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Projeto Diretrizes

Associação Médica Brasileira e Conselho Federal de Medicina

Cirurgia Peniana: Fimose e Hipospádia

Autoria: Sociedade Brasileira de Urologia


Elaboração Final: 26 de junho de 2006
Participantes: Silva EA, Queiroz e Silva FA, Bastos Netto JM,
Dekermacher S, Loayza EAC

O Projeto Diretrizes, iniciativa conjunta da Associação Médica Brasileira e Conselho Federal


de Medicina, tem por objetivo conciliar informações da área médica a fim de padronizar
condutas que auxiliem o raciocínio e a tomada de decisão do médico. As informações contidas
neste projeto devem ser submetidas à avaliação e à crítica do médico, responsável pela conduta
a ser seguida, frente à realidade e ao estado clínico de cada paciente.

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DESCRIÇÃO DO MÉTODO DE COLETA DE EVIDÊNCIA:


Revisão da literatura.

GRAU DE RECOMENDAÇÃO E FORÇA DE EVIDÊNCIA:


A: Estudos experimentais ou observacionais de melhor consistência.
B: Estudos experimentais ou observacionais de menor consistência.
C: Relatos de casos (estudos não controlados).
D: Opinião desprovida de avaliação crítica, baseada em consensos, estudos
fisiológicos ou modelos animais.

OBJETIVO:
Descrever as principais recomendações para cirurgia peniana - fimose e
hipospádia.

CONFLITO DE INTERESSE:
Nenhum conflito de interesse declarado.

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FIMOSE

DEFINIÇÃO

A verdadeira definição de fimose ou estenose prepucial é con-


fusa na literatura. Podemos defini-la como um enrijecimento na
parte distal do prepúcio, que impede a sua retração. Consiste em
um estreitamento congênito ou adquirido da abertura prepucial,
caracterizada por um prepúcio não retrátil, sem aderências, que
pode causar acúmulo de secreção, podendo resultar em irritação e
balanites. Em casos extremos, este estreitamento pode se tornar
uma obstrução verdadeira, interferindo na micção, podendo cau-
sar, subseqüentemente, pressão retrógrada à bexiga, ureteres e rins.

O prepúcio é uma estrutura que ao nascimento é quase sempre


aderente à glande, firme e não retrátil. Esta aderência resulta de ha-
ver uma camada comum de epitélio escamoso entre a glande e a
camada interna, mucosa, do prepúcio. Este continua firme e aderen-
te até que a descamação se desfaça. Estes processos acontecem gra-
dualmente e tornam-se quase completos em torno dos três anos de
idade. Assim, o prepúcio cobre completamente a glande durante o
período em que a criança ainda não apresenta controle esfincteriano,
protegendo a glande ao evitar o contato direto com fraldas ou roupas.

Oster demonstrou que, nos recém-nascidos masculinos, o


prepúcio é retrátil somente em 4%, aos seis meses, em 20%, aos
três anos, em 50% e aos 17 anos, em 99%1(D). Desta maneira, a
fimose no recém-nascido é fisiológica e se apresenta como uma
estrutura tubular2(D), e o prepúcio imaturo não deve ser retraído
para higiene ou por qualquer outra razão. Mesmo nas crianças
maiores e adolescentes, a fimose dita fisiológica pode cursar sem
problemas como obstrução, dor ou hematúria. Nesta faixa etária,
não deve ser confundida com o prepúcio redundante.

A fimose verdadeira ou patológica é menos comum e associada a


um anel cicatricial esbranquiçado não retrátil. Os sintomas incluem
disúria, sangramento e, ocasionalmente, retenção urinária e enurese.

Basicamente, são duas entidades: a congênita e a adquirida,


baseadas na idade e fisiopatologia. Ambas se referem à dificulda-
de ou à incapacidade de retrair o prepúcio distal sobre a glande.

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Uma vez que o prepúcio possa ser retraído de Unidos 3 (D). Atualmente, a circuncisão
tal maneira que a glande se exteriorize comple- neonatal de rotina não é recomendada, nem
tamente, não se trata de fimose. Existem, condenada pela Academia Americana de
porém, situações intermediárias, com retração Pediatria (AAP)4(D).
parcial e aderências bálano-prepuciais, e a
retração total, mas com uma área de Uma das indicações da circuncisão seria a
estreitamento do prepúcio, no corpo peniano, prevenção das doenças sexualmente trans-
levando a um aspecto de ampulheta. missíveis. Porém, não há um consenso em rela-
ção a todas elas, já que devemos separar as de
Outra situação associada às aderências origem viróticas e as não viróticas. Há evidên-
prepuciais é a presença de “pérolas” brancas, cias recentes de que os homens não circuncida-
cistos de esmegma, sob o prepúcio, devido às dos correm um risco maior de infecção por HIV
escamas epiteliais retidas, que se resolvem adquiridas sexualmente, do que os homens
espontaneamente. circuncidados. A circuncisão neonatal promo-
veria certa proteção contra esta doença5(B).
A fimose adquirida está associada à retração
prepucial forçada. Esta forma de retração não é A circuncisão realizada durante a infância
recomendada e acarreta várias fissuras longitu- parece diminuir o risco de câncer de pênis,
dinais na abertura prepucial distal. O resulta- enquanto a tardia não promoveria esta pro-
do, quando este prepúcio é levado novamente à teção6(C). Fimose e processos irritativos crôni-
sua posição normal, é uma cicatrização circular cos relacionados a pouca higiene podem estar
com a formação de um tecido fibrótico. associados ao carcinoma epidermóide (escamoso)
Irritações químicas, como a dermatite amo- de pênis.
niacal, urina residual ou a infecção secundária
por colonização do esmegma, também são causas As contra-indicações gerais ou as não reco-
de fimose adquirida. Estas formas também se mendadas são: nos prematuros, e nas anoma-
apresentam com baloneamento à micção, lias congênitas penianas, como hipospádias,
desconforto miccional e bálano-postites de epispádias, chordée sem hipospádia, pênis coberto
repetição. e no embutido.

INDICAÇÃO DE TRATAMENTO Sem dúvida, a intervenção cirúrgica não é


necessária para todas as crianças com aderên-
A postectomia ou a posteoplastia tem sido o cias bálano-prepuciais ou com prepúcio não
tratamento tradicional para fimose, porém, não retrátil.
é mais a única opção atualmente.
Existem apenas algumas indicações médi-
A circuncisão no recém-nascido é um dos cas para a circuncisão:
procedimentos cirúrgicos mais antigos execu- • Fimose verdadeira – é aquela que se apre-
tados até nossos dias, e feito ainda como ritual senta como uma cicatriz esbranquiçada e é
ou cosmética. É considerado o quinto proce- rara antes dos cinco anos de idade;
dimento mais comum nos Estados • Bálano-postites recorrentes – episódios

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recorrentes de eritema e inflamação remover tecido. Alguns recomendam o uso de


prepucial, às vezes, com corrimento puru- cremes esteróides como tratamento efetivo não
lento, que não respondem ao tratamento invasivo, mesmo nas fimoses adquiridas9(C).
com compressas mornas, e antibioticoterapia
local ou sistêmica. Indicada após os dois anos Assim, o tratamento da fimose pode ser
de idade ou em crianças com controle conservador ou cirúrgico.
esfincteriano diurno;
• Infecções recorrentes do trato urinário – a • Tratamento conservador
menor incidência de infecção do trato Na última década, houve o advento do uso
urinário (ITU) em lactentes masculinos cir- tópico de medicamentos e antiinflamatórios
cuncidados sugere que é possível uma infec- esteróides e não-esteróides para o tratamento
ção ascendente a partir do prepúcio7(C). A dos prepúcios ditos não retráteis. O tratamento
postectomia pode ser oportuna nos casos de inicial com aplicação tópica de corticosteróides
ITU recorrente e em anormalidade do trato pode ser indicado devido à sua baixa morbidade,
urinário, anatômico, ou naqueles com por ser indolor, não traumático e principalmente
disfunção vésico-esfincteriana, que fazem pelo baixo custo. A literatura tem demonstrado
cateterismo uretral intermitente limpo. Um a eficiência do tratamento tópico com esteróides
estudo multicêntrico, examinando pacien- para aliviar a estenose prepucial. Este tratamento
tes com refluxo vésico-ureteral e história pré- se baseia no efeito da aceleração do crescimento
natal de hidronefrose, refere uma diferença e expansão do prepúcio, que ocorre normalmente
estatística importante em 63% dos meni- ao longo de vários anos e que geralmente resul-
nos não circuncidados com refluxo e ITU, ta no alívio espontâneo da condição não
comparados com 19% dos circuncidados, retrátil10(D).
ambos os grupos em quimioprofilaxia. Es-
tes achados sugerem que a remoção do • Tratamento cirúrgico
prepúcio pode proteger contra as ITU nos A postectomia clássica consiste na retirada
meninos com refluxo8(C) e, possivelmente, parcial ou completa do prepúcio com a aproxi-
também em alguns casos de anomalias mação das margens da pele à borda mucosa res-
obstrutivas; tante do prepúcio. Uma alternativa cirúrgica à
• O adolescente que ainda não conseguir ex- postectomia clássica em pacientes mais jovens é
por completamente sua glande pode ter uma a utilização de aparelhos e dispositivos plásticos.
masturbação dolorosa e dificuldades da pe-
netração no início da atividade sexual. HIPOSPÁDIA – FORMAS DISTAIS

BASES DO TRATAMENTO INTRODUÇÃO

Se a fimose causa obstrução do trato As hipospádias são má formações uretrais, nas


urinário, o paciente deve ser encaminhado ao quais o meato externo se posiciona em qualquer
urologista, que fará uma postectomia ou outra ponto da face ventral do cilindro uretral. Ocor-
técnica cirúrgica referida, como plastia prepucial, rem em ambos os sexos, sendo que no masculino
ou até mesmo dilatar a abertura prepucial sem não provocam incontinência urinária, mas

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coexistem com outras má formações penianas, al- também melhorar o aspecto cosmético do pênis,
gumas funcionalmente muito importantes. Den- corrigindo o capuz dorsal e dando à glande um
tre elas, há a estenose do meato e a presença de aspecto cônico.
um tecido fibroso no sulco intercavernoso inferi-
or, chamado corda ventral ou “chordee”, que po- QUANDO OPERAR?
dem interferir com a ereção, micção e ejaculação
normais. O “chordee” faz com que, em ereção, a O desenvolvimento emocional, cognitivo e
haste peniana descreva uma ventroflexão que difi- da imagem corporal pode ser afetado por uma
culta ou impede a penetração vaginal. A glande anomalia genital e por sua cirurgia reconstrutiva.
pode ter a forma cônica habitual, porém, geral- O reconhecimento da genitália pela criança co-
mente se encontra fendida e achatada. Na maio- meça após os 18 meses de vida, sendo também
ria dos casos, o prepúcio se apresenta redundante após essa idade que a criança se torna menos
com aspecto de um capuz dorsal (capuchão). A cooperativa. Existem ainda evidências de que a
exceção é o megameato, uma variante que ocorre época da cirurgia é um fator importante na
em cerca de 6% das hipospádias distais, sendo que satisfação pessoal com o resultado ao longo do
nestes casos o prepúcio é normal (MIP). tempo. Dessa forma, o período entre 6 e 18
meses é o mais adequado para a cirurgia de
As hipospádias são as má formações mais hipospádia, considerando-se o ponto de vista
comuns da genitália externa masculina e esti- psicológico da criança e dos responsáveis11(C).
ma-se que ocorra atualmente em cerca de um a Problemas comportamentais pós-operatórios,
cada 125 meninos nascidos vivos11(C). Podem como agressividade, regressão, terror noturno e
ser classificadas quanto à localização do meato ansiedade, são mais comuns entre um e três anos
uretral: anteriores (glandar, coronal e de vida.
subcoronal); médias (peniana distal, médio
peniana, peniana proximal); posteriores A partir dos quatro a cinco meses, o risco
(penoscrotal, escrotal, perineal). As formas anestésico não é fator limitante para a indica-
distais (anterior e média) são as mais comuns, ção do tratamento cirúrgico, assim como não o
sendo responsáveis por 80% de todos os casos. é o tamanho do pênis. O crescimento peniano
é pequeno nos primeiros anos de vida, fazendo
A incidência de má formações associadas às com que a espera não traga nenhuma vantagem
hipospádias distais não é diferente daquela da para o cirurgião.
população geral, razão pela qual seria desneces-
sária uma investigação formal do trato urinário PREPARO PRÉ-OPERATÓRIO
em crianças com esse grau de ectopia do meato.
O planejamento adequado da técnica cirúr-
TRATAMENTO gica que será utilizada inicia com a avaliação
pré-operatória cuidadosa da genitália, para se
O tratamento da hipospádia é cirúrgico e identificar a posição do meato uretral, presença
seu objetivo é retificar o pênis e posicionar o ou ausência de curvatura ventral, tamanho do
meato uretral o mais distal possível, permitindo pênis, quantidade e qualidade da pele do prepúcio
um fluxo urinário direcionado. A cirurgia visa e presença dos testículos no escroto.

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Quando o cirurgião considerar o tamanho adequados e dão mais precisão para utilização com
peniano ou glandar pequeno ou houver tecido fios de sutura mais finos. A escolha do fio varia
insuficiente para o tipo de cirurgia proposta, entre os diversos cirurgiões, no entanto, reco-
pode-se indicar o uso de terapia hormonal pré- menda-se que seja absorvível, de preferência
via. Esse tratamento pode ser feito por estímu- monofilamentar e de calibre 6-0 ou 7-0.
lo androgênico com gonadotrofina coriônica ou
suplementação androgênica com testosterona. Antibiótico
O uso de hormônios previamente à correção da Antibiótico de amplo espectro deve ser ad-
hipospádia, além de aumentar o tamanho ministrado horas antes da cirurgia e a seguir
peniano, aumenta a quantidade de pele no em doses profiláticas, enquanto permanecer o
prepúcio e proporciona uma melhora na cateter uretral. O uso de antibiótico na corre-
vascularização desse tecido. Ainda não existe um ção cirúrgica da hipospádia diminui a incidên-
consenso na literatura sobre quando, em qual cia de infecção e de complicações pós-operató-
dose e qual via de administração. rias, como fístulas e estenose de meato.

A testosterona pode ser usada de duas for- Hemostasia


mas: 1) intramuscular: duas doses de 25 mg, A hemostasia adequada é fundamental, já que
seis e três semanas antes da cirurgia ou em dose o pênis é um órgão ricamente vascularizado e o
única 30 dias antes da mesma; 2) tópica: na sangramento em crianças pequenas requer um con-
forma de creme a 2% (diidrotestosterona, trole rigoroso. Além disso, o sangue pode atrapa-
enantato ou propionato de testosterona), apli- lhar a visualização dos tecidos a serem manipula-
cado diariamente na genitália, durante um mês dos. Por isso, o uso de torniquete na base do pênis
antes da cirurgia. pode ser indicado e este deve ser liberado com inter-
valos máximos de 30 minutos. A injeção de
A dose preconizada de gonadotrofina epinefrina (1:100.000) sob a linha de incisão tam-
coriônica é de 250 UI, em meninos menores bém pode ser usada. A hemostasia deve ser feita de
que um ano e 500 UI intramuscular, em meni- maneira bastante cuidadosa, pois a formação de
nos entre um a cinco anos, duas vezes por se- hematomas pode comprometer o resultado cirúrgi-
mana, durante cinco semanas. co. A cauterização deve ser feita preferencialmente
com bisturi bipolar ou com ponteira em agulha,
PRINCÍPIOS CIRÚRGICOS GERAIS diminuindo assim a lesão dos tecidos adjacentes.

Instrumental Tratamento cirúrgico


O uso de magnificação ótica (2,5 vezes ou • Curvatura peniana (chordee)
mais) proporciona melhor visualização do tecido A curvatura peniana ventral ocorre em cer-
e maior precisão e delicadeza nas suturas. O ca de 15% das hipospádias distais. A sua corre-
manuseio cuidadoso do tecido é fundamental para ção (ortofaloplastia) pode ser realizada median-
o sucesso cirúrgico. Dessa forma, o uso de instru- te a liberação da pele, das fáscias, elevação ou
mental que não lesa o tecido, é essencial. Tesou- ressecção da placa uretral, enxertos de tecidos
ras e porta-agulhas delicadas, pinças com dentes na região ventral do corpo cavernoso, plicatura
de 0,5 mm e afastadores tipo garras são mais dorsal12,13(D). Como os tecidos da região ven-

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tral do pênis não são displásicos, o cirurgião pode Sendo assim, o uso de sutura contínua sem
escolher qual dessas estratégias usar. Geralmen- cruzar o fio e, eventualmente, com dois planos
te, o uso de apenas um ponto de plicatura da de sutura na neouretra podem reduzir o índice
albugínea dos corpos cavernosos, às 12 horas, de complicações pós-operatórias. Recomenda-
oposto ao local da maior curvatura é seguro. se que a passagem da agulha durante a sutura
seja subepitelial. Além disso, o uso adicional de
Para facilitar a visualização do grau da curva- retalho de dartos, do tecido esponjoso adjacente
tura peniana, o uso de ereção artificial intra-ope- ou de túnica vaginal para cobrir a neouretra, se
ratória pode ser útil. Essa ereção pode ser feita interpondo entre a sutura da uretra e da pele ou
pelo garroteamento da base do pênis e injeção glande é um fator importante na proteção da
intracavernosa de solução salina (soro fisiológico sutura, conseqüentemente, diminuindo o índi-
0,9%). Essa injeção pode ser feita lateralmente ce de fístulas.
em um dos corpos cavernosos ou, preferencial-
mente, pela punção através da glande. • Prepucioplastia
De uma forma geral, a circuncisão faz parte
• Placa uretral da reconstrução da hipospádia. Entretanto, de-
A placa uretral é a faixa de tecido que se pendendo do aspecto do prepúcio, ele pode ser
estende do meato uretral até a extremidade da reconstruído, proporcionando um aspecto mais
glande. Recomenda-se a sua preservação, visto anatômico ao pênis.
que as cirurgias que a incorporam têm índices
menores de complicações. O formato e a largu- Técnicas Cirúrgicas
ra da placa uretral parecem influenciar o resul- Várias técnicas cirúrgicas foram descritas e
tado nos casos de tubularização da mesma com com bons resultados em mãos experientes.
incisão longitudinal mediana (técnica de
Snodgrass) ou sem (técnica de Thiersch- • GAP (procedimento de aproximação
Duplay). glandar)
Este procedimento foi desenvolvido para
• Seleção da técnica cirúrgica pacientes que apresentam hipospádia glandar ou
Não há uma técnica única para a recons- coronal com o meato fixo e com sulco glandar
trução cirúrgica das hipospádias, visto que cada largo e profundo22(C). Os principais candida-
caso tem características próprias14(A)15,16(B)17-21(C). tos à técnica de GAP são aqueles com
As formas mais distais de hipospádia são as mais megameato. Esta técnica mantém a luz uretral
desafiadoras em termos da escolha da melhor adequada, com mínima mobilização da glande
técnica cirúrgica a ser empregada, pois, muitas e com taxas de complicações muito baixas. Isto
vezes, o aspecto cosmético é o principal motivo é feito por meio da desepitelização da glande
da indicação cirúrgica. Recomenda-se a realiza- lateral e proximal ao meato, tubularização da
ção da cirurgia em um único tempo. placa uretral e sutura da glande sobre a
neouretra.
Sutura
• Alguns princípios de sutura podem adicio- • Técnica de Snodgrass (TIP – incisão e
nar melhora ao resultado cirúrgico tubularização da placa uretral)

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Essa técnica vem sendo amplamente usada distal e a glande é suturada sobre a uretra, de
em hipospádias anteriores e médio peniana e uma maneira bastante semelhante ao MAGPI.
até em alguns casos de hipospádias
posteriores23(D). Após a individualização da pla- • Técnica de avanço uretral
ca uretral, separando-a da glande, e uma Esta técnica depende de uma mobilização
mobilização lateral das asas da glande, a placa extensa da uretra, através do descolamento de
uretral é reparada lateralmente e uma incisão sua porção dorsal de junto dos corpos caverno-
longitudinal de relaxamento é feita em sua linha sos, deslocando-a para uma porção mais distal,
média. A profundidade dessa incisão varia de a fim de se obter uma anastomose livre de ten-
acordo com o aspecto da placa uretral (achata- são com a região distal da glande. Para cada 1
da ou com sulco mais profundo), mas normal- cm de distância a ser reconstruída, 4 cm de
mente é feita até próximo ao corpo cavernoso. uretra normal deve ser liberada, ou seja, uma
Após essa fase, um cateter é posicionado na relação de 1:4. Desta forma, pode-se maximizar
uretra até a bexiga e a placa uretral é tubularizada o uso desta técnica, evitando-se assim compli-
sobre ele. Depois, a glande é suturada envol-
cações relacionadas à mobilização uretral. As
vendo a neouretra. O ponto de sutura mais
principais complicações desse procedimento são
importante na tubularização da placa uretral é
a estenose e a retração do meato25(C).
o primeiro (distal), visto que ele que vai marcar
a margem ventral do neomeato. Ele deve ser
colocado ao nível da metade da glande para evi- • Técnica de Mathieu
tar estenose do meato. A glandoplastia deve ser Consiste na confecção de um retalho de pele
feita com aproximação do tecido glandar abai- na porção proximal ao meato. Esse retalho é
xo do neomeato. dobrado por sobre a placa uretral e suturado às
suas bordas, fazendo assim a neouretra. Esse
• MAGPI (Avanço do meato e glandoplastia) retalho não pode ser muito estreito e deve ser
Pode ser usado para correção principalmen- bastante vascularizado para evitar isquemia do
te de hipospádias glandares e alguns casos de mesmo. Um dos inconvenientes desse procedi-
hipospádias coronais24(C). O objetivo desta ci- mento é que o novo meato fica na posição hori-
rurgia é avançar o meato uretral para uma posi- zontal, com aparência de “boca de peixe”.
ção mais distal na glande, sem a necessidade de
tubularização da uretra, e reconfigurar a glande • Técnica de Barcat
abaixo do meato. Para um bom resultado com a Para solucionar o problema da posição do
técnica de MAGPI é necessário que o meato e neomeato após a cirurgia com a técnica de
a pele ao seu redor sejam bastante móveis. Mathieu, Barcat criou essa modificação que
confecciona um meato com aparência mais
• MIV (M-invertido e glandoplastia em V) natural. Nessa técnica, a placa uretral é desco-
Este procedimento é aplicado em pacientes lada do pênis e a glande é seccionada dorsal-
com hipospádia glandar ou coronal com pele mente. Assim, a neouretra pode ser colocada
parameatal complacente para permitir a mais profundamente na glande, com excelente
mobilização do meato. Esta técnica transfere a resultado cosmético. A principal complicação é
porção ventral do meato para uma posição mais a formação de fístula uretro-cutânea.

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• Retalho em ilha “onlay” cavernosos, corporoplastia à Nesbit ou modifi-


A técnica mantém o princípio de deixar a cações, retifica a haste peniana com pequeno
placa uretral intacta. Nesse procedimento, um comprometimento do seu comprimento. Quan-
retalho de prepúcio da região dorsal é confeccio- do o grau de ventroflexão é grande, a corda
nado baseado no comprimento da placa uretral. situada no sulco intercavernoso inferior pode
Esse retalho é, então, cuidadosamente disseca- ser ressecada ou incisada transversalmente. O
do, para manter o seu suprimento sanguíneo, e pênis que foi retificado pelo alongamento da face
depois rodado ventralmente para ser posicionado ventral fica com uma área cruenta na mesma, a
sobre a placa uretral e suturado a esta. qual deverá ser recoberta, seja por tecidos próxi-
mos, retalhos, ou distantes enxertos.
HIPOSPÁDIAS PROXIMAIS
Ao contrário das técnicas de retificação
As hipospádias penianas são atribuídas a peniana, há inúmeras alternativas para cons-
truir-se a neouretra. Assim é que já foram utili-
falhas no processo de fusão das lâminas uretrais,
zados tecidos pediculados, ou não, de diferentes
na face ventral do tubérculo genital, e podem
procedências. Dentre os não pediculados, en-
ser consideradas como um indício de
xertos, podem ser citados os procedentes de pele
feminização. Equivale dizer que quanto mais
genital ou extragenital, veias, artérias, ureter,
posteriores, geralmente se acompanham de haste
apêndice cecal e, recentemente, mucosa vesical
peniana pequena, acentuada ventroflexão, ou oral. Aqueles com pedículo vascular, reta-
bifidez escrotal, vícios de migração testicular e lhos, são originários de tecidos da proximidade,
presença de divertículo mülleriano na uretra ou seja, do prepúcio, da pele da bolsa testicular
prostática. A genitália masculina com estas ca- ou da túnica vaginal parietal do testículo.
racterísticas sugere a feminina, ou seja, exibem
um aspecto ambíguo. Serão consideradas como A correção das hipospádias proximais com
tal as penianas proximais, as escrotais e os tecidos acima referidos pode ser feita em um,
perineais. Nas últimas, o meato uretral externo dois ou três tempos cirúrgicos. Não há consen-
está posicionado ao nível da rafe mediana do so entre os autores na preferência pelos reta-
escroto ou no períneo, casos em que a fenda lhos ou pelos enxertos, quanto à procedência
perineal confere um aspecto vulviforme à dos mesmos e também no que se refere ao
genitália. Se alguma das gonadas não for número de tempos cirúrgicos. A tendência atual
palpada, pensar na possibilidade de estado é corrigi-las em tempo único, mas se por um
intersexual. lado são inegáveis os atrativos desta proposta, é
inegável também que implicam em maiores
No que se refere à ventroflexão peniana, as riscos de complicações e devem ser reservadas
variantes técnicas para corrigi-la são poucas e apenas aos cirurgiões com experiência no trata-
de forma simplificada pode-se dizer que a retifi- mento destas má formações.
cação pode ser conseguida pelo alongamento da
face ventral ou encurtamento da dorsal. Quan- O prepúcio redundante dorsal pode ser usa-
do o grau de cur vatura é pequeno, o do para recobrimento da área cruenta ventral
pregueamento da albugínea dorsal dos corpos sob a forma de retalho à Blair (1933), ficando

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a construção da neouretra para um tempo pos- Com esta revisão, pretendemos mostrar
terior, quando aquele tecido de origem prepucial que os obstáculos foram lentos e progressi-
será tubularizado para construir todo cilindro vamente sendo superados até os dias de hoje
uretral. Embora seja mais segura, a correção e podemos afirmar que os resultados são ple-
em dois tempos cirúrgicos não está imune a namente satisfatórios, com um índice de
complicações, sendo as fístulas as mais freqüen- revisões cirúrgicas da ordem de 20% dos ca-
tes. sos de hipospádias proximais. No entanto,
impõe-se reconhecer as limitações de cada
Objetivando ainda dar proteção à neouretra, técnica.
imaginou-se usar tecidos da vizinhança, fossem
eles originários do prepúcio, do escroto ou mes- As hipospádias proximais podem coexistir
mo da vaginal parietal do testículo. Uma das com divertículos dos derivados müllerianos, que
variáveis disponíveis foi proposta por Duckett, podem ou não ser retirados.
em 1970, e consistia na obtenção de um reta-
lho do prepúcio redundante dorsal, demarcan- Em resumo, o tratamento das hipospádias
do um retângulo na sua face ventral que era proximais é tanto mais complexo quanto maior
tubularizado e rodado para a área cruenta resul- a ambigüidade genital e visa fundamentalmente:
tante da exérese da corda ventral. Numa segun- • Retificar a haste peniana (ortofaloplastia);
da proposta, o retângulo da face ventral não era • Construir a neouretra na sua totalidade e,
tubularizado, mas suturado a um outro equiva- assim, corrigir a ectopia do meato
lente, criado na placa uretral de forma a cons- (neouretroplastia);
truir os 360º da circunferência da neouretra. • Em função do tamanho dos divertículos
Este princípio, conhecido atualmente como müllerianos, ressecá-los;
“onlay”, é dos mais antigos na correção das • Se os testículos forem tópicos, corrigir a
hipospádias posteriores. bifidez da bolsa.

A literatura americana descreve os procedi- FORMAS MULTIOPERADAS


mentos de rotação de retalhos do tipo “calha”
como “flip-flap”, mas com características muito A abordagem destes casos deve receber uma
semelhantes aos referidos como “onlay”, onde a atenção e um tratamento individualizados. Os
circunferência da neouretra é construída por dois recursos hoje disponíveis, no que se refere à as-
hemicilindros, de retalhos ou enxertos. Destes, sociação de princípios consagrados, da obten-
têm sido preferidos os de mucosa originários da ção de enxertos, particularmente os mucosos, e
cavidade oral. da proteção da neouretra com tecidos de vizi-
nhança fazem com que os resultados sejam mais
Nas hipospádias proximais, é difícil conse- satisfatórios.
guir a retificação peniana sem manipular a pla-
ca uretral, razão pela qual pensamos ser mais CATETERES E CURATIVOS
prudente corrigi-las em dois tempos cirúrgicos;
num primeiro, retifica-se a haste peniana e num É prudente fazer derivação urinária com
segundo, constrói-se a neouretra. cateter maleável nas correções das hipospádias

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proximais. Parece-nos que a sonda uretral causa O curativo recomendado deve ser contensivo e
menos espasmos do que aquelas de cistostomia não compressivo, pelo risco de sofrimento tecidual.
e deve permanecer o tempo necessário para que Pode ser feito com esparadrapo, material elástico ou
a micção possa ser feita com o mínimo de des- mesmo com material transparente. Exceto neste caso
conforto, o que depende da evolução da cirur- há que se manter exposta a extremidade da glande
gia realizada. Caso se faça a opção pelo uso de para se monitorar a vitalidade dos tecidos. Não reco-
cateter uretral, prefere-se o de silicone, que mendamos a troca precoce de curativo, exceto se
pode ser deixado aberto em dupla fralda26(A). houver hematoma importante ou sofrimento tecidual.

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