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Crise estrutural e barbárie

I. A urgência de uma teoria crítica que dê conta do presente.

# Paradoxo da atualidade: no momento em que a crise desse sistema é colocada de


maneira mais brutal e global, não temos ao alcance das mãos nem uma teoria crítica que
nos permita compreender a totalidade desse processo e seus fundamentos, tampouco uma
teoria que seja capaz de, de alguma maneira, se apoderar das massas.

# Crise e crítica: parece-me, no entanto, que permanece ainda hoje possível elaborar uma
teoria crítica que atenda a estas exigências do presente a partir da Crítica da Economia
Política de Marx.

# A crise nunca foi um tema devidamente levado a sério pela esquerda, razão pela qual
se produziu, ao longo do século XX, todo um déficit teórico profundo. Existe um dogma
em boa parte da esquerda que consiste em afirmar que o capitalismo continuará seguindo
por si mesmo indefinidamente, exceto se for interrompido por uma força interna, porém
externa, como a classe trabalhadora.

Exemplos:

a) Crise de 1929: no momento em que a Alemanha tinha o proletariado mais organizado


do mundo, deu-se uma derrota histórica jamais vista, sucedida pela ascensão do regime
nazifascista. Como é possível explicar essa reviravolta do jogo? A saída comumente
utilizada é enfatizar a predominância quase total do político: foi a própria esquerda que
abriu espaço para o nazismo. No fundo, nesta tese, a ideia é a de que o maior inimigo da
esquerda é a própria esquerda, suas burocracias, direções, organizações etc.

b) Crise de 1970: depois de três décadas de crescimento econômico aliado com aquisição
de direitos sociais e políticos, o Estado de Bem-Estar Social deu lugar ao Neoliberalismo.
Mas como isso foi possível em tão pouco tempo? Embora a visada política ajude a
entender os mecanismos pelos quais governos, como Tatcher e Reagan, impuseram isso,
não ajudam a investigar as causas mais profundas dessa mudança. Novamente, a culpa
aqui é dos sindicatos pelegos.
c) Crise de 1990: depois de quase um século de consolidação soviética, todo o bloco
socialista ruiu em dois anos. Do ponto de vista político, isso é paradoxal. Mais ainda, se
a queda do bloco sinaliza uma vitória do capitalismo, por que este afundou em crises cada
vez mais próximas e guerras civis incontornáveis? E quais foram as mobilizações de
massas significativas que demandaram a queda do regime soviético?

d) Crise de 2013/14 no Brasil: como depois de um período de grande boom da economia


brasileira sob a direção do PT, decaímos numa crise econômica de efeitos políticos
visíveis? Qual a relação que existe entre o crescimento e a crise? Ficou muito claro o
caráter múltiplo e desorganizado do Junho de 2013, de modo que não dá pra falar que ele
causou ou antecipou a crise no Brasil, ao contrário, ele foi efeito do mal-estar da crise.
Talvez tenha chegado a hora de deixar um pouco de lado a tese da politização da economia
e começarmos a revitalizar uma crítica da economia política.

# 1970: Na sociologia mais avançada, fala-se em passagem do fordismo ao pós-fordismo.


Mesmo numa economia política mais avançada, fala-se na emergência de uma
financeirização. Na filosofia se fala no fim do modernismo e advento do pós-modernismo.
Mas quais as condicionantes desses movimentos? O que levou a eles? Como se passou
de um para o outro? Qual a função exercida pelo endividamento privado estimulado nas
grandes economias capitalistas?

Endividamento privado substituiu o endividamento público. Na ausência de políticas


fortes de aumentos salariais por conta da retirada do Estado, resta a saída de fazer com
que os cidadãos se endividem por sua conta e risco, e por meio do crédito acessem aqueles
bens outrora disponíveis com salários fortes: casas (Minha Casa, Minha Vida), carros (IPI
Reduzido) e ensino superior (FIES). No caso dos miseráveis, na ausência de políticas de
expansão de postos de trabalho (ou na impossibilidade objetiva disso) criam-se novas
formas de endividamento por meio de transferências de renda (Bolsa Família). Vamos
lembrar da célebre frase de Henry Ford de que os proletários produziriam os carros que
eles próprios conduziriam. Isto hoje já não é mais possível.

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