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Ginzburg : Sinais - Raízes de um paradigma indiciario

No final do século XIX emergiu no âmbito das ciências humanas um modelo epistemológico (um
paradigma) que não se prestou atenção suficiente. Que talvez faça sair da contraposição entre racionalismo
e irracionalismo.

Giovanni Morelli criou o método morelliano para identificar os autores então é melhor se basear em
características menos imitáveis, os pormenores mais negligenciáveis, e menos influenciados pelas
características da escola a que o pintor pertencia.

Esse método de Morelli foi importante porque havia muitos quadros atribuídos de maneira incorreta nos
museus e não havia uma logística para novas atribuições. Através do método dele, foi possível fazer
novas atribuições. Mas o método de Morelli foi muito criticado, e desenhado até que fosse colocado em
evidência novamente por Wind.

"Qualquer museu de arte estudado por Morelli adquire imediatamente o aspecto de um museu criminal"
(ilustrações de dedos, orelhas) /\ Castelnuovo

Ele aproximou o método indiciário de Morelli ao que era atribuído, a Sherlock Holmes de Arthur Conan
Doyle.

"O conhecedor da arte é comparável ao detetive que descobre o autor do crime (do quadro) baseado em
indícios imperceptíveis para a maioria" (p.145)

Wind: A alguns dos críticos de Morelli parecia estranho o ditame de que a "personalidade deve ser
procurada onde o esforço pessoal é menos intenso". Mas sobre este ponto a psicologia moderna
certamente do lado de Morelli: os nossos pequenos gestos inconscientes revelam o nosso caráter mais do
que qualquer atitude formal, cuidadosamente preparada por nós (p.146)

Psicologia moderna = Freud

Nos três casos, pistas talvez infinitesimais permitem captar uma realidade mais profunda, de outra forma
inatingível. Pistas: mais precisamente, sintomas (no caso de Freud), indícios (no caso de Holmes), signos
pictóricos (no caso de Morelli). PG.150 /\ todos eram formados em medicina

Modelo da semiótica médica

No final do século XIX - mais precisamente da década de 1870-80 - começou a se afirmar na Ciências
humanas um paradigma indiciário baseado justamente na semiótica. PG. 151

Semiótica é o estudo dos signos, que consistem em todos os elementos que representam algum significado
e sentido para o ser humano, abrangendo as linguagens verbais e não-verbais.

A semiótica busca entender como o ser humano consegue interpretar as coisas, principalmente o ambiente
que o envolve. Desta forma, estuda como o indivíduo atribui significado a tudo o que está ao seu redor

Paradigma: pressupor o minucioso reconhecimento de uma realidade talvez íntima, para descobrir pistas de
eventos não diretamente experimentáveis pelo observador.

Festo mais antigo do paradigma indiciário: o do caçador agachado na lama, que escrita as pistas das presas

Ciência galileana: do que é individual não se pode falar. Quantificação e a repetibilidade dos fenômenos,
enquanto a perspectiva individualizante excluía por definição a segunda, e admitia a primeira apenas em
funções auxiliares.

Como o do médico, o conhecimento histórico é indireto, indiciário, conjecturas. *conjectural.

Mesmo que o historiador não possa deixar de se referir, explícita ou implicitamente, a séries de fenômenos
comparáveis, a sua estratégia cognoscitiva assim como os seus códigos expressivos permanecem
intrinsecsmente individualizantes (mesmo que o indivíduo seja talvez um grupo social ou uma sociedade
inteira). Pg.157
A noção de texto que temos está ligada a uma escolha cultural

Mancini: o estudo da escrita dos "caracteres" mostrava que a identificação da mão do mestre deveria ser
procurada de preferência nas partes do quadro a) executadas mais rapidamente e, portanto, b)
tendencialmente desligadas da representação do real

Ciências humanas ancoradas no qualitativo

Zadig o camelo e os três irmãos. "método zadig", a capacidade de fazer profecias retrospectivas

Paradigma indiciário ou divinatório, descarta o paradigma galileano. Quando as causas não são
reproduzidas, só resta inferí-las a partir dos efeitos.

Ginzburg propõe-se a demonstrar a emergência de um paradigma (Modelo epistemológico) que não surge
no âmbito das ciências humanas no final do século XIX e procura analisá-lo a fim de escapar da esgarçada
contraposição entre "racionalismo" e "irracionalismo". Enfoca, então, a analogia entre o crítico de arte
Giovanni Morelli, o personagem de Conan Doyle, Sherlock Holmes, e Freud.

Os três desenvolveram seus métodos nos detalhes negligenciados, nos indícios diminutos, nos dados
marginais.

A explicação para esta analogia consiste no fato dos autores terem tido formação médica e, como
consequência, terem impresso em seus métodos o modelo da semiótica médica. Desse modo, começou a se
esboçar um paradigma indiciário nas ciências humanas baseado na semiótica. Mas esse paradigma tinha
raízes muito antigas.

Ginzburg encontra as raízes desse paradigma no mundo dos caçadores, entre as pegadas na lama, os ramos
despedaçados, as bolinhas de esterco, os pêlos e as penas. O homem, durante gerações e gerações, aprendeu
a decifrar os sinais deixados pelos animais e é a capacidade de sair de dados experimentais aparentemente
descuidados para uma realidade complexa não experimentável diretamente que caracteriza este saber
venatório. A partir daí, Guinzburg percorre o destino desse paradigma ao longo da história, suas
apropriações e expropriações, deixando claro que o paradigma indiciário foi formado por diversas camadas
culturais.

Ao finalizar o ensaio, Guinzburg fornece um sinal que nos remete a muitos outros sinais. Salienta o valor
da intuição que, irradiando-se na experiência coditiana, "une estreitamente o animal homem às outras
espécies animais" (P-179).

Segundo Ginzburg, ainda que as raízes do método indiciário remontem ao início da atividade intelectual
do homem, seu desenvolvimento mantém estreitos vínculos com a tendência à criminalização da luta de
classes surgida das relações de produção capitalistas. A emergente necessidade do Estado de controlar a
todos e a cada indivíduo é também «um instrumento para dissolver as cortinas de fumaça da ideologia»
(GINZBURG, 1983:96). Assim, referindo-se à apropriação do saber indiciário dos bengalenses pela
burocracia imperial, comenta:

«O que aos olhos dos administradores britânicos era até pouco tempo atrás uma massa indistinta de beiços
bengalenses (para usar o termo depreciativo de Filarete) se convertia de repente em uma série de indivíduos
distintos, cada um com um traço biológico específico» (GINZBURG, 1983:96)

A partir do paradigma indiciário, Ginzburg introduziu uma nova maneira de fazer História, alimentando a
idéia de transgredir as proibições da disciplina e ampliando seus limites, em uma abordagem que privilegia
os fenômenos aparentemente marginais, intemporais ou negligenciáveis: as estruturas arcaicas e os
conflitos entre diferentes configurações sócio-culturais. Uma abordagem capaz de remontar uma realidade
complexa, não experimentável diretamente, que parte da análise de casos bem delimitados, cujo estudo
intensivo revela problemas de ordem mais

geral e contesta idéias solidificadas sobre determinados fatos e épocas.


A conclusão junta as duas partes do ensaio. Interessado na revalorização da prova na historiografia,
Ginzburg opõe ao paradigma dominante da abstração/quantificação/reprodubitilidade das ciências físicas
– que ele chama de paradigma galileano – o paradigma da qualidade/individuação/irreprodutibilidade, do
saber indiciário médico e policial (que associa ao conhecimento historiográfico). Ao descrever o método
indiciário, Ginzburg conclui que aqui “entram em jogo (diz-se normalmente) elementos imponderáveis:
faro, golpe de vista, intuição”. E é interessante registrar como o autor fugia e de repente libera o uso dessa
palavra perigosa: intuição.

166,167)

Prossegue falando da tentativa (segundo ele mesmo) “desbotada” se dar uma formulação

verbal precisa a esses saberes e observa que “ Talvez só no caso da medicina a codificação

escrita de um saber indiciário tenha dado lugar a um verdadeiro enriquecimento (mas a

história das relações entre medicina culta e medicina popular ainda está por ser escrita).

Ao longo do século XVIII, a situação muda. Há uma verdadeira ofensiva cultural da

burguesia, que se apropria de grande parte do saber, indiciário e não-indiciário, de

artesãos e camponeses, codificando e simultaneamente o gigantesco processo de

aculturação, já iniciado (...) pela Contra-Reforma.”(p 167)

“Para um número sempre crescente de leitores, o acesso a determinadas experiências

tornava-se cada vez mais mediado pelas páginas dos livros (temos aqui a asceção

burguesa dando um novo rumo aos saberes indiciários) O romance simplesmente forneceu à

burguesia um substituto e, ao mesmo tempo, uma reformulação dos ritos de iniciação – o

acesso à experiência em geral. E é justamente graças a literatura de imaginação que o

paradigma indiciário conheceu nessa época um novo, e inesperado, destino.” (p 168)

“ Na metade do século XIX, vemos desenhar-se uma alternativa: o modelo anatômico de

um lado, o semiótico de outro. A metáfora da “anatomia da sociedade”, usada numa

passagem crucial também por Marx, exprime a aspiração a um conhecimento sistemático

numa época que vira enfim o desmoronamento do último sistema filosófico, o hegeliano.

Mas, não obstante o grande destino do marxismo, as s humanas acabaram por

assumir sempre mais (com uma relevante exceção, ...) o paradigma indiciário da

semiótica. E aqui reencontramos a tríade Morelli-Freud-Conan Doyle da qual partimos.”

(pp 170,171)

princípios viessem a amadurecer depois de tanto tempo não era casual. Justamente

então vinha surgindo uma tendência cada vez mais nítida de um controle qualitativo e

minucioso sobre a sociedade por parte do poder estatal, que utilizava uma noção de

indivíduo baseada, também ela, em traços mínimos e involuntários.” (p 171)

(3) – “Cada sociedade observa a necessidade de distinguir os seus componentes; mas

os modos de enfrentar essa necessidade variam conforme os tempos e lugares. Existe,


antes de mais nada, o nome; mas, quanto mais a sociedade é complexa, tanto mais o

nome parece insuficiente para circunscrever inequivocadamente a identidade de um

indivíduo.” (pp 171,172)

“O problema da identificação dos reincidentes (criminosos que já haviam sido condenados

antes) que se colocou naquelas décadas (desde 1870 houve um aumento considerável no

número de reincidentes), constituiu de fato a cabeça-de-ponte de um projeto geral, mais ou

menos consciente, de controle generalizado e sutil sobre a sociedade. Para a

identificação dos reincidentes era necessário provar a) que um indivíduo já havia sido

condenado, e b) que o indivíduo em questão era o mesmo que já sofrera condenação. O

primeiro ponto foi resolvido pela criação dos registros policiais. O segundo levantava

dificuldades mais sérias. As antigas penas que marcavam um condenado para sempre,

estigmatizando-o ou mutilando-o, haviam sido abolidas.” ( p 173)

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