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Raça, cor, cor da pele e etnia

ANTONIO SÉRGIO ALFREDO GUIMARÃES

Nas ciências sociais brasileiras, a raça já imigratórias de povos europeus, ficou conheci-
sofreu algumas reviravoltas, exemplificando do como embranquecimento.
melhor que outros, talvez, as vicissitudes políti- Longe de ser simples especulação de inte-
cas das noções e conceitos científicos. No Bra- lectuais, a mestiçagem e o embranquecimento,
sil, ela foi introduzida pela geração de 1870, como processos que dotariam a jovem nação
que tomando-a emprestada das ciências natu- brasileira de uma base demográfica homogê-
rais da época, procurava dar uma orientação nea, se firmaram como verdadeiras políticas
científica aos estudos sobre a cultura brasilei- raciais no Brasil (Park 1942), mesmo quando
ra, propondo, ao mesmo tempo, um progra- o conceito de raça e as teorias que a utilizavam
ma de desenvolvimento político para a nação caíram em total descrédito no mundo científi-
pós-escravista (Skidmore 1974, Ventura 1991, co e intelectual. Apenas para exemplificar o que
Schwarcz 1993). Seguia assim, grosso modo, a digo: a revolução de 1930 e, posteriormente o
orientação que havia sido dada por von Mar- Estado Novo, assim como a Segunda Repúbli-
tius em seu célebre opúsculo de 1845 (Rodri- ca brasileira, dotarão a nação de uma política
gues e von Martius 1956). cultural explicitamente baseada nesses dois pi-
Para esta geração, o conceito de raça, tal qual lares – mestiçagem e hegemonia da língua e das
fora utilizado pela biologia do século XIX, era tradições portuguesas e latinas. O desenvolvi-
empregado para explicar as diferenças culturais mento capitalista brasileiro, depois de 1930,
entre os povos e o modo subordinado com que se fará procurando homogeneizar mercados
foram incorporados ao sistema mercantil glo- nacionais (de capitais, de circulação de mer-
bal pela expansão e conquista européias. Para cadorias e de trabalho), facilitando também a
ser claro: abstraía-se da história e das formas homogeneização cultural e racial. Entre 1940 e
sociais, econômicas e culturais para reduzir a 1970, regiões como o Norte e o Nordeste (ou
desigualdades de situação entre os povos a ca- alguns bolsões do Sudeste) em que um quarto
racteres físicos e biológicos. No entanto, se é da população se autodeclarava branca, serão os
certo, como apontou Manoel Bonfim (1993), grandes celeiros de mão-de-obra para o Sul e o
em seu tempo, que a teoria racial tinha uma Sudeste, onde fora maior o impacto da grande
motivação claramente imperialista; no Brasil, imigração européia, que se declarava branca.
os nossos cientistas introduziram à teoria das É nesse período que ocorre o banimento
raças uma motivação política própria: a nova do termo raça de nosso vocabulário científico,
nação, como ensinara von Martius, seria o re- político e social, como consequência não ape-
sultado do entrecruzamento entre três raças (a nas dos processos a que acabo de me referir, mas
caucasoide, a africana e a americana) mas tal também por conta das tragédias causadas pelo
produto resultaria num povo homogêneo, de racismo em termos mundiais, cujas principais
cultura latina. Tal processo de miscigenação, expressões foram o Holocausto, na Segunda
potencializado pelo estímulo à novas ondas Guerra Mundial; a segregação racial nos Estados

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Unidos, que perdurou no pós-guerra; e o apar- dades a que estavam sujeitos no Brasil moder-
theid, na África do Sul, até bem recentemente. no, apesar – e talvez pour cause – da democracia
Como se explica, então, o retorno da raça racial. Os movimentos sociais a que me refiro
à nossa linguagem atual? O termo é tão pre- têm trajetória longa na história brasileira, des-
sente, inclusive no cotidiano, que o IBGE o de as sociedades e jornais de homens de cor, no
introduziu nos censos demográficos em 1991, começo do século XX, passando pelo o Movi-
transformando a antiga pergunta “Qual é a sua mento Negro Unificado, dos anos 1970, até as
cor?” em “Qual é a sua cor/raça?”. Temos que ONGS negras dos nossos dias.
reconhecer, primeiro, que o termo não havia A raça retorna, portanto, não mais como
desaparecido de todo, passando mais por uma mote do imperialismo ou colonialismo, mas
submersão que um desaparecimento. Em pri- como glosa dos subordinados ao modo infe-
meiro lugar, a expressão que passou a definir o riorizado e desigual com são geralmente inclu-
nosso ideal de homogeneidade nacional, nosso ídos e tratados os negros, as pessoas de cor, os
hibridismo demográfico e o reconhecimento pardos. Para os cientistas sociais, assim como
da importância cultural de todos os povos para para os ativistas políticos, a noção de raça tem
a nossa formação foi o de democracia racial. vantagens estratégicas visíveis sobre aquela de
Em segundo lugar, no uso burocrático e popu- etnia: remete imediatamente a uma história de
lar, o termo cor substitui o de raça, mas deixou opressão, desumanização e opróbio a que esti-
à mostra todos elementos das teorias racistas – veram sujeitos os povos conquistados; ademais,
cor, no Brasil, é mais que cor de pele: na nossa no processo de mestiçagem e hibridismo que
classificação, a textura do cabelo e o formato de sofreram ao logo dos anos, a identidade étnica
nariz e lábios, além de traços culturais, são ele- dos negros (sua origem, seus marcadores cultu-
mentos importantes na definição de cor (preto, rais, etc.) era relativamente fraca ante os mar-
pardo, amarelo e branco). Terceiro, o termo cadores físicos utilizados pelo discurso racial.
etnia, cunhado para dar conta da diversidade Renascido na luta política, a noção é recu-
cultural humana, passou também a ser usado perada pela sociologia contemporânea como
no cotidiano das sociologias vulgares como conceito nominalista – isto é, para expressar
marcador de diferenças quase-irredutíveis, ou algo que não existindo, de fato, no mundo fí-
seja, como sinônimo de raça. Suprimia-se o sico, tem realidade social efetiva (Guimarães
termo raça sem que o processo social de mar- 1999). Sem ele, ficaria impossível explicar a
cação de diferenças e fronteiras entre grupos longa trajetória que culmina na mobilização de
humanos perdesse o seu caráter reducionista e símbolos, temas e repertórios dos movimentos
naturalizador. sociais contemporâneos. Raça, enquanto con-
Mas, o mais importante para o ressurgi- ceito analítico, permite, por exemplo, exami-
mento da raça, enquanto classificador social, se nar a acusação feita por alguns antropólogos
deu com sinal invertido, isto é, como estratégia (Maggie 2005) segundo a qual a insistência do
política para incluir, não para excluir, de rei- movimento negro atual em classificar como ne-
vindicar e não de sujeitar. São os movimentos gros aqueles que se declaram nos censos pardos
sociais de jovens pretos, pardos e mestiços, pro- e pretos seria uma atitude anti-modernista de
fissionais liberais e estudantes, que retomaram retomar um racialismo que marcara brevemen-
o termo, para afirmar-se em sua integridade te os intelectuais naturalistas da geração dos
corpórea e espiritual contra as diversas formas 1870. No restante desse breve artigo procurarei
de desigualdade de tratamento e de oportuni- demonstrar como o nosso sistema de classifi-

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cação por cor não se sustenta sem o recurso No Brazil, como em toda a America Hispani-
sub-reptício à noção de raça e à teoria do em- ca, faltava povo. Num dos seus officios para a
branquecimento. chancellaria anstriaca o encarregado de negocios
Para começar, lembro que chamar de anti- Mareschal observa que mesmo que o paíz viesse
modernista a atitude do movimento negro se- a soffrer dos horrores da revolução, “o povo se
ria apropriado apenas para se referir à Frente cançaria da anarchia mais cedo do que na Euro-
Negra Brasileira dos anos 1930. De fato, àque- pa, porque elle se compunha na sua totalidade
la época, enquanto em São Paulo os negros se de fazendeiros e não havia a ralé que se torna nas
mobilizavam politicamente em torno da iden- mãos dos agitadores cégo instrumento”. A ralé
tidade racial negra, aproveitando o clima geral existia, mas era um elemento inteiramente fóra
de racialização da política que soprava da Euro- da vida politica: o gráo de ignorancia, a condi-
pa, aqui mesmo, e em todo o Brasil, os intelec- ção de falta de cultura, vedava ao povo propria-
tuais modernistas e regionalistas, muitos deles mente qualquer participação na vida consciente
mestiços, gestavam a reinvenção da nacionali- da communidade.
dade brasileira em torno do ideal da mistura
de raças. Há que se lembrar que este ideal de Pois, bem, já mostrei em Racismo e Anti-
mestiçagem e hibridismo é algo vem de tempo -racismo no Brasil que o nosso sistema de clas-
mais recuado, já captado por Von Martius em sificação de cor se origina da intrincada teoria
seu célebre opúsculo Como escrever a história de embranquecimento que a nossa geração
do Brasil. Certamente, a descoberta de que a naturalista moldou a partir das diversas teorias
nação brasileira tinha um povo mestiço data raciais então vigentes. Esta origem está expli-
da campanha abolicionista. Releiam Nabuco, citada por Oliveira Vianna (1959 [1932]: 45).
em O erro do imperador, e encontrarão lá, com Nesta teoria, cor não é redutível a “cor da pele”,
todas as letras: a simples tonalidade. Cor é apenas um, o prin-
cipal certamente, dos traços físicos – junto com
Os nobres e aristocráticos adversários do sr. Dan- o cabelo, nariz e lábios – que junto com traços
tas, descendentes quase todos de senhores de en- culturais – “boas maneiras”, domínio da cultu-
genho e fazendeiros, quando chegavam às janelas ra europeia, formavam um gradiente evolutivo
da Câmara e viam uma dessas manifestações de embranquecimento. Preto, pardo, branco.
populares, não descobrindo chapéus altos nem No grupo branco nunca se hesitaria em clas-
sobrecasacas, mas, num relance, pés no chão e sificar alguém de pele escura, mas traços finos
mangas de camisa, diziam somente: “Aquilo não (europeus) e boa educação. Entre os pardos,
vale nada, é a canalha”. Talvez, mas o nosso povo estavam certamente aqueles de traços físicos
é isso mesmo, é um povo de pés no chão e man- “negróides”, mas claros e bem educados.
gas de camisa, e não é um povo branco. É este sistema de classificação racial por
cor – mas não por cor da pele – que vem
Que a opinião de Nabuco, corrente entre sendo paulatinamente modificado no Brasil,
abolicionistas negros, não era, até os anos 1930, à medida que o ideal de embranquecimento
inteiramente partilhada nos meios acadêmicos vai perdendo força. De um lado, a organização
basta lembrar o seu conterrâneo Oliveira Lima, política dos negros, que rejeita frontalmente o
divido entre considerar se compunham o povo embranquecimento, e tenta impor uma noção
“os fazendeiros” ou apenas a ralé, o “povo pro- histórica, política ou étnica de raça. Quando
priamente”: se remete à história, a noção reúne pessoas que

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vivenciaram uma experiência comum de opres- xal, é que, apesar de mais fluída no gradien-
são; quando se remete à política, cria uma as- te, a classificação por cor da pele discrimina
sociação em torno de reivindicações; quando, melhor o grupo branco, ou seja, o distingue
se remete à etnia, quer criar um sentimento de de todas as outras cores sem os riscos de con-
comunidade a partir da cultura. Em todos os fusão possibilitados pelo embranquecimento.
casos, os gradientes de cor seriam contrapro- Evita-se e nega-se formas raciais de classifica-
dutivos, se não fossem reagrupados para tornar ção, entendendo que a tonalidade da pele é
pretos e pardos uma única categoria discreta um dado natural. No entanto, pode-se muito
(não-contínua), que bem poderia ser batizada bem, voltar-se a uma dicotomia antiga: bran-
de afrodescendentes ou negros. cos versus pessoas de cor.
Do outro lado, a cor vem sendo substituída Se assim é, porque tantas pessoas no Brasil
pela cor da pele, como princípio classificatório. insistem em falar em “cor da pele” ao invés de
Nesse modo de classificar, vigente na Europa apenas em “cor”, como é nossa tradição? De
atual, e muito utilizada no senso comum jor- fato, pesquisa recente do IBGE (2008) mostra
nalístico, mesmo nos Estados Unidos, a cor que a nossa forma tradicional de classificar en-
da pele seria apenas o único critério na classi- contra-se em plena vigência. Na tabela abaixo,
ficação. Ou seja, alguns brancos poderiam ser pode-se ver que outros traços físicos, origem
chamados de morenos, dark, foncés, brown, sem familiar, cultura e posição socioeconômica são
serem negros. Porque tal forma de classificar es- igualmente mobilizados para definir a catego-
taria se expandindo entre nós, no Brasil? Seria ria censitária “cor/raça”.
puro efeito da intensidade de nossos contatos
com a Europa e os Estados Unidos? Tabela 1: Brasil, proporção de pessoas de 15 anos ou mais de
Observando mais de perto essa forma de idade, por dimensões pelas quais definem a própria cor ou raça,
classificar, alguns fatos sobressaem. Primeiro, ge- 2008
ralmente o termo branco é etnicizado para signi- Cor da pele 82,3
ficar o europeu “de berço”, ou seja, sem origem Traços físicos 57,7
colonial ou imigrante de fora da Europa. Segun- Origem familiar, antepassados 47,6
do, tal classificação parece conviver com outras Cultura, tradição 28,1
classificações nativas. Por exemplo, Obama con- Origem sócio-econômica 27,0
tinua a ser referido como negro na Europa e no
Opção política /ideológica 4,0
Brasil, pelo fato de ser negro nos Estados Uni-
Outra 0,7
dos; ou um capoeirista mestiço brasileiro é negro
Fonte: IBGE (2008)
também na Europa, pois é portador da cultura
africano-brasileira. Terceiro, tal classificação não
Em plena vigência, mas modificado. Mi-
se aplica a povos orientais, como chineses, japo-
nha sugestão é que nosso sistema tradicional
neses ou coreanos. A cor da pele se refere a um
de classificação está sendo modificado pela
gradiente entre branco e preto.
perda de sentido do ideal de embranquecimen-
Podemos concluir, provisoriamente, que
to. Alguns outros fatos podem ser recolhidos
esta forma de classificar é ainda menos consis-
para fortalecer tal linha de raciocínio. De fato,
tente que a anterior, que levava em considera-
a partir do censo de 2000 a população branca
ção outros traços físicos, além da cor da pele,
começa a declinar mais que o esperado pelas
possibilitando um gradiente mais extenso.
tendências demográficas, enquanto a parda, a
Uma outra conclusão, aparentemente parado-
preta e a amarela voltam a crescer. Essas mu-

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danças sugerem, nitidamente, que está em cur- Amarela 1 2 1


so um processo de reclassificação racial, posto Mulato 1 1 0
que as tendências demográficas (fecundidade, Clara 0 1 1
mortalidade e migrações) não a explicam.
Outras 1 3 2
Talvez por isso a tabela 1 acima mereça ser
Não sabe 4 1 -3
inquirida de modo mais agressivo. Não estarão
Total em % 100 100 0
as influências da origem familiar e antepassa-
dos, da cultura e da tradição, totalmente em Fonte: DataFolha
desacordo com o que ensinam os estudos dos
anos 1960, realizados, entre outros, por Har- Ou seja, minha sugestão é de que a cor da
ris (1970), Azevedo (1953), Nogueira (1954), pele pode estar se destacando entre os elemen-
Sanjek (1971) e Wagley (1952)? Nesses, como tos considerados na nossa classificação, justa-
vimos, apenas traços físicos e posição social mente porque o ideal de embranquecimento
importavam. Agora, segundo esta pesquisa do tem-se enfraquecido. Para dizer de outro modo:
IBGE, cresce a importância de fatores que defi- à medida que a ideologia do embranquecimen-
nem as etnias (origem e cultura). to perde importância, também o sistema de
Ademais, comparando dois surveys reali- classificação em tipos raciais, que considera
zados pelo DataFolha, o primeiro em 1995, traços físicos e posição social, perde saliência.
e o segundo em 2008, as respostas às mesmas Do antigo sistema racial, a cor da pele passa,
perguntas captam uma diminuição de 18% no portanto, a destacar-se.
número de pessoas que se declaram espontane- Há também que se levar em conta, para
amente brancas e um aumento de 18% dos que explicar a força que a cor da pele ganha na
se declaram morenas ou morenas claras (ver Ta- percepção das pessoas, que esta forma de
bela 2). Poderiam estes dados serem interpreta- classificação social (a que faz referência ex-
dos como uma renúncia à brancura por parte plícita apenas à cor da pele), não somente é
daqueles “brancos” de cor mais escura, aqueles corrente na Europa ocidental, como tem cur-
que se consideram espontaneamente morenos? so livre na nossa imprensa e na sua sociologia
É o que sugiro. Tal renúncia não poderia ser espontânea, tendo hoje o respaldo de cien-
feita se fatores outros como origem familiar tistas sociais e geneticistas de renome. As-
(seus antepassados), ou sua tradição cultural, sim, os intelectuais que assinam o manifesto
não ganhassem importância, na construção da “Cento e treze cidadãos anti-racistas contra
identidade racial de cor, sobre ideais de em- as leis raciais “reafirmam a inexistência de
branquecimento. raças humanas, mas ignoram a existência de
grupos sociais de cor, para enfatizar apenas a
Tabela 2: Declaração de cor espontânea em 1995 e 2008 (em %) variação individual da cor da pele, realidade
objetiva e natural:
Qual a sua cor? 1995 2008 D
Branca 50 32 -18
Raças humanas não existem. A genética com-
Moreno 13 28 15
provou que as diferenças icônicas das chamadas
Parda 20 17 -3
“raças” humanas são características físicas super-
Negro 7 7 0 ficiais, que dependem de parcela ínfima dos 25
Moreno claro 2 5 3 mil genes estimados do genoma humano. A cor
Preta 1 4 3 da pele, uma adaptação evolutiva aos níveis de

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radiação ultravioleta vigentes em diferentes áre- como lembrava Marx, são invenções possíveis
as do mundo, é expressa em menos de 10 genes! apenas em sociedades complexas, formadas por
classes sociais e outras formas de pertenças ele-
Até mesmo na sociologia de língua inglesa, mentares.
antes tão imbuída da realidade social das ra-
ças, esta teoria naturalista e individualista da
cor tem seus defensores. Por exemplo, Michael Notas
Banton, um dos sociólogos ingleses mais des-
tacados no campo da “relações raciais”, passa 1. O artigo, no prelo, aparecerá em breve no Ethnic and
Racial Studies.
também a adotar a estratégia discursiva1 de que
o antídoto ao racismo é a afirmação da “cor”
como uma realidade natural, objetiva e indivi-
dual, e descarta o uso político ou analítico da Referências bibliográficas
noção de raça, que seria apenas um produto da
AZEVEDO, Thales de. Les Élites de couleur dans une ville
imposição de uma linha de cor. brésilienne. Paris: UNESCO, 1953.
Este exemplo mostra que não apenas “raça”, BARTH, Frederik. “Enduring and emerging issues in
mas também “cor” e “cor da pele” podem ser the analysis ofethnicity”. In: VERMEULEN, Hans;
usados no mesmo contexto carregado de ide- GOVERS, Cora (Ed.). The anthropology of ethnicity,
ologia e de política, podendo ser manipulados beyond ethnic groups and boundaries. Amsterdam: Het
Spinhuis, 1994, p. 11-32.
como conceitos naturais na luta anti-racista ou
BOMFIM, Manoel. América Latina: Males de Origem.
na impostura racista. Podem também servir de Rio de Janeiro: Topbooks, 1993.
marcadores para um discurso de solidariedade GUIMARÃES, Antonio Sergio A. (1999). Racismo e
e de sentimento de pertencimento comunitá- Anti-Racismo no Brasil, São Paulo, Ed. 34.
rio, que é, ao fim e ao cabo, o que distingue o HARRIS, Marvin. Referential Ambiguity in the Calcu-
discurso étnico – a referência a uma origem co- lus of Brazilian Racial Identity. Southwestern Journal
of Anthropology, Vol. 26, n. 1 (Spring, 1970), p. 1-14,
mum – ou nacionalista – de compartilhamento
1970.
de um mesmo destino societário e político. IBGE, Diretoria de Pesquisas, Coordenação de Popula-
No caso da identidade negra, no Brasil, ção e Indicadores Sociais, Pesquisa das Características
vários marcadores já foram utilizados pelo dis- Étnico-raciais da População 2008.
curso mobilizador – lembrem-se que, segundo LIMA, Oliveira. O movimento da independência, 1821-
Barthes (1994), a formação étnica é também 1822. S. Paulo, Comp. melhoramentos de S. Paulo,
Weiszfolg irmāos incorporado, 1922.
um empreendimento político –: a cor (as pes-
MAGGIE, Yvonne. Mário de Andrade ainda vive? O
soas de cor), a raça (raça negra) e a posição so- ideário modernista em questão, RBCS vol. 20 n. 58
cial (“o negro é um lugar” como dizia Guerreiro junho, p. 5-25, 2005.
Ramos (1995)). Sem dúvida, as duas primeiras NABUCO, Joaquim. “O erro do imperador” In:
formas de mobilização, apesar de imprecisas e MELLO, Evaldo Cabral de (org.) Essencial Joaquim
incorretas cientificamente, foram as mais efica- Nabuco. Penguin / Companhia das Letras, 2010.
NOGUEIRA, Oracy. “Preconceito racial de marca e
zes. Infelizmente, etnias, raças e cores humanas
preconceito racial de origem: sugestão de um quadro
revelam-se refratárias às formas de esclareci- de referência para a interpretação do material sobre
mento pela razão. É como se fosse impossível relações raciais no Brasil”. In: Tanto preto quanto bran-
ao ser humano, não apenas fugir à sociedade, co: estudos de relações raciais. São Paulo: T.A. Queiroz,
mas ultrapassar formas de solidariedades gru- (1985 [1954]), 67-93.
pais mais estreitas. As utopias individualistas, PARK, Robert. The Career of the Africans in Brazil, In-

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troduction to Donald Pierson, Negroes in Brazil. Chi- VIANNA, José de Oliveira. Raça e assimilação. Rio de Ja-
cago: University of Chicago Press, 1942. neiro: J. Olympio, (1959 [1932]).
RAMOS, Alberto Guerreiro. Introdução Crítica à Sociolo- VON MARTIUS, Karl Friedrich e RODRIGUES, José
gia Brasileira, Rio de Janeiro, Ed. UFRJ, 1995. Honório. Como se deve escrever a Historia do Brasil,
SANJEK, R. Brazilian Racial Terms: Some Aspects of Revista de Historia de América, n. 42, p. 433-458, dec.,
Meaning and Learning. American Anthropologist 73, 1956.
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SCHWARCZ, L. K. M. O Espetáculo das Raças, São Pau- les castes dans le Brésil septentrional”. In: WAGLEY,
lo, Cia das Letras, 1993. Charles (ed.). Races et Classes dans le Brésil Rural. Paris:
VENTURA, Roberto. Estilo Tropical - História cultural e UNESCO, 1952.
polêmicas literárias no Brasil, 1870-1914, São Paulo,
Cia. Das Letras, 1991.

autor Antonio Sérgio Alfredo Guimarães


Professor do Departamento de Sociologia / USP

Recebido em 15/09/2011
Aceito para publicação em 15/09/2011

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