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1 - Janeiro/2019
ISSN 2595-7473
Mestre
Moa do
Katendê
“Quem vai quebrar a máquina
do mal?”
Editorial Quem faz?
O papel fundamental da arte é provocar a Conselho Editorial: Jaqueline
reflexão no cenário político -social, promo- Elesbão, Anderson Gavião e Nai
Meneses
vendo revoluções/ evoluções através de ex- Projeto Gráfico e Design Editorial
pressões críticas e analíticas plurais. Mel Campos
Iniciamos o ano de 2019 cheios de motivos Diagramação: Nai Meneses
Revisão de texto: Alana Falcão
para falarmos e fortalecermo-nos no coleti- Colunistas: Alana Falcão, Daniel
vo da diversidade. E numa revista que aco- Arcades e Felipe Ferreira.
lhe vozes tão potentes e cheias de identida- Editor do site Coletivo Ponto Art:
de não poderia ser diferente. George Ian
06
teatro
12
O teatro e seu público: A cena negra
cresce e o público vem junto
teatro
ponto de vista
30
Jaguar Carvalho: Fotografia
Cultura
literatura
46
O ARTISTA TEM DE IR ONDE O POVO
ESTÁ: Resistência Poética e sua poesia
afrocentrada no buzú
43
6 Moara 7
Rocha
cinema
cinema
+1, Baêa!
Oito anos se passaram, a pro- temos 6 longas licenciados e cada projeto têm a preocu-
1. Você é atriz, produtora e pação artística de não endos-
sócia da +1 Filmes (@maisum- sar um imaginário linguístico e
filmes). Numa análise abran- comportamental que as outras
gente de estrutura, produção regiões do país construíram e
e conteúdo, qual balanço cristalizaram do “ser baiano”?
você faz do mercado audio-
visual baiano de 2010 (ano de O humor sempre foi um cami-
nascimento da +1) até os dias nho muito natural pra gente.
de hoje? Ficou mais “fácil” ter Nós costumamos dizer que o
uma ideia na cabeça, colocar que não é natural é mais na-
a câmera na mão e fazer con- tural do que parece, ou seja,
teúdo audiovisual na Bahia? a vida real pode ser mais per-
formática que a ficção. Nossa
Muita coisa mudou no merca- maior preocupação é com a
do nacional de forma geral de história que está sendo conta-
2010 pra cá. O mercado au- da e tudo que pode somar tec-
diovisual baiano cresceu mui- nicamente a ela. Aos que cris-
to em número de produção e talizaram um comportamento
conteúdo, mas o investimento estereotipado do ser baiano
ficou mais escasso. O avanço eu ofereço 400 vídeos de pura
da tecnologia e a democrati- loucura soteropolitana, com
zação de exibição que a inter- dutora ampliou seu leque de rodando festivais pelo Brasil e algumas pitadas de interior da
net promove torna realidade conteúdo e, no lugar dos víde- pelo mundo. Essa transição se Bahia para que passem a ter
o conceito de Glauber Rocha. os semanais, tem apostado na deu de forma muito natural, um novo olhar (risos).
De uma forma mais contem- produção de curtas de ficção, como uma nova fase profissio-
porânea podemos dizer que documentários, clipes musicais nal e também por uma análise 4. Além de tocar os traba-
com um celular na mão e mui- e webséries. Esse reposiciona- mais apurada do mercado da lhos da +1 Filmes, você é uma
tas ideias na cabeça é possível mento da marca no mercado internet. das organizadoras do Lugar de
fazer grandes produções. Mas, independente foi importante Mulher é no Cinema ao lado
infelizmente, o mercado baia- para a continuidade do pro- das cineastas Lilih Curi e Hilda
no não está preparado para jeto? Como se deu essa transi- 3. Mesmo com a mudança Lopes Pontes. A Mostra segue
investir e acabamos não con- ção de conteúdo e o processo de formatos, a +1 não abriu para sua 3ª edição que acon-
seguindo criar um mercado de diversificação de público mão do gênero que caracteri- tecerá de 25 a 31 de Março
audiovisual, de fato. da produtora? za sua identidade audiovisual: de 2019. O evento dá visibilida-
de a curtas dirigidos e/ou pro- juntar em um mesmo lugar as
tagonizados por mulheres num diretoras, produtoras, atrizes e
10 mercado ainda predominan- técnicas da área, além de es- 11
temente masculino e machista tudantes e apaixonadas por ci-
que é o cinema. Criar e manter nema.
De 2017 pra cá muitas coisas
cinema
lhas, da Plataforma
Araká; Na rédea
curta, de Sulivã Bis-
po e Thiago Almasy;
Madame Satã, do
Teatro da Queda;
Medeia Negra, do
grupo Vilavox; a
Oficina de Perfo-
mance negra, do
Bando de Teatro
Olodum; e o Festi-
val de Dramaturgia
de Melanina Acen-
tuada, da Melanina
Acentuada Produ-
ções artísticas. Cin-
co obras teatrais,
um evento forma-
tivo e um festival
com programação
diversificada. A par-
tir de agora apenas rodando o Brasil e
Traga-me a cabe- na e o espetáculo preender a geniali- Afirma Onisajé. A
falaremos sobre es- por onde passa, é
ça de Lima Barreto acabou de realizar dade, a relevância peça nos mostra o
tas obras para que sucesso de públi-
é um solo do ator sua terceira tempo- e a força de Lima famoso autor Lima
possamos nos reco- co e crítica. Onisa-
Hilton Cobra, escri- rada de sucesso em Barreto na história Barreto (1881-1922)
nhecer enquanto jé enfatiza: “É um
to por Luiz Marfuz e Salvador. Recebeu faz com que a pla- tendo de enfrentar
potência criativa, outro jeito de se
dirigido por Onisajé. três indicações ao teia possa se refe- uma conferência
diversidade de tra- ver na cena, esta-
Apesar de ser uma prêmio Braskem de rendar. A força que de eugenistas que
balhos e, principal- mos agora diante
realização da Cia Teatro: melhor ator, as montagens vêm não entendem a in-
mente, capacida- do protagonismo.
dos Comuns, gru- melhor espetácu- colocando na histó- teligência presente
de de relação e Existe também uma
po criado pelo ator lo e melhor texto, ria negra tem feito no cérebro de um
recepção do públi- modificação na lin-
no Rio de Janeiro, a sendo vencedora a plateia ir ao tea- negro como Lima.
co. guagem. Estamos
equipe toda é baia- esta última. “Com- tro se reconhecer.” O espetáculo está
encontrando o nos- das em teatros que fizeram duas ses-
so jeito de fazer.” não tinham como sões devido à fila
16 “Descortinar costume a presen- quilométrica que 17
ça da população se formou na frente
Famosos na inter- preconceitos é negra em sua pla- do teatro. “Descor-
net, os artistas Su-
teatro
i a
Outras mulheres não conseguem.”
r c
Márcia Limma em “Voz sem medo”, do Coletivo Ponto Art, episódio 10
á
M Lim m a
DEI A NEG R A
ME
material foi fundido num mundo do- divide a platéia en- momento oportuno,
com texto original minado pelos ho- tre homens e mulhe- Medeia imergia no
dos dramaturgos, mens. Através de público e deitava a
além de outras in- Márcia, a fúria fe- cabeça no colo da
tervenções de Tâ- minina, o desejo de senhorinha negra
morte, vingança e
nia Farias e da pró-
pria Márcia Limma. transfiguração atra- a criatividade mais idosa de toda
a audiência. Certa-
28 29
teatro
piano [...] tinha uma cana, o rap... Ella tinha grana, então
voz que arranhava Fitzgerald, Nina Si- a criatividade tem
dentro do texto, co- mone, Billie Holliday de surgir do simples,
meçamos a utilizar eram referências pelo menos é no
isso, a pensar como fortes, mas também que eu acredito.”
a voz poderia indi- Kendrick Lamar e
car algo que inco- Childish Gambino. TEMPO E TEMPORADAS
Carvalho
Fotografia é essa troca de beleza, de olha-
res, de amor, uma interação, uma cumpli-
cidade que só a arte nos abre para tanto.
Sempre digo que a fotografia é feita à dois
ou mais, e nunca sozinha.
Ela é comunista em todos os sentidos.
Instagram: @jaguarsc
foto: Divulgação
32
33
ponto de vista
“Bié de Igatu e
sua bela galeria”
Igatu-Bahia
34
35
ponto de vista
“Limão”
“Firmeza Na Certeza “
Modelo : Taiguara
Carvalho, meu filho
38
Mestre 39
Moa do
CULTURA
Katendê
“Quem vai quebrar a máquina do mal?”
Resistência Poética e sua poesia afrocentrada no buzú grupo de poesia. A gente visa, tan-
to quanto poeta, quanto ser políti-
co, uma perspectiva afrocentrada
de posicionamentos [...] Mas para
além disso, também somos uma fa-
mília” e foi assim que Rilton Junior
(22) e Negreiros Souza (28) definiram
o Resistência Poética em um provo-
cante bate bapo com a galera da
Ponto Art num fim de tarde na pra-
ça Pedro Arcanjo. A rede de assun-
tos foi extensa: da descoberta da
potência da poesia e da amizade
para criar um dos coletivos mais ins-
tigantes de Salvador, passando por
situações curiosas ou emocionan-
tes que vivenciaram nesses anos de
buzú; falaram de arte, de negritude,
de racismo, feminismo negro (atua-
lizado em mulherismo africana) e re-
volução. Confira!
Foto: Divulgação
zer um grupo de poesia, “aí já uniu
uma coisa com a outra”, conta Ril-
ton. Entre saídas e adesões, tudo de-
mocraticamente construído – por-
Foto: Divulgação
que desistências e peso porque era literatura marginal,
48
cobranças tam- produzida num re- preta e periférica 49
ainda assim, perigo- gente faz orla, de- modo até involun- das.” Considera Ne-
so. “Porque a gen- pois de amanhã ou- tário. Adriane tra- greiros.
te está exposto. No tra periferia e assim balha com audio- Para além do reco-
momento que a vai” completa. visual, Fabiana tem nhecimento como
gente sai de casa o projeto “Nega sinônimo de suces-
e vai para o buzú a POESIA E PERSPECTI- Fyah” com um zine so, o grupo se auto-
gente pode se de- VAS lançado e faz algu- define por um cer-
mas intervenções; to marco ético: o
Rilton tem o proje- compromisso com
Foto: Divulgação
to “Poeta com P de a modificação de
lotando, muitas ve- Reclamou o direito preto”, um espetá- mentalidades. Essa
zes é assim que ele de pagante de não culo teatral e poéti- noção de suces-
quer ser tratado, ser incomodada. co; Lucas faz facul- so pautada numa
então é estratégico Eis que, diante do dade de filosofia na ética com a trans-
dar essa majesta- incômodo solitário UFBA; Negreiros tem formação social foi
de a ele. Tem tam- da moça, o restan- nível superior em ilustrada pela situa-
bém gente que não te do buzú entoou Comunicação So- ção em que a poe-
gosta, que diz que em uníssono, gritan- cial com Relações sia “Feio é seu pre-
a gente precisa fa- do em defesa da
zer outra coisa, que poesia: “GRUPO DE
isso não é trabalho, POESIA RESISTÊNCIA
ou que racismo não POÉTICA, GRUPO
existe, é coisa de DE POESIA RESISTÊN-
nossa cabeça”. CIA POÉTICA. E esse
Rilton fala de uma movimento espon- parar com qualquer O Resistência Poéti-
situação emblemá- tâneo, sem o menor pessoa. Podemos fi- ca é definido pelos
tica que bem ilus- agenciamento ou car marcados. Por integrantes como
tra os conflitos no inflamação por par- isso que é estraté- uma perspectiva
ônibus. Certa feita, te dos integrantes gica a mudança de construção co-
uma determinada não parou até que a de roteiro. A gente letiva e individual,
passageira, bran- incomodada pedis- pode estar ali hoje, de modo que, para
ca, se incomodou se o ponto. Quanto aí um policial não além do trabalho
com a performan- às contrariedades, foi com nossa ideia coletivo, cada um
ce do Resistência. Negreiros pontua e ele convocar ou- desenvolve seus
conceito” sobre a se propõe a fazer
54 estética do cabelo ações comunitá- 55
crespo, recitada du- rias. Em 2015, no ani-
rante uma semana versário de um ano,
literatura
Foto: Divulgação
reconhecia como dades o “A arte in-
mulher preta, então vade”.
me deu um abraço “Acho que a gente
e a gente chorou faz revolução sem
nesse momento. Foi dinheiro o tempo
muito único. Isso pra todo, até porque es-
mim é sucesso por- “Acho que a gente faz revolução sem dinheiro o tempo todo” sas atividades que
que as pessoas tem a gente faz são sem
um entendimento dinheiro, mano. Já
da poesia e a partir tirei comida da mi-
disso o outro se mo- nha casa para fazer
difica” conta Rilton, evento da minha
emocionado. rua. De minha dis-
pensa de comida
E REVOLUÇÃO SEM estar vazia mas eu
DINHEIRO, ROLA? insistir que tem que
fazer, tem que fazer,
O RP é altamente a comunidade pre-
politizado, e no en- cisa disso aqui”, re-
tanto, apartidário. lata Rilton. Negreiros
Dizem não se sentir completa: “ No ‘A
contemplados pe- arte invade a Baixa’
los rótulos “esquer- a gente conseguiu
da” ou “direita” do fazer café, almoço,
espectro político. merenda primeiro
Dentro dessa outra e segundo round e
Foto: Divulgação
lógica de mudan- ainda teve grupo
ça social, o grupo de teatro - e ima-
outros lugares e não
critico quem vai. O
que eu acho é que
56 a galera que tem 57
ido pro buzú agora
é uma galera que
literatura
Foto: Divulgação
outra pessoa. Dei-
xamos de postar na
nossa página por-
que nosso material
não é todo registra-
do e a gente perce-
gine pessoas que buzú. A questão é bia que as pessoas
nunca tinham ido que eu nunca fui pegavam, altera-
ao teatro na comu- pro buzú só pra fazer vam e saíam por aí
nidade .Uma mulher dinheiro, pra pegar recitando como se
cedeu a casa dela a moeda. O que eu deles fossem. Essa
como ponto base, ia fazer no buzú é falta de respeito de
onde a gente pôde um trabalho psico- pegar nosso produ-
cozinhar e usar ba- lógico até pra mim. to, transformar esse
nheiro. A igreja foi Me ajuda a conse- produto e não dizer
onde a gente cons- guir falar, encarar que é seu.
truiu palanque, bo- as pessoas, ir para
tou som. Mas claro os debates. Pra mim
que, ao final do mês aquele momento é
quando você preci- importante. Eu não
sa pagar o aluguel faço mais buzú por-
e depende exclusi- que agora eu tenho
vamente desse di- uma outra lógica
nheiro, é frustrante de vida. Minha for-
você ir pro buzú e mação acadêmica
não fazer dinheiro. e a formação ob-
Eu por já ter forma- tida ao longo dos
ção superior já fui projetos que eu já texto: Alana Falcão
muito criticada por participei me pos- bailarina, professora de dança
continuar indo ao sibilitaram estar em e dramaturgista