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Projeto Diretrizes
Associação Médica Brasileira e Conselho Federal de Medicina
OBJETIVO:
Descrever as principais recomendações para cirurgia peniana - fimose e
hipospádia.
CONFLITO DE INTERESSE:
Nenhum conflito de interesse declarado.
FIMOSE
DEFINIÇÃO
Uma vez que o prepúcio possa ser retraído de Unidos 3 (D). Atualmente, a circuncisão
tal maneira que a glande se exteriorize comple- neonatal de rotina não é recomendada, nem
tamente, não se trata de fimose. Existem, condenada pela Academia Americana de
porém, situações intermediárias, com retração Pediatria (AAP)4(D).
parcial e aderências bálano-prepuciais, e a
retração total, mas com uma área de Uma das indicações da circuncisão seria a
estreitamento do prepúcio, no corpo peniano, prevenção das doenças sexualmente trans-
levando a um aspecto de ampulheta. missíveis. Porém, não há um consenso em rela-
ção a todas elas, já que devemos separar as de
Outra situação associada às aderências origem viróticas e as não viróticas. Há evidên-
prepuciais é a presença de “pérolas” brancas, cias recentes de que os homens não circuncida-
cistos de esmegma, sob o prepúcio, devido às dos correm um risco maior de infecção por HIV
escamas epiteliais retidas, que se resolvem adquiridas sexualmente, do que os homens
espontaneamente. circuncidados. A circuncisão neonatal promo-
veria certa proteção contra esta doença5(B).
A fimose adquirida está associada à retração
prepucial forçada. Esta forma de retração não é A circuncisão realizada durante a infância
recomendada e acarreta várias fissuras longitu- parece diminuir o risco de câncer de pênis,
dinais na abertura prepucial distal. O resulta- enquanto a tardia não promoveria esta pro-
do, quando este prepúcio é levado novamente à teção6(C). Fimose e processos irritativos crôni-
sua posição normal, é uma cicatrização circular cos relacionados a pouca higiene podem estar
com a formação de um tecido fibrótico. associados ao carcinoma epidermóide (escamoso)
Irritações químicas, como a dermatite amo- de pênis.
niacal, urina residual ou a infecção secundária
por colonização do esmegma, também são causas As contra-indicações gerais ou as não reco-
de fimose adquirida. Estas formas também se mendadas são: nos prematuros, e nas anoma-
apresentam com baloneamento à micção, lias congênitas penianas, como hipospádias,
desconforto miccional e bálano-postites de epispádias, chordée sem hipospádia, pênis coberto
repetição. e no embutido.
coexistem com outras má formações penianas, al- também melhorar o aspecto cosmético do pênis,
gumas funcionalmente muito importantes. Den- corrigindo o capuz dorsal e dando à glande um
tre elas, há a estenose do meato e a presença de aspecto cônico.
um tecido fibroso no sulco intercavernoso inferi-
or, chamado corda ventral ou “chordee”, que po- QUANDO OPERAR?
dem interferir com a ereção, micção e ejaculação
normais. O “chordee” faz com que, em ereção, a O desenvolvimento emocional, cognitivo e
haste peniana descreva uma ventroflexão que difi- da imagem corporal pode ser afetado por uma
culta ou impede a penetração vaginal. A glande anomalia genital e por sua cirurgia reconstrutiva.
pode ter a forma cônica habitual, porém, geral- O reconhecimento da genitália pela criança co-
mente se encontra fendida e achatada. Na maio- meça após os 18 meses de vida, sendo também
ria dos casos, o prepúcio se apresenta redundante após essa idade que a criança se torna menos
com aspecto de um capuz dorsal (capuchão). A cooperativa. Existem ainda evidências de que a
exceção é o megameato, uma variante que ocorre época da cirurgia é um fator importante na
em cerca de 6% das hipospádias distais, sendo que satisfação pessoal com o resultado ao longo do
nestes casos o prepúcio é normal (MIP). tempo. Dessa forma, o período entre 6 e 18
meses é o mais adequado para a cirurgia de
As hipospádias são as má formações mais hipospádia, considerando-se o ponto de vista
comuns da genitália externa masculina e esti- psicológico da criança e dos responsáveis11(C).
ma-se que ocorra atualmente em cerca de um a Problemas comportamentais pós-operatórios,
cada 125 meninos nascidos vivos11(C). Podem como agressividade, regressão, terror noturno e
ser classificadas quanto à localização do meato ansiedade, são mais comuns entre um e três anos
uretral: anteriores (glandar, coronal e de vida.
subcoronal); médias (peniana distal, médio
peniana, peniana proximal); posteriores A partir dos quatro a cinco meses, o risco
(penoscrotal, escrotal, perineal). As formas anestésico não é fator limitante para a indica-
distais (anterior e média) são as mais comuns, ção do tratamento cirúrgico, assim como não o
sendo responsáveis por 80% de todos os casos. é o tamanho do pênis. O crescimento peniano
é pequeno nos primeiros anos de vida, fazendo
A incidência de má formações associadas às com que a espera não traga nenhuma vantagem
hipospádias distais não é diferente daquela da para o cirurgião.
população geral, razão pela qual seria desneces-
sária uma investigação formal do trato urinário PREPARO PRÉ-OPERATÓRIO
em crianças com esse grau de ectopia do meato.
O planejamento adequado da técnica cirúr-
TRATAMENTO gica que será utilizada inicia com a avaliação
pré-operatória cuidadosa da genitália, para se
O tratamento da hipospádia é cirúrgico e identificar a posição do meato uretral, presença
seu objetivo é retificar o pênis e posicionar o ou ausência de curvatura ventral, tamanho do
meato uretral o mais distal possível, permitindo pênis, quantidade e qualidade da pele do prepúcio
um fluxo urinário direcionado. A cirurgia visa e presença dos testículos no escroto.
Quando o cirurgião considerar o tamanho adequados e dão mais precisão para utilização com
peniano ou glandar pequeno ou houver tecido fios de sutura mais finos. A escolha do fio varia
insuficiente para o tipo de cirurgia proposta, entre os diversos cirurgiões, no entanto, reco-
pode-se indicar o uso de terapia hormonal pré- menda-se que seja absorvível, de preferência
via. Esse tratamento pode ser feito por estímu- monofilamentar e de calibre 6-0 ou 7-0.
lo androgênico com gonadotrofina coriônica ou
suplementação androgênica com testosterona. Antibiótico
O uso de hormônios previamente à correção da Antibiótico de amplo espectro deve ser ad-
hipospádia, além de aumentar o tamanho ministrado horas antes da cirurgia e a seguir
peniano, aumenta a quantidade de pele no em doses profiláticas, enquanto permanecer o
prepúcio e proporciona uma melhora na cateter uretral. O uso de antibiótico na corre-
vascularização desse tecido. Ainda não existe um ção cirúrgica da hipospádia diminui a incidên-
consenso na literatura sobre quando, em qual cia de infecção e de complicações pós-operató-
dose e qual via de administração. rias, como fístulas e estenose de meato.
tral do pênis não são displásicos, o cirurgião pode Sendo assim, o uso de sutura contínua sem
escolher qual dessas estratégias usar. Geralmen- cruzar o fio e, eventualmente, com dois planos
te, o uso de apenas um ponto de plicatura da de sutura na neouretra podem reduzir o índice
albugínea dos corpos cavernosos, às 12 horas, de complicações pós-operatórias. Recomenda-
oposto ao local da maior curvatura é seguro. se que a passagem da agulha durante a sutura
seja subepitelial. Além disso, o uso adicional de
Para facilitar a visualização do grau da curva- retalho de dartos, do tecido esponjoso adjacente
tura peniana, o uso de ereção artificial intra-ope- ou de túnica vaginal para cobrir a neouretra, se
ratória pode ser útil. Essa ereção pode ser feita interpondo entre a sutura da uretra e da pele ou
pelo garroteamento da base do pênis e injeção glande é um fator importante na proteção da
intracavernosa de solução salina (soro fisiológico sutura, conseqüentemente, diminuindo o índi-
0,9%). Essa injeção pode ser feita lateralmente ce de fístulas.
em um dos corpos cavernosos ou, preferencial-
mente, pela punção através da glande. • Prepucioplastia
De uma forma geral, a circuncisão faz parte
• Placa uretral da reconstrução da hipospádia. Entretanto, de-
A placa uretral é a faixa de tecido que se pendendo do aspecto do prepúcio, ele pode ser
estende do meato uretral até a extremidade da reconstruído, proporcionando um aspecto mais
glande. Recomenda-se a sua preservação, visto anatômico ao pênis.
que as cirurgias que a incorporam têm índices
menores de complicações. O formato e a largu- Técnicas Cirúrgicas
ra da placa uretral parecem influenciar o resul- Várias técnicas cirúrgicas foram descritas e
tado nos casos de tubularização da mesma com com bons resultados em mãos experientes.
incisão longitudinal mediana (técnica de
Snodgrass) ou sem (técnica de Thiersch- • GAP (procedimento de aproximação
Duplay). glandar)
Este procedimento foi desenvolvido para
• Seleção da técnica cirúrgica pacientes que apresentam hipospádia glandar ou
Não há uma técnica única para a recons- coronal com o meato fixo e com sulco glandar
trução cirúrgica das hipospádias, visto que cada largo e profundo22(C). Os principais candida-
caso tem características próprias14(A)15,16(B)17-21(C). tos à técnica de GAP são aqueles com
As formas mais distais de hipospádia são as mais megameato. Esta técnica mantém a luz uretral
desafiadoras em termos da escolha da melhor adequada, com mínima mobilização da glande
técnica cirúrgica a ser empregada, pois, muitas e com taxas de complicações muito baixas. Isto
vezes, o aspecto cosmético é o principal motivo é feito por meio da desepitelização da glande
da indicação cirúrgica. Recomenda-se a realiza- lateral e proximal ao meato, tubularização da
ção da cirurgia em um único tempo. placa uretral e sutura da glande sobre a
neouretra.
Sutura
• Alguns princípios de sutura podem adicio- • Técnica de Snodgrass (TIP – incisão e
nar melhora ao resultado cirúrgico tubularização da placa uretral)
Essa técnica vem sendo amplamente usada distal e a glande é suturada sobre a uretra, de
em hipospádias anteriores e médio peniana e uma maneira bastante semelhante ao MAGPI.
até em alguns casos de hipospádias
posteriores23(D). Após a individualização da pla- • Técnica de avanço uretral
ca uretral, separando-a da glande, e uma Esta técnica depende de uma mobilização
mobilização lateral das asas da glande, a placa extensa da uretra, através do descolamento de
uretral é reparada lateralmente e uma incisão sua porção dorsal de junto dos corpos caverno-
longitudinal de relaxamento é feita em sua linha sos, deslocando-a para uma porção mais distal,
média. A profundidade dessa incisão varia de a fim de se obter uma anastomose livre de ten-
acordo com o aspecto da placa uretral (achata- são com a região distal da glande. Para cada 1
da ou com sulco mais profundo), mas normal- cm de distância a ser reconstruída, 4 cm de
mente é feita até próximo ao corpo cavernoso. uretra normal deve ser liberada, ou seja, uma
Após essa fase, um cateter é posicionado na relação de 1:4. Desta forma, pode-se maximizar
uretra até a bexiga e a placa uretral é tubularizada o uso desta técnica, evitando-se assim compli-
sobre ele. Depois, a glande é suturada envol-
cações relacionadas à mobilização uretral. As
vendo a neouretra. O ponto de sutura mais
principais complicações desse procedimento são
importante na tubularização da placa uretral é
a estenose e a retração do meato25(C).
o primeiro (distal), visto que ele que vai marcar
a margem ventral do neomeato. Ele deve ser
colocado ao nível da metade da glande para evi- • Técnica de Mathieu
tar estenose do meato. A glandoplastia deve ser Consiste na confecção de um retalho de pele
feita com aproximação do tecido glandar abai- na porção proximal ao meato. Esse retalho é
xo do neomeato. dobrado por sobre a placa uretral e suturado às
suas bordas, fazendo assim a neouretra. Esse
• MAGPI (Avanço do meato e glandoplastia) retalho não pode ser muito estreito e deve ser
Pode ser usado para correção principalmen- bastante vascularizado para evitar isquemia do
te de hipospádias glandares e alguns casos de mesmo. Um dos inconvenientes desse procedi-
hipospádias coronais24(C). O objetivo desta ci- mento é que o novo meato fica na posição hori-
rurgia é avançar o meato uretral para uma posi- zontal, com aparência de “boca de peixe”.
ção mais distal na glande, sem a necessidade de
tubularização da uretra, e reconfigurar a glande • Técnica de Barcat
abaixo do meato. Para um bom resultado com a Para solucionar o problema da posição do
técnica de MAGPI é necessário que o meato e neomeato após a cirurgia com a técnica de
a pele ao seu redor sejam bastante móveis. Mathieu, Barcat criou essa modificação que
confecciona um meato com aparência mais
• MIV (M-invertido e glandoplastia em V) natural. Nessa técnica, a placa uretral é desco-
Este procedimento é aplicado em pacientes lada do pênis e a glande é seccionada dorsal-
com hipospádia glandar ou coronal com pele mente. Assim, a neouretra pode ser colocada
parameatal complacente para permitir a mais profundamente na glande, com excelente
mobilização do meato. Esta técnica transfere a resultado cosmético. A principal complicação é
porção ventral do meato para uma posição mais a formação de fístula uretro-cutânea.
a construção da neouretra para um tempo pos- Com esta revisão, pretendemos mostrar
terior, quando aquele tecido de origem prepucial que os obstáculos foram lentos e progressi-
será tubularizado para construir todo cilindro vamente sendo superados até os dias de hoje
uretral. Embora seja mais segura, a correção e podemos afirmar que os resultados são ple-
em dois tempos cirúrgicos não está imune a namente satisfatórios, com um índice de
complicações, sendo as fístulas as mais freqüen- revisões cirúrgicas da ordem de 20% dos ca-
tes. sos de hipospádias proximais. No entanto,
impõe-se reconhecer as limitações de cada
Objetivando ainda dar proteção à neouretra, técnica.
imaginou-se usar tecidos da vizinhança, fossem
eles originários do prepúcio, do escroto ou mes- As hipospádias proximais podem coexistir
mo da vaginal parietal do testículo. Uma das com divertículos dos derivados müllerianos, que
variáveis disponíveis foi proposta por Duckett, podem ou não ser retirados.
em 1970, e consistia na obtenção de um reta-
lho do prepúcio redundante dorsal, demarcan- Em resumo, o tratamento das hipospádias
do um retângulo na sua face ventral que era proximais é tanto mais complexo quanto maior
tubularizado e rodado para a área cruenta resul- a ambigüidade genital e visa fundamentalmente:
tante da exérese da corda ventral. Numa segun- • Retificar a haste peniana (ortofaloplastia);
da proposta, o retângulo da face ventral não era • Construir a neouretra na sua totalidade e,
tubularizado, mas suturado a um outro equiva- assim, corrigir a ectopia do meato
lente, criado na placa uretral de forma a cons- (neouretroplastia);
truir os 360º da circunferência da neouretra. • Em função do tamanho dos divertículos
Este princípio, conhecido atualmente como müllerianos, ressecá-los;
“onlay”, é dos mais antigos na correção das • Se os testículos forem tópicos, corrigir a
hipospádias posteriores. bifidez da bolsa.
proximais. Parece-nos que a sonda uretral causa O curativo recomendado deve ser contensivo e
menos espasmos do que aquelas de cistostomia não compressivo, pelo risco de sofrimento tecidual.
e deve permanecer o tempo necessário para que Pode ser feito com esparadrapo, material elástico ou
a micção possa ser feita com o mínimo de des- mesmo com material transparente. Exceto neste caso
conforto, o que depende da evolução da cirur- há que se manter exposta a extremidade da glande
gia realizada. Caso se faça a opção pelo uso de para se monitorar a vitalidade dos tecidos. Não reco-
cateter uretral, prefere-se o de silicone, que mendamos a troca precoce de curativo, exceto se
pode ser deixado aberto em dupla fralda26(A). houver hematoma importante ou sofrimento tecidual.
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