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O MONSTRO DE PLASMA
Autor
KURT BRAND
Tradução
RICHARD PAUL NETO
Digitalização e Revisão
ARLINDO_SAN
Os acônidas brincam de matar...
— Quero conhecer este homem — disse Perry Rhodan, enquanto dobrava o Europa
News e apontava para um nome que se encontrava sob o artigo de fundo. — Walt Ballin...
Parecia querer sentir a sonoridade do nome, enquanto de sua escrivaninha
contemplava a cidade de Terrânia.
Naquele dia, as informações diárias, que seus encarregados de imprensa
selecionavam entre a montanha de jornais do império, haviam despertado um estranho
interesse em Rhodan. Ele, que não era amigo nem inimigo da imprensa, acabara de
manifestar o desejo de travar conhecimento com determinado jornalista.
Allan D. Mercant, chefe do Serviço de Segurança Solar, lançou um olhar indagador
para Rhodan, mas o Administrador do Império Solar não reagiu ao mesmo. Continuava a
olhar pela janela, para além do oceano de casas de Terrânia, onde já se estendera o
deserto de Gobi, hoje, transformado numa área de parques.
— A pessoa precisa de muita coragem e senso de responsabilidade para perguntar-
nos se estamos empenhados numa política destrutiva. Geralmente não vale a pena ler
manifestações agressivas como esta, mas o tal do Walt Ballin apresenta certas reflexões
que também deveriam ocupar nossas mentes. O que achei mais interessante foi sua
afirmativa de que deixamos de preparar o homem para pensar em termos galácticos. Será
que Walt Ballin não tem razão, Mercant?
O rosto do chefe do Serviço de Segurança estava voltado para Rhodan.
— Criticar é fácil, sir — contestou com a voz tranqüila. — Não podemos acelerar
ainda mais o desenvolvimento da Humanidade. Temos o dever de adaptar-nos à média.
Se esclarecêssemos os homens sobre a efervescência que se verifica no interior da
Galáxia, sobre os perigos iminentes que ameaçam o Império Solar, ou sobre o fato de
termos descoberto no centro da Via Láctea um povo infinitamente superior aos próprios
arcônidas, isso sob todos os pontos de vista, só poderíamos semear a confusão, e até
mesmo o tumulto.
— Acho preferível que haja um tumulto agora do que em outra época, quando não
estivermos em condições de enfrentá-lo, Mercant. Geralmente gosto de seguir seus
conselhos, mas hoje não posso deixar de dar razão a Walt Ballin e dizer como ele:
acabaremos fazendo uma política de auto-destruição, a não ser que transformemos os
terranos, ou seja, a massa do povo, em cidadãos do Universo.
“Todo indivíduo, inclusive o homem da rua, deve sentir-se ligado a nós. Mas este só
poderá compartilhar nossos sentimentos se deixarmos que participe das nossas
preocupações e dos nossos problemas. É exatamente isso que não estamos fazendo, e é do
que Walt Ballin nos acusa. Não nos esqueçamos do pânico que tomou conta de nosso
planeta quando a frota dos druufs, as naves de Árcon e, com elas, as dos mercadores
galácticos foram aparecendo no sistema.
“Devemos preparar os homens, paulatinamente, para o fato de que, no centro da Via
Láctea, há um povo infinitamente superior ao nosso, do qual devemos esperar uma visita
nada agradável à Terra. Se cumprir aquilo que promete seu artigo, Walt Ballin é o homem
indicado para a tarefa. Por isso quero travar conhecimento com ele o quanto antes.
Quando poderá ser isso, Mercant?”
Um sorriso surgiu no rosto de Allan D. Mercant.
— Sir, Walt Ballin é jornalista, e os jornalistas são uma classe toda especial de
homens. Tomara que se disponha a vir a Terrânia, quando o Serviço de Segurança lhe
pedir, em seu nome, que procure o senhor. Espero que chegue amanhã.
***
Quando conversava pelo videofone do jornal Europa News com Yvonne Berclais,
Walt Ballin já não se lembrava do artigo de fundo que escrevera para o primeiro número
de junho. O visitante que se encontrava na ante-sala que esperasse mais um pouco; a
visita não podia ser muito importante. Walt Ballin não conhecia ninguém que se
chamasse de Garibaldi, e por outro lado era-lhe muito importante o encontro, que
marcaria com Yvonne para essa noite, a fim de que as coisas ficassem esclarecidas entre
eles.
— Então está combinado, chérie? Hoje às vinte horas no Trois Poulardes. Mandarei
reservar uma mesa, na frente e do lado esquerdo. De acordo?
Yvonne Berclais era uma jovem encantadora, morena e elegante, mundialmente
conhecida apesar dos seus vinte e dois anos. Quando a artista Berclais fazia soar seu
soprano e as telas reproduziam suas conferências, centenas de milhões de homens
prestavam atenção à sua voz divina.
Mas, naquele momento, Yvonne Berclais não era cantora, apenas uma moça jovem e
feliz, apaixonada por Walt Ballin.
— Sinto-me muito satisfeita e desta vez serei pontual, Walt. Não o farei esperar. Até
lá.
Desligou, e Walt Ballin, que tinha vinte e sete anos, mas já era o encarregado dos
artigos de fundo do Europa News, ainda ficou fitando a tela do videofone por alguns
segundos.
Um zumbido discreto fez-se ouvir acima de sua cabeça. Foi então que se lembrou do
visitante que esperava na ante-sala.
Que entrasse!
Walt Ballin encontrava-se em disposição eufórica.
Enquanto cumprimentava distraidamente o visitante, pensava em Yvonne. Teve a
impressão de tê-la diante de seus olhos, quando o desconhecido, atendendo ao seu gesto
convidativo, sentou-se. À noite Yvonne não o faria esperar no Trois Poulardes, e a mesa
deveria ser reservada imediatamente, pois do contrário seria tarde.
O que dizia mesmo o visitante?
Quem era ele? E como era?
— Hein? Como foi mesmo? Quer fazer o favor de repetir?
Walt Ballin lançou um olhar de perplexidade para o homem careca, que exibia um
respeitável ventre de barril.
O homem gordo repetiu a mensagem de que era portador.
E agora Walt Ballin aguçou o ouvido, perplexo.
“O que era mesmo?”, refletia o jornalista tentando ordenar seus pensamentos. “O
artigo de fundo do dia anterior foi apresentado ao administrador?”
— E daí? — Ballin sentia-se alarmado. Tirou suas conclusões e já antevia as
maiores dificuldades, inclusive problemas com o redator-chefe. Este já manifestara suas
dúvidas, quando Ballin pedira que o artigo fosse liberado para a impressão.
— Face ao seu artigo, meu chefe, que é o diretor do Serviço de Segurança Solar, me
pediu...
Walt Ballin apenas ouviu as palavras Segurança Solar e sentiu-se jogado à rua, como
jornalista desempregado. Desde já poderia riscar da agenda a noite que pretendia passar
com Yvonne.
Mas o que é que seu artigo de fundo tinha que ver com o Serviço de Segurança
Solar? Será que na Terra voltara a ser criada a censura à imprensa?
— Para onde quer que eu vá? Para Terrânia? — perguntou em tom mordaz.
Mais uma vez só ouvira metade do que seu interlocutor lhe dissera, e achara que o
convite de visitar Terrânia tinha algo a ver com o Serviço de Segurança Solar.
— Isso mesmo, mister Ballin. Acho que o senhor não pode esperar que o
administrador venha a Paris para conversar com o senhor.
Conversar... foi esta a palavra que o visitante calvo e barrigudo usara; teria uma
conversa com Perry Rhodan!
Walt Ballin acendeu um cigarro e, por quatro vezes, tragou-o. Depois esmagou-o no
cinzeiro e levantou-se.
— Hoje não é o dia primeiro de abril, mister — disse em tom áspero. — Não
acredito que o administrador tenha tempo para ler diariamente todos os artigos de fundo
da imprensa terrana.
O gorducho abriu a carteira e entregou a Ballin uma folha de plástico do tamanho de
um cartão-postal.
— Mister Ballin, este é seu bilhete. O senhor não viajará num dos vôos comerciais.
Hoje, às 13:40 h, um jato espacial chegará ao espaçoporto, área 68-V, e esperará pelo
senhor. Quer fazer o favor de anunciar-me ao redator-chefe, a fim de que possa
providenciar uma licença para o senhor, mister Ballin?
Ballin respirava com dificuldade.
— Devagar! — protestou. — Afinal, ainda não estou a caminho de Terrânia,
mister... Como é mesmo seu nome?
— Jeff Garibaldi, mister Ballin, mas no meu caso não se pode dizer que o nome
representa um presságio. Meus pais vieram da Itália...
— E seu avô foi o tão falado...?
— Meu tetravô, mister; não foi apenas falado, mas já era célebre, enquanto vivo.
Allan D. Mercant sabia perfeitamente qual dos seus homens deveria mandar para
falar com o jornalista. Aquilo que parecia ser uma conversa indiferente na verdade era um
truque psicológico que tinha por fim acalmar Walt Ballin.
Mesmo sem querer, Walt Ballin sorriu, quando comparou Jeff Garibaldi, um homem
pequeno, gordo e calvo, com o herói italiano Garibaldi.
Jeff Garibaldi sabia perfeitamente por que Ballin estava sorrindo, mas não se
manifestou a este respeito; estava satisfeito com o curso que o diálogo ia tomando.
— O que vou fazer com este bilhete, mister Garibaldi? O que farei em Terrânia? A
idéia de que o administrador queira conversar comigo sobre um artigo de fundo é um
absurdo rematado. Deve haver outra coisa atrás disso.
— Mister Ballin, a Segurança Solar só foi incumbida da transmissão do convite; as
instruções que me foram fornecidas não vão além disso.
— Mas isso é ridículo — disse o jornalista em tom exaltado e agarrou seu disforme
visitante pela gola do paletó. — Suas intenções para comigo são outras. Os argumentos
pelos quais pretende convencer-me a aceitar o convite de Rhodan não resistem a um
exame. O senhor sabe perfeitamente que no artigo do dia primeiro deste mês ataquei o
governo do Império Solar, e por isso o senhor me quer silenciar. Se não conseguir isso,
criará problemas para mim junto à redação, fazendo com que eu seja demitido
imediatamente. Diga logo por que veio, mister Garibaldi. Tenho a impressão de que seu
nome é um presságio.
O homem baixo e gordo deu uma risada bonachona.
— Mister Ballin, meu antepassado não foi nenhum bandido, e a Segurança Solar
não dá emprego a raptores e gângsteres. Conhece o sinete da Segurança? Pois leia minhas
ordens. Ao mostrar-lhe as mesmas, infrinjo certas normas, mas assumo o risco para
convencê-lo. Quem quer conversar com o senhor é Perry Rhodan, e não a Segurança
Solar. Isso é uma chance única, mister Ballin. Qual é o jornalista que poderá dizer que já
entrevistou o administrador?
— O senhor devia ser pregador, e não funcionário da Segurança Solar — respondeu
Walt Ballin, ainda desconfiado.
A idéia de que seu artigo de fundo tivesse despertado a atenção de Rhodan para um
jornalista insignificante como ele era tão estranha que não estava disposto a acreditar no
convite.
— Mister Garibaldi, será que a Segurança Solar pagaria uma ligação de videofone
para Terrânia? — perguntou Ballin.
— Com quem pretende falar? Com Rhodan? — perguntou o homem gordo e baixo,
com uma indiferença bem fingida.
— Com quem poderia ser? Se ele quer que eu vá a Terrânia, não poderá ter nada a
objetar a que eu lhe fale rapidamente, não acha?
Mister Jeff Garibaldi não estava em condições de responder a esta pergunta do
jornalista. Porém disse que o escritório de Paris da Segurança Solar estaria disposto a
cobrir o custo da ligação para Terrânia.
— Estou curioso para descobrir! — limitou-se Walt Ballin a dizer e levantou-se de
cima da borda da escrivaninha.
Entrou em contato com a central de videofone do Europa News, que, embora não
tivesse nome francês, era o jornal de língua francesa de maior tiragem.
— Faça o favor de ligar para Terrânia. Quero falar com Rhodan, o administrador —
pediu Ballin.
— Com quem? — perguntou a voz do dispositivo automático.
— Com Perry Rhodan — repetiu Ballin em tom decidido e olhou para Garibaldi.
A ligação com Terrânia foi estabelecida. Um ligeiro tremeluzir da tela revelou que
um relê positrônico de Terrânia estava captando as mensagens de serviço de Rhodan.
— Pois não.
Walt Ballin engoliu em seco. Os olhos cinzentos do homem mais poderoso do
Império Solar fitaram-no da tela.
— Se as informações que acabo de receber são corretas, o senhor é Walt Ballin. Será
que posso contar com sua presença em Terrânia ainda hoje, mister Ballin? Ou será que já
está chamando para comunicar sua chegada?
Foram estas as frases que o jornalista estupefato ouviu da boca de Rhodan.
— Sim, senhor, sim... — gaguejou.
Um sorriso fugaz passou pelo rosto de Rhodan.
— Fico muito satisfeito em poder conversar com o senhor, mister Ballin. Mais
alguma coisa?
— Não senhor... Obrigado, senhor... Não há mais nada, senhor...
Walt Ballin estava banhado em suor.
A tela esteve prestes a apagar-se, mas tremeluziu e voltou a iluminar-se.
Mister Jacqueuse, o dono do Europa News, estava diante da objetiva.
— Mister Ballin, o senhor acaba de realizar uma palestra intercontinental sem
licença? — perguntou em tom áspero.
— Perfeitamente! — respondeu Walt Ballin. Não havia mais a menor insegurança
em sua voz. — Acabo de falar com o administrador. Agradeci pelo convite que ele me
enviou, mister Jacqueuse.
— Com Perry Rhodan? O senhor, Ballin?
Walt Ballin não fez caso da perplexidade de seu interlocutor e resolveu aproveitar a
situação.
— Hoje, às 13:40 h, um jato espacial me esperará em nosso espaçoporto, mister.
Quero pedir-lhe o obséquio de me conceder licença sem limite de prazo para uma visita a
Terrânia. Quanto à palestra pelo videofone...
— Ora, meu caro Ballin — interrompeu-o mister Jacqueuse com um gesto teatral.
— Naturalmente concedo-lhe a licença que acaba de solicitar, e o custo da palestra de
videofone correrá por nossa conta. Mas espero que, antes de ir ao espaçoporto, ainda
escreva o artigo para a edição noturna.
Walt Ballin não tinha conhecimento de qualquer artigo que devesse escrever naquele
dia.
— Ora, meu caro Ballin... — Ballin tampouco se lembrava de que o arrogante
Jacqueuse jamais lhe tivesse dispensado o tratamento “meu caro”. — Mandarei parar as
máquinas. Publicaremos na primeira página, em letras bem grandes, que o Administrador
Perry Rhodan convocou nosso redator de artigos de fundo para servir de assessor em
Terrânia...
Nesse momento Walt Ballin demitiu-se, sem que tivesse usado a palavra demissão.
— Mister Jacqueuse — disse, interrompendo o proprietário do Europa News — não
sou assessor de Perry Rhodan ou coisa que o valha. E não lhe permito que publique um
artigo nos termos que acaba de indicar. Já são 12:58 h, e por isso, dentro de alguns
minutos terei de sair daqui. Bom dia, mister Jacqueuse.
— O senhor deveria ter dito adeus — disse o homem gordo e baixo, levantando-se
da poltrona. — Uma vez terminada sua conferência com Perry Rhodan, já não haverá
neste edifício nenhum lugar que o senhor possa ocupar. Mas não se esqueça do bilhete.
Sem ele não conseguirá passar pelo robô. Vamos?
***
***
***
Walt Ballin sentiu-se fascinado com a ação rapidíssima, mas ponderada de Perry
Rhodan. Levou algum tempo para compreender que assistia ao início de uma nova série
de acontecimentos.
— Chegaram, Bell!
— Marshall, envie todos os mutantes disponíveis à Drusus. Alarma!
— Freyt, assuma aqui. Tenho de sair.
— Drusus...?
Pela primeira vez ouviram-se palavras saídas do alto-falante.
— Sim senhor, aqui fala a sala de comando da...
— Decolagem de emergência dentro de quinze minutos. Desligar tráfego de hiper-
rádio; triangular Drusus—Terrânia—estação Ori 12-1.818.
— Entendido, sir. Decolagem de emergência em...
Rhodan modificou a posição da chave e entrou em contato com o quartel-general.
— Instruções para a frota de Orion: Não dar combate à nave desconhecida que se
encontra no setor. A Drusus irá até aí. Se surgirem outras naves desconhecidas, entrem em
ação imediatamente, guiando-se pela instrução 486-A. Toda a frota de Orion deverá ficar
de prontidão para decolar. Desligo.
Walt Ballin estremeceu sob o olhar de Perry Rhodan.
— Quer ir comigo, Ballin?
O jornalista voltou a estremecer.
— Eu...?
— Pois bem. Venha comigo. Decolaremos dentro de treze minutos.
Rhodan correu em direção à porta. Ballin seguiu-o. O elevador antigravitacional
levou-os à cobertura do edifício. Enquanto subiam, Rhodan dirigiu-se ao jornalista.
— Se não quiser não precisa vir, Ballin. Suponho que o vôo envolva certos riscos.
— Tenho o maior prazer em aceitar seu convite. Toda profissão tem seus riscos.
Estas palavras fizeram surgir um sorriso no rosto de Rhodan. Ballin não saberia
dizer se este sorriso exprimia compaixão ou ironia.
— O que o senhor acaba de dizer sobre o risco não deixa de ser exato, mister Ballin.
Mas tenho minhas dúvidas de que o senhor esteja avaliando corretamente a diferença
entre o risco profissional comum e o risco ligado aos nossos vôos.
No momento em que chegaram à cobertura do edifício, o planador de Reginald Bell
levantava vôo e saía velozmente em direção ao espaçoporto. Dali a pouco, Walt Ballin
viu-se em outro planador, ao lado de Rhodan. Seguiram a toda velocidade em direção ao
setor do espaçoporto em que o vulto gigantesco da Drusus se erguia para o céu.
— Por que não faz perguntas, Ballin? — disse Rhodan ao jornalista surpreso. —
Naturalmente pode conhecer o destino do vôo e o motivo do alarma.
Não deu maior atenção ao espanto de Ballin. Quando voltou a controlar os
pensamentos do jornalista, percebeu que ele acreditava tratar-se de um acaso. Nem
desconfiava de que o homem que se encontrava a seu lado dispusesse de certas
faculdades.
— Sir, a modificação da situação é tão surpreendente... — gaguejou Ballin e
interrompeu-se, perplexo, ao ouvir a risada de Rhodan.
— Foi uma surpresa para o senhor, Ballin. Para mim e meus colaboradores, não foi.
Já nos habituamos a isso, e talvez o hábito seja o culpado de não informarmos os terranos
conforme devíamos. Gostaria que o senhor se incumbisse disso, Ballin. Foi por isso que
lhe pedi que viesse para Terrânia. Bem, chegamos.
Rhodan fez pousar o planador junto às primeiras colunas telescópicas da Drusus,
que tinham a grossura de uma torre de igreja. Saltou agilmente do veículo e já tinha dado
dez passos quando Walt Ballin se dispôs a segui-lo.
Walt Ballin não sabia para onde devia dirigir seus passos. Nunca estivera nas
imediações de um supercouraçado da Frota Solar e, agora que o via à sua frente, não
queria conformar-se com a idéia de que um colosso deste pudesse erguer-se um
centímetro que fosse.
A rampa que levava à comporta polar tinha o formato de uma grande rodovia. A
comporta propriamente dita parecia um portão superdimensionado. E ainda havia um
gigantesco tubo. Era o elevador antigravitacional, que os fez subir com uma velocidade
espantosa.
— Compare o tempo, Ballin — disse Rhodan, arrancando-o de seu espanto.
— São 19 horas e 12 minutos, sir — disse Ballin, sem desconfiar de nada.
— Correto. Dentro de dois minutos decolaremos. Desculpe se não posso dedicar-me
mais ao senhor, Ballin. Fique com as orelhas de pé e os olhos bem abertos. Seu trabalho
começará depois que tivermos concluído nossa missão. Por que estremeceu de repente,
Ballin?
Walt Ballin acabara de lembrar-se de uma jovem chamada Yvonne Berclais, com a
qual combinara um encontro no Trois Poulardes, às vinte horas daquele dia.
Ballin esquecera-se completamente desse encontro...
No elevador antigravitacional havia um tráfego de emergência. Algumas centenas de
pessoas subiam e desciam ininterruptamente, cada uma em direção ao lugar que lhe cabia
no interior da nave. Desde o momento em que entrara na Drusus, Walt Ballin notara que
ninguém tomava conhecimento da presença do administrador, que não fora
cumprimentado por uma única pessoa. Este fato e a impressão tremenda causada pelo
gigante esférico foram esquecidos, quando se lembrou do encontro com Yvonne.
Pela primeira vez compreendeu o sentido da frase “dar um tranco no coração”.
E foi o que fez. Contou a Rhodan aquilo que ele esquecera completamente na
turbulência daquele dia.
— Vamos sair aqui — disse Rhodan, segurando-o e subindo ao convés central da
nave, que levava à sala de comando. — Quer voltar, Ballin?
— Isso não, mas... Bem, acho que não é possível, sir! — gaguejou o jornalista,
confuso.
— Venha comigo, Ballin. É claro que podemos arranjar isso. Vou deixá-lo na sala de
rádio. Entre em contato com quem estiver lá e peça uma ligação para Paris. É aqui... Vá.
Tudo de bom, Ballin!
Será que Rhodan desconfiava de que, naquele momento, conquistara mais um
amigo?
— Que homem — cochichou Ballin, enquanto acompanhava Rhodan com os olhos,
até que o administrador desaparecesse no interior da escotilha que dava para a sala de
comando.
No momento em que ia entrar na sala de rádio, o jornalista estremeceu.
A Drusus soltou um rugido.
A espaçonave esférica de mil e quinhentos metros de diâmetro iniciou a decolagem.
Os motores de impulsos titânicos, instalados na protuberância equatorial da nave, foram
regulados para o desempenho máximo, e o envoltório da nave ressoou sob a ação das
tremendas energias liberadas.
— Olá, quem é o senhor? — disse uma potente voz masculina perto do ouvido de
Ballin, que sentiu uma mão pousada em seu ombro.
Virou-se. Já conhecia o rosto sardento que fitou.
— Mister Bell, eu sou Walt Ballin do jornal Europa News. O administrador
convidou-me a acompanhá-lo no vôo da Drusus.
Um par de olhos desconfiados fitou o jornalista.
— Percebe-se de pronto que o senhor é estranho no lugar. Logo saberemos se as
informações que acaba de fornecer são corretas. Afinal, o senhor não pode fugir. Quando
muito pode perder-se na nave. O que veio fazer na sala de rádio? Não sabe ler? Aqui há
uma placa que diz “Entrada Proibida”.
— O administrador...
Ballin não conseguiu prosseguir. Bell interrompeu-o com um gesto violento.
— Pare com isso. O maior favor que pode fazer a Perry e a nós é chamá-lo de chefe,
não de administrador. Mas o que deseja na sala de rádio?
Walt Ballin estava muito bem informado sobre a posição que Reginald Bell ocupava
na nave, e por isso não teve outra alternativa, senão confessar que esquecera-se de um
encontro e que, agora, queria desculpar-se.
O sorriso de Bell tornou-se cada vez mais amplo.
— Ora — disse. — Se o senhor quiser me pregar uma peça...
Walt soltou um grito e afastou-se, pois uma forte lufada de ar quase lhe arrancara o
boné, e um animal de um metro de altura, que na parte de cima era um rato e na de baixo,
um castor, materializou-se e piou com a voz penetrante:
— O rapaz não está mentindo, gorducho. Realmente quer falar com a namorada.
Você nunca fez uma coisa dessas, não é? Mas não houve uma certa Sheila Gibbons, uma
Madeleine Ykes, uma Rosita Menderes e...
— Por favor, mister — disse Bell.
Walt Ballin não compreendeu por que merecera a honra de ver o representante de
Rhodan abrir a porta, que dava para o sala de rádio, e convidá-lo a entrar.
Mas Bell sabia por que se deixara levar a este ato de ridículo. Mal acabou de fechar
a porta virou-se para Gucky. Ao ver que a pequena criatura, que o fizera passar vergonha
diante do jovem, desaparecera tão depressa como havia surgido, soltou uma praga.
Enquanto Walt Ballin conseguia a ligação com Paris e esperava o momento em que
o rosto de Yvonne Berclais aparecesse na tela, Perry Rhodan, que se encontrava na sala
de comando, pediu que lhe dessem as últimas notícias vindas da estação retransmissora
Ori 12-1.818.
O General Conrad Deringhouse estava de pé a seu lado.
— Não há muitas novidades, sir — disse na sua maneira tranqüila. — Mas o pouco
que há é muito inquietante. Acho que são eles.
— Tem tanta certeza, Deringhouse?
A pergunta de Rhodan não foi proferida em tom irônico.
Sem dizer uma palavra, o general entregou-lhe uma fotografia transmitida pelo
rádio, que mostrava uma pequena espaçonave com os pólos achatados.
— Olhe também este oscilograma com as curvas achatadas, sir. Para nós, é uma
coisa nunca vista. Se não for uma nave acônida, vinda do Sistema Azul, então, mais uma
vez, iremos encontrar-nos com uma raça desconhecida. Acontece que o formato esférico
contraria essa suposição. Pouco importa que haja um achatamento nos pólos ou não, em
princípio a nave representa uma esfera, e face a isso só se pode concluir que se trata de
um artefato acônida.
Enquanto isso a Drusus saía do sistema solar em velocidade cada vez maior. Mas
muitos minutos preciosos ainda se passariam antes que a nave capitania do Império Solar
entrasse em transição.
Novos dados chegaram da estação re-transmissora Ori. Com base em tais cifras, os
oficiais da sala de comando da Drusus marcaram a rota da nave desconhecida no mapa
estelar. Rhodan e Deringhouse aproximaram-se, Bell entrou sem que ninguém o
percebesse e colocou-se atrás dos dois.
— Não parece que pretendem pousar no número três do sistema Beta — mais uma
vez Bell disse o que pensava.
— Tive a mesma impressão, gordo — respondeu Rhodan. — Mas o que é que a
nave veio fazer em Beta, se não pretende pousar no único planeta habitado do sistema?
— Deveríamos chamar a nave e perguntar. A propósito, você sabe que na Drusus há
um jovem...
— Fui eu quem o trouxe. No momento, o jovem não nos interessa. Encarregue-se do
hiper-rádio, Bell. Acho que não devemos irradiar mais de três impulsos.
Reginald Bell adiantou-se e lançou um olhar um tanto desconfiado para o amigo.
— O que é feito do seu otimismo, Perry?
— Ele só voltará depois que eu souber quem se encontra na nave desconhecida e o
que está procurando na constelação de Orion. Deringhouse, mande que toda a frota e
todas as bases fiquem de prontidão. Acho que não lhes devo ocultar que há alguns
minutos sinto algo parecido com o medo.
Bell e o General Deringhouse entreolharam-se ligeiramente e saíram. Um deles
chamaria o veículo espacial desconhecido pelo hiper-rádio, a fim de perguntar de onde
vinha e para onde ia, enquanto o outro colocaria em estado de prontidão a Frota Solar e as
bases fortemente armadas.
Dali a cinco minutos chegou mais uma informação de Ori 12-1.818. Mais um trecho
da rota percorrida pela nave desconhecida foi assinalado no mapa estelar.
Reconhecia-se perfeitamente que, por enquanto, seu destino era o sistema do sol
gigante de Beta, um monstro de mais de quatrocentos milhões de quilômetros de
diâmetro e um verdadeiro gigante da classe M.
Perry Rhodan refletia cada vez mais intensamente sobre a superioridade técnica dos
acônidas do Sistema Azul, que descobrira no centro da Galáxia por meio do conversor de
compensação de Kalup, isso por ocasião do primeiro vôo experimental da Fantasy. Os
acônidas já não usavam espaçonaves, quando iam de uma estrela a outra. Recorriam a
transmissores de alta capacidade. Mas, para sair de sua área de soberania, dependiam de
espaçonaves, a não ser que no planeta de destino houvesse uma estação de transmissores.
A nave desconhecida cada vez mais se aproximava do sistema Beta. Via-se
nitidamente que o destino era um dos planetas exteriores, a não ser que a nave
pretendesse desviar as atenções dos terranos.
Bell voltou da sala de rádio.
— Não respondem. E não estão transmitindo qualquer mensagem. Ao menos, a
estação do sistema Orion ainda não constatou nada.
Bell não estava gostando do caso que tinham de resolver. Respeitava o poderio dos
acônidas.
— Que diabo os acônidas querem conosco? — continuou o gorducho. — Seu
aparecimento numa área tão próxima ao nosso sistema solar não poder ser um simples
acaso. Ou será que você acredita no acaso, Perry?
— Desde que tive conhecimento da existência do Sistema Azul, prefiro não
especular com o acaso. Faço votos de que meus temores sejam infundados. Torçamos
para que os acônidas não conheçam a posição galáctica da Terra. Você pode fitar-me com
essa cara de espanto, Bell. Com os acônidas não podemos brincar de esconder, tal qual
fizemos com os arcônidas e os mercadores galácticos.
— Você está com uma excelente disposição — ironizou Bell, passando a mão pelos
cabelos ruivos. — E isso somente porque esta pequenina estrela candente achatada voa
pelo sistema Beta. Não compreendo o seu pessimismo.
— E eu não compreendo o que os acônidas estão procurando por aqui. No meu
entender pretendem chocar-nos. Querem que nós os observemos. E quem age assim
sempre tem um trunfo escondido.
Um sorriso juvenil surgiu no rosto de Bell.
— Pelo menos num ponto levamos vantagem sobre eles — disse. — E isso no que
diz respeito ao sistema de propulsão linear, Perry. Ele nos permitiu entrar num sistema
estelar, fortemente guarnecido, e depois abandoná-lo.
— Coitado! — exclamou Perry Rhodan, em tom de compaixão.
— Você deve saber — respondeu o gorducho. — Mas se continuar assim, tornar-se-
á contagiante; tão contagiante como a doença de endurecimento intestinal. Ora! Será que
não existe uma relação entre o adoecimento dos saltadores e o aparecimento dos
acônidas?
A pergunta foi formulada em voz exaltada.
— Os saltadores gostam de viver tanto quanto nós, gordo. Pense um pouco antes de
falar. Um moribundo não faz um jogo equívoco, e os médicos da nave-hospital III já nos
teriam informado se houvesse qualquer combinação entre os acônidas e os mercadores
galácticos. Sua teoria é absurda, Bell.
— E qual é a sua teoria, Perry?
— Por enquanto não me ocorreu nenhuma. Gostaria que alguém respondesse à
minha pergunta: por que os acônidas vieram?
Com uma expressão pensativa, o administrador examinou a rota da nave
desconhecida, assinalada no mapa estelar.
— Quer dizer que você está convencido de que se trata de uma nave dos acônidas,
Perry?
— Por enquanto estou.
— E pretende enfrentar essa nave com a Drusus?
— Se necessário, sim. Mesmo que o poder de fogo da pequena nave acônida seja
muito superior ao nosso, os campos defensivos da Drusus resistirão ao ataque.
Mais uma vez, Bell lançou um olhar desconfiado para o amigo.
— Você está ficando preocupado por pouca coisa, Perry. O que receia com o
aparecimento da espaçonave acônida?
— Tudo! Não me esqueci da recepção e do tratamento que recebemos no Sistema
Azul. Trataram-nos como selvagens rudes, não como homens dotados de certo grau de
inteligência.
— Os acônidas são os esnobes galácticos — disse Bell, em tom impulsivo.
Rhodan não pôde deixar de rir.
— Você que é feliz — ainda conseguiu dizer antes que o general aparecesse.
— Trago uma notícia importante, sir. O Tenente Fitzgerald, da estação
retransmissora do setor de Orion, acaba de informar que a nave desconhecida emite
impulsos de rastreamento, para os quais ainda não há nenhuma explicação. Inicialmente
Ori 12-1.818 foi atingida por impulsos condensados numa potência extraordinária.
Depois disso, a nave de patrulhamento Nil percebeu que estava sendo envolta em alguma
coisa que era capaz de interferir nas recepções de hiper-rádio, a tal ponto que as
transmissões quase não podiam ser entendidas. Antes que a estação e a nave de
patrulhamento pudessem realizar qualquer medição, o fenômeno chegou ao fim. A
estação Ori apenas conseguiu determinar a intensidade da transmissão. Foi de 2512
Oersted, sir, e isso a uma distância daquelas...
Reginald Bell estava perfeitamente familiarizado com essa área da Física. Numa só
operação de raciocínio estabeleceu a ligação entre a distância que separava a nave
desconhecida da retransmissora Ori 12-1.818 e a intensidade do campo magnético que a
atingiu, e disse em tom convicto:
— Essa espaçonave só pode ser tripulada por acônidas.
Rhodan e Deringhouse não formularam qualquer objeção.
— Dessa forma, nossa lógica e o centro de computação de Vênus mais uma vez
estão com a razão — disse o General. — Por ocasião de nossa visita involuntária ao
Sistema Azul, devemos ter exibido nosso cartão de visita.
— Acho mais provável que ele nos tenha sido arrancado do bolso — conjeturou
Rhodan. — Talvez seja graças à dama acônida Auris que os habitantes do centro da Via
Láctea já saibam de onde viemos. Será que não há motivo para suspeitarmos que o traidor
seja o computador de bordo da nave Fantasy, destruída numa explosão?
Dois homens balançaram a cabeça; ambos respiravam com dificuldade. Não
refletiram sobre a maneira pela qual a acônida Auris teria conseguido extrair do
computador de bordo da nave-protótipo os dados galácticos da Terra. Dali só resultaria
uma série de perguntas, e não haveria possibilidade de responder a qualquer uma delas,
face à enorme superioridade técnica dos acônidas.
Rhodan lançou um olhar ao oficial que estava próximo do grande computador
positrônico de bordo e perguntou:
— Quando saltaremos?
— Daqui a oito minutos, sir. Então já teremos saído do campo gravitacional do
sistema solar.
— Obrigado — respondeu Rhodan e voltou a dirigir-se a Bell e ao general. — Por
enquanto a única coisa que podemos fazer é esperar. Não vale a pena irmos aos
camarotes. Vamos descansar um pouco.
Naquele momento, a voz metálica do computador de bordo iniciou a contagem
regressiva para a transição. Os três homens se haviam acomodado nas poltronas dos
pilotos.
Deringhouse lançou um olhar ligeiro, mas penetrante para seu chefe, e disse:
— Está preocupado, sir?
— Estou — confessou Rhodan. — Realmente estou. Este vôo bem traçado da
espaçonave dos acônidas constitui prova inequívoca da existência de um plano. E minhas
suspeitas a este respeito ainda se reforçam pelo fato de a nave desconhecida não expedir
mensagens pelo rádio. Mas as adivinhações não nos levarão a nada. Teremos de
aprisionar aquela nave e obrigar os acônidas a pôr as cartas na mesa.
Bell, que ouvira a resposta de Rhodan, endireitou o corpo de sopetão.
— A idéia de que os acônidas só vieram com uma única nave, que além do mais é
um veículo de cem metros, deixa-me muito assustado. Será que outras naves estão
percorrendo as áreas de influência da Terra, sem que até agora tenham sido descobertas?
— Não há nada que seja impossível. Nem sequer podemos excluir a hipótese de que
sejam capazes de envolver suas naves num campo antilocalização diante do qual somos
impotentes.
— Nesse caso ainda poderemos esperar algumas surpresas — resmungou Bell.
A Drusus estava prestes a realizar a transição em direção ao sistema Orion, situado a
seiscentos e cinqüenta anos-luz.
O computador positrônico de bordo estava fazendo a contagem do último minuto
que precedia a transição. As sereias começaram a uivar em todos os recantos da
gigantesca nave esférica. Seu uivo ligeiro representava o seguinte: todos os tripulantes
teriam de atar os cintos.
Finalmente chegou o momento X. Seguiu-se a transição. O local do espaço, onde há
pouco se encontrava uma gigantesca esfera, estava vazio.
3
***
O retorno da Retse-U ao Universo normal foi macio, sem qualquer efeito de choque.
Beta apareceu à sua frente sob a forma de um olho vermelho luminoso.
Vu-Pooh e Gim Sarem eram os únicos que se encontravam na minúscula sala de
comando. Não se impressionaram com aquele sol monstruoso. Mantiveram-se inativos
em suas poltronas; nem sequer dedicavam um olhar de controle aos poucos instrumentos
que tinham diante de si.
Alguns minutos passaram-se em silêncio. De repente Vu-Pooh inclinou-se para a
frente e contemplou uma pequena esfera, que parecia flutuar no interior de um estojo
metálico. Dois pontos incandescentes surgiram na superfície da esfera. Vu-Pooh parecia
satisfeito; acenou com a cabeça e voltou a reclinar-se na poltrona.
— Fomos descobertos, Sarem.
— Está bem — respondeu Sarem. Com isso, o caso estava liquidado para ambos...
A Retse-U parecia correr desgovernada em direção ao sistema planetário de Beta.
Os dois acônidas fitavam com uma expressão indiferente a tela que pareceria estranha aos
olhos de um homem. Estava regulada para a área de destino da nave, e conseguia captar
até mesmo os planetas exteriores do sol gigante.
O tempo foi passando. A Retse-U continuava a correr vertiginosamente em direção
ao destino. De repente Gim Sarem fez um movimento. Apontou para a tela, que mostrava
um círculo, debilmente refletido, de diâmetro extremamente reduzido.
Vu-Pooh limitou-se a lançar-lhe um olhar ligeiro.
— Deve ser a estação localizadora, Gim.
O comandante da nave Retse-U, pertencente ao Comando Energético, achava que
não valia a pena perder mais palavras sobre isso. Por que haveria de fazê-lo? Aquela
missão era simples rotina, tal qual as que já realizara.
A pequena nave cruzou a órbita do planeta exterior, que era um mundo de gás
congelado. Aproximou-se a apenas 30 mil quilômetros do astro seguinte. No interior da
nave ninguém percebeu que esta penetrara nas massas de ar revolto. Dali a alguns
segundos, o planeta já ficara bem para trás.
De repente um instrumento destacou-se da superfície do pequeno painel de
comando. Parou na altura dos olhos dos dois acônidas.
— Ora, veja... — disse Gim Sarem em tom de espanto. — São três naves dos peles-
brancas.
Os corpos dos dois acônidas pareciam adquirir vida. Não tiravam os olhos do
instrumento, e com um ar desconfiado liam os dados fornecidos pelo mesmo.
— É estranho — murmurou Vu-Pooh. — Não tomam conhecimento de nossa
presença. São três naves que não saem do lugar.
E continuaram no mesmo lugar.
Os acônidas não poderiam saber que a nave de patrulhamento Nil recebera ordens
expressas de não tomar nenhuma providência diante da presença da nave desconhecida,
permanecendo junto à nave-hospital e à nave cilíndrica contaminada.
O interesse dos acônidas pelas três naves logo diminuiu. Confiavam demais na força
combativa e na velocidade da Retse-U.
A nave achatada passou a uma distância enorme de Beta. O monstro tangia para o
espaço protuberâncias de centenas de milhões de quilômetros. Era uma fornalha de
energias atômicas em constante mutação.
Os acônidas nem sequer chegaram a lançar um olhar para o gigante.
— Há um chamado — constatou Vu-Pooh laconicamente, quando a tradutora
estacionaria se dirigiu a eles.
Ouviram a mensagem de Reginald Bell, que lhes pediu que se identificassem. A
mensagem foi repetida três vezes, e por três vezes a tradutora a converteu em sua língua.
Vu-Pooh e Gim Sarem agiram como se fossem deuses. Não se abalaram com o
pequeno incômodo causado pelos peles-brancas.
— Há um tráfego de rádio muito intenso...
Vu-Pooh fez essa constatação para introduzir um pouco de variedade na monotonia
do serviço. Tinha certeza de que Gim Sarem não se pronunciaria. E, como esperava, este
não disse nada. A tradutora permaneceu em silêncio, o que constituía um sinal inequívoco
de que as mensagens não se referiam diretamente a eles. Não tinham o menor interesse
pelo conteúdo das mesmas.
A Retse-U cruzou mais três órbitas planetárias. De repente, três instrumentos saíram
simultaneamente do painel de comando. Além disso, a imagem oferecida pela tela
modificou-se de um instante para o outro.
Viram uma espaçonave de dimensões gigantescas. Os três instrumentos, que se
mantiveram imóveis na altura dos olhos dos acônidas, mostraram a distância que os
separava do gigantesco veículo espacial e sua capacidade de aceleração. Ainda revelaram
que ele os seguia.
— Levarão nove períodos de tempo para alcançar-nos, a não ser que aumentemos
nossa velocidade — constatou Vu-Pooh, com um sorriso, e ergueu-se lentamente.
Sua mão esquerda tocou uma roda de regulagem, modificando sua posição.
O quadro oferecido pela tela permaneceu inalterado, mas a posição da Retse-U no
interior do sistema Beta modificara-se de um instante para outro. A espaçonave
desaparecera do lugar em que pouco antes se encontrara, para surgir, no mesmo instante,
sobre o sétimo planeta, que era um gigante de metano.
O quadro reproduzido pela tela modificou-se. Uma massa de gases borbulhantes
parecia precipitar-se na sala de comando da Retse-U.
Desenvolvendo uma velocidade incrível, e dirigida ainda pelo sistema de pilotagem
automática, a nave achatada iniciou as manobras preparatórias do pouso.
Dali a alguns segundos, as massas de ar que envolviam a nave entraram em
incandescência. A tela mostrava faixas de gás metano, reluzindo num vermelho cada vez
mais intenso.
Vu-Pooh e Gim Sarem não se interessaram pelo espetáculo. Neste instante chegava
uma mensagem. Era a primeira, vinda do interior da nave, desde o momento em que
decolara do planeta Esfinge, situado no centro da Via Láctea.
— Comando preparado para entrar em ação.
Vu-Pooh respondeu:
— Pousaremos em um décimo de período de tempo.
Depois disso voltou a reinar o silêncio.
Na sala em que estavam reunidos dois grupos de técnicos acônidas, também reinava
uma tranqüilidade total. Os homens conversavam indiferentes, enquanto aguardavam o
pouso da nave. Os finíssimos trajes espaciais, bem ajustados ao corpo, encobriam seus
uniformes. Os capacetes, totalmente transparentes, estavam virados para trás, pareciam
quebradiços. Às costas dos homens, algo do tamanho de uma caixa de charutos revelava
que dispositivos especiais haviam sido adaptados sob o traje espacial.
Uma luz acendeu-se, e as conversas cessaram. Os capacetes espaciais foram
fechados. Os jovens distribuíram-se pela sala alongada. Um terço de sua área estava
tomado por peças de máquinas de todos os tamanhos.
Cinco acônidas colocaram-se junto a um painel quadrangular, situado nas
proximidades de uma comporta. Uma segunda luz verde juntou-se à primeira. No mesmo
instante abriu-se a comporta, até então invisível, que servia para a carga e descarga da
espaçonave.
As massas de gás metano penetraram no recinto com a força de um furacão e
procuraram envolver tudo.
Mais de vinte acônidas saíram da nave. Não demonstraram o menor interesse pelo
ambiente mortífero em que se encontravam. No curso das ações por eles desenvolvidas,
haviam conhecido tantos planetas, que aquele mundo de metano com seus furacões
incessantes já não lhes representava qualquer novidade.
Apesar das massas de gás revoltas, apesar da tremenda gravitação desse astro que
representava a própria negação da vida, os acônidas moviam-se com uma segurança
inacreditável.
Atrás deles as peças de máquinas, sustentadas por campos antigravitacionais
extremamente concentrados, seguiram-nos em seqüência ininterrupta.
Essa equipe acônida estava entrosada como um grupo de artistas. Cada movimento
preenchia uma finalidade; o trabalho realizado por um dos homens completava ou
iniciava a tarefa do outro. O chão congelado foi perfurado por meio de sondas de
radiações até uma profundidade de vinte metros. Barras de metal foram introduzidas nas
aberturas.
Num ponto um tanto afastado da equipe principal, o grupo de regulagem entrara em
atividade. Todos mantinham contato pelo rádio com a Retse-U.
A elipticidade do planeta de metano, a velocidade de seu movimento de translação,
os movimentos do conjunto do sistema em relação ao sistema de seu sol — estes e mais
algumas centenas de fatores, cujos efeitos em parte se contradiziam mutuamente, tinham
de ser considerados, a fim de que se alcançasse um resultado final, que se harmonizasse
com as condições naturais.
No fim do sétimo período de tempo,
Gut-Ko, engenheiro-chefe da equipe, ligou o conversor à base, que tinha a altura de
uma casa. Esse conversor era uma reprodução em escala reduzida do gigantesco
transmissor instalado no Sistema Azul.
Um aparelho versátil de ensaio, tal qual a mão humana, tateou todas as faces com
seus raios, antes que Gut-Ko pudesse liberar a energia.
Juntamente com o grupo de regulagem realizou os últimos ajustamentos. A equipe
principal já havia voltado para bordo da Retse-U. Dali a pouco, Gut-Ko e os membros de
seus grupos seguiram-nos. A comporta fechou-se silenciosamente, assim que o último
homem penetrou no recinto. O gás metano venenoso foi expelido não por bombas, mas
por meio de campos energéticos. O processo apenas durou uma fração de segundo.
Mais uma vez, a luz verde acendeu-se. A mesma informava à equipe de especialistas
de que a Retse-U estava decolando.
Na pequena sala de comando, Gim Sarem dirigiu uma pergunta a Vu-Pooh:
— O que vamos fazer com Mal-Se, Vu?
— Nada. Vamos levá-lo de volta, pois ainda temos uma vantagem superior a um
período de tempo sobre os peles-brancas — uma ligeira expressão de triunfo surgiu em
seu rosto marcante. — A lentidão das naves dessas criaturas é ridícula. O Conselho
Deliberativo ficará surpreso, quando eu o informar sobre a lentidão desses veículos
espaciais. Em compensação, torna-se ainda mais incompreensível o fato deles terem
rompido a barreira energética.
Enquanto a atmosfera de metano voltava a rugir em torno da Retse-U e a
espaçonave acônida abandonava o planeta hostil à vida, desenvolvendo uma aceleração
inacreditável, um ligeiro zumbido se fez ouvir na tranqüila sala de comando.
Por meio desse sinal, o transmissor, que os acônidas haviam instalado no planeta do
sistema Beta, anunciava que mantinha contato com a gigantesca estação transmissora do
Sistema Azul.
Vu-Pooh não esperara outra coisa de seus especialistas. Afinal, não era a primeira
vez que executava esse serviço-relâmpago.
Gut-Ko, o engenheiro-chefe, entrou na sala de comando. Queria obter informações
sobre a nave gigante dos peles-brancas.
Gim Sarem efetuou uma regulagem, e à sua frente uma estranha tela surgiu do nada,
tela esta que representava um modelo do sistema Beta com seus planetas, e também
indicava a posição da nave dos desconhecidos de pele-branca e de sua própria nave.
— Neste momento, o sol se interpõe entre nós e os estranhos — disse Gim Sarem,
dirigindo-se ao engenheiro. — Só mesmo sua estação localizadora pode atingir-nos neste
instante. A grande nave está penetrando no sistema com 0,9 da velocidade da luz. Vamos
ampliar ao infinito nossa vantagem de um período de tempo.
Gim Sarem ergueu a cabeça e fitou o engenheiro-chefe.
— Não está muito satisfeito, Gut-Ko? — perguntou ao ver a boca contorcida de seu
interlocutor.
Gut-Ko confirmou com um gesto e disse:
— Gim, de que forma esses desconhecidos, que voam em gigantescas naves
totalmente antiquadas, penetraram em nosso império estelar? Não pode ter sido um
simples acaso.
— Dentro de pouco tempo será totalmente indiferente que tenha sido acaso ou não,
Gut-Ko. Os desconhecidos pousarão e então receberão a visita de Mal-Se. Por isso seria
ocioso continuarmos a falar sobre o assunto.
Naquele momento, a Retse-U desapareceu do cosmos e penetrou numa dimensão
espacial superior.
Os rastreadores de relevo da estação Ori 12-1.818 não mais conseguiram que a nave
se tornasse visível na tela espacial. Ao mesmo tempo, o oscilograma do rastreamento
estrutural voltou a apresentar as amplitudes achatadas que representavam um enigma para
todos.
4
***
***
***
Com o tempo até as notícias mais calamitosas deixam de produzir qualquer efeito,
se o conteúdo sempre for o mesmo.
Doze horas após o pouso da Drusus, sabia-se que vinte e um milhões de seres
humanos, que se encontravam na Terra e na Lua, haviam contraído a misteriosa doença.
Até mesmo de lugares bem afastados, que não tiveram o menor contato com qualquer
portador da infecção, vieram notícias de que ali a doença se havia manifestado.
Com isso e com muitas outras coisas, o caso tornou-se cada vez mais misterioso. Os
resultados dos exames realizados nos robôs da Drusus foram negativos, e o mesmo
aconteceu com os exames de algumas centenas de doentes. As tentativas realizadas com
os recursos mais modernos da Medicina davam em nada, enquanto os sintomas da doença
se modificavam constantemente.
O doutor Koatu não sabia por que pegou seu projetor hipnótico e saiu à caça de
alguns pássaros cantores. E não se espantou ao notar que até estes também foram
atacados pela doença.
No interior de Terrânia, uma cidade totalmente contaminada, não havia qualquer
restrição à liberdade de movimento. O doutor Koatu não teve a menor dificuldade de
chegar à Drusus.
Interessou-se pelo envoltório externo da nave. A sala de comando foi informada
sobre sua atividade e transmitiu a informação ao chefe.
— Ligue-me com o doutor Koatu! — pediu Rhodan.
— Sir, ele não quer ser incomodado — respondeu Poul Naya, com a voz tímida.
Apesar da situação crítica, Rhodan ainda conseguiu rir.
— Bem, meu caro, acho que fomos postos fora de ação. Quem manda no Império
Solar são os médicos. Reze para que eles descubram logo a causa da infecção, Naya.
O doutor Koatu estava enfiado num traje espacial e planava a trezentos metros de
altura, do lado de fora da Drusus. Dedicava sua atenção às estranhas manchas de sujeira,
que haviam atacado a carcaça. Koatu ainda não conseguira raspar a menor partícula dessa
sujeira.
Resolveu subir mais um pouco, mas naquele instante viu à sua esquerda uma
mancha de aspecto diferente, que lembrava uma camada de gelatina.
Koatu, que já estava contaminado, venceu seu estado de letargia mórbida e, com o
entusiasmo irresistível de pesquisador, precipitou-se sobre o local em que aparecera a
estranha mancha. Colocou a raspadeira, mas logo estremeceu de susto.
Seu rosto denotava pavor. Seus olhos arregalaram-se até adquirirem um tamanho
descomunal. Os lábios tremiam.
No momento em que pretendia tocar a mancha com a raspadeira, a “gelatina”
começou a desprender-se da superfície esférica da Drusus e modificou seu aspecto
coloidal.
A matéria adquiriu a transparência do vidro e parecia volatilizar-se, sem demonstrar
a menor reação diante da forte turbulência que se verificava a mais de trezentos metros de
altura.
Koatu não acreditou no que seus olhos viam. A modificação daquela mancha de um
metro quadrado era um fenômeno pavoroso, que parecia contrariar todas as leis da
natureza. Mas o pior era que a massa vítrea procurava fixar-se no traje espacial de Koatu.
O cientista teve a impressão de ter sido localizado pela “gelatina”.
No momento em que voltou a olhar para a superfície de aço, soltou um grito.
Não havia mais nenhuma mancha de sujeira nesse ponto da Drusus. Em
compensação esta aparecia em seu traje espacial, e voltara a assumir o aspecto de uma
camada de gelatina e de espessura variável.
— Isto até parece plasma! — disse num gemido.
Sentiu o pavor sacudir seu corpo debilitado pela doença. Uma terrível suspeita
surgiu em sua mente...
Plasma! Aquilo era gosmento, disforme e de configuração variável; uma mistura
coloidal viscosa de complicados compostos de proteína e substâncias inorgânicas.
Koatu recapitulou os conhecimentos que há mais de dez anos se haviam fixado em
sua mente. Mas o plasma que aparecia na superfície de seu traje espacial era diferente de
todos os plasmóides que conhecera até então.
Um chamado, captado pelo receptor de capacete, arrancou-o do estado de pavor.
— Alô, doutor! Encontrou alguma coisa? Sua respiração é estranha! — disse
Gentkirk, um colega, que se encontrava na clínica.
— Venha buscar-me. O bicho está em cima de meu traje espacial. Venha num traje
espacial fechado e traga um pedaço de pão.
— Pão? — perguntou o outro interlocutor, em tom de espanto. — E que bicho é
esse? O senhor se sente muito fraco, Koatu?
— Venha buscar-me logo, Gentkirk — disse Koatu, em tom insistente. — O
monstro está em todos os lugares... Não se esqueça do pão!
— Ficou louco!
Koatu ouviu seu colega dizer estas palavras a outra pessoa que se encontrava na
clínica. Depois a ligação foi interrompida.
Dali a alguns minutos, o planador mais veloz do instituto de pesquisas correu em
direção à Drusus, a fim de buscar o Dr. Koatu. Os dois ocupantes, que envergavam trajes
espaciais, levavam um pedaço de pão.
Koatu viu o planador aproximar-se. Ainda pairava a trezentos metros de altura, junto
ao corpo esférico da Drusus. Ligou apressadamente o rádio de capacete.
— Não aterrissem. Venham até aqui. Embarcarei diretamente, senão o monstro
acabará fugindo. Aí embaixo há muita gente.
— Iremos! — respondeu Gentkirk e lançou um olhar significativo para seu colega.
Gentkirk acreditava que Koatu tivesse enlouquecido. Provavelmente nele a doença
chegara a um estágio mais avançado que nos outros.
Koatu entrou no planador.
— Onde está o pão? — mais uma vez comunicou-se pelo rádio de capacete.
Gentkirk apontou para a direita.
— Estão vendo a mancha em meu traje? Observem-na atentamente. Daqui a pouco
o bicho... olhem, já começa a modificar-se. Localizou o pão. Estão vendo o fluxo
transparente que se dirige ao pão?
Koatu falava com a voz rouca e entrecortada pela emoção. O médico mantinha-se
imóvel e viu que, dez segundos depois, a mancha gelatinosa desapareceu do traje
espacial.
Gentkirk já não acreditava que Koatu estivesse louco. Ambos não riram da
afirmativa de que o plasma acabaria por localizar o pão.
— E agora? — perguntou Gentkirk, perplexo.
— Vamos lá! — disse Koatu. Pegou a raspadeira e empurrou o pão para dentro de
um pequeno recipiente, que se fechou e lacrou automaticamente. — Agora este bicho não
poderá mais fugir, quando passarmos perto de alguma pessoa.
Não sabia que no Sistema Azul o bicho tinha nome: costumava ser chamado de Mal-
Se.
***
Mal-Se era um monstro feito de proteína, que se caracterizava por uma voracidade
insaciável. Realmente era capaz de localizar substâncias protéicas estranhas ao seu corpo.
E toda localização positiva provocava naquela figura de plasma, feita de bilhões de
partes, uma reação instintiva; fazia com que abandonasse sua configuração gelatinosa
disforme e se tornasse transparente, quase chegando a ser invisível. Uma vez atingido
esse estado, utilizava seu impulso localizador para, com base nele, mover-se rapidamente
e atacar as substâncias orgânicas ou compostos protéicos.
— Sir — disse o doutor Koatu, prosseguindo no relatório fornecido a Rhodan. —
Este ser é resistente ao vácuo, ao frio, aos gases e aos ácidos. Só é destruído por
temperaturas superiores a treze mil graus centígrados. Seguindo seu hipotético raio
localizador, cuja presença neste breve espaço de tempo ainda não conseguimos constatar
de forma inequívoca, desloca-se à velocidade de setecentos quilômetros por hora. E o
plasma localiza compostos protéicos a uma distância de vinte quilômetros.
“Sir, não existe a menor dúvida de que esse plasma é o agente causador da doença
que grassa na Terra e na Lua. Não temos a menor chance de deter a propagação da
moléstia, pois o plasma se multiplica à razão de alguns bilhões de vezes por segundo.
Pelos nossos cálculos, dentro de dezesseis meses, no máximo, a Terra estará coberta por
uma camada de plasma de um metro de espessura e não haverá mais um homem vivo.”
Tal qual acontecia com todas as pessoas atacadas pela doença, Perry Rhodan fitou o
rosto de Koatu, desfigurado por hematomas, e sabia que seu aspecto não era melhor.
As mãos, os braços, o corpo, todos os membros estavam cobertos por hematomas
traiçoeiros. Eram pontos de fixação do plasma, que a cada segundo penetrava mais
profundamente na pele, multiplicando-se sempre.
Ainda não fazia vinte e quatro horas que a doença grassava na Terra, mas já havia
atacado a quinta parte dos terranos.
Os acônidas deram um verdadeiro presente de grego aos terranos!
— Querem exterminar-nos como se fôssemos animais daninhos — disse Bell, assim
que o doutor Koatu concluiu seu relato. — E conseguirão, a não ser que aconteça um
milagre, Perry.
— O milagre só poderá vir de Árcon, gordo. Agora, que já dispomos de alguns
dados, posso entrar em contato com Atlan. Ele terá de consultar o grande centro de
computação. Se este não conseguir nos ajudar, dentro de três meses, no máximo, tudo
estará no fim, pois o tempo de vida dos que contraem a doença não é maior que este. Vou
chamar Atlan.
A grande estação de hiper-rádio de Terrânia estabeleceu contato com o mundo de
cristal, recorrendo a uma faixa de ondas, reservada exclusivamente às comunicações
instantâneas entre Rhodan e Atlan.
— Alô, bárbaro! — disse Atlan a título de cumprimento, e só depois disso viu o
rosto do amigo, desfigurado pelos hematomas. — Perry, o que houve com você? Por que
está com esse aspecto?
— É justamente por isso que estou chamando, arcônida — respondeu Rhodan. —
Todos os terranos estão precisando de seu auxílio. Fomos atacados por um insaciável ser
de plasma. Meu rosto constitui um exemplo do aspecto que os doentes apresentam vinte e
quatro horas depois de terem contraído a moléstia.
— Quantas pessoas já adoeceram? — perguntou Atlan.
— A quinta parte da população da Terra, amigo. As condições reinantes na Lua são
semelhantes. A única proteção contra a doença é um traje espacial fechado.
Na tela viu-se que os olhos avermelhados do arcônida começaram a chamejar cada
vez mais fortemente de emoção.
— O que sabem a respeito da doença? Sabem de onde veio?
— É um plasma, que se precipita com uma ferocidade tremenda sobre qualquer
composto protéico ou substância orgânica. Ê capaz de localizar qualquer alvo que
contenha proteína e atinge a velocidade de setecentos quilômetros por hora. A Drusus
deve ter trazido a terrível doença do sistema Orion. Em virtude de um feliz acaso e graças
ao trabalho de um médico, há uma hora sabemos do que se trata. Mas é tudo que
sabemos. Compreende a razão do meu pedido, arcônida?
Perry Rhodan ainda não revelou ao imperador de Árcon quem fizera o presente
mortífero à Terra, e como o ser de plasma havia entrado na Drusus.
— Perry, você está irreconhecível, e esses sintomas surgem vinte e quatro horas
após a contaminação?
— Isso mesmo. A doença começa com pontinhos vermelhos na pele, do tamanho de
uma cabeça de alfinete. Nas primeiras duas horas, estes produzem uma comichão e
espalham-se lentamente. Mas acho que é preferível dispensar estas explicações de leigo e
transmitir-lhe o resultado das investigações por meio de uma mensagem condensada.
— Envie o material imediatamente ao centro de computação de Árcon III, Perry.
Mandarei que o mesmo verifique se por aqui se tem conhecimento de um caso
semelhante. O que é que você acaba de dizer? Não falou num presente mortífero?
Perry Rhodan ocultou seu espanto. Sabia perfeitamente que só pensara nisso, mas
não pronunciara essas palavras. Entretanto antes que a pergunta provocasse qualquer
desconfiança em sua mente, lembrou-se do rosto desfigurado que mostrava ao amigo, e
que devia ser a causa da observação que Atlan acabara de fazer.
— Atlan, a pessoa atacada por este plasma não tem mais que três meses de vida.
O arcônida, que, no curso dos últimos dez mil anos, vivera todos os grandes lances
da História da Terra e tivera de acompanhar o destino de inúmeras pessoas, deu mostras
de um profundo abalo psíquico.
— Três meses, Perry? Confie em mim, amigo. O que eu puder fazer será feito. Pelos
deuses de Árcon, de onde veio essa doença infernal?
— Do sétimo planeta de Beta, que é um mundo de metano, Atlan.
Rhodan exprimia-se cautelosamente. Evitou toda e qualquer mentira; preferiu que o
amigo se contentasse com os dados escassos que acabavam de ser fornecidos.
— O que estão fazendo seus mutantes, Perry?
Rhodan fez um sinal de desânimo.
— Estão tão mal quanto eu, arcônida.
***
A Terra foi sacudida por quatro ondas de pânico, que lembravam a época sombria da
Idade Média em que a peste inundou a Europa.
Tortos os meios de comunicação da massa pediam aos terranos que se conservassem
calmos e cuidassem do seu trabalho.
Logo se constatou que uma explicação franca contribuiria muito mais para acalmar
os homens que uma série de promessas vagas.
Ao que parecia, durante as primeiras vinte horas, o hemisfério sul não foi atacado
pelo plasma. Mas mesmo de lá, acabaram chegando notícias de que a infecção se
espalhava com uma rapidez vertiginosa.
Allan D. Mercant, chefe do Serviço de Segurança Solar, também não foi poupado
pela doença, mas da mesma forma que Rhodan continuou a exercer suas funções.
O ser de plasma atacara a cultura de germes da doença de endurecimento intestinal,
que para ele representava uma verdadeira guloseima, e a divisão dos respectivos biogenes
proporcionou-lhe outra oportunidade de multiplicação.
O monstro de plasma era um meio que, segundo o provérbio, servia para expulsar o
demônio com Belzebu.
Mercant pediu uma ligação com a estação de hiper-rádio. Falou com o médico-chefe
da nave-hospital III. Essa nave, a Nil e a UG DVI permaneciam no mesmo lugar do
espaço.
A tela mostrou a cabeça do professor Degen. Seu aspecto não era melhor que o de
Mercant; também tinha o rosto desfigurado pela infecção de plasma.
— Quero fazer-lhe uma pergunta, professor — principiou Mercant. — Como vai a
doença de endurecimento intestinal a bordo da nave dos saltadores?
— Por que faz essa pergunta, Marshall? — perguntou o professor Degen, que devia
ter encostado o rosto junto à objetiva, pois este parecia querer sair da tela que Mercant
contemplava.
— Tenho à minha frente o relatório fornecido pela Divisão de Doenças Infecciosas
de Terrânia, professor. Refere-se em tom de amargura ao desaparecimento das culturas do
germe. O plasma devorou-o, a fim de multiplicar-se ou subdividir-se. O senhor sabe que
não sou muito firme na Medicina. Já compreende o motivo de minha pergunta?
— Compreendo.
Seguiu-se uma pausa. O professor balançou a cabeça, num gesto de resignação.
Contemplou as mãos desfiguradas e prosseguiu:
— A doença de endurecimento intestinal desapareceu subitamente a bordo da UG
DVI. Já começo a compreender aquilo que, para mim e meus colegas, representava um
mistério indecifrável.
“A infecção de plasma modificou o germe causador da doença, conferindo-lhe sua
estrutura protéica. Talvez seja por causa da infecção de plasma que no momento não
consigo resolver a situação. Um acaso traiçoeiro fez com que descobríssemos um meio de
curar a doença de endurecimento intestinal, mas em compensação a pessoa que contraiu a
doença será transformada, dentro de três meses no máximo, num corpo protéico
disforme.”
O Marechal Mercant sobressaltou-se. Seu rosto estava desfigurado.
— O que será feito da pessoa que contrai a infecção do plasma, professor? Será que
entendi bem o que o senhor acaba de dizer? Uma massa disforme de proteína?
— Não é só isso, marechal. Seremos todos transformados em monstros de plasma.
Seremos iguais ao plasma que hoje nos ataca.
— E quando tivermos sido transformados, devoraremos os homens que ainda não
tenham sido atacados, professor?
— Será mais ou menos isso.
Allan D. Mercant, um homem que graças às duchas celulares do planeta Peregrino
não envelhecera mais, soltou um muxoxo e desligou. Preferiu não contemplar as mãos
desfiguradas pelos hematomas. Empurrou para o lado o relatório da Divisão de Doenças
Infecciosas de Terrânia e bocejou.
Os médicos haviam previsto o cansaço exagerado. Este marcaria o segundo estágio
da doença, que dentro de quinze ou vinte dias iria terminar com uma paralisia ligeira,
para dar início ao terceiro e penúltimo estágio.
Não se sabia o que aconteceria ao doente nesse terceiro estágio.
— Que belo presente nos deram os acônidas! Que povo maldito! — disse Mercant
para si mesmo.
Mas o velho perito em matéria de segurança ainda dispunha de reservas de energia
para espantar os pensamentos sombrios e voltar a dedicar-se ao trabalho.
Dali a pouco chamou e colocou seus especialistas em estado de alarma. Dos oito
homens altamente qualificados apenas um ainda não contraíra a doença do plasma.
— Boyd, cuide do assunto. E se não conseguirem qualquer resultado positivo, o
plasma terá ganho a corrida contra os senhores. Acabo de saber que este monstro de
proteína tem uma predileção toda especial pelas culturas da doença de endurecimento
intestinal, por meio das quais consegue multiplicar-se. Apesar disso gostaria que os
senhores conseguissem pôr as mãos nesse bando desumano que quis fazer seus negócios
com a doença de endurecimento intestinal. Leve estes dados. Estes não deixam a menor
dúvida de que os germes foram cultivados na Terra, e de que a ampola quebrada foi
produzida na Terra. Trata-se de um caso raro. Façam tudo que estiver ao seu alcance, para
que possamos pôr fora de ação esses maus terranos.
Dispensou-os e, assim que se retiraram, voltou a bocejar. Após isso informou
Rhodan sobre a palestra que acabara de manter com o professor Degen.
***
***
***
Eram três horas e vinte minutos, tempo padrão. O dia começava a raiar em Terrânia.
Naquele momento, Perry Rhodan foi acordado por um sinal de alarma.
Despertou num instante.
— Aqui, Rhodan. O que houve? — perguntou, falando para dentro do microfone do
telecomunicador que ficava ao lado de sua cama.
Os contornos ainda não se haviam fixado na tela, quando ouviu a voz de Allan D.
Mercant.
— Sir, acabo de receber um chamado da França. É do mesmo homem que pediu a
Walt Ballin que o procurasse em Terrânia. Seu nome é Jeff Garibaldi. Esse Garibaldi
constatou um fato totalmente incompreensível: em seu setor...
— O que houve com o senhor, Mercant? Nunca o vi desse jeito. Procure ser breve!
— disse Rhodan, interrompendo o chefe do Serviço de Segurança.
— Perdão, sir, mas esta notícia... A cinqüenta quilômetros de Paris existe uma
cidade chamada Soisy sur Seine, com quarenta e cinco mil habitantes, na qual não houve
um único caso de infecção de plasma.
— Nem um...?
Rhodan não completou a frase, e Mercant também não disse nada.
— Esse Garibaldi é um elemento de confiança, Mercant?
— É de confiança, exceto quanto ao regulamento, que ele não leva muito a sério.
Hoje mesmo...
— Sim, está bem! Quer dizer que a cidade tem quarenta e cinco mil habitantes, e
não há um único caso de plasma. O senhor ainda está na cama?
— Estou.
— Saia imediatamente, Mercant! Encontramo-nos daqui a meia hora no
espaçoporto, na área sessenta e sete; é onde está estacionada a Burma, com a qual
decolaremos.
— Sir, não podemos...
— Podemos, sim senhor...
Rhodan não disse o que podiam fazer. Acordou Reginald Bell, John Marshall,
Gucky, Ras Tschubai e Walt Ballin.
— Decolaremos em pouco menos de meia hora com a Burma, que se encontra na
área sessenta e sete da espaçoporto.
Não os informou sobre o lugar para onde decolariam.
No momento em que dois planadores com sete pessoas atacadas pelo plasma se
aproximavam da Burma, os propulsores da nave da classe Estado já estavam
esquentando.
O interior da comporta polar estava iluminado, mas só a escotilha externa achava-se
aberta. Na escotilha viam-se sete trajes espaciais.
— Coloquem isto! — ordenou Rhodan. — Fechem os capacetes. Controlem as
provisões de ar.
Enquanto envergavam os pesados trajes, a escotilha externa fechou-se. Dali a trinta
segundos, os propulsores rugiram e a Burma levantou-se do solo. As máquinas
superpotentes da nave permitiam-lhe atingir a velocidade da luz dentro de poucos
minutos.
Rhodan era o único que conhecia o destino do vôo. Mercant desconfiava de alguma
coisa, mas não tinha certeza. Como sempre, Bell foi o primeiro a perder a paciência.
— Você não vai nos dar algumas informações, Perry? — resmungou, terminando a
pergunta num bocejo.
— Voamos ao encontro da Condor, para a qual nos transferiremos. Ali também
permaneceremos na comporta polar e pousaremos em Soisy sur Seine.
— O que vem a ser isso, Perry? Um médico?
Bell não tinha a menor idéia do que estava acontecendo, e, com exceção de Mercant
e Walt Ballin, a mesma coisa acontecia com os outros.
Gucky penetrou nos pensamentos de Mercant e descobriu que se tratava de uma
cidade que ficava nas proximidades de Paris.
Piou para dentro do rádio de capacete:
— Acho que em Geografia você sempre tirou nota de deficiente na escola, não é,
gorducho? Soisy sur Seine é uma pequena cidade que fica nas proximidades de Paris. Não
é o nome de qualquer médico. É bem verdade que eu também preferiria voar para junto
de algum médico que me restituísse o aspecto normal. O atual é horrível, e o seu não é
muito melhor, gordo.
— O que é que vamos fazer em Soisy sur Seine, Perry? — perguntou Reginald Bell,
que aceitou sem comentários a observação sobre sua ignorância geográfica. — Por que
não vamos para dentro da nave? Por que temos de enfrentar o desconforto da comporta
polar?
— Acho que o motivo é evidente, Bell — respondeu Perry Rhodan, em tom um
tanto áspero. — O monstro de plasma ainda não atacou nenhum dos tripulantes da
Burma, isso porque não teve oportunidade de penetrar na mesma. Não podemos cometer
a irresponsabilidade de levar o monstro aos homens que se encontram a bordo. Na
Condor também não surgiu um único caso da doença. Seria inútil passarmos para a
Condor se o comandante, Tenente Brisby, tivesse experiência de combate.
— O quê? — berrou Bell para dentro do rádio de capacete. — O que está
acontecendo mesmo?
Rhodan respondeu com a maior tranqüilidade:
— Trata-se apenas de uma vaga suspeita, Bell. De uma esperança brilhante como
uma bolha de sabão e frágil como a mesma. A tal de Soisy sur Seine, uma cidade de
quarenta e cinco mil habitantes, não tem um único doente da infecção de plasma. Você
compreende uma coisa dessas? Pois eu não compreendo.
— Sim, e daí?
— É justamente para podermos responder a essa pergunta que estamos a caminho
para lá?
— E temos de ir com duas espaçonaves da classe Estado?
— É possível que seu poder de fogo não seja suficiente. Talvez teria sido preferível
se tivéssemos recorrido aos couraçados.
— Santo Deus, o que está acontecendo? — perguntou Gucky, que também se sentia
espantado.
A tentativa de ler os pensamentos de Rhodan fracassou em virtude do bloqueio
erigido pelo mesmo.
— Trata-se de uma suspeita; de uma esperança. Por isso não pousaremos junto à
cidadezinha, mas saltaremos sobre a mesma.
Dali a pouco transferiram-se para a Condor, que saíra de sua órbita para ir ao
encontro da Burma. Mais uma vez, o grupo de sete indivíduos permaneceu entre as
escotilhas da comporta polar e comunicavam-se exclusivamente pelo rádio de capacete.
Só agora Rhodan esclareceu-os sobre a natureza de suas suspeitas. Concluiu com
esta observação:
— Quem me deu essa idéia foi o professor Degen, médico-chefe da nave-hospital
III.
— Pois ele sabia que nessa cidadezinha francesa só há pessoas sadias, Perry?
Bell, que costumava ser otimista, mostrava-se sob outro aspecto.
— Não. Nós mesmos só sabemos disso há pouco tempo — respondeu Rhodan e
voltou a bocejar.
Era impossível vencer a tendência de bocejar. Esta superava tudo, e qualquer ato
para reprimi-la apenas representava um desperdício de energia.
— Por que não consultou os médicos antes de decolar, Perry? Seu plano está sobre
um alicerce inseguro. Afinal, você não entende muito de Medicina.
— Não quero contestar isso, meu caro. Acontece que nem sempre o saber é o fator
decisivo. O que importa é fazer o que está certo, e tenho a impressão de que em Soisy sur
Seine descobriremos alguma coisa que se reveste da maior importância para toda a
Humanidade. Por que não há casos de doença de plasma nessa cidade? Por que será?
Deve haver um motivo para isso.
— Onde é que vamos procurar uma coisa que nem sabemos o que é? — perguntou
Bell, que ainda não concordava com o plano de Rhodan.
— Esta parte ficará a cargo de John Marshall e de Gucky! — respondeu Rhodan em
tom tão penetrante que Bell compreendeu ser suas perguntas supérfluas.
Quando saltaram a dez mil metros de altura e caíram para dentro da noite que cobria
Soisy sur Seine, formaram uma fileira. Dentro de seu traje espacial, cada pessoa formava
uma pequenina espaçonave, dotada de campo protetor-propulsor e capacidade de
aceleração. Os minúsculos geradores forneceram o máximo de energia para os campos de
repulsão. Os campos antigravitacionais estavam funcionando com metade de sua
potência.
Quando o altímetro baixou para a marca dos trezentos metros, os geradores
antigravitacionais foram regulados para a potência máxima. Os membros do grupo
pousaram suavemente, como se fossem penas.
— Ligar o defletor! — ordenou Rhodan pelo rádio.
Era mais uma cautela em meio à escuridão da noite: os sete indivíduos se tornariam
invisíveis por meio dos defletores.
Conformaram-se com a desvantagem que isso representava; não podiam ver seus
companheiros, nem mesmo se ligassem os holofotes.
A cidade de Soisy sur Seine ficava a três quilômetros.
O telepata John Marshall e Gucky começaram a trabalhar. Tentaram detectar fluxos
mentais estranhos, que lhes pudessem servir de indicação.
— Nada! — disse Marshall depois de quinze minutos.
Gucky, que geralmente gostava de salientar-se, manteve-se calado.
Um veículo passou pela via expressa; estava com os faróis altos. O feixe de luz
penetrou profundamente na noite. O carro ia em alta velocidade. O motorista devia
conhecer a estrada. Passou a um quilômetro dos homens, que estavam em campo aberto e
esperavam para ver se Gucky descobria alguma coisa.
— Chefe, nesse carro vai um ara! — disse Gucky, tremendamente excitado. — Vou
dar o fora! Marshall, mantenha contato comigo!
Mal acabou de pronunciar a última palavra, teleportou-se. Dali a pouco, John
Marshall disse:
— Gucky está louco. Está sentado em cima da coberta do carro. Vai em direção ao
centro da cidade... Está passando pela praça... Dá a volta... a terceira rua da direita.
Gucky diz que é uma rua que sai da cidade... O carro está acelerando... Ora, como o
pequeno está praguejando! Mal consegue segurar-se... Pensa em teleportar-se... Não,
resolveu ficar. O veículo parou; está entrando numa estrada particular. Controles
robotizados... Um momento, já não entendo o pequeno. Está pensando cada tolice! O que
um confeito poderia ter que ver com seus pensamentos? É um pequeno castelo que parece
estar confeitado... São quatro aras! Três deles estão esperando o carro. Um está saindo da
casa. São aras com máscara de terranos...
John Marshall reproduzira trechos dos pensamentos de Gucky.
— Ras Tschubai — disse Rhodan, dirigindo-se ao teleportador africano. — Dê
cobertura a Gucky. E cuide para que o pequeno não se arrisque demais. Em hipótese
alguma os aras devem desconfiar de que estamos em sua pista.
— OK, Sir!
Ras Tschubai também desapareceu. Marshall também manteve contato mental com
ele, embora não pudesse estabelecer uma comunicação telepática tão eficiente como a
que mantinha com Gucky.
— Vamos decolar, minha gente. Marshall, vá à frente! — ordenou Rhodan.
Ergueram-se do solo, formaram uma fileira e, voando a cem metros de altura,
dirigiram-se à cidadezinha.
As luzes das ruas estavam acesas. A praça era perfeitamente visível. Em poucas
casas havia luzes acesas. Soisy sur Seine estava dormindo.
John Marshall levou-os pelo caminho mais curto em direção ao lugar onde se
encontravam os dois teleportadores e os aras. Pousaram em meio a flores e arbustos
perfumados, dentro do parque que cercava o pequeno castelo. Os homens continuavam
envoltos nos campos de deflexão.
— Marshall, o que os dois estão fazendo? — perguntou Rhodan.
E antes que o telepata tivesse tempo para responder, acrescentou:
— Vamos abrir os capacetes espaciais e desligar os campos de deflexão.
Sentiram-se atingidos pelo frescor da noite e pelo ar supersaturado de umidade. A
uns duzentos metros do lugar em que se encontravam, notaram a entrada iluminada do
castelo. À frente da construção estava parado um veículo. Provavelmente era o mesmo
que viram correr pela via expressa.
— Sir, os dois teleportadores estão no interior da casa. Lá dentro há uma quantidade
enorme de médicos galácticos. Pelo que informa Gucky, estão conversando sobre a
infecção de plasma... Divertem-se com isso, sir...
— Não se divertirão por muito tempo! — resmungou Bell, em tom de ameaça.
— Cale a boca! — gritou Perry para o amigo. — Marshall, chame Gucky e
Tschubai!
Em um segundo, os dois apareceram entre eles.
— Abram os capacetes e desliguem o defletor e o rádio. Não queremos ser
localizados pelo goniômetro.
Os aras já os haviam localizados. Marshall interrompeu o chefe em tom apressado:
— Sir, os aras estão lançando um ataque de robôs contra nós. Temos que dar o fora.
Determinaram nossa posição exata pelo goniômetro.
Ao ouvir a advertência, Rhodan ligou o potente minicomunicador e gritou:
— Pombo! Pombo! Duas vezes gavião! Os aras jamais descobririam o sentido
destas palavras codificadas. Antes que o compreendessem, a Burma e a Condor
apareceriam sobre o castelo.
No mesmo instante teve início o ataque.
Os robôs de guerra arcônidas dispararam as armas de radiações contra eles, mas os
raios energéticos de grande alcance apenas devastaram parte do parque, pois antes que
fosse disparado o primeiro tiro, Gucky e os seis terranos subiram verticalmente ao céu.
Subitamente Gucky desapareceu!
Allan D. Mercant, que era o penúltimo membro da fileira, notou sua falta. Mas no
mesmo instante percebeu-se para onde o rato-castor havia desaparecido.
Cinco máquinas de guerra arcônidas de uma tonelada subiram ao céu como se
fossem aviões a jato. Os monstros positrônicos, que não compreendiam o que estava
acontecendo, dispararam em todas as direções. Os raios, que nos primeiros instantes
cintilaram em todas as cores, empalideceram e tornaram-se cada vez mais finos.
Quando estavam reduzidos a um traço, Gucky libertou as máquinas de sua energia
telecinética. Acompanhadas de massas de ar uivantes, as mesmas precipitaram-se ao solo.
Penetraram profundamente no chão do parque, como se fossem bombas não detonadas.
— Sir, os aras farão explodir o castelo!
A advertência de John Marshall chegou com alguns segundos de atraso.
A terra abriu-se. Um furacão de fogo esfacelou um castelo que se encontrara há mais
de quatrocentos anos junto à cidade de Soisy sur Seine. A fúria atômica tangeu uma
chama para o céu noturno.
Graças ao dispositivo automático de seus capacetes, os seis terranos não morreram
imediatamente sob os efeitos da radiatividade. Porém os débeis reatores
antigravitacionais foram impotentes face às energias atômicas liberadas.
Assim que foram atingidos pela primeira onda de compressão, sentiram-se tangidos
por cima da cidade como se fossem folhas secas. A fileira que formavam, de mãos unidas,
rompeu-se.
Walt Ballin, que só conhecia espetáculos desse tipo das transmissões de televisão,
pensou que sua hora tivesse soado. Não recebera qualquer treinamento na Academia
Espacial, e por isso esqueceu-se das funções dos diversos botões que havia em seu traje
espacial. Por engano ligou o gerador do campo defensivo para a potência máxima e
desligou o campo antigravitacional.
Só no último instante percebeu que já não voava em meio às massas de ar revoltas,
mas caía que nem uma pedra. Uma nova onda de pressão evitou que fosse esmagado de
encontro ao solo. A queda vertical transformou-se numa queda oblíqua. O campo
defensivo fê-lo deslizar por cima da cumeeira de um telhado. A chaminé da lareira não
representou um obstáculo mortal, mas desviou sua trajetória e reduziu a velocidade da
queda. Ao cair de cima do telhado, foi parar na copa de uma árvore frutífera. O campo
defensivo protegeu-o dos galhos, mas foi sacudido com tamanha violência que perdeu os
sentidos.
Gucky só ouvira o rugido da explosão atômica, mas não vira nada. Um segundo
antes da catástrofe teleportara-se, seguindo um impulso mental, vindo do subsolo.
Seus inteligentes olhos de camundongo piscaram. Sua mão direita segurava um
desintegrador e a mão esquerda uma arma de impulsos. As armas estavam apontadas para
três aras. Estes médicos galácticos tinham o aspecto de verdadeiros aras; não usavam
qualquer disfarce que os transformasse em terranos.
— É Gucky! — gritou um ara e sua mão procurou atingir a arma que trazia no cinto.
Em vão. Perdeu o apoio dos pés e voou em direção ao teto como se fosse uma bola.
Gucky lançou mão de suas forças telecinéticas.
O ara, que o reconhecera, já estava estirado no chão, inconsciente. As forças
telecinéticas de Gucky comprimiam os outros dois contra o solo com tamanha força que
não podiam fazer o menor movimento.
Gucky farejou perigo. Captou impulsos ininteligíveis. Desde o momento em que
tivera seu primeiro contato com robôs, aprendera a diferençá-los dos de um homem. E se
havia no Império Solar uma única criatura inteligente que não suportava os robôs, essa
criatura era Gucky, o rato-castor.
No mesmo instante trocou a arma de impulsos por um projetor hipnótico e despejou
toda a carga sobre os três aras. A seguir, o rato-castor dissolveu-se no ar.
Sabia que se encontrava numa reserva subterrânea dos aras, que, devido a uma
forma por enquanto inexplicável, conseguiram vir à Terra sem serem notados e
estabelecer-se na periferia da cidade de Soisy sur Seine, disfarçados em terranos.
Mas quando rematerializou-se perdeu a fala e... por pouco não perdeu também a
vida.
Fora parar num gigantesco laboratório!
E esse laboratório estava cheio de robôs. Nem todos eram robôs médicos, cuja
programação os incumbia de vigiar o processo de fabricação. Dois deles, que se
encontravam a apenas quatro metros de Gucky, eram máquinas de guerra. Mas felizmente
estas haviam sido reguladas para arcônidas, saltadores e terranos, mas não para uma
criatura que tinha apenas um metro de altura e se parecia com um gigantesco
camundongo.
— Ui... — piou Gucky, apavorado, quando compreendeu o que vinha a ser a
construção metálica que se encontrava à sua frente.
Saltou.
O raio expelido pelo robô, que acabara de “despertar”, derreteu o concreto
plastificado no lugar em que Gucky se encontrara um instante atrás.
O robô não teve tempo de disparar pela segunda vez. Ele e seu colega metálico
derreteram sob o fogo do desintegrador de Gucky, que se materializara um metro atrás
dos dois.
— O que está acontecendo aí atrás, pegador? — gritou uma voz exaltada em
arcônida.
Vinha da outra extremidade do gigantesco laboratório e sala de fabricação.
Gucky concentrou-se sobre o próximo salto, que o levaria para junto do ara que
acabara de proferir essas palavras. Mas nesse instante, Ras Tschubai surgiu à sua frente.
— Ajude-me a procurar o chefe e os outros, Gucky! — disse Tschubai, dirigindo-se
ao rato-castor.
O pequeno ser nem perguntou como o africano o encontrara.
— Fora! — limitou-se a dizer, e saltaram em direção à superfície.
O dispositivo automático dos trajes espaciais reagiu imediatamente à elevada dose
de radiações da atmosfera e fez com que os capacetes se fechassem.
Uma gigantesca cratera abriu-se no lugar em que durante quatrocentos anos houvera
um pequeno castelo. O parque também desaparecera. A área periférica esquerda de Soisy
sur Seine estava em chamas. A onda de calor provocada pelo vulcão atômico incendiara
as casas.
Aquela cidadezinha, que fora poupada pelo monstro de plasma, corria perigo de
transformar-se numa gigantesca fogueira.
— Estabeleci contato com o chefe, com o gordo e com Mercant, Ras, Mas não
consigo localizar John nem o jornalista. Segure minha mão e vamos embora!
Saltaram outra vez.
Rhodan, Bell e Mercant estavam parados junto ao muro de uma fábrica de
máquinas.
— Ras e eu estamos aqui! — disse Gucky, ao ouvir a voz de Bell em seu alto-falante
de capacete.
— Não sabemos onde estão Marshall e Ballin, Gucky!
— Deixemos isso para mais tarde, Perry! — interrompeu-o Gucky, apressadamente.
— Os aras instalaram uma gigantesca fábrica de medicamentos a quinhentos metros de
profundidade. Está funcionando a toda força. Temos de ir para lá, antes que os médicos
galácticos a façam explodir. Se o fizerem, todos os habitantes desta cidade morrerão.
— Quer dizer que é isso mesmo! — limitou-se Rhodan a dizer.
Em compensação Mercant, que se mantivera em silêncio, falou:
— Sir, já começo a adivinhar do que se trata, e também imagino por que a
observação do professor Degen fez nascer essa suspeita em sua mente.
Rhodan e Bell seguraram o traje espacial de Gucky; Allan D. Mercant colocou os
braços em torno dos ombros de Ras Tschubai.
— Saltar! — comandou o pequeno, e os dois teleportadores levaram os três
companheiros para as instalações subterrâneas dos médicos galácticos.
Foram parar num verdadeiro inferno.
Oito máquinas de guerra arcônidas correram em sua direção; onze aras seguiram-
nos, abrigando-se atrás dos colossos metálicos.
— Grandes moleques! — piou Gucky. Seus olhos de camundongo faiscaram em
direção aos robôs quando disse:
— Ras, vamos ficar lá em cima e liquidar os robôs! Agora!
Os dois teleportadores saltaram, sem aguardar as ordens de Perry Rhodan.
Desapareceram atrás do aparelho de refrigeração que também servia de abrigo a
Rhodan e seus companheiros. Pousaram sob o teto, em meio a uma confusão de tubos,
alguns finos e outros com até vinte centímetros de diâmetro.
O rato-castor foi mais rápido que o africano. Segurando a arma de choque na mão
esquerda, regulou-a para o desempenho máximo e apontou para os onze aras, que não
desconfiavam de sua presença naquele lugar situado quatro metros acima deles.
Os médicos galácticos caíram sob os efeitos do choque como se tivessem sido
atingidos por um raio. Um deles, que não tinha levado a dose integral, procurou fazer
pontaria com a arma de impulsos para atingir o aparelho de refrigeração. Mas Gucky foi
mais rápido!
As máquinas dirigidas por um dispositivo de comando positrônico não haviam
notado o ataque desfechado às suas costas. Dois raios de desintegração e os fluxos
energéticos das armas de impulsos atingiram-nos. Na primeira investida foram destruídos
cinco robôs. Depois disso, os outros três perceberam de onde vinha o ataque.
Pararam, giraram as cabeças metálicas e não notaram que Perry Rhodan saiu de trás
de seu abrigo. De pé, segurava uma arma de desintegração em cada mão e começou a
disparar contra os robôs. Numa fração de segundo, Bell também começou a disparar e
destruiu as pernas do colosso metálico que tinha Gucky como alvo.
Subitamente o cheiro dos metais derretidos, dos isoladores queimados e dos
transformadores fumarentos encheu o gigantesco pavilhão. Oito robôs haviam virado
sucata. Poucos metros atrás eles, onze aras inconscientes estavam deitados no chão.
Os robôs de trabalho do pavilhão não tomaram conhecimento dos acontecimentos.
Continuaram a vigiar o processo de fabricação, como se nada tivesse acontecido.
Gucky e Ras voltaram a aparecer na frente dos companheiros.
— O que é isto, chefe? — perguntou o rato-castor curioso.
— Bem, Gucky, para saber o que é isso precisamos trazer o doutor Koatu e mais
dois ou três especialistas. Você poderia cuidar disso, Gucky?
O pequeno empertigou-se e lançou um olhar de recriminação para Rhodan.
— O quê? Será que você desconfia de que não sou capaz de dar um pulo de gato
que só representa metade da volta em torno da Terra? Daqui a cinco minutos estarei de
volta com esses homens de branco!
***
Dali a poucos segundos, Ras Tschubai saltou atrás de Gucky, em direção a Terrânia.
— Tschubai — dissera Rhodan em virtude de uma idéia repentina. — Salte para
Terrânia e traga Ulland, Kokstroem e Church, o quanto antes. Hoje não importa que
venham de pijama ou de fraque.
Ras Tschubai limitou-se a confirmar com um aceno de cabeça e desapareceu.
— Você pediu a presença de Ulland, Perry? — perguntou Bell, com um olhar
pensativo.
Esta pergunta nunca obteve resposta. O débil dom telepático de Rhodan captou os
impulsos mentais de alguns aras. Imediatamente informou Bell e Mercant sobre o que
acabara de perceber.
— As irradiações vêm da esquerda. Suponha que estejam no setor do laboratório
que fica atrás dessa porta.
— Quantos são, Perry? — perguntou Bell.
— Três ou quatro — limitou-se Rhodan a responder.
O Marechal Mercant acenou com a cabeça. Contornaram o montão de destroços e
passaram por quatro faixas rolantes, diante das quais os robôs de trabalho continuavam a
desempenhar suas tarefas. Não demonstraram o menor interesse pela luta. Sua
programação lhes ordenava que cuidassem do preparo dos produtos farmacêuticos.
Junto à porta do outro setor do laboratório, Rhodan constatou, graças à sua débil
capacidade telepática, que por lá havia quatro aras.
— Ligar os defletores! — comandou.
— Desse jeito não nos veremos uns aos outros! — ponderou Bell.
— É um risco que temos de assumir. Você ficará à minha direita; Marshall, fique à
minha esquerda. Liguem!
No mesmo instante tornaram-se invisíveis. Essa forma de proteção tinha a
desvantagem já assinalada por Bell: não se viam uns aos outros.
Dali a dois minutos, dois dos quatro aras que ainda transitavam por aí estavam
inconscientes, enquanto os outros dois foram muito bem amarrados por Bell.
Não se conseguia arrancar uma única palavra dos aras. Seus pensamentos
consistiam exclusivamente em ódio, raiva e medo.
— Olá, chefe! — piou uma voz no gigantesco pavilhão do laboratório. — Acabo de
chegar com quatro doutores. Ora veja! Ras também esteve em Terrânia, e trouxe três
pessoas. Será que temos trabalho para tanta gente?
Assim que ouviu a voz fina de Gucky, Rhodan voltou ao grande pavilhão. Lembrou-
se das instruções que dera a Ras Tschubai, quando viu que Ulland, Church e Kokstroem
estavam impecavelmente vestidos.
Dirigiu-se aos médicos.
— Senhores, na Medicina não passo de um leigo. Por isso não posso apresentar-lhes
uma tarefa perfeitamente definida. Peço-lhes que, o mais cedo possível, procurem
descobrir no interior destas instalações subterrâneas o preparado que impediu que até
agora surgissem casos de infecção de plasma na cidade de Soisy sur Seine. Outra tarefa
consistirá em localizar as culturas do germe causador da doença de endurecimento
intestinal. Não existe a menor dúvida de que a ampola encontrada na nave dos saltadores
foi de fabricação terrana. Os senhores já conhecem as conclusões que extraí com base
nesse fato. Queiram começar, cavalheiros.
Rhodan esforçou-se para não bocejar, mas a tendência produzida pela infecção foi
mais forte que sua vontade. Sentiu os tremendos progressos que a doença fazia em seu
organismo. Teve de esforçar-se mais que nunca para poder concentrar-se. E quando
passou a dirigir a palavra a Ulland, Church e Kokstroem, sua voz parecia perfeitamente
normal.
— Os médicos de Terrânia manifestaram a suspeita de que o monstro de plasma tem
um senso de localização. Por enquanto não ofereceram provas dessa hipótese. Mais uma
vez, parto do fato de que em Soisy sur Seine não houve um único caso de infecção
originado pelo plasma. Procurem descobrir se os aras dispõem de alguma instalação
especial capaz de perturbar o sentido de localização do monstro. A tarefa é quase
insolúvel, pois funda-se numa hipótese. Mas, na situação em que nos encontramos, não
podemos desprezar qualquer alternativa, por mais vaga que seja. Façam o favor de
começar, cavalheiros.
Mercant e Bell fitaram-no, perplexos. O marechal solar manteve-se em silêncio, mas
Bell pôde tomar a liberdade de dizer ao amigo:
— Fantasia é o que não lhe falta, Perry! Pela grande Via Láctea, hoje sua fantasia
até me mete medo.
— Ah, é? — respondeu Rhodan, sem se impressionar. — Pois a mim não. No fundo
devo agradecer ao nosso marechal pelas especulações que acabo de fazer.
— O quê?
Muito espantado, Mercant esqueceu-se do rosto desfigurado pelo plasma e fez
menção de dar expressão normal às suas emoções. A dor avivou-lhe o estado em que se
encontrava, mas mesmo assim prosseguiu:
— Sir, há pouco, junto ao muro da fábrica, o senhor fez uma observação que se
assemelha a esta. Acontece que não me lembro de lhe ter fornecido uma pista, por mais
aleatória que seja.
— Forneceu, sim, Mercant. O senhor me contou a palestra que manteve com o
professor Degen. Perguntou como está a doença de endurecimento intestinal a bordo da
nave dos saltadores. Em Terrânia, as culturas do bacilo foram devoradas pelo monstro e,
na nave dos mercadores, a doença desapareceu de uma hora para outra. Queira
acompanhar meu raciocínio.
“Não segui pela trilha comum. Parti do pressuposto de que a ampola foi fabricada na
Terra e do fato de que nos arredores de Soisy sur Seine não há um único caso de infecção
de plasma, e isso encaixou com a simplicidade de dois mais dois são quatro. Em última
análise, concluí que por aqui devia encontrar-se o meio de manter afastado o monstro de
plasma. Contrariando as indicações do centro de computação de Árcon, os aras mais uma
vez conseguiram criar, às escondidas e com base nos acontecimentos remotos verificados
no Império de Árcon, um antídoto ou um meio de defesa.
— Tomara que sua conta esteja certa — disse Bell, com a voz pausada.
Depois, ao ver o doutor Koatu parado entre duas fitas rolantes, gritou:
— Doutor, faça o favor de vir até aqui! Koatu aproximou-se bocejando.
— Quero fazer-lhe uma pergunta — principiou Bell. — Dizem que este monstro
maldito se precipita sobre os compostos de proteína. Ele me fez compreender que eu
também sou feito de proteína. Mas como foi que o monstro caiu em cima dos robôs e se
fixou na superfície da Drusus? Esse fato não se harmoniza com a tese de que sempre anda
à caça de proteína.
— Não — respondeu Koatu, em tom delicado. — O senhor não considerou o
sentido de localização hipotético do plasma. Todo robô contém três ou quatro elementos
protéicos de ligação. E o plasma localizou estes compostos de proteína. Na sua tentativa
de encontrar a substância, encontrou um obstáculo no envoltório metálico dos robôs. Não
devemos partir do pressuposto de que o monstro seja dotado de inteligência. Seu sentido
de localização não passa de um instinto. Por isso não saiu de cima dos robôs. Verificou-se
que aquilo que no início supúnhamos ser ferrugem era um monstro cujo sentido de
localização funcionava com um máximo de intensidade.
— Tem alguma prova do que está dizendo, doutor Koatu?
O cientista balançou a cabeça.
— Tudo não passa de hipótese, de suposição, sir.
O rato-castor piou em tom exaltado, em meio à conversa.
— Perry, você está com a razão. Acabo de captar os pensamentos de um ara. O
sujeito está com medo de que encontremos a coisa... Aliás o que vem a ser um pulsador
Oska?
— Nunca ouvi falar nisso. O que poderia ser, Gucky? — perguntou Rhodan, com
certo nervosismo.
Os outros fitavam o rato-castor com uma expressão de curiosidade.
— O pulsador Oska é a coisa que não devemos encontrar, chefe. Caramba! Já
chegou ao fim de novo. O ara está com um medo terrível. E este medo supera qualquer
outra manifestação de sua mente. O outro não demorará a morrer se voltar a mergulhar no
medo. É uma pena que você esteja na minha frente, Perry, pois do contrário eu
praguejaria para desabafar.
— Mais tarde você terá tempo para isso. Informe logo Ulland, Church e Kokstroem
sobre o pulsador Oska. É possível que esta indicação lhes facilite a busca.
Gucky desapareceu sem o menor comentário. O doutor Koatu seguiu-o. Os dois
amigos, Mercant e Ras Tschubai permaneceram no mesmo lugar.
— Olá, sir! — Rhodan captou a mensagem telepática de John Marshall. O chefe do
Exército de Mutantes, que havia desaparecido, voltava a dar sinal de vida. — Estou com
o jornalista. Procuramos contornar as áreas em que lavra o incêndio para chegarmos ao
parque. Não é mais necessário, chefe! Gucky acompanhou nossa conversa e acaba de
chegar. Saltaremos com ele.
No momento em que John Marshall emitiu o último impulso mental, Gucky
apareceu com os dois companheiros.
— Já informei os três especialistas, Perry. Também não sabem o que vem a ser um
pulsador Oska — nem mencionou o fato de, numa ação instantânea, ter trazido Marshall
e Ballin. Achava que não valia a pena perder uma única palavra por isso.
— Marshall — disse Rhodan, fazendo de conta que não notava que o telepata ainda
estava muito debilitado. — Cuide dos dois aras amarrados, que se encontram na sala ao
lado. Tire tudo que está na cabeça deles. Cada minuto a menos que levarmos para
descobrir o que estamos procurando aqui talvez possa salvar muitos homens da doença
do plasma.
— OK, sir! Minha presença será um prazer para os aras.
Estas últimas palavras representavam uma ameaça que não previa a violência física.
Os médicos galácticos não corriam perigo de levar pancadas para confessar.
Marshall não tocaria um fio de seus cabelos, mas arrancar-lhes-ia por via telepática os
pensamentos mais recônditos.
Walt Ballin olhou em torno, espantado. Viu o grupo de robôs de guerra destruídos. E
viu os robôs de trabalho que se encontravam junto às faixas rolantes e prosseguiam na
execução de sua atividade programada.
— Sir — perguntou, dirigindo-se a Rhodan. — Está aguardando algo de específico?
— Espero um milagre, Ballin — respondeu Rhodan, com a voz embargada.
— Ora! — piou Gucky e desapareceu.
Rhodan procurou estabelecer contato telepático com o rato-castor, mas este colocou
um bloqueio em torno de seus pensamentos.
— Seu atrevido! — disse Rhodan a meia voz, quando viu Gucky voltar só.
— Perry, dei uma beliscada nos pensamentos de Ulland. Sabe onde ele está? Junto
ao pulsador Oska. Encontrou a geringonça e no momento está rouco de tanto chamar seus
colegas Church e Kokstroem.
— Será que já posso saber o que vem a ser o pulsador Oska? — gritou Rhodan, em
tom impaciente.
Gucky teve o atrevimento de mostrar o dente roedor solitário.
— Perry — disse em tom condescendente. — É a coisa, e a coisa é aquilo que
mantém o monstro afastado de Soisy sur Seine.
O rato-castor falara com um atrevimento descarado, mas naquele momento Rhodan
lhe teria perdoado falhas muito mais graves.
— Como é que isso funciona, Gucky? — perguntou Rhodan, em tom delicado.
Mas Bell, que se encontrava a seu lado, falou em tom ameaçador:
— Se você nos deixar no ar por mais tempo, eu lhe torço o pescoço, seu rato Jerry!
— Seu gorducho convencido! — com isso, Gucky liquidou a ameaça que acabara de
ser pronunciada. — Perry, se interpretei corretamente os pensamentos de Ulland, o
pulsador Oska é um transmissor que emite complicados impulsos de interferência, que
impedem ao monstro fazer a localização.
— Ah! — exclamou Bell, atônito.
— Perry — disse o rato-castor, com certo temor. — Será que vamos ficar curados?
Rhodan fitou seu pequeno amigo por alguns segundos e depois balançou a cabeça.
— Não acredito, Gucky. Afinal, já fomos localizados. Acho que o pulsador Oska
não poderá fazer mais nada por nós. Certo, Marshall!
Pronunciou estas palavras, embora Marshall tivesse apenas entrado em contato com
ele por via telepática.
— Onde? O quê? No silo dezoito? Que remédio é este? Uma substância perfumada
que também constitui uma isca para o monstro? Marshall, não estou compreendendo
nada. Faça o favor de repetir.
Os outros prenderam a respiração e fitaram Rhodan. Este converteu os impulsos
telepáticos de Marshall em palavras, a fim de que os companheiros logo fossem
informados.
— A substância perfumada forma um composto com o monstro de plasma e o
inativa, provocando a cristalização de seu líquido celular.
A pequena instalação de telecomunicação, embutida nos trajes espaciais, emitiu um
sinal. O centro de pesquisas médicas de Terrânia queria falar imediatamente com Perry
Rhodan. O interlocutor identificou-se.
— Sir — rejubilou-se uma voz masculina, saída do alto-falante. — Com base nos
dados das análises vindas de Árcon, conseguimos criar um antídoto. Trata-se de uma
substância perfumada, que transforma o monstro de plasma em inofensivos cristais de
proteína. Conseguimos, sir! Meu Deus, que dia maravilhoso!
John Marshall voltou. Apesar de tudo, seu rosto parecia amargurado.
— O que houve, John? — perguntou Rhodan.
O chefe dos mutantes respirou profundamente.
— Chefe, o que os aras pretendiam fazer conosco é inacreditável. Suas suspeitas se
confirmaram. Nestes laboratórios eles produziam culturas do germe da doença de
endurecimento intestinal. Pretendiam usá-las, para dizimar a população da Terra e
apoderar-se do planeta. Os casos de doença que se verificaram na nave cilíndrica seria o
último teste. Dentro de três dias desencadeariam a ação na Terra. O fato de termos sido
atacados pelo plasma deixou-os bastante satisfeitos. Não tinham motivo para receá-lo.
Mantinham-no afastado por meio do pulsador Oska, e, além disso, dispunham de um
medicamento que lhes permitia curar qualquer pessoa que contraísse a doença. Quem
encontra continuamente criminosos desse tipo, acaba perdendo a crença em tudo que é
bom.
— Não diga isso, John Marshall — interrompeu-o Rhodan. — Nem todos os aras
são criminosos, assim como nem todos os homens são maus. Mas sempre haverá os
maus. Não se pode aplicar a mesma medida a todos. Venha comigo; quero que esteja
presente, quando eu falar com os aras.
A palestra foi breve.
— Aras, a Terra já aboliu a pena de morte. As vítimas resultantes de seus atos não
foram terranos, mas mercadores galácticos, ekhônidas, arcônidas e outras raças do
Grande Império. Farei com que todos sejam submetidos aos impérios do Império de
Árcon. Neste momento, o Imperador Gonozal VIII será informado sobre os
acontecimentos e providenciará para que sejam levados a Árcon.
Um dos aras fez uma oferta, numa tentativa de evitar a extradição.
— Rhodan, poderíamos ajudar o Império Solar a combater a doença do plasma.
Rhodan interrompeu o médico galáctico com a voz fria:
— Com o pulsador Oska e a substância perfumada que se encontra no silo dezoito,
ara? Será que você ainda não compreendeu que nunca negociei e nunca negociarei com
criminosos?
Retirou-se. As pragas, que os aras rogaram contra ele, deixaram-no indiferente.
***
Perry Rhodan dispunha de trinta minutos para conversar com Walt Ballin. Sua
agenda não permitia mais que isso, e Walt Ballin não queria demorar-se, pois a nave em
que viajaria para Paris partiria às 13:45 h. Às vinte horas teria um encontro com Yvonne
Berclais, no Trois Poulardes. Mandara reservar a mesa de Terrânia.
— Quando aparecerá sua reportagem sobre o monstro de plasma, Ballin? Por
enquanto a administração não trouxe ao conhecimento do público os motivos por que a
Terra e o gênero humano escaparam mais uma vez. Cuide disso. Inclua na reportagem
todas as informações, inclusive o erro cometido por mim.
— Sir — interrompeu-o Ballin em tom exaltado. — Quem poderia acusar o senhor?
De qualquer maneira os acônidas teriam enviado o monstro à Terra. Da maneira como as
coisas correram, todos devem agradecer ao senhor, pois foi o único que, no auge da
catástrofe, conseguiu perceber a ligação entre os fatos.
— Não é bem assim, Ballin. Se não fosse Jeff Garibaldi, nunca teria ouvido falar
numa pequena cidade chamada Soisy sur Seine. Quero que este exemplo lhe ensine que o
indivíduo não vale nada, a não ser que possa contar com bons colaboradores. O trabalho
de equipe é tudo, e o Império Solar repousa sobre este. O artigo em que o senhor
esclarecerá a Humanidade a respeito do monstro fará parte desse trabalho de equipe.
— Sir, hoje que já se passaram quatro meses desde a primeira infecção e vinte dias
desde a notícia do último caso, ninguém mais está interessado em falar no monstro. E, o
que é mais importante: seria uma irresponsabilidade da minha parte revelar todos os
detalhes. Nesse caso teria de mencionar que, de um dia para outro, devemos esperar outro
ataque dos acônidas.
Os rostos dos dois homens não apresentavam a menor deformação. O hematoma
esponjoso não deixara marcas.
Rhodan sorriu.
— Lembro-me perfeitamente de que, em certo artigo, o senhor manifestou uma
opinião diametralmente oposta à que acaba de externar. Nesse artigo quase exigiu que a
administração informasse os homens sobre tudo o que acontecesse, já que do contrário
estes jamais seriam verdadeiros cidadãos do Universo.
— Sir, naquele tempo ainda não sabia o que sei hoje. Agora compreendo a tremenda
responsabilidade que o senhor assumiu por nós. Antes de retirar-me, quero formular mais
um pedido. Será que oportunamente poderei vir para Terrânia?
— Eu o espero, Ballin — respondeu Rhodan, estendendo-lhe a mão.
Walt Ballin hesitou em pegá-la.
— Mais uma pergunta, sir. O que predomina no Universo? O monstruoso ou o
admirável?
— Ballin, ajude-me a transformar os homens em cidadãos do Universo. Enquanto o
homem sente medo, este medo se revela sob a forma do monstruoso; entretanto, assim
que perde este medo, começa a enxergar as maravilhas do Universo. Temos um longo
caminho a percorrer, antes de chegarmos a este ponto. Mas, no fim deste caminho, estará
o homem que será o dono do Universo.
***
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*