Você está na página 1de 3

BANDEIRISMO PAULISTA

"Representando o auge do apresamento de cativos guarani, o surto bandeirante de


1628-41 relacionava-se muito mais ao desenvolvimento da economia do planalto do que –
como a maioria dos historiadores paulistas tem colocado – à demanda por escravos no
litoral açucareiro. Sem dúvida, alguns – talvez muitos – cativos tomados pelos paulistas
chegaram a ser vendidos em outras capitanias. Mas este comércio restrito não explica nem
a lógica nem a escala do empreendimento bandeirante. As evidências fazem ....... que o
abastecimento dos engenhos foi um aspecto conscientemente distorcido pelos jesuítas da
época, justamente porque fornecia elementos substantivos para seu pleito contra os
paulistas. [ ... ]
Ao mesmo tempo, poucos indícios sugerem que outras regiões no Brasil tenham
comprado, nesse período, cativos indígenas das capitanias do Sul. A versão convencional da
historiografia brasileira sustenta que as grandes expedições contra as reduções coincidiram
com uma crise aguda de mão-de-obra no Nordeste açucareiro, decorrente das invasões
holandesas e da interrupção no tráfico de escravos africanos, em conseqüência da perda de
Angola. Porém, este argumento é deficiente no seu recorte cronológico, pois a expedição de
Raposo Tavares saiu alguns anos antes da invasão de Pernambuco e é bem anterior à
tomada de Luanda. Mesmo assim, é verdade que, embora a indústria açucareira empregasse
o trabalho indígena para a execução de determinadas tarefas o número de índios disponíveis
decresceu nos primeiros anos do século XVII. Em resposta a esta situação, os portugueses
da Bahia organizaram expedições de apresamento semelhantes àquelas que saíam de São
Paulo, ainda que sem produzir os mesmos resultados. [ ... ]
De fato, o envolvimento português no Maranhão foi um reflexo da expansão
açucareira no Nordeste, pois esta nova colônia poderia abastecer, com gêneros alimentícios
e mão-de-obra escrava, os engenhos, particularmente de Pernambuco e outras capitanias no
Norte. Essa incipiente conexão torna-se clara a partir da documentação holandesa referente
a Pernambuco, pois os flamengos passaram a interessar-se pela potencialidade do tráfico de
escravos “tapuia” entre Maranhão e Pernambuco. Talvez nesse sentido, ironicamente, é que
a invasão holandesa teria afetado a demanda nordestina pela mão-de-obra indígena.
Na verdade, os escravos índios que foram “exportados” de São Paulo
representariam apenas o excedente da economia do planalto. Além do modesto tráfico
marítimo entre a região dos Patos e as praças ao norte, parece pouco provável a
transferência de muitos cativos diretamente do sertão ou das reduções para os engenhos.[...]
Portanto, quase todos os índios capturados neste período foram, sem dúvida,
integrados à economia florescente do planalto. É o que mostra a própria documentação
paulista: verifica-se o crescimento da concentração de índios arrolados em inventários de
.bens nas vilas de São Paulo e de Santana de Parnaíba. [ ... ]
2

A partir da década de 1640, as expedições de grande porte ...deram lugar a novas


formas de organização do apresamento. De modo geral, as viagens rumo ao sertão
passaram a ser de menor ...... mais freqüentes e mais dispersas em termos geográficos. De
fato a mudança mais significativa residia na orientação geográfica das expedições, na
medida em que os paulistas viam-se obrigados a procurar um substituto adequado para os
cativos guarani que haviam alimentado as operações anteriores. [ ... ]
A ambiciosa aventura empreendida por Antônio Raposo Tavares em 1648 também
deve ser enquadrada neste contexto Jaime Cortesão – entre outros – caracterizou esta
expedição como “a maior bandeira do maior bandeirante”, insistindo nos fundamentos
geopolíticos que teriam motivado a exploração portuguesa no interior do continente. Na
verdade, Raposo Tavares e seus companheiros, na maioria residentes em Santana de
Parnaíba, procuravam, desta vez, investigando a possibilidade de assaltar as missões, ao
longo do rio Paraguai, reproduzir o êxito obtido nas invasões do Guairá. Apesar de
rechaçado pelos jesuítas e seus índios perseguido pelos irredutíveis Paiaguá e molestado
pelas enfermidades do sertão, Raposo Tavares seguiu viagem pelo Madeira até o
Amazonas, chegando a Belém após vagar por três anos na floresta. Outros da expedição,
não querendo se arriscar a paragens tão longínquas, voltaram para São Paulo diretamente
do Itatim trazendo nativos das missões, o que encorajou futuras investidas nessa direção.
Portanto, no contexto de seu tempo, a “maior bandeira” deve Ter repercutido como um
grande fracasso, sendo que o Raposo Tavares que regressou a São Paulo era um homem
acabado, empobrecidos de acordo com alguns, tão desfigurado que seus próprios parentes
não o reconheceram.
A maioria dos colonos, que não contava com os recursos de um Raposo Tavares ou
um Vaz de Barros, restringia-se à procura de cativos nas regiões mais próximas a São
Paulo. Diversas expedições penetraram no vale do Paraíba, região abandonada pelos
preadores de índios da geração anterior. Este movimento acarretou a fundação na região de
novas vilas por pioneiros paulistas, sendo que nos anos 1640-50 foram instalados
pelourinhos em Taubaté, Guaratinguetá e Jacareí. Ao mesmo tempo, aventureiros da vila de
Parnaíba trilharam os sertões para o Oeste e Sul, chegando a estabelecer as vilas de Itu,
Sorocaba e Curitiba. A noroeste, colonos de São Paulo fundaram a vila de Jundiaí. O
desenvolvimento de cada uma dessas vilas refletia as novas orientações da busca pela mão-
de-obra indígena. As vilas do vale do Paraíba, por exemplo, serviram de base para as
investidas na serra da Mantiqueira e na vasta região das futuras Minas Gerais, onde a
população, predominantemente tupi, atraía os paulistas. Jundiaí, por sua vez, situada no
chamado caminho geral do sertão, orientava os colonos até os índios e minas de Goiás; já
as vilas a oeste – Itu e Sorocaba – tornaram-se pontos de partida para o Extremo Oeste.
Assim, a expansão do povoamento, vinculada à busca de mão-de-obra, também
reintroduziu os Guaianá e guarulhos nos plantéis paulistas. Sempre ao alcance dos
preadores de escravos, estes grupos foram poupados por mais de mio século por causa dos
3

cobiçados Guarani. Contudo, com a queda do abastecimento de mão-de-obra guarani, o


apresamento dos Guaianá e guarulhos surgia como solução temporária para a crise. As
expedições de João Mendes Geraldo, Antonio Pedroso de Barros e Fernão Dias Pais,
voltando ao antigo Guairá para capturar os Guaianá remanescentes, trouxeram em 1645,
1650 e 1661 muitos cativos. Já as expedições de Jaques Félix e Jerônimo da Veiga
escravizaram, no início da década de 1640, muitos guarulhos, sendo outros da mesma etnia
reduzidos, por volta de 1665, nas proximidades do rio Atibaia.
O maior empreendimento pós-1640, a bandeira de 1666, também estava associado a
um forte movimento colonizador. Ao que parece, a expedição penetrou no sertão de Minas
Gerais, talvez na nascente do rio São Francisco, uma vez que alguns documentos
associados ao movimento referem-se a cativos amboapira (tememinó) e apuatiyara
(tobajara, grupos que habitavam a citada região. A comprovar a mesma hipótese, um dos
participantes da expedição, Bartolomeu Bueno Cacunda, declarava, num litígio de 1682,
que havia estabelecido uma roça no Sapucaí dezesseis anos antes. Outras informações
provêm do testamento pouco conhecido de Manuel Lopes, redigido em 1666 no sertão dos
Abeiguira. No documento, o moribundo afirmava encontrar-se “neste deserto”, arrolando
24 sertanistas proeminentes como testemunhas. O chefe da expedição, portador da almejada
patente de capitão-mor, era Jerônimo de Camargo, que, pouco depois, estabeleceria
próspera propriedade em Atibaia, com seiscentos índios e uma elaborada capela. Outros
participantes, tais como Francisco Cubas Preto, Baltasar da Veiga, Salvador de oliveira,
Antonio Bueno e Bartolomeu Fernandes Faria, Assentaram-se, igualmente, nas boas terras
situadas entre os rios Juqueri e Atibaia, cada qual com plantéis com mais de cem índios.
Essas prodigiosas posses de cativos, na verdade as últimas em São Paulo de Alguma
expressão até a expansão açucareira do final do século XVIII, formaram a base dos bairros
rurais de Atibaia, Votorantim e Antonio Bueno (ou Juqueri)".

(MONTEIRO, John, Negros da Terra, SP, Cia das Letras, 1994, p. 76-83

Você também pode gostar