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07/06/2018 Filosofia não é ciência e está fadada a desaparecer, afirma pesquisador - 02/06/2018 - Ilustríssima - Folha

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Filosofia não é ciência e está fadada a desaparecer,


afirma pesquisador
Responsável por renovar instituto de pesquisa em Portugal fala sobre a
importância do método científico

2.jun.2018 às 6h00

Alberto Nóbrega
Cristina Caldas

[RESUMO]  Responsável por renovar instituto de pesquisa


(http://www1.folha.uol.com.br/ilustrissima/2017/09/1922806-cientistas-lutam-para-mudar-leis-que-atrapalham-a-pesquisa-

em Portugal fala sobre método científico e explica como organizar


no-brasil.shtml)

grupos de pesquisadores.

 
Em 1998, o Instituto Gulbenkian de Ciências (IGC), situado em Oeiras, perto
de Lisboa, inaugurou edificações modernas e recebeu um grupo totalmente
renovado de pesquisadores que ali se instalaram para fazer ciência num
contexto muito diferente do que existia até então em Portugal, um país sem
tradição na área.

Meros 12 anos depois, o órgão recebeu reconhecimento internacional ao ser


destacado entre as dez melhores instituições de pesquisa em biociências na
Europa como destino para jovens cientistas. Nesse curto espaço de tempo,
os pesquisadores do IGC deram várias contribuições relevantes e publicaram
trabalhos nos mais prestigiosos periódicos.

O responsável pelo espantoso renascimento do IGC é António Coutinho,


médico imunologista português que esteve no Brasil a convite do Instituto

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Serrapilheira para participar de evento de divulgação científica, organizado


em parceria com a revista Piauí.

Na entrevista a seguir, ele fala sobre o método científico e sobre como se


produz pesquisa de ponta —pesquisa que abre novos horizontes, traz
inovações e tecnologias que serão a base para a sociedade do amanhã;
pesquisa que permite à sociedade decidir de forma autônoma seu futuro.
Pesquisa que faz muita falta em nosso país.

António Coutinho, médico imunologista português - Micael Hocherman

Qual é a singularidade das ciências naturais


(https://www1.folha.uol.com.br/ilustrissima/2018/03/descobertas-contestam-hegemonia-de-darwin-e-recuperam-

lamarck.shtml) em relação a outras formas de ser e de estar no mundo?

O exercício de derivar, racionalmente, as leis fundamentais que organizam o


mundo. Se descobrimos essas leis, sabemos como o mundo funciona e como
nós próprios funcionamos. Eu acho que a singularidade está totalmente
baseada na racionalidade, e isso é muito novo. Em geral, a humanidade
tentou de forma predominante perceber as coisas ou pela mágica, ou pela
religião.

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A ciência é distinta. É uma das poucas atividades humanas [cuja] origem se


pode identificar e que tem uma origem única, simultânea à origem da
democracia.

Isso já diz muito, ou seja, não há ciência sem um regime em que as pessoas
possam exprimir o que pensam, porque a ciência avança pelas contradições
que tem, pela oposição das hipóteses emitidas. A ciência evolui no domínio
das dúvidas, e não no domínio das verdades, da certeza absoluta, que é o
domínio da religião.

Como vamos excluindo as hipóteses que estão erradas, esta coisa avança,
progride. Hoje sabemos mais do que há cem anos, há dez anos, do que no
ano passado. Todo o resto da atividade humana não progride.

Por isso filosofia não é ciência, porque nunca progride. Eu tenho o maior
respeito pelos filósofos porque o objetivo da filosofia é o mesmo que o da
ciência: explicar o mundo e a nós próprios. Agora, nós temos um bom
processo e eles não têm, portanto estão fadados a desaparecer. O que é o
objetivo da filosofia vai ser resolvido pela ciência, e a filosofia vai passar a
história.

Eu acho que os cientistas são os únicos que resolvem problemas, e [isso] é


uma coisa de que as pessoas, habitualmente, não estão muito cientes.
Problemas absolutamente fundamentais, que muita gente chamaria de
metafísica, [como] a origem do universo, o que é a consciência e outros
problemas muito mais triviais, como [matar] uma célula cancerígena
(https://www1.folha.uol.com.br/ilustrissima/2018/04/uso-de-magnetismo-contra-o-cancer-avanca-e-ja-e-aplicado-em-

clinicas.shtml), coisas assim. Isso é o que nós fazemos, resolver problemas.

Quando você fala ciência, você inclui também os processos tecnológicos,


que de alguma forma derivam, são consequência da ciência?

Eles são consequência da ciência. Durante muitos séculos, a tecnologia [teve]


base empírica. As pessoas andaram de barco durante muitos milênios, até
que Arquimedes descobriu por que aquilo flutuava. Hoje em dia, para
inventar um nanotubo de carbono, é preciso bastante ciência; para melhorar
um tratamento médico, tem que haver ciência.

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É por isso que de vez em quando algum governo um pouco menos estúpido e
mais iluminado que os outros investe na ciência: não é pela ciência, é pela
tecnologia que está se derivando, porque agora todos já veem que o motor
do progresso é a ciência. Porque a ciência produz tecnologia, a tecnologia
produz inovação, inovação produz economia, crescimento econômico etc. É
triste que os governos não invistam na ciência pelo que a ciência é.

Quais são as características dos grupos de pesquisa que trazem as


maiores inovações, que estão na fronteira do conhecimento
(https://www1.folha.uol.com.br/ilustrissima/2018/05/o-nobel-que-ajudou-a-desenvolver-a-fisica-no-brasil-e-pulou-

carnaval.shtml), no caso da pesquisa em biociências?

Sempre fui contra grupos muito grandes. Acho que um grupo é uma unidade
funcional em que as pessoas têm que se conhecer muito bem, saber o que o
outro pensa e colaborar ativamente. Por outro lado, o avanço tecnológico é
tão rápido e tão avassalador que grupos pequenos não têm nenhuma
probabilidade de seguir o progresso tecnológico se ficarem isolados.

A única maneira é que esses grupos tenham outras vantagens, que estejam
reunidos, postos todos juntos em instituições maiores que possam cuidar da
infraestrutura.

Os cientistas e os seus alunos de doutoramento e pós-doutoramento


deveriam apenas pensar na ciência que querem fazer. Não deveriam ter que
se preocupar em "como vou arranjar dinheiro agora para comprar um
microscópio ultrassensível?". Isso deveria estar garantido pela instituição.

O ideal é instituições com 20, 30 ou 40 grupos, que já tenham tamanho


suficiente para assegurar a infraestrutura e o avanço tecnológico, que
proporcionem às pessoas maneiras de interagir, de discutir, mas mantendo
cada grupo pequeno.

Em algumas partes do mundo, como nos Estados Unidos, há grupos que são
do tamanho que eu acho que deveria ser a instituição. Estudantes e pós-
doutorandos desses grupos grandes veem o chefe do grupo uma vez por
mês, ou um pouco mais. É triste.

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A tendência dos grupos é acumular muito financiamento, e quanto mais


financiamento, maiores são. A consequência disso é que os grupos estão
cada vez maiores e cada vez há menos recursos para jovens que estão
começando.

E isso vai de certa forma cercear a diversidade. Você fica com grandes
grupos, monotemáticos, e aquela ideia nova não emerge porque você não
tem recurso fora daqueles grandes temas.

As ideias novas vêm sempre dos grupos pequenos. O grupo pequeno está
sempre contra a maioria, o que é bom por causa dessa história da evolução
no domínio da dúvida, da contradição. Além disso, e há muitos estudos sobre
isso, o dinheiro que se dá a um grupo grande é muito menos rentável do que
o dinheiro que se dá ao grupo pequeno. Vocês deveriam fazer esse estudo no
Brasil, avaliar dez grupos grandes, dez médios e dez pequenos.

Há experiências a nível nacional. A Suécia sempre teve boa investigação.


Então fizeram uma reforma para concentrar recursos. Foi uma catástrofe,
até agora. Cada vez tem menos produtividade científica. Concentraram
recursos, ou seja, a maior parte dos grupos pequenos deixou de ter
financiamento e só teve duas alternativas: parar ou juntar-se ao grupo
grande.

Se você tem tudo igual, não há cooperação possível, é só competição. E a


competição, apesar de os biólogos dizerem que é o motor da evolução, não é.
Competição não inventa nada de novo, é uma gestão de recursos limitados. A
cooperação nos leva a vidas melhores, a níveis de vida mais interessantes, de
unicelular para multicelular. E a possibilidade de cooperação aumenta com a
heterogeneidade dos componentes.

Quais são as opções de carreira para doutores em ciência?

Sempre uma minoria irá pesquisar e liderar grupos de pesquisa. Em média,


um bom chefe de um grupo ativo, pequeno, forma um doutor por ano. Ao
final de 20, 25 anos de carreira, um cientista formou 20, 25 novos cientistas.
Mesmo que a gente fique com os 20, em pouco tempo são 20 vezes 20. Eu já

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tenho [cientistas] da terceira geração. São 400 vezes 20. Estamos em 8.000
formados por um só cientista.

É absolutamente utópico pensar que esses 8.000 deveriam todos fazer a


mesma coisa que eu fiz. É uma estupidez total. Há muitas outras maneiras de
utilizar o que se aprendeu fazendo doutorado. Há o que se costuma chamar
de mobilidade lateral, ou seja, continua a trabalhar em coisas científicas,
mas não como pesquisador.

A maior parte dos doutores nos Estados Unidos vai ensinar, e não fazer
pesquisa. Além disso, a mobilidade lateral também implica ser divulgador de
ciência, atuar na gestão da ciência, ser lobista de assuntos científicos.

Há no Brasil ainda a imagem de que se você fez doutorado e não é


professor ou pesquisador, você "debandou".

É muito importante que as pessoas se deem conta [da importância da


mobilidade lateral]. A parte mais bonita do tango é quando vai a lateral. Nem
toda gente nasce para fazer isso [pesquisa]. Acho que é um indicador de
desenvolvimento científico: se a maioria ainda faz a mesma coisa, o país está
muito pouco desenvolvido. Quanto mais desenvolvido o país, mais saídas
têm que não a da pesquisa universitária.

Nos programas de doutorado em Lisboa, muitos médicos fizeram


doutoramento e voltaram a trabalhar no hospital. Eles dizem: "Deixamos de
ver os doentes da velha maneira; agora estamos preocupados com o
mecanismo da doença". A medicina não ensina a fazer perguntas, ensina a
ter procedimentos corretos. Portanto, as coisas mudam muito.

Quais são as suas indicações de livros para quem se interessa pela


ciência?

Há tantos que já não sou capaz de fazer uma lista de cabeça. Há um autor
que eu gosto de ler, porque é muito otimista, e eu acho que a ciência, por
natureza, é otimista: Steven (https://www1.folha.uol.com.br/ilustrissima/2018/04/steven-pinker-escreve-
sobre-vantagens-do-sistema-politico-ocidental.shtml)Pinker

(https://www1.folha.uol.com.br/ilustrissima/2018/04/steven-pinker-escreve-sobre-vantagens-do-sistema-politico-

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ocidental.shtml).
Há um [livro dele] que eu acho que toda gente deveria ler: "Os
Anjos Bons da Nossa Natureza".

E um mais recente ["Enlightenment Now", iluminismo agora], em que a coisa


fundamental do livro é que o que conta para avançarmos é a racionalidade, a
ciência e o humanismo. Como ele disse, o conhecimento tanto pode ser para
um bom fim, ou um mau fim.

Portanto, o conhecimento em si não tem valor intrínseco. Por isso, uma


ciência que seja consequência da racionalidade, e profundamente
humanista, só pode contribuir para a melhoria do mundo. 

Alberto Nóbrega, professor da Universidade Federal do Rio de Janeiro, é mestre em


matemática e doutor em imunologia. Fez seu pós-doutorado com António Coutinho
no Institut Pasteur, em Paris.

Cristina Caldas, diretora de Pesquisa Científica no Instituto Serrapilheira, é mestre em


biologia molecular pela UnB, doutora em imunologia pela USP e especialista em jornalismo
científico pela Unicamp.

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