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Mariana, Brumadinho e o interesse nacional (art.

176 da CF/1988): necessário debate


decorrente de uma clara mutação constitucional

|1| . O meu interesse científico pelas relações entre direito e mineração se iniciou na
especialização. Àquela altura, para concluir um curso de gestão ambiental, escrevi sobre o uso
da água na mineração e a ausência (?) de parâmetros para a cobrança pelo uso industrial da
água. Naquele momento, o conceito constitucional de interesse nacional aparecia como
justificativa política - algumas vezes jurídica - para não cobrar pela água utilizada pelas
mineradoras ou cobrar quantias ínfimas, quando se tinha em linha de conta os prejuízos que a
atividade minerária gera (mesmo que o presidente da Vale não acredite nisso, como Trump não
acredita na decisiva contribuição humana para as mudanças climáticas…) e o lucro gerado
pelo produto minerário extraído no mercado de commodities, mesmo quando tal mercado opera
em baixa.

|2| . Antes de privatizar a Vale, em 1997, FHC alterou a Constituição de 1988 (EC nº 6/1995),
justamente no art. 176, para quebrar o monopólio estatal na mineração. Como parece o óbvio,
havia uma conexão elementar entre o interesse nacional e o monopólio estatal da atividade
minerária. Mais importante que a alteração era a ideologia por trás da mudança constitucional:
a alegada eficiência que os métodos empresariais trariam para essa atividade, passando esta a
ser a expressão do conceito constitucional de interesse nacional. Consolidou-se o que os
analistas sociais (da sociologia ao Direito) poderiam chamar de constitucionalização da
ideologia neoliberal.

|3.| Parece fora de dúvida, depois das tragédias de Mariana (2015) e Brumadinho (2019), que a
eficiência capitalista neoliberal colapsou. Portanto, é chegada a hora de reconhecer e plasmar
essa mutação constitucional evidente: o interesse nacional na atividade minerária não reside,
de modo algum, na decantada eficiência capitalista neoliberal que sobrepujaria a atuação
estatal. A Constituição não é, de maneira alguma, apenas o que no seu texto está expresso: ela
é resultado das relações políticas que lhe cercam e sua interpretação/aplicação deve
contemplar essa realidade, conforme bem pontuado por Gilberto Bercovici (Soberania e
Constituição: por uma crítica do constitucionalismo. São Paulo: Quartier Latin, 2013, 2ª ed. p.
14-15).

|4.| Chegou a hora de rever os parâmetros de aplicação do conceito constitucional de interesse


nacional. As premissas do debate estão postas, espera-se que o governo federal esteja
preparado para tratar de forma republicana e democrática essa questão.

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