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Ética e Política
Cidadania,
Ética e Política
Cleber Ori Cuti Martins
Conselho Editorial EAD
Dóris Cristina Gedrat (coordenadora)
Mara Lúcia Machado
José Édil de Lima Alves
Astomiro Romais
Andrea Eick
CDU: 342.71(81)
ISBN 978-85-7528-258-8
Introdução .........................................................................................7
10
1
Origens e conceitos
de Cidadania e Política
As origens das concepções da cidadania e as relações com a política
são importantes para a sua compreensão e análise ao longo do tempo. O
objetivo deste capítulo é fornecer subsídios para o estudo da temática,
iniciando com o delineamento dos seus significados. A partir daí, é
incorporado o processo das mudanças políticas e sociais, as origens das
primeiras concepções e a visão moderna acerca da cidadania. O capítulo é
encerrado com a abordagem das aproximações entre política e cidadania.
Por fim, as metas são propiciar uma compreensão das características gerais
e proporcionar uma perspectiva panorâmica acerca dos assuntos.
Legado romano
- Noções de direitos políticos.
- Uso do voto secreto.
- Bicameralismo com a criação do Senado e da Câmara (modelo que,
no século XVIII, foi utilizado nos Estados Unidos).
- Ampliação da participação política para setores integrantes da plebe
(não-nobres).
Origens e conceitos de Cidadania e Política
Referências
Origens e conceitos de Cidadania e Política
Questões
23
2
Liberalismo e ascensão
da burguesia
A formação dos conceitos modernos de cidadania possui uma forte
ligação com o estabelecimento do Estado com poder unificado, superando
a organização política e social do período feudal, primeiro via poder
absoluto e, depois, baseado no ideário liberal. Essa abordagem encontra-se
neste capítulo, junto com as interpretações e origens da doutrina liberal,
a fundamentação nos direitos individuais e naturais, finalizando com
alguns itens da crítica ao Estado liberal.
Características do Absolutismo
- Centralização e unificação política.
- Monarquia. Rei com poderes quase que ilimitados.
- Concentração dos poderes.
- Autoritarismo.
- Governo sem necessidade de consentimento da sociedade.
- Uso da força e da violência pelo Estado.
- Relação de desigualdade entre nobres e súditos.
- Unificação e delimitação territorial.
29
Em síntese, indivíduos de origem não nobre passaram a acumular
riquezas oriundas do comércio e da fabricação de produtos. A ampliação
da importância da burguesia, primeiro no âmbito econômico, tem
uma implicação importante na organização política. Os seus interesses
passam a entrar em conflito com o tipo de Estado e de soberania em
vigor, cujas características incluíam o poder do soberano em dispor da
propriedade, de determinar leis e tributos, enfim, de governar baseado
na força e não no consentimento, sem levar em conta os interesses dos
governados e súditos.
A superação do modo de produção feudal, a ascensão do capitalismo
mercantil e a decadência do poder sustentado em uma origem divina ou
sobrenatural, trazem para o centro da disputa política do período (séculos
XVII e XVIII) a problemática da justificativa e legitimação do poder.
Considerando que a burguesia, então detentora de poder econômico,
começa a contestar e a combater os desígnios da soberania absolutista,
cuja base é o uso da força, surge uma concepção política, o Liberalismo,
com capacidade para se opor ao Absolutismo (Kühnl, 1983).
Portanto, o ideário liberal começa um processo de contraposição à
estrutura política e de poder do Absolutismo. Os argumentos centrais dessa
contraposição situam-se na definição e defesa dos direitos individuais e
na delimitação do poder do Estado. Assim, há o estabelecimento de
um novo tipo de relação entre os indivíduos e destes com o Estado e
governantes.
Liberalismo e ascensão da burguesia
31
Doutrina liberal
- Liberdade.
- Igualdade de todos diante da lei.
- Estado: produto de um acordo, contrato ou pacto entre os
indivíduos.
- Poder político exercido mediante consentimento.
- Separação dos poderes do Estado: Executivo, Legislativo e
Judiciário.
- Delimitação do poder do Estado.
- Garantias dos direitos naturais dos indivíduos: liberdade,
propriedade e igualdade.
- Soberania: poder exercido com base nas leis e no consentimento
dos governados.
Referências
Questões
38
3
Direitos e Estado
nacional
A concepção moderna da cidadania teve uma forte influência e ocorreu
paralelamente à formação do Estado nacional. Este capítulo destina-se a
apresentar alguns dos elementos principais desse processo, enfatizando as
questões que envolvem os três tipos de direitos (civis, políticos e sociais),
fundamentais ao desenvolvimento da cidadania. O pano de fundo desse
contexto reside na forma com a qual se efetiva a relação do indivíduo com
o Estado, considerando os pontos de vista sustentados no Liberalismo e
na democracia, e na complexidade das percepções da igualdade legal e
da igualdade sócio-econômica.
42
Estado moderno
- Exercício do poder unificado em um território.
- Concepção liberal: uma parcela de todos os indivíduos (a burguesia)
reivindica o poder soberano.
- Igualdade formal.
- Formação de uma identidade nacional.
- Democratização: ampliação da participação política e do direito ao
voto.
- Busca dos direitos sociais.
Referências
389-402. v. 1.
BENDIX, Reinhard. Construção nacional e cidadania – estudos de nossa
ordem social em mudança. São Paulo: Edusp, 1996.
BOBBIO, Norberto. Liberalismo e democracia. 3. ed. São Paulo:
Brasiliense, 1990.
BOBBIO, Norberto. A era dos direitos. Rio de Janeiro: Campus,
1992.
ESPING-ANDERSEN, Gosta. As três economias políticas do welfare
state. Revista Lua Nova, número 24, 1991. 51
KÜHNL, Reinhard. O modelo liberal de exercício de poder. In:
CARDOSO, Fernando Henrique e MARTINS, Carlos Estevam
(orgs.). Política e sociedade. 2. ed. São Paulo: Companhia Editora
Nacional, 1983. p. 242-56. v. 1.
LAVALLE, Adrian Gurza. Cidadania, igualdade e diferença. Revista
Lua Nova. Número 59. 2003.
MARSHALL, T. H. Cidadania, classe social e status. Rio de Janeiro:
Zahar, 1967.
TOCQUEVILLE, Alexis de. A democracia na América. Brasília: UnB,
1982.
WEBER, Max. Os tipos de dominação. In: Economia e sociedade:
Fundamentos de sociologia compreensiva. Brasília: Ed. UnB,
1999.
WEFFORT, Francisco (org.). Os clássicos da política. São Paulo: Ática.
1996. v. 1 e 2.
Questões
52
4
Democracia, Estado
de bem-estar
e os direitos sociais
A consolidação dos direitos civis e políticos foi a base para o processo de
obtenção dos direitos sociais, todos centrais na compreensão da cidadania.
O objetivo deste capítulo é apresentar algumas características dos tipos de
percursos para o estabelecimento da cidadania, incluindo elementos para
a compreensão dos temas que envolvem a implementação dos direitos
sociais, através do Estado de bem-estar social (welfare state) na Europa
Ocidental. Também estão incluídas algumas características da crise do
welfare, a partir da década de 1970.
do espaço público.
- Estados Unidos: iniciativa da população e efetivação no espaço
privado, fora do campo de ação do Estado.
- Inglaterra: cidadania definida pela universalização dos direitos
individuais, com origem no próprio espaço público.
- Alemanha: iniciativa pela intervenção do Estado no espaço
privado.
(Habermas, 1983).
58
4.3 Os sistemas de proteção social
1
A descrição das experiências usa os dados dos verbetes Estado Contemporâneo e Estado
do Bem-Estar, integrantes do Dicionário de Política organizado por Norberto Bobbbio,
Nicola Matteucci e Gianfranco Pasquino. 59
4.4 Cidadania e bem-estar
63
Referências
Questões
64
5
A cidadania
contemporânea entre
o reconhecimento,
a redistribuição
e a internacionalização
A cidadania, na sua concepção moderna, a partir do século XVIII,
efetiva-se no âmbito do Estado nacional. Apenas na metade do século
XX é que surge a Declaração Universal dos Direitos Humanos, a
primeira a representar um consenso entre vários países, integrantes da
Organização das Nações Unidas, sobre o assunto. As bases desse processo
de internacionalização estão, em grande parte, na Revolução Francesa e
na Independência dos Estados Unidos, cujas declarações e constituições
transformaram-se em paradigmas para a cidadania. Este capítulo apresenta
alguns dos elementos relevantes da trajetória da cidadania, desde a visão
nacional até a internacionalização, incluindo duas questões primordiais
para compreender a contemporaneidade da temática: o reconhecimento
das diferenças culturais, étnicas e de gênero entre os grupos sociais e a
busca por redistribuição, integrada pela reivindicação por políticas que
combatam a desigualdade material e econômica e promovam bem-estar
dos cidadãos e cidadãs.
a redistribuição e a internacionalização
perspectiva tem como centro o processo de conquista de direitos e a sua
efetivação, em maior ou menor grau, dependendo de cada país, ao longo
dos últimos três séculos. A cidadania, então, é a identidade dos indivíduos
que dispõem de direitos civis, políticos e sociais.
Portanto, os indivíduos integrantes do Estado nacional são portadores
de direitos e possuem capacidade de interferir na produção das normas
legais (Bresser-Pereira, 1997).
Se a busca por direitos civis, políticos e sociais foi, inicialmente, uma
consequência das ações da classe burguesa, no século XX houve uma
ampliação para outros setores da sociedade, a partir da expansão do
voto, da democratização e da colocação de direitos, fundamentalmente os
sociais, como elementos formadores da ordem legal e constitucional.
67
As revoluções liberais dos séculos XVII e XVIII, na França, Inglaterra
e Estados Unidos, são marcos importantes do desenvolvimento da
cidadania. Pode-se considerar que a Declaração de Independência dos
Estados Unidos, em 1776, e a Declaração dos Direitos do Homem e
do Cidadão, da Revolução Francesa, em 1789, são os paradigmas da
cidadania e dos direitos individuais. Seus textos fundam a visão moderna
e estabelecem os parâmetros decisivos para a concepção contemporânea
do tema. Além disso, as duas declarações simbolizam a contraposição
ao poder político e social exercido de maneira despótica (quando não
considera os direitos ou interesses dos governados).
A Declaração de Independência dos Estados Unidos define que: “Nós
consideramos estas verdades como evidentes em si: que todos os homens
são iguais; que todos são dotados pelo seu Criador de certos direitos
inalienáveis; que entre estes estão a vida, a liberdade e a busca da felicidade
(...)” (Singer, 2003, p. 201). Para garantir esse conjunto de direitos, “(...)
governos são instituídos entre os homens, derivando seus justos poderes
do consentimento dos governados (...)” (Singer, 2003, p. 201).
Portanto, os direitos, a partir dos princípios liberais, precisam ser
assegurados por governos escolhidos e controlados pelos governados.
A cidadania contemporânea entre o reconhecimento,
a redistribuição e a internacionalização
Todavia, esse parâmetro político e social que surge, em parte, do
Liberalismo, e que foi influenciado, também, por outras doutrinas, como
o Socialismo, possui uma forte característica nacional. Cada uma dessas
declarações de direitos tem como amplitude os limites territoriais do
Estado nacional.
Nesse sentido, é importante a consideração de três momentos
históricos (Bobbio, 1992). No primeiro, ocorre a passagem das liberdades
para os direitos políticos e sociais, sendo que estes últimos dependem
da intervenção do Estado. Depois, é a vez da passagem da perspectiva
do indivíduo (central na concepção liberal) para a compreensão tendo
como referência grupos ou categorias sociais. Aqui, a noção dos direitos
é ampliada do ponto de vista do indivíduo para o da família, de minorias 69
étnicas e, entre outros, grupos religiosos. Ou seja, indivíduos que
compartilham de características comuns a um determinado segmento
social, com reivindações e demandas similares.
O terceiro momento trata da formação do conceito de ‘homem
específico’, no qual os indivíduos passam a ser compreendidos a partir de
certas características, como gênero, idade e nível de escolaridade. Há uma
especificação de cada caso, que tem uma ligação maior com os direitos
sociais, cujas ações e políticas não necessariamente precisam abranger toda
a sociedade. Por exemplo, políticas de construção de moradias podem ser
destinadas a setores sociais específicos que tenham esta necessidade. No
sentido contrário, as liberdades possuem um caráter universal, atingindo
a todos, independente de qualquer especificidade peculiar.
a redistribuição e a internacionalização
sistematize os direitos e tenha-se consolidado, ao longo da segunda
metade do século XX, como o paradigma dos processos de configuração
e efetivação dos direitos humanos, não tem, por si, um caráter jurídico.
Diante do princípio da soberania nacional, os Estados podem incorporar
ou não esse ideário às suas constituições e leis, assim como podem ser ou
não integrantes da ONU. A Declaração, nas seis décadas de sua existência,
indica o Caminho e define os parâmetros dos direitos (Bobbio, 1992). A
realização, tanto no plano legal, quanto no plano concreto, depende das
questões políticas e sociais internas de cada país.
Duas condições são fundamentais para que os direitos, então definidos
de maneira internacional, possam ser efetivados, embora elas não existam de
fato (Bobbio, 1992). A primeira é a exigência de que os princípios constantes 71
nas declarações sejam cumpridos em cada Estado, sob pena de exclusão
da comunidade internacional. Já a segunda condição abrange a existência
de um poder comum, no sistema internacional, com força suficiente para
prevenir ou reprimir o não cumprimento dos direitos declarados.
O resultado é que os direitos estabelecidos na Declaração Universal
dos Direitos do Homem, muitas vezes, não foram aplicados na sua
integralidade. Ainda são comuns situações de trabalho escravo
(contradizendo o Artigo IV), prisões arbitrárias (proibidas no Artigo
IX), governos estabelecidos mediante uso da força e sem consentimento
dos governados, especialmente em regimes autoritários (contrariando
os artigos XX e XXI) e diferenças de salários para cargos e funções
semelhantes entre homens e mulheres (vetado no Artigo XXIII).
Contexto que estabelece uma relevante diferença entre ter um direito
internacionalmente reconhecido e tê-lo garantido por um processo decisório
em uma instituição legislativa, soberana e com capacidade de efetivar
um sistema capaz de punir a quem não cumprir a determinação legal.
Uma coisa é o reconhecimento dos direitos, outra é a sua concretização.
Assim, pode haver uma divergência entre as definições tomadas pelos
organismos internacionais e as decisões dos governos, levando em
A cidadania contemporânea entre o reconhecimento,
a redistribuição e a internacionalização
mulheres são dois destaques do período. Nos dois casos, o epicentro ocorreu
nos Estados Unidos, país que, com a sua Declaração de Independência,
ajudou a estabelecer os pilares das concepções de igualdade e liberdade,
mas que, até meados do século XX, permitia a discriminação racial e tinha
dificuldades em atender as demandas das mulheres e jovens. Os negros,
por exemplo, não podiam ocupar os mesmos lugares que os brancos, seja no
transporte público, escolas ou restaurantes e as mulheres confrontavam-se
com um papel secundário e doméstico na sociedade norte-americana.
Portanto, os princípios dos direitos civis, políticos e sociais nem sempre
eram realizados e redundaram em uma série de mobilizações que tiveram
seu ponto culminante no ano de 1968, em vários países do mundo (Ribeiro,
2003). Em geral, as reivindações dos movimentos civis e sociais da década
73
de 1960 tinham como objetivo terminar com as discriminações, fossem
elas de ordem racial ou de gênero, e com as situações de desigualdade.
A democratização das relações políticas e sociais também integrava as
demandas desses grupos.
Em muitos países da América Latina, incluindo o Brasil, a busca
por direitos inseriu-se no confronto com regimes autoritários, os quais
limitavam as liberdades civis e políticas, principalmente.
Desse contexto emergem, ainda, as reivindações por melhores
condições de vida, por salários melhores, empregos e por um conjunto
de políticas sociais capazes de apresentar respostas para as situações
de desigualdade econômico-social. Também passa a ser enfatizado o
conceito de ‘direito de minorias’, no qual, via mobilização, grupos sociais
minoritários passam a reivindicar seus direitos.
Desde o fim da década de 1960, no entanto, já podia ser percebido
um esgotamento da capacidade do Estado em responder de maneira
afirmativa às reivindações originadas pela busca em conquistar direitos.
A crise do Estado de bem-estar social possuía relação com os problemas
enfrentados pelo setor econômico (agravados na década de 1970 a partir
da crise do petróleo de 1973) e também com a mudança no interesse das
classes médias dos países desenvolvidos, a qual passou a apoiar candidatos
A cidadania contemporânea entre o reconhecimento,
a redistribuição e a internacionalização
diferente do seu; de não-reconhecimento, caso daqueles que não possuem
visibilidade pública e seus pontos de vista e interesses são desconsiderados
em processos decisórios no Estado e na sociedade; e desrespeito, grupos
sociais que, de forma rotineira, são difamados e vistos de maneira
estereotipada publicamente (Fraser, 2001).
As desigualdades em termos materiais e sócio-econômicos têm
vínculos com a estrutura política e econômica de cada sociedade. Assim,
exemplos dessa condição podem ser encontrados nas ideias de exploração
do trabalho, seja por questões de baixa remuneração, trabalho infantil
ou escravo; marginalização econômica, isto é, submissão a funções
insalubres e privação, não ter acesso a um padrão material mínimo para
a sobrevivência (Fraser, 2001).
75
Reconhecimento das diferenças
- Culturais
- Étnicas
- Gênero
- Caráter simbólico e cultural.
Redistribuição
- Ações contra a desigualdade econômica.
- Condições materiais de vida.
- Bem-estar sócio-econômico.
a redistribuição e a internacionalização
médio e superior). Segundo os dados de 2007 e 2008, levantamento que
incluiu 177 países, 70 países possuem alto desenvolvimento humano (o
Brasil é o 70°); 85 têm médio e 70 estão com baixo IDH. Mesmo entre os
países desenvolvidos e em desenvolvimento, há diferenças importantes
em relação à consolidação dos direitos, levando em conta indicadores
como distribuição de renda.
Nesse contexto está a importância da Declaração Universal dos
Direitos do Homem, por ter estabelecido um parâmetro sobre os
direitos de cada indivíduo e de cada grupo social. A ideia de um
consenso internacional sobre quais são os direitos e como devem
ser assegurados contribuiu para expandir a cidadania, no sentido de
propiciar um conjunto doutrinário para ser buscado pelos grupos 77
sociais e indivíduos, consolidando um processo que iniciou, na sua
concepção moderna, com as revoluções liberais dos séculos XVII e XVIII,
passou pelo Socialismo, nos séculos XIX e XX, e chega à perspectiva
contemporânea, que pode ser resumida pelo reconhecimento das
diferenças e pela redistribuição sócio-econômica.
Referências
Questões
1) Aponte exemplos sobre as reivindações de cidadania que envolvem
reconhecimento das diferenças e redistribuição econômica.
2) Analise a importância da definição dos direitos de cidadania ter
passado para o âmbito internacional.
79
6
A trajetória da cidadania
no Brasil: obstáculos
e a formação do Estado
e da sociedade
A formação do Estado no Brasil e o tipo de organização política e social
herdada do período sob domínio de Portugal (1500-1822) produziram
uma série de obstáculos para o desenvolvimento das ideias de cidadania
no país. Diferente do que ocorreu na França, Inglaterra e Estados Unidos,
onde a concepção moderna de cidadania teve origem, o caso brasileiro
tem como característica, pelo menos até as primeiras décadas do século
XX, a continuidade de uma sociedade hierarquizada, quase que sem
possibilidades de ascensão social, e de um Estado controlado por interesses
particulares de comerciantes ricos e proprietários de vastas extensões de
terra. Afora isso, há o uso do trabalho escravo.
Este capítulo, assim, trata de algumas questões que envolveram a
formação da sociedade e do Estado brasileiro, as quais significaram um
conjunto de empecilhos para a efetivação da cidadania no país, a partir
da compreensão dos direitos individuais.
91
Referências
Questões
políticos.
Em síntese, os direitos civis são essenciais para o exercício dos direitos
políticos e ambos são imprescindíveis para a constituição dos direitos
sociais (saúde, aposentadoria, educação e, entre outros, salário justo).
A importância, nesse ponto de vista, da sequência reside na consideração
dos direitos civis enquanto fundamentais para a vida em sociedade; dos
direitos políticos como garantidores da participação dos cidadãos no governo
e os direitos sociais no compartilhamento da riqueza produzida na sociedade.
Portanto, os direitos políticos são inviáveis sem os direitos civis e os sociais se
efetivam a partir da liberdade de organização e participação política.
A ocorrência de direitos sociais sem os dois outros tipos antecedentes
pode acarretar que o seu conteúdo e amplitude sejam definidos em bases
não democráticas (Carvalho, 2008). Cuja implicação estabelece uma relação
arbitrária entre governantes e governados, usando como moeda de troca
100 a execução de políticas sociais em troca de submissão e apoio.
O exercício dos direitos civis abre Caminho para a reivindicação de
participação política, de formar partidos, de representação política legitimada
em eleições livres e de escolher governantes. A participação no âmbito
da política, por sua vez, permite que o eleitorado escolha os partidos que
apresentem propostas de acordo com suas demandas, incluindo as reivindações
por políticas sociais, estabelecendo os três tipos de direitos (Marshall, 1967).
Porém, o percurso da cidadania na Inglaterra, nos séculos XVIII, XIX
e XX, na perspectiva de Marshall, possui diferenças importantes com
a experiência de outros países, sem afetar a concepção de cidadania. A
alteração da sequência, tendo como parâmetro a análise de Marshall, no
entanto, muda o resultado.
Na trajetória brasileira, principalmente depois de 1930, primeiro
foram definidos os direitos sociais, no período de 1930 a 1945, a partir do
estabelecimento da legislação trabalhista e da política previdenciária. Há
uma inversão no parâmetro delimitado por Marshall, pois as leis sociais não
foram produto da ampliação da participação e da organização política da
sociedade. A maior parte delas foi estabelecida, inclusive, durante o período
autoritário do Estado Novo (1937-1945), quando a política social foi utilizada
como um dos elementos de controle social (Carvalho, 2008).
Os direitos sociais, nesse sentido, precederam os direitos civis e
políticos, os quais, em sentido pleno, apenas seriam adquiridos no final da
Questões
1) Analise o conceito de cidadania regulada.
2) Aponte as implicações do patrimonialismo e do coronelismo na
104
questão dos direitos políticos.
8
A cidadania
no regime autoritário
de 1964 a 1985
Depois de um período democrático com uma série de limitações, o
Brasil entra, em 1964, em mais uma sequência de governos autoritários. Este
capítulo propõe a análise de alguns temas decorrentes da interrupção dos
processos de mobilização social por regimes políticos de caráter autoritário,
como o Estado Novo (1937-1945) e o regime militar (1964-1985). É importante
salientar as semelhanças (além das várias diferenças) entre os dois períodos,
entre as quais o desenvolvimento de medidas modernizantes, tais como
industrialização e urbanização, junto com limitações dos direitos civis e
políticos. Outro ponto comum é a tentativa de angariar apoio da população
através da concessão de políticas sociais.
O capítulo também delineia algumas das características do regime
instaurado em 1964 e outros elementos que constituíram o processo de
transição para a democracia, em meados da década de 1980.
e Martins, 1984).
A partir daí, a liberalização oscila entre momentos de maior abertura
e outros de intensificação de medidas autoritárias, como a ocasionada
pelo chamado pacote de abril, em 1977, no qual o governo ditatorial
determina eleições indiretas para governadores e coloca o Congresso
Nacional em recesso, numa tentativa de retomar o controle sobre o
processo da transição. As medidas, no entanto, tiveram de enfrentar as
manifestações contrárias de entidades da sociedade civil, incluindo a
Ordem dos Advogados do Brasil e os movimentos sindical e estudantil
(Velasco e Cruz e Martins, 1984).
Nesse contexto, o governo tinha como alternativas retomar a repressão
e arcar com os altos custos políticos e sociais ou seguir com a inevitável,
devido ao aumento das mobilizações, liberalização. O sistema econômico-
social que produziu crescimento associado à concentração de renda
112
encontra pela frente uma crescente consciência política dos grupos sociais
no sentido da necessidade das mudanças (Souza, 1988).
A sociedade civil reorganiza-se na segunda metade da década de 70
com um conjunto de reivindações comuns a vários movimentos sociais.
Entre elas estava a volta do Estado de direito, a defesa de uma nova
Constituição e a anistia e liberdade para os presos políticos. A série de
greves, inicialmente deflagradas em Santo André, São Caetano e São
Bernardo do Campo, o ABC paulista, depois estendida por várias outras
cidades, respaldou o ressurgimento da mobilização social.
A transição para a democracia, mesmo que ainda sob controle do
regime autoritário, teve no ano de 1978 um dos ápices da mobilização
da sociedade civil, incluindo as manifestações pela anistia política. Nesse
contexto, são anunciadas medidas que reduziam o controle do Estado
sobre a sociedade, tais como o fim da censura prévia à imprensa, além
do restabelecimento da figura do habeas corpus para crimes políticos.
As cassações e o direito do presidente da República fechar o Congresso
Nacional igualmente foram proibidos (Velasco e Cruz e Martins, 1984).
Em dezembro de 1978 é extinto o Ato Institucional número 5, principal
instrumento de controle e arbítrio do governo. No ano seguinte, ocorre
a volta da liberdade de organização partidária, com o fim do sistema de
113
Repressão
Entre 1964 e 1973
- Cassações: 513 mandatos de senadores, deputados e vereadores.
- Perda de direitos políticos: 35 dirigentes sindicais.
- Aposentadoria compulsória ou demissão: 3.783 funcionários
públicos.
- Expulsão das Forças Armadas: 1.313 militares.
Referências
Questões
118
9
A Constituição Cidadã
e o reencontro
da democracia
com a cidadania
A democratização do Brasil, na década de 1980, abriu a possibilidade
do estabelecimento de características novas nas relações sociais e políticas.
A Constituição de 1988 é o documento que define e determina os meios
para assegurar os direitos e a cidadania. Este capítulo aborda esse contexto,
fazendo uma rápida descrição acerca do nível de acesso a tais direitos, a
partir do uso da Síntese de indicadores Sociais do Instituto Brasileiro de
Geografia e Estatística.
Nessa compreensão, são importantes os passos para reconstrução da
democracia, incluindo as inovações constantes no texto constitucional, as
quais incluem, além dos direitos civis, políticos e sociais, o princípio da
participação da sociedade na gestão do Estado.
122
A retomada da liberdade
- Volta dos direitos civis e políticos.
- Liberdade de organização, incluindo partidos e sindicatos.
- Processo constituinte (1987-1988).
- Eleições diretas (municípios, estados e país).
- Ampliação do direito ao voto para os analfabetos (1985).
- Fim da censura (ainda que de maneira lenta).
2
A descrição a partir do texto da Constituição (www6.senado.gov.br/con1988/ 123
CON1988_05.10.1988/CON1988.htm)
legislativas e câmaras municipais. Nesse sentido, a Constituição preconiza
o objetivo de tornar o exercício do poder não apenas incumbência dos
representantes eleitos, mas também através de mecanismos de participação
da sociedade, incluindo o referendo, o plebiscito e a iniciativa popular
(Moisés, 1990). Contexto que está ligado às pressões por participação
percebidas no Brasil desde a década de 1970, em contraste com o déficit
de representação política no país, o qual, até 1984, esteve imerso em um
regime militar (Moisés, 1990).
Um dos símbolos dessa mudança pode ser percebido no Artigo
1° – parágrafo único – da Constituição, onde ocorreu a substituição da
frase ‘Todo o poder emana do povo e em seu nome será exercido’, lema
liberal clássico e colocado na Constituição brasileira de 1934, por ‘Todo
o poder emana do povo, que o exerce por meio de representantes eleitos
ou diretamente, nos termos desta Constituição’ (Moisés, 1990).
Outros pontos importantes são o direito de propor ações judiciais,
entendidas como no campo das garantias constitucionais, no sentido da
garantia dos direitos fundamentais. A Ação Popular e o Mandado de
Segurança são instrumentos para evitar o chamado abuso de autoridade
que possa prejudicar os direitos da cidadania.
O Artigo 1° do Título I constitui o Estado democrático de direito,
cujos fundamentos são a soberania, a cidadania, a dignidade da pessoa
humana, os valores sociais do trabalho e da livre iniciativa e o pluralismo
político. Portanto, há uma associação entre as liberdades políticas e a
A Constituição Cidadã e o reencontro
A Constituição Cidadã
- Define os direitos civis, políticos e sociais.
- Estabelece o princípio da participação da sociedade na gestão
pública.
- Ministério Público e defensorias para defesa dos direitos.
- Determina um caráter nacional para os investimentos
econômicos.
promulgação.
Mesmo que os defensores da estrutura e organização do Estado
nacional-desenvolvimentista, principalmente o funcionalismo público,
tenham tido várias de suas propostas contempladas no texto constitucional,
a polarização Estado e mercado já estava consolidada e iria ganhar um
grau de centralidade na década de 1990.
A palavra-chave que englobava as aspirações de vários segmentos
era reforma. O Estado precisaria ser reformado para atender ao novo
contexto internacional. Em outras palavras, era a defesa da redução do
128 tamanho do Estado diante da incapacidade do governo em implementar
políticas e fazer valer suas decisões. A definição da reforma nessa
direção comportava, ainda, a impossibilidade de o governo propor uma
rearticulação política que lhe abrisse a possibilidade de construir uma
saída viável politicamente para a crise, contemplando os grupos que até
então apoiavam, de alguma forma, o tipo de organização do Estado, já
em franco processo de corrosão.
Desta forma, emergiu um projeto que visava reformar o Estado
derrubando os pilares de sustentação do nacional-desenvolvimentismo.
Projeto que perdeu, num determinado sentido, a batalha na Constituinte,
mas que acabaria sendo dominante na década de 1990.
pretos e pardos.
As taxas de analfabetismo também demonstram a desigualdade étnica
no país. Os brancos com 15 anos ou mais de idade eram, em 2006, 6,5%
dos analfabetos. Número que chega a 14% para pretos e pardos. A taxa de
analfabetismo funcional também era muito menor para brancos (16,4%) do
que para pretos (27,5%) e pardos (28,6%). A média de anos de estudo da
população de 15 anos ou mais de idade mostrava uma vantagem de 2 anos
para brancos (8,1 anos de estudos), em relação a pretos e pardos (6,2).
Outro ponto importante que indica as diferenças está na distribuição
130 por cor ou raça dos que frequentavam escola com idade entre 18 e 24 anos.
Enquanto 56% dos brancos nessa faixa eram estudantes de nível superior
ou terceiro grau, o percentual, entre pretos e pardos, caía para 22%.
Por decorrência disso, é possível perceber diferenças relevantes entre
as pessoas de 25 anos ou mais de idade que alcançaram 15 anos ou mais
de estudo, ou seja, haviam completado o nível superior. No Brasil, em
2006, apenas 8,6% possuíam esse nível de escolaridade, sendo que, nesse
grupo, 78% eram de cor branca, 3,3% de cor preta, e 16,5% eram pardos.
Mais de 12% dos brancos haviam concluído o terceiro grau, enquanto
para pretos e pardos a participação não alcançava 4%.
Em relação à renda, as disparidades seguem grandes. Em média,
brancos têm uma renda de 40% superior a de pretos e pardos, mesmo
tendo escolaridade semelhante.
Quanto à participação na renda nacional, a distribuição entre os 10%
mais pobres e o 1% mais rico mostrava que, enquanto entre os brancos
eram, em 2006, 26,1% dos mais pobres; entre os que estavam na classe
mais favorecida, eles representaram quase 86%. Por sua vez, os pretos
e pardos eram mais de 73% entre os mais pobres e somente pouco mais
de 12% entre os mais ricos. As desigualdades se verificavam em todas as
grandes regiões.
Referências
Sites
planalto.gov.br/ccivil_03/Leis/L8078.htm
da democracia com a cidadania
132
10
Impactos da cidadania
na gestão pública
a partir da década
de 1990
A Constituição de 1988 estabeleceu um conjunto de mudanças na
organização social e política do Brasil. A partir da democratização, o
texto constitucional definiu, além dos direitos civis, políticos e sociais,
o princípio da participação da sociedade na gestão pública. Com isso,
a questão da cidadania passou a ter uma formatação diferente da que
existia antes no país. Mesmo que ainda permaneçam traços do modelo
clientelista e patrimonialista nos níveis federal, estadual e municipal, a
formação de conselhos, fóruns e outros tipos de organismos abre uma
nova perspectiva para a análise da cidadania.
A complexificação dos processos de definição e execução das
políticas públicas junto com a possibilidade de ampliação da presença
de organizações sociais são elementos relevantes para a concepção
contemporânea da cidadania no país e fazem parte da temática abordada
neste capítulo. Nesse sentido, há a efetivação de vínculos, proporcionados
pelas transformações no Estado pós-democratização, entre a sociedade
civil e os governos.
Ao mesmo tempo, persiste a desigualdade social e econômica, mesmo
com os direitos assegurados, o que redunda na ampliação das reivindações
encaminhadas ao Poder Público, oriundas das organizações sociais.
A sociedade civil passou a ter, na década de 1990, ampliado o seu campo de pública a partir da década de 1990
Impactos da cidadania na gestão
atuação, tanto junto aos poderes públicos, quanto no âmbito privado. Junto à
emergência de um conjunto de atores sociais, em um contexto de diversidade,
a questão da cidadania incorpora outras características. Na década de 1980,
a defesa da redemocratização, a Campanha Diretas-Já e a Constituição de
1988 são exemplos de manifestações da cidadania e enfatizavam reivindações
por direitos civis e políticos e também melhorias na qualidade de vida. Aí
igualmente estão incluídos os diretos sociais, como, por exemplo, habitação,
comida, trabalho, saúde e educação (Gohn, 2004).
Desde meados da década de 1970, chegando até a década de 1990,
ocorreu a substituição de procedimentos autoritários pela presença da
135
sociedade em espaços deliberativos e processos decisórios no âmbito do
Estado. Com isso, o número de atores políticos envolvidos aumentou, em
quantidade e em pluralidade, abrindo possibilidades de formatação de
instituições capazes de incorporá-los ao processo. (Burity, 2005).
Na década de 1990, uma das principais modificações tem como centro
a incorporação da ideia de participação, a qual pode ser sintetizada na
expansão do princípio da responsabilidade social dos indivíduos, ou
seja, um contexto no qual não se trata apenas de direitos, mas também de
deveres. Diferente de outros períodos na História do Brasil há um cenário
no qual podem ser desenvolvidas parceiras entre a sociedade e o governo
nas políticas sociais. (Gohn, 2004).
Essas perspectivas foram, em grande parte, abertas pela Constituição
de 1988, a qual definia como relevante, e obrigatória, em muitos casos, a
questão da participação nas instâncias da gestão pública. Assim, ocorre
a emergência de um novo tipo de espaço público, chamado de público
não-estatal. Nele, operam um conjunto de conselhos, fóruns e redes,
desenvolvidos a partir de processos de associação entre a sociedade civil
e representantes do Poder Público. O objetivo é executar estratégias para
a gestão das políticas sociais.
Do ponto de vista das relações entre Estado e sociedade, há uma
tendência à incorporação de instrumentos como parcerias, redes e, entre
outros, câmaras de negociação. O Estado compartilha responsabilidades e
transfere recursos para organizações da sociedade civil. Em contrapartida,
as organizações da sociedade assumem compromissos de gestão pública.
(Burity, 2005).
pública a partir da década de 1990
Impactos da cidadania na gestão
139
10.3 Cidadania e políticas públicas
Referências
144