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_ Ciéncias humanas 4 Pesquisa e método Céli Regina Jardim Pinto Cesar A. Barcellos Guazzelli { | { [ScRADUACAO O pesquisador iniciante € a produgao do conhecimento hist6rico: da definigao do tema a apresentacao dos resultados * Benito Bisso Schmidt Regina Célia de Lima Xavier Silvia Regina Ferraz Petersen 0 oficio do historindor geralmente é visto pelo pablico como correspondente a “ensinar Hist6ria", Essa visto, que expressa 2 consciéncia coletiva de que Histéria é um conhecimento de grande importancia ¢ que deve ser ensinado por profissionais, ndo esté errada, mas é incom pleta, pois o historiador deve ser também, e antes de tudo, um pesquisador. S6 como pesquisador poder produzir conhecimento hist6rico e avaliar criticamente o conhecimento produzido; € fazer pesquisa hist6rica significa conhecer e saber empregar as intimeras ferramentas desse officio. Inicialmente, é preciso observar que a pesquisa ¢ uma fatica. O joven pesquisador nio deve ‘entio criar uma Imagem distorcida de que a pesquisa é uma tarefa apenas para profissionais ex: perientes ou que s6 é pesquisa aquela que resulta em livros, teses ou dissertagdes. Esperamos que nosso texto contribua para mostrar que isso nao é verdade ¢ que a pesquisa no € nem trabalho para uma “confraria de iniciados”, nem uma “prética espontinea’, “uma coleta de dados guiada Por aquilo que se encontra ao acaso". Ao contririo, 0 estdante, ao longo de seu curso de gradua- Go, deve ir aprendendo a pesquiser, adquirindo progressivamente 0 dominio dos instrumentos dessa prética, que si teéricos, metodoldgicos ¢ técnicos. Tal aprendizado é que pode favorecer para que sua pesquisa adquira um perfil cientifico, tanto no sentido de reconhecer o quanto de subjetividade o pesquisador imprime em seu trabalho, como no de que seu resultado ultrapasse a visio comum, empirica, dos fatos que investiga, ou seja, consiga romper as aparéncias com que a tealidade se mostra ao observador. Essa ruptura, alias, é 0 “ato inaugural” da ciéncia em qualquer de suas manifesiagoes. Otextoa seguir! trata dessas quest6es e foi escrito pensando principalmente em voc®, graduan- do de Histéria, que se inicia no prazer e na responsabilidade profissional de realizar o trabalho da pesquisa ¢ refletir sobre as questdes que tal pratica coloca ao historiador. £ exatamente uma trodugio &s questdes da pesquisa hist6rica que este texto pretende apresentar, e desejamos que ‘ele possa auxilié-lo a percorrer esse caminho. 'Nés, os autores, somos professores ¢ pesquisadores do Departamento ¢ do Programa de Pés- Graduacéo em Histéria da Universidade Federal do Rio Grande do Sul e temos trabalhado com nossos alunos estes € outros temas da produgao do conhecimento hist6rico, principalmente nas disciplinas de Introdugio a Histéria, Teoria e Metodologia da Histéria e Técnicas de Pesquisa em Hist6ria, + Veni anteriores dese texto foram spresentada come ples na Primi Jornada “O unbalho de pagina peagsa do trabalho", promevien pelo Grupo de Trabalho “Mandos do Trablo, da Awociaao Nacional de ator Wickes Rio Grande do Sul (ANPUH-RS). Posteriormence, ts palestras foram publica, nt (orm de artigos independentes, na Fevists Diogo, co Cento Universtirie LaSalle (n.5, 2904), por eonvie do editor Rodrigo Lemos Sines. Prna presente resaptaram por etn e elitr aay contac de em 2. CENCIAS HUMANAS: PESQUISAE METODO 37 m1 Como o trabalho de produgio do conhecimento histérico deve partir e retornara uma realidade concreta, que tem existéncia independente de nosso conhecimento sobre ela, procuramos, sempre que possivel, associar os comentarios a exemplos, muitos deles situados no campo da hist6ria social do trabalho, ja que esse é um dos émbitos de pesquisa em que atuamos, A exposicéo inicia com algumas consideracies gerais sobre o papel das referencias teéricas, metodolégicas ¢ técnicas no trabalho de pesquisa histérica; em seguids, eats de-explicar em que consiste um projeto de pesquisa no Ambito dessa disciplina e algumas consideragdes sobre @ seu. desenvolvimento; e conclui com observagdes sobre o processo de escrita e apresentacao dos resul- tados da investigacio. As referéncias tedricas, metodolégicas e técnicas da pesquisa: observagdes preliminares © estuckante, muitas veres, tem uma imagem bastante fantasiosa do que sio as referé tedricas, metodoldgicas ¢ técnicas de uma pesquisa e as entende como uma espécie de “receita” — sem saber bem qual é ou onde pode ser encontrada -, cujo dominio garantiria a cientificidade do wabalho do historiador ¢ a qualidade do conhecimento que ele produz. Apesar dessa distorcio e do fato, indiscutivel, da discussio teérico-metodolégica ser indispen- sivel & realizagio de uma pesquisa académica, em muitos cursos de graduagio em Hist6ria, ainda hoje, tl problemiitica é pouco discutida e, por isso, achamos importante abordé-la especificamen- te, antes de comentarmos as caracteristicas e condigdes de elaboragdo de um projeto de pesquisa hhist6rica, sua execugdo e posterior apresentagio de resultados. Perguntaro que vem ser “teoria” parece ser, entio, um ponto de partida proveitoso. Dizendo de forma muito simplificada, a teoria é um conjunto articulado de conceitos que expressa uma iso geral da estru i lidade, ou de algumas de suas partes. A teoria nunca én realidade mesma, pois, por assim di reduz 0 fendmeno que representa a seus aspectos intrinsecos, constitutivos ¢ esse, qualquer que seja, tem ao mesmo tempo propriedades especificas, acidentais, variiveis, histéricas enfim, No entanto, sem esse campo abstrato que é uma teoria, o historiacor s6 perceberia aquilo que seus sentides apreendem. I peuGRe SOA OTIC, ° aparente, o explicita, pela realidade mesma, Assim, na pesquisa, a teoria serve como um “mapa preliminar”, a partir do qual 0 pesquisador interroga a porcio da realidade que deseja investigar. Voltaremos a isso mais adiante. Por vezes, conforme revela a nossa experiéncia docente, alguns alunos perguntam: "Professor, eu j tenho o tema do projeto, a justificativa ¢ 0 problemay mas ainda nio tenho os referenciais tedricos!” Kssa é uma formulagio equivocada, Na verdade, a0 enunciarmos um tema e/ou um, problema, jé partimos de uma determinada concepcZo da realidade. Tal concepcio pode - como esse caso ~ ser inconsciente para o préprio pesquisactor, mas isso 1 de teor Vamos dar um exemplo no campo da histéria social do trabalho: se alguém diz que quer pesquisar o movimento operario em Porto Alegre no periodo do Estado Novo, mesmo que no saiba, jd esta partindo de algumas definigdes prévias (de operario, de movimento operario e até de oraals ben explicados msi diante, FENepmiosse ‘58-CELI RW, PINTO@ CESARA.8, GUAZZELLI.

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