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Sociedade Bíblica do Brasil

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Jesus Cristo ou Yeshua” Hammaschiach?

Resposta a questões formuladas pelo Pastor


Josué Breves Paulino, redigida pela Comissão de
Tradução, Revisão e Consulta da Sociedade
Bíblica do Brasil e lida e aprovada em reunião
plenária de 30 de maio de 1995.

Observe-se inicialmente que não tem cabimento a afirmativa de que o nome Jesus é de origem
grega e não hebraica. Esse nome, transliterado para o grego como Iesous, é hebraico e vem de
Yeshua” (as aspas representam a letra ayin). A forma plena da palavra é Yehoshua”, que, a
partir do Cativeiro, passou a dar lugar, geralmente, à forma abreviada Yeshua”. Até o começo
do segundo século d.C. Iesous (Yeshua”) era um nome muito comum entre os judeus. Na
Septuaginta, versão do Antigo Testamento que os judeus fizeram entre os anos 285 e 150 a.C.,
do hebraico para o grego, o nome Iesous aparece para referir-se tanto a Josué (quatro
indivíduos) como aos oito Jesua mencionados em Esdras e Neemias.

Iesous não é nome de nenhum deus da mitologia grega, tanto que não aparece em nenhum
clássico grego. Ver, por exemplo, o Dictionaire Grec-Français (1.868 páginas), de C.
Alexandre, que, no apêndice de nomes históricos, mitológicos e geográficos, traz no verbete
Iesous apenas o seguinte: “Jesus, nome hebraico.”

Agora, em ordem, as respostas às questões propostas.

1. De fato, em hebraico não existe o som j. Como, então, aparece essa letra em nomes bíblicos
em quase todas as línguas com as quais estamos familiarizados? O que aconteceu foi o
seguinte: os judeus da Dispersão, empenhados em traduzir as escrituras hebraicas para o grego
(a Septuaginta), não encontraram nessa língua uma consoante que correspondesse ao yodh do
hebraico, e a solução foi recorrer à vogal grega iota, que corresponde ao nosso i. Então
escreveram Ieremias, começando com i, e assim por diante, inclusive Iesous.

Mas como foi que esse i se tornou j? Foi através do latim, que deu origem às línguas neolatinas,
entre as quais está o português. No latim posterior à Idade Média começou a aparecer na escrita
a distinção que já existia na pronúncia entre o i vogal e o i consoante, o qual passou a ser
grafado j. Por isso, ao abrir o Dicionário Latim-Português, de Santos Saraiva, você vai
encontrar um verbete que começa assim: Iesus ou Jesus; e este outro: Ieremias ou Jeremias; e
outros semelhantes.

2. Yehoshuah termina com o som de AH; de onde se originou o us em Jesus? Observe-se,


primeiro, que o final desta palavra não é AH (qamets seguido de he), mas a” (pathach seguido
de ayin; as aspas representam o ayin): Yehoshua”.
Em segundo lugar, Jesus não se deriva de Yehoshua”, mas da forma abreviada Yeshua”, como
explicado anteriormente (ver, por exemplo, Ed 2.36). O a que precede o ayin é um pathach
furtivo (ver Gramática Hebraica, Guilherme Kerr, # 18.7).
O s final em Jesus se explica pela necessidade de tornar esse nome declinável: os judeus
substituíram o ayin final por um sigma (o s grego) do caso nominativo. Nos outros casos a
palavra se declina assim: Iesou (genitivo), Iesoi (dativo), Iesoun (acusativo) e Iesou (vocativo).
Com isso mataram-se dois coelhos com uma só cajadada: o nome ficou declinável, e o ayin
final, que não tem equivalente em grego, foi substituído por um sigma (s).

Fato semelhante se deu com Judas, que reflete a forma grega Ioudas, que em hebraico é
Yehudah (Judá). Outros nomes hebraicos que terminam com a gutural he tem em grego, em
latim e em português no final o som s: Isaías, Jeremias, Josias, Sofonias et al. Outro exemplo é
o vocábulo Mashiach, que termina com a gutural sonora cheth (ch), a qual em grego, em latim e
em português deu lugar ao som s: Messias.

3. O Novo Testamento foi originalmente escrito pelos apóstolos em hebraico ou aramaico e


posteriormente traduzido para o grego? A resposta é: não. É possível que algumas coleções de
ensinos de Jesus, escritas em aramaico (as chamadas logia), tivessem circulado entre os cristãos
e servido Mateus e Lucas ao escreverem os seus evangelhos. Mas nenhum manuscrito dessas
logia foi encontrado até hoje. O tradutor do Novo Testamento não pode basear-se em textos
hipotéticos. Os livros do Novo Testamento foram todos escritos em grego coiné, e é no texto
grego que se têm baseado as traduções que têm sido feitas através dos séculos.

4. Os originais das Escrituras, especialmente o Novo Testamento, foram destruídos pelas


guerras, especialmente na destruição de Jerusalém no ano 70 d.C.? Resposta: Não existe
nenhum manuscrito autógrafo de nenhum livro da Bíblia. Tanto no caso do Antigo Testamento
como no do Novo, o que temos são cópias feitas através dos séculos. Especialistas cotejam e
avaliam cientificamente estas cópias com o objetivo de se chegar o mais perto possível dos
textos autógrafos. Cópias dos manuscritos hebraicos e dos gregos foram feitas nos países do
mundo bíblico, o que assegurou a sua preservação através dos séculos.

5. Jerônimo. A citação [de uma carta de Jerônimo ao papa Dâmaso temendo ser acusado
futuramente de falsário por impetrar diversos acréscimos, mudanças e correções nas Escrituras]
é breve demais e deve ser comprovada com indicação de fonte. E mais: citações fora de
contexto podem levar a conclusões apressadas e falsas.

6. Lucas 23.38. Sobre leitura duvidosa não se devem basear argumentos, e este é o caso aqui.
As palavras “em letras gregas, romanas e hebraicas” não aparecem nos melhores e mais antigos
manuscritos e por isso estão ausentes de traduções modernas, como a Bíblia na Linguagem de
Hoje, a Nova Versão Internacional e a Bíblia de Jerusalém. A Almeida Revista e Atualizada
põe essas palavras entre colchetes (ver Bruce Metzger, A Textual Commentary on the Greek
New Testament, 2a. ed., 1994, págs. 154 e 217). Em João 19.19-20, todavia, diz-se que “estava
escrito assim em hebraico, latim e grego: ‘Jesus de Nazaré, Rei dos Judeus’”. Então o nome de
Jesus não foi apenas transliterado: foi escrito na forma corrente de cada uma das três línguas.
Em hebraico foi Yeshua”, como fez F. Delitzsch na sua tradução do Novo Testamento do grego
para o hebraico. Em grego foi Iesous, e em latim, Iesus.
Também não se sustenta a afirmativa de que nome próprio não pode ser traduzido. Geralmente
nome próprio não se traduz; às vezes, sim. Foi o que aconteceu com Simão, a quem Jesus disse:
“O seu nome é Simão... de agora em diante o seu nome será Cefas (que quer dizer Pedro)”
(João 1.42). Cefas é palavra aramaica que quer dizer “pedra”. Pedro é em grego Petros, que
quer dizer “pedra”. E esse nome, resultado de tradução e não de transliteração, foi o que se
tornou mais comum, e baseado nele foi que Jesus construiu o trocadilho registrado em Mateus
16.18.

7. Como o nome Yehoshua” se tornou Jesus (fonética histórica)? Resposta: Já vimos que o
vocábulo Jesus não se deriva diretamente de Yehoshua”, mas da forma abreviada Yeshua”,
através do grego e do latim. A consoante inicial J foi explicada acima, no item 1. Agora, o s
médio em Jesus. No vocábulo hebraico Yeshua”, o grupo sh representa a consoante shin. Por
não haver em grego som correspondente a essa consoante fricativa palatal, que soa como xis
em eixo, os judeus a substituíram por sigma, também fricativa mas línguodental, que em grego,
mesmo entre vogais, soa como ss. O ditongo grego ou soa u. E o aparecimento do s final foi
explicado no item 2, acima. A evolução do termo de uma língua para outra é a seguinte:
Yeshua” (hebraico) > Iesous (grego) > Jesus (latim) > Jesus (português).

Finalmente, é preciso esclarecer que, para o leitor, o real significado dos nomes não é
assegurado pela sua transliteração. Primeiro, há um problema insuperável na transliteração, que
é o da falta de equivalência de alguns sons nos alfabetos das duas línguas. Isso, em se tratando
do hebraico, é verdade em relação ao tau sem daghesh, à pronúncia do mem e do nun finais e
das guturais he, cheth e ayin. O ayin só os orientais são capazes de pronunciar corretamente.
Depois, suponha-se que na tradução do Novo Testamento imprimíssemos Yeshua”
Hammashiach em lugar de Jesus Cristo. Será que isso asseguraria a manutenção do “real
significado expresso no original”? É evidente que não. Isso apenas causaria uma confusão total
na mente dos leitores. No emprego do nome Jesus Cristo os escritores dos livros do Novo
Testamento dão o exemplo a ser seguido pelos tradutores de hoje: eles usaram o nome grego
popularmente corrente – Iesous – para indicar o hebraico Yeshua”. O título Christós, que
passou a ser nome, foi traduzido pelos apóstolos do hebraico para o grego. Ver, por exemplo,
João 1.41, passagem em que André diz a Pedro: “Achamos o Messias. (Messias quer dizer
Cristo)”. É que leitores do Evangelho de João não sabiam o que queria dizer Messias, mas
sabiam que Cristo queria dizer ungido. O tradutor hoje deve distinguir entre Cristo como nome
unido a Jesus e Messias como título de Jesus. Como vimos, isso é claro em João 1.41. E
também em Mateus 16.16: “O senhor é o Messias, o Filho de Deus.” Mas nem essa maneira de
traduzir é suficiente para transmitir ao leitor o sentido mais profundo do original. Então, um dos
recursos usados é a colocação de nota marginal onde for o caso. Por exemplo, em Mateus 1.21
a Bíblia na Linguagem de Hoje [fora de prelo] tem uma chamada na margem, assim: “Jesus
quer dizer ‘O Deus Eterno salva’”. Já no caso de Messias, o recurso usado é outro: o asterisco
juntado a essa palavra encaminha o leitor ao Vocabulário, onde se lê: Messias – o Salvador
prometido no Antigo Testamento. Messias (hebraico) é o mesmo que Cristo (grego) e quer
dizer “Ungido”. (Ver UNGIR). Nesse último verbete explica-se o que é a unção.

Sugestão bibliográfica

Roger L. Omanson, “What´s in a Name?”, The Bible Translator, Nova Iorque, United Bible
Societies, janeiro de 1989, p. 109-119.

Idem, “Lázaro y Simón”, Traducción de la Biblia, Miami, Sociedades Bíblicas Unidas, 1o.
Semestre de 1995, p. 13-17.

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