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Cidadania,

Ética e Política
Cidadania,
Ética e Política
Cleber Ori Cuti Martins
Conselho Editorial EAD
Dóris Cristina Gedrat (coordenadora)
Mara Lúcia Machado
José Édil de Lima Alves
Astomiro Romais
Andrea Eick

Obra organizada pela Universidade Luterana do Brasil. Informamos que é


de inteira responsabilidade dos autores a emissão de conceitos.

Nenhuma parte desta publicação poderá ser reproduzida por qualquer


meio ou forma sem a prévia autorização da Editora da ULBRA.

A violação dos direitos autorais é crime estabelecido na Lei nº 9.610/98


e punido pelo Artigo 184 do Código Penal.

Cleber Ori Cuti Martins é Mestre em Ciências Políticas pela Universidade


Federal do Rio Grande do Sul. Doutorando no Programa de Pós-
Graduação em Ciência Política da Universidade Federal do Rio Grande
do Sul. Professor de Ciência Política, com pesquisas na área de Estado,
Democracia, Representação Política, Eleições e Estudos Legislativos.

Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP)

M386c Martins, Cleber Ori Cuti.


Cidadania, ética e política. / Cleber Ori Cuti Martins.
– Canoas: Ed. ULBRA, 2010.
144p.

1. Cidadania-Brasil. 2. Política. 3. Direitos humanos. I. Título.

CDU: 342.71(81)

Setor de Processamento Técnico da Biblioteca Martinho Lutero - ULBRA/Canoas

ISBN 978-85-7528-258-8

Dados técnicos do livro

Fontes: Antique Olive, Book Antiqua


Papel: offset 90g (miolo) e supremo 240g (capa)
Medidas: 15x22cm

Impressão: Gráfica da ULBRA


Março/2010
Sumário

Introdução .........................................................................................7

1 Origens e conceitos de Cidadania e Política ..............................11

2 Liberalismo e ascensão da burguesia ..........................................25

3 Direito e Estado nacional ..............................................................39

4 Democracia, Estado de bem-estar e os direitos sociais .............53

5 A cidadania contemporânea entre o reconhecimento, a

redistribuição e a internacionalização .........................................65

6 A trajetória da cidadania no Brasil: obstáculos e a

formação do Estado e da sociedade.............................................81

7 Avanços, retrocessos e a regulação da cidadania ......................93

8 A cidadania no regime autoritário de 1964 a 1985 ..................105

9 A Constituição Cidadã e o reencontro da democracia

com a cidadania ............................................................................119

10 Impactos da cidadania na gestão pública a partir da

década de 1990 ..............................................................................133


Introdução
As questões que envolvem a cidadania estão no centro dos debates
nas sociedades contemporâneas. As formas e meios para assegurar as
garantias dos direitos formam a agenda das organizações políticas e
sociais e ganham ênfase no âmbito do Estado e da gestão pública. Há
uma aproximação entre as concepções de cidadania e a política, seja na
sociedade civil, seja nos governos, e nas inter-relações entre ambos. O
produto desse contexto tem como cenário a complexidade das relações
sociais na atualidade. Ao mesmo tempo, cresce a importância das
discussões sobre as funções do Estado, dos governos e da sociedade civil
no campo das políticas públicas.
Essa complexidade é influenciada pelas experiências anteriores e
pelas compreensões acerca do desenvolvimento da cidadania ao longo
do tempo. É importante, para estabelecer parâmetros de compreensão
acerca do tema, a análise das primeiras experiências, na democracia
ateniense e na república romana e a ascensão da formatação do Estado e
da doutrina liberal. A visão moderna da cidadania envolve a consolidação
do Estado nacional (a partir do século XVIII), da democracia e dos direitos
civis, políticos e sociais, processo ainda inconcluso e que se estende até
a atualidade. No mundo contemporâneo, com características plurais e
diversas nas reivindações, em um contexto de globalização, a temática
envolve a busca por garantir os direitos sociais, implicando na ação
concomitante dos governos e da sociedade civil. Essa situação envolve as
discussões sobre os direitos nas relações de gênero, trabalhistas, étnicas e
no campo das condições de bem-estar e dos indivíduos.
O estudo da trajetória, avanços e retrocessos da cidadania no Brasil
envolve as questões da desigualdade econômica e social, problemas
Introdução

centrais no país. As raízes dessa compreensão podem ser encontradas


no tipo de relações sociais e políticas estabelecidas nos períodos da
colonização, império e nas fases da República, com poder autoritário
e o processo de democratização da década de 1980. Paralelamente, são
relevantes as manifestações de cidadania que ocorreram ao longo da 9
História brasileira, especialmente na mobilização pelo fim do regime
militar de 1964, democratização e na Constituição Federal de 1988, na
qual há a consolidação formal de um conjunto de direitos, produzindo
uma mudança na gestão pública, a partir do desenvolvimento da
participação política e de mecanismos de fiscalização sobre as ações dos
governantes.
Introdução

10
1
Origens e conceitos
de Cidadania e Política
As origens das concepções da cidadania e as relações com a política
são importantes para a sua compreensão e análise ao longo do tempo. O
objetivo deste capítulo é fornecer subsídios para o estudo da temática,
iniciando com o delineamento dos seus significados. A partir daí, é
incorporado o processo das mudanças políticas e sociais, as origens das
primeiras concepções e a visão moderna acerca da cidadania. O capítulo é
encerrado com a abordagem das aproximações entre política e cidadania.
Por fim, as metas são propiciar uma compreensão das características gerais
e proporcionar uma perspectiva panorâmica acerca dos assuntos.

1.1 Primeira aproximação com


a temática

A cidadania é um tema que abrange quase que todos os setores da


sociedade contemporânea. São rotineiras e comuns as referências ao
termo nas mais variadas circunstâncias. A palavra é o centro, já desde
a segunda metade do século XX, dos debates e conversas acerca das
análises da situação dos países e de propostas para melhorias das
condições de vida das populações e grupos sociais. Ao mesmo tempo
em que se tornou recorrente falar em cidadania, o termo ganhou uma

Origens e conceitos de Cidadania e Política


abrangência que beira a generalidade. Ou seja, por ser amplo, o conceito
acaba comportando definições variadas, abstratas e adaptadas a situações
e épocas específicas.
As configurações conceituais clássicas, a partir da concepção do Estado
Moderno, por volta do século XVIII, envolvem a ideia de um conjunto de
três grupos de direitos, os sociais, civis e políticos (Marshall, 1967). Essa
perspectiva transformou-se no principal parâmetro de compreensão da
cidadania e o seu processo histórico de desenvolvimento.
A complexidade da questão, contudo, encontra-se ligada de maneira
próxima com as características múltiplas e peculiares de cada país e de
cada organização social e política. O percurso transcorrido, considerando
o teor das relações sociais e o seu contexto nos últimos séculos, colocou
outros elementos na discussão acerca da cidadania.
13
Do conjunto amplo de direitos emergem questões contemporâneas
importantes que envolvem, por exemplo, a qualidade de vida dos
indivíduos. Nesse aspecto, ganham relevância preocupações e
reivindações por emprego, segurança, saneamento básico, bons salários,
educação e mesmo por reconhecimento de direitos de minorias e de
grupos étnicos.
Com isso, o ideário clássico de liberdade e igualdade política, um dos
fundamentos do estado democrático de direito, ganha outras demandas,
especialmente aquelas voltadas para busca de melhorias no bem-estar
dos indivíduos. A compreensão dos significados conceituais da cidadania
passa a abranger as questões da rotina dos indivíduos, estabelecendo
uma relação com as políticas públicas. A ação dos governos, em maior
ou menor escala, acaba sendo permeada pela concepção de cidadania e
pelo nível de democratização da gestão pública, possibilitando um maior
ou menor acesso da população aos bens públicos.
Efetiva-se, com isso, uma compreensão do significado da cidadania que
engloba os valores do ideário liberal-democrático clássico com um conjunto
de situações concretas, as quais são vividas diariamente por todos.

1.2 Mudança da ordem política e social


Origens e conceitos de Cidadania e Política

É possível delinear aspectos que acompanham o processo evolutivo


do conceito e das práticas de cidadania ao longo do tempo. Entre estes
elementos, são importantes as noções de liberdade e de garantias
constitucionais de direitos individuais e coletivos que perpassam as bases
das concepções de cidadania, as quais podem ser definidas a partir do
contexto de cada período histórico.
A trajetória acompanhou as características peculiares de cada situação e
época, considerando momentos de restrição e de ampliação da cidadania.
Caminho que iniciou com experiências específicas, caso da antiga
democracia ateniense, passou por contextos com poder centralizado e
absoluto, pela formação dos estados nacionais, chegando a tentativas de
universalização de direitos individuais, algo que, ainda na primeira década
14
do século XXI, não pode ser afirmado de maneira inequívoca.
As definições conceituais de cidadania refletem um caráter geral, mais
no sentido de algo que se deseja ou reivindica. Nesse aspecto, é relevante
ressaltar que o estabelecimento de garantias de liberdade, igualdade,
enfim, de direitos, não ocorreu, via de regra, sem importantes rupturas
e conflitos. Situação que retrata, também, o tipo de relação estabelecida
entre o Estado e a sociedade, especialmente no tocante à delimitação dos
poderes do Estado (e dos governantes) e a garantia de direitos individuais
básicos (liberdade, propriedade e igualdade de todos perante a lei, entre
outros), os quais seriam intocáveis.
Outro ponto importante encontra-se ligado à justificação de quem
detém o poder, isto é, a legitimidade do poder passa a estar ligada a uma
ordem legal, o chamado Estado de direito, e não mais a determinações de
ordem divina ou mesmo pela força. Nesse contexto, não sem avanços e
retrocessos, há a passagem do modelo absolutista, com poder centralizado
cujo fundamento principal é a força, para o modelo liberal, com base na
ideia de poder exercido por consentimento dos governados.
A passagem de um tipo de organização social e política para outro
enfrenta resistências da então ordem estabelecida. Um dos principais
marcos dessa questão pode ser encontrado na Revolução Francesa (1789),
sustentada nos ideais de liberdade e igualdade e, também, na mudança
da hierarquia de poder que comandava e determinava a ordem social. A
queda da nobreza e a ascensão da burguesia são o símbolo da mudança das

Origens e conceitos de Cidadania e Política


relações de poder outrora sólidas, consolidando, em um longo processo
que estaria por vir, a ruína do poder absoluto, centralizado e autoritário,
e colocando ênfase no ideário liberal. O processo, porém, não ocorreu
de maneira linear. Cada país apresentou características peculiares de
implementação do ideário liberal. Em muitos, inclusive, o processo ocorreu
de maneira lenta e, em outros, não se completou.

1.3 As origens históricas das concepções


de cidadania

A origem do termo e de seus significados está ligada a religiões antigas, a


15
Grécia e a Roma (Reis, 1999). Mesmo que a palavra seja oriunda do latim civis,
os fundamentos que contribuíram para as definições podem ser percebidos
em outras épocas, originando uma série de outras palavras que hoje possuem
grande importância e fazem parte da rotina, tais como Estado e cidade.
Afinal, são o tipo e a forma das relações estabelecidas entre os
indivíduos que conformam os laços e a estrutura social. Estruturas que
incorporam elementos centrais na organização e regulação da vida em
sociedade. Ao mesmo tempo é formada e delimitada pelas relações de
poder existentes entre os grupos e classes sociais.
Nas cidades-estado da Grécia antiga (período que compreende os
séculos IX e VII a.C.) já, principalmente em Atenas, havia as noções
de liberdade, participação e democracia (Guarinello, 2005). Portanto, à
cidade, ou pólis, grega, foi atribuída a origem das concepções sobre a
cidadania. A pólis era constituída por homens livres, os cidadãos, cuja
vida na coletividade encontrava-se estabelecida a partir das concepções
de direitos e deveres debatidos e definidos nas assembleias públicas
realizadas nas praças (Ágora), sendo que todos os homens livres tinham
direitos garantidos. Cada indivíduo livre dispunha de sua vida particular
(a esfera privada) e coletiva (a esfera pública), comum a todos. Todavia,
apenas os homens livres desfrutavam de tais elementos. Ficavam excluídas
mulheres, crianças e escravos (Covre, 1991).
O ‘político’, cidadão que morava na pólis, vivia em condição de
igualdade perante a lei, isto é, nenhum cidadão livre tinha privilégio
Origens e conceitos de Cidadania e Política

em relação aos demais. Outra característica importante da democracia


grega é a que facultava aos cidadãos o livre exercício das funções
públicas, desconsiderando títulos ou outras características obtidas
via hereditariedade. Por fim, o direito a manifestação nas assembleias
realizadas na Agora era facultado a todos os homens livres, ou seja, o direito
de debater as questões públicas e de governo (Bonavides, 1994).
Na pólis grega as ideias de liberdade e igualdade adquirem um caráter
político cuja procedência tem origem na formação de uma estrutura
de defesa da cidade perante ataques dos inimigos. O confronto com os
adversários estabeleceu um objetivo comum e solidário, formando um
corpo político capaz de tomar decisões comuns e executá-las de maneira
articulada. Assim, a politização ganha um caráter essencial para a
16 concepção de cidadania (Reis, 1999).
A democracia em Atenas
- Apogeu no século V.
- Forma de governo com o poder compartilhado pelos cidadãos.
- Liberdade dos cidadãos.
- Igualdade enquanto sinônimo de liberdade.
- Relação equilibrada entre os direitos do indivíduo e o poder
público.
- Direito à igualdade dos cidadãos perante a lei.
- Direito à livre manifestação pública e nas assembleias na Ágora.
- Conceito de cidadão: atenienses maiores de 21 anos. Não incluindo
estrangeiros, mulheres e servos.

Para os romanos, especialmente no período republicano (509 a.C. a


27 a.C.), a compreensão atribuída à cidadania trata da vida coletiva entre
os indivíduos, os quais dividem o mesmo território, ainda quem em
situação de desigualdade. Civis carrega o significado de ser humano livre
e civitas trata da aproximação com o conceito de homens livres vivendo
em uma sociedade (Funari, 2005). Em suma, a liberdade tem uma acepção
importante na civilização greco-romana, ainda que com limitações, pois
nem todos eram livres.
O senado passou a ser um dos centros do poder no período

Origens e conceitos de Cidadania e Política


republicano de Roma. Os senadores tinham origem patrícia (romanos,
nobres ou herdeiros dos fundadores de Roma) e eram os responsáveis
pela administração em geral, finanças públicas e pelas relações com
outros povos. Os cônsules e os tribunos da plebe ficavam encarregados
das atividades executivas. A figura desses tribunos, de origem plebeia
(não eram integrantes da nobreza) surge, em 367 a.C, pela sua luta na
defesa de uma maior participação política e por melhores condições de
sobrevivência. O consulado era gerido por um patrício e por um plebeu,
ambos eleitos.
A designação de cidadania, em Roma, tinha uma ligação aproximada
com os direitos que determinado segmento da população, dividida em
classes e com direitos diferentes entre si, possuía. Também havia distinção
entre os romanos (os patrícios, nobres ou herdeiros dos fundadores de
17
Roma) e os estrangeiros. Mesmo entre os romanos livres, apenas alguns
podiam integrar a administração pública. As mulheres também não
integravam a categoria ‘livres’.
Em termos gerais, as primeiras concepções de cidadania, especialmente
nas civilizações grega e romana, englobam abordagens que, séculos depois,
seriam ampliadas, ao mesmo tempo em que algumas características seriam
deixadas de lado, substituídas por outras adequadas aos momentos
históricos desencadeados pelo Renascimento e Iluminismo e afirmado
na Idade Moderna (séculos XV e XVI). Desta forma, ganha relevo a
valorização da liberdade, da garantia dos direitos individuais e de
propriedade, a participação dos indivíduos nas questões públicas e noções
de igualdade. A distinção entre classes, no âmbito da garantia de direitos,
entre homens livres e escravos e entre homens e mulheres, foi enfrentada
ao longo do tempo, não sem retrocessos e inúmeros obstáculos.

Legado romano
- Noções de direitos políticos.
- Uso do voto secreto.
- Bicameralismo com a criação do Senado e da Câmara (modelo que,
no século XVIII, foi utilizado nos Estados Unidos).
- Ampliação da participação política para setores integrantes da plebe
(não-nobres).
Origens e conceitos de Cidadania e Política

- Conceito de cidadania: sociedade dividida em classes e com direitos


diferentes – os romanos (os patrícios, nobres ou herdeiros dos
fundadores de Roma) e os estrangeiros. As mulheres também não
integravam a categoria ‘livres’.

1.4 O começo da abordagem moderna

A sociedade feudal, entre os séculos V e XIII d.C., estabeleceu


parâmetros distantes da compreensão acerca da cidadania na Grécia antiga
e mesmo em Roma. No período feudal, há a hegemonia do poder local, sem
a ideia de Estado nacional, surgida após o fim do Império Romano. Essa
18
organização social começa a ser superada, entre outros elementos, a partir
da ascensão do capitalismo mercantil (séculos XVI e XVII), ocasionado
pelo desenvolvimento da tecnologia de navegação. Paralelamente, há
o avanço da burguesia, grupo social não integrante da nobreza, o qual,
com o mercantilismo, começa a acumular riqueza e passa a ter interesses
diferentes dos da realeza.
Um conjunto de elementos pode ser apontado para explicar a passagem
da sociedade feudal para a concepção dos estados com poder centralizado
e território unificado. Entre eles, estão a fragmentação da sociedade em
feudos, o que a tornava alvo para invasões, e a decadência econômica.
O Estado com poder absoluto, sucessor da organização feudal, chega ao
seu apogeu no século XVII, estendendo-se, inclusive, até o século XIX.
Na fase inicial do Absolutismo a economia mercantilista é favorecida
pelo Estado. Entretanto, na segunda fase, em pleno desenvolvimento do
capitalismo comercial, passa a ocorrer, no âmbito da classe burguesa, uma
rejeição ao amplo poder de intervenção do Estado nos negócios comerciais.
Em outras palavras, se, em um primeiro momento, o Estado Absolutista
e a nobreza financiam, em parte, e colhem dividendos com a expansão
mercantilista e comercial, depois a burguesia, já em franca ascensão social,
começa a ambicionar uma economia livre.
No âmbito da disputa política a palavra ‘liberdade’ começa a ser
retomada enquanto reivindicação e bandeira pela burguesia, em
contraposição ao poder centralizado e ilimitado do Estado absolutista.

Origens e conceitos de Cidadania e Política


Liberdade para operar negócios mercantis e não repassar, de maneira
obrigatória, valores altos para a nobreza, sem que esta contribuísse
para tanto. No mesmo intuito ganha importância a discussão sobre
a organização e determinação de poder, além da própria justificativa
sobre os fundamentos da autoridade de quem teria poder de decisão e
de governo.
Passa a haver uma forte pressão no sentido da desvinculação da
religião, separando a igreja do Estado, além da contestação à teoria do
direito divino dos reis. O poder político, centralizado e autoritário, com
origem e justificação divina, é contraposto. E um dos principais elementos
dessa contraposição, argumento central do período que estaria por vir,
encontrava-se situado nas ideias de liberdade e de garantia de direitos,
definidos como naturais, ou seja, eram inalienáveis e não poderiam estar 19
à mercê da ação do Estado, sendo o direito à vida e à propriedade os
principais expoentes dessa perspectiva.
O caminho estava, com isso, aberto para o liberalismo. Um processo
que limitou bastante o espaço para os Estados com poder absoluto,
estabelecendo os alicerces uma nova organização política, de caráter liberal
e econômico, o capitalismo.

Contextos históricos e políticos da cidadania


- Democracia ateniense (auge no século V a.C.).
- República romana (509 a.C. a 27 a.C.).
- Liberalismo:
Revolução Liberal na Inglaterra – 1688.
Revolução Francesa – 1789.
Independência dos Estados Unidos – 1776.

1.5 Aproximações entre cidadania


e política

Desde as primeiras manifestações atribuídas ao que se pode definir


como cidadania, nas cidades-estado gregas, estabeleceu-se uma relação
Origens e conceitos de Cidadania e Política

intrínseca com a ideia de política. O próprio conceito clássico do termo


política tem origem no adjetivo grego pólis, isto é, que faz referência à
definição de cidade, ao que é público e urbano.
Enfoca, portanto, a convivência em um mesmo espaço, regido por
leis que definem deveres e direitos. Em última instância envolve as
conceituações mais comuns acerca da política. Ou seja, o estabelecimento
de regras, leis e normas de convivência entre os indivíduos é o produto
de uma disputa permanente de poder, diante de interesses de grupos
sociais que podem estar em competição entre si ou que visam objetivos
comuns. Essa disputa de poder, cujo significado é a capacidade de agir e
produzir efeitos, exprime a concretização de um interesse, uma demanda,
por imposição ou por capacidade de influência, mediante o uso da força
ou convencimento e persuasão (Corsetti, 1998).
20
Há uma relação bastante próxima entre as ideias de cidadania e política,
a qual, muitas vezes, a transforma em uma unidade. O estudo das suas
características implica uma justaposição com a determinação de quem
tem poder de decisão no âmbito do governo e do Estado, uma disputa
que ocorre na esfera da sociedade, entre os grupos sociais.
Um dos significados do poder está na garantia da execução de
compromissos em um sistema de organização coletiva. Se o compromisso
não for cumprido, há a definição de um conjunto de sanções e punições
(Parsons, 1983). Essa estrutura envolve o caráter de legitimidade, ligado
à maneira pela qual o poder é conquistado e exercido. Uma espécie de
acordo e confiança entre os indivíduos e entre estes e a organização social
e política, a sociedade e o Estado.
O poder de decidir e de ser obedecido, portanto, sustenta-se na
justificação e na legitimação. As suas fontes, via de regra, estão situadas na
força, por imposição ou coerção, caso do Absolutismo; no consentimento
e concordância, relações sociais e políticas definidas a partir da legalidade,
leis definidas com o assentimento da sociedade, delimitando o poder do
Estado e garantindo direitos individuais, característica do Liberalismo.
Um terceiro elemento trata da participação dos indivíduos na vida
política da sociedade e do Estado. Em outras palavras, a incorporação do
ideário da democracia a partir das concepções de soberania popular. Há,
desta forma, um estreito vínculo entre o desenvolvimento das instituições

Origens e conceitos de Cidadania e Política


democráticas e a cidadania (Avelar, 2007). Principalmente na consolidação
de processos eleitorais de escolha dos governantes, de constituições e
leis elaboradas por representantes eleitos pela população e de outras
características, como livre manifestação de opinião e possibilidade de
oposição ao governo.
A ligação com a ideia de cidadania pode ser sintetizada a partir
da emergência da participação política, resultado dos movimentos
revolucionários na Europa dos séculos XVIII e XIX, considerando a
reivindicação de direitos pelos indivíduos, entre os quais a expansão do
voto e do direito de escolher livremente os governantes.
Se para os gregos antigos o ‘político’ era o cidadão que vivia na pólis,
os fundamentos das concepções de política e de cidadania também são
inseparáveis e as bases da relação entre indivíduos, grupos sociais e o 21
Estado. Os parâmetros norteadores dessa relação são definidos pelo tipo
e origem da organização política e social.
Do ponto de vista histórico, as aproximações entre cidadania e política
ganham efetividade em períodos de vigência de regimes democráticos,
especialmente no século XX. São, via de regra, nas democracias que
a temática ocupa posição prioritária nos debates e discussões e nas
definições, pelos governos e sociedade, das políticas públicas. Ou seja, o
conjunto de direitos que envolve as garantias de cidadania necessita de
operacionalização, de execução. Os direitos, em termos práticos, precisam
ser realizados, transformados em ações concretas.
O Caminho transcorrido desde os primeiros significados da cidadania,
no período greco-romano, até as concepções modernas e contemporâneas,
revela que a capacidade de expansão e ampliação dos direitos possui uma
relação direta com a política, especificamente, com as disputas políticas
que ocorrem no âmbito da sociedade. A partir desse contexto que envolve
as demandas, reivindações e interesses de grupos sociais e indivíduos, e da
sua relação com as instituições políticas (poderes Legislativo e Executivo e,
entre outros, partidos), são estabelecidos os parâmetros do entendimento
contemporâneo da cidadania.

Referências
Origens e conceitos de Cidadania e Política

AVELAR, Lúcia. Participação política. In: AVELAR, Lúcia e


CINTRA, Antônio Octávio. Sistema político brasileiro: uma introdução.
2. ed. São Paulo: K. Adenauer e UNESP, 2007. p. 261-79.
BONAVIDES, Paulo. Ciência Política. 10. ed. São Paulo:
Malheiros, 1993.
BOBBIO, Norberto; MATTEUCCI, Nicola e PASQUINO, Gianfranco.
Dicionário de Política. 13. ed. Brasília: UnB, 2007.
CORSETTI, Eduardo. Poder e Poder Político. In: PETERSEN, Aurea;
CORSETTI, Eduardo; PEDROSO, Elizabeth e ULRICH, Maria
Alayde. Ciência Política – Textos introdutórios. 4. ed. Porto Alegre:
Edipucrs, 1998.
22
COVRE, Maria de Lourdes Manzini. O que é cidadania. São Paulo:
Brasiliense, 1991.
FUNARI, Pedro Paulo. A cidadania entre os romanos. In: PINSKY,
Jaime e PINSKY, Carla Bassanesi (orgs.). História da Cidadania. São
Paulo: Contexto, 2005. p. 49-79.
MARSHALL, T. H. Cidadania, classe social e status. Rio de Janeiro:
Zahar, 1967.
GUARINELLO, Norberto Luiz. Cidades-estado na Antiguidade
Clássica. In: PINSKY, Jaime e PINSKY, Carla Bassanesi (orgs.).
História da Cidadania. São Paulo: Contexto, 2005. p. 29-47.
PARSONS, Talcott. Conceito de poder político. In: CARDOSO,
Fernando Henrique e MARTINS, Carlos Estevam (orgs.). Política e
sociedade. 2. ed. São Paulo: Companhia Editora Nacional, 1983. p.
21-7. v. 1.
REIS, Elisa. Cidadania: história, teoria e utopia. In: PANDOLFI, Dulce
(org.). Cidadania, justiça e violência. Rio de Janeiro: Fundação Getulio
Vargas, 1999. p. 11-7. Disponível em www.cpdoc.fgv.br.

Questões

Origens e conceitos de Cidadania e Política


1) Analise as relações possíveis entre as definições de cidadania e
política.
2) Indique os parâmetros e elos entre direitos e cidadania.

23
2
Liberalismo e ascensão
da burguesia
A formação dos conceitos modernos de cidadania possui uma forte
ligação com o estabelecimento do Estado com poder unificado, superando
a organização política e social do período feudal, primeiro via poder
absoluto e, depois, baseado no ideário liberal. Essa abordagem encontra-se
neste capítulo, junto com as interpretações e origens da doutrina liberal,
a fundamentação nos direitos individuais e naturais, finalizando com
alguns itens da crítica ao Estado liberal.

2.1 A unificação do poder no Estado

O conceito moderno de Estado, formatado na transição da Idade Média


(século V ao XV) para a Idade Moderna (século XV ao XVIII), estabeleceu
alguns dos pontos centrais da configuração política e social que redundaria
na retomada dos fundamentos (liberdade e igualdade, por exemplo) da
concepção de cidadania originada na civilização greco-romana antiga.
Esse conceito trata de um sistema de dominação, ou seja, uma estrutura
hierárquica de poder e de controle social, colocada de maneira unitária
e centralizada, com caráter independente interna e externamente,
com capacidade própria de poder e delimitação de território de forma
permanente (Heller, 1983).
Na Idade Média o poder encontrava-se dividido, principalmente
no período feudal. Pelo peso e importância na organização política da
Liberalismo e ascensão da burguesia
época, as funções da Igreja, dos nobres proprietários e, entre outros, das
cidades sobrepujavam ou se equivaliam ao poder do monarca soberano no
feudalismo (Heller, 1983). Fragmentação que contribuiu para a derrocada
do modelo.
Nesse sentido, a questão principal, já no final século XV, passa a estar
ligada à ideia da unidade política, militar e territorial, isto é, uma forma
para resolver a desconstituição oriunda do feudalismo e, por consequência,
instituir um Estado soberano, baseado na ordem e nas garantias de
segurança e proteção.
Os alicerces dessa compreensão advêm, primeiro, da colocação do
Estado como centro da política, em vez da pólis grega e da república romana
27
(Bobbio, 1990). Em segundo lugar, trata do poder e do que é necessário
para a sua manutenção de maneira unificada e estável (Maquiavel, 1996).
Por fim, há a compreensão de que a ordem política não é natural, sendo
construída a partir da disputa de poder, em grande parte sustentada pela
força, separando a igreja do Estado (Maquiavel, 1996).
Essas três premissas significam um rompimento com a visão vigente na
Antiguidade e em parte da Idade Média acerca da organização política. A
ideia essencial do Absolutismo, no plano teórico, está localizada na unidade
do poder e no seu exercício, concebendo o Estado como uma extensão
dessa centralização, em termos políticos e territoriais, estabelecendo um
sistema de dominação baseado na força e na relação entre monarcas e
súditos, os quais possuem funções e direitos diferenciados, considerando
uma ordenação hereditária.
Portanto, são deixados de lado alguns dos valores da civilização greco-
romana, principalmente em relação à democracia ateniense e à república
romana.Os pontos principais dessa perspectiva estão na consideração
da liberdade do indivíduo e na noção de igualdade dos cidadãos livres,
além da formação de um corpo político de caráter comum, especialmente
em Atenas, com capacidade de tomada de decisões em assembleias
públicas e não hierarquizadas. Mulheres, servos e estrangeiros, porém,
não compartilham de tal condição.
A legitimação do Estado medieval, em termos gerais, situa-se na
compreensão de que o poder público tem origem divina (Kühnl, 1983).
O soberano governa por delegação de deus, quando não se auto-
intitula como divino, e tem capacidade ilimitada de decidir e impor sua
Liberalismo e ascensão da burguesia

decisão. Essa ordenação é contestada pelo Iluminismo (séculos XVII


e XVIII), período no qual ganha força a visão de que o Estado deve
ser concebido como um produto humano, uma instituição sem base
sobrenatural, construída pelos indivíduos e legitimado pela vontade
do povo (Kühnl, 1983). Muda, desta forma, a relação estabelecida, no
âmbito da organização política e social, entre os indivíduos e destes
com o poder soberano.
A saída do modelo feudal tem uma ligação inerente com a formação
das cidades e a unificação das regiões, deixando de lado a organização
fragmentada que caracteriza o feudalismo. A partir daí, iniciam os
28 processos de unificação dos estados, a qual variou, dependendo da
região da Europa, entre os séculos XIV e XIX (Covre, 1991). Portugal
e Espanha, por exemplo, nos séculos XIV e XV, passaram a ter uma
organização política unificada e centralizada antes da Inglaterra e da
França. Unificação que significa uma maior capacidade de manter a
ordem interna e de garantir o território diante de ameaças de invasões
estrangeiras (Maquiavel, 1996).

Características do Absolutismo
- Centralização e unificação política.
- Monarquia. Rei com poderes quase que ilimitados.
- Concentração dos poderes.
- Autoritarismo.
- Governo sem necessidade de consentimento da sociedade.
- Uso da força e da violência pelo Estado.
- Relação de desigualdade entre nobres e súditos.
- Unificação e delimitação territorial.

2.2 Origem das ideias liberais

A determinação da administração política centralizada no Estado,


colocada de maneira permanente em um território delimitado, somada
à ideia de soberania legitimada na vontade do povo, aproxima-se
Liberalismo e ascensão da burguesia
do processo de desenvolvimento do capitalismo (Covre, 1991). A
formação da burguesia, grupo ou classe integrada por indivíduos
que, não sendo nem aristocratas, nem nobres, estabeleciam redes de
comércio, de compra e venda de produtos, entre os burgos (cidades),
implica em uma mudança no sentido da possibilidade de acumulação
de capital e recursos econômicos por indivíduos que não faziam
parte da nobreza, de maneira não hereditária, em um contexto de
expansão da vida urbana, do mercantilismo, do desenvolvimento
de comércio entre os povos, das navegações e descobrimentos de
outros continentes.

29
Em síntese, indivíduos de origem não nobre passaram a acumular
riquezas oriundas do comércio e da fabricação de produtos. A ampliação
da importância da burguesia, primeiro no âmbito econômico, tem
uma implicação importante na organização política. Os seus interesses
passam a entrar em conflito com o tipo de Estado e de soberania em
vigor, cujas características incluíam o poder do soberano em dispor da
propriedade, de determinar leis e tributos, enfim, de governar baseado
na força e não no consentimento, sem levar em conta os interesses dos
governados e súditos.
A superação do modo de produção feudal, a ascensão do capitalismo
mercantil e a decadência do poder sustentado em uma origem divina ou
sobrenatural, trazem para o centro da disputa política do período (séculos
XVII e XVIII) a problemática da justificativa e legitimação do poder.
Considerando que a burguesia, então detentora de poder econômico,
começa a contestar e a combater os desígnios da soberania absolutista,
cuja base é o uso da força, surge uma concepção política, o Liberalismo,
com capacidade para se opor ao Absolutismo (Kühnl, 1983).
Portanto, o ideário liberal começa um processo de contraposição à
estrutura política e de poder do Absolutismo. Os argumentos centrais dessa
contraposição situam-se na definição e defesa dos direitos individuais e
na delimitação do poder do Estado. Assim, há o estabelecimento de
um novo tipo de relação entre os indivíduos e destes com o Estado e
governantes.
Liberalismo e ascensão da burguesia

2.3 Fundamentos da doutrina


do Liberalismo

A primeira concepção do Estado criado a partir do consentimento,


de um contrato ou pacto, está situada em Thomas Hobbes (2004).
Entretanto, para Hobbes, o pacto deve produzir um Estado com base
absolutista, ainda que surgido por consentimento, e poder soberano
de caráter ilimitado. No contrato, os indivíduos abrem mão de sua
30
vontade para garantir a segurança, a propriedade e a vida, saindo de
uma situação de violência e medo típica do Estado natural na versão
de Hobbes. O Estado (simbolizado na figura bíblica do Leviatã, um
animal monstruoso e cruel), com isso, torna-se o detentor da soberania
delegada pelos indivíduos em assembléia, sendo que se dá pela força
o exercício do poder.
John Locke (1983), um dos teóricos fundadores do Liberalismo,
compactua com a ideia de pacto, na qual indivíduos no estado de
natureza unem-se para conceber um contrato que dá origem ao Estado.
O consentimento, no entanto, na instituição do organismo político
mantém, diferente de Hobbes, os direitos naturais, implementando a
lei e assegurando liberdade para cada indivíduo, suas ações, posses e
propriedade; e coloca o poder supremo no Legislativo (formado por
representantes), busca o bem comum e a conservação da propriedade
e da vida.
O contraponto a esse ideário está em Jean-Jacques Rousseau (1997).
Mesmo incorporando a ideia do contrato, diferencia a soberania do
governo. Para Rousseau, a soberania está na vontade geral, na qual os
cidadãos são, de maneira direta, sem representação política, a autoridade
soberana na elaboração das leis. Cada indivíduo manifesta-se por si, de
maneira direta e sem intermediários. Os cidadãos, soberanos, são, ao
mesmo tempo, súditos, pois, individualmente, devem submeter-se às
leis feitas por todos. O governo trata, apenas, de executar e cumprir a
vontade geral. Liberalismo e ascensão da burguesia
Outro elemento central na concepção liberal, e que também influenciou
a grande maioria dos estados, é a separação dos poderes. O Barão de
Montesquieu (1997) elaborou a tese de que a liberdade é garantida na
medida em que o poder é utilizado para conter o próprio poder. Para tanto,
é necessária a divisão dos poderes em executivo, judiciário e legislativo,
sendo este último o soberano, cada um com funções diferentes e em uma
situação de equilíbrio e controle mútuo. A separação é uma contraposição
ao modelo absolutista, cujas características são o poder unificado, ilimitado
e centralizado.

31
Doutrina liberal
- Liberdade.
- Igualdade de todos diante da lei.
- Estado: produto de um acordo, contrato ou pacto entre os
indivíduos.
- Poder político exercido mediante consentimento.
- Separação dos poderes do Estado: Executivo, Legislativo e
Judiciário.
- Delimitação do poder do Estado.
- Garantias dos direitos naturais dos indivíduos: liberdade,
propriedade e igualdade.
- Soberania: poder exercido com base nas leis e no consentimento
dos governados.

2.4 Consentimento e direitos individuais

A argumentação liberal diante do Absolutismo pode ser centralizada


na determinação dos direitos naturais dos indivíduos. Cada pessoa, desde
o nascimento e independente de qualquer coisa, passa a ter o direito à
vida, segurança, liberdade, igualdade e propriedade. Tais prerrogativas
não poderiam ser desconsideradas pelo soberano e pelo Estado.
Liberalismo e ascensão da burguesia

A afirmação dos direitos individuais é desencadeada pela inversão


da representação da relação política, com o estabelecimento da relação
Estado/cidadão, no lugar da relação soberano/súdito (Bobbio, 1992).
Em um Estado nacional, há uma relação direta do cidadão com a
autoridade soberana; diferente das organizações políticas medievais,
quando apenas os nobres mantinham uma ligação direta com o soberano
(Bendix, 1983). Nessa perspectiva, o cerne da constituição das nações está
na demarcação dos direitos e deveres individuais.
O ideário liberal, sintetizado na defesa da liberdade, igualdade e
propriedade, foi operacionalizado a partir da contestação da origem e
legitimação do poder absoluto. Os argumentos, nesse sentido, amparam-se
32 nos direitos naturais dos indivíduos, na limitação do poder do Estado e no
consentimento como fator de legitimação e justificação dos governantes.
Paralelamente, o pensamento burguês busca separar o Estado da sociedade,
dividindo o público do privado e limitando as possibilidades de intervenção
da autoridade estatal na ordem econômica e na vida dos indivíduos.
Para justificar o exercício do poder, em contraponto às justificações
sustentadas na origem divina e na força, a fórmula encontrada baseia-se
nas teorias contratualistas. Ou seja, o Estado e sua constituição têm origem
em um contrato realizado entre os indivíduos, cujo consentimento é
imprescindível para o exercício do poder. Em outras palavras, os indivíduos
que vivem em um estado natural, sem segurança e sem garantias, fazem um
acordo, um pacto, para garantir um conjunto de direitos e deveres. Porém,
para garanti-los, surge a necessidade da construção de um organismo com
poder e capacidade para tanto. Organismo que, moldado e limitado pelas leis
produzidas a partir dos indivíduos ou seus representantes em assembléia,
passa a ter a função de assegurar o cumprimento dos direitos naturais,
especialmente a liberdade, a igualdade e, entre outros, a propriedade, junto
com os instrumentos necessários para punir os indivíduos que descumprem
as regras do contrato, ou seja, as leis.
O pacto que dá origem ao Estado, organismo construído para garantir a
ordem, na ótica liberal, passa a ser a explicação, mediante consentimento,
para o exercício do poder. Ao mesmo tempo, o consentimento com as
leis do contrato tem um significado de contraposição ao tipo de poder
do Estado absolutista.
É importante ressaltar a importância, no processo de desenvolvimento Liberalismo e ascensão da burguesia
da cidadania, do ideário calcado nos direitos individuais, garantidos
constitucionalmente. Desta forma, tornam-se decisivas as considerações
sobre a separação do público e do privado, retirando do Estado o
monopólio do controle da economia e do mercado, a legitimação do poder
no consentimento dos cidadãos, liberdade de pensamento e expressão. A
mudança mais importante, todavia, é a colocação da soberania no Poder
Legislativo, no qual representantes da população definem as leis.
As consequências principais dessa mudança de perspectiva, saindo
do Absolutismo para o Liberalismo, podem ser percebidas a partir da
consideração de que o exercício do poder, no Estado, passa a ocorrer sob
a determinação de leis elaboradas por representantes da população, ou 33
de parte dela. O Estado também fica com a incumbência de assegurar as
condições para os direitos individuais.
A noção de liberdade e de igualdade de todos perante a lei, a defesa da
razão e a delimitação legal da autoridade transformaram-se em paradigmas
e influenciaram grande parte das constituições de vários países. As origens
dessa concepção estão na Revolução Liberal da Inglaterra, em 1688, na
qual houve um acordo entre a monarquia e a burguesia, com a primeira
aceitando submeter-se às leis e ao parlamento; na Revolução Francesa, em
1789, com a monarquia sendo derrubada do poder e na Constituição dos
Estados Unidos da América, em 1776. Todas consagraram os princípios
de liberdade, igualdade de todos perante a lei e direitos individuais. E em
outras palavras, estabeleceram os princípios da cidadania na sua versão
moderna, que configurariam a interpretação contemporânea da questão.

A Revolução Liberal Inglesa (1688)


- Poder estatal passa para as mãos da burguesia.
- A monarquia se mantém com o compromisso de aceitar e cumprir
as leis civis.
- Limitação do poder do Estado.
- Garantias dos direitos individuais.
- Monarquia parlamentarista.
- Parlamento formado por representantes dos nobres e dos ‘comuns’
(não-nobres).
Liberalismo e ascensão da burguesia

A Revolução Francesa (1789)


- Conceito de soberania nacional: nação é soberana por ser integrada
pelo conjunto de cidadãos.
- Leis: manifestação da vontade geral.
- Formatação dos princípios do Estado nacional.
- Lema: liberdade, igualdade e fraternidade.
- Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão: ‘Todos os homens
nascem e permanecem livres e iguais em direitos’.
- Direitos civis para todos.
- Liberdade individual.
34 - Direito à propriedade e a resistir à opressão.
A Independência dos Estados Unidos (1776)
- Experiência de democracia liberal.
- Liberdades e direitos individuais.
- Bicameralismo: Câmara e Senado.
- Constituição da figura do presidente, responsável pelo Poder
Executivo.
- Liberdades de associação e de imprensa.
- Partidos políticos.
- Federação: vários estados com governo descentralizado.
- Leis nacionais objetivas.

2.5 A crítica ao Liberalismo e cidadania

A concepção moderna de cidadania passou a ter, em termos práticos e


teórico-filosóficos, com o Liberalismo a sua variante definitiva. Houve, em
muitos casos, a retomada de alguns dos conceitos vigentes nas civilizações
greco-romana antigas.
Os vínculos entre direitos e legalidade e liberdade e igualdade
passaram a ser constantes nas leis e constituições de vários países. Uma
influência que chega à contemporaneidade, balizando as organizações
políticas e sociais dos estados atuais.
O pressuposto de que os indivíduos possuem direitos fundamentais,
Liberalismo e ascensão da burguesia
ou naturais, os quais devem ser respeitados e garantidos, junto com a
delimitação do poder e da atuação do Estado, significa um parâmetro
forte no sentido das compreensões sobre a temática da cidadania.
Daí advém o Estado de direito, cujo fundamento está nas leis feitas de
maneira politicamente legítima, com consentimento da população. Assim,
ficam estabelecidos os direitos e deveres dos indivíduos na convivência
em sociedade e na sua relação com o Estado.
Na doutrina liberal, o Estado de direito é formado por instrumentos
constitucionais que criam obstáculos ao uso arbitrário e ilegítimo do
poder e que produz garantias dos direitos fundamentais e, a princípio,
invioláveis, dos cidadãos (Bobbio, 1990). Esses instrumentos visam
defender o indivíduo do uso abusivo do poder. 35
Ao mesmo tempo em que limita o poder e as funções do Estado,
o ideário liberal possibilita a participação do indivíduo no campo da
política, concebendo leis para a conquista legítima do poder e o seu
exercício. Porém, um Estado liberal não é, necessariamente, democrático.
O Liberalismo configurou-se em sociedades com importantes restrições
à participação nos governos, controlados em grande parte pelas classes
proprietárias (Bobbio, 1990).
O processo de democratização, resultado da ampliação do direito ao
voto até a sua universalização, colocou o Estado liberal clássico em crise
(Bobbio, 1990). Portanto, o processo de desenvolvimento da cidadania,
efetivada, em termos constitucionais a partir da doutrina liberal, passa a
enfrentar outros obstáculos e imperfeições. A perspectiva desenvolvida
por Karl Marx (2001) apresenta os parâmetros da crítica ao Estado
liberal. Crítica que já foi, em parte, formulada por Jean-Jacques Rousseau
(1997), para quem a propriedade e a representação política produzem
desigualdade e desfiguram a soberania popular.
Na visão de Marx e Engels (2001), a classe dominante (a burguesia,
proprietária dos meios de produção) utiliza o poder coercitivo do Estado
e o seu poder econômico em benefício dos interesses dela em preservar
e ampliar a propriedade. Paralelamente, submete a classe dominada (os
trabalhadores, proletários) à hegemonia burguesa. O Estado, assim, não
garante a igualdade, mas defende e privilegia os interesses burgueses em
detrimento dos interesses do proletariado.
Nessa perspectiva, as etapas do desenvolvimento da burguesia,
Liberalismo e ascensão da burguesia

considerando a superação do Feudalismo e do Absolutismo, possuem


uma correspondência com as mudanças políticas, a partir da derrocada
do predomínio dos senhores feudais e da nobreza absolutista, e com
as mudanças econômicas, englobando o mercantilismo e as etapas
da industrialização (manufatura e tecnologia de produção em escala
industrial) (Marx e Engels, 2001). A chegada da burguesia aos postos de
poder no âmbito do Estado, com as revoluções liberais, e a expansão do
capitalismo efetivou um modelo de exploração da mão de obra da classe
de trabalhadores (Marx e Engels, 2001). Desse ponto de vista, os proletários
passam a ser a classe dominada e excluída, na prática, de muitos dos
36 direitos da doutrina liberal.
Paralelamente, a compreensão de Marshall (1967), definindo um
conjunto de direitos (sociais, políticos e civis) e uma sequência de obtenção
e conquista, abrange a ideia de um processo longo e não destituído de
obstáculos. Os avanços e retrocessos da conquista e garantia dos direitos,
com isso, diferem nas trajetórias dos países e nos diversos tipos de
organizações políticas e de relações sociais.

Referências

BENDIX, Reinhard. A ampliação da cidadania. In: CARDOSO,


Fernando Henrique e MARTINS, Carlos Estevam (orgs.). Política e
sociedade. 2. ed.. São Paulo: Companhia Editora Nacional, 1983. p.
389-402. v. 1.
BENDIX, Reinhard. Construção nacional e cidadania – estudos de nossa
ordem social em mudança. São Paulo: Edusp, 1996.
BOBBIO, Norberto. Liberalismo e democracia. 3. ed. São Paulo:
Brasiliense, 1990.
HELLER, Hermann. A teoria do Estado. In: CARDOSO, Fernando
Henrique e MARTINS, Carlos Estevam (orgs.). Política e sociedade. 2.
ed. São Paulo: Companhia Editora Nacional, 1983. p. 79-111. v. 1.
HOBBES, Thomas. Leviatã ou matéria, forma e poder de um Estado
eclesiástico e civil. São Paulo: Editora Nova Cultural, 2004.
Liberalismo e ascensão da burguesia
KÜHNL, Reinhard. O modelo liberal de exercício de poder. In:
CARDOSO, Fernando Henrique e MARTINS, Carlos Estevam
(orgs.). Política e sociedade. 2. ed.. São Paulo: Companhia Editora
Nacional, 1983. p. 242-56. v. 1.
LOCKE, John. Segundo tratado sobre o governo. São Paulo: Abril,
1983.
MAQUIAVEL, Nicolau. O Príncipe. Rio de Janeiro: Paz e Terra,
1996.
MARSHALL, T. H. Cidadania, classe social e status. Rio de Janeiro:
Zahar, 1967.
MARX, Karl e ENGELS, Friedrich. O manifesto do partido comunista
37
(1848). Porto Alegre: LPM, 2001.
MONTESQUIEU. Do espírito das leis. São Paulo: Nova Cultural,
1997.
ROUSSEAU, Jean-Jacques. Do contrato social. São Paulo: Nova
Cultural, 1997.
TOCQUEVILLE, Alexis de. A democracia na América. Brasília: UnB,
1982.
WEFFORT, Francisco (org.). Os clássicos da política. São Paulo: Ática,
1996. v. 1 e 2.

Questões

1) Analise as principais diferenças entre o Absolutismo e a doutrina


liberal.
2) Qual o papel do Estado nacional na formação da cidadania?
Liberalismo e ascensão da burguesia

38
3
Direitos e Estado
nacional
A concepção moderna da cidadania teve uma forte influência e ocorreu
paralelamente à formação do Estado nacional. Este capítulo destina-se a
apresentar alguns dos elementos principais desse processo, enfatizando as
questões que envolvem os três tipos de direitos (civis, políticos e sociais),
fundamentais ao desenvolvimento da cidadania. O pano de fundo desse
contexto reside na forma com a qual se efetiva a relação do indivíduo com
o Estado, considerando os pontos de vista sustentados no Liberalismo e
na democracia, e na complexidade das percepções da igualdade legal e
da igualdade sócio-econômica.

3.1 A importância do Estado nacional


na formatação da cidadania

As mudanças políticas e sociais que ocorreram nos países da Europa


Ocidental, cujo marco principal pode ser encontrado no século XVIII,
com a Revolução Francesa, ocorreram de maneira paralela a um conjunto
de outras mudanças (Bendix, 1996). O avanço da industrialização,
urbanização, de inovações no campo da educação, entre outras, somadas
às alterações políticas, modificou a sociedade e definiram o conceito
de modernidade. Outras situações históricas importantes envolvem a
transformação econômica e política da Inglaterra (com as duas revoluções
industriais), a independência e a constituição dos Estados Unidos (1776) e
a criação do Estado nacional na Revolução Francesa (1789) (Bendix, 1996).
Portanto, há uma associação entre as alterações nos planos tecnológico,
social e político, as quais produziram o conceito de modernidade, que se
Direitos e Estado nacional

desenvolve junto com o capitalismo.


No campo sócio-político, a partir do desmoronamento do feudalismo
e do Absolutismo e da ascensão do Liberalismo, as principais alterações
encontram-se nas declarações de igualdade dos direitos de cidadania
e na contestação à doutrina do poder hereditário e de origem divina.
Nesse sentido, a sociedade moderna torna-se diferente das anteriores por
promover um processo de democratização, incluindo grupos e classes
sociais que antes não participavam de maneira ativa da vida política, a 41
partir do uso do voto para a escolha dos governantes e do estabelecimento
de controles formais para fiscalizar e delimitar as ações dos governos
(Bendix, 1996). A compreensão de organização social, com isso, é ampliada,
sendo integrada por todas as pessoas que vivem em um determinado
país, formadores da sociedade e com uma relação de interdependência e
igualdade enquanto cidadãos.
Para Reinhard Bendix (1996) outro fator diferencial da organização
política moderna está na aproximação dos conceitos de Estado e de
nação. A identidade nacional, formada por indivíduos que vivem em
situação de igualdade formal, em um mesmo e delimitado território,
sob um mesmo governo e sistema legal e jurídico, com características
semelhantes de cunho cultural, é um dos marcos do processo de
modernização. Ou seja, o termo nação faz referência à ideia de
comunidade política e ganhou efetivação na Revolução Francesa,
gênese do Estado nacional.
O Estado moderno, na visão de Max Weber (1999), é uma associação
política que possui o monopólio legítimo do uso da violência em um
território, exercendo o controle dos recursos políticos e administrativos
através de uma direção monocrática (poder unificado). A fonte da
legitimação do poder, no moderno Estado capitalista, é a lei, ou seja, a
obediência não se dá a uma pessoa, mas ao estatuto legal, produzindo
direitos.
Deste modo, as características comuns na formatação da estrutura
política e social que se convencionou chamar de modernidade
incorporam a doutrina liberal, enquanto base ética e filosófica, e o
progresso econômico e tecnológico. Os princípios de igualdade de
Direitos e Estado nacional

todos perante a lei, de governos escolhidos pelo voto e com atuação


definida e delimitada na ordem legal e as garantias de direitos
individuais são os fundamentos da cidadania, cuja base encontra-se
no surgimento e efetivação do Estado nacional e seus marcos jurídicos.
Nesse sentido, todos os indivíduos são, formalmente, cidadãos
possuidores de direitos iguais diante de uma autoridade nacional
soberana (Bendix, 1983).

42
Estado moderno
- Exercício do poder unificado em um território.
- Concepção liberal: uma parcela de todos os indivíduos (a burguesia)
reivindica o poder soberano.
- Igualdade formal.
- Formação de uma identidade nacional.
- Democratização: ampliação da participação política e do direito ao
voto.
- Busca dos direitos sociais.

3.2 O desenvolvimento da concepção


dos direitos individuais

O Estado de direito, fruto das mudanças sociais e políticas que


perpassaram os séculos XVI, XVII, XVII e XIX, tem por fundamento a
determinação das leis enquanto delimitadoras da ação dos indivíduos e
instituições em uma sociedade. A legislação expressa, em termos formais,
a vontade da coletividade e define os direitos, deveres e punições, visando,
teoricamente, o bem comum.
O sistema jurídico, base do Estado de direito, é a instituição que
assegura o cumprimento das prerrogativas constitucionais e, em última
instância, dos direitos individuais. Integram essa definição as garantias
acerca das liberdades fundamentais estabelecidas nas leis. A obediência às
leis ocorre na medida em que a legitimação do poder advém do estatuto
Direitos e Estado nacional

legal-racional que fundamenta a estruturação do Estado (Weber, 1999).


A política e as suas resoluções, considerando o ideário liberal, têm como
alvo essencial o indivíduo e seu bem-estar (Kühnl, 1983).
Em outras palavras, o Estado é feito pelos indivíduos e não o
contrário, incluindo a proposição, presente na declaração constitucional
da Revolução Francesa de 1789, de que, para o indivíduo, primeiro vêm
os direitos, depois os deveres e, para o Estado, primeiro vêm os deveres
(Bobbio, 1992). Desta forma, o reconhecimento dos direitos ocupa um lugar
central nas constituições democráticas modernas (Bobbio, 1992). 43
Ao mesmo tempo, os direitos fundamentais representam as garantias
do exercício das funções políticas dos cidadãos e das instituições. No
primeiro caso, ficam asseguradas as liberdades de opinião, expressão,
associação e direito ao voto. Em relação às instituições, especialmente a
imprensa e os partidos, valem os mesmo princípios (Kühnl, 1983).

Processo da liberdade no Estado moderno


- Liberdade em relação ao Estado: proteção do indivíduo através da
delimitação legal da ação do Estado.
- Liberdade no âmbito do Estado: efetivação dos direitos políticos,
voto e participação política.
- Liberdade por meio do Estado: garantias dos direitos sociais.

3.3 Elementos prioritários dos direitos

O processo evolutivo dos direitos dos cidadãos na Europa Ocidental,


que viria a influenciar vários outros países, atravessa, pelo menos, três
séculos, a partir das revoluções liberais dos séculos XVII e XVIII, período
permeado por vários conflitos sociais, disputas e instabilidade.
A síntese estrutural da concepção e tipificação dos direitos civis,
políticos e sociais, elaborada por T. H. Marshall (1967), estabelece a divisão
do conceito de cidadania em três partes.
São relevantes, nesse sentido, os quatro elementos que embasam
a constituição da cidadania moderna, considerando a perspectiva de
Marshall (Lavalle, 2003). O primeiro trata da universalidade da cidadania,
Direitos e Estado nacional

no qual é estabelecida a abrangência dos direitos para as categorias


sociais formalmente definidas, diferenciando-se dos períodos anteriores,
quando eram produzidos benefícios apenas a setores sociais específicos
(estamentos e castas).
A territorialização da cidadania é o segundo item. Nesse caso, há a
combinação da definição da cidadania restrita às leis válidas para um
território determinado. O alcance dos direitos e deveres tem como critério
a territorialização, substituindo as especificidades de caráter corporativo.
44
Abrange, assim, todos os cidadãos, em situação de igualdade, e não
exclusivamente corporações ou agrupamentos.
O terceiro ponto incorpora o princípio plebiscitário da cidadania ou
individualização da cidadania, colocando de maneira direta os vínculos
entre o indivíduo e o Estado nos termos da legitimação da subordinação
política. Com isso, é excluído o princípio antigo do governo indireto, o
qual correspondia à delegação das funções do Estado a intermediários que
não faziam parte, de maneira efetiva, do aparato estatal, por exemplo, o
clero, proprietários de terras e oligarquias. A relação política, assim, ocorre
entre o indivíduo e o aparato estatal, não entre grupos.
Por fim, o quarto elemento está ligado à índole estatal-nacional da
cidadania, conectando-a com a construção do Estado nacional. Desta forma,
há a congregação da compreensão do Estado com poder centralizado em
um território delimitado com a população estabelecida, enquanto uma
comunidade política e cultural, portadora de uma identidade comum.

Bases do conceito moderno da cidadania


- Caráter universal e nacional.
- Determinação territorial.
- Foco no indivíduo.
- Direitos civis, políticos e sociais.
- Liberdade de organização e manifestação.

3.4 Os direitos civis, políticos e sociais


Direitos e Estado nacional

A questão essencial dos direitos de cidadania surge com o princípio da


igualdade dos indivíduos perante a lei. Em termos formais, é interrompida
a concepção na qual os nobres e governantes tinham prerrogativas
diferenciadas e a capacidade de produzir leis em seu próprio nome
e interesses. O indivíduo, com a igualdade, passa a ter a liberdade
para estabelecer contratos, adquirir propriedades, elimina a servidão
hereditária, amplia os direitos para os estrangeiros, legaliza o casamento
civil e iguala o status de marido e esposa (Bendix, 1983).
45
O primeiro conjunto de direitos são os civis, e a sua composição trata
dos direitos que dizem respeito à liberdade individual. São, nesse sentido,
a liberdade de ir e vir, de imprensa, de pensamento e de exercício religioso.
O direito à propriedade, à justiça e de estabelecer contratos válidos
legalmente também fazem parte dessa perspectiva. O direito à justiça
consiste na defesa e na afirmação de todos os demais direitos, sendo que
os tribunais de justiça são as instituições associadas a esse conjunto de
direitos (Marshall, 1967).
Já os direitos políticos tratam da capacidade de participar do exercício
do poder político. Cada indivíduo faz parte de um organismo possuidor de
autoridade política e elege os governantes. As instituições que tratam desses
direitos são o parlamento e os órgãos do governo local (Marshall, 1967).
O terceiro conjunto de direitos envolve os elementos sociais. A
abordagem inclui desde o direito de bem-estar econômico e de segurança,
de integrar e ter acesso aos meios de civilização, conhecimento e
socialização. O sistema educacional e os serviços sociais são as instituições
que tratam desse conjunto (Marshall, 1967).
Os três tipos de direitos, cuja definição tem caráter nacional, diferente
de experiências de cidadania locais e específicas anteriores ao século
XVIII, estão separados, ao longo da história, uns dos outros. Os direitos
civis formaram-se no século XVIII, com a ascensão dos princípios liberais.
No século XIX foi a vez dos direitos políticos e os sociais no século XX,
segundo a análise da experiência inglesa (Marshall, 1967).
A formatação dos direitos civis possui como característica a inclusão
gradual de novos direitos, os quais se somavam aos já existentes. Por
exemplo, a liberdade foi, aos poucos, tornando-se universal, extinguindo
Direitos e Estado nacional

o trabalho servil e escravo, e a cidadania deixou de ser de amplitude local


para passar a ter escala nacional (Marshall, 1967).
Os direitos políticos, por sua vez, surgem quando os civis, incluindo
a liberdade, já se encontravam estabelecidos. A principal mudança situa-
se na ampliação para novos setores da população da possibilidade de
votar (e com voto secreto) e escolher governantes. Até o século XIX, o
voto era monopolizado por grupos sociais específicos, por exemplo, o
voto censitário, exercido apenas pelos proprietários ou portadores de um
46 determinado nível de renda. É nesse momento que os direitos políticos,
em processo de universalização, passam a integrar as concepções de
cidadania, antecedendo, não sem enfrentar obstáculos, aos direitos sociais
(Marshall, 1967).
Assim, é possível sintetizar o desenvolvimento dos direitos do
homem em três fases (Bobbio, 1992). Na primeira, houve a afirmação
dos direitos de liberdade, os quais visam limitar o poder do Estado e a
reservar para o indivíduo, ou para os grupos particulares, um ambiente
de liberdade em relação ao Estado. A segunda fase trata da proposição
dos direitos políticos, redundando na ampliação da participação dos
integrantes de uma comunidade no poder político, ou seja, a liberdade
no Estado. Os direitos sociais, a terceira fase, são a expressão de
novas exigências e valores, essencialmente de bem-estar e igualdade
não apenas formal, implicando na busca de liberdade através ou por
intermédio do Estado.

A evolução dos três tipos de direitos

Século XVIII – Direitos civis


- Liberdade.
- Igualdade de todos diante da lei.
- Direitos naturais à vida e à segurança.
- Ênfase na concepção individual.
- Direitos individuais limitam o poder do Estado.

Século XIX – Direitos políticos


- Ampliação da participação no poder político.
Direitos e Estado nacional

- Direito a votar e ser votado.


- Representação política no parlamento e no Poder Executivo.

Século XX – Direitos sociais


- Condições mínimas de igualdade econômica e social.
- Direito ao trabalho assalariado.
- Educação.
- Saúde.
- Assistência social. 47
3.5 Desigualdade e direitos

A determinação da igualdade diante da lei pode ser situada junto com


a questão da desigualdade social e econômica. O direito dos indivíduos
em exercer e garantir as liberdades civis básicas é formal. Assim, a
igualdade da cidadania transcorre paralelamente com a desigualdade
social (Bendix, 1983).
Essa questão transformou-se, desde as últimas décadas do século XIX,
no centro dos debates na Europa Ocidental, onde o Estado nacional foi
estabelecido primeiramente. Um dos pontos centrais, nesse sentido, situa-
se na definição dos níveis de tolerância da desigualdade econômica e social
e o que poderia ser feito para amenizá-la, situação que tende a ultrapassar
os limites da igualdade formal e das liberdades individuais.
Ao mesmo tempo em que todos possuem o livre direito de formar
associações e expressar suas demandas e interesses, inclusive na instância
política, podendo votar e ser votado, o Estado passa a ser o alvo das
reivindações e mobilizações dos setores sociais que vivem em situação
de desigualdade. A extensão dos direitos, antes inacessíveis, a todos
implica na colocação de todas as classes na arena política, propiciando a
participação e a formação de movimentos de cunho popular.
Em síntese, a igualdade formal diante da lei benefi cia mais os
cidadãos que possuem a independência social e econômica para
usufruir os direitos legais.
O direito à associação, à representação e organização, junto com a
inserção política de setores sociais antes impedidos de participação, ganha, a
partir do ideário socialista, um reforço prático e doutrinário. Principalmente,
Direitos e Estado nacional

na crítica às revoluções de origem burguesa, as quais, nessa perspectiva,


produzem emancipação política limitada e sem emancipação social. Assim,
ainda no século XIX, há a emergência da organização sindical e de partidos
das classes trabalhadoras (Bendix, 1983).
Diante disso, as etapas do desenvolvimento do Estado moderno são
formadas, primeiro, pela concepção liberal, no qual apenas uma parcela
de todos os indivíduos (a burguesia) reivindica o poder soberano. Em
segundo lugar, a etapa da democratização, reivindicada por todos os
48 indivíduos. Por fim, a terceira etapa engloba a questão social, onde
todos os indivíduos, então já considerados soberanos e sem distinções
formais de classe, passam a requerer, além dos direitos de liberdade,
os direitos sociais. (Bobbio, 1992).
A sequência de direitos definida por T. H. Marshall (1967) a partir da
análise da Inglaterra nos séculos XVIII, XIX e XX, produz, principalmente, a
partir do final do século XIX, um contexto que apresenta mais dificuldades
para a consolidação dos direitos sociais. Influenciado, em parte, pelo ideário
socialista e pela capacidade de mobilização e organização política da classe
operária, o aparato estatal passa a ser exigido a ter uma formatação capaz
de apresentar respostas às demandas de ordem social, com o surgimento
do Estado de bem-estar social (o welfare state), uma contraposição, de certa
forma, ao ideário liberal clássico. A função de bem-estar social, com isso, é
incorporada ao Estado nacional (Esping -Andersen, 1991).
O desenvolvimento da sequência de direitos coloca a concepção social
em um ambiente de bastante complexidade. A consideração acerca da
importância sequencial da ordem dos direitos, e seu caráter cumulativo,
ao estabelecer os direitos políticos, como precursores dos sociais, pode ser
compreendida a partir do estabelecimento de uma relação próxima com
as disputas políticas do período (fins do século XIX e primeiras décadas
do século XX).
A democratização ocasionada, por um lado, pelas liberdades de
organização, formação de sindicatos e partidos, por exemplo, e de
manifestação de opinião; e, por outro lado, pela ampliação do voto,
colocou novas reivindações e demandas no centro das disputas políticas.
Reivindações que tinham um forte sentido social, buscando a incorporação
dos direitos sociais a setores da população que ainda não os tinham,
Direitos e Estado nacional

mesmo possuidores dos direitos civis e políticos.


Os direitos sociais tratam do atendimento de necessidades básicas na
vida dos indivíduos. Fazem parte desse conjunto de direitos as questões
vinculadas ao acesso à alimentação, habitação, saúde e, entre outros,
educação. Todos são temas que, ao longo do século XX, transformaram-
se no cerne das discussões sobre cidadania, em paralelo às funções do
Estado no âmbito social.
Na relação paradoxal entre a igualdade formal de todos diante da
lei, base do Liberalismo, e da desigualdade econômica e social, emerge a 49
temática do confronto entre o ideário democrático e a doutrina liberal. O
estudo de Alexis de Tocqueville (1982) sobre a experiência da fundação
dos Estados Unidos da América indica a primeira organização política e
social que aproxima o liberalismo da democracia, apontando um Caminho
para amenizar a tensão entre a igualdade, base da democracia ateniense,
e a liberdade, fundamento do Liberalismo.
A combinação resultante da democracia-liberal transforma a antiga
igualdade democrática em um procedimento legal que garante igualdade
de direitos, enquanto uma condição formal (Bobbio, 1990). Salvaguardados
os direitos fundamentais dos indivíduos, a democracia passa a ser um
método de escolha de governantes e não, como ocorria em Atenas, de
exercício direto de poder pelos cidadãos. Os representantes eleitos legislam
e executam as funções de governo, mantendo as liberdades de associação,
organização e expressão.
A alteração no conceito de igualdade, advinda do Liberalismo,
contraposta ao de igualdade de condições, inclusive econômicas e sociais,
insere um parâmetro importante no processo de desenvolvimento da
cidadania, especialmente no tocante aos direitos sociais.

3.6 A cidadania e a relação com o Estado

A concepção moderna de cidadania, portanto, possui um estreito


vínculo com a formação dos estados nacionais, na Europa Ocidental, a
partir do século XVIII. A expansão da cidadania, junto com a formação
de uma comunidade de cunho nacional, tem um significado fundamental
Direitos e Estado nacional

no estabelecimento de uma organização política e social diferente da que


havia no período do feudalismo e dos estados absolutistas.
A sequência dos três tipos de direitos civis, políticos e sociais,
considerando o modelo inglês, são o produto das disputas internas entre
os grupos sociais de cada país, situação que redunda no aparecimento
de peculiaridades em cada caso analisado. No campo ético-filosófico, os
princípios liberais tornaram-se centrais nas legislações dos mais diversos
50 países. No âmbito de sua aplicação prática e efetiva, contudo, apresentam
diferenças relevantes, especialmente se considerados os países com baixo
desenvolvimento econômico-social.
A afirmação e a efetivação dos direitos oscilaram ao longo dos séculos.
Assim, as garantias e as definições sobre os direitos são produzidas pela
realidade de cada Estado, sendo o saldo de contextos e situações históricas
específicas. Os direitos, enquanto produtos históricos, são passíveis de
mudanças frequentes, de transformações e de ampliação (Bobbio, 1992).
Outro elemento central na questão trata das relações dos indivíduos
entre si e com o Estado (Bobbio, 1992). O Liberalismo, em sua primeira
fase, determina a proteção do indivíduo através da delimitação legal da
ação do Estado, a partir dos direitos naturais, assegurados e protegidos.
Desta forma, trata-se da liberdade em relação ao Estado. No processo de
estabelecimento dos direitos políticos, no século XIX, há a concepção da
liberdade no âmbito do Estado. E, enfim, no terceiro conjunto de direitos,
os sociais, há a liberdade através ou por meio do Estado.
Em outras palavras, o desenvolvimento dos direitos e da própria
cidadania moderna pode ser compreendido pelas regras de limitação do
poder do Estado, da autonomia política do indivíduo e da colocação do
Estado como responsável para efetivar e assegurar os direitos sociais.

Referências

BENDIX, Reinhard. A ampliação da cidadania. In: CARDOSO,


Fernando Henrique e MARTINS, Carlos Estevam (orgs.). Política e
sociedade. 2. ed. São Paulo: Companhia Editora Nacional, 1983. p.
Direitos e Estado nacional

389-402. v. 1.
BENDIX, Reinhard. Construção nacional e cidadania – estudos de nossa
ordem social em mudança. São Paulo: Edusp, 1996.
BOBBIO, Norberto. Liberalismo e democracia. 3. ed. São Paulo:
Brasiliense, 1990.
BOBBIO, Norberto. A era dos direitos. Rio de Janeiro: Campus,
1992.
ESPING-ANDERSEN, Gosta. As três economias políticas do welfare
state. Revista Lua Nova, número 24, 1991. 51
KÜHNL, Reinhard. O modelo liberal de exercício de poder. In:
CARDOSO, Fernando Henrique e MARTINS, Carlos Estevam
(orgs.). Política e sociedade. 2. ed. São Paulo: Companhia Editora
Nacional, 1983. p. 242-56. v. 1.
LAVALLE, Adrian Gurza. Cidadania, igualdade e diferença. Revista
Lua Nova. Número 59. 2003.
MARSHALL, T. H. Cidadania, classe social e status. Rio de Janeiro:
Zahar, 1967.
TOCQUEVILLE, Alexis de. A democracia na América. Brasília: UnB,
1982.
WEBER, Max. Os tipos de dominação. In: Economia e sociedade:
Fundamentos de sociologia compreensiva. Brasília: Ed. UnB,
1999.
WEFFORT, Francisco (org.). Os clássicos da política. São Paulo: Ática.
1996. v. 1 e 2.

Questões

1) Estabeleça os parâmetros da relação entre o indivíduo e o Estado na


perspectiva do Liberalismo.
2) Analise o processo evolutivo dos direitos civis, políticos e sociais.
Direitos e Estado nacional

52
4
Democracia, Estado
de bem-estar
e os direitos sociais
A consolidação dos direitos civis e políticos foi a base para o processo de
obtenção dos direitos sociais, todos centrais na compreensão da cidadania.
O objetivo deste capítulo é apresentar algumas características dos tipos de
percursos para o estabelecimento da cidadania, incluindo elementos para
a compreensão dos temas que envolvem a implementação dos direitos
sociais, através do Estado de bem-estar social (welfare state) na Europa
Ocidental. Também estão incluídas algumas características da crise do
welfare, a partir da década de 1970.

4.1 Tipologia das trajetórias


da cidadania

A efetivação dos direitos enquanto intrínsecos às compreensões a


respeito da cidadania propiciam a análise das formas, na perspectiva de
Bryan Turner (1996), com as quais a sua obtenção ocorreu. O primeiro
aspecto opera na diferenciação entre a cidadania alcançada a partir da
mobilização da população e, pelo contrário, a obtida pela iniciativa primeira

Democracia, Estado de bem-estar e os direitos sociais


do Estado. Situam-se no primeiro caso os direitos civis conquistados nas
lutas contra os estados absolutistas. Integram a segunda possibilidade os
países nos quais o Estado teve a iniciativa da implantação dos direitos.
Outro ponto importante encontra-se na distinção entre público e
privado. Nesse sentido, a cidadania pode ser adquirida no espaço público,
resultado da conquista do Estado, e ou dentro do espaço privado, pela
afirmação dos direitos individuais enquanto limitadores das ações
estatais.
As duas formas de compreender a evolução, considerando se a
iniciativa partiu da população ou do Estado, se no ambiente público ou
privado, produzem quatro tipos de cidadania (Turner, 1996). O primeiro
faz referência à experiência ocorrida na França, quando, via Revolução, a
primazia na conquista partiu de setores da população no âmbito do espaço
público, sendo que a ação revolucionária se afirma pela transformação
do Estado em nação.
O segundo tipo, caso dos Estados Unidos, possui a mesma característica
55
do francês, com as garantias dos direitos obtidas por iniciativa da
população. A diferença, nesse ponto de vista, está que os movimentos
ocorreram no espaço privado, isto é, fora do Estado.
A cidadania obtida pela universalização dos direitos individuais,
definidos como espaço público, o terceiro tipo, corresponde à ideia do
cidadão enquanto súdito. O caso inglês é o exemplo mais comum, com
a Revolução Liberal de 1688 mantendo a monarquia e esta tendo sua
ação limitada por leis, o que redundou na formatação da monarquia
parlamentarista inglesa.
O caso da Alemanha é o quarto tipo de cidadania, construída a partir
da iniciativa do Estado no espaço privado. Assim, há a efetivação de laços
de lealdade do cidadão com o Estado.
Portanto, em termos teóricos, as concepções e formatações da cidadania
possuem um vínculo direto com os níveis de democratização e estrutura
política de uma determinada sociedade. Nesse sentido, os resultados da
incorporação dos direitos de acordo com cada realidade, principalmente
no que se refere aos direitos sociais.

Quatro modelos da cidadania


- Revolução Francesa: iniciativa de setores da população no âmbito
Democracia, Estado de bem-estar e os direitos sociais

do espaço público.
- Estados Unidos: iniciativa da população e efetivação no espaço
privado, fora do campo de ação do Estado.
- Inglaterra: cidadania definida pela universalização dos direitos
individuais, com origem no próprio espaço público.
- Alemanha: iniciativa pela intervenção do Estado no espaço
privado.

4.2 Origens do Estado social


(welfare state)

O embate estabelecido entre a igualdade formal dos indivíduos perante a


lei e as desigualdades de ordem social e econômica transforma-se, ao menos
desde o começo do século XX, no cerne das discussões em torno das funções
56
e do papel do Estado. Integram esse contexto os princípios advindos da
doutrina liberal, enfocando a limitação do poder do Estado, a intervenção
mínima na economia e na vida dos indivíduos e as garantias legais da
liberdade. O avanço cumulativo do acesso a direitos civis, no século XVIII,
políticos, no século XIX, e sociais, no século XX, colocaram os governos e as
organizações políticas diante de novas reivindações e demandas de grupos
sociais que antes não tinham condição de mobilização.
A tipificação dos direitos em civis, políticos e sociais também representa
uma sequência capaz de possibilitar os avanços e a própria ampliação da
sua abrangência (Marshall, 1967). Nesse sentido, a conquista dos direitos
políticos tem uma importante implicação na organização política de setores
que não tinham acesso a muitos dos elementos que viriam a configurar
os direitos sociais, tais como moradia, saúde e educação. Ao mesmo
tempo, a mobilização, a capacidade de organização, a livre expressão
de reivindações e demandas, a formação e o aumento da participação
em partidos e sindicatos resultaram no aumento da pressão no Estado e
governos por políticas públicas com o objetivo de dar respostas a esses
indivíduos, os quais, por exemplo, passaram a ter um peso importante
na arena eleitoral.
A organização estatal baseada, em grande parte, nos princípios liberais

Democracia, Estado de bem-estar e os direitos sociais


foi uma tendência que permaneceu, via de regra, na Europa, até o fim
da 1ª Guerra Mundial (1914 – 1918). Nesse período, a vontade política
era quase que exclusivamente produzida pelos estratos superiores da
sociedade, considerando que o Estado liberal, de maneira efetiva, não
teve uma ordenação centrada na competição entre cidadãos com iguais
possibilidades. Ao contrário, possui ordenação jurídica fundada na
propriedade e na cultura; uma sociedade que, embora não exclua ninguém,
tem por guia as leis do mercado (Habermas, 1983).
Nesse contexto, o capitalismo já se encontra, em muitos países,
efetivado, em termos de princípios, com o Estado, na compreensão de
Max Weber (1996), fundamentado nos estatutos legais, no incremento da
‘função pública’ exercida pela burocracia moderna, a qual é formada por
funcionários dotados do domínio da qualificação técnica e especialização,
sendo que os governantes são eleitos mediante eleições periódicas.
À diferença entre as garantias formais de direitos políticos e
sociais e a sua realização prática soma-se o processo de expansão 57
da participação dos indivíduos na vida política. Surgem, a partir
dessa perspectiva, dois movimentos. O primeiro engloba as garantias
formais dos direitos, inclusive os de ordem política, e o segundo trata
da ampliação do voto e da participação política, colocando novas
demandas ao Estado.
Esses dois movimentos, a partir da 1ª Guerra, quando passam a ser
essenciais as intervenções do Estado na produção e na distribuição de
renda, começam a conviver de maneira interdependente (Habermas, 1983).
O resultado disso é a transformação do Estado liberal em Estado social,
levando em conta que apenas garantias jurídicas não são suficientes para
o desenvolvimento da sociedade. Torna-se necessária a intervenção do
Estado em áreas antes reguladas pelo mercado, tidas com sendo de ordem
particular (Habermas, 1983).
Nessa análise, o Estado passa a ser responsável por influenciar
a vida social, executando políticas de proteção, de compensações e
redistribuição em favor de grupos sociais como trabalhadores assalariados
e consumidores. A promoção de políticas de cunho social, redistribuição
de renda, por exemplo, e o fornecimento de serviços públicos, como
saúde e transportes, transformam-se em uma incumbência dos governos
Democracia, Estado de bem-estar e os direitos sociais

(Habermas, 1983).

Tópicos da contraposição entre o Estado liberal e o Estado


de bem-estar social
- Igualdade formal perante a lei versus desigualdade social e
econômica.
- Complexidade das relações sociais com o avanço da urbanização
e industrialização.
- Direitos políticos produzem organização e mobilização política.
- Reduzida iniciativa do Estado nas políticas sociais versus
reivindações por direitos sociais.
- Ampliação do eleitorado e da competição pelos votos do
proletariado.

58
4.3 Os sistemas de proteção social

Tem origem nesse contexto de igualdade legal formal e de


desigualdade sócio-econômica a busca, por alguns governos e Estados,
da aplicação de políticas de cunho social capazes de remediar a
situação. Várias experiências1 no sentido de produzir ações, muitas
também asseguradas na legislação, ocorreram antes do século XX.
No século XVIII, Áustria, Prússia, Rússia e Espanha, já desenvolviam
ações assistenciais.
A Inglaterra, ainda no fim do século XIX, estabelece um conjunto de
leis regulamentando o trabalho nas fábricas. Outro exemplo importante de
ações desse tipo pode ser encontrado na Alemanha, quando foi implantado,
entre 1883 e 1889, um sistema de previdência social e programas de
seguros para atendimento na área da saúde, velhice e invalidez. Essas
duas medidas influenciaram ações semelhantes na Dinamarca (1891 a
1898), na Bélgica (1894 a 1903) e na Suíça (1890).
Porém, as experiências com políticas sociais originadas no século XX,
especialmente na Inglaterra, surgem como resultado e complemento do
reconhecimento dos direitos civis e políticos. Nesse caso, entre 1905 e 1911,

Democracia, Estado de bem-estar e os direitos sociais


o governo aprova medidas voltadas para o desenvolvimento de um seguro
nacional de saúde e um sistema fiscal progressivo, considerando a renda
de cada indivíduo, sucedendo a efetivação da liberdade de organização
sindical e política da classe operária.
O caso inglês é paradigmático, também, por, na década de 1940, aplicar
o princípio básico do Estado de Bem-Estar, ou seja, estende a todos os
cidadãos, independente de renda, uma rede de proteção social, incluindo
benefícios como aposentadoria, seguros para desempregados e para
maternidade, entre outros. Em outras palavras, os benefícios possuem
um caráter universal, atingindo a todos.

1
A descrição das experiências usa os dados dos verbetes Estado Contemporâneo e Estado
do Bem-Estar, integrantes do Dicionário de Política organizado por Norberto Bobbbio,
Nicola Matteucci e Gianfranco Pasquino. 59
4.4 Cidadania e bem-estar

Mesmo que já existissem alguns sistemas de proteção social antes, a


sua efetivação após a 1ª Guerra Mundial impulsionou a busca de direitos
sociais pelos trabalhadores. A destruição ocasionada pela guerra gerou um
esforço no sentido de investir para a retomada da normalidade de cada
país envolvido. Uma das implicações desse contexto está no aumento dos
gastos do Estado com políticas sociais (Singer, 2003).
O estabelecimento dos sistemas de proteção social tem, em boa parte,
origem no que Karl Polanyi (2000) definiu como sendo a primeira grande
transformação do capitalismo, um processo que ocorreu nas primeiras
décadas do século XX, sendo efetivado após o término da Segunda Guerra
Mundial, redundando no Estado de bem-estar social. Nesse contexto,
ganha relevância o debate, cuja origem é muito anterior, sobre o papel do
Estado e sua relação com a sociedade e o mercado. Situação que envolve
definições sobre as políticas públicas e sua amplitude.
Ao mesmo tempo, as divergências de interesses entre classes
proprietárias e classes proletárias estão entre as principais fontes das
disputas pelo Estado. A questão dos direitos sociais, assim, torna-se
Democracia, Estado de bem-estar e os direitos sociais

um dos marcos da agenda política no século XX. A discussão envolve a


definição acerca de qual amplitude deve ter a intervenção do Estado na
vida dos indivíduos, se deve ser de maior ou menor abrangência.
Para Claus Offe (1989), a noção de cidadania nos Estados de bem-
estar liberal democráticos envolve o princípio de que os cidadãos são
a principal fonte da vontade política coletiva, manifestada sob várias
formas institucionais. Também são os sujeitos a quem essa vontade pode
ser imposta e cujos direitos e liberdades civis, ao constituírem uma esfera
autônoma de ação social, cultural, política e econômica privada, impõem
limites sobre a autoridade do Estado. Os cidadãos são, ao mesmo tempo,
clientes que dependem dos serviços, dos programas e dos bens coletivos
fornecidos pelo Estado.
Em síntese, existem três componentes das relações modernas entre
Estado e cidadãos no Ocidente, os quais são o Estado de direito, a
democracia representativa e as condições de garantia civil através do
60 Estado de bem-estar (Offe, 1989). Os cidadãos, além disso, encontram-
se estruturalmente ligados à autoridade estatal por serem os criadores,
de maneira coletiva, e soberanos da autoridade estatal; por serem, em
termos potenciais, ameaçados pela força e coerção estatal organizada e
por possuírem dependência dos serviços e das provisões organizados
pelo Estado.
Uma das decorrências dessa perspectiva é a consideração de que a
condição de cidadania plena deve incluir os direitos sociais. A primeira
implicação disso é a responsabilização do Estado no sentido de garantir
o bem-estar básico dos cidadãos (Esping-Andersen, 1991).
Considerando essa perspectiva, a industrialização torna a política
social necessária, pois modos de produção pré-industriais (como a família,
igreja e solidariedade corporativa) acabam sendo substituídos pelas forças
modernizantes, incluindo mobilidade social, urbanização, individualismo
e dependência do mercado. Todavia, o mercado abastece apenas os que
conseguem atuar dentro dele, tornando a função de bem-estar social
adequada ao Estado-nação (Esping-Andersen, 1991).

Alicerces das relações entre Estado e cidadãos no Ocidente


- Estado de direito: organização social e política baseada em leis

Democracia, Estado de bem-estar e os direitos sociais


legítimas.
- Democracia representativa: exercício do poder por representantes
políticos eleitos democraticamente.
- Bem-estar: a meta das ações do Estado e dos governos é a promoção
do bem-estar.

4.5 Confronto entre democracia


e bem-estar social

Os chamados Estados de bem-estar são considerados geradores de


repercussões positivas sobre as instituições políticas democráticas. As
democracias capitalistas, por decorrência tendem a gerar forças políticas
que apoiam progressos no Estado de bem-estar. A democracia política é
vista como um poderoso meio para forçar elites políticas e os representantes
61
políticos das classes dirigentes a aceitar disposições desse tipo (Offe, 1989).
Porém, ao menos desde o final da década de 1960, o Estado de bem-
estar entra em crise e passa a ser contestado e combatido, estabelecendo-
se o que Claus Offe (1989) chama de inércia institucional, pois o Estado
deveria criar suas próprias fontes de auto-sustentação política e, ao mesmo
tempo, desencorajaria protestos.
A crise do welfare state tem como foco usual de análise a questão das
finanças públicas, em uma relação entre receita e despesas, colocando em
posição central o problema do limite dos gastos públicos. Num contexto
de expansão das políticas de proteção social, bem como o aumento das
reivindações de inclusão, o Estado teve de arcar com uma elevação
dos seus custos, confrontado com os limites em extração tributária
(pela própria reação dos contribuintes) e com um processo de recessão
econômica desencadeado, principalmente, pela crise energética de meados
da década de 1970.
A divergência entre a política democrática e as políticas sociais ocorre
em um contexto entendido como um reflexo de mudanças estruturais e
de novas situações em que se encontram os agentes políticos individuais
e coletivos. Existem indicativos e pressupostos teóricos consistentes no
sentido de que a política democrática de massas não funcionará no sentido
Democracia, Estado de bem-estar e os direitos sociais

de uma defesa sólida do welfare (Offe, 1989).


O exemplo é a decomposição parcial dos Estados de bem-estar
social da Europa Continental. Situação consubstanciada (Offe, 1989)
por derrotas eleitorais dos partidos social-democratas e socialistas, a
descontinuidade na evolução do nível absoluto dos gastos, conduzindo
à estagnação ou ao lento declínio dos orçamentos (nos décadas de
1960/1970), diferente do que ocorreu no pós II Guerra, declínio
acentuado nas transferências e serviços do Estado relativamente
ao nível de necessidade, causado pelo desemprego e mudanças
econômicas, greves e tumultos setoriais, deserção eleitoral de parte
da classe trabalhadora no sentido de forças liberal-conservadoras
(antiEstado do bem-estar), ampliação das reivindações dos direitos
dos cidadãos conduzidos por movimentos sociais não vinculados a
classe social e declínio do ideal igualitário-coletivista e ascensão de
ideais libertários, antiestatizantes e comunitários.
62
Com essa perspectiva, na década de 1970 há uma mudança em relação
à realidade da primeira metade do século XX. Isto é, as reivindações por
direitos sociais, enquanto fatores essenciais para a efetivação da cidadania
passam a enfrentar a resistência de setores sociais, em muitos casos,
majoritários no sentido de contribuir, via impostos e tributos. Portanto,
a estrutura estatal e seus investimentos nos sistemas de proteção social,
cujo custo recai sobre parte da sociedade, passam a receber pressões no
sentido de rediscutir o papel e funções do Estado. Tais fatores, nos países
desenvolvidos, nos quais as políticas de bem-estar obtiveram mais êxito,
são produzidos pela fragmentação de interesses e crescentes disparidades
de oportunidades entre os trabalhadores e aumento da produção
econômica, pela tecnologia, por exemplo, sem crescimento dos níveis do
emprego, produzindo uma fragilidade política nessa ‘classe excedente’,
que passa a depender, em grande parte, do Estado e a ter outros interesses
que não os dos trabalhadores empregados (Offe, 1989).
No mesmo sentido, alianças pró-Estado de bem-estar (fortes nos tempos
do de crescimento econômico e pleno emprego) tendem a desmoronar
no momento em que os benefícios tornam-se menos importantes que os
custos. Estabelece-se o declínio de apoio político aos objetivos e metas do

Democracia, Estado de bem-estar e os direitos sociais


Estado do bem-estar, efetivado pela contestação à ideia de bem público e
ao crescimento quantitativo da classe média, o que a afasta da defesa de
políticas coletivistas (Offe, 1989).

Características da crise do welfare state


- Aumento das despesas com políticas de proteção social.
- Elevação da carga tributária descontenta a classe média.
- Crise e recessão econômica na década de 1970.
- Grande parte do eleitorado passa a optar pela redução no tamanho
e abrangência do Estado.
- Derrotas eleitorais dos partidos social-democratas e socialistas.
- Aumento das demandas sociais e redução do volume de recursos
disponíveis.

63
Referências

BOBBIO, Norberto; MATTEUCCI, Nicola e PASQUINO, Gianfranco.


Dicionário de Política. 13. ed. Brasília: Editora UnB, 2007.
ESPING-ANDERSEN, Gosta. As três economias políticas do welfare
state. Revista Lua Nova, número 24. 1991.
HABERMAS, Jürgen. Participação política. In: CARDOSO, Fernando
Henrique e MARTINS, Carlos Estevam (orgs.). Política e sociedade. 2.
ed. São Paulo: Companhia Editora Nacional, 1983. p. 375-88. v. 1.
MARSHALL, T. H. Cidadania, classe social e status. Rio de Janeiro:
Zahar, 1967.
OFFE, Claus. A democracia contra o Estado de bem-estar. In:
Capitalismo desorganizado. São Paulo: Brasiliense. 1989.
POLANYI, Karl. A grande transformação: a origem de nossa época. Rio
de Janeiro: Campus, 2000.
SINGER, PAUL. A cidadania para todos. In: PINSKY, Jaime e
PINSKY, Carla Bassanesi (orgs.). História da cidadania. São Paulo:
Contexto, 2005. p. 191-263.
Democracia, Estado de bem-estar e os direitos sociais

TURNER, Bryan (apud CARVALHO, José Murilo de). Cidadania:


tipos e percursos. Estudos Históricos. Número 18. Rio de Janeiro:
1996.
WEBER, Max. Ciência e política: duas vocações. São Paulo: Cultrix,
1996.

Questões

1) Faça uma análise dos quatro modelos de cidadania de Turner.


2) Estabeleça os pontos centrais da ascensão e da crise do Estado de
bem-estar social.

64
5
A cidadania
contemporânea entre
o reconhecimento,
a redistribuição
e a internacionalização
A cidadania, na sua concepção moderna, a partir do século XVIII,
efetiva-se no âmbito do Estado nacional. Apenas na metade do século
XX é que surge a Declaração Universal dos Direitos Humanos, a
primeira a representar um consenso entre vários países, integrantes da
Organização das Nações Unidas, sobre o assunto. As bases desse processo
de internacionalização estão, em grande parte, na Revolução Francesa e
na Independência dos Estados Unidos, cujas declarações e constituições
transformaram-se em paradigmas para a cidadania. Este capítulo apresenta
alguns dos elementos relevantes da trajetória da cidadania, desde a visão
nacional até a internacionalização, incluindo duas questões primordiais
para compreender a contemporaneidade da temática: o reconhecimento
das diferenças culturais, étnicas e de gênero entre os grupos sociais e a
busca por redistribuição, integrada pela reivindicação por políticas que
combatam a desigualdade material e econômica e promovam bem-estar
dos cidadãos e cidadãs.

5.1 Cidadania em âmbito nacional


e a expansão dos seus princípios

A cidadania contemporânea entre o reconhecimento,


A formação do Estado nacional, a partir do século XVIII, possui
ligação com a constituição das concepções da cidadania. A síntese dessa

a redistribuição e a internacionalização
perspectiva tem como centro o processo de conquista de direitos e a sua
efetivação, em maior ou menor grau, dependendo de cada país, ao longo
dos últimos três séculos. A cidadania, então, é a identidade dos indivíduos
que dispõem de direitos civis, políticos e sociais.
Portanto, os indivíduos integrantes do Estado nacional são portadores
de direitos e possuem capacidade de interferir na produção das normas
legais (Bresser-Pereira, 1997).
Se a busca por direitos civis, políticos e sociais foi, inicialmente, uma
consequência das ações da classe burguesa, no século XX houve uma
ampliação para outros setores da sociedade, a partir da expansão do
voto, da democratização e da colocação de direitos, fundamentalmente os
sociais, como elementos formadores da ordem legal e constitucional.
67
As revoluções liberais dos séculos XVII e XVIII, na França, Inglaterra
e Estados Unidos, são marcos importantes do desenvolvimento da
cidadania. Pode-se considerar que a Declaração de Independência dos
Estados Unidos, em 1776, e a Declaração dos Direitos do Homem e
do Cidadão, da Revolução Francesa, em 1789, são os paradigmas da
cidadania e dos direitos individuais. Seus textos fundam a visão moderna
e estabelecem os parâmetros decisivos para a concepção contemporânea
do tema. Além disso, as duas declarações simbolizam a contraposição
ao poder político e social exercido de maneira despótica (quando não
considera os direitos ou interesses dos governados).
A Declaração de Independência dos Estados Unidos define que: “Nós
consideramos estas verdades como evidentes em si: que todos os homens
são iguais; que todos são dotados pelo seu Criador de certos direitos
inalienáveis; que entre estes estão a vida, a liberdade e a busca da felicidade
(...)” (Singer, 2003, p. 201). Para garantir esse conjunto de direitos, “(...)
governos são instituídos entre os homens, derivando seus justos poderes
do consentimento dos governados (...)” (Singer, 2003, p. 201).
Portanto, os direitos, a partir dos princípios liberais, precisam ser
assegurados por governos escolhidos e controlados pelos governados.
A cidadania contemporânea entre o reconhecimento,

Esse ideário tornou-se recorrente nas constituições de vários outros países,


colocando lado a lado os direitos individuais com a delimitação das ações
dos governantes.
Inspirada na Independência dos Estados Unidos, a Declaração dos
a redistribuição e a internacionalização

Direitos do Homem e do Cidadão, um dos documentos fundamentais


da Revolução Francesa, igualmente tornou-se um parâmetro, até hoje,
da questão dos direitos e da cidadania. Suas dez primeiras cláusulas
explicitam um conjunto de valores e de princípios fundamentais
para o desenvolvimento da cidadania e dos direitos individuais na
atualidade.
A primeira cláusula define a igualdade: “Os homens nascem e
permanecem livres e iguais em direitos. As distinções sociais só podem
se fundar na utilidade comum” (Singer, 2003, pp. 210). A segunda e a
terceira tratam da questão política ao estabelecer que “O fim de toda
associação política é a preservação dos naturais e irrenunciáveis direitos
68 humanos. Estes direitos são a liberdade, a propriedade, a segurança, a
resistência contra toda opressão” e que “A origem de toda a soberania
está essencialmente no povo (...)” (Singer, 2003, p. 201).
Também é importante a relação estabelecida entre lei e liberdade. “A
liberdade consiste em tudo poder fazer que não prejudique o outro (...)” e
“A lei só tem o direito de proibir ações que prejudicam a sociedade. Tudo
que a lei não proíbe não pode ser impedido e ninguém pode ser obrigado
a fazer o que a lei não ordena”. Mais do que isso, “A lei é expressão da
vontade geral. Todos os cidadãos têm o direito de participar pessoalmente
ou por meio de seus representantes na elaboração da mesma (...)” (Singer,
2003, pp. 211).
A Declaração estabelece, ainda, os princípios da relação dos indivíduos
com o judiciário, ao considerar que “(...) ninguém pode ser punido a não
ser por força de uma lei aprovada, divulgada e juridicamente aplicada
antes do cometimento do crime” e que “(...) cada homem é considerado
inocente até que seja declarado culpado (...)” (Singer, 2003, p. 211).
Questões determinantes das relações políticas e sociais que se tornariam,
em boa parte do mundo, indicadores de democracia e cidadania, estão
colocadas nas duas declarações. Os direitos do homem, a democracia e a
paz fazem parte do mesmo processo histórico que, a partir das revoluções

A cidadania contemporânea entre o reconhecimento,


liberais, mudaram o padrão de organização social e política das sociedades.
Não há democracia sem o reconhecimento e realização dos direitos. Além
disso, a inexistência da democracia torna difícil a solução pacífica dos
conflitos (Bobbio, 1992).

a redistribuição e a internacionalização
Todavia, esse parâmetro político e social que surge, em parte, do
Liberalismo, e que foi influenciado, também, por outras doutrinas, como
o Socialismo, possui uma forte característica nacional. Cada uma dessas
declarações de direitos tem como amplitude os limites territoriais do
Estado nacional.
Nesse sentido, é importante a consideração de três momentos
históricos (Bobbio, 1992). No primeiro, ocorre a passagem das liberdades
para os direitos políticos e sociais, sendo que estes últimos dependem
da intervenção do Estado. Depois, é a vez da passagem da perspectiva
do indivíduo (central na concepção liberal) para a compreensão tendo
como referência grupos ou categorias sociais. Aqui, a noção dos direitos
é ampliada do ponto de vista do indivíduo para o da família, de minorias 69
étnicas e, entre outros, grupos religiosos. Ou seja, indivíduos que
compartilham de características comuns a um determinado segmento
social, com reivindações e demandas similares.
O terceiro momento trata da formação do conceito de ‘homem
específico’, no qual os indivíduos passam a ser compreendidos a partir de
certas características, como gênero, idade e nível de escolaridade. Há uma
especificação de cada caso, que tem uma ligação maior com os direitos
sociais, cujas ações e políticas não necessariamente precisam abranger toda
a sociedade. Por exemplo, políticas de construção de moradias podem ser
destinadas a setores sociais específicos que tenham esta necessidade. No
sentido contrário, as liberdades possuem um caráter universal, atingindo
a todos, independente de qualquer especificidade peculiar.

Etapas do reconhecimento dos direitos do homem


- Doutrinas dos direitos naturais e das Declarações dos Direitos do
Homem, incluídas nas constituições dos estados liberais.
- Estado de direito – relações políticas e sociais reguladas por leis
legítimas.
- Após a 2ª Guerra Mundial – passagem da esfera nacional para a
A cidadania contemporânea entre o reconhecimento,

internacional, envolvendo, pela primeira vez, todos os povos.

5.2 A internacionalização do ideário


a redistribuição e a internacionalização

É possível estabelecer, no desenvolvimento da cidadania, uma


trajetória que tem origem em experiências de cunho local, como ocorrera
em Atenas, passa pela formação dos estados nacionais, na transição da
Idade Média (século V ao XV) para a Moderna (século XV ao XVIII), e
chega, em meados do século XX, ao processo da internacionalização.
Nas duas primeiras etapas, os limites eram específicos a uma
determinada cidade-estado ou a um país. Na primeira metade do século
XX ainda não havia um consenso entre os países sobre o conteúdo e a
aplicação dos princípios dos direitos individuais, liberdade, igualdade e
do exercício do poder mediante concordância dos governados. Também
70
não era consensual a valorização da democracia, enquanto regime político
capaz de apresentar a melhor forma de administrar a sociedade (Santos,
2002). A representação desse desacordo está na ascensão, durante a década
de 1930, de regimes autoritários e regimes nazi-fascistas, na Alemanha,
Itália, Portugal, Espanha e Brasil, por exemplo.
A trajetória da percepção moderna da cidadania, desde o século
XVIII, tem como origem o reconhecimento dos direitos de cada cidadão
nos limites de um Estado. O primeiro marco no sentido de promover os
direitos como um valor internacional, não apenas na visão doutrinária
ético-filosófica, está na Declaração Universal dos Direitos do Homem, em
dezembro de 1948 (Bobbio, 2002).
Pela primeira vez na história, é definido, de maneira consensual entre
51 Estados filiados na Organização das Nações Unidas (ONU), um sistema
formado pelos princípios fundamentais da humanidade. A Declaração é
integrada por um conjunto de 30 artigos que estabelecem os parâmetros
e determinantes dos direitos civis, políticos e sociais.
O contexto da fundação da ONU, em outubro de 1945, é o do fim da 2ª
Guerra Mundial, com a derrota dos regimes nazi-fascistas liderados pela
Alemanha e a necessidade de estabelecer um padrão de relacionamento
entre as nações, a fim de evitar conflitos e controlar países com

A cidadania contemporânea entre o reconhecimento,


interesses bélicos. Há, assim, a busca pela formação de uma instituição
de caráter internacional com o objetivo de manter a paz e promover o
desenvolvimento.
Por outro lado, a Declaração dos Direitos do Homem, embora

a redistribuição e a internacionalização
sistematize os direitos e tenha-se consolidado, ao longo da segunda
metade do século XX, como o paradigma dos processos de configuração
e efetivação dos direitos humanos, não tem, por si, um caráter jurídico.
Diante do princípio da soberania nacional, os Estados podem incorporar
ou não esse ideário às suas constituições e leis, assim como podem ser ou
não integrantes da ONU. A Declaração, nas seis décadas de sua existência,
indica o Caminho e define os parâmetros dos direitos (Bobbio, 1992). A
realização, tanto no plano legal, quanto no plano concreto, depende das
questões políticas e sociais internas de cada país.
Duas condições são fundamentais para que os direitos, então definidos
de maneira internacional, possam ser efetivados, embora elas não existam de
fato (Bobbio, 1992). A primeira é a exigência de que os princípios constantes 71
nas declarações sejam cumpridos em cada Estado, sob pena de exclusão
da comunidade internacional. Já a segunda condição abrange a existência
de um poder comum, no sistema internacional, com força suficiente para
prevenir ou reprimir o não cumprimento dos direitos declarados.
O resultado é que os direitos estabelecidos na Declaração Universal
dos Direitos do Homem, muitas vezes, não foram aplicados na sua
integralidade. Ainda são comuns situações de trabalho escravo
(contradizendo o Artigo IV), prisões arbitrárias (proibidas no Artigo
IX), governos estabelecidos mediante uso da força e sem consentimento
dos governados, especialmente em regimes autoritários (contrariando
os artigos XX e XXI) e diferenças de salários para cargos e funções
semelhantes entre homens e mulheres (vetado no Artigo XXIII).
Contexto que estabelece uma relevante diferença entre ter um direito
internacionalmente reconhecido e tê-lo garantido por um processo decisório
em uma instituição legislativa, soberana e com capacidade de efetivar
um sistema capaz de punir a quem não cumprir a determinação legal.
Uma coisa é o reconhecimento dos direitos, outra é a sua concretização.
Assim, pode haver uma divergência entre as definições tomadas pelos
organismos internacionais e as decisões dos governos, levando em
A cidadania contemporânea entre o reconhecimento,

conta que a construção legal e jurídica em cada Estado depende das


relações de poder entre os grupos sociais (Bobbio, 1992). Os organismos
internacionais operam mais no campo da influência, no sentido de incidir
no direcionamento de decisões. Já os governos lidam com a tomada de
a redistribuição e a internacionalização

decisão, o que implica atender determinadas reivindações de grupos


sociais em detrimento de outros.

Relação entre cidadania e Estado segundo Norberto Bobbio (1992)


- Liberal: indivíduos que reivindicam o poder soberano são apenas
uma parte da sociedade.
- Democrático: potencialmente todos podem reivindicar o poder
soberano.
- Social: Todos os indivíduos exercem o poder soberano, sem
distinções de classe, reivindicam, além dos direitos de liberdade,
também os direitos sociais. São os direitos do indivíduo e formam
72 o Estado dos cidadãos.
5.3 Movimentos reivindicatórios,
avanços e retrocessos

Os avanços e retrocessos da cidadania passaram, a partir da Declaração


Universal dos Direitos do Homem, cujos fundamentos em parte podem
ser encontrados nas declarações de direitos provenientes das revoluções
burguesas do século XVIII, a ter um parâmetro capaz de indicar a incidência
maior ou menor da aplicação dos direitos civis, políticos e sociais. E as
diferenças no sentido de ter os direitos assegurados e não assegurados
ganharam, na década de 1960, uma dimensão sem precedentes. Em um
cenário de desenvolvimento econômico, implementação do Estado de
bem-estar social, nos países desenvolvidos, crescimento demográfico,
urbanização, evolução tecnológica, avanço da cultura de massa e um
ideário consolidado nos princípios da democracia e liberdade, após a
derrota nazi-fascista na 2ª Guerra Mundial, tornaram-se cada vez mais
evidentes as diferenças entre segmentos da população, especialmente em
relação à questão dos direitos.
As décadas de 1950 e 1960, especialmente a última, trouxeram à

A cidadania contemporânea entre o reconhecimento,


tona uma série de movimentos que se foram espalhando pelo mundo,
reivindicando um conjunto de direitos que podem ser sistematizados nas
palavras liberdade e igualdade.
Os movimentos de consciência negra e de defesa dos direitos das

a redistribuição e a internacionalização
mulheres são dois destaques do período. Nos dois casos, o epicentro ocorreu
nos Estados Unidos, país que, com a sua Declaração de Independência,
ajudou a estabelecer os pilares das concepções de igualdade e liberdade,
mas que, até meados do século XX, permitia a discriminação racial e tinha
dificuldades em atender as demandas das mulheres e jovens. Os negros,
por exemplo, não podiam ocupar os mesmos lugares que os brancos, seja no
transporte público, escolas ou restaurantes e as mulheres confrontavam-se
com um papel secundário e doméstico na sociedade norte-americana.
Portanto, os princípios dos direitos civis, políticos e sociais nem sempre
eram realizados e redundaram em uma série de mobilizações que tiveram
seu ponto culminante no ano de 1968, em vários países do mundo (Ribeiro,
2003). Em geral, as reivindações dos movimentos civis e sociais da década
73
de 1960 tinham como objetivo terminar com as discriminações, fossem
elas de ordem racial ou de gênero, e com as situações de desigualdade.
A democratização das relações políticas e sociais também integrava as
demandas desses grupos.
Em muitos países da América Latina, incluindo o Brasil, a busca
por direitos inseriu-se no confronto com regimes autoritários, os quais
limitavam as liberdades civis e políticas, principalmente.
Desse contexto emergem, ainda, as reivindações por melhores
condições de vida, por salários melhores, empregos e por um conjunto
de políticas sociais capazes de apresentar respostas para as situações
de desigualdade econômico-social. Também passa a ser enfatizado o
conceito de ‘direito de minorias’, no qual, via mobilização, grupos sociais
minoritários passam a reivindicar seus direitos.
Desde o fim da década de 1960, no entanto, já podia ser percebido
um esgotamento da capacidade do Estado em responder de maneira
afirmativa às reivindações originadas pela busca em conquistar direitos.
A crise do Estado de bem-estar social possuía relação com os problemas
enfrentados pelo setor econômico (agravados na década de 1970 a partir
da crise do petróleo de 1973) e também com a mudança no interesse das
classes médias dos países desenvolvidos, a qual passou a apoiar candidatos
A cidadania contemporânea entre o reconhecimento,

e partidos voltados para a questão da diminuição da carga tributária e da


delimitação da ação do Estado, especialmente nas políticas sociais.
Essas duas situações ocorrem de forma paralela. A primeira é a crise
do Estado, cuja base é social e econômica. E a segunda é o aumento das
a redistribuição e a internacionalização

reivindações de grupos sociais que antes estavam distantes do processo


político (Scherer-Warren, 1996).

5.4 Reconhecimento, redistribuição


e contemporaneidade

Outro fator importante que ganha força nesse cenário de crise do


Estado e torna-se bastante relevante do ponto de vista das compreensões
da cidadania nas últimas décadas do século XX é o aumento das demandas
por reconhecimento das diferenças e por redistribuição, visando igualdade
74
econômica (Fraser, 2001). No primeiro caso, há a busca pela aceitação,
nos campos político e social, das diferenças de cunho cultural, étnicas e,
entre outros, de gênero, com o desenvolvimento de políticas especificas
para atender e garantir essas reivindações. Já no segundo caso, entram as
questões que envolvem aspectos econômicos, vinculadas à desigualdade
econômica (populações em situação de miserabilidade, por exemplo).
A mobilização social, em grande parte, passa a ter, de um lado, ênfase
nas temáticas da nacionalidade, etnia, gênero e sexualidade. Ao mesmo
tempo, a desigualdade econômica se mantém como fator de mobilização
(Fraser, 2001).
Ou seja, a cidadania, nessa compreensão, é concebida partindo de
dois parâmetros. De um lado está a busca pelo reconhecimento de caráter
simbólico e cultural. Determinado grupo social, mesmo sendo minoritário,
se mobiliza para ter suas características peculiares e identitárias
consideradas na sociedade e no Estado. Por outro lado, na redistribuição
são incluídas as demandas de igualdade sócio-econômica, em termos de
renda, acesso a trabalho assalariado, saúde, educação e lazer.
Fica configurado um conjunto de direitos entendidos como na área
do reconhecimento cultural e outro no âmbito da desigualdade material
e econômica.

A cidadania contemporânea entre o reconhecimento,


Portanto, a ideia de inacessibilidade ao reconhecimento cultural e
social está ligada a padrões de convivência na sociedade (Fraser, 2001).
São incluídas, nesse sentido, situações de dominação cultural, com grupos
e indivíduos sendo obrigados a incorporar uma cultura ou modo de vida

a redistribuição e a internacionalização
diferente do seu; de não-reconhecimento, caso daqueles que não possuem
visibilidade pública e seus pontos de vista e interesses são desconsiderados
em processos decisórios no Estado e na sociedade; e desrespeito, grupos
sociais que, de forma rotineira, são difamados e vistos de maneira
estereotipada publicamente (Fraser, 2001).
As desigualdades em termos materiais e sócio-econômicos têm
vínculos com a estrutura política e econômica de cada sociedade. Assim,
exemplos dessa condição podem ser encontrados nas ideias de exploração
do trabalho, seja por questões de baixa remuneração, trabalho infantil
ou escravo; marginalização econômica, isto é, submissão a funções
insalubres e privação, não ter acesso a um padrão material mínimo para
a sobrevivência (Fraser, 2001).
75
Reconhecimento das diferenças
- Culturais
- Étnicas
- Gênero
- Caráter simbólico e cultural.

Redistribuição
- Ações contra a desigualdade econômica.
- Condições materiais de vida.
- Bem-estar sócio-econômico.

5.5 A definição dos direitos


e a desigualdade

Os Caminhos percorridos pela cidadania nas suas fases ao longo do


tempo têm como ponto central a questão dos direitos. Considerando a
perspectiva de Marshall (1967), em uma primeira fase, no século XVIII,
A cidadania contemporânea entre o reconhecimento,

houve a busca pela efetivação de direitos civis, incluindo a liberdade e a


vida, delimitando o poder e as funções do Estado. No século seguinte, a
foco passou para as liberdades políticas, expansão do voto, organização
de sindicatos e partidos. A busca e, em determinado sentido, a efetivação
a redistribuição e a internacionalização

dos direitos sociais tornaram-se essenciais no século XX.


A partir desses pressupostos, cada país percorreu uma trajetória
específica no sentido da consolidação ou não dos direitos. Caminho que
se aproxima das formas com quais são instituídas as relações sociais e
políticas e mesmo os processos de democratização. Além disso, há um
processo de construção, dependendo das disputas na sociedade e no
Estado, de políticas que assegurem direitos, especialmente os sociais.
Durante o século XX, muitos Estados passaram por regimes autoritários,
nos quais os direitos dos indivíduos e dos grupos sociais não tinham muita
relevância nos processos decisórios, quando não eram contrariados e não
admitidos. Levantamento realizado em 141 países, de 1950 a 1990, aponta
76 a ocorrência de 41 mudanças de regime, com ditaduras passando para
democracias (Przeworski, Alvarez, Cheibub e Limongi, 2002). Os outros
100 nunca mudaram de regime, sendo 67 ditaduras e 33 democracias.
Isto é, dos 141 países investigados, 108, por algum período, possuíam
regimes ditatoriais.
Outro exemplo de variação na ampliação de direitos em cada país está
no voto feminino (Ribeiro, s/d). A Nova Zelândia foi o primeiro país no
mundo a conceder o direito de voto para as mulheres, em 1893; a Austrália
fez o mesmo em 1902 e a Finlândia, em 1906. Na Inglaterra, apenas em
1918 as mulheres com mais de 30 anos passaram a poder votar, idade
que, em 1928, foi reduzida para 21 anos. Nos Estados Unidos, em 1920
foi estabelecida uma emenda à Constituição, proibindo a discriminação
política com base no sexo. Antes, alguns Estados já permitiam o voto
feminino. Na América Latina, o Equador foi o primeiro país a estender
o direito ao voto para as mulheres, em 1929. No Brasil, o voto feminino
passou a vigorar em 1932.
As diferenças maiores, no entanto, estão na determinação dos
direitos sociais, principalmente na questão da desigualdade econômica,
o que o Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento mede,
considerando o Índice de Desenvolvimento Humano (IDH), que sintetiza

A cidadania contemporânea entre o reconhecimento,


quatro indicadores: Produto interno Bruto (PIB) per capita, expectativa de
vida, taxa de alfabetização de pessoas com 15 anos ou mais de idade e taxa
de matrícula bruta nos três níveis de ensino (relação entre a população em
idade escolar e o número de pessoas matriculadas no ensino fundamental,

a redistribuição e a internacionalização
médio e superior). Segundo os dados de 2007 e 2008, levantamento que
incluiu 177 países, 70 países possuem alto desenvolvimento humano (o
Brasil é o 70°); 85 têm médio e 70 estão com baixo IDH. Mesmo entre os
países desenvolvidos e em desenvolvimento, há diferenças importantes
em relação à consolidação dos direitos, levando em conta indicadores
como distribuição de renda.
Nesse contexto está a importância da Declaração Universal dos
Direitos do Homem, por ter estabelecido um parâmetro sobre os
direitos de cada indivíduo e de cada grupo social. A ideia de um
consenso internacional sobre quais são os direitos e como devem
ser assegurados contribuiu para expandir a cidadania, no sentido de
propiciar um conjunto doutrinário para ser buscado pelos grupos 77
sociais e indivíduos, consolidando um processo que iniciou, na sua
concepção moderna, com as revoluções liberais dos séculos XVII e XVIII,
passou pelo Socialismo, nos séculos XIX e XX, e chega à perspectiva
contemporânea, que pode ser resumida pelo reconhecimento das
diferenças e pela redistribuição sócio-econômica.

Referências

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emergência dos direitos republicanos. Revista de Filosofia Política
– Nova Série, vol. 1. Porto Alegre: Universidade Federal do Rio
Grande do Sul, Departamento de Filosofia, 1997. Disponível em
www.bresserpereira.org.br.
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1992.
FRASER, Nancy. Da redistribuição ao reconhecimento? Dilemas
da justiça na era pós-socialista. In: SOUZA, Jessé (org). Democracia
hoje – Novos desafios para a teoria democrática contemporânea.
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Brasília: UnB, 2001. p. 245-82.


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Zahar, 1967.
RIBEIRO, Luiz Dario Teixeira. O contexto de 1968. In: HOLZMANN,
a redistribuição e a internacionalização

Lorena e PADRÓS, Enrique Serra (orgs.). 1968 – Contestação e utopia.


Porto Alegre: Ufrgs, 2003. p 19-26.
RIBEIRO, Antônio Sérgio. A mulher e o voto. Disponível em http://
www.al.sp.gov.br.
PRZEWORSKI, Adam, ALVAREZ, Michael E., CHEIBUB, José
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– Political institutions and Well-Being in the World, 1950-
1990. Cambridge (UK): Press Syndicate of the University of
Cambridge, 2002.
SANTOS, Boaventura de Sousa (org.). Democratizar a democracia – os
caminhos da democracia participativa. Rio de Janeiro: Civilização
Brasileira, 2002.
78
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Loyola e Centro João XXIII, 1996.
SINGER, Paul. A cidadania para todos. In: PINSKY, Jaime e PINSKY,
Carla Bassanesi (orgs.). História da Cidadania. São Paulo: Contexto.
2005. p. 191-263.
Índice de Desenvolvimento Humano do Programa das Nações
Unidas para o Desenvolvimento. Disponível em http://www.
pnud.org.br.
Declaração Universal dos Direitos do Homem. Disponível em
http://www.onu-brasil.org.br

Questões
1) Aponte exemplos sobre as reivindações de cidadania que envolvem
reconhecimento das diferenças e redistribuição econômica.
2) Analise a importância da definição dos direitos de cidadania ter
passado para o âmbito internacional.

A cidadania contemporânea entre o reconhecimento,


a redistribuição e a internacionalização

79
6
A trajetória da cidadania
no Brasil: obstáculos
e a formação do Estado
e da sociedade
A formação do Estado no Brasil e o tipo de organização política e social
herdada do período sob domínio de Portugal (1500-1822) produziram
uma série de obstáculos para o desenvolvimento das ideias de cidadania
no país. Diferente do que ocorreu na França, Inglaterra e Estados Unidos,
onde a concepção moderna de cidadania teve origem, o caso brasileiro
tem como característica, pelo menos até as primeiras décadas do século
XX, a continuidade de uma sociedade hierarquizada, quase que sem
possibilidades de ascensão social, e de um Estado controlado por interesses
particulares de comerciantes ricos e proprietários de vastas extensões de
terra. Afora isso, há o uso do trabalho escravo.
Este capítulo, assim, trata de algumas questões que envolveram a
formação da sociedade e do Estado brasileiro, as quais significaram um
conjunto de empecilhos para a efetivação da cidadania no país, a partir
da compreensão dos direitos individuais.

6.1 Diferenças no desenvolvimento


da cidadania

A concepção moderna da cidadania teve origem na formação dos estados

A trajetória da cidadania no Brasil: obstáculos


nacionais europeus, principalmente no século XVIII, os quais se efetivam
a partir da ascensão da doutrina liberal, combinando liberdade com a

e a formação do Estado e da sociedade


perspectiva dos direitos individuais. A estrutura de poder monárquico-
absolutista é superada pelo Estado nacional sustentado no Liberalismo.
integrados a esse contexto estão o capitalismo, a industrialização e a
urbanização. Tais situações possibilitaram um conjunto de mudanças
na vida dos indivíduos e no tipo de organização política e social de cada
país, proporcionando o desenvolvimento, em maior ou menor escala, dos
direitos civis, políticos e sociais.
O avanço da burguesia, a formação dos Estados nacionais, a conquista
dos direitos políticos colocaram um novo padrão nas relações políticas.
Porém, mesmo em países como a Inglaterra, França e Estados Unidos,
onde ocorreram alguns dos principais acontecimentos que forjaram as
definições de cidadania, a questão da consolidação e efetivação dos direitos
83
passou por avanços e retrocessos.
Há, em cada um desses países, um processo histórico comum, afora as
diferenças culturais, políticas, sociais e religiosas. A formação do Estado
nacional e o avanço da questão dos direitos individuais dão à constituição
uma identidade social precursora à estrutura de poder. Ou seja, o tipo de
organização e mobilização social influencia de maneira direta a formatação
estrutural do Estado. Diante disso, é possível considerar que a definição
dos direitos e da cidadania é produto das relações e confrontos políticos
e sociais que estão no cerne da construção do Estado nacional e na
suplantação do modelo absolutista.
Algo semelhante pode ser observado no desenvolvimento do Estado
de bem-estar social (welfare state), na primeira metade do século XX, e na
sua crise, a partir da década de 1970. As duas situações efetivaram-se a
partir de definições surgidas pelo confronto de perspectivas e interesses na
sociedade, cujos indivíduos possuem, em maior ou menor nível, direitos
civis, políticos e sociais.
Esse contexto abre a compreensão de que a estruturação do Estado,
ao longo dos séculos, é antecedida pela organização social, ou seja,
a sociedade, ou parte dela, define o processo de funcionamento do
aparato estatal e de suas instituições, funções e amplitude. Na França,
Inglaterra e Estados Unidos a organização política e social que produz
o Estado reflete uma oposição com o modelo anterior, seja, no caso
A trajetória da cidadania no Brasil: obstáculos

dos dois primeiros, o Absolutismo, ou a monarquia inglesa, no caso


do terceiro.
e a formação do Estado e da sociedade

Nos três, há uma situação de confronto, inclusive no campo


doutrinário-ideológico, com o contexto precedente. E a doutrina liberal de
liberdade, igualdade e os demais direitos naturais, junto com processos de
modernização e avanço do capitalismo, estão na base dessa contestação
e guiam a formação da nova organização política, definida pela ascensão
do predomínio da lei legitimada pela soberania nacional.
O percurso da formação do Estado, envolvendo as concepções de
cidadania e direitos, porém, é bastante diferente em países cuja origem
remonta à expansão colonialista da Espanha e Portugal, principalmente,
nos séculos XV e XVI. Em geral, todos tiveram o impacto das estruturas
estatais, políticas e sociais, ainda de caráter absolutista, dos impérios
84 espanhol e português. É o caso do Brasil.
6.2 O Descobrimento e a colonização

A chegada de Pedro Álvares Cabral, liderando uma esquadra


portuguesa, a terras oficialmente desconhecidas, em abril de 1500, marca
o começo da ocupação do território do que seria o Brasil. Nos três séculos
seguintes, a monarquia portuguesa aplicou medidas colonialistas levando
em conta a extração de recursos naturais e matéria-prima. A colonização
é utilizada como uma forma de garantir o controle do território e do que
poderia ser extraído e comercializado (Prado Jr., 1994). Assim, há a divisão
em Capitanias Hereditárias, faixas de terras delimitadas no sentido do
litoral até a linha imaginária do Tratado de Tordesilhas, as quais foram
repassadas para nobres e pessoas de confiança da coroa portuguesa. São
favorecidas as grandes propriedades rurais, centradas na agricultura,
pecuária e no próprio extrativismo natural (Prado Jr., 1994).
Outro fator importante, no período da colonização, é a vinda de
escravos africanos, a partir do século XVI, tráfico que perdurou por três
séculos e trouxe cerca de 4 milhões de negros para o país. Ao uso de mão
de obra escrava somam-se mais duas características definidoras desse
contexto: a grande propriedade rural e a produção voltada para o mercado
externo (Carvalho, 2007).
Em meados do século XVII há um maior desenvolvimento econômico

A trajetória da cidadania no Brasil: obstáculos


do país. Além da produção agrária, surgem estruturas de comércio e

e a formação do Estado e da sociedade


incremento de crédito, o que contribuiu para a formação de uma elite de
negociantes, a qual passa a rivalizar com os proprietários rurais (Prado
Jr., 1994).
Nesse processo, a Coroa portuguesa, no século XVIII, passa a centralizar
a administração da colônia, que, antes, possuía algum grau de autonomia
sustentada no poderio dos grandes proprietários rurais. A metrópole
portuguesa, então, exerce uma ampla soberania, que seria reforçada pela
transferência da família real para o Brasil, em 1808.
Junto com a nobreza portuguesa vem uma estrutura de poder baseada
no Absolutismo e um processo de modernização. A criação do Banco do
Brasil, das academias de Medicina, Belas Artes e Militar, implantação da
Biblioteca Nacional, do Jardim Botânico e a instalação da Imprensa Régia
são alguns dos atos de Dom João. A medida mais importante, contudo, 85
para a formatação do Estado brasileiro, foi a estruturação administrativa
da colônia. Em 1815, o Brasil é elevado à categoria de Reino Unido de
Portugal e Algarves.
Entre 1500 e 1822 os portugueses conseguiram estabelecer e manter a
unidade territorial, linguística e cultural do Brasil sustentados em uma
sociedade escravocrata e com altas taxas de analfabetismo, um Estado
absolutista e uma economia baseada na monocultura e no latifúndio
(Carvalho, 2008). Além disso, a divisão social tinha no topo os grandes
proprietários rurais e comerciantes das cidades litorâneas, no outro
extremo estavam os escravos. O proprietário possuía poder econômico e
controle social e político, ora protegendo quem vivia em suas terras, ora
punindo, substituindo o Estado (Carvalho, 2007).
A escravidão e o tipo de organização social centrada no latifúndio
e no poder dos senhores proprietários representam um considerável
distanciamento dos princípios da cidadania (direitos individuais,
liberdade e igualdade), definidos a partir da doutrina liberal. Mesmo a
população livre não dispunha de instrumentos legais para se defender
do poder arbitrário dos grandes proprietários, dos quais dependiam para
viver e trabalhar, e do próprio governo. Os grandes proprietários, também
livres, ainda que pudessem votar e ser votados nas eleições municipais,
não possuíam o princípio da igualdade diante da lei, embora fossem
A trajetória da cidadania no Brasil: obstáculos

os portadores de muitas funções do Estado, incluindo as judiciárias


(Carvalho, 2008).
e a formação do Estado e da sociedade

Esse contexto traduz a inexistência de características republicanas no


Brasil colonial. Muitas das funções públicas eram controladas e exercidas
por setores privados, caso dos grandes proprietários. Com isso, os direitos
civis atingiam a poucos, os direitos políticos a menos ainda, e os direitos
sociais não eram sequer considerados (Carvalho, 2008).
As mobilizações em defesa de alguns princípios dos direitos civis
e liberdade, no período colonial, ocorreram em número reduzido. A
maior delas foi o Quilombo dos Palmares, que se manteve por volta
de 1605 a 1694. Já sob influência do Iluminismo e do ideário liberal da
Revolução Francesa (1789) e da Independência dos Estados Unidos (1776),
a inconfidência Mineira (1789), a Revolta dos Alfaiates (1798), na Bahia,
86 e a Revolta de 1817, em Pernambuco, tinham como bandeiras questões
como a igualdade, liberdade e, especialmente na última, de noções de
direitos sociais e políticos.
O período colonial termina, em 1822, sem que a maior parte da população
tenha garantido seus direitos civis e políticos (Carvalho, 2008).

Características da formação do Brasil


- Colônia portuguesa.
- Ocupação do território com fins extrativistas.
- Sociedade agrária.
- Mão de obra escrava.
- Divisão social hierarquizada.
- Predominância do latifúndio.
- Sobreposição dos interesses privados sobre os interesses públicos.

6.3 A independência e a formação


do Estado

A organização social e política portuguesa, de caráter absolutista,


não foi abandonada pelo Brasil nem mesmo após a declaração de

A trajetória da cidadania no Brasil: obstáculos


independência. Pelo contrário, o que se viu foi a continuidade da forma de
organização do Estado português. A Assembléia Constituinte de 1823, a

e a formação do Estado e da sociedade


primeira do novo país, inicialmente com um caráter liberal, acabou sendo
dissolvida em 12 de novembro. O então Imperador do Brasil, Dom Pedro
I, coadjuvado por grupos de interesse, dissolveu a Constituinte e colocou
no seu lugar um Conselho de Estado, integrado por representantes dos
interesses das forças armadas, comerciantes e burocratas (funcionários).
O Estado foi implantado e não construído a partir da sociedade. O
grupo detentor do poder, formado por aristocratas, grandes fazendeiros
e comerciantes, monopolizou o interesse público, mantendo o modelo
anterior, com características autoritárias, centralização do poder e benefícios
públicos para grupos e elites, em detrimento de políticas que viessem a ser
úteis para todas as camadas da população (Uricoechea, 1978).
A Constituição do Império, outorgada em 1824, foi elaborada pelo
87
Conselho do Estado. A criação de quatro poderes, o Legislativo, Executivo
e Judiciário, controlados pelo Poder Moderador, principal contribuição do
texto, colocou o poder nas mãos de Dom Pedro. O governo implantado era
centralizado e autoritário, reprimindo a oposição e produzindo benefícios
para os aliados. As instituições políticas, base do país, foram criadas de
cima para baixo, com interesses particulares bem determinados, e com a
inexistência de instituições formais originadas pela realidade econômica
e social. A própria concepção do Estado não representou uma ruptura
com Portugal (Schwartzman, 1988).
No texto constitucional, há a regulação dos direitos políticos,
estabelecendo quem podia exercer o voto e ser votado (apenas homens
maiores de 25 anos com renda a partir de 100 mil-réis). Mesmo
considerando que grande parte da população masculina livre pudesse
votar, 85% eram analfabetos e mais de 90% da população geral vivia em
áreas rurais, sob controle dos grandes proprietários e, entre os moradores
nas cidades, muitos eram funcionários públicos e dependiam do governo.
Além disso, havia a pressão da Guarda Nacional, organização militarizada
formada pela população adulta masculina e com oficiais escolhidos pelo
governo central entre os mais ricos de cada município. Em 1881, o direito
ao voto passa a ser mais limitado ainda, com a proibição da participação
dos analfabetos (Carvalho, 2008).
O cidadão era o nobre ou o burguês (Fernandes, 1979). Apenas esses
A trajetória da cidadania no Brasil: obstáculos

tinham o direito de representação e manifestação da opinião pública.


A ordem social, portanto, excluía brancos pobres e negros, os quais
e a formação do Estado e da sociedade

representavam a maioria da população.


A concepção do Estado, nesse caso, está fora da sociedade,
embora a integre, sendo implantada de cima para baixo. Além disso,
não há uma delimitação entre a ordem pública e a ordem privada
(Schwartzman, 1988).
A independência não produziu um processo de ruptura no país. Pelo
contrário, significou a continuidade da organização política e social do
período colonial, sem alterar a estrutura e mantendo o poder, apesar do
discurso liberal, e os elementos hierárquicos da sociedade (Uricoechea,
1978). Assim, o poder dos proprietários de terras foi reforçado, junto
com o de outros poucos grupos, criando um sistema oligárquico que se
88 manteve até o século XX.
Ou seja, características presentes na época colonial permaneceram
pós-independência (Carvalho, 2008). Entre elas, estão a escravidão, o
latifúndio e o Estado centralizado, autoritário e sem caráter público,
as quais obstaculizam o estabelecimento da cidadania, especialmente
em relação aos direitos civis, considerados como básicos segundo a
perspectiva de Marshall (1967).

Organização social e política do Brasil


- Vinda da família real em 1808.
- Implantação da estrutura absolutista portuguesa.
- Independência de Portugal em 1822.
- Manutenção do modelo de Estado português.
- Centralização.
- Patrimonialismo – uso do patrimônio público por setores
privados.
- Coronelismo – poder exercido pelos proprietários rurais e grandes
comerciantes.
- Clientelismo – relações políticas baseadas na troca de favores e
benefícios por apoio.
- Controle político e social pelos coronéis.
- Política de base local.

A trajetória da cidadania no Brasil: obstáculos


- Altas taxas de analfabetismo e de miséria.
- Direitos civis e políticos precários e restritos.

e a formação do Estado e da sociedade

6.4 Obstáculos para o desenvolvimento


da cidadania

O uso do trabalho escravo foi a base da economia brasileira por mais


de 350 anos. Situação que simboliza a característica desigual e assimétrica
da organização social e política do país. Sua mão de obra era utilizada
tanto nas áreas rurais, engenhos de cana-de-açúcar e fazendas, quanto
nos núcleos urbanos. Portanto, não é possível abordar a cidadania em
um ambiente escravocrata.
89
Mesmo depois da proibição do tráfico, em 1850, e da abolição da
escravidão, em 1888, o impacto dos mais de três séculos de escravidão
manteve-se, especialmente no processo de construção da cidadania.
Os escravos eram indivíduos aos quais os direitos civis à liberdade
e igualdade eram inacessíveis formalmente. Depois da abolição, muitos
tiveram de se submeter a baixos salários em fazendas e nas cidades.
Da mesma forma, não ocorreram ações, no âmbito do Estado, para
oferecer uma estrutura mínima para os ex-escravos, em relação as
suas condições de sobrevivência (Carvalho, 2008). Portanto, depois
de libertos, os direitos continuaram, em geral, inacessíveis, já no final
do século XIX.
Outro ponto importante que atrasou o processo de formação da
cidadania e efetivação de direitos, no período colonial e no Império, era a
concentração da propriedade, especialmente a rural, nas mãos de poucos.
O latifúndio era traduzido pelo poder exercido pelos proprietários, os
quais atuavam, muitas vezes, controlando os trabalhadores e agindo no
lugar do Poder Público (Carvalho, 2008).
A propriedade e o acúmulo de capital, junto com outros fatores,
sustentavam o coronelismo, sistema que, ao sobrepor o interesse
privado ao público, colocou os proprietários rurais e comerciantes ricos
como comandantes da Guarda Nacional, criada em 1831. Poder que os
A trajetória da cidadania no Brasil: obstáculos

transformou em chefes da política local, com poder de polícia e controle


social (Carvalho, 2007).
e a formação do Estado e da sociedade

Com isso, é estabelecido um acordo entre o poder do Estado e o poder


privado, formando o sistema patrimonialista, no qual o primeiro distribui
o patrimônio público (incluindo terras e títulos de nobreza) a particulares.
Em troca, o governo recebe a lealdade e o apoio dos beneficiados,
efetivando uma relação política integrada por súditos, e não cidadãos, que
obtêm benefícios através de um sistema de trocas, no modelo clientelista
(Carvalho, 2007).
Mesmo considerando essas características, é possível sistematizar
um conjunto de mobilizações, principalmente nos séculos XVIII e
XIX, que visavam confrontar alguma decisão tomada pelo governo
ou mesmo por insatisfação pelo tipo de organização política, falta
90 de liberdade e de igualdade (Gohn, 2003). A sistematização inclui
as revoltas contra a escravidão, lutas contra impostos, em defesa de
ideários republicanos ou monárquicos e pela independência. Muitas
dessas mobilizações possuíam características liberais e republicanas,
casos da inconfidência Mineira, em 1789, a Revolução Pernambucana de
1817, a Confederação do Equador, em 1824, e, entre outras, a Revolução
Farroupilha, em 1835.
No período colonial, as mobilizações em torno da cidadania tinham
como foco a revolta dos escravos e a independência política e a autonomia
do Brasil, confrontando o domínio português. Já durante o Império,
efetivaram-se as lutas pelo trabalho livre e as rebeliões de caráter regional
(Gohn, 2003).
Portanto, o período da colonização, a formação do Estado e da
sociedade influenciaram de maneira decisiva o tipo de organização
política e social do Brasil, impossibilitando o surgimento de condições
mínimas para a cidadania. São exemplos desse contexto a escravatura,
a concentração da propriedade da terra, as relações de cunho
patrimonialista e clientelista entre o Estado e os interesses particulares.
Os conceitos de interesse público, liberdade e igualdade não eram,
em geral, aplicados. O Estado era controlado pelo poder privado e a
liberdade e os direitos civis, quando não inexistentes, eram restritos,
assim como os direitos políticos, com sistemas eleitorais, no período do

A trajetória da cidadania no Brasil: obstáculos


Império, também sob controle das lideranças locais.

e a formação do Estado e da sociedade


Impasses para a cidadania no período colonial e Império
- Existência de trabalho escravo.
- Estado com estrutura absolutista e autoritária.
- Elevados índices de analfabetismo.
- Exclusão política da maior parte da população.
- Liberdade e igualdade limitada.
- Poder privado prevalecendo sobre o poder público.
- Baixos índices de urbanização e industrialização.
- Direitos civis e políticos restritos.
- Direitos sociais inexistentes.

91
Referências

CARVALHO, José Murilo de. Cidadania no Brasil – o longo caminho.


10. ed. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2008.
CARVALHO, José Murilo de. Fundamentos da política e da
sociedade brasileiras. In: AVELAR, Lúcia e CINTRA, Antônio
Octávio (orgs.). Sistema político brasileiro: uma introdução. 2. ed. São
Paulo: K. Adenauer e UNESP, 2007. p. 19-31.
FAORO, Raymundo. Os donos do poder: a formação do patronato
político brasileiro. 9.. ed. São Paulo: Globo, 1991.
FERNANDES, Florestan. Mudanças sociais no Brasil. São Paulo:
Difel, 1979.
GOHN, Maria da Glória. História dos movimentos e lutas sociais
- A construção da cidadania dos brasileiros. 3. ed. São Paulo:
Loyola, 2003.
MARSHALL, T. H. Cidadania, classe social e status. Rio de Janeiro:
Zahar, 1967.
PRADO Jr., Caio. Evolução política do Brasil – Colônia e Império. 21.
ed. São Paulo: Brasiliense, 1994.
SCHWARTZMAN, Simon. Bases do autoritarismo brasileiro. 3. ed. Rio
de Janeiro: Campus, 1988.
A trajetória da cidadania no Brasil: obstáculos

SAES, Décio. A formação do estado burguês no Brasil (1888-1891). 2. ed.


e a formação do Estado e da sociedade

Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1990.


URICOECHEA, Fernando. O minotauro imperial. São Paulo:
Difel, 1978.

Questões

1) Aponte as diferenças principais entre as origens do processo de


cidadania no Brasil, no período colonial e Império, e na Europa e
Estados Unidos do século XVIII.
2) Indique características sobre a questão dos direitos no Brasil do século
92
XVI ao XIX.
7
Avanços, retrocessos
e a regulação
da cidadania
A Proclamação da República não foi suficiente para estabelecer um
avanço decisivo da cidadania no Brasil. Apesar de algumas mudanças que
ocorreram ao longo das primeiras décadas do regime, foram mantidas as
características patrimonialistas e um sistema político baseado em interesses
regionais e na prática do coronelismo, com fortes restrições aos direitos
civis, políticos e sociais. A situação muda a partir de 1930, com a chegada
de Getúlio Vargas à presidência, período no qual a ênfase foi colocada na
execução de políticas sociais sustentadas na legislação trabalhista, cerne
do conceito de cidadania regulada. Ao mesmo tempo, há um processo
de modernização do país, com desenvolvimento industrial e aumento da
população residente nos centros urbanos.
Esse contexto, que inclui a quebra da sequência de direitos definida por
Marshall (Carvalho, 2008) e implica colocação do Estado, enquanto centro
da organização política e social, com grande capacidade de intervenção
e regulação, é o tema deste capítulo, integrado, ainda, pelo período de
democracia limitada de 1945 a 1964.

7.1 República sem direitos?

Avanços, retrocessos e a regulação da cidadania


A importância do caráter patrimonialista, autoritário e clientelista do
Estado brasileiro, já desde o Império, mantém-se na República, proclamada
em 1889. As características do sistema político e social, incluindo partidos
políticos regionalizados, estrutura oligárquica, desigualdade, classe média
pequena, concentração de renda e da propriedade rural, entre outras,
possuem um peso grande na reduzida possibilidade de institucionalização
da participação da sociedade (Trindade, 1985). A principal consequência é a
formação de uma ordem republicana sem considerar, de maneira decisiva, a
questão dos direitos individuais, fundamentais na concepção da cidadania.
Portanto, a República não altera o sistema de dominação política
baseado nas oligarquias rurais (grandes proprietários rurais e pecuaristas,
os ‘coronéis’, tinham poder de mando regionalizado em um sistema de
acordo com o poder central). O período, todavia, também possui o impacto
dos efeitos de modernização proporcionados pelo fim do trabalho escravo,
95
em 1888, e do começo de um processo de industrialização e urbanização.
A Constituição republicana de 1891 definiu o voto de homens com mais
de 21 anos, ficando de fora, por exemplo, mendigos e analfabetos e um
conjunto de direitos civis. Os direitos sociais não são sequer mencionados
(Luca, 2005).
O Brasil, até 1930, era um país majoritariamente agrário. Apenas 16,6%
da população viviam em cidades com mais de 20 mil habitantes, sendo que
70% trabalhavam em atividades agro-pastoris (Carvalho, 2008). Contexto
que, somado ao analfabetismo, a reduzida escolaridade da maioria da
população e as poucas possibilidades de organização política, não permitia
o estabelecimento de um conjunto de direitos essenciais para a cidadania.
O sistema político baseado no coronelismo obstaculiza os direitos
políticos, impossibilitando a participação política. Antes, porém, os
direitos civis igualmente são precários, pois, nas propriedades rurais, o
‘coronel’ determinava o que podia e o que não podia ser feito. Ao mesmo
tempo, o chefe político local, em troca de apoio aos governos, podia indicar
quem iria exercer as funções públicas, incluindo o delegado e juiz, o que
significa um domínio na sociedade e impede ou reprime as organizações
políticas de oposição (Carvalho, 2008).
A existência dos poderes públicos, Judiciário, Executivo e Legislativo,
sob controle privado dos coronéis, reforça sua incidência em relação aos
direitos de ir e vir, de propriedade, a segurança, a liberdade de organização
Avanços, retrocessos e a regulação da cidadania

e expressão (Carvalho, 2008). Os princípios da cidadania definidos pela


doutrina liberal que asseguram a liberdade e a igualdade de todos perante
a lei, não fazem parte desse tipo de estruturação social.
Sem direitos civis, inclusive o de livre organização, mobilização e
manifestação, os direitos políticos, mesmo que parcela da população
tivesse direito ao voto, não poderiam ser efetivados. E sem os dois, os
direitos sociais tornam-se ainda mais restritos.

Características da República Velha (1889-1930)


- Predomínio do setor agrário-exportador.
- Patrimonialismo e coronelismo.
- Domínio das oligarquias agrárias.
- Política regionalizada, sem uma compreensão nacionalizada.
- Restrições aos direitos civis e políticos.
96 - Quase inexistência de políticas sociais públicas.
7.2 A Revolução de 1930 e a modernização

Nas primeiras quatro décadas do regime republicano as mudanças


sociais e políticas, em relação ao Império, foram poucas e vagarosas. Quando
inicia a década de 1930, todavia, a velocidade das transformações aumenta.
A aceleração do ritmo das mudanças começa com a necessidade de fabricar
no país produtos antes importados, devido às consequências da 1ª Guerra
Mundial (1914-1918), da Revolução Russa de 1917, cujo ideário socialista
motivou forças políticas no Brasil, e da crise de 1929, a qual foi provocada
pela quebra da bolsa de valores de Nova York, prejudicando a exportação
do principal produto da economia brasileira, o café (Carvalho, 2007).
As mudanças possuem, ainda, motivações que ocorreram no
ambiente interno do Brasil. Entre elas, está o abalo, proporcionado pela
crise econômica de 1929, no predomínio do setor agrário-exportador,
que sustentava as relações políticas de caráter oligárquico, regional,
patrimonialista e coronelista, sob o predomínio dos Estados de São
Paulo e Minas Gerais, com baixa noção de um interesse nacional
(Fausto, 1978).
As transformações no contexto sócio-econômico também iniciam a partir
de investimentos crescentes na indústria. Em 1907, segundo o Censo da

Avanços, retrocessos e a regulação da cidadania


época, o país tinha 3.258 estabelecimentos desse tipo e, treze anos depois,
já existiam 13.340 (Sodré, 1997). Outro fator importante é o primeiro grande
revés da economia agrícola exportadora, na 1ª Guerra Mundial, reduzindo
o mercado externo para a produção. Assim, o mercado interno começa a
ganhar corpo e peso econômico. A queda da Bolsa de Nova York, em 1929,
jogou para baixo o preço do café e diminuiu ainda mais as exportações.
Por isso, novamente há um reforço ao processo de industrialização, o qual
atingiria seu ápice na década de 1950 (Sodré, 1997).
Em 1907, 20% do valor líquido da produção física do país já provinha
da indústria (Saes, 1990). O restante continuava sendo produzido pelo
setor agro-pastoril.
O aumento da participação da indústria na economia brasileira,
confirmado pela abertura cada vez maior de estabelecimentos industriais e
comerciais, mesmo não afetando diretamente o predomínio das oligarquias
rurais, criou situações novas nas relações sociais. A primeira delas é a 97
formação de sindicatos e organizações de trabalhadores, as quais realizaram
várias mobilizações e greves nas duas primeiras décadas do século. Entre
1900 e 1910, ocorreram 111 paralisações. O número dobraria nos próximos
dez anos, quando houve 258 manifestações grevistas (Rezende, 1994).
Essas alterações, porém, não chegaram a atingir o país todo, ficando
concentradas nos grandes centros urbanos. No interior e municípios
menores, o poder das oligarquias continuava intacto.
Assim, grupos sociais urbanos, incluindo operários, classe média e setores
das Forças Armadas iniciam um processo reivindicatório por mudanças e,
em um determinado sentido, por direitos, especialmente no âmbito das
relações trabalhistas. Episódios como A Semana de Arte Moderna de
1922, o Tenentismo (1922-1927), a Coluna Prestes (1925-1927) e a oposição
ao predomínio de São Paulo e Minas Gerais (e o próprio rompimento da
aliança entre os dois estados) na política nacional também contribuíram de
maneira decisiva para as mudanças que ocorreram no país, principalmente
na década de 1920, e que foram importantes para a ascensão de Getúlio
Vargas à presidência da República, através da Revolução de 1930.
O ano de 1930 marca a ruptura, em muitos aspectos, das características
sociais e políticas do Brasil. Na economia, a crise de 1929 e, mais tarde,
a 2ª Guerra Mundial (1939-1945) ampliaram uma tendência já presente
Avanços, retrocessos e a regulação da cidadania

antes, ou seja, a necessidade de produzir bens industrializados até então


importados. O processo de industrialização foi, ao longo das décadas
seguintes, aumentando e tornando mais plural a produção econômica,
não apenas voltada para exportações (Carvalho, 2007).
Os avanços no setor industrial são acompanhados por mais um fator
de modernização no Brasil, a urbanização. Em quarenta anos dobra a
população que vive nos centros urbanos, passando de cerca de 20%, em
1920, para 45% em 1960. No ano 2000, 80% da população viviam nas
cidades (Carvalho, 2007).

7.3 A cidadania regulada

O processo de modernização, em parte desencadeado pelo governo


98
de Getúlio Vargas, produziu mudanças relevantes no campo dos direitos
sociais. A criação do Ministério do Trabalho, indústria e Comércio, um
dos primeiros atos de Vargas, e de uma extensa legislação trabalhista,
que redunda na Consolidação das Leis Trabalhistas (CLT), em 1943, são
exemplos desse novo contexto, no qual o Estado passa a exercer o poder
de determinação e intervenção na economia e sociedade.
Pela primeira vez no período republicano há a implantação de políticas
de cunho social. Afora a legislação trabalhista, que regulamentou a jornada
de trabalho de 8 horas, o direito de férias, criou o salário mínimo e, entre
outros, as aposentadorias, também houve o estabelecimento de institutos
de previdência social e investimentos nas áreas de saúde e educação.
A principal característica dessas mudanças, no entanto, é a colocação do
Estado como regulador das relações sociais e políticas, diferente da perspectiva
predominante na República Velha, na qual as intervenções estatais nas áreas
sociais e trabalhistas não ocorriam. A partir de 1930, o Estado torna-se o centro
regulatório e determinante, com poder de intervenção direta na organização
social, política e econômica da sociedade.
Ao mesmo tempo em que ocorre um processo de modernização,
portanto, o Estado passa a ter uma marcante característica regulatória.
Um dos pilares dessa estruturação está no conceito de cidadania regulada
(Santos, 1987). A cidadania pós-1930, nessa perspectiva, é definida

Avanços, retrocessos e a regulação da cidadania


considerando o sistema de trabalho estabelecido por uma norma legal. Ou
seja, são cidadãos os indivíduos que exercem uma ocupação reconhecida
e delimitada pela legislação, vinculando o exercício de uma função no
campo do trabalho com a cidadania, cuja expansão se deu mediante a
regulamentação de uma série de profissões e a criação de outras, sempre
com a respectiva correspondência no sentido dos benefícios ocasionados
pelos direitos trabalhistas (Santos, 1987).
Essa visão da cidadania não possui vínculos com um ideário que considere
os valores políticos ou a simples posição do indivíduo em uma comunidade,
como ocorria com a doutrina liberal do século XVIII. Por consequência,
delimita como cidadãos apenas os indivíduos que exercem uma ocupação
profissional reconhecida e regulada por lei. São pré-cidadãos todos os demais,
os quais possuem ocupações de caráter difuso e não regulamentado, caso dos
trabalhadores da área rural, desempregados e aqueles que exercem atividades
informais ou não estabelecidas em lei (Santos, 1987). 99
Portanto, a regulamentação das profissões, a instituição da carteira de
trabalho e do sindicato público são os três paradigmas para a definição
da cidadania. E a regulamentação feita pelo Estado define os direitos dos
cidadãos, uma decorrência da legislação trabalhista. As políticas sociais,
especialmente no campo previdenciário, tiveram como base a ideia de
uma cidadania regulada pelas questões trabalhistas.

7.4 A inversão na sequência dos direitos

A compreensão moderna da cidadania, cujo ponto de partida remonta


à formação do Estado nacional na Europa Ocidental do século XVIII e ao
ideário liberal, considera a conquista dos direitos civis, políticos e sociais
a partir de uma ordem sequencial (Marshall, 1967).
Em outras palavras, os direitos civis (vida, liberdade, propriedade e
igualdade perante a lei) são imprescindíveis para a ocorrência dos direitos
políticos (votar e ser votado, organizar partidos e, entre outros, liberdade
de manifestação). Podem existir cidadãos com direitos civis e sem direitos
políticos. Contudo, a inexistência dos direitos civis de liberdade de opinião
e organização, por exemplo, torna impraticável a efetivação dos direitos
Avanços, retrocessos e a regulação da cidadania

políticos.
Em síntese, os direitos civis são essenciais para o exercício dos direitos
políticos e ambos são imprescindíveis para a constituição dos direitos
sociais (saúde, aposentadoria, educação e, entre outros, salário justo).
A importância, nesse ponto de vista, da sequência reside na consideração
dos direitos civis enquanto fundamentais para a vida em sociedade; dos
direitos políticos como garantidores da participação dos cidadãos no governo
e os direitos sociais no compartilhamento da riqueza produzida na sociedade.
Portanto, os direitos políticos são inviáveis sem os direitos civis e os sociais se
efetivam a partir da liberdade de organização e participação política.
A ocorrência de direitos sociais sem os dois outros tipos antecedentes
pode acarretar que o seu conteúdo e amplitude sejam definidos em bases
não democráticas (Carvalho, 2008). Cuja implicação estabelece uma relação
arbitrária entre governantes e governados, usando como moeda de troca
100 a execução de políticas sociais em troca de submissão e apoio.
O exercício dos direitos civis abre Caminho para a reivindicação de
participação política, de formar partidos, de representação política legitimada
em eleições livres e de escolher governantes. A participação no âmbito
da política, por sua vez, permite que o eleitorado escolha os partidos que
apresentem propostas de acordo com suas demandas, incluindo as reivindações
por políticas sociais, estabelecendo os três tipos de direitos (Marshall, 1967).
Porém, o percurso da cidadania na Inglaterra, nos séculos XVIII, XIX
e XX, na perspectiva de Marshall, possui diferenças importantes com
a experiência de outros países, sem afetar a concepção de cidadania. A
alteração da sequência, tendo como parâmetro a análise de Marshall, no
entanto, muda o resultado.
Na trajetória brasileira, principalmente depois de 1930, primeiro
foram definidos os direitos sociais, no período de 1930 a 1945, a partir do
estabelecimento da legislação trabalhista e da política previdenciária. Há
uma inversão no parâmetro delimitado por Marshall, pois as leis sociais não
foram produto da ampliação da participação e da organização política da
sociedade. A maior parte delas foi estabelecida, inclusive, durante o período
autoritário do Estado Novo (1937-1945), quando a política social foi utilizada
como um dos elementos de controle social (Carvalho, 2008).
Os direitos sociais, nesse sentido, precederam os direitos civis e
políticos, os quais, em sentido pleno, apenas seriam adquiridos no final da

Avanços, retrocessos e a regulação da cidadania


década de 1980, após a Constituição de 1988. Antes, no período 1945 a 1964,
o país passou pela primeira tentativa de democratização, limitada pela
cassação do direito de organização do Partido Comunista Brasileiro, em
1947, e pelas constantes intervenções em sindicatos e outras organizações
políticas, proibindo greves e manifestações públicas (Luca, 2005).
Nesses cerca de 19 anos, sucedendo o Estado Novo, o voto foi ampliado
aos brasileiros e brasileiras maiores de 18 anos e alfabetizados. Entretanto,
60% da população, em 1950, não era alfabetizada, o que colocava os
percentuais de participação eleitoral em níveis que nunca superaram 20%
da população até a década de 1960 (Luca, 2005).
As mulheres (apenas as casadas – com autorização do marido –, viúvas
e solteiras com renda própria), desde 1932, tinham direito ao voto, embora
tenham exercido-o por poucos anos devido ao início do período autoritário,
em 1937. Já os analfabetos apenas tiveram assegurado o seu direito a escolher
101
os governantes e parlamentares na Constituição de 1988.
A cidadania pós-1930
- Políticas sociais sem efetivação de direitos políticos e civis.
- Estado com poder de controle da organização política e social.
- Processo de modernização, urbanização e industrialização.
- Cidadania regulada e vinculada a regulamentação do trabalho e
das profissões.
- Consolidação dos direitos trabalhistas e previdenciários.
- Democracia limitada (1945-1964).
- Extensão do direito ao voto às mulheres (1932).
- Baixa participação eleitoral (analfabetos não têm direito ao voto).

7.5 Os direitos e a crise do período


pré-1964

As mudanças, em relação ao Estado Novo, foram restritas na questão


da expansão da cidadania, onde é mantido o princípio da prática da
regulamentação das profissões e da legislação trabalhista (Santos, 1987).
Os processos eleitorais envolvem uma pequena parcela da população e
Avanços, retrocessos e a regulação da cidadania

o direito de organização política e livre manifestação é constantemente


reprimido. Os sindicatos e demais organizações sociais, ao mesmo tempo
em que dispõem de uma maior liberdade de reivindicação, têm de enfrentar
a política repressiva do governo de Eurico Gaspar Dutra (1946-1950).
No governo do presidente Juscelino Kubitschek (1956-1960) a
produção industrial obteve, de 1955 a 1961, um crescimento de 80%.
Implantando uma política de nacionalismo desenvolvimentista, houve
uma aproximação com um modelo econômico voltado para obter, de
maneira rápida, a maior taxa de crescimento possível, incentivando a
expansão dos setores privados e públicos (Skidmore, 1982).
Todavia, a situação começa a mudar em 1959, com o crescimento da
oposição ao governo federal provocada, também, pela aproximação da
sucessão presidencial. Contexto que envolvia o aumento das reivindações
de setores politicamente organizados da população, especialmente
102 os ligados aos sindicatos e partidos de esquerda, e pela incapacidade
de o Estado, em parte devido à crise econômica do final da década de
1950, em apresentar respostas às demandas por políticas sociais e maior
democratização (Skidmore, 1982).
Esse contexto de crise perduraria até 1964, provocado, em parte, pelo
escoamento dos conflitos sociais de maneira externa às instituições políticas
herdadas do Estado Novo, resultando no aumento da radicalização das
reivindações e na pouca capacidade do Estado em gerar recursos e
alternativas (Santos, 1987). Ou seja, a associação entre crise econômica,
aumento da mobilização e inoperância das instituições políticas e sociais
gerou uma incompatibilidade com a ordenação da cidadania regulada,
modelo definido no período Vargas. O conflito foi uma das causas do
golpe de 1964, que retirou João Goulart da presidência e estabeleceu um
regime ditatorial no país.
A evolução da cidadania no período republicano, portanto, passou
por avanços e retrocessos. Na primeira fase, durante a República Velha,
de 1889 a 1930, o predomínio das oligarquias agrárias, o coronelismo e o
patrimonialismo contribuíram de maneira decisiva para as restrições aos
direitos civis e políticos. Não são asseguradas as liberdades de organização
política, manifestação e bem-estar. Também não há uma concepção
nacional do país, então controlado por elites regionais. O Estado, além

Avanços, retrocessos e a regulação da cidadania


disso, não age no sentido de produzir políticas sociais.
Depois da Revolução de 1930, o Estado passa a ter um poder de
intervenção direta na sociedade e na economia. Tendo por base a
regulamentação do trabalho, são definidos os parâmetros do tipo de
relação estabelecido com os indivíduos, a partir do controle social
implementado pela regulação da cidadania, expandindo os direitos
para os indivíduos integrantes do mercado de trabalho regulamentado
pela legislação.
Ao mesmo tempo, o país passa por um processo de modernização, com
desenvolvimento industrial e aumento da população nos centros urbanos.
Os direitos sociais precedem os direitos políticos e civis, implicando na
efetivação de um sistema no qual o apoio ou mesmo a submissão ao
governo é obtido a partir da efetivação de políticas de alcance social,
estabelecendo um modelo de dominação política com forte intervenção
do Estado. Situação que não teve alterações expressivas até 1964. 103
Referências
CARVALHO, José Murilo de. Cidadania no Brasil – o longo caminho.
10. ed. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2008.
CARVALHO, José Murilo de. Fundamentos da política e da
sociedade brasileiras. In: AVELAR, Lúcia e CINTRA, Antônio
Octávio (orgs.). Sistema político brasileiro: uma introdução. 2. ed. São
Paulo: K. Adenauer e Unesp, 2007. p. 19-31.
FAUSTO, Boris. A Revolução de 30. In: MOTA, Carlos Guilherme (org.).
Brasil em perspectiva. Rio de Janeiro e São Paulo: Difel, 1978. p. 227-55.
HARDMAN, Foot e LEONARDI, Victor. História da indústria e do
trabalho no Brasil. 2. ed. São Paulo: Ática, 1991.
LUCA, Tânia Regina de. Direitos sociais no Brasil. In: PINSKY, Jaime
e PINSKY, Carla Bassanesi (orgs.). História da cidadania. São Paulo:
Contexto. 2005. p. 469-93.
MARSHALL, T. H. Cidadania, classe social e status. Rio de Janeiro:
Zahar, 1967.
REZENDE, Paulo Antonio. História do movimento operário no Brasil.
3. ed. São Paulo: Ática, 1994.
SAES, Décio. A formação do estado burguês no Brasil (1888-1891). 2. ed.
Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1990.
SANTOS, Wanderley Guilherme dos. Cidadania e justiça – a política
Avanços, retrocessos e a regulação da cidadania

social na ordem brasileira. Rio de Janeiro: Campus, 1987.


SKIDMORE, Thomas. Brasil: de Getúlio a Castelo (1930-1964). Rio
de Janeiro: Paz e Terra, 1982.
SODRÉ, Nelson Werneck. Capitalismo e revolução burguesa no Brasil.
2. ed. Rio de Janeiro: Graphia, 1997.
TRINDADE, Hélgio. Bases da democracia brasileira: lógica liberal e
práxis autoritária (1822-1945. In: ROUQUIÉ, Alain; LAMOUNIER,
Bolivar e SCHVARZER, Jorge (Orgs.). Como renascem as democracias.
São Paulo: Brasiliense, 1985.

Questões
1) Analise o conceito de cidadania regulada.
2) Aponte as implicações do patrimonialismo e do coronelismo na
104
questão dos direitos políticos.
8
A cidadania
no regime autoritário
de 1964 a 1985
Depois de um período democrático com uma série de limitações, o
Brasil entra, em 1964, em mais uma sequência de governos autoritários. Este
capítulo propõe a análise de alguns temas decorrentes da interrupção dos
processos de mobilização social por regimes políticos de caráter autoritário,
como o Estado Novo (1937-1945) e o regime militar (1964-1985). É importante
salientar as semelhanças (além das várias diferenças) entre os dois períodos,
entre as quais o desenvolvimento de medidas modernizantes, tais como
industrialização e urbanização, junto com limitações dos direitos civis e
políticos. Outro ponto comum é a tentativa de angariar apoio da população
através da concessão de políticas sociais.
O capítulo também delineia algumas das características do regime
instaurado em 1964 e outros elementos que constituíram o processo de
transição para a democracia, em meados da década de 1980.

8.1 O impacto na cidadania


das alternâncias entre mobilização
social e autoritarismo

A cidadania no regime autoritário de 1964 a 1985


O desenvolvimento político do Brasil oscilou, ao menos até o final
da década de 1980, entre períodos de mobilização social e mudanças no
regime político voltadas às restrições das liberdades. É possível detectar
uma relação de causa e consequência entre a participação da cidadania
mobilizada e as mudanças institucionais que, em 1964, geraram a ascensão
do regime autoritário (Rodrigues, 2001).
Antes, a mobilização de setores da sociedade nas décadas de 1920 e
1930 foi sucedida pelo período autoritário do Estado Novo, em 1937. Há,
portanto, uma descontinuidade no processo de participação política da
sociedade, ocasionado pelas rupturas de caráter autoritário.
Do ponto de vista da cidadania, regimes políticos autoritários impõem
restrições aos direitos civis e políticos. Ao mesmo tempo, também podem
fazer uso de determinadas políticas sociais no sentido de angariar apoio
e manter setores sociais sob controle, caso do governo de Getúlio Vargas
com a legislação trabalhista, e do governo militar instaurado em 1964
107
com a universalização da previdência social. Outra questão importante é
o processo de modernização, ocorrido nas décadas de 1940, 1950 e 1970,
através de desenvolvimento industrial e aumento da população nos centros
urbanos, que não teve impacto na formação e manutenção de mecanismos
capazes de ampliar os direitos e a cidadania num ambiente democrático.
A concepção democrática da política brasileira, ainda que com
limitações, do período iniciado em 1945, ingressa, a partir de abril de
1964, em duas décadas de recesso. As restrições aos direitos políticos
e civis, entre outras medidas, colocaram a sociedade em um estágio de
reduzida organização social e política, na medida em que as instituições
com algum grau de representatividade ou foram extintas, ou tiveram
suas atividades suspensas e limitadas, caso dos partidos, entidades
estudantis e sindicatos (Santos, 1987).
O principal resultado desses fatores encontra-se, numa visão mais
geral, na permanência da concepção da cidadania sem um caráter público
e universal. Considerando essa perspectiva, grande parte da população
não tinha direitos civis e, mais importante, a questão não integrava a
agenda dos sucessivos governos militares (Santos, 1987).
A lógica do regime de 1964, especialmente depois de 1968, era primeiro
produzir alto crescimento econômico e um processo de acumulação
estável. Apenas após a efetivação dessa fase se pensaria em alguma
A cidadania no regime autoritário de 1964 a 1985

maneira de discutir a participação ampliada nos seus benefícios.


Nesse sentido, o conceito de cidadania regulada, aplicado ao período
anterior a 1964, encontra um patamar ainda mais limitado, no qual
questões como justiça e direitos passaram a denotar o ponto de vista do
regime, isto é, não possuíam vinculação com os princípios clássicos da
cidadania, tais como igualdade e liberdade.
Também é importante considerar que, no caso brasileiro, a incidência
de políticas sociais ocorreu de maneira mais acentuada em períodos
autoritários, tanto no Estado Novo, quanto no regime de 1964,
especialmente depois de 1966 (Santos, 1987). Contexto que explicita duas
consequências. No período Vargas, há a expansão regulada da cidadania,
com os direitos sociais, antecedendo aos direitos políticos. No regime de
1964 ocorreu o impedimento ao exercício da cidadania política ocasionado
pela impossibilidade de a sociedade votar, escolher governantes e de
108 interferir na formulação das políticas públicas.
8.2 Características do regime
autoritário

As reformas de base identificadas com o nacional-populismo do


presidente João Goulart (1961-1964), junto com a participação política de
setores populares, foram confrontadas com um movimento civil e militar
conservador. Com isso, há a reorganização do empresariado, em parte já
associado com o capital internacional, acompanhado por outros setores
civis da sociedade, ambos apoiando a mobilização militar que derrubou
Goulart da presidência.
A crise que redundou na deposição de João Goulart, portanto, teve
como um dos pontos principais a rearticulação de grupos sociais no sentido
de produzir uma aliança capaz de mudar o modelo de desenvolvimento
econômico e social do período, em grande parte influenciado pela
estrutura efetivada por Getúlio Vargas. A saída encontrada por esses
grupos foi derrubar o sistema político em vigor desde 1945, com relativas
liberdades civis e políticas. A segunda medida do regime de 1964 tratou
de tornar o Poder Executivo capaz de estabelecer uma ordem repressiva,
desarticulando as organizações políticas que apresentavam as reivindações

A cidadania no regime autoritário de 1964 a 1985


do movimento sindical. O mesmo foi feito com forças de esquerda e setores
nacionalistas civis e militares.
O regime autoritário brasileiro que se estende de 1964 até 1984, possui
duas características importantes, a sua durabilidade e a capacidade de
adaptação ao contexto político, e pode ser divido em três fases (Velasco
e Cruz e Martins, 1984). A primeira vai de 1964 a dezembro de 1968.
Inicialmente, há certa característica liberal de pouca intervenção do Estado,
com medidas relativamente brandas, se comparadas com o que viria
depois, e propostas de reformas, incluindo a da administração pública,
agrária, sindical e previdenciária.
A junta militar que governou o país até a definição de Castelo
Branco como presidente, estabeleceu a figura do ‘Ato Institucional’,
medida criada pelo governo, não prevista na Constituição de 1946,
para embasar os chamados atos de exceção. Já em abril de 1964
foram abertos vários inquéritos policial-militares, os quais eram, em 109
geral, comandados por coronéis, com a meta de investigar atividades
consideradas subversivas.
Por decorrência, parlamentares tiveram seus mandatos cassados,
direitos políticos foram suspensos e funcionários civis e militares acabaram
sendo demitidos ou aposentados. Entre eles estavam os ex-presidentes
João Goulart e Jânio Quadros, além de lideranças como Luís Carlos Prestes,
Miguel Arraes e Leonel Brizola.
Em 1965 há um avanço nas medidas autoritárias, com a determinação
da retomada das cassações, o fim dos partidos políticos e a criação de
apenas dois (o Movimento Democrático Brasileiro, de oposição, e a Aliança
Renovadora Nacional, a Arena, o partido do governo ditatorial).
A segunda fase do governo autoritário começa no final de 1968, a partir
da edição, no dia 13 de dezembro, do Ato Institucional número 5 (AI-5),
uma resposta ao aumento da mobilização contra o governo autoritário
que ocorreu durante o ano.
O AI-5 visava controlar a sociedade, neutralizar opiniões contrárias
e produzir uma opinião favorável ao governo. Além disso, as medidas
tinham como meta terminar com a contestação ao regime, pelo menos a de
caráter mais difuso e vinculada à população em geral. Para tanto, foram
decretados o recesso e fechamento do Congresso Nacional, e o Poder
A cidadania no regime autoritário de 1964 a 1985

Executivo passou a ter a prerrogativa de cassar mandatos, decretar estado


de sítio e suspender garantias legais de liberdade de reunião e associação
(Velasco e Cruz e Martins, 1984).
Durante o período autoritário, as eleições ocorreram dentro do limite
definido pelo governo. Foram mantidas, em quase todo o período, eleições
para a Câmara dos Deputados, Senado, câmaras municipais, assembleias
legislativas e prefeituras (exceto capitais e áreas de segurança nacional –
cidades localizadas em zonas de fronteira com outros países, por exemplo).
O presidente da República e os governadores estaduais eram escolhidos
de maneira indireta.
A terceira etapa do regime autoritário estende-se de 1974 a 1985 e
estabelece, com idas e vindas um processo de transição para a democracia,
quando os militares deixam a presidência da República.
Em termos econômicos, na primeira etapa (governo Castelo Branco) o
110 regime militar implantou um modelo, em grande parte regido pelo próprio
mercado, baseado em algumas características liberais. Na segunda fase, já
nos governos Costa e Silva e Emílio Médici, há o aumento da participação
do Estado em termos de expansão econômica acelerada, o que produziu o
chamado milagre econômico, cujo crescimento chegou a 14% do Produto
interno Bruto (PIB) em 1973, colocando o país como a 8ª economia do
mundo (Velasco e Cruz e Martins, 1984). A desaceleração no aumento do
PIB, ocasionada em parte pela recessão mundial provocada pelas crises do
petróleo de 1973 e 1979, ganha corpo em 1977 e chega a índices negativos
em 1983 (Carvalho, 2008).
Protagonizado por forças heterogêneas que tinham posições diferentes
sobre vários temas e que também disputavam o poder entre si, o regime
não teve uma linha de conduta única. Ora avançava no sentido da
liberalização, ora recuava e aumentava a repressão.

O regime político de 1964


- Reforço do Poder Executivo e controle do Congresso Nacional.
- Presidente da República com poder de fechar o Congresso, decretar
estado de sítio e cassar mandatos.
- Censura.
- Suspensão de direitos políticos e civis.

A cidadania no regime autoritário de 1964 a 1985


- Aumento da importância do Conselho de Segurança Nacional e
criação do Serviço Nacional de informações.
- Estabilidade social sob repressão e um relativo dinamismo
econômico (em relação, principalmente, aos investimentos públicos
em obras e empresas).
- O Estado como regulador da economia.

8.3 A mobilização pela democratização

O longo período de transição iniciou na presidência de Ernesto Geisel


(1974-1979) e estendeu-se até 1989, quando ocorre a volta da eleição
direta para presidente da República. Um ano antes é promulgada a
Constituição Federal, estabelecendo novos parâmetros para as relações
111
sociais e políticas no país.
As eleições diretas para os níveis municipal, estadual e federal e a nova
Constituição fecham o ciclo da redemocratização, cujo processo inicia,
formalmente, quando o presidente Geisel anuncia, no seu discurso de
posse, em março de 1974, um projeto de liberalização, sem definir metas
e prazos e mantendo os amplos poderes do Poder Executivo (Velasco e
Cruz e Martins, 1984).
Dois marcos foram importantes, em 1974, para a desestabilização do
governo autoritário. O primeiro está no impacto da crise do petróleo,
ocorrida em 1973, que aumentou o preço dos combustíveis e deflagrou
o início da desaceleração do crescimento econômico. O segundo trata
da eleição de novembro, cujo contexto ganhou um fator de avaliação
do governo militar. Nesse pleito, a estratégia da oposição deixa de ser
o incentivo ao voto nulo ou branco e passa a ser a de apostar em seus
candidatos. O novo governo, diante dos resultados da economia e da
certeza de uma vitória da Arena, como vinha ocorrendo antes, resolveu,
para buscar algum tipo de legitimação popular, incentivar a participação
e reduzir os controles sobre a imprensa, liberando debates, por exemplo.
O resultado, no entanto, representou uma ampla vitória do MDB, que
venceu em 16 estados, elegendo 16 senadores (de um total de 22 cadeiras
disponíveis no pleito) e 160 dos 364 deputados federais (Velasco e Cruz
A cidadania no regime autoritário de 1964 a 1985

e Martins, 1984).
A partir daí, a liberalização oscila entre momentos de maior abertura
e outros de intensificação de medidas autoritárias, como a ocasionada
pelo chamado pacote de abril, em 1977, no qual o governo ditatorial
determina eleições indiretas para governadores e coloca o Congresso
Nacional em recesso, numa tentativa de retomar o controle sobre o
processo da transição. As medidas, no entanto, tiveram de enfrentar as
manifestações contrárias de entidades da sociedade civil, incluindo a
Ordem dos Advogados do Brasil e os movimentos sindical e estudantil
(Velasco e Cruz e Martins, 1984).
Nesse contexto, o governo tinha como alternativas retomar a repressão
e arcar com os altos custos políticos e sociais ou seguir com a inevitável,
devido ao aumento das mobilizações, liberalização. O sistema econômico-
social que produziu crescimento associado à concentração de renda
112
encontra pela frente uma crescente consciência política dos grupos sociais
no sentido da necessidade das mudanças (Souza, 1988).
A sociedade civil reorganiza-se na segunda metade da década de 70
com um conjunto de reivindações comuns a vários movimentos sociais.
Entre elas estava a volta do Estado de direito, a defesa de uma nova
Constituição e a anistia e liberdade para os presos políticos. A série de
greves, inicialmente deflagradas em Santo André, São Caetano e São
Bernardo do Campo, o ABC paulista, depois estendida por várias outras
cidades, respaldou o ressurgimento da mobilização social.
A transição para a democracia, mesmo que ainda sob controle do
regime autoritário, teve no ano de 1978 um dos ápices da mobilização
da sociedade civil, incluindo as manifestações pela anistia política. Nesse
contexto, são anunciadas medidas que reduziam o controle do Estado
sobre a sociedade, tais como o fim da censura prévia à imprensa, além
do restabelecimento da figura do habeas corpus para crimes políticos.
As cassações e o direito do presidente da República fechar o Congresso
Nacional igualmente foram proibidos (Velasco e Cruz e Martins, 1984).
Em dezembro de 1978 é extinto o Ato Institucional número 5, principal
instrumento de controle e arbítrio do governo. No ano seguinte, ocorre
a volta da liberdade de organização partidária, com o fim do sistema de

A cidadania no regime autoritário de 1964 a 1985


dois partidos, Arena e MDB.
A Campanha Diretas-Já, mobilização que tomou conta do país entre
janeiro e abril de 1984, defendia a eleição direta do presidente que
sucederia João Figueiredo em 1985. O Congresso, entretanto, não aprovou
a medida. A votação no parlamento foi feita sob um forte aparato militar,
com a Câmara e o Senado cercado por tropas e a vigência de medidas de
emergência.
Ainda que a ação dos movimentos sociais e de parte da população
tenha, em larga medida, contribuído para o desmantelamento do regime
autoritário, o veto à eleição direta para a presidência significou o limite
de liberalização e abriu Caminho para a negociação consolidada entre
a oposição tolerada pelo regime militar e os representares do próprio
regime (Sallum Jr., 1996).

113
Repressão
Entre 1964 e 1973
- Cassações: 513 mandatos de senadores, deputados e vereadores.
- Perda de direitos políticos: 35 dirigentes sindicais.
- Aposentadoria compulsória ou demissão: 3.783 funcionários
públicos.
- Expulsão das Forças Armadas: 1.313 militares.

Entre 1964 e 1970


- Intervenções em sindicatos: 536.

Fonte: Carvalho, 2008 (a partir de pesquisa feita por Marcos Figueiredo).

8.4 O bloqueio à cidadania e a concessão


de direitos: um balanço do período
autoritário

As restrições às liberdades civis e políticas, típicas de regimes


A cidadania no regime autoritário de 1964 a 1985

autoritários, atingiram seu ápice na primeira metade da década de


1970. Também foi o período em que o Brasil teve as mais altas taxas de
crescimento econômico. O forte controle sobre as atividades políticas
e sindicais, de certa forma mantendo o caráter da regulamentação
administrativa da cidadania, foi acompanhado do estabelecimento de
um forte aparato de propaganda de cunho ufanista, ressaltando a suposta
ordem social, o crescimento econômico e a ideia da colocação do Brasil
como o país do futuro.
Mesmo que tenha havido, pela lógica de rápido crescimento econômico,
o avanço no processo de industrialização e a modernização acelerada da
economia, aumentando os postos de trabalho, as chamadas áreas básicas
do bem-estar social, casos da saúde pública, educação, saneamento e,
entre outras, habitação, seguiram longe de ser prioritárias na agenda
governamental e sem programas políticos capazes de apresentar respostas
114 efetivas para as questões (Santos, 1987).
Os índices de crescimento econômico, que se mantiveram em
uma média anual aproximada de 10% do Produto interno Bruto na
primeira metade da década de 1970, entretanto, não tiveram um
impacto na distribuição de renda. Pelo contrário, de 1960 a 1980,
os 20% mais pobres da população economicamente ativa tiveram
reduzida sua participação na renda nacional de 3,9% para 2,8%. No
mesmo período, a parcela de 1% mais rica passou de 11,9% para
16,9% (Carvalho, 2008).
As políticas governamentais, portanto, não conseguiram alterar de
maneira significativa as desigualdades sociais. Devido em parte a pouca
capacidade aquisitiva da maioria da população, decorrência do controle
salarial feito pelo governo para ter mais recursos destinados à área da
economia, agravaram as condições gerais da população nas áreas de bem-
estar. Os reajustes dos ganhos passaram, já desde 1965, a depender de
uma determinação do governo, subordinada ao crescimento econômico
e ao controle da inflação (Luca, 2005).
Com as liberdades de organização e de manifestação pública
restringidas, incluindo o sistema político controlado pelo regime, não
havia espaço para eventuais manifestações e reivindações. A sociedade,

A cidadania no regime autoritário de 1964 a 1985


de maneira geral, não tinha como interferir nas políticas do governo.
Eram reduzidas as possibilidades de apresentar reivindações sem que
não parecesse um ato de rebelião ao regime.
Os governos militares fizeram uso da ampliação dos direitos sociais
como um elemento de controle social proporcional à elevação das
restrições ao exercício dos direitos políticos e civis (Carvalho, 2008). O
estabelecimento do Fundo de Garantia por Tempo de Serviço e do Instituto
Nacional de Previdência Social, ambos em 1966, pode ser classificado
nesse sentido.
Também houve a integração ao sistema previdenciário dos
trabalhadores rurais, autônomos e empregados domésticos, os quais
estavam fora da regulação anterior a 1964, quando a previdência social
encontrava-se fragmentada em diversos institutos específicos para cada
categoria. Os trabalhadores do setor informal, no entanto, continuaram
fora da cobertura previdenciária. 115
Ao mesmo tempo em que há a ampliação de direitos sociais, os
beneficiados são afastados de qualquer possibilidade de interferência
na sua gestão. As possibilidades de controle público do processo são
quase que inexistentes, pela retirada da representação, principalmente
na previdência social, dos trabalhadores e empregadores nos conselhos
de administração (Santos, 1987).
Como já acontecera no período autoritário do Estado Novo, os
direitos sociais surgem não como respostas a ação política organizada
da população, mas, sim, como um benefício do governo, o qual deve
ser retribuído com alguma forma de apoio político. A ideia de que
os direitos são uma concessão e não uma conquista da sociedade
está ligada à percepção de que a iniciativa na sua execução foi dos
governos e os indivíduos o percebem, de uma maneira geral, como
um privilégio ou favor (Pandolfi, 1999). Nessa perspectiva, ocorre a
associação dos direitos sociais com a legislação trabalhista e as políticas
previdenciárias.
A modernização gerada pelo crescimento econômico, ainda que sem
distribuição de renda, também produziu, continuando uma tendência já
verificada nas décadas de 1950 e 1960, o aumento da população urbana
A cidadania no regime autoritário de 1964 a 1985

(Carvalho, 2008). Em 1960, 44,7% dos brasileiros viviam nas cidades.


Vinte anos depois, o índice passa para 67%. Período no qual ocorre uma
profunda alteração no mercado de trabalho. Em 1960, 54% das pessoas
ocupadas trabalhavam no setor primário da economia (agricultura,
mineração e pecuária). Em 1980, o índice cai para 30%. Ao mesmo tempo
há crescimento da ocupação nos setores secundário (indústria), de 13%
para 24% e terciário (comércio, transporte e serviços), de 33% para 46%
(Carvalho, 2008).
Esse contexto indica que a população brasileira passa a estar,
majoritariamente, nos centros urbanos, nos quais as possibilidades
de organização política tendem a ser maiores. Outra consequência é
a redução do número de trabalhadores no setor agropecuário, o que
implica na existência de êxodo rural, e o aumento na indústria e no
setor terciário.
116
Modernização
1960 1980

População urbana (%) 44,7 67

Trabalhadores no setor primário (%) 54 30

Trabalhadores no setor secundário (%) 13 24

Trabalhadores no setor terciário (%) 33 46

População empregada (economicamente ativa) 22,7 milhões 42,3 milhões

Participação dos 20% mais pobres na renda


nacional (%) 3,9 2,8

Participação do 1% da população mais rica na


renda nacional (%) 11,9 16,9
Fonte: Carvalho, 2008.

Referências

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política no Brasil pós-64. 2. ed. São Paulo: Brasiliense, 1984.

Questões

1) Aponte elementos que caracterizem a questão dos direitos civis e


políticos no período autoritário de 1964 a 1985.
2) Analise a problemática dos direitos sociais no regime militar.
A cidadania no regime autoritário de 1964 a 1985

118
9
A Constituição Cidadã
e o reencontro
da democracia
com a cidadania
A democratização do Brasil, na década de 1980, abriu a possibilidade
do estabelecimento de características novas nas relações sociais e políticas.
A Constituição de 1988 é o documento que define e determina os meios
para assegurar os direitos e a cidadania. Este capítulo aborda esse contexto,
fazendo uma rápida descrição acerca do nível de acesso a tais direitos, a
partir do uso da Síntese de indicadores Sociais do Instituto Brasileiro de
Geografia e Estatística.
Nessa compreensão, são importantes os passos para reconstrução da
democracia, incluindo as inovações constantes no texto constitucional, as
quais incluem, além dos direitos civis, políticos e sociais, o princípio da
participação da sociedade na gestão do Estado.

9.1 A reconstrução da democracia

A transição do regime autoritário para a democracia, iniciada em 1974 e


que vai até o fim da década de 1980, produziu importantes transformações
no sistema político brasileiro e, por decorrência, na cidadania. Ao mesmo
tempo, já desde meados da década de 1970, a sociedade civil vinha dando
demonstrações de renascimento, considerando as mobilizações pró-
democratização ocorridas no período.
Houve o estabelecimento de um contexto no qual a democracia
não poderia ser vista apenas como uma questão institucional. Ou seja, A Constituição Cidadã e o reencontro
somente a ocorrência de eleições livres não seria suficiente, pois o novo da democracia com a cidadania

regime político deveria ser também capaz de representar os interesses


da sociedade (Souza, 1988). Sem essas duas dimensões o processo de
democratização não se completaria.
Entre as heranças do regime autoritário, afora as limitações dos
direitos civis e políticos, os quais foram, aos poucos, sendo recuperados,
estava o desmoronamento, já desde o final da década de 1970, dos índices
de crescimento do Produto interno Bruto. Queda que se agravaria nos
anos de 1983 e 1984, com aumento da inflação e da recessão econômica
(Sallum Jr., 2003).
121
Paralelamente, ocorreu o aumento das reivindações por
transformações políticas e sociais. Em relação ao sistema político, as
demandas centravam-se na volta das liberdades políticas, incluindo
eleições diretas para todos os níveis, liberdade de organização
partidária e de opinião. Do ponto de vista social, as temáticas envolviam
questões relativas a emprego, renda, saneamento básico e, entre outras,
habitação.
Contudo, quando inicia a Nova República, com a eleição, indireta,
para a presidência, de Tancredo Neves (que acabou não tomando posse;
o mandato foi cumprido pelo vice José Sarney), em janeiro de 1985, há
um refluxo dos movimentos da sociedade civil, exceto o sindical, depois
da intensa mobilização pela volta das eleições diretas para presidente,
vetada pelo governo e pelo Congresso Nacional (Souza, 1988).
O fim do governo militar, além disso, é determinado por uma transição
negociada, sem ruptura. Negociação que não teve um caráter público
e foi, em determinado sentido, controlada por integrantes do regime
autoritário (Souza, 1988).
A partir desse contexto, o processo de constitucionalização da
democracia, incluindo os direitos políticos e civis, é estabelecido pela
Assembléia Nacional Constituinte (1986 – 1988) e pela volta da eleição
direta para presidente da República, em 1989.
A democratização foi restabelecendo os direitos políticos e civis.
Uma emenda constitucional, apresentada no ano de 1985, concedeu aos
A Constituição Cidadã e o reencontro

analfabetos a possibilidade de votar, em caráter facultativo. Entretanto,


da democracia com a cidadania

analfabetos não podem se candidatar. A Constituição de 1988 reiterou


a universalização do voto, tornando-o opcional para quem tiver de 16 a
18 anos de idade e mais de 70 anos e obrigatório para quem tiver de 18
a 70 anos.
Ainda na questão dos direitos políticos, a liberdade para a formação de
partidos foi também estabelecida. Em 1985, caíram os últimos obstáculos
para o funcionamento de um sistema partidário pluralista, quando o
Partido Comunista do Brasil obteve o seu registro oficial, o qual estava,
até então, impedido de operar legalmente.

122
A retomada da liberdade
- Volta dos direitos civis e políticos.
- Liberdade de organização, incluindo partidos e sindicatos.
- Processo constituinte (1987-1988).
- Eleições diretas (municípios, estados e país).
- Ampliação do direito ao voto para os analfabetos (1985).
- Fim da censura (ainda que de maneira lenta).

9.2 A Constituição de 1988 e os direitos

A sociedade civil teve momentos de mobilização intercalados por


outros com menos manifestações. A segunda metade da década de 1970,
com as reivindações de abertura política e anistia e a campanha Diretas-
Já, em 1985, foram dois ápices das manifestações civis.
A saída do regime autoritário precisava ser acompanhada por uma
legislação com características democráticas. Havia a necessidade de uma
constitucionalização do regime democrático, a qual ocorreu a partir da
eleição de 1986, quando foram escolhidos os deputados constituintes,
responsáveis pela elaboração do texto da Constituição de 19882. Nesse
período, a mobilização da sociedade civil foi retomada e teve como centro
as pressões no Congresso Nacional.
A nova Constituição expandiu e afirmou os direitos fundamentais, junto A Constituição Cidadã e o reencontro
com as formas necessárias a sua defesa. Também definiu possibilidades
da democracia com a cidadania

de participação política, através de uma série de instrumentos para


intervenção da sociedade civil e controle dos gastos e políticas públicas.
Muitas dessas medidas foram encaminhadas por emendas populares
sustentadas em 13 milhões de assinaturas. (Dallari, s/d).
O texto constitucional estabelece, além dos direitos civis e políticos, a
possibilidade de os indivíduos apresentarem projetos de lei, por meio de
iniciativa popular. Medida que também foi estendida para as assembleias

2
A descrição a partir do texto da Constituição (www6.senado.gov.br/con1988/ 123
CON1988_05.10.1988/CON1988.htm)
legislativas e câmaras municipais. Nesse sentido, a Constituição preconiza
o objetivo de tornar o exercício do poder não apenas incumbência dos
representantes eleitos, mas também através de mecanismos de participação
da sociedade, incluindo o referendo, o plebiscito e a iniciativa popular
(Moisés, 1990). Contexto que está ligado às pressões por participação
percebidas no Brasil desde a década de 1970, em contraste com o déficit
de representação política no país, o qual, até 1984, esteve imerso em um
regime militar (Moisés, 1990).
Um dos símbolos dessa mudança pode ser percebido no Artigo
1° – parágrafo único – da Constituição, onde ocorreu a substituição da
frase ‘Todo o poder emana do povo e em seu nome será exercido’, lema
liberal clássico e colocado na Constituição brasileira de 1934, por ‘Todo
o poder emana do povo, que o exerce por meio de representantes eleitos
ou diretamente, nos termos desta Constituição’ (Moisés, 1990).
Outros pontos importantes são o direito de propor ações judiciais,
entendidas como no campo das garantias constitucionais, no sentido da
garantia dos direitos fundamentais. A Ação Popular e o Mandado de
Segurança são instrumentos para evitar o chamado abuso de autoridade
que possa prejudicar os direitos da cidadania.
O Artigo 1° do Título I constitui o Estado democrático de direito,
cujos fundamentos são a soberania, a cidadania, a dignidade da pessoa
humana, os valores sociais do trabalho e da livre iniciativa e o pluralismo
político. Portanto, há uma associação entre as liberdades políticas e a
A Constituição Cidadã e o reencontro

ideia de cidadania, levando em conta o bem-estar, segurança e liberdade


individual.
da democracia com a cidadania

Em relação aos direitos fundamentais, o texto garante a igualdade


entre homens e mulheres, e liberdade de manifestação de pensamento.
Igualmente é assegurada a liberdade de crença e de associação.
O Capítulo II é dedicado aos direitos sociais. Os quais são a educação,
saúde, trabalho, lazer, segurança, previdência social, proteção à
maternidade e à infância e assistência aos desamparados. Também são
estabelecidos os direitos dos trabalhadores urbanos e rurais, tais como
seguro-desemprego, férias, fundo de garantia por tempo de serviço,
salário-família, licença maternidade e paternidade, aposentadoria e a livre
124 associação sindical e profissional.
A Constituição, portanto, define os parâmetros e limitações das
relações sociais e políticas. Nesse sentido, há a definição dos direitos civis,
políticos e sociais, além da estruturação do Poder Público e as funções
do Legislativo, Executivo e Judiciário. É importante salientar a ênfase
aos direitos fundamentais, que se encontram logo no começo do texto
constitucional (Luca, 2005).
Outra mudança relevante do ponto de vista da proteção aos
direitos é a desvinculação do Ministério Público do Poder Executivo,
transformando-o em uma instituição com elevado grau de autonomia
funcional e administrativa. Entre as suas funções estão as ações civis
públicas, instrumento que pode ser usado por associações e entidades da
sociedade civil e mesmo por órgãos públicos no sentido de contestar ou
discutir determinadas medidas e ações dos setores públicos e privados,
especialmente nas áreas de meio ambiente, defesa do patrimônio público
e direitos sociais e do consumidor. Outro instrumento jurídico são as
ações diretas de inconstitucionalidade, destinadas a garantir os preceitos
constitucionais.
Os direitos civis, por sua vez, passaram a ter, além da afirmação
clássica de liberdade e igualdade, o instrumento hábeas data. Com isso,
cada indivíduo deve ter a possibilidade de acesso a informações sobre o
funcionamento dos órgãos governamentais ou públicos. Portanto, garante
a transparência e a publicidade na destinação dos recursos (Luca, 2005).
O mandato de injunção é mais uma figura jurídica que garante, na
inexistência de alguma norma regulatória, a observância dos direitos e A Constituição Cidadã e o reencontro
liberdades. da democracia com a cidadania

Mais uma alteração importante que teve origem na Constituição


de 1988 trata da criação de instrumentos destinados à ampliação da
participação da sociedade na gestão do Estado, seja nos níveis federal,
estadual ou municipal. O texto prevê a participação de representantes
da sociedade em órgãos de consulta e fiscalização sobre áreas diversas,
incluindo meio ambiente, saúde e educação.
Um dos fatores dessa inovação constitucional é encontrado no Artigo
5°, o qual define que entidades associativas formalmente autorizadas
possuem legitimidade suficiente para representar seus filiados. Aqui são
incluídos sindicatos, associações e, entre outros, partidos políticos. 125
Os municípios, também por determinação constitucional, devem
instituir instrumentos de participação, especialmente nas áreas de
planejamento.

A Constituição Cidadã
- Define os direitos civis, políticos e sociais.
- Estabelece o princípio da participação da sociedade na gestão
pública.
- Ministério Público e defensorias para defesa dos direitos.
- Determina um caráter nacional para os investimentos
econômicos.

9.3 Os direitos especificados

A Constituição, além de definir instrumentos para a participação


da sociedade no Poder Público, também abriu as possibilidades para
uma série de regulamentações de direitos vinculados a categorias e
grupos específicos. Encontram-se nesse contexto o Código de Defesa do
Consumidor, de 1990, o Estatuto do Idoso, de 2003, e o Estatuto da Criança
e do Adolescente, de 1990.
O Estatuto da Criança e do Adolescente, lei de 1990, especifica os
direitos e as condições para o desenvolvimento físico, mental, moral,
A Constituição Cidadã e o reencontro

espiritual e social, incluindo as condições de liberdade e dignidade. O texto


da democracia com a cidadania

também coloca como dever da família, da comunidade, da sociedade e


do Poder Público assegurar a efetivação dos direitos à vida, alimentação,
educação, profissionalização, lazer e, entre outros, cultura, das crianças
e adolescentes.
A lei ainda estabelece o caráter de prioridade em relação ao
investimento público e ao atendimento. Primazia no sentido de receber
proteção e socorro, precedência de atendimento nos serviços públicos
ou de relevância pública, preferência na formulação e na execução das
políticas sociais. Outro ponto é a destinação privilegiada de recursos para
as áreas vinculadas à proteção da infância e da juventude.
126
Os direitos dos consumidores foram definidos no Código de Defesa
em 1990, estabelecendo os princípios que norteiam as relações entre
consumidor e fornecedor. Entre as medidas constantes na regulamentação,
estão o reconhecimento da vulnerabilidade do consumidor no mercado
e a necessidade da intervenção do Estado para a sua proteção. Assim foi
estabelecida a Política Nacional das Relações de Consumo, cuja meta é
garantir a dignidade, segurança e saúde dos compradores de produtos,
além de proteger os seus interesses econômicos.
O Estatuto do Idoso, lei de 2003, implementa a regulação dos direitos
das pessoas com idade igual ou superior a 60 anos. Seu conteúdo assegura
a preservação de sua saúde física e mental, além do aperfeiçoamento
intelectual, espiritual, social e moral. O Estatuto ainda define a efetivação
do direito à saúde, alimentação, educação, cultura, esporte e, entre outros,
ao trabalho.
Os idosos igualmente passam a ter atendimento preferencial imediato
e individualizado nos órgãos públicos e privados. Também possuem
primazia na formulação e execução de políticas públicas específicas,
destinação de recursos públicos nas áreas relacionadas com a proteção
ao idoso. Igualmente é estabelecida a prioridade do atendimento do
idoso pela sua própria família e garantias de acesso às redes de saúde e
assistência social.
O Estatuto ainda proíbe ações de negligência, discriminação, violência,
crueldade ou opressão.
A Constituição Cidadã e o reencontro
da democracia com a cidadania

9.4 A regulamentação da Constituição


e a reforma do Estado

A Constituição colocou o Estado como central na garantia e defesa dos


direitos. Centralidade que é estendida à ordem econômica, devido a uma
característica nacionalista, principalmente na questão das empresas nacionais
e na delimitação do acesso do capital estrangeiro em setores considerados
estratégicos, como telecomunicações, petróleo e mineração. Situação que,
nos primeiros anos da década de 1990, seria bastante alterada.
127
O processo de transição que conduziu à redemocratização, iniciado
no governo do presidente Ernesto Geisel ocorreu de forma paralela a um
outro processo, que viria a ser decisivo na reconstituição do Estado na
década de 1990. Ao mesmo tempo em que a abertura política e a volta à
democracia, com marchas e contra-marchas, avançava, ganhava corpo a
desagregação e o desgaste da estrutura estatal implantada a partir de 1930
e que permaneceu até a década de 1970, a chamada Era Vargas (Sallum Jr.,
2003). O Estado, constituído como centro organizacional da sociedade e
construtor do processo de industrialização e desenvolvimento, que produziu
um sistema firme de dominação, encontra, de forma paulatina, uma crise de
contestação e de hegemonia. Já nos últimos anos da década, a estrutura estatal-
desenvolvimentista começa a perder o controle que tinha sobre a sociedade
e a economia. As causas estão nas transformações econômicas mundiais e
na democratização da própria sociedade (Sallum Jr., 2003).
O período do governo de José Sarney (1985-1989) foi palco para as
disputas acerca da tipologia da reestruturação do Estado e da economia.
Parte do empresariado organiza-se e passa a ser contra a intervenção estatal
na economia, defendendo a desregulamentação e abertura para o capital
internacional, além da implementação de um processo de privatização,
posições que não estavam tão claras anteriormente (Dreifuss, 1989).
A Constituição de 1988, no entanto, não refletiu essas mudanças,
mantendo as características do modelo do Estado desenvolvimentista
estabelecido ainda no período de Getúlio Vargas na presidência. Muitos
A Constituição Cidadã e o reencontro

pontos aprovados, todavia, necessitavam de regulamentação, a partir de


uma avaliação e nova votação, o que seria feito nos anos posteriores à
da democracia com a cidadania

promulgação.
Mesmo que os defensores da estrutura e organização do Estado
nacional-desenvolvimentista, principalmente o funcionalismo público,
tenham tido várias de suas propostas contempladas no texto constitucional,
a polarização Estado e mercado já estava consolidada e iria ganhar um
grau de centralidade na década de 1990.
A palavra-chave que englobava as aspirações de vários segmentos
era reforma. O Estado precisaria ser reformado para atender ao novo
contexto internacional. Em outras palavras, era a defesa da redução do
128 tamanho do Estado diante da incapacidade do governo em implementar
políticas e fazer valer suas decisões. A definição da reforma nessa
direção comportava, ainda, a impossibilidade de o governo propor uma
rearticulação política que lhe abrisse a possibilidade de construir uma
saída viável politicamente para a crise, contemplando os grupos que até
então apoiavam, de alguma forma, o tipo de organização do Estado, já
em franco processo de corrosão.
Desta forma, emergiu um projeto que visava reformar o Estado
derrubando os pilares de sustentação do nacional-desenvolvimentismo.
Projeto que perdeu, num determinado sentido, a batalha na Constituinte,
mas que acabaria sendo dominante na década de 1990.

9.5 Os indicadores sociais e a cidadania

A Constituição de 1988 estabeleceu um conjunto amplo de direitos


civis, políticos e sociais. No entanto, a herança do tipo de formação
da sociedade no Brasil ainda é percebida, especialmente em relação à
desigualdade social (Carvalho, 2007). Mesmo que muitos dos indicadores
sociais registrem melhorias desde a década de 1990, ainda persistem
situações de desigualdade importantes, principalmente nas diferenças
entre as regiões do país, entre homens e mulheres e brancos e negros. São
estes indicadores que medem a concretização dos princípios constantes
na Constituição. Os dados integram a Síntese de indicadores Sociais
A Constituição Cidadã e o reencontro
do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), divulgada no da democracia com a cidadania
segundo semestre de 2007 e que considera o período 1996 – 2006.
Entre as melhorias, está a elevação das taxas brutas de frequência
à escola de alguns segmentos etários. Para as crianças de 0 a 3 anos de
idade, os percentuais dobraram nesse período, de 7,4% para 15,5%. Na
faixa seguinte, de 4 a 6 anos, as taxas passaram de 53,8% para 76,0%. A
defasagem dos alunos do ensino fundamental caiu 41,6% em dez anos.
Já em relação ao ensino superior, a pesquisa aponta que, em 2006, 76,4%
dos estudantes frequentavam universidades particulares. Somente 23,6%
estavam em estabelecimentos públicos. Entretanto, mais da metade dos
estudantes universitários da rede pública (54,3%) pertenciam aos 20%
129
mais ricos.
No outro extremo da população, entre os 19 milhões de pessoas com
60 anos ou mais, 14,6 milhões (76,6%) eram beneficiárias da Previdência
Social.
Também houve o aumento do número de mulheres que se declararam
como a pessoa de referência da família, passando de 10,3 milhões, em
1996, para 18,5 milhões, em 2006.
O analfabetismo atinge 14,4 milhões de pessoas com 15 anos ou mais e
está concentrado nas camadas mais pobres, nas áreas rurais, especialmente
do Nordeste, entre os mais idosos, de cor preta e parda. Em contrapartida,
entre 1996 e 2006, o percentual de jovens analfabetos, de 15 a 24 anos,
reduziu-se bastante, chegando a 5,8%.
Ainda houve o aumento da média de anos de estudo da população,
mesmo que os índices sejam baixos. De 1996 para 2006, essa média passou
de 5,7 para 7,2 anos de estudo para as pessoas com 15 anos ou mais de
idade.
Em 1996, entre as pessoas que frequentavam estabelecimentos de ensino
superior, 55,3% eram mulheres, passando para 57,5%, em 2006. Nota-se
que os homens estão perdendo espaço no processo de escolarização, pelo
menos, no que tange a taxa de escolarização superior.
Em relação à educação, as taxas de analfabetismo, analfabetismo
funcional (saber escrever o nome e ler, porém sem capacidade
interpretativa) e frequência escolar continuam apresentando diferenças
significativas entre brancos, pardos e pretos (nomenclatura segundo a
A Constituição Cidadã e o reencontro

classificação do IBGE). Em números absolutos, o país tinha em 2006 cerca


de 14,4 milhões de analfabetos. Desse total, mais de 10 milhões eram
da democracia com a cidadania

pretos e pardos.
As taxas de analfabetismo também demonstram a desigualdade étnica
no país. Os brancos com 15 anos ou mais de idade eram, em 2006, 6,5%
dos analfabetos. Número que chega a 14% para pretos e pardos. A taxa de
analfabetismo funcional também era muito menor para brancos (16,4%) do
que para pretos (27,5%) e pardos (28,6%). A média de anos de estudo da
população de 15 anos ou mais de idade mostrava uma vantagem de 2 anos
para brancos (8,1 anos de estudos), em relação a pretos e pardos (6,2).
Outro ponto importante que indica as diferenças está na distribuição
130 por cor ou raça dos que frequentavam escola com idade entre 18 e 24 anos.
Enquanto 56% dos brancos nessa faixa eram estudantes de nível superior
ou terceiro grau, o percentual, entre pretos e pardos, caía para 22%.
Por decorrência disso, é possível perceber diferenças relevantes entre
as pessoas de 25 anos ou mais de idade que alcançaram 15 anos ou mais
de estudo, ou seja, haviam completado o nível superior. No Brasil, em
2006, apenas 8,6% possuíam esse nível de escolaridade, sendo que, nesse
grupo, 78% eram de cor branca, 3,3% de cor preta, e 16,5% eram pardos.
Mais de 12% dos brancos haviam concluído o terceiro grau, enquanto
para pretos e pardos a participação não alcançava 4%.
Em relação à renda, as disparidades seguem grandes. Em média,
brancos têm uma renda de 40% superior a de pretos e pardos, mesmo
tendo escolaridade semelhante.
Quanto à participação na renda nacional, a distribuição entre os 10%
mais pobres e o 1% mais rico mostrava que, enquanto entre os brancos
eram, em 2006, 26,1% dos mais pobres; entre os que estavam na classe
mais favorecida, eles representaram quase 86%. Por sua vez, os pretos
e pardos eram mais de 73% entre os mais pobres e somente pouco mais
de 12% entre os mais ricos. As desigualdades se verificavam em todas as
grandes regiões.

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planalto.gov.br/ccivil_03/Leis/L8069.htm

132
10
Impactos da cidadania
na gestão pública
a partir da década
de 1990
A Constituição de 1988 estabeleceu um conjunto de mudanças na
organização social e política do Brasil. A partir da democratização, o
texto constitucional definiu, além dos direitos civis, políticos e sociais,
o princípio da participação da sociedade na gestão pública. Com isso,
a questão da cidadania passou a ter uma formatação diferente da que
existia antes no país. Mesmo que ainda permaneçam traços do modelo
clientelista e patrimonialista nos níveis federal, estadual e municipal, a
formação de conselhos, fóruns e outros tipos de organismos abre uma
nova perspectiva para a análise da cidadania.
A complexificação dos processos de definição e execução das
políticas públicas junto com a possibilidade de ampliação da presença
de organizações sociais são elementos relevantes para a concepção
contemporânea da cidadania no país e fazem parte da temática abordada
neste capítulo. Nesse sentido, há a efetivação de vínculos, proporcionados
pelas transformações no Estado pós-democratização, entre a sociedade
civil e os governos.
Ao mesmo tempo, persiste a desigualdade social e econômica, mesmo
com os direitos assegurados, o que redunda na ampliação das reivindações
encaminhadas ao Poder Público, oriundas das organizações sociais.

10.1 Transformações pós-democratização

A sociedade civil passou a ter, na década de 1990, ampliado o seu campo de pública a partir da década de 1990
Impactos da cidadania na gestão

atuação, tanto junto aos poderes públicos, quanto no âmbito privado. Junto à
emergência de um conjunto de atores sociais, em um contexto de diversidade,
a questão da cidadania incorpora outras características. Na década de 1980,
a defesa da redemocratização, a Campanha Diretas-Já e a Constituição de
1988 são exemplos de manifestações da cidadania e enfatizavam reivindações
por direitos civis e políticos e também melhorias na qualidade de vida. Aí
igualmente estão incluídos os diretos sociais, como, por exemplo, habitação,
comida, trabalho, saúde e educação (Gohn, 2004).
Desde meados da década de 1970, chegando até a década de 1990,
ocorreu a substituição de procedimentos autoritários pela presença da
135
sociedade em espaços deliberativos e processos decisórios no âmbito do
Estado. Com isso, o número de atores políticos envolvidos aumentou, em
quantidade e em pluralidade, abrindo possibilidades de formatação de
instituições capazes de incorporá-los ao processo. (Burity, 2005).
Na década de 1990, uma das principais modificações tem como centro
a incorporação da ideia de participação, a qual pode ser sintetizada na
expansão do princípio da responsabilidade social dos indivíduos, ou
seja, um contexto no qual não se trata apenas de direitos, mas também de
deveres. Diferente de outros períodos na História do Brasil há um cenário
no qual podem ser desenvolvidas parceiras entre a sociedade e o governo
nas políticas sociais. (Gohn, 2004).
Essas perspectivas foram, em grande parte, abertas pela Constituição
de 1988, a qual definia como relevante, e obrigatória, em muitos casos, a
questão da participação nas instâncias da gestão pública. Assim, ocorre
a emergência de um novo tipo de espaço público, chamado de público
não-estatal. Nele, operam um conjunto de conselhos, fóruns e redes,
desenvolvidos a partir de processos de associação entre a sociedade civil
e representantes do Poder Público. O objetivo é executar estratégias para
a gestão das políticas sociais.
Do ponto de vista das relações entre Estado e sociedade, há uma
tendência à incorporação de instrumentos como parcerias, redes e, entre
outros, câmaras de negociação. O Estado compartilha responsabilidades e
transfere recursos para organizações da sociedade civil. Em contrapartida,
as organizações da sociedade assumem compromissos de gestão pública.
(Burity, 2005).
pública a partir da década de 1990
Impactos da cidadania na gestão

Considerando questões como a ampliação da cidadania e das


reivindações e demandas, defesa de direitos, e buscando, através da
organização, mobilização e participação, o aprofundamento da própria
democracia e a pluralização dos atores sociais, o cenário dos anos 1990
colocou relevância na necessidade de se distinguir entre as reivindações
de caráter includentes daquelas possuidoras de um viés corporativo (as
que colocam como sendo gerais interesses setoriais e específicos). Ainda
assim, as experiências participativas, inclusive no campo institucional,
proliferaram. (Burity, 2005).
Estes dois parâmetros, a democratização, tendo por base, a partir
136 de meados da década de 1980, formatos institucionais participativos,
incluindo conselhos e fóruns, e a reforma do Estado de cunho neoliberal,
aparentemente contrapostos, acabaram se articulando. Houve a inclusão
de novos atores na formulação e implementação das políticas públicas,
institucionalizando a participação. Ao mesmo tempo, ocorreu a
transferência a estes de responsabilidades públicas (causadas pelo ideário
do Estado mínimo). (Burity, 2005).
Outro ponto importante, ainda nesse contexto, está na tendência à
priorização do espaço local como centro da participação. Situação que
tanto pode ser incluída na demanda por descentralização, quanto na
concepção da democracia participativa. No primeiro item, enquadra-se
a preocupação com, em um determinado sentido, o compartilhamento
do poder, estabelecida pela Constituição de 1988, na qual os municípios
foram colocados, junto com estados, União e Distrito Federal, como entes
federativos. No segundo, a leitura do nível local a partir da ótica da
democracia participativa encontra sustentação nas ideias de proximidade
das questões rotineiras da vida da população e que a democracia direta
no plano local possibilita maior controle social. (Burity, 2005).
O governo federal pós-1995 buscou fortalecer o poder local e iniciativas
não-governamentais locais, colocando como uma das condições para
repasse de recursos a formação de conselhos com representantes oriundos
da sociedade (Burity, 2005).

10.2 A sociedade civil e a gestão pública pública a partir da década de 1990


Impactos da cidadania na gestão

Desde a Constituição de 1988, as instituições políticas passam por


modificações, principalmente no âmbito local. Mudanças que ocorreram,
especialmente, pela elevação do poder político e capacidade tributária dos
municípios e pelo processo de consolidação da democracia, em grande parte
vinculado à tendência de inserir as comunidades locais no sistema decisório
acerca de políticas públicas. Assim, as demandas municipais foram, pelo
menos em parte, contempladas na Constituição. (Souza, 2005).
Outro incentivo à municipalização pode ser verificado no final da
década de 1990. Desta vez, o governo federal tornou-se o principal
137
indutor ao desenvolvimento de novas políticas com foco direcionado aos
municípios. Políticas que colocaram os governos locais na posição de serem
os principais responsáveis, por exemplo, pelo atendimento universal de
saúde e educação fundamental. (Souza, 2005).
O aumento da arrecadação, em termos de recursos próprios e uma
melhor participação na distribuição tributária feita pela União e estados,
mesmo levando em conta as disparidades e desigualdades entre eles, a
definição mais clara das áreas de competência dos municípios (algumas
sendo exclusivas) e os instrumentos legais, leis orgânicas próprias e o
Estatuto das Cidades, de 2001, propiciaram o incremento da importância
da gestão local na definição das políticas públicas.
Na lógica da Constituição de 1988, com a criação de instrumentos de
participação das comunidades locais em segmentos da gestão pública,
vários municípios implementaram mecanismos abertos à influência, em
maior ou menor grau, da população no processo decisório, na gestão e
mesmo na fiscalização de políticas sociais, em grande parte voltados à
destinação de parcela dos recursos do orçamento.
O estabelecimento, ao longo das últimas décadas de processos de
participação política caracterizados como a ampliação da cidadania
e o acesso e conquista de direitos civis, políticos sociais, geraram a
possibilidade de participação em uma série de conselhos, fóruns, novas
estruturas institucionais no âmbito do Estado, com maior ou menor
autonomia.
Com isso, as organizações da sociedade civil passaram a ter um peso,
algumas vezes importante, no processo de discussão, formulação e
pública a partir da década de 1990
Impactos da cidadania na gestão

implementação das políticas públicas. Conjunção que abre a possibilidade


de disputas entre setores sociais divergentes, mesmo em um panorama
onde persistem desigualdades em termos de recursos de ordem econômica,
informação, mobilização, representação política e mesmo em situações
assimétricas de poder.
A participação passa a ser vista como uma intervenção social
periódica e planejada no processo de formulação e implementação de
políticas públicas (Gohn, 2003), redundando no surgimento e efetivação
de vários movimentos sociais e grupos de pressão, muitos surgidos do
mercado informal, reforma urbana, luta por terra, moradia e contra o
138 desemprego.
No Brasil da década de 1990, houve a institucionalização da
participação da sociedade civil, em grande parte voltada para os processos
de formulação de políticas públicas locais, ainda que de maneira desigual
entre os municípios brasileiros (Milani, 2006).
Nesse contexto, ocorreu a proliferação de instâncias participativas,
visando, em parte, estabelecer uma tentativa de delegar e ampliar os
processos de produção de decisões (Wampler, 2005). Em 1996, cerca de
65% dos municípios brasileiros já dispunham de órgãos denominados
conselhos, integrados por representantes do Poder Público e da sociedade
civil (Tatagiba, 2002).
A elaboração do orçamento a partir de práticas participativas da
sociedade, o orçamento participativo, sistema utilizado em cerca de
170 municípios brasileiros, e os conselhos de políticas públicas são
exemplos de novas instituições na questão da gestão pública. Os
conselhos surgem como consequência das leis Orgânica da Saúde e
Orgânica da Assistência Social, ambas produzidas pelas definições
constantes no capítulo das políticas urbanas da Constituição e foram
regulamentados pelo Estatuto das Cidades, em vigor desde 2001.
(Avritzer, 2008).
Os conselhos de políticas públicas são formados pelo Estado e
integrados também por representantes da sociedade. Sendo que os
conselhos vinculados à área da saúde atingem a quase todos os municípios
brasileiros (Avritzer, 2008).

pública a partir da década de 1990


Impactos da cidadania na gestão
Síntese das mudanças
- Democratização das relações políticas e sociais.
- Descentralização e autonomia local.
- Municípios passam a compor o pacto federativo.
- Municipalização de algumas políticas sociais.
- Redistribuição tributária.
- Participação da sociedade no processo de gestão.
- Estatuto das Cidades (2001).
- Ampliação da pressão da sociedade civil nos governos.

139
10.3 Cidadania e políticas públicas

Todo esse conjunto de órgãos e entidades (conselhos, fóruns e, entre


outros, orçamento participativo) estabelece, desde a década de 1990,
uma nova relação entre a cidadania e a gestão pública. Vários deles,
principalmente os conselhos, tiveram a sua constituição como pré-requisito
para o repasse de recursos federais para estados e municípios (Tatagiba,
2002). Eles também passaram a ter um papel central na descentralização
das políticas sociais.
Nesse contexto, os conselhos gestores deveriam exercer uma função de
interação entre o Estado e a sociedade, possibilitando a formação de um
espaço democrático para a definição, execução e avaliação das políticas
públicas.
Algumas experiências de participação da cidadania nos processos
decisórios governamentais, no entanto, podem ficar restritas a dar
voz, apenas proporcionando a manifestação. Outras têm por objetivo
incorporar atores sociais tradicionalmente excluídos do processo decisório,
reduzindo desigualdades sociais e políticas. (Souza, 2005). Os resultados
variam de acordo com cada tipo de experiência.
A definição e implementação de políticas públicas, muitas vezes, é
realizada sem a participação e acompanhamento de organizações da
sociedade civil. O estabelecimento de instituições participativas significa
uma espécie de rompimento com essas práticas, propiciando maneiras
mais adequadas de combater as desigualdades sociais e políticas,
pública a partir da década de 1990
Impactos da cidadania na gestão

por abrirem a possibilidade de que cidadãos deliberem e operem na


distribuição de recursos, demandando mais transparência nos processos
e responsabilizando as autoridades governamentais (Wampler, 2005).
Todo o processo de transição política do regime militar para o
democrático, desde meados da década de 1970 até a segunda metade da
década de 1980, incluindo as atividades das organizações da sociedade
civil e suas demandas por participação e democratização, construiu,
com idas e vindas, um ideário que ganhou força na Constituição de 1988
e que se expandiu na década seguinte, o qual trata da incorporação de
cidadãos (cidadãs) no processo de produção e implementação de políticas
140 públicas. Portanto, são importantes considerar a questão do direito de
decidir a partir do acesso a informações transparentes, a existência de
debate público e mobilização e a implementação legal do que foi decidido
(Wampler, 2005).
Nesse contexto, a ação de grupos sociais no sentido de defender suas
reivindações e interesses, pressionando o Poder Público e fazendo parte
de conselhos e fóruns, por exemplo, coloca uma questão relevante na
relação entre cidadania e gestão pública, a qual está diretamente ligada a
definição das políticas públicas.
A fragmentação e diversidade da sociedade civil, a intenção do
governo dividir ou não o poder decisório e as diferentes capacidades
de mobilização e poder de pressão das organizações sociais, são fatores
que implicam no aumento da complexidade da temática (Burity, 2005).
Situação que ganha corpo quando as demandas dos grupos sociais são de
nível elevado e os recursos públicos possuem um caráter limitado.
Nesse sentido, os conselhos setoriais voltados para políticas específicas,
possuem a participação de representantes dos cidadãos ou usuários do
serviço. Os participantes podem ter poder de influenciar na gestão e
mesmo no controle dos gestores públicos.
A elaboração e concretização das políticas públicas vêm, ao longo dos
últimos anos, convivendo com essa nova perspectiva na relação Estado e
sociedade, que envolve as ações dos governos e incorpora grupos sociais.
Porém, as concepções contemporâneas de abordagem das políticas
públicas enfrentam uma situação onde há uma grande e complexa
diversidade na área (Faria, 2003).
pública a partir da década de 1990
Impactos da cidadania na gestão

10.4 Os direitos e a concepção


contemporânea da cidadania

A democratização do Brasil e a Constituição de 1988 geraram um


contexto no qual passou a ter maior destaque a presença das organizações
sociais na gestão pública. Ao mesmo tempo, o texto constitucional
assegurou os direitos básicos (civis, políticos e sociais), ao menos no
plano teórico.
141
A palavra cidadania substituiu a palavra ‘povo’ na retórica política. No
entanto, a associação entre democracia representativa e direitos sociais,
incluindo as desigualdades econômicas e sociais, é difusa (Carvalho, 2008).
Ainda que permaneçam traços de relações sociais e políticas baseadas
em práticas clientelistas, grupos sociais organizam-se e passam a
pressionar o Estado na defesa de suas reivindações.
As instâncias participativas desenvolvidas na década de 1990
representam uma maneira para que a sociedade expresse as condições
necessárias para a efetivação da cidadania. E o centro dessa complexa
situação está na questão social.
Portanto, a definição dos direitos expressa na Constituição está
associada a uma mudança nos processos da gestão pública. Se as
tradicionais características clientelista e patrimonialista ainda persistem,
também são ampliadas medidas e legislações no sentido de proporcionar
mais transparência e democratização. O impacto dessa situação na
cidadania está vinculado à busca em desenvolver ações que propiciem
desenvolvimento econômico e social.
Ganha ênfase, ao lado das questões econômicas, a problemática da
desigualdade social. Contexto que, todavia, não pode ser generalizado
em termos concretos. Porém, os direitos sociais, mesmo que não atinjam,
a não ser no plano formal, parte da população, estabelece um parâmetro
importante a ser seguido.
A concepção contemporânea da cidadania, nesse sentido, envolve as
questões que envolvem os direitos, especialmente os sociais. Paralelamente,
pública a partir da década de 1990
Impactos da cidadania na gestão

a democratização da sociedade e o seu caráter plural também envolvem o


reconhecimento das diferenças entre os grupos e categorias sociais.

Referências

AVRITZER, Leonardo. Instituições participativas e desenho institucional:


algumas considerações sobre a variação da participação no Brasil democrático.
Opinião Pública. Volume 14. Número 1. 2008. p. 43-64.
BURITY, Joanildo A. Identidades coletivas em transição e a
142 ativação de uma esfera pública não-estatal. In: MELO, Marcus
André; LUBAMBO, Catia e COÊLHO, Denílson Bandeira (orgs.).
Desenho institucional e participação política – experiências no Brasil
contemporâneo. Petrópolis: Vozes, 2005. p. 63-107.
CARVALHO, José Murilo de. Cidadania no Brasil – o longo caminho.
10. ed. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2008.
CARVALHO, José Murilo de. Fundamentos da Política e da
Sociedade Brasileiras. In: AVELAR, Lúcia e CINTRA, Antônio
Octávio (orgs.). Sistema político brasileiro: uma introdução. 2. ed. São
Paulo: K. Adenauer e Unesp, 2007. p. 19-31.
DAGNINO, Evelina (org.). Sociedade civil e espaços públicos no Brasil.
São Paulo: Paz e Terra, 2002. p. 47-103.
FARIA, Carlos Aurélio Pimenta de. Ideias, conhecimento e políticas
públicas: um inventário sucinto das principais vertentes analíticas
recentes. Revista Brasileira de Ciências Sociais. Volume 18. Número
51. 2003. p. 21-30.
GOHN, Maria da Glória. Empoderamento e participação da
comunidade em políticas sociais. Saúde e Sociedade. Volume 13.
Número 2. 2004. p. 20-31.
MILANI, Carlos R. S. Políticas públicas locais e participação na Bahia:
o dilema gestão versus política. Sociologias. Número 16. 2006. p.
180-214.
SOUZA, Celina. Sistema Brasileiro de Governança Local:
Inovações institucionais e sustentabilidade. In: MELO, Marcus
André; LUBAMBO, Catia e COÊLHO, Denílson Bandeira (orgs.).
Desenho institucional e participação política – experiências no Brasil pública a partir da década de 1990
Impactos da cidadania na gestão

contemporâneo. Petrópolis: Vozes, 2005. p. 108-30.


TATAGIBA, Luciana. Os conselhos gestores e a democratização das
políticas públicas no Brasil. In: GOHN, Maria da Glória. História dos
movimentos e lutas sociais – A construção da cidadania dos brasileiros.
3. ed. São Paulo: Loyola, 2003.
WAMPLER, Brian. Expandindo accountability através
de instituições participativas? Ativistas e reformistas nas
municipalidades brasileiras. In: MELO, Marcus André; LUBAMBO,
Catia e COÊLHO, Denílson Bandeira (orgs.). Desenho institucional
e participação política – experiências no Brasil contemporâneo.
Petrópolis: Vozes, 2005. p. 33-62.
143
Questões

1) Analise a importância do princípio da participação da sociedade na


questão da cidadania.
2) Aponte elementos que caracterizem a compreensão contemporânea
da cidadania no Brasil.
pública a partir da década de 1990
Impactos da cidadania na gestão

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