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passa do suporte bidimensional to de duas polaridades, que é a dinâmica da

a experiências tridimensionais vida humana? Você estava preso à terra tão


Lygia Clark e processuais: Casulos (1959),
Bichos (1960), Caminhando (1963),
profundamente e o vôo no sentido da vert u .1
Obra mole (1964), Trepantes lidade era sua medida?
Carta a Mondrian (1965). Dedica-se a experiências Pois a natureza me alimentou, me equi-
sensoriais, em trabalhos librou quase que de uma forma panteística.
como Série roupa-corpo-roupa
e Máscaras sensoriais (1967) e
Mas com o tempo, numa outra crise, já isto
A casa éo corpo (1968). Participa não adiantou e foi o "vazio pleno", a noite, o
das exposições "Opinião 66" e silêncio dela que se tornou a minha moradia.
"Nova Objetividade Brasileira"
Através deste "vazio-pleno" me veio a cons-
(MAM-RJ).
Maio 1959 ciência da realidade metafísica, o problema
Lygia Clark Reside em Paris entre 1970 e
Carta a Mondrian existencial, a forma, o conteúdo (espaço ple-
[Belo Horizonte, 1920- 1976, lecionando na St. Charles,
Rio de Janeiro, 1988] Sorbonne. Sua atividade volta-se, no que só tem realidade em função direta da
Loje me sinto mais solitária que ontem. então, para a criação de existência desta forma...).
Lygla Clark enfrenta em seu
proposições coletivas e objetos Mondrian: você acreditou no homem.
Senti uma enorme necessidade de olhar o teu trabalho questões relativas à
relacionais, e após seu retorno
trabalho, velho também solitário. Dei com elaboração de novas linguagens.
ao Brasil, em 1976, dedica-se ao
Você fez mais: num sonho utópico, estupendo,
Seus escritos vão dos diários e pensou em eras vindas em que a própria vida
você numa foto fabulosa e senti como se você estudo das possibilidades
cartas — a Mário Pedrosa, Guy
estivesse comigo e com isto já não me senti tão Brett e, em particular, a Hélio
terapêuticas dessas experiências. "construída" seria uma realidade plástica...
só. Talvez amanhã possa dar também de meus Oiticica (cf. Lyg/a Clark, Hélio A partir dos anos 80 participa Talvez isto te salvasse da tua própria
Oiticica: cartas: 1964-1974, de grandes mostras, como solidão. Pois eu, meu amigo, não sonho
olhos, de minha solidão e de minha teimosia
Rio dejaneiro, UFRJ, 1996, "Lygia Clark e Hélio Oiticica"
a alguém que será um artista como eu ou tal- porque não acredito. Não por excesso do
organizado por Luciano (Rio dejaneiro, Paço Imperial,
vez mais ainda, como você. Não sei para que Figueiredo) —, com registros de 1986); "Informe" (Paris, realismo mas para mim o coletivo só existe
você trabalhava. Se eu trabalho, Mondrian, é experiências, reflexões sobre arte Centre Pompidou, 1996); "10 a na razão desta desordem de ordem prática
Documenta" (Kassel, 1997);
para antes de mais nada me realizar no mais moderna e contemporânea e sobre e social. Se o homem não pode sentir como
o desenvolvimento de seu próprio "Retrospectiva", com importante
alto sentido ético-religioso. Não é para fazer catálogo (Barcelona/Marselha/
é importante esse desenvolvimento interior
trabalho, a textos e conferências
uma superfície e outra... Se exponho é para de caráter público. Entre Porto/Bruxelas/Rio dejaneiro, — chamemos de uma forma que nasce com
transmitir a outra pessoa este "momento" pa- 1983 e 1984, publica Livro-obra Fundació Tàpies/Galeries a pessoa como um punho fechado, talve/. se
e Meu doce Rio. Contemporaines dês Musées de
rado na dinâmica cosmológica, que o artista abrindo no primeiro tempo com o próprio
Marseille/Fundação de Serralves/
capta. Você que era um místico deve quantas Muda-se para o Rio dejaneiro em Société dês Expositions du Palais nascimento — então ele jamais poder.i .um
e quantas vezes ter vivido "momentos" como 1941. Em 1947, estuda pintura dês Beaux-Arts/Paço Imperial, gir sua plenitude como a rosa que se abro
este dentro da vida, ou não? com Burle Marx e Zélia Salgado. 1997-98) e "Lygia Clark: do
Três anos mais tarde freqüenta,
dentro do seu próprio tempo e morre amo-
objeto ao acontecimento; somos
Dizem que você detestava a natureza — é em Paris, os estúdios de Arpad rosamente realizada, inteligente e feliz...
o molde, a você cabe o sopro",
verdade? Pois eu senti hoje essa transcendên- Szenes, Dobrinskye Léger. De com curadoria da psicanalista, Mondrian, um segredo eu vou te contar:
cia através da natureza, na noite, no amor 'olta para o Brasil, integra o professora da PUC-SP e crítica às vezes, eu me sinto tão desesperada, porque
ürupo Frente, em 1953, e o de arte Suely Rolnik e da diretora
- como você poderia ter raiva da natureza? no momento em que "checo" este problema .1
>upo Neoconcreto, em 1959. do Museu de Belas-Artes
Você não acha que a obra de arte é o produ- Gradualmente, seu trabalho solidão, o frio, "o medo do medo" mo envol-
de Nantes Corinne Diserens,

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vem com todos os seus braços e procuram fe- e com a colaboração da que, no cubismo, as formas foram várias mas, no sentido mais profundo
char este novo tempo que desabrocha na mi- Associação Cultural O Mundo
que era esta nova realidade espacial, foram respeitadas. Só o tempo ,\ meu
de Lygla Clark, do Rio de Janeiro
nha forma interior, amassando pétalas frescas ver traria continuidade real a este movimento.
(Nantes/São Paulo, Musée dês
e delicadas que levarão novo tempo para se Beaux-Arts/PInacoteca do Agora, velho, simpático mestre, diga-me com toda franqueza: meu de-
abrirem como se abre um olho devagar, de- Estado de São Paulo, 2005-6). sejo é deixar o grupo e continuar fiel a esta minha convicção, respeitando
pois de ter levado um bom murro. a mim mesma, embora mais só que ontem e hoje, eu serei amanhã, pois
Mondrian, se sua força pode me servir, "Carta a Mondrian" Esse as pessoas que se aproximaram um dia, há bem pouco tempo, se afastam
texto é um escrito de maio de
seria como o bife cru colocado neste olho so- desorientadas sem enfrentarem a dureza de estar só num só pensamento,
1959 do diário de Lygia Clark.
frido para que ele veja o mais depressa possí- Foi publicado em Lygia Clark sem resguardar o sentido maior, ético, de morrer amanhã, sozinha mas
vel e possa encarar esta realidade às vezes tão (Barcelona/Marselha/Porto/ fiel a uma idéia. Diga, meu amigo: é duro, é terrível porque é deixar de ter,
insuportável — "o artista é um solitário". Não Bruxelas/Rio dejaneiro, Fundado
mesmo sem me afastar realmente do grupo, pois já se fragmentou a uni-
Tàpies/Galeries Contemporaines
importam filhos, amor, pois dentro dele ele dês Musées de Marseille/ dade, a verdade dura e terrível feita a sete para se multiplicar em realidades
vive só. Ele nasce dentro dele, parto difícil a Fundação de Serralves/Société pequenas — reconfortantes por certo, às centenas.
cada minuto, só irremediavelmente só. Você dês Expositions du Palais dês Hoje eu choro — o choro me cobre, me segue, me conforta e ac.ilcn
Beaux-Arts/Paço Imperial, 1999).
seria talvez a chuva que molha a flor que nas- tá, de um certo modo, esta superfície dura, inflexível e fria da fidelidade
ceu na areia ou no asfalto, se você prefere, pois a uma idéia.
é cidade e não natureza. Mondrian: hoje eu gosto de você.
Você hoje está mais vivo para mim que
todas as pessoas que me compreendem, até
um certo ponto. Sabe por quê? Veja só se te-
nho razão ou não. Você já sabe do grupo neo-
concreto, você já sabe que eu continuo o seu
problema, que é penoso (você era homem,
Mondrian, lembra-se?). No momento em que
o grupo foi formado havia urna identificação
profunda, a meu ver. Era a tomada de cons-
ciência de um tempo-espaço, realidade nova,
universal como expressão, pois abrangia poe-
sia, escultura, teatro, gravura e pintura. Até
prosa, Mondrian... Hoje a maioria dos ele-
mentos do grupo se esquecem desta afinidade
(o mais importante) e querem imprimir um
sentido menor a ele, quando preferem que ele
cresça sem esta identidade para mim impres-
cindível, numa tentativa de dar continuidade
superficial a este movimento. Você bem sabe

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