinheiro obtido circulasse naquele espaço.
Para início das atividades o recurso inicial veio de uma ONG que concedeu 2000 reais
que deveriam ser reembolsados posteriormente31. Inaugurado no dia 20 de janeiro de 1998 o
Banco Palmas, emprestou todo seu recurso no dia da inauguração e amanheceu sem fundos
“32 no dia seguinte. O dinheiro foi recuperado gradativamente assim que os empréstimos
foram sendo pagos. Apesar de dificuldades iniciais, o BCD Palmas se tornou um sucesso
chegando a movimentar 10 milhões de reais por ano33 e a taxa de inadimplência fica entre 1%
e 3% 34.
O Banco Palmas trabalhou inicialmente com duas linhas de crédito35: A produtiva e
para o consumo. A primeira seria voltada para os comerciantes locais que quisessem abrir ou
incrementar um empreendimento já existente. A segunda está voltada para o consumo interno
do bairro, através de um dispositivo chamado Moeda Social, sendo sem dúvidas o grande
diferencial entre os BCD´s e as demais experiências na área de finanças solidárias.
A classificação do que seja Moeda Social ainda é possui significados diversos, por
responder a diferentes finalidades. Grosso modo pode ser compreendida como “uma moeda
paralela à nacional, produzida e administrada por um grupo focal”. (SOARES, 2009f, p. 255).
O motivo de sua criação e circulação como foi dito é variado, dependendo do contexto em que
está inserido36. No entanto, o que se pode estabelecer como motivo para sua implementação é
a insuficiência da moeda oficial em atender as demandas de certos grupo: seja por um caso de
hiperinflação ou pela não inserção nas dinâmicas econômicas que se constituem no espaço.
As moedas sociais possuem três características próprias: Primeiro, funcionam como
unidade de contas, facilitando a equivalência entre produtos e serviços. Segundo, serve como
meio de troca para intercâmbios diferenciados e por último, e talvez seja o maior diferencial

31
A quantia foi paga 8 meses depois. (2008c, p. 9)
32
Loc. Cit., 2008c, p. 9.
33
(2008c, p. 16).
34
(2008c, P. 13).
35
Atualmente existe uma terceira linha de crédito voltada para a construção civil.
36
O primeiro registro que se teve de moedas paralelas aconteceu em 1930 na cidade de Worgl na Áustria, o
prefeito fez circular o chamado “xelim livre”. No Canadá em 1982, Michael Linton inaugura em Vancouver um
sistema não monetário de intercâmbio. Na Argentina, entre os anos de 2001 e 2002, diversas pessoas passaram a
se organizar em grupos para trocas diretas ou através de “vales”, para minimizar os efeitos da desvalorização do
peso argentino. No Brasil, entre os anos de 1993 e 1994, a prefeitura o município de Campina de Monte Alegre
em São Paulo, criou o “Campino Real”, como combate a hiperinflação. Com exceção do caso Argentino, os
Bancos Centrais reagiram enfaticamente contra as iniciativas. (PRIMAVERA, 2003d, p. 194; p. 195).
29

em relação a moeda oficial “é o fato de não possuir o juros bancários, portanto, se constitui
apenas como uma ferramenta de troca e não uma mercadoria” (PRIMAVERA, 2003d, p. 193).
Outra questão importante que diverge sobre sua finalidade é ser de fato paralela, ou
apenas complementar a oficial. Essas situações se determinam de acordo com a forma de
implementação, pois a moeda pode ser lastreada ou não pela moeda oficial37. No caso do
Banco Palmas de todos os BCD´s a moeda é lastreada ao real. Por isso pode ser classificada
como um “vale” que tem a equivalência a moeda oficial brasileira, ou seja, 1 palmas (moeda
local) equivale a 1 real. O modelo funciona da seguinte forma: Qualquer independente de ser
bairro vai ao BCD, troca seu real pela moeda social e com ele pode consumir serviços ou
mercadorias de microempreendedores que fizeram parceria com o BCD. Eles darão descontos
de 5% a 10%, e em troca supostamente teriam um aumento de clientela, pois a moeda social
só pode ser utilizada na área de abrangência do BCD. Posteriormente, o comerciante ou
prestador pode trocar o montante de moeda social por real, para comprar insumos necessários
que não são encontrados no bairro. Entretanto, é recomendável que se evite essa “retroca”,
pois isso retiraria o objetivo da moeda social que é formar uma “poupança interna” no
território. (2008c, p. 10). Portanto, dentro do Conjunto Palmeiras a finalidade da moeda social
é fazer que os rendimentos obtidos pela população, circulem e não evadam para outras
localidades.
Até esse ponto, não existe nenhuma novidade já que o microcrédito favorece a criação
de uma rede entre consumidores e produtores. A grande inovação que o Banco Palmas
apresenta é aliar a moeda social ao crédito, algo inédito na história das finanças solidárias
(FRANÇA FILHO, P. 3, 2007). O fato de só poder ser usada no território, torna-se uma
espécie de garantia de que não será gasta em outros espaços, algo que não se pode garantir
quando o empréstimo é feito na moeda nacional. Além disso existe também o fato do BCD
ser usufruto de toda uma população de um bairro, diferente das cooperativas de créditos, que
só podem ser usadas pelos sócios38. Isso se faz notório quando um empréstimo é concedido
não importa que o “cliente” individualmente se satisfaça e sim que o crédito adquirido seja
investido no próprio bairro para que se crie uma rede de pessoas que são consumidoras e
produtoras ao mesmo tempo, são os chamados prossumidores. (FRANÇA FILHO, p. 34,
2009d). Isso é um exercício de democracia e cooperação entre seus participantes ao passo que
quebra esta dicotomia anterior a partir dessa nova categoria.

37
Existe uma polêmica em relação à moeda social ser lastreada ou não pela moeda oficial. Consultar Primavera
(2003) e Soares (2009)
38
Idem. a nota 28.
30

No que diz respeito a metodologia de concessão de crédito, o Banco Palmas


diferentemente da experiência Grameen Bank, se baseia no “aval da vizinhança” e não no
“aval solidário”. A questão é que a comunidade não se encontra tão organizada como na
experiência de Bangladesh, por isso raramente aparecem em grupos. Para evitar esse
problema é feito uma consulta com a vizinhança sobre o tomador do empréstimo para aferir se
ela é uma “pessoa honesta” (2008c, p. 25). Desta forma, a comunidade assume a
responsabilidade pelo empréstimo. Quando o morador contrai o crédito ele é informado que o
BCD trabalha com o “controle social”, isto é, são usados outros mecanismos de cobrança
além dos “convencionais” (Protesto em cartório, negativação do CPF e etc.):

“Um dia após o vencimento da parcela o analista de crédito visita o tomador de


crédito lembrando o seu compromisso com o banco. Passados 15 dias ele recebe
uma carta de cobrança. Passado um mês se o cliente não procura o banco para
negociar sua divida, o analista comunica os vizinhos aquela situação de
inadimplência e da indisposição da pessoa para resolver o problema com o banco,
em seguida levamos a situação ao conhecimento do Fórum Socioeconômico Local
– FECOL. Por último, negativamos o inadimplente no SPC e protestamos a divida
em cartório. Vale lembrar, que essas medidas são tomadas quando a pessoa tem,
comprovadamente, uma “má fé” com o banco, ou seja, não demonstra interesse em
pagar ou negociar a dívida. (2008c, p. 25).

Portanto, mesmo o aval não sendo dado por um grupo que vai coletivamente pegar o
empréstimo, isto é, um se responsabilizando pelo empréstimo do outro, existe um mecanismo
de controle da própria vizinhança para que os empréstimos sejam pagos. Percebe-se também
uma dimensão trazida em relação a Norbert Elias, no que diz respeito a “fofoca”. Está é
segundo o autor, um fenômeno “essencialmente comunitário” (2000, p. 166) por ser restrita as
formas de identificação dos indivíduos que ali residem. Elas podem ser classificadas entre
depreciativas [blame gossip] e elogiosa [pride gossip]. Não deixa de ser uma “fofoca” a forma
como é feita essa avaliação do “caráter” do cliente. Categorias como “bom pagador”,
“conhecido na comunidade”, “pessoa correta”, são bastante utilizadas para liberação do
crédito. Presume-se, sem dúvida a necessidade de uma coesão comunitária no mínimo ao
nível do discurso para pensá-la como instrumento de liberação crédito. O “aval da
vizinhança” 39 parte do pressuposto que a “voz do povo, é a voz de Deus”40 e, portanto, cabe a
ele um papel de “regulador” sobre a poupança que BCD possuí. A fofoca também pode
possuir um fator negativo para os Bancos Comunitários, afinal o “descrédito” com a

39
Loc. Cit., 2008c, p. 25
40
Ditado Popular Brasileiro.
31

população local (2008c, p. 18) é o maior perigo que a instituição corre no meio dos “boatos”
sobre a implementação e a gestão do BCD podem gerar coisas bem distintas no imaginário
popular.
Do ponto de vista da gestão, é necessário que todos os trabalhadores sejam do bairro,
pois só assim é possível o “aval da vizinhança”. Trabalhar no BCD significa ter uma relação
de proximidade com o público atendido. No Banco Palmas 95%41 dos trabalhadores são da
comunidade, os demais são técnicos e especialistas que transmitem conhecimentos de gestão e
plano de negócio, além da formação que exige um curso de 600 horas, fornecido pelo próprio
Banco Palmas. De fato, existem 6 pessoas que trabalham diretamente em seu interior, mas por
ser um projeto da associação de moradores local, são realizadas reuniões semanais toda
quarta-feira às 19h30m42, com a participação de comerciantes, tomadores de crédito,
instituições comunitárias (culturais, esportivas, religiosas), públicas (escola, posto de saúde e
outros) e demais moradores que se interessarem. Esse é o chamado Fórum Socioeconômico
(FECOL) aonde são discutidos assuntos do bairro, seja do Banco ou não. Os participantes
também podem opinar sobre futuros projetos que o Banco venha a desenvolver. Existem
outros projetos organizados pela ASMOCOMP e pelo Instituto Palmas43, que contam com a
participação da população local.
Depura-se que em certa medida esses critérios apresentam um resgate de relações mais
pessoalizadas ou intimistas. Os critérios de avaliação envolvem questionário nos quais
vizinhos indicados serão argüidos pelos agentes de crédito do BCD sobre o “caráter” do
tomador em arcar com os compromissos para com o Banco. Essas relações representam
significações na lógica da dádiva:

“Dádiva pode ser definida como o oferecimento aos outros de um bem ou serviço
sem garantia de que haverá retribuição, mas com esperança de que ocorrerá
correspondência, situação que pode estabelecer relações de aliança ou amizade.
Dádiva não é filantropia ou sacrifício, tampouco gratuidade sem motivos e sem
intenções.” (CAILLÉ, 2009. p.103)

Definida por Marcel Mauss como um “sistema tríplice de doação, recebimento e


devolução de bens simbólicos e matérias” (1974, pp. 105-113). Seria um exagero e um
anacronismo definir que a vida em comunidade poderia ser pautada em totalidade pela lógica

41
2008c, p. 14.
42
2008c p. 29.
43
São eles a Incubadora Feminina, Escola Popular Cooperativa Palmas, Academia de Bairro Periferia, Bairro
Escola de Trabalho, Consultores Comunitários, Feira Solidária, Loja Solidária, FACES – Fundo de Apoio à
Cultura e ao Esporte Solidário, Jornal Banco Palmas na Rede, Cia. Bate Palmas (2008c, pp. 31-34).
32

de trocas em uma economia “não monetarizada, fundada na reciprocidade” (P. 5, 2007). No


entanto, essas dimensões se encontram em disputa constante. Por isso, como foi dito
anteriormente o BCD pode representar um resgate dessas dimensões.
É sob essa perspectiva é possível perceber o quão complexas são as relações sociais
dentro da economia solidária. O ingresso do trabalhador em um empreendimento solidário
acontece de “forma voluntária” (2008b, p. 84), como uma escolha frente ao sistema formal.
Ele “doa” a sua força de trabalho e recebe em troca, além do pagamento em sua forma
monetária, direitos que lhes dão poder de decidir sobre os rumos do seu próprio trabalho
(autogestão). Na Economia Solidária, a dádiva transmitida torna possível ao trabalhador se
fazer sujeito do seu trabalho. No caso de um BCD essa dimensão se estende, ao fato de
atender há um bairro, uma comunidade ou uma cidade, ou seja, pessoas que mesmo não
trabalhando diretamente em seu dia-a-dia podem fazer usufruto do mesmo.
O sucesso foi tanto que houve a necessidade do Banco Palmas, até então um projeto da
ASMOCOMP, passasse a fazer parte de uma Organização da Sociedade de Civil de Interesse
Público (OSCIP). Para isso criaram o Instituto Palmas, que tem objetivo de trabalhar com
transações financeiras maiores e servir de suporte para criação de outros BCD´s. Aliás, como
conseqüência de seus resultados ele tem sido freqüentemente requisitado para dar fomento e
assessoria para outros BCD´s tanto no Brasil como em outros países44.
No entanto, foi preciso superar alguns obstáculos. A ASMOCOMP já foi processada
duas vezes pelo Banco Central por ter colocado em circulação uma moeda paralela a nacional,
no entanto, hoje se coloca parceiro, e assinou em 2009 um marco regulatório para moedas
sociais em conjunto com o Banco Palmas45. Em 2005, a Secretária Nacional de Economia
Solidária ligada ao Ministério do Trabalho (SENAES/MTE), passou a apoiar a
implementação de BCD´s no Brasil, mesmo ano em que o governo Venezuelano pediu
assessoria para replicar a experiência no país. Em 2006, foi iniciada a parceria com o Banco
Popular do Brasil (BPB) e posteriormente com a Caixa Econômica Federal (CEF), que
disponibilizam fundos para o microcrédito orientado e também postos de pagamento de
46
faturas, conhecidos como “correspondentes bancários” . Até o final de 2012 o Governo

44
Desde 2004 em parceria com o governo Venezuelano, foram construídos mais de 3000 BCD´s naquele país,
segundo a metodologia do Banco Palmas, (2009d, p. 33).
45
Para mais informações consultar: www.bcb.gov.br/microfinancas/arquivos/horario_arquivos/apres_116.pdf.
Contudo, ainda não existe uma lei que regularize sua circulação. Acessado no dia 07 de junho de 2013.
46
Correspondentes bancários são máquinas que as agências bancárias disponibilizam em áreas de difícil acesso
para os Bancos Convencionais. Existe uma polêmica sobre sua utilização. Mesmo sendo uma forma de obtenção
de fundos para os BCD´s, também são vistos como forma de precarização do trabalho bancário. Inclusive o
deputado federal Ricardo Berzoini (PT-SP), apresentou um projeto para limitar sua atuação. Disponível em:
33

Federal registrou a existência 8147 BCD´s em atividade por todo Brasil. Eles estão dentro da
“Rede Brasileira de Bancos Comunitários de Desenvolvimento” 48, criada pelo Banco Palmas
para troca de conhecimentos, experiências e discussão sobre desafios futuros.

3.1 Algumas reflexões sobre o fomento e gestão de Bancos Comunitários de


Desenvolvimento.

A experiência bem sucedida do Banco Palmas o tornou um grande chamariz para


realizações de projetos para desenvolvimento de trabalho e renda. Hoje, através da sua forma
jurídica, o Instituto Palmas, é responsável pelo resguardo de todos os BCD´s existentes na
Rede Brasileira de Bancos Comunitários. Concedo-lhes o marco legal para utilização de
moedas sociais e a utilização de outros serviços como os correspondentes bancários.
Já foi dito que a partir de 2005 a SENAES ligada ao MTE passou a dar fomento a
criação de outros BCD´s pelo Brasil, o que causou um grande crescimento de iniciativas desse
tipo pelo Brasil. A título de curiosidade até o ano de 2006 eram contabilizados a existência de
apenas 12 BCD´s na Rede Brasileira de Bancos Comunitários (INSTITUTO PALMAS, 2006,
p. 54) em julho de 2013, segundo dados Instituto Palmas, existem 103 BCD´s na rede de
Bancos Comunitários.49. Além disso existem Incubadoras Sociais, ong´s e prefeituras que
fazem esse trabalho de fomento.50 E natural que com a expansão de iniciativas como essa pelo
Brasil, as formas de constituição também vão se variando. Há sem dúvida um grande leque
sobre experiências de implementação de Bancos Comunitários. Até porque o processo de
fomento de BCD´s a maioria desses processos ocorre de forma exógena, isto é, sem
inicialmente o projeto ser uma reivindicação da comunidade.
Existem ao todo sete condições recomendas - o que não significa ser uma regra geral -
feitas pelo Banco Palmas para o fomento, de Bancos Comunitários: 1) Uma comunidade
organizada e uma instituição da sociedade civil para receber o projeto; 2) Disponibilidade de

www.1folha.uol.com.br/mercado/960724-banco-central-pode-discutir-mudanca-em-correspondente-
bancario.shtml. Acessado no dia 03/02/2013.
47
“Brasil já possui 81 bancos comunitários formalizados”. Portal Brasil, disponível em:
http://www.brasil.gov.br/noticias/arquivos/2012/12/13/brasil-ja-tem-81-bancos-comunitarios. Acessado no dia
01/02/2013.
48
Existem ainda outros Bancos Comunitários de Desenvolvimento que não estão registrados na Rede.
49
Disponível em: www.inovacaoparainclusao.com/index.html. Acessado no dia 13 de julho de 2013.
50
São os casos da UFBA e da USP que possuem incubadoras de empreendimentos populares. O Banco Bem no
Espírito Santo foi organizado por uma ONG. E existem inúmeros casos de prefeituras no Brasil que fomentaram
BCD´s em cidades ou bairros.
34

espaço físico e insfraestrutura; 3) Disponibilidade de no mínimo duas pessoas para


trabalharem no Banco; 4) Recursos para crédito produtivo em média de R$ 30.000,00; 5)
Recursos para lastro da moeda social, em média de R$ 5.000,00; 6) Recursos para captação
do público que irá trabalhar no Banco; 7) Recursos de infra-estrutura, móveis, e material de
consumo, além de material de divulgação e confecção de moedas sociais.51 Apesar de não ser
uma condição necessária o Instituto Palmas também recomenda que o público atendido não
ultrapasse 50.000 pessoas.52
Grosso modo, “apenas” esses fatores seriam condições suficientes para abertura de um
BCD. Contudo, ainda será necessária a realização de seminários para sensibilização dos
moradores, instituições e poder público, além de prever a forma como cada um poderá atuar.
Também é importante que se realize formações sobre economia solidária para os
participantes. Além do treinamento da equipe gestora do Banco. E mais importante os
moradores do território “devem desejar de fato o empreendimento” (2008b, P 22). O espaço
físico do BCD é simples. São necessárias apenas duas salas: Uma para atendimento e outra
para o Caixa. O ideal é que este seja cedido por alguma associação comunitária ou outra
entidade da sociedade civil. No pior dos casos, é possível – dependendo da quantidade de
recursos – alugar um imóvel para ser a sede do Banco.
Da mesma forma como foi abordado no primeiro capítulo, sendo os BCD´s uma
manifestação da economia solidária, implementá-lo exige um “esforço extra” (2002a, p. 19)
dos agentes engajados no processo. É comum que pessoas envolvidas no processo desejam
uma “emancipação social” ou o desejo de “melhoria coletiva”, muitas vezes se quer apenas
“um trabalho imediato com carteira assinada (2008b, p. 35). A incompreensão dos processos
organizativos de um projeto dessa alcunha traz sempre um risco. Agrava-se a isso o fato de
que muitos deles fomentados por prefeituras têm apenas fins eleitoreiros, onde de fato não
existe um comprometimento para construção de um projeto coletivo de desenvolvimento que
vise a democratização econômica.
Adiciona-se outro dado interessante, a maioria dos BCD´s não são necessariamente
autogestionários, nos moldes da economia solidária. Possui sim um grande diálogo e
participação popular nos processos de avaliação, liberação de crédito e fomento de outros
projetos realizados pelo grupo gestor, mas de fato não o administram. Isso fica nítido nos
materiais produzidos pelo Instituto Palmas, onde as palavras “gestora” ou “proprietária” –

51
Todas essas informações se baseiam em oficinas de treinamento oferecidas pelo Instituto Palmas.
52
2006, p. 11.
35

referindo-se a comunidade – são comuns para enunciar a participação da população, mas ao


mesmo tempo, sempre se dá ênfase a necessidade de uma entidade gestora, para organizar e
tomar decisões cotidianas.
Inclusive nas próprias oficinas do Banco Palmas, se recomenda a divisão de funções
para realização do trabalho, por exemplo, existem pessoas que são responsáveis pela abertura
e pelo fechamento do Caixa, assim como existem outras responsáveis pelo atendimento com o
público. Isso não anula a importância que essa iniciativa desempenha nos territórios
atendidos, talvez caiba uma crítica as conceituações de Economia Solidária sobre a forma de
implementações de projeto desse tipo. Elegeu-se a cooperativa de produção como “modelo
53
padrão” e de certa forma todo desdobramento teórico sobre suas formas de organização se
pauta por esse modelo. De fato em uma cooperativa é bem possível que os membros
54
trabalhem em funções fixas, mas sé recomendado um “rodízio a cada 3 ou 4 meses” para
que todos possam ter acesso a completude de experiências de trabalho no empreendimento,
para não acabar “como um simples produtor de tarefas dividas” (1987, p. 28).
Um BCD apresenta distinções nítidas para uma cooperativa de produção. Um exemplo
é o fato de não existir a figura do “sócio”, portanto não existe a retirada da “sobra”, que lhe
diz respeito depois de determinado tempo de trabalho. Por isso, também a cooperativa de
produção apresenta um risco de descapitalização (1987, p. 77). Afinal, quando o sócio, deixa
a cooperativa ele leva “uma parte do seu fundo “(2002, pp. 14-15) As pessoas que trabalham
no BCD são remuneradas pelo trabalho que fazem de forma assalariada55. Isso se deve a
dinâmica própria do empreendimento e o contexto social e histórico que está inserido.
Ainda assim é problemático argumentar que não existe autogestão em um BCD.
Afinal, “são as relações de produção existentes que definem o empreendimento e não sua
forma jurídica” (2008b, P. 25). Seu modelo de constituição está em diálogo constante com os
moradores, sua própria existência e seu sucesso se devem a confiança e participação que se
deposita na iniciativa. Pode-se até implementar – como se tornou comum – Bancos que sejam
imposições do poder público, mas não irão adiante caso não sejam realmente compreendidos
e desejados pela população local. É possível perceber uma semelhança muito maior com o
modelo de autogestão clássico, pensado na Iugoslávia que tratava os empreendimentos como
“propriedade social”, ou seja, autogestão se realiza pela “participação e pelo controle, não à
propriedade”, (1987, p. 68). No caso do Banco Palmas, existem experiências como a do

53
Loc. Cit. 2002a, p.9.
54
Loc. Cit. 2008b, p. 86
55
Dependendo do recurso disponível às vezes a remuneração atende a CLT.
36

FECOL56, onde os moradores têm a possibilidade de se reunir semanalmente para debater


diversos assuntos, seja sobre projetos do Instituto Palmas e da ASMOCOMP, seja sobre a
inadimplência ou a liberação de um empréstimo ou questões pela qual a associação deve se
posicionar perante o poder público. Isso mostra que BCD é uma instituição aberta para
participação dos moradores. O possui caráter “deliberativo” (2006, p. 7), portanto todas suas
decisões são unânimes. Nesse sentido, se percebe sim a existência de uma construção
autogestionária.
No entanto é preciso lembrar que uma instituição como o Banco Palmas possui 15
anos, e foi fruto de um processo endógeno57. A autogestão não é segundo Venosa, apenas uma
“opção ideológica”, precisa ser também “opção prática” (1987, p. 23). Por isso, para que de
fato a população participe do BCD, é necessário que esteja “minimamente organizada”
(2008c, p. 23), ou seja, é preciso que haja uma instituição comunitária que seja aceita pelo
bairro e mantenha um diálogo aberto com os moradores sobre suas iniciativas.
Quando a comunidade não se encontra organizada, a opção é que o BCD “articule os
atores sociais da região (2006, p. 15). Isso sem dúvida aparece como o grande desafio e será
explicito, no próximo capítulo.

56
Loc. Cit. 2008c, p. 25
57
Lembrando que a própria fundação da ASMOCOMP é bem anterior a isso.
37

4 A AUTOGESTÃO NO BANCO SARACURUNA: Um estudo de caso sobre sua


implementação.

Como ficou explicitado no capítulo anterior, BCD´s se tornaram uma importante


ferramenta para desenvolvimento de trabalho e renda em territórios com baixos indicadores
econômicos e sociais. Se tornando inclusive uma política pública58, aplicada pelo governo
federal e também pela outras esferas do poder executivo. Sem dúvida, o aspecto do controle
comunitário se torna um atrativo para que outras iniciativas pensem projetos dessa alcunha.
Um bom exemplo é o BPB, que fez um acordo com o Banco Palmas, para que através
do BCD fossem concedidos créditos em áreas carentes, onde os bancos convencionais
tivessem pouca abertura de mercado59. Outro exemplo, acontece no Banco Bem, em Vitória,
Espírito Santo, onde fizeram um acordo semelhante só que com a CEF.
A partir dessa perspectiva, surgiu o interesse da concessionária de energia elétrica de
Niterói, Ampla Energia e Serviços S.A., que desejava diminuir o número de clientes
60
inadimplentes e o “furto” de energia em regiões onde a empresa não tinha entrada
significativa. O departamento de responsabilidade social – “Consciência AMPLA” – se
interessou pelo projeto de BCD´s justamente pela proximidade que o mesmo possui com
comunidades atendidas. Seria de certa forma, uma ferramenta ideal para a empresa conseguir
elevar as taxas de pagamento de energia nesses espaços.
Ao se deparar com isso existe uma questão dúbia: Como implantar um projeto
comunitário que envolve uma grande participação local, se a empresa por si só, não é
“querida” ou “mal vista” pelos moradores? Seria necessário um intermediário entre a empresa
e a comunidade, para que tal projeto fosse viável. Para isso a Ampla em meados de 2010
procurou a Incubadora de Empreendimentos em Economia Solidária da Universidade Federal
Fluminense (IEES/UFF), um núcleo de extensão universitária com um longo histórico de
atuação em incubação a empreendimentos de Economia Solidária61, para viabilidade do
projeto. Que por sua vez, por não ter experiência de assessoria a BCD´s, apenas cooperativas,
pediram a consultoria do Banco Palmas como auxílio.
A concepção da empresa sobre o projeto era simples e direta: a construção de um
projeto de geração de renda em áreas onde a inadimplência no pagamento pelo uso da energia
elétrica é alta, para que, portanto esse índice diminua. No projeto a empresa manteve o papel

58
Loc. Cit., 2009d, p. 33.
59
2008c, p. 17.
60
Esse é o termo técnico utilizado pela empresa, para “roubo de energia”, popularmente conhecido como “gato”.
61
França (2008) e Castro (2008), explicam a história e a metodologia da IEES/UFF.
38

de patrocinadora evitando o contato direto com a comunidade, deixando esse papel para a
IEES/UFF, sendo portanto sua função fazer a assessoria de implementação do projeto. Apesar
de intencionalmente se distanciar do processo, e não interferir na metodologia da IEES-UFF,
a AMPLA, em diversos momentos do colocou demandas e interveio em seu andamento,
defendendo algum interesse. De certa forma, por se manter na postura de “patrocinadora”, não
importava diretamente o tipo de gestão que seria feita no BCD, importando apenas de fato a
“eficiência técnica” dos serviços prestados, sendo convertido posteriormente na queda do já
citado “furto” de energia e também no aumento do pagamento das faturas.
O que motivou a coordenação da IEES/UFF a aceitar o convite da AMPLA foi o fato
que pela primeira vez ela teve o apoio financeiro ideal para o fomento de um empreendimento
de economia solidária. Apesar de nunca ter fomentado BCD´s a proposta era bastante atrativa
e representava uma boa chance de disseminar a proposta em um setor tão estratégico com o
das finanças solidárias. A condição proposta para aceitar o convite foi de construir o projeto
nos moldes da economia solidária: Portanto um empreendimento “igualitário e democrático
para organizar as relações econômicas” (2002a, p. 16), para isso deveria ser autogestionário.
Diferentemente, de outras incubadoras universitárias ou outras agências de fomento a
IEES/UFF sempre destacou a necessidade da presença quase diária da entidade assessora com
o público que dialoga. A presença constante fortalece os vínculos entre “incubadores e
incubados”. Isso representa um custo adicional que reflete a forma como esses projetos são
pensados, na maioria das vezes o orçamento para equipamentos é muito maior do que para
capacitação técnica e de formação em economia solidária, tanto para a equipe gestora quanto
para o público alvo62.
Acertado esses detalhes a proposta do projeto era construir dois BCD´s, em territórios
onde possuíam dificuldade de abertura para sua entrada e ao mesmo tempo por exigência da
IEES, locais que além de carentes economicamente também possuíssem uma razoável
associação entre os moradores. Ficou decidido a princípio que os locais seriam o morro do
Preventório, no bairro de Charitas, Niterói/RJ e outra comunidade na cidade de Magé na
Baixada Fluminense. No entanto, esta segunda foi descartada pela “invasão” do tráfico a
comunidade, após a ocupação do poder público do morro do Alemão, gerando sua expulsão e
migração para outros lugares.63 No seu lugar, foi escolhida a comunidade Parque Esperança,
que fica no bairro de Saracuruna, na cidade de Duque de Caxias/RJ. Pois segundo

62
Loc. Cit. 2008b, p. 38
63
Disponível em: www.noticias.uol.com.br/cotidiano/ultimas-noticias/2012/09/11criminosos-que-fogem-de-
areas-pacificadas-se-reorganizam-em-outras-favelas-do-rio-diz-cabral.htm. Acessado em 03 de julho de 2013
39

funcionários da “consciência AMPLA”, aquela localidade havia sido fruto de uma ocupação
popular organizada, o que facilitaria a implantação do BCD.
A metodologia de trabalho da IEES/UFF presume uma aproximação com o público, a
ponto de ele ser realizadora do projeto, cabendo a Incubadora o trabalho de “assessoria” ou
64
“incubação” , portanto presume-se a aproximação das “lideranças locais” ou pessoas
aclamadas como tal. O próximo passo era a composição da equipe de bolsistas que fariam o
trabalho de campo direto nas comunidades. Foram selecionados alunos dos cursos de Ciências
Sociais, Economia, Filosofia, Psicologia, Serviço Social e Geografia. Sendo nove ao todo, três
no Preventório e quatro para Saracuruna.
Inicialmente o projeto teria um ano de realização, sendo dividido em três fases:
Sensibilização (janeiro a abril), Capacitação (maio a julho), Inauguração e consolidação
(agosto a dezembro).
Durante a manhã do dia 17 de dezembro de 2010, ocorreu na UFF a primeira reunião
que daria início ao projeto. Haviam duas pessoas assumidas como lideranças comunitárias do
Preventório e uma do Parque Esperança. Ali também estava presente Joaquim Melo,
presidente do Instituto Palmas e Coordenador Institucional do Banco Palmas. A tarde houve
um almoço com o staff da “Consciência Ampla”, para falar sobre suas expectativas ao projeto.
O representante do Parque Esperança chamava Jorge65, e foi identificado como uma das
principais lideranças do local. Foi a partir desse contato que a equipe IEES/UFF começou sua
entrada no local.

4.1 A Chegada em Saracuruna:

No dia 27 de janeiro de 2013, aconteceu a primeira visita da equipe IEES/UFF em


Saracuruna. Ao pegar o trem percebe-se o quão distante o local é, não apenas do Rio de
Janeiro, mas do centro de Duque de Caxias, sendo um bairro do segundo distrito Campos
Elíseos66. Ao longo do caminho o que se vê vastos terrenos pantanosos, havendo espaços
urbanizados próximo a estações. A ocupação urbana de Saracuruna apresenta um aspecto
interessante, por ser um bairro que abriga dentro de si outros sub-bairros ou comunidades.
Pode-se citar o atual centro, conhecido como Parque Uruguaiana, Vila Urussaí, Parque
Independência, Parque Esperança, todos ao lado esquerdo da linha do trem. Enquanto do lado

64
Loc. Cit. Nota 19.
65
Nome fictício, que será dado às demais pessoas citadas nesse trabalho.
66
Mapa de Duque de Caxias, Anexo I
40

direito ficam Parque João Pessoa, Cângulo e Ana Clara67. É curioso notar que alguns deles,
têm o nome dado pelos moradores, mas “oficialmente” não se consta dessa forma. Justamente
por essas classificações dúbias em relação ao território, é difícil determinar ao certo sua
população68.
O bairro de Saracuruna nasce da “venda da Fazenda Rosário por Francisco Vieira
Neto a Jaime Fichman” na década de 1940 (BATISTA, 2011, p. 81). A primeira área a ser
ocupada é onde se localiza a Vila Urussaí. A maioria dos loteamentos na região era feito de
forma ilegal e algumas vezes inclusive, com facilidades pelo poder público. A empresa
responsável era a “Melhoramentos Imobiliários” - ligada a Jaime Fichman - começou a lotear
as proximidades do Rio Saracuruna com a rápida derrubada das matas ali existentes.
A princípio, esses terrenos não tinham muita procura; algo que muda com “a
promessa do governo municipal de levar saneamento à região no final dos anos 40”
(ALMEIDA; BRAZ; 2010, p. 88). Cumprida precariamente, esta expectativa serviu muito
mais como um motivo de propaganda para que as imobiliárias estimulassem a procura por
terrenos. Na Vila Urussaí, por exemplo, região longe de ser a ideal para habitação, por ser
bastante propícia a alagamentos, a solução encontrada para amenizar o problema foi a
construção de uma barragem que, contudo, mostrou-se ineficaz para conter as águas (2011, p.
83). Percebida sua inaptidão o centro do bairro foi mudado, para onde hoje é o Parque
Uruguaiana.
Nessa região já existia a Leopoldina Railway, que passava pelas terras do antigo
dono Francisco Vieira Neto. Por acordo com o poder público69, foi aberta a parada de trem
conhecida como “Rosário”, que em 1928 seria elevada à condição de estação. É importante
situar o leitor para que entenda a importância da Leopoldina Railway. Atualmente é
conhecida como o ramal Saracuruna da Supervia: saindo do centro do Rio de Janeiro,
cortando o subúrbio, passando pelo centro de Duque de Caxias e alcançando o segundo
distrito, até o ponto final na estação Saracuruna. Conseqüentemente, o fato de existir uma
estação de trem na região era o ideal para que as imobiliárias começassem a lotea-la.
Devido à precariedade de serviços locais, a população se via obrigada a se deslocar
ao centro de Duque de Caxias ou ao Rio de Janeiro, para conseguir itens de necessidade.
Apesar disso, as linhas de ônibus se mostravam precárias. Por isso, para um deslocamento
mais rápido do que a ligação rodoviária através da Rio-Petrópolis, o trem se mostrava como

67
Anexo II.
68
Segundo o IBGE, a população do bairro varia entre 35 mil a 50 mil pessoas.
69
O acordo era fazer um bar dentro da estação que seria gerido pela família do proprietário. Para mais
informações (2011, p. 84).
41

uma alternativa mais eficiente, como ainda o é atualmente. Apesar da importância, até hoje os
ramais funcionam de maneira problemática com muitos acidentes, e as más condições das
estações, justificando os “quebra-quebras” de trens, assaltos e revoltas contra as empresas,
mesmo que atualmente com freqüência menor.
É importante lembrar, que Saracuruna é resultado da ocupação desordenada e da
exploração através da especulação imobiliária, que assolou toda Baixada Fluminense
(chamada na época Iguassu) na década de 1940. No começo do século XX a região de Merity
(onde hoje é Duque de Caxias), chegou a contar com apenas 800 habitantes, pois em
decorrência dos surtos de malária a população caiu drasticamente. O quadro só voltaria a
mudar na década de 1930, quando o censo populacional registrou 28.756 pessoas70.
O motivo da rápida recuperação populacional se deu em conseqüência da queda da
atividade agrícola, e pelo aumento da industrialização ocorrida no país nas décadas de 1910 e
1920. Camponeses que nada mais tinham em seus estados natais vão tentar a vida na “cidade
grande”, a então capital federal Rio de Janeiro. Os planos para região reivindicados pelas
elites locais ao ver suas propriedades sendo desvalorizadas é o renascimento da atividade
agrária na baixada fluminense para abastecimento da capital. Contudo, os planos agrários
iniciados pela administração federal getulista não foram concretizados, pois “o capital
fundiário perdeu espaço para a especulação imobiliária que varria a região”. (2010, p. 51)
Somaram-se a esses migrantes; negros alforriados, brancos e pardos pobres além dos
imigrantes europeus que rumaram ao Brasil no início do século XX. Todas estas pessoas a
mercê das fatalidades sociais, como morar em casebres em condições insalubres, se viam
pressionados a buscar os morros e os bairros de subúrbio, graças à revitalização do centro do
Rio de Janeiro. Foi apenas questão de tempo para que essa massa expurgada do centro da
capital federal chegasse até a Baixada Fluminense, ou seja, em grande maioria são essas
pessoas que irão morar em Duque de Caxias, por conseqüência, também em Saracuruna.
Fica evidente que Saracuruna foi apenas um dos bairros que viveram e sofreu o
processo loteador que devastou toda a Baixada Fluminense. Mudado seu caráter de rural para
o urbano e diante das pressões impostas pelas elites locais e pelo poder público, pode-se
perceber como essa demanda popular foi explorada pelas autoridades e pelos empreiteiros
oportunistas, que colocaram a população refém do clientelismo político e da troca de
favores71. E muitos desses fatos perduram até os dias atuais.

70
2010, p. 35.
71
Questões como as citadas acima são exemplares para se entender o porquê da região enfrentar problemas
sociais e econômicos que perduram até os dias de hoje. Inclusive o nome mais notório da política na Baixada
42

De todas as comunidades do bairro, o Parque Esperança foi a mais recente e também o


local de início do projeto. Os bolsistas, entre eles o autor desse trabalho, se encontraram com
Jorge para divulgação. Uma “comunidade”, que fica distante do “centro” do bairro de
Saracuruna. Aliás, se tinha pouquíssimas informações sobre a localidade, ao contrário do
Preventório onde já havia um conhecimento prévio72. Diferente do imaginário da equipe
aquele local não correspondia ao ideia que se tem de “favela”. Todas as casas eram de
alvenaria, com ruas abertas e espaçadas. Foram percorridas algumas ruas para divulgação do
projeto, onde o “pessoal da UFF” era apresentado aos moradores. Ao passar pelas casas eram
colados cartazes com os seguintes dizeres: “Você quer ser dono de um Banco? Saiba como na
Associação de Moradores do Parque Esperança, sábado, dia 29 de janeiro às 9h00”.
Na primeira reunião o houve um quórum de 10 pessoas. As maiorias residentes antigos
da comunidade, com variância de 8 a 14 anos de moradia. Isso foi algo que se repetiu na
reunião seguinte, mesmo com a mudança de algumas pessoas. Esse grupo era
predominantemente de aposentados ou pessoas idosas. No entanto, a partir da terceira reunião,
houve uma queda de participação na reunião chegando a apenas 4 pessoas. O que é algo muito
comum, segundo França (2008b, p. 35) que em “projetos de geração de trabalho e renda, as
pessoas buscam um emprego” e por isso o espaço de reunião se esvazie. Além disso, a
maioria dos membros se colocava como “parceiros”, mas sem inclinação nenhuma para
assumir alguma responsabilidade. Inclusive por deliberação, pedido dos próprios moradores, o
projeto foi expandido para outras comunidades de Saracuruna. Com isso o Banco que deveria
ser apenas do Parque Esperança foi expandido para duas outras localidades, a Vila Urussaí e o
Parque Independência. A IEES/UFF não se opôs, pelo número ínfimo de atividades
produtivas desenvolvidas na região, não havia de fato um comércio local. Os moradores
geralmente faziam suas compras no “centro de Saracuruna”. Por isso, não haveria comércios
ou serviços para aceitar a futura moeda social.
Foi nesse ponto que a equipe IEES/UFF, se deparou com o primeiro problema, que
mais tarde mostraria ter um desdobramento muito importante: A definição de “comunidade”
dada pelos moradores. Isso sempre apareceu como algo dúbio, ora comunidade era apenas o
Parque Esperança, ora também o era em conjunto com as comunidades no entorno ou então o
Bairro de Saracuruna como um todo. Outro ponto importante foi que aos poucos Jorge foi se

Fluminense, Tenório Cavalcante, é uma figura dúbia. Classificado por Almeida e Braz (2010) como um líder
“paternalista e populista” foi muito querido pelo povo apesar das inúmeras acusações de corrupção, suas gestões
foram marcadas por assistencialismo, personalismo e troca de favores.
72
Já havia pessoas militantes em economia solidária, que participaram de cursos de formação da IEES/UFF.
Além de uma das coordenadoras do projeto ter realizado sua dissertação de mestrado sobre Preventório.
43

revelando reticente ao Banco, demonstrando medo de assumir alguma responsabilidade e


acabar “tudo nas suas costas”. Ao ponto, de que aconteceu uma interpretação errônea por
parte dos incubadores de que a sede do BCD seria na associação de moradores do Parque
Esperança (lembrando que o BCD não existe juridicamente, ele deve ser projeto de alguma
instituição comunitária). A idéia rechaçada por Jorge, que respondia como representante da
associação. Afirmando que a mesma possuía dívidas que totalizavam 5 mil reais, não possuía
inscrição estadual e havia muitos diretores “não participam de nada, só queriam reclamar” e
por isso não concordariam com o projeto.
Ainda assim, expandir o BCD para outras localidades se mostrou ineficaz, pois de fato
as pessoas identificadas como “lideranças”, demonstravam apenas o desejo de proveito
próprio e muitas vezes eleitoreiro, para obtenção de capital político através da iniciativa. Com
um número pequeno de pessoas para trabalhar no Banco, foi acordado entre os presentes na
reunião a divulgação de uma informação que deveria ser divulgada posteriormente: O fato de
o projeto prever remuneração para as pessoas que trabalhassem nele. A fase de sensibilização
estava acabando e o público sensibilizado era muito pequeno.

4.2 A Constituição da “Equipe Gestora” do BCD Saracuruna:

O fato de haver remuneração para aqueles que trabalhassem no BCD, gerou certo
murmurinho entre os participantes, Jorge avisava: “Essa associação vai ficar cheia, mais a
qualidade vai cair”, dizia temendo que pessoas se aproximassem apenas visando o emprego.
Também havia um atrativo extra, pois o emprego seria de acordo com o conjunto de leis
trabalhistas (CLT). Ele e outros participantes acabaram sendo convencidos pelos assessores
da IEES/UFF de que as pessoas que desejassem apenas um “emprego”, não agüentariam ficar
durante todo cronograma de atividades sem receber nada. Pois, o que na época foi chamado
de “ajuda de custo”, só ocorreria quando os trabalhos do BCD se iniciassem após a
inauguração73.
Com isso, começou a se construir aqueles que seriam os futuros trabalhadores do
Banco. A idéia seria que a partir do dia 30 de abril, fosse o fim da fase de sensibilização e
início da capacitação. O objetivo era a formação de algo em torno de 20 pessoas. Não sendo
somente para aquelas que trabalhassem no BCD, mas também para outros que se colocassem
como “parceiros” na divulgação e sensibilização de outras pessoas do bairro. O critério

73
A reunião em que esse fato ocorreu foi no mês de abril, na época, segundo o cronograma de atividades a
inauguração do Banco, seria pensada para Agosto.
44

estabelecido para seleção era que fossem chamadas pessoas de confiança dos antigos
moradores.
De fato, o anúncio atraiu mais pessoas que foram chegando aos poucos nas reuniões,
sendo que apenas cinco permaneceram durante toda formação com o intuito de trabalhar no
Banco. Miriam, Joana, Isabel, Olga e Vitor e Alexandre.
Mirian tinha 27 anos, era divorciada e tinha dois filhos. Era dona de casa, já tinha fez
serviços como doméstica, nunca teve experiências formais no mercado de trabalho, morava
com os pais. Joana tinha 31 anos, era casada e tinha um filho. Tinha dois “bicos” para
conseguir dinheiro: vendia salgados feitos em casa e também tinha um emprego de meio
período como cuidadora em uma creche. Isabel era uma jovem de 17 anos, estudante do
ensino médio, solteira, morava com os pais e não teve experiências formais no mercado de
trabalho. Alexandre tinha 16 anos e um perfil parecido com o de Isabel: estudante, solteiro,
sem filhos, morava com os pais e sem experiências de trabalho. A única exceção foi Olga, que
já participava de reuniões anteriores, havia presidido uma associação de moradores na Vila
Urussaí, era militante da economia solidária no Fórum Popular de Economia Solidária de
Duque de Caxias. Tinha 3 filhos, viúva, se sustentava através de uma pensão deixada pelo
marido e fazia artesanato, bijuterias e quitutes para complementar sua renda. Percebe-se que
nenhuma das pessoas teve uma experiência “formal” no mundo do trabalho com carteira
assinada.
No entanto, nenhumas dessas pessoas demonstravam interesse ou possuíam
experiência associativa para gerir o banco. Era nítido que com exceção de Joana, que se
mostrava proativa nas reuniões, e de Olga, que já tinha experiência com trabalho comunitário.
A maioria freqüentava as reuniões mais pelo desejo de um trabalho, do que propriamente para
formação constitutiva do Banco.
Esses fatores fizeram com que mais uma vez fossem buscadas novas pessoas para
participarem do projeto. Houve durante os meses de abril e maio um grande questionamento
sobre qual seria a entidade que poderia ser parceira, recebendo o BCD. A maioria das
associações buscadas existia apenas formalmente, não tendo uma reunião há anos. Foi então
que se conseguiu contato com a Associação dos Aposentados de Saracuruna (APOPENSA).
De todos os “possíveis parceiros” que se buscaram até o momento, foi a APOPENSA
quem mais se mostrou solicita e aberta ao debate, chegando a ponto de se cogitar a
implementação do BCD no espaço, se utilizando o CNPJ que ela possuía. Era uma associação
ativa, havendo reuniões uma vez por semana aos sábados. Houve um interesse inicial em
estabelecer parcerias, tanto que as duas oficinas técnicas previstas no projeto para serem
45

dadas por Joaquim Melo do Instituto Palmas ocorreram naquele espaço. É preciso destacar
que diferentemente das outras associações procuradas, a APOPENSA, ficava no Parque
Uruguaiana, o assim chamado “centro” de Saracuruna, ou seja, o local onde possuía mais
comércios, próximo a linha do trem, e segundo os próprios moradores o “mais rico”. Neste
espaço agregou-se uma série de pessoas que até então, nada sabiam sobre BCD´s, gerando um
contraste ao núcleo de moradores que vinham trabalhando com a IEES/UFF há mais tempo.
Foram sendo jogadas uma série de demandas, que divergiam dos participantes mais antigos. E
da mesma forma como no caso da divulgação em outras localidades, ocorreu o aparecimento
de supostas “lideranças” que tinham mais interesse em usar o Banco para interesses próprios
do que para interesses comunitários.
Além disso, pode-se destacar concretude que o projeto ganhou. A partir da exposição
de Joaquim Melo sobre o Banco Palmas, ouviram-se comentários como “existe mesmo”, “é
de verdade”. Também foram escolhidos os nomes do Banco Comunitário e da moeda social.
Um processo bastante lúdico, ocorrendo a partir de uma dinâmica onde vários moradores se
levantavam e ficavam em círculo e faziam suas propostas. Joana propôs que a moeda se
chamasse “Esperança”, em homenagem a comunidade onde o projeto foi iniciado. Também
foram propostos os nomes “Rei” (um trocadilho com “real) e “saracurunense”. Mas o nome
que realmente foi aclamado como alcunha da moeda social foi a “saracura”, em homenagem a
ave que dá nome ao bairro74. Para o nome do Banco foram pensadas duas propostas, uma
senhora propôs “saracurunense”, mas todos votaram na proposta “saracura”, proposta por
Jorge. Ao ponto da tal senhora na hora da votação retira-la. Dessa forma no dia 14 de maio de
2011, o “tal Banco” passou a se chamar Banco Comunitário de Desenvolvimento de
Saracuruna” ou simplesmente “Banco Saracuruna”, e sua moeda social se chamou “saracura”.
Importante notar que o BCD que inicialmente deveria ser apenas da comunidade Parque
Esperança, abrangendo posteriormente Parque Independência e Vila Urussaí, com a
realização de reuniões no “centro” surgiram novas pessoas de outras localidades que
reivindicaram uma maior abrangência do projeto, ao ponto do BCD abranger todos os bairros
de Saracuruna.
Passada essa euforia, os membros da APOPENSA não concordaram em ceder o
espaço e seu CNPJ para o BCD, alegando haver problemas judiciais em relação à posse do

74
Segundo Batista (2011), seu nome originado pelo grande número de aves Saracuras Unas (saracuras pretas) –
ave que habita regiões pantanosas - chamadas popularmente de “saracurunas”.
46

terreno. Ficou então decidido que seriam reunidas sete pessoas75 para fundação de uma nova
associação para abrigar o Banco Saracuruna. O projeto entrava no mês de junho76, com a
inauguração prevista para agosto, havendo apenas três pessoas para composição da diretoria.
Durante as formações dadas pelo Banco Palmas, na APOPENSA, havia um senhor que se
mostrou participativo fez questionamentos importantes, e por isso chamou a atenção da
IEES/UFF. Era Hugo, tinha 62 anos, casado, com dois filhos, ferroviário aposentado, com
grande atuação em movimentos sindicais e associações comunitárias, era membro da
APOPENSA, morou muitos anos em Saracuruna, atualmente reside no bairro vizinho Jardim
Primavera. Mostrou-se disposto a participar da fundação do Banco e com ele trouxe outro
nome importante.
Marcio foi apresentado à equipe IEES/UFF por indicação de Hugo. Têm 32 anos,
casado com um filho, professor de história e coordenador de um projeto comunitário. Por ser
professor sempre pedia livros didáticos extras para as escolas onde trabalhava. Ficando sem
espaço em casa, começou a empilhá-los na varanda. E para sua surpresa, as pessoas paravam
para ler. Foi então que surgiu a ideia: “Porque não fazer uma biblioteca?”. E assim começou a
recolher livros, chegando a ponto de não haver mais espaço em sua casa. Buscando a ajuda de
amigos, conseguiu fazer uso de um terreno com um galpão no Cângulo, comunidade onde
mora. Foi então, em 2005, que nasceu a Biblioteca Comunitária Solano Trindade (BCST).
Hoje, é uma instituição com reconhecimento nas três instâncias de poder (municipal, estadual
e federal), que recebe apoio da Prefeitura de Duque de Caxias como reconhecimento por suas
atividades em “pró da leitura na cidade”, oferecendo cursos de pré-vestibular e oficinas, sendo
também núcleo de resgate da “cultura negra e popular”.
Na reunião do dia 11 de junho de 2011 tudo indicava que seria feito o anúncio da
paralisação do projeto por não haver pessoas suficientes para integrar a diretoria do Banco,
com a entrada de Hugo e Marcio o projeto ganhou um fôlego adicional. Finalmente no dia 18
de junho de 2011, ocorreu a assinatura do Estatuto e da Ata de Fundação da Associação para
o Desenvolvimento Solidário de Saracuruna, ou simplesmente: “Saracuruna Solidária”. A
composição dos membros ocorreu da seguinte forma: Hugo (presidente), Jorge (vice), Marcio
(Tesoureiro), Valdomiro (secretário), Alberto (Conselheiro Fiscal), Isabel (Conselheira Fiscal)
e Joana (Conselheira Fiscal). Por mais que fosse destacada a autogestão para a organização
do projeto, ou seja, os cargos assumidos seriam apenas formais, pois na prática todos
dividiriam as tarefas por deliberações coletivas, havia uma grande preocupação pelas posições

75
Requisito mínimo de pessoas exigido pelos trâmites legais.
76
Já na fase de capacitação dos membros fixos, mas ainda assim, buscando outras pessoas.
47

cujo cada um iria representar institucionalmente. Hugo foi alçado à presidência da associação
por “não haver ninguém para o cargo”, o próprio o assumiu com bastante receio, dizendo em
diversas reuniões “eu não sou presidente, eu estou presidente”. Jorge ficou com a vice-
presidência, pois segundo ele “ninguém liga muito pro vice”, portanto não seria visado pela
posição. Marcio poderia ter sido o presidente, mas ficou como tesoureiro por já ter
experiência com orçamentos na BCST e também por pretender ser candidato a vereador77,
achou que não “pegaria bem sair como presidente”. Valdomiro – morador ainda não citado –
era um militante de economia solidária, membro do Fórum popular de economia solidária em
Duque de Caxias, assim como Olga. Estava desempregado e pretendia trabalhar no Banco,
quando a uma semana da inauguração alegou “problemas pessoais” e manteve apenas o cargo
de secretário. Ele morava no bairro Vila Maria Helena, bem próximo ao de Saracuruna, mas
fazia as “atividades do dia-a-dia no bairro”. Segundo ele, a função lhe agradava, pois já era
desempenhada no Fórum. Para o conselho fiscal, surgiu Alberto que foi indicado por Hugo,
era membro da APOPENSA, casado, tinha um filho, morava no Parque Independência,
trabalhava como vendedor.
É importante citar como Isabel e Joana se tornaram membros da diretoria. Inicialmente
cogitava-se que Olga deveria participar da mesma, pela sua militância prévia na economia
solidária e em outros movimentos comunitários. No entanto, ela possuía uma dívida
aproximada R$ 5000,00 em decorrência de não pagamento de débitos da associação da Vila
Urussaí, cuja qual ela foi presidente. É importante citar que uma das maiores formas que um
BCD encontra para geração de renda são as parcerias com Bancos estatais como o BPB e a
CEF, através da implementação de correspondentes bancários78. Acontece que existe uma
exigência por parte desses Bancos que nenhum dos membros da associação deve estar
respondendo há um processo judicial ou ter o nome protestado no serviço de proteção ao
crédito (SPC). Percebe-se mais uma vez como empresas desejam fazer um “negócio social”
(2006, p. 26), isto é, uma parceria com uma instituição comunitária, não conhecem de fato a
realidade social do público que se deseja trabalhar, fazendo exigências através de mecanismos
burocráticos, que muitas vezes, segundo França “é impossível de ser cumprido por parte do
público alvo” (2008b, p. 23). Joana, também possuía uma dívida no valor de R$ 900,00, a
IEES/UFF concordou em pagar sua dívida com o dinheiro do projeto em forma de

77
Cabe destacar que diferente das demais pessoas que procuravam o projeto com “fins eleitoreiros”, Marcio,
além disso, mostrava ter um interesse real na construção do BCD, somado ao fato de ser coordenador de outro
projeto comunitário de sucesso. Sempre deixou clara para a IEES/UFF e os demais moradores sua intenção de
concorrer a um cargo público.
78
Loc. Cit., nota 47.
48

empréstimo, e em troca ela pagaria em parcelas, sendo que o dinheiro retornaria para o fundo
de empréstimos do Banco Saracuruna. Ainda havia a carência de um nome, devido a urgência,
Isabel que recém havia feito 18 anos, foi escolhida para ser a última participante do conselho
fiscal.
Assim foi fechada constitui-se o chamado “núcleo duro”. Nesse ponto, revelou-se uma
dicotomia mortal para a construção do processo autogestionário. Pelo baixo número de
participantes, somado ao fato de que alguns quererem apenas o trabalho e outros ficarem
impossibilitados por entraves burocráticos, ocorreu a separação entre “diretoria” e
“funcionárias79”. Isso mais tarde se revelaria como uma espécie diferenciada da relação
“patrão” e “empregado”, mesmo que isso não tenha sido verbalizado nas práticas corriqueiras.
No período que se seguiu exigiu-se um grande empenho da IEES/UFF, para a busca de um
aluguel de um imóvel para ser a sede do Banco. Apesar de a tarefa ter sido divida com os
moradores, poucos se empenharam em seu auxílio. Isso também resultou em outro problema,
de fato aquele era o momento para um novo reforço de formação nos valores da economia
solidária, visando equacionar a diferença entre membros recentes e os mais antigos.
Uma das tentativas para superar essas diferenças foi a ida “III oficina de
multiplicadores da metodologia de bancos comunitários”, organizada pelo Instituto Palmas
em agosto de 2011. A IEES-UFF foi convidada e poderia levar duas pessoas de Preventório e
Saracuruna, a sua escolha. A idéia é que na volta as pessoas que fossem auxiliassem as
demais. Em Saracuruna foram escolhidos Hugo e Jorge, escolha que se mostrou errada, pois
poucos aproveitaram do conhecimento técnico e acabaram não fazendo o papel de
multiplicadores da metodologia como esperado.
Após o retorno, somado as oficinas técnicas, as obras do imóvel alugado depois de
bastante dificuldade80, comprometeram todo planejamento em oficinas que deveriam ser
destinadas para formação dos membros em economia solidária. Em grande parte isso se deve
a data de inauguração imposta pela AMPLA, para 13 de setembro (Preventório) e 14 de
setembro (Saracuruna), visando entrar de carona na mídia gerada pela inauguração do BCD
da Cidade de Deus, inaugurado no dia 15 de setembro81. Nesse processo, ficou bem nítida a
separação entre um trabalho administrativo e prático, as “funcionárias” (além é claro de
Alexandre), tiveram uma participação pouco ativa na obra, apenas os bolsistas da IEES/UFF

79
O adjetivo será usado no feminino, por ser um grupo majoritariamente de mulheres.
80
Havia sido encontrado fechado um aluguel para imóvel, no entanto, o dono desfez o negócio as vésperas da
inauguração prevista. Por falta de opções foi alugado um espaço em um lugar desprivilegiado.
81
Disponível em: www.g1.com/economia/2011/09/cidade-de-deus-no-rio-ganha-moeda-e-bancos-proprios.html.
Acessado em 30/06/2013
49

permaneceram como “fiscais” dos trabalhos de reforma no imóvel alugado. Percebe-se que
ocorreu uma “legalidade precoce”82 do projeto, na época muito se falou entre os membros da
Incubadora o “tempo do projeto” e o “tempo da comunidade, em Saracuruna esse
descompasso era muito grande.
No dia 14 de setembro de 2011, aconteceu na Praça Vieira Neto em Saracuruna, a
inauguração do Banco Comunitário de Desenvolvimento de Saracuruna. Uma grande festa
com a UFF, Joaquim Melo representando o Banco Palmas, boa parte do staff da AMPLA,
jornalistas, curiosos e claro os moradores que foram os protagonistas desse projeto.

4.3 A anarquia do trabalho ou “Aqui não tem Patrão”

No dia-a-dia do Banco Saracuruna, começaram a aparecer reflexos das questões


citadas acima. No primeiro capítulo desse trabalho foram estabelecidas algumas condições
necessárias para que um empreendimento possa ser autogestionário nos moldes de um
empreendimento coletivo da economia solidária.
Foi exposto inicialmente que um empreendimento autogestionário, se diferencia
primordialmente de acordo com a maneira como as informações circulam em seu interior. É
preciso, portanto que segundo Singer (2002, p. 7) “as informações e consultas, fluam debaixo
para cima, enquanto as ordens e instruções fluam de cima para baixo”. Isso era necessário
para bom andamento do BCD, para que não houvesse a dicotomia entre “trabalhadoras” e
“funcionárias”.
Mas é interessante notar como no dia-a-dia do Banco Saracuruna, isso não
aconteceu. Um exemplo ocorreu no dia 05 de outubro de 201183, havia uma regra estabelecida
entre todos os membros, sobre a distribuição banners que são fixados em comércios e
serviços parceiros do BCD, para mostrar que aceitam a moeda social. Estes só deveriam ser
entregues após o preenchimento da ficha de cadastro para parceria. Hugo e Marcio –
respectivamente, o presidente e o tesoureiro – apareceram no banco e levaram dez banners, no
entanto, não levaram as fichas de inscrição, alegando que eram “pessoas amigas”, não
havendo esse tipo de problema. Tal atitude gerou indignação nas trabalhadoras, especialmente
em Olga, que relatou: “a gente [as trabalhadoras] temos que obedecer as regras, mas a
diretoria não”. Outro exemplo aconteceu no dia 23 de novembro de 2011. Era a primeira leva

82
Loc. Cit. 2008b, p. 23.
83
Todas as informações são retiradas de relatório de bolsistas e de atas de reunião entre a IEES/UFF e a
“Saracuruna Solidária”.
50

de crédito produtivo – em reais, voltado para comerciantes – que o Banco Saracuruna


liberava. Tal fato foi feito sem a consulta das trabalhadoras, que tem um papel fundamental,
na sua análise, pois elas que colhem as informações sobre o prestador.84
Fatos como esse, se tornaram corriqueiros na rotina do Banco. “A atuação direta nas
decisões do grupo que faz com que o projeto de participação democrática seja eficiente”
(2008b, P. 86) Isso sem dúvida é resultado da falta de comunicação entre os membros ou a
ausência de muitos deles em sua participação. Durante os primeiros meses do projeto, a
Associação Saracuruna Solidária organizava suas reuniões a cada 15 dias, foi preciso bastante
insistência da IEES/UFF para que elas ocorressem toda semana, pois muitos assuntos para
discussão se acumulariam e as informações trocadas iriam se perder com um espaço tão
grande de tempo. Também eram realizadas reuniões quinzenais, com a IEES/UFF e o quórum
geralmente era pequeno. Inclusive sobre a omissão, foi muito curioso o fato de que apenas
Hugo e Marcio, se colocarem “à frente” dos assuntos “administrativos”. Hugo, como dito
anteriormente, participava da APOPENSA e foi sindicalista até se aposentar, estava na
condição de presidente. Marcio era professor de história, o único naquela associação com uma
graduação, além de coordenar a BCST. Nesse ponto o conceito de capital social pode ser
esclarecedor em relação a essas situações:

[...] o conjunto de recursos atuais ou potenciais que estão ligados


à posse de uma rede durável de relações mais ou menos
institucionalizadas de interconhecimento ou, em outros termos, à
vinculação a um grupo, como conjunto de agentes que não
somente são dotados de propriedades comuns (passíveis de
serem percebidas pelo observador, pelos outros ou por eles
mesmos), mas também são unidos por ligações permanentes e
úteis. (BOURDIEU, 1998, p. 67)

Tomando o capital social como normas e valores que coordenam as interações entre
as pessoas e as organizações às quais elas estão envolvidas, diz respeito também a ação dos
diferentes tipos de poder quando discute o acúmulo de forças dos agentes em suas posições
em um determinado campo. Como já citado, a maioria das pessoas que participavam do
projeto não possuíam experiência no mundo do trabalho ou participaram de projetos
associativos ou comunitários, ou aqueles que já participaram como Jorge e Valdomiro,
demonstravam pouco engajamento no projeto. As exceções justamente de Hugo e Marcio,

84
Loc. Cit. 2008c, p. 25
51

tomam a frente do ponto de vista administrativo, por deterem tal situação. É curioso notar,
85
que em uma cooperativa o capital social, também se traduz pelas “cotas de participação” ,
que cada sócio possui no empreendimento.
Como problematizado anteriormente, um BCD não possuí esse modelo. Todo fundo,
constituído do Banco é usado para os empréstimos e os gastos cotidianos, que implicam em
sua sobrevivência. Pode-se se dizer que os dois tomaram a frente no trabalho administrativo
por serem considerados “mais capacitados”, algo que já dito por Isabel a um dos bolsistas da
IEES/UFF.
Outros membros da assim dita “diretoria”, não demonstravam interesse em participar
da gestão do Banco Saracuruna. Era o caso já citado de Jorge, que dizia que seu desejo “era
ficar quieto” ou “só apoiar por trás”. Alberto de fato, só aceitou participar do projeto por
pressão de Hugo, mas não se comprometia com tarefas na gestão do Banco e raramente ia às
reuniões. Tanto com a IEES/UFF, quanto às internas da própria Associação. Valdomiro outro
membro da diretoria, com experiência em economia solidária, estava sempre presente nas
reuniões, participando ativamente, mas também se eximia da realização de tarefas, o motivo
dele desistir de última hora pra trabalhar no BCD foi uma incógnita.
É Banco Preventório – outro assessorado pela IEES/UFF – a equipe gestora já havia
86
participado de outro projeto chamado “mulheres da paz” , como já citado (2008b, p. 35),
“que já trabalharam juntas, são amigas, vizinhas ou tiveram participação em algum
movimento social, como sindicato, associação de produtores, etc.” Todas assumiram cargos
na “diretoria”, fazendo portanto tanto as funções administrativas quanto as braçais. Dito isso é
importante lembrar que Isabel e Joana, além de trabalhadoras também faziam parte da
diretoria. Mas aceitaram o cargo muito mais como uma exigência para a definição dos
membros da associação gestora do BCD, para poderem ocupar postos de trabalho no Banco.
Portanto, assim como Hugo e Marcio se colocavam em uma posição de chefia, as
“funcionárias” não os questionavam com medo de “perder o emprego”. A intenção da IEES-
UFF em sua metodologia era de fato incubar um empreendimento autogestionário, onde mais
ou menos “3 ou 4 meses, as pessoas pudessem se revezar nas funções de trabalho87”, para que
pudessem contemplar todas as funções do trabalho. Somada esses dois fatores, formou-se uma

85
Loc. Cit. 2002a, pp. 14-15
86
Projeto criado pelo Ministério da Justiça que objetiva a capacitação de mulheres para prevenção da violência
doméstica e contra o uso de drogas. Disponível em: www.mj.gov.br/pronasci/mulheres-da-paz.html. Acessado
em: 01 de Agosto de 2013.
87
Loc. Cit. 2008b, p. 87
52

configuração distinta no Banco Saracuruna: O fato de haver uma diferença hierárquica entre
“funcionárias” e “diretoria”, se refletia em formas de conflitos cotidianamente.
Dito isto, o que era transmitido como “ensinamentos de autogestão”, muitas vezes
eram interpretados como “esse banco não tem patrão”, em algum momento em que as
“funcionárias”, não queriam aceitar ou discordavam da posição de Hugo e Marcio. Um
exemplo ocorreu no dia 14 de dezembro de 2011, Isabel havia faltado no dia anterior, porque
tinha um trabalho de escola e não avisou as colegas da falta. Teve sua atenção chamada por
Jorge na reunião com a IEES/UFF, a resposta dela foi: “Você não pode mandar em mim, aqui
não tem patrão”. A incompreensão de um novo modelo de trabalho fica clara nesses
momentos, pois ela deveria ter avisado as demais colegas que não poderia comparecer. Ainda
assim, também é preciso destacar, a forma como Jorge reagiu a resposta: “Isso aqui não é
brincadeira, se você não quer ficar pode ir pra rua”. Nesse ponto, ele falou da sua posição
como “membro” da diretoria, tratando Isabel como subordinada.
Depura-se disso que ocorreu uma espécie de “anarquia do trabalho”, pois deveria
ocorrer uma construção de autogestão, se traduziu em um sentimento de ausência de gestão. O
que se revelou no processo formativo do Banco, somado a um acúmulo de trabalho e outras
demandas emergenciais, foi a necessidade de um número maior de oficinas de formação. Algo
que não aconteceu mesmo que o projeto tenha sido estendido até junho de 2012, portanto,
também a assessoria da IEES/UFF. Agrava-se ainda a leniência da “diretoria”, que não estava
presente no dia-a-dia do Banco. Mesmo Hugo e Marcio, não estavam lá todos os dias.
Essas situações tinham conseqüência direta na execução do trabalho. Era comum,
que quando um cliente fosse ao Banco, não fossem explicados todos os serviços que o mesmo
oferecia. Ocorria uma resistência a execução dos trabalhos cotidianos, como por exemplo, não
sair para fazer a análise de crédito porque “estava muito quente”, como relatado por Olga, no
dia 15 de fevereiro de 2012. Ou como ocorrido no dia 08 de maio de 2012, quando houve uma
grande preocupação pela perca do boleto de pagamento da internet, e ninguém sabia
exatamente onde estava ou o que fazer para resolver a situação.
É preciso adicionar ainda mais dois agravantes, que comprometeram a gestão do
Banco Saracuruna. No segundo capítulo, foi ressaltada a importância do conhecimento e da
atuação no território onde o BCD atua. Sabe-se também que Saracuruna apresenta uma
constituição peculiar por abrigar dentro de si, vários sub-bairros ou comunidades. A
confluência desses dois fatores acarretou em uma situação de enorme dificuldade para
sensibilização da população local sobre e na constituição da própria equipe gestora. Em
primeiro lugar, é preciso que haja proximidade entre os moradores e o BCD. Saracuruna é um
53

bairro que conta com aproximadamente 50.000 habitantes, segundo dados do IBGE. De fato,
existem grandes diferenças entre essas sub-comunidades, apesar de ser um local “pobre”
segundo os indicadores de renda, muito desses moradores não se consideram em tal situação.
De fato, as pessoas que moram nos espaços “mais centrais” do bairro possuem um melhor
acesso, a serviços básicos, como escolas, postos de saúde, linhas de ônibus e a proximidade
da estação ferroviária facilitam o deslocamento. Isso se reflete na constituição da própria
equipe gestora: Jorge e Isabel, moravam no Parque Esperança. Marcio, no Cângulo.
Alexandre e Alberto, no Parque Independência. Joana, no Parque João Pessoa. Olga e Miriam
na Vila Urussaí. E ainda havia o caso de Hugo e Valdomiro, que moravam em outro bairro.
De fato dificulta-se bastante a constituição de uma “identidade comunitária” (ELIAS, 2000, p.
165), pois a maioria dessas pessoas nem se conheciam antes do projeto ter início, tudo isso
corroborou para a não realização do modelo autogestionário de administração.
Outro agravante é o fato do BCD ter sido construído em um espaço alugado e não em
uma associação que tenha o “respaldo comunitário”. Isso também dificulta a identificação da
população com a proposta. Ainda, o espaço que foi conseguido para ser alugado, ficava no
segundo andar de uma galeria, espaço pouco atraente.
Pode-se concluir que todos esses fatores somados a falta de formação em economia
solidária resultou na constituição de dois grupos: A “diretoria” que reconhecia os demais
membros como empregados e não como “sócios”, se colocando na posição de patronato. E
por parte das “funcionárias” por agirem como empregados e até reconhecerem que não expõe
suas ideias abertamente porque tinham medo de “perder o emprego”, mas ainda assim
resistiam a críticas.
54

5 CONCLUSÃO:

Pensar em um modelo autogestionário de gestão em empreendimentos significa um


rompimento com práticas de trabalho que estão impostas em uma modelo de heterogestão. Os
casos de clássicos de maior sucesso se deram por uma necessidade econômica e política.
Existem várias dificuldades em trabalhar metodologicamente em trabalhar o tema, porque
dentro da economia solidária ele é pensado por convenção para as cooperativas de produção.
Deslocar a presente temática para um Banco Comunitário de Desenvolvimento, mostrou-se
um desafio tanto de implementação como de análise.
Cabe citar também que a rica experiência de campo gerada por esse projeto está
explorando apenas uma das várias dimensões possíveis de análise nesse processo. Soma-se
ainda o fato de ser um estudo de caso, pois fica claro que as configurações sociais, políticas,
históricas e espaciais também influem no processo de construção de um modelo
autogestionário.
No caso específico de Saracuruna, chega-se a conclusão que diferente de outras
iniciativas de implementação de economia solidária, trabalhadas pela IEES/UFF houve o
apoio financeiro ideal para sua construção. Mas só isso não foi condição suficiente para o
sucesso do projeto até o momento88, e sem dúvida, a autogestão é uma condição necessária
para isso. Por mais importante que seja o envolvimento prático dos moradores no fazer
criativo e burocrático dos Bancos, de nada adianta se não existir uma ligação identitária com o
mesmo. Em parte isso se deve pela grande abrangência, que o mesmo tomou, atingindo um
tamanho onde se perdeu o contato mais intimista das relações comunitárias.
A partir deste estudo, talvez fosse possível formular a hipótese, válida para a
construção de um modelo autogestionário de administração em um BCD, a partir da
experiência acumulada sobre seu fomento e a experiência específica de Saracuruna: A) a
presença de pessoas que vivenciaram outras experiências de projetos sociais ou organizativos
anteriores à proposta do BCD, ou seja uma comunidade “minimamente organizada” (2006, p.
15). B) a não separação entre os que trabalham no cotidiano do banco e os que fazem parte da
sua diretoria. É possível que a distância dos problemas enfrentados no cotidiano dificulte
bastante o desempenho de cada um e do coletivo. Provavelmente esta separação também seja
responsável pela dificuldade daqueles que não faziam parte da “diretoria” em tomar decisões.
c) O conhecimento prévio da realidade do território pelos incubadores89, concluindo em

88
A equipe IEES/UFF deixou de assessorar o Banco Saracuruna em junho de 2012.
89
Loc. Cit. 2008b, pp. 28-29.
55

conjunto com os mesmos se realmente desejam um empreendimento de economia solidária, e


qual sua forma mais adequada. D) Se realmente existe um desejo real da população participar
de um projeto dessa alcunha.
É importante dizer que a autogestão não é algo que está dado, tanto ela quanto a
heterogestão “são úteis para seus respectivos fins” (2002a p. 23), sendo ela construída na
prática, em conjunto de igualdade decisória entre todos os participantes. De fato,
sociologicamente falando não existem regras gerais sobre como os processos sociais se
constroem e se desenvolvem. Mas pode-se estabelecer que as pontuações colocadas acima
sejam indicativos a partir de experiências que deram certo indo de contraponto ao observado
em Saracuruna.
56

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7 ANEXOS:

Anexo I: Mapa de Duque de Caxias. Fonte:


http://www.webbusca.com.br/pagam/duque_caxias/duque_caxias_mapas.asp
60

Anexo II: Mapa de Saracuruna. Fonte: https://maps.google.com.br/buscasaracuruna

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