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TESE DE DOUTORADO
Rio de Janeiro
Dezembro / 2006
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UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO DE JANEIRO
CENTRO DE FILOSOFIA E CIÊNCIAS HUMANAS
ESCOLA DE SERVIÇO SOCIAL – PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO
2006
ii
Souza Filho, Rodrigo de
Estado, burocracia e patrimonialismo no desenvolvimento da
administração pública brasileira. – Rio de Janeiro: UFRJ, 2006.
Orientador: José Paulo Netto
Tese (Doutorado) – Universidade Federal do Rio de Janeiro, Escola de
Serviço Social/Programa de Pós-graduação em Serviço Social, 2006.
Referências Bibliográficas: f. 387-397
1. Administração, a questão do Estado e o fenômeno burocrático:
fundamentos da gestão pública. 2. Gênese da administração pública
brasileira. 3. A dialética da administração pública brasileira sob hegemonia
burguesa: burocracia e patrimonialismo da Era Vargas à Ditadura Militar. 4.
Neoliberalismo e contra-reforma administrativa: burocracia monocrática e
patrimonialismo em transformismo. À guisa de conclusão: referências para
a resistência ao gerencialismo na administração pública. I Netto, José
Paulo. II. Universidade Federal do Rio de Janeiro, Escola de Serviço Social,
Programa de Pós-graduação em Serviço Social. III. Estado, burocracia e
patrimonialismo no desenvolvimento da administração pública brasileira.
iii
ESTADO, BUROCRACIA E PATRIMONIALISMO
Rio de Janeiro
Dezembro de 2006
iv
ESTADO, BUROCRACIA E PATRIMONIALISMO
Banca examinadora:
________________________________
Presidente, Prof. Dr. José Paulo Netto
______________________________________
Prof. Dr. Antônio Carlos Mazzeo
______________________________________
Profa. Dra. Elaine Behring
______________________________________
Prof. Livre Docente. Carlos Nelson Coutinho
______________________________________
Profa. Dra. Virgínia Fontes
v
Lucas, trabalho e disciplina são
tarefas árduas e necessárias até
mesmo para adultos. Porém,
podem ser, também, muito
prazerosas.
vi
AGRADECIMENTOS
vii
RESUMO
viii
Résumé
Cette thèse – écrite sous la tradiction marxiste et basée sur l’aspect théorique
à propos de l’État et du phénomène bureucratique – soutient l’idée que la société
capitaliste, afin de developper des actions tournées vers l’universalisation et
l’approfondissement des droits, demande deux condictions fondamentales: un État
fort en ce qui concerne l’aspect social et une large structure bureucratique en tant
qu’ordre administratif.
Dans ce sens, on a analisé l’origine et le developpment de l’administration
publique brésilienne ayant pour objectif de comprendre les raisons historiques
responsables pour l’imbrication de la bureucratie avec le patrimonialisme dans la
constitution de notre ordre administratif. La relation établie entre les secteurs
capitalistes et pas-capitalistes de l’économie constitue la base structurale du pacte
conservateur de domination qui a opéré l’industrialisation brésilienne et engendré la
nécessité d’un ordre administratif laquelle associe des éléments rationaux-légaux
(élément bureucratique) et traditionnels (élément patrimonialiste).
Sur cette base se passe, aux anées 90, la contre-reforme de l’État et la
contre-reforme administrative de caractère gestionnaire. L’analyse met l’accent sur le
gestionisme de façon générale comme une proposition qui n’a pas de relation avec
un modèle pós-bureaucratique car elle ne surpasse pas la bureaucratie ni la
supprime; au contraire, elle indique le maintien de la bureaucratie à travers un
processus lequel ajoute “bureaucratie monocratique” (aux centres des décisions) et
“flexibilité bureaucratique” (à la périphérie de l’ordre adniminstratif) ce qui permet
l’incorporation des traits patrimonialistes dans une gestion publique.
Dans notre argumentation, “l’administration publique de gestion” au Brésil,
mise en jour par le Plan Directeur de la Reforme de l’Apparat de l’État, elle se
structure comme une proposition qui traite la bureaucratie de manière paradoxale –
la monocratisation bureaucratique des centres des décisions et l’affaiblissement de la
bureaucratie pour l’ensemble des actions de l’État, surtout en ce qui concerne
l’aspect social – en l’associant à des éléments d’un patrimonialisme en
transformisme.
ix
SUMÁRIO
INTRODUÇÃO .....................................................................................................................................13
4.1. Antecedentes: anos 80, início dos 90 e a resistência ao modelo neoliberal ................ 253
BIBLIOGRAFIA .......................................................................................................................387
x
Naturalmente enfatizar a importância de uma perspectiva de
longo prazo não significa que possamos ignorar “o aqui e
agora”. Pelo contrário, a razão pela qual devemos nos interessar
por um horizonte muito mais amplo que o habitual é para poder
conceitualizar de maneira realista uma transição para uma ordem
social diferente, a partir das determinações do presente. A
perspectiva de longo prazo é necessária porque a meta real da
transformação só pode estabelecer-se dentro de tal horizonte
(...). Por outro lado, a compreensão das determinações objetivas
e subjetivas do “aqui e agora” é igualmente importante. Pois a
tarefa de instituir as mudanças necessárias se define já no
presente, no sentido de que ao menos comece a realizar-se no
“exatamente aqui e agora” (mesmo que o seja de maneira
modesta, mas com plena consciência das limitações existentes e
das dificuldades para sustentar a jornada em seu horizonte
temporal mais distante) ou não chegaremos a parte alguma.
Embora ninguém deva encorajar uma ação irresponsavelmente
precipitada e prematura, não se pode excluir o risco de que seja
prematura quando se empreende uma grande mudança
estrutural mesmo que os indivíduos atuem da maneira mais
responsável. A verdade é que não se poderá conseguir nada se
ficarmos esperando as condições favoráveis e o momento
adequado.
As pessoas que advogam por uma grande mudança estrutural
devem estar sempre conscientes das limitações que terão de
enfrentar. Ao mesmo tempo, devem estar atentas para evitar que
o peso de tais limitações se congele e se transforme na força
paralisante de alguma “lei objetiva” fictícia que possa desviá-las
de seus objetivos declarados” (Mészáros, 2003: 122).
xi
INTRODUÇÃO
capital.
xii
forma mais direta, nos debates referentes à
1
Sobre os temas globalização, reestruturação produtiva e neoliberalismo ver, respectivamente: Ianni (1993, 1995 e 1996);
Antunes (1995 e 1999); e Anderson (1995) e Netto (1995).
xiii
brasileira para o seu desenvolvimento, a partir de uma perspectiva ético-
assistentes sociais.
xiv
interesse do serviço social e para a participação
mais modesto, nosso objetivo restringe-se a explicitar a concepção que temos sobre
o tema a partir das posições defendidas por Carlos Nelson Coutinho (1980) e José
Paulo Netto (1990), assim mesmo sem a pretensão de fazer uma exegese dos
textos ou explorar a polêmica entre os autores. Nosso enfoque visa apenas salientar
produções no campo das ciências sociais, foi também realizada devido a influência
xv
Em primeiro lugar, cabe apontar a defesa que ambos fazem da democracia
construção do socialismo.
vida nacional” não pode ser vista como um elemento tático, mas sim como “conteúdo
instrumental estratégico.
cabe aqui mostrar o que considero central nessa polêmica. O ponto nodal de embate
Coutinho ela possui valor universal e para Netto ela se apresenta como um valor
instrumental estratégico.
não como estado – Coutinho, 1992: 20) como valor universal pressupõe o entendimento de
que ela “contribui para explicitar e desenvolver os componentes essenciais do ser genérico
2
Destaque no original.
xvi
O autor, ao fazer tal assertiva, não está
estrutura e conteúdo não se pode vislumbrar sem correr o risco de “lançar sobre a
xvii
divergências de opiniões e interesses na sociedade socialista é antecipar e restringir
possibilidades que uma outra ordem societária poderia desenvolver como prática
só pode ser forjada a partir da própria democracia. Por isso, apoiado em Cerroni, o
social.
institucionais que (...) permitem, por sobre a vigência de garantias individuais, a livre
ativa e efetivamente nas decisões que afetam a gestão da vida social”3 (Netto, 1990:
84-85).
determina que é a democracia-condição social que organiza uma nova ordem sócio-
(Netto, 1990).
3
Itálico no original.
xviii
democracia condição social que só se efetiva a partir do momento de tomada do
poder pela classe operária. Pois, só a partir desse estágio é possível “transformar a
(Netto, 1990: 95). Em outras palavras, apenas a partir de uma nova ordem societária
é viável possibilitar chances iguais para que todos possam participar da gestão da
pelo fato dos trabalhadores assumirem o poder político, num quadro de expansão de
Apesar de não ser explicitado pelo autor, consideramos que essa abordagem
democracia-condição social, ou, de outra forma, apesar das “políticas que incidem no campo
4
Fica nítido que a proposição de Netto não se identifica, em nenhum aspecto, com a visão tática sobre a democracia. Apenas
abre a possibilidade histórica de numa sociedade sem classes (sem exploração, onde as riquezas produzidas socialmente são
usufruídas por todos e o poder esteja efetivamente socializado) poder gerar uma nova forma e conteúdo de gestão societária,
radicalmente diferente daquilo que hoje vislumbramos como imaginável a partir das experiências democráticas existentes.
xix
1994: 86), não quer dizer que essa ampliação não seja fundamental para a construção
ampliação de direitos pode levar a uma colisão com a lógica capitalista. Conforme
158).
como a história das lutas sociais travadas pela ampliação dos direitos de cidadania
em suas dimensões civil, política e social. Tais lutas enfrentaram forte reação dos
xx
possibilitaram a constituição do chamado welfare state, a configuração sócio-estatal
propriedade.
cidadania.
fase monopólica do capitalismo, permite que interesses das classes populares, por
5
Negrito no original.
xxi
espaço público entre a esfera econômica e estatal, onde os diversos projetos de
mais uma vez, é que ambos defendem o caminho democrático como sendo o
conquista do poder político, será realizado no campo das lutas de classes8. Ou seja,
6
Encontramos, neste momento, uma outra divergência entre os autores - apesar de não considerá-la central, merece ser
destacada. O processo cumulativo de conquistas e radicalização da democracia, apontado por Coutinho, provoca, em
determinado momento do processo histórico, uma mudança qualitativa que implica a efetivação da hegemonia da classe
trabalhadora e, consequentemente, a ruptura com o capitalismo – lembre-se que segundo Coutinho a ampliação da cidadania
choca-se com a lógica do capital. Esse processo de supressão da dominação política burguesa pode acontecer, segundo Netto
(1990), revestido ou não de violência, dependendo das condições históricas e correlação de forças. O que não significa dizer
que a estratégia revolucionária defendida seja o assalto frontal e violento para a tomada de poder político. Essa possibilidade
de ocorrência de momentos violentos nesse processo de mudança de padrão societário não é explicitado claramente por
Coutinho, dando margem a interpretações que conduzam ao entendimento de que o autor não cogita que possa ocorrer
violência no movimento de construção socialista, dependendo das condições históricas existentes.
7
De acordo com Netto a democracia não é “(...) um instrumento alternativo (...), mas o único que, na sua operacionalização,
antecipa um modo de comportamento social genérico que, no desenvolvimento do processo revolucionário, através de rupturas
sucessivas, tenderá pela prática política organizada e direcionada pela teoria social, a permear todas as instâncias da vida
social” (Netto, 1990: 86). Coutinho, na mesma direção, resume a questão citando o documento político para o 18º Congresso
do Partido Comunista Italiano (1989), o qual afirma que “a democracia não é um caminho para o socialismo, mas sim o
caminho do socialismo” (grifos em Coutinho, 1992: 22).
8
Como vimos na nota anterior, o processo de construção do socialismo, via democratização, implica um dado momento em que
os elementos fundamentais da sociedade capitalista deixam de existir e a direção social (hegemonia) passa a ser da classe
trabalhadora; ou seja: implica na transição socialista, identificada, segundo Netto (1990), pela tomada do poder de Estado pela
xxii
não se trata da construção de consensos com base numa suposta ação fundada na
racionalidade interativa, tal qual formulou Habermas (1988). Refere-se, isso sim, a
políticas em outros espaços e que não tenham como objetivo imediato a luta pelo
classe trabalhadora. Aqui encontramos mais uma divergência central entre os autores, na medida em que Coutinho não define
objetivamente, em sua proposição reformista-revolucionária, o momento em que se dá a efetivação da hegemonia da classe
trabalhadora. No entanto, para o objetivo do presente trabalho, o central não é precisar a questão da transição socialista - o
problema da ruptura com a ordem capitalista (Netto, 1990: 87) - ou definir a partir de que momento passa a se efetivar tal
transição. Para o tema proposto o que interessa é, por um lado, explicitar a importância do processo de democratização para a
superação da ordem capitalista e construção do socialismo e, por outro lado, demonstrar que a gestão, como uma dimensão da
intervenção social, pode ser pensada e implementada como um dos elementos que compõem o processo de democratização
numa perspectiva de construção socialista.
xxiii
não se configurar como espaço central da luta por hegemonia, inserida no processo
lado, a gestão de políticas sociais configura-se como o modus operandi para implementar os
direitos sociais e, por outro lado, a socialização da economia, de acordo com Netto (1990:
da distribuição (gestão social), além de contribuir com a expansão de direitos sociais, pode,
sentido geral e, dessa forma, ser um elemento fundamental para o processo de socialização
capitalismo.
9
Sobre minha interpretação em relação às concepções de Habermas e Gramsci, ver Souza Filho (2001).
10
A abordagem desenvolvida neste texto sobre a relação política social e capitalismo monopolista tem como referência o livro
xxiv
cavalheiros” passam a ser as estratégias dos capitalistas para forçarem a elevação
tecnologias, e queda da taxa média de lucro. Essa situação transcorre num processo
organização, o que provoca amplas lutas sociais com o objetivo de superar os limites
trabalhadores.
xxv
estatal que será estruturada nas diversas nações. Resumindo esse processo, Netto
explicita:
dos lucros pelo controle dos mercados. A forma e o conteúdo das políticas
como funcionais ao capital, por outro eles também atendem a interesses da classe
sua dimensão de gestor de políticas sociais, não se configura como o centro das
11
Entendemos “questão social”, conforme destaca Iamamoto, como o “...conjunto das expressões das desigualdades sociais
engendradas na sociedade capitalista madura, impensáveis sem a intermediação do Estado. Tem sua gênese no caráter
coletivo da produção, contraposto à apropriação privada da própria atividade humana - o trabalho -, das condições necessárias
à sua realização, assim como de seus frutos (...) A questão social expressa portanto disparidades econômicas, políticas e
culturais das classes sociais, mediatizadas por relações de gênero, características étnico-raciais e formações regionais,
colocando em causa as relações entre amplos segmentos da sociedade civil e o poder estatal” (Iamamoto, 2001: 16-17). Para
um mapeamento das determinações teóricas e históricas da categoria “questão social” no marco da tradição marxista, ver,
xxvi
lutas para a transformação da sociedade; no entanto, é um espaço importante para
à política social diz respeito à sua relação com a política econômica. Nesse sentido,
econômica também com este objetivo. Portanto, uma política econômica que reforça
“reforma institucional”14.
xxvii
econômica que privilegie as demandas pela
institucional.
15
Como vimos na seção anterior, “a ampliação da cidadania - esse processo progressivo e permanente de construção
dos direitos democráticos que caracteriza a modernidade - termina por se chocar com a lógica do capital” (Coutinho,
1997: 158).
xxviii
outro lado, possibilita o atendimento imediato
centro de construção desse projeto e o núcleo da luta social que deve ser travada para a
viabilização de um novo padrão societário não estão posicionados no campo das políticas
sociais, conforme pôde ser verificado ao longo da primeira seção. Vale ressaltar, mais uma
vez, após todas as considerações já levantadas, que isso não significa dizer que esse
espaço não se configura como um local onde deva-se travar, também, a batalha pelo
socialismo.
imediatas para a população. Dessa forma, as políticas sociais podem ser efetivadas
num duplo sentido: acumular mudanças para uma radical transformação societária e
16
Navarro corrobora com essa concepção ao afirmar que: “As reformas gerais baseadas em políticas de redistribuição de
recursos entre o capital e o trabalho fortalecem as classes trabalhadoras e as massas populares em sua luta diária contra o
capital. Essas reformas guardam uma lógica que conflita com a lógica do capitalismo e com os interesses do capital” (Navarro,
1993: 195).
xxix
políticas sociais. A mediação entre a
fim proposto.
xxx
particularidade do desenvolvimento do
capitalismo brasileiro.
xxxi
quadro da sociedade capitalista. A escolha da
ao longo do Capítulo I.
xxxii
base estrutural do pacto de dominação conservador
xxxiii
principalmente as da área social –, combinando-a
xxxiv
solucionar alguns dilemas relativos à
propositivas.
xxxv
CAPÍTULO I – ADMINISTRAÇÃO, A QUESTÃO DO ESTADO E O
O educador Vitor Henrique Paro nos fornece uma chave heurística que
instrumentais17.
17
Para o debate sobre racionalidade e sua relação com as escolhas de estratégia e os meios de intervenção, ver Guerra
(1995) e Santos (2006).
xxxvi
utilização de recursos/meios comprometidos com as relações de dominação sejam
recursos. Ou seja, dentre os recursos existentes deve-se utilizar aqueles que mais
tempo possível e o dispêndio dos recursos seja mínimo. A razão assim considerada
detalhada, Paro não se limita a tratar a razão apenas através de sua dimensão
a razão. Sendo assim, a razão não se limita à utilização dos recursos, mas implica,
liberdade humana, é aquela, nas palavras do autor, que coloca “como questão
e seus princípios – devem ser analisados do ponto de vista racional, em seu sentido
18
Ver item 1.3
xxxvii
emancipatório, enquanto os recursos19 devem passar pelo crivo da racionalidade
determinadas.
próprio Paro assinala, é necessário evitar tanto a posição daqueles que identificam a
19
Segundo Paro os recursos “envolvem, por um lado, elementos materiais e conceituais que o homem coloca entre si e a
natureza para dominá-la em seu proveito; por outro, os esforços dispendidos pelos homens e que precisam ser coordenados
xxxviii
econômicas da administração empresarial/capitalista e imputa à própria
palavras do autor:
contribui seja para evitarmos a noção que identifica gestão com a dimensão técnica
(e que, portanto, não deve confundir-se com a política) seja com aquela que
resolve-se naturalmente.
xxxix
muito pelo contrário, devemos enfrentar essa disputa revelando as conexões entre
Estado.
anteriormente.
xl
A partir do enquadramento enunciado acima, um primeiro aspecto a ser
um fim substancial que não existe “em si”, mas passa a existir na medida em que a
movimento que permite ao homem tornar-se objetivo para ele próprio. Em outras
20
Utilizaremos como referência central para tratarmos a concepção de sociedade em Hegel sua obra “Princípios da Filosofia do
Direito” (Hegel, 1997).
xli
Nesse sentido, como afirma Hegel, a liberdade tem na propriedade a sua
primeira existência, o seu fim essencial para si. Apesar de que, do ponto de vista da
necessidade, ela (propriedade) aparece, apenas, como meio e não como fim.
para Hegel “o indivíduo só é livre quando se conhece como livre, e só atinge este
conhecimento quando põe a prova sua liberdade. Essa prova pode consistir na
(Marcuse, 1978: 181). Portanto, uma sociedade que suprime a propriedade privada
sua época, na medida em que nitidamente assume o ponto de vista burguês e não
Por outro lado, o autor alemão, ao entender que a vontade, em sua verdade,
(idem: 114) -, apresenta uma outra dimensão da vontade que exige outras condições
xlii
Podemos dizer que Hegel, assim, estabelece uma ordem social em que a
questão da vontade apenas num postulado moral que parte do indivíduo. Para o
vontade, que pode ser de conhecimento ou não do indivíduo que pode aceitá-la ou
não pelo seu livre-arbítrio, ela estrutura-se de forma objetiva. Ou seja, a vontade
... [Para Hegel] a vontade geral tem uma base objetiva, ou seja, sofre
um processo de determinações histórico-genéticas que transcende a
ação dos indivíduos e seu projetos volitivos singulares. Enquanto
componente essencial do mundo ético, a vontade geral não resulta de
um postulado moral, não é mero resultado da ação ‘virtuosa’ dos
indivíduos ouvindo a ‘voz própria da consciência’, como pensava
Jean-Jacques, mas se apóia numa comunidade objetiva de
interesses, que o movimento da realidade (que Hegel preferia chamar
de ‘razão’ ou de ‘Espírito’) produz e impõe aos indivíduos,
independentemente da consciência e do desejos deles, ainda que o
faça ‘astuciosamente’, ou seja, valendo-se das ‘paixões’ singulares
dos próprios indivíduos (Coutinho: 1998: 63).
xliii
como o “conceito de liberdade que se tornou mundo real” (Hegel, 1997: 141). Ou
Para Hegel, como bem sinaliza Marcuse, “toda a terceira parte da Filosofia do
Direito pressupõe que não exista nenhuma instituição objetiva que não esteja
fundada na vontade livre do sujeito, e nenhuma liberdade subjetiva que não seja
visível na ordem social objetiva” (Marcuse, 1988: 188). A partir desse pressuposto,
realizado pelo Estado. Ou seja, não são dimensões com força para instituir o
21
A sociedade civil em Hegel é formada por três momentos: sistema de necessidades, jurisdição e administração e corporação.
xliv
preferência subjetiva, via propriedade e/ou trabalho, e, dessa forma, apresenta-se
desigualdade.
e corporação, que são os outros momentos que compõem a sociedade civil, onde o
particular apresenta-se como passagem para o universal e não como sua oposição.
xlv
Isso não quer dizer que Hegel considera que os indivíduos devam ser
levar os indivíduos à pobreza e à miséria (idem: 206). Essa situação exige que se
estar deve ser tratado como um direito e realizado como tal” (idem: 203).
Sendo assim, o bem-estar particular, como direito, deve ser viabilizado sem
a função da “administração”:
Dessa mesma forma, a jurisdição é o momento da sociedade civil que prima por
defesa da propriedade. Por outro lado, essas funções exercidas pela administração
e pelos poderes jurídicos são funções de domínio do governo que procura aplicar e
266).
sua realização para si, o que somente ocorrerá na dimensão do Estado (idem:215).
Assim, Hegel traça uma teia de articulação entre o Estado e a sociedade civil,
xlvii
propriedade privada -, numa ordem onde o
que o leva a projetá-lo como uma estrutura forte de intervenção social para que
interesse comum, num mundo sob a égide do capital. Para Hegel, a sociedade
xlviii
O sistema hegeliano, dessa forma, indica
que:
Bem/universal. Para ele, numa sociedade baseada na propriedade privada (e, para
pública.
xlix
Como podemos perceber, do ponto de vista político, Hegel não compartilha
“integração no geral dos domínios particulares e dos casos individuais” (Hegel, 1997:
246). Hegel, ao tratar do poder de governo em sua relação com a sociedade civil,
l
efetivação do interesse comum. E, como vimos anteriormente, o pensador alemão,
pensa num sistema público amplo como componente de um Estado perfeito. Ou seja
de assistência, hospitais, iluminação das ruas, etc.” Esse fato não elimina a
taxativo em afirmar que tal tarefa não pode ser reservada “à particularidade do
contrário, “deve o Estado ser considerado tanto mais perfeito quanto menor, em
comparação com o que está assegurado de modo universal, for a parte que se
22
Nessa mesma pista, podemos inferir que a contradição levantada por Hegel entre o sistema econômico e o interesse geral
expressa a tensão, muito bem formulada por Marshall sobre cidadania e classe social. Ou seja, o autor inglês ao indicar as
lógicas contraditórias entre o funcionamento da sociedade capitalista e a ampliação da cidadania, através da efetivação dos
direitos individuais, políticos e sociais, explicita a tensão entre o interesse universal de cidadania e os interesses particulares
das classes sociais. Nas palavras do autor: “A cidadania é um status concedido àqueles que são membros de uma
comunidade. Todos aqueles que possuem o status são iguais com respeito aos direitos e obrigações pertinentes ao status (...)
A classe social, por outro lado, é um sistema de desigualdade (...) É, portanto, compreensível que se espere que o impacto da
cidadania sobre a classe social tomasse a forma de um conflito entre princípios opostos” (Marshall, 1967: 76). Adiante o
sociólogo afirma que o crescimento da cidadania “coincide com o desenvolvimento do capitalismo, que é o sistema não de
igualdade, mas de desigualdade” (Marshall, 1967: 76).
li
Em resumo, podemos ressaltar que Hegel atribui a tarefa de reconciliação
entre classes antagônicas ao Estado por não encontrar saída estrutural, objetiva e
bem sinaliza Marcuse, para Hegel “só o Estado pode emancipar, embora não possa
com que Hegel altera de posição o predicado e o sujeito. Ou seja, o Estado, para
lii
Hegel, não é o produto da família e da sociedade civil, mas sim, o elemento que
próprio nem da família nem da sociedade civil. A família e a sociedade civil “devem
sua existência a outro espírito que não o seu próprio, são determinações estatuídas
por um outro, e não autodeterminações” (Marx, 1978: 323); os sujeitos, pois, são
transformados em predicado.
Marx, de uma forma mais precisa, escreve, no Prefácio da obra Para a Crítica
sociedade civil23:
sociedade civil:
23
Como muito bem observa Bobbio (1982), em sua análise sobre o conceito de sociedade civil, diferentemente de Hegel, que
além do sistema das necessidades inclui na sociedade civil a justiça, a administração e a corporação, Marx considera
sociedade civil apenas como sendo as relações de produção que formam a estrutura da sociedade, portanto, identifica-a
liii
expressão das relações sociais de produção
universal presente no Estado capitalista. O que Marx aponta é que esta dimensão é
Estado.
No texto de 1843, quando Marx ressalta que Hegel foi quem melhor
liv
Para Marx, então, a dimensão universal do Estado não é falsa, pois compõe a
a qual o sujeito deve interrogar o objeto para que se atinja a sua essência25.
interno, suas conexões, estruturas e contradições, para que seja possível captar as
realizar abstrações cada vez mais sutis e, sendo assim, apreender o objeto em sua
totalidade27.
do pensamento” (Marx, 1996b: 40). Portanto, fica claro que a aparência constitui o
25
Cabe sinalizar que a importância do dado, do empírico, não resvala em nenhum posicionamento empirista. Para uma crítica
ao empirismo, ver Lukács (1981: 65 - 67)
26
De acordo com Tonet, “(...) para uma perspectiva ontológica, as aparências não são meros epifenômenos, coisas sem
importância, trivialidades. Elas constituem um momento do ser social de igual consistência ontológica que a essência” (Tonet,
1995: 42).
27
Lukács destaca, de forma enfática, a relação dialética existente entre aparência e essência, ressaltando sua unidade e
distinção, necessárias para um estudo científico. Nas palavras do autor: “Trata-se, de uma parte, de arrancar os fenômenos de
sua forma imediatamente dada, de encontrar as mediações pelas quais eles podem ser relacionados a seu núcleo e a sua
essência e tomados em sua essência mesma, e, de outra parte, de alcançar a compreensão deste caráter fenomênico, desta
aparência fenomênica, considerada como sua forma de aparição necessária (...) Esta dupla determinação, este
lv
objeto e que, dessa forma, a dimensão de “universalidade” é parte constitutiva do
seja, o Estado não expressa o interesse geral e nem está voltado para o bem
apresentada por Hegel, nada mais é que “uma simples acomodação, um pacto, uma
Estado não viabiliza interesse geral, no máximo ele promove uma acomodação entre
produzir, quanto produzir e como distribuir) são assimétricas, já que o poder está nas
reconhecimento e esta ultrapassagem simultâneos do ser imediato é precisamente a relação dialética. (Lukacs, 1981: 68)
lvi
mãos de quem detém os meios de produção e se apropria da riqueza produzida e
democrática, apresentam essa possibilidade; seja quando o autor afirma que Hegel
Estado moderno (Critica del derecho del Estado de Hegel, 1978: 361 e 375), seja
2002b: 51 e 52), ou, então, quando, ao fazer a crítica aos direitos humanos, Marx
sociedade feudal, mas não leva à emancipação humana (A Questão Judaica, 2002a:
34-37)28.
28
Bobbio, numa precisa análise da “Questão Judáica” concorda com a tese de que a emancipação humana é mais ampla que a
emancipação política, no entanto resgata a necessidade da emancipação política como elemento da emancipação humana.
Nas palavras do autor: “Tese incontestável, contanto que não nos esqueçamos que se a emancipação política não é suficiente,
é no entanto sempre necessária, não podendo existir emancipação humana que não passe pela emancipação política”
(Bobbio, 1979: 54).
lvii
ao Programa de Gotha e Anotações ao livro Estatismo e anarquia de Bakunin)
podemos perceber com clareza a importância dada por Marx ao Estado, no sentido
de que, através dele, alguns interesses das classes dominadas podem ser
alcançados.
que deve ser exercida junto aos democratas para que sejam ampliadas e
229-230).
lviii
quadro revolucionário, devido à impossibilidade
produto social, esclarece que antes de ocorrer qualquer divisão entre os produtores
capacitadas para o trabalho conformam um segundo conjunto de itens que deve ser
garantido pelo produto social antes de ocorrer a repartição individual (Marx, sd: 212-
213).
Nesse segundo conjunto de itens o que temos, numa linguagem atual, são as
ações do Estado para área social. Dessa forma, fica claro que Marx não despreza a
lix
população. Portanto, do ponto de vista da distribuição em relação ao consumo
nova sociedade se desenvolva” (Marx, sd: 213). Ou seja, nos termos indicados, a
pessoas não capacitadas para o trabalho são tarefas de extrema importância para a
Marx, além de sublinhar que “uma revolução social radical está vinculada a
não se encontra mais isolado em sua luta. O poder do Estado, a partir desse
dominante, até que medidas cada vez mais amplas sejam implementadas no sentido
lx
divisão de classes e, conseqüentemente, a estrutura utilizada para dominação. Ou
propriamente dito, pois está voltado para sua extinção - ou seja, para extinção da
O autor, portanto, nos três textos tratados acima, procura mostrar que o
deve ser utilizada em favor dos interesses da classe trabalhadora que é a única com
emancipar a todas (...) só pode redimir-se a si mesma por uma redenção total do
Cabe aqui registrar que o tratamento dado ao Estado por Marx - apesar de
lxi
dimensão “universal” (atendimento a determinados interesses da classe
trabalhadora) - indica que para ocorrer uma intervenção mais ampla do Estado
França” que possuem um nítido caráter progressivo, indicando, portanto, que até a
houver classes sociais haverá Estado, dominação de uma classe sobre a outra e
lxii
sociedade, sob dominação de uma determinada classe, serão atendidos de forma
reforça esse entendimento na medida em que o autor assinala que “na sociedade
favorável à classe trabalhadora que outras formas de Estado, apesar, como reitera
Lênin, de ser uma formação social comprimida “nos limites estreitos da exploração
1980:281)
acima, por que ele não desenvolveu uma teoria mais explícita e “ampliada” de
lxiii
contradições e, por outro lado, por que o pensador alemão manteve uma concepção
A primeira delas diz respeito à questão que Marx se colocou após elaborar a
burguesa? Nesse sentido, seu objetivo passou a ser compreender a sociedade civil
Por outro lado, e aqui já entro na segunda questão, o século XIX foi um século
pese seu equívoco, para ele, em sua época, havia condições objetivas para a
para a tomada de poder e não levantar alternativas para uma atuação institucional
de conquista de espaço. Além disso, é fato também que nesse período, mesmo nos
coerção presente no Estado era muito mais acentuada que a de consenso. As bases
lxiv
no marco da passagem do capitalismo concorrencial para o monopólico29. E como
ressalta Coutinho:
o traço geral apontado por Marx da dimensão contraditória do Estado - a qual lhe
como ente acima das classes -, para mostrar que, o Estado, apesar de ser
Nesse sentido, o que realizamos foi uma análise, com uma nítida ênfase
29
A categoria “Estado ampliado” não é um fenômeno decorrente do capitalismo em sua fase monopólica. No entanto, Gramsci
só pode desenvolver a teoria ampliada do Estado, a partir da fase monopólica do capitalismo. O capitalismo monopolista é a
condição objetiva e necessária para o desenvolvimento teórico da concepção do Estado Ampliado.
lxv
dessa forma, o pensador alemão na tradição da reflexão política moderna
Por outro lado, o cerne do pensamento marxiano, como afirmou Lukács, está
arrancar uma teoria geral do Estado com base em Engels e não no próprio Marx:
“marxismo-leninismo”.
potencializar essa dimensão do Estado que é uma dimensão racional voltada para a
liberdade. Entretanto, segundo Marx, o Estado não pode desenvolver-se nos termos
conforme Hegel.
lxvi
No entanto, o Estado atua, também, atendendo a interesses não dominantes
antagonismos de classe.
objetivas postas.
Em outras palavras, só o Estado, tanto para Hegel quanto para Marx - apesar
lxvii
Estado -, tem poder e capacidade, numa sociedade de classes, de atuar viabilizando
seja, a ampliação e melhora das condições sociais da vida das classes e camadas
procuraremos:
30
Guerreiro Ramos classifica os conceitos sobre a burocracia como sendo negativos (interpretação de Robert Michels, L. von
Mises, Mannheim, Merton, Selznick e Crozier, além dos escritores marxistas) ou como sendo positivos (Weber e Eisenstadt).
lxviii
Weber [e Hegel] e excedê-la. Superar em Weber [e Hegel] as
limitações do tempo e contexto social em que situa a sua obra;
discuti-la sem compromissos ideológicos que impliquem o sacrifício
do intelecto com o respeito que uma obra do porte que ele nos legou
implica (Tragtenberg, 1992: 156-157).
que estão presente nas obras de Hegel e Weber. Em relação a Marx e à tradição
burocrática no Brasil. Assim, conforme ocorreu nos itens anteriores deste capítulo, o
tratamento que daremos ao fenômeno encontra-se num nível mais alto de abstração.
Isto posto, consideramos que podemos iniciar nossa reflexão a partir de Hegel.
Portanto, diferentemente do que Hegel apontava, ela não se efetiva como uma
classe universal.
lxix
atendimento de interesses das classes dominadas, na perspectiva de manter a
aparência de classe universal. Pois, numa perspectiva que não encontra saída
tratar do poder do governo (idem: 266-272), mostra que assim como a sociedade
particulares.
lxx
Segundo o autor, “na realidade, a burocracia se contrapõe, enquanto ‘sociedade civil
perceber que não há na burocracia uma orientação voltada para o interesse geral,
burocracia tem que negar a corporação. Por outro lado, se não houver corporação,
geral. Nesse sentido, não seria necessária a existência da burocracia. Por isso, a
de sua existência. Desse ponto de vista, ocorre a afirmação da corporação por parte
lxxi
fundamental da burocracia deve ser encontrada na estruturação da sociedade de
e aprofundamento de direitos.
apresenta-se como uma das mediações entre o Estado e as classes sociais, visando
e, nesse sentido, tem que atender a interesses das classes dominadas, como vimos
lxxii
Assim, encontramos na filosofia hegeliana e na crítica marxiana a relevância e
essas questões.
Burocracia e dominação
Agora trataremos de uma outra dimensão da dominação que também está presente
na burocracia.
lxxiii
(Weber 1999a: 139). Nesses termos, Max Weber define a burocracia como sendo a
implica apenas a questão da “obediência” (Weber, 1999b: 191). Esse sentido “mais
administração e dos meios objetivos para sua consecução (mesmo sendo essa
lxxiv
apropriação uma possibilidade teórica abstrata), esse quadro administrativo
ficar concentrado nas mão de um pequeno grupo responsável pela condução política
na medida em que esse grupo se apropria, também, dos meios de produção. O que
evoca, mas pelo o caráter político e econômico de classe que ela possui.
Por outro lado, convém também ressaltar que Marx não despreza ou minimiza
lxxv
analisa positivamente a estrutura de gestão da Comuna, na medida em que ela
respeito à distinção que o autor faz entre burocracia e quadro técnico32. Ou seja, a
sentido estrito está vinculada à forma de controle e registro estabelecidos por ela.
Essa dimensão deve ser superada e o controle e registro devem ser realizados pelos
31
Voltaremos a essa questão quando tratarmos da administração pública democrática.
32
Esta questão foi muito bem observada por Netto (2004: 118).
lxxvi
Para o autor, todo comando implica obediência e em toda obediência está
alcançar e esse comando pode ser hierarquicamente imposto ou ser efetivado por
dominação, é tratada por Gramsci como uma questão não vinculada diretamente à
dominação política, mas presente em toda relação que envolve comando; dessa
do poder for arbitrária ou uma imposição extrínseca e exterior, ela será servil
de ser tratada pelos marxistas, apesar da questão central, para autores vinculados à
administração em geral desenvolvida por Paro: como não trabalha com a concepção
lxxvii
“estreita” de dominação, mas sim com a concepção da tradição marxista, não faz
sua concepção. Pois, segundo o autor, coordenar o esforço humano coletivo é uma
das dimensões da utilização racional dos recursos para atingir fins, ou seja, é uma
coordenação realizada.
econômica de classe.
33
Desenvolveremos o tema da racionalidade e suas implicações na administração, de forma geral, e na burocracia,
especificamente, nas próximas duas seções.
lxxviii
Esse fato não desqualifica o significado do conceito weberiano, apenas indica
administração.
Cabe ainda ressaltar que o fato de Weber tratar a dominação sob o ponto de
burocracia busca excluir o público da análise de suas ações, sugerindo que não
34
Para Weber, o saber oficial é “o conhecimento somente acessível aos funcionários pelos meios do aparato oficial, dos fatos
concretos que determinam suas ações” (Weber, 1999b: 565).
lxxix
Sem desconsiderar a questão do segredo como constituinte de determinadas
lxxx
uma figura dirigente é um ‘funcionário’, segundo o espírito de sua
direção, mesmo um funcionário muito competente – alguém, portanto,
que está acostumado a realizar seu trabalho de acordo com os
regulamentos e a ordem dada, cumprindo honestamente seus
deveres – então não presta para ocupar uma posição à cabeça de
uma empresa da economia privada, nem à cabeça de um Estado” (
Weber, 1999b: 543).
Weber, assim, nos oferece três elementos centrais para refletirmos sobre os
do que muitos afirmam, Weber não possui uma atitude positiva, simplista e
lxxxi
dominação de classe - ou seja, dominação política, segundo Marx - e sua tendência
A racionalidade burocrática
capitalistas. Ou seja, até que ponto a estrutura burocrática serve apenas aos
nos leva a refletir sobre a racionalidade burocrática e sua expressão material, o que
lxxxii
racionais vinculadas a outros tipos de dominação legítima (dominação tradicional35 e
burocrática é uma administração racional. Por isso, Weber afirma que “só existe
146).
pois, se assim não for, a diferença entre as concepções pode ser mais ampla, sutil e
35
De acordo com Weber: “Denominamos uma dominação tradicional quando sua legitimidade repousa na crença na santidade
de ordens e poderes senhoriais tradicionais(...). O dominador não é um ‘superior’, mas senhor pessoal; seu quadro
administrativo não se compõe primariamente de ‘funcionários’ mas de ‘servidores’ pessoais, e os dominados não são ‘membros
da associação’, mas 1) ‘companheiros tradicionais’ ou 2) ‘súditos’. Não são os deveres objetivos do cargo que determinam as
relações entre o quadro administrativo e o senhor: decisiva é a fidelidade pessoal de servidor” (Weber, 1999a: 148).
36
A dominação carismática é a dominação baseada na “qualidade pessoal considerada extracotidiana (...) e em virtude da qual
se atribuem a uma pessoa poderes ou qualidades sobrenaturais, sobre-humanas, ou, pelo menos, extracotidianos
específicos(...)” (Weber, 1999a: 158-159). Conforme o autor explicita, o “quadro administrativo do senhor carismático não é um
grupo de ‘funcionários profissionais’, e muito menos ainda tem formação profissional. Não é selecionado segundo critérios de
dependência doméstica ou pessoal, mas segundo qualidades carismáticas (...). Não há ‘colocação’ ou ‘destituição’, nem
‘carreira’ ou ‘ascenso’, mas apenas nomeação segundo a inspiração do líder, em virtude da qualificação carismática do
invocado” (Weber, 1999a: 159-160).
lxxxiii
Contudo, como o surgimento e o desenvolvimento da razão moderna está
assalariado.
que não se questiona a finalidade para qual está sendo desenvolvida e aplicada.
lxxxiv
a redução teórica da razão à racionalidade analítica (Netto: 1994a:
32).
valor na ciência -, mas apenas referir-se à análise sobre os meios utilizados para
funcional) se expressa
Assim sendo, Weber opera uma cisão da realidade entre o mundo da racionalização
(Tragtenberg, 1992:116).
ação racional relativa a fins e ação racional relativa a valores. Devemos, portanto,
esclarecer qualquer tipo de dúvida que possa pairar sobre este tema.
37
Conforme assinala Silva, segundo Weber a ciência contribui para definir os meios mais adequados a determinados fins,
indicar as previsíveis consequências da realização dos nossos objetivos, esclarecer a importância do que se procura atingir e
ajudar a explicitar os valores relacionados aos fins desejados. “Ou seja - o único dilema a que a ciência não responde é
lxxxv
A ação racional referente a fins, na definição de Weber, é aquela realizada
por
fim.
Por outro lado, a ação racional referente a valores é aquela determinada “pela
crença consciente no valor – ético, estético, religioso ou qualquer que seja sua
esclarece que “distinguem-se entre si pela elaboração consciente dos alvos últimos
ação realizada a partir da consciência que o ator tem dos valores que a
racionalidade nesse caso está na consciência dos valores que orienta a ação, sejam
racionalidade não se encontra no valor, mas sim na consciência que se tem sobre o
precisamente o mais importante; que fins fixar, que valores escolher” (Silva, 1988: 53)
38
Ação social afetiva é aquela determinada por afetos ou estados emocionais atuais (Weber, 1999a: 15).
39
Ação social tradicional é aquela determinada por costume arraigado (Weber, 1999a: 15).
lxxxvi
Assim sendo, os fins definidos, na ação racional referente a fins, e os valores,
na ação racional referente a valores, não são categorias que Weber atribuía à
por Weber, a partir da distinção que ele estabelece entre “julgamento de valor” e
matéria estudada com valores, mas nunca julgando-os (Aron, 1990: 470).
lxxxvii
Essas relações ficam ainda mais intricadas quando o autor afirma que:
Essa formulação pode sugerir ao leitor desavisado que Weber, ao indicar que
a polêmica entre os fins pode ser resolvida pela racionalidade referente a valores,
estaria imputando racionalidade ao valor que servirá de orientação para os fins que
se quer atingir, através de meios racionais. Ou seja, o leitor pode interpretar que a
racionalidade referente aos valores definirá o fim a ser perseguido por uma avaliação
racional.
polêmica entre os fins será resolvida fundamentada nos valores que o sujeito em
aos valores em relação à racionalidade referente aos fins, na medida em que, para
ele, os valores não são racionais - racional é a consciência dos valores que orienta a
ação.
lxxxviii
melhores instrumentos para a tingir determinados objetivos). Por outro lado, a ação
racional referente a valores seria a ação voltada para a definição dos objetivos e
pressupõe uma estrutura axiológica, apesar de nem sempre ela estar explícita ou ser
explicita essa relação dialética entre fins e meios presente na ação racional
administrativa.
racionalidade não atinge as questões sobre a pertinência racional dos fins e valores
definidos.
lxxxix
A burocracia para ele é um tipo de poder. Burocracia é igual à
organização. É um sistema racional em que a divisão de trabalho se
dá racionalmente com vista a fins. A ação racional burocrática é a
coerência da relação de meios e fins visados (Tragtenberg, 1992:
139).
A menção que Weber fará sobre a finalidade da burocracia é mostrar que ela
weberiano.
e na China (Weber, 1999b: 204-205), ele deixa claro que a expressão definitiva da
calculável”, por isso requer uma forma racional de dominação (Weber, 1999a: 146).
xc
Do mesmo modo que o capitalismo, em sua fase atual de
desenvolvimento, exige a burocracia – ainda que os dois tenham
raízes históricas diversas -, ele constitui também o fundamento
econômico mais racional – por colocar fiscalmente à disposição dela
os necessários meios monetários – sobre o qual ela pode existir em
sua forma mais racional (Weber, 1999a: 146).
tem no capitalismo seu mais alto grau de manifestação. Essas demandas para a
xci
previdência interlocal e organizada em economia pública, isto é:
burocrática, para as mais diversas necessidades da vida, que
antigamente eram desconhecidas ou satisfeitas localmente ou pela
economia privada (Weber, 1999b: 211).
na manipulação dos meios necessários para atingir um fim determinado (Paro, 2000:
55). No entanto, o fim a que se destina a burocracia não fica explícito diretamente.
exploração do homem pelo homem, enfim, uma racionalidade não libertária, não
caso o fim não é racional no sentido moderno do termo, os meios também não o
constituição.
xcii
burocrática, a possibilidade da burocracia colocar-se à disposição de diferentes
recursos para atingir fins determinados necessita de adequação entre fins e meios?
socialismo?
pois eles sempre estão relacionados a algum tipo de finalidade, isto não significa
xciii
apesar de não serem neutras, não estão condenadas a servir apenas àquela
nova sociedade, uma sociedade sem classes, ainda não está consolidada e, por
que tenham como perspectiva a superação dessa estrutura. Por outro lado, a
autonomia relativa existente entre meios e fins permite vislumbrar meios que possam
capitalismo, mas sim como a própria administração capitalista, que pode ser
xciv
organizada de diferentes maneiras, para garantir a dominação de classe, através de
para ele, a burocracia é uma ação racional que possui validade independente da
xcv
da racionalidade da administração burocrática e suas implicações para uma
democrática.
uma certa autonomia dos meios em relação aos fins, que alguns parâmetros da
xcvi
características procuraremos problematizá-las e destacar, na seção seguinte, a partir
administrativos;
c) Baseada em documentos;
xcvii
e) Requisição do emprego da plena força de trabalho do funcionário, quando
horária fixada;
forma que o senhor legal típico, enquanto ordena e manda, obedece à ordem
impessoal pela qual orienta suas disposições. Por outro lado, quem obedece,
apropriação do cargo;
xcviii
São essas características, tanto da estrutura quanto do quadro administrativo,
capitalista.
para si, atribui a ela (classe universal) uma intervenção na sociedade segundo as
instrumental.
Dessa forma, qualquer indivíduo pode vir a compor a burocracia e, nesse sentido,
fazer parte da classe universal e, assim, cumprir o dever relativo à profissão oficial
que exerce, que é a substância de sua situação. Para isso, deve o profissional ser
remunerado e não voluntário, pois a ação voluntária, como ressalta Hegel, tende a
ser desenvolvida por finalidades subjetivas e não objetivamente como deve ser uma
xcix
Por outro lado, Hegel, por que trabalha com uma concepção de racionalidade
ela se vê40, pode também ser utilizada em relação as características que Weber
realmente é.
Por outro lado, os conteúdos dessa ordem administrativa não são analisadas
racional e responsável pelos interesses gerais é como ela própria se vê. Podemos
afirmar que a descrição empírica realizada por Hegel e Weber corresponde a traços
efetivos que a burocracia possui e, por outro lado, a finalidade universal, de cunho
fenômeno burocrático.
40
“Hegel nos oferece uma descrição empírica da burocracia, em parte tal e como realmente é e em parte de acordo com a
opinião que ela tem de si mesma” (Marx, 1978: 358).
c
Isto significa que a base material da burocracia expressa possibilidades de
formalismo de um conteúdo que está fora dela (Marx, 1978: 358). Essa
interesses privados.
ci
Portanto, os fins formais da burocracia, entendidos como a preservação do
interesse geral na sociedade, entram em conflito com os seus fins reais que é a
também compartilhada por Weber, quando este afirma que “a burocracia puramente
quanto outros quaisquer” (Weber, 1999b: 224). Ou seja, para Weber o conteúdo da
através de mecanismos que podem servir a fins não capitalistas, na medida em que
cii
Portanto, segundo Weber, esses elementos que estabelecem a
atributos da burocracia.
É interessante notar que Marx, nos anos 40 do século XIX, já indicava essa
do Estado. Dessa forma, conforme Weber sinaliza, viabiliza-se uma aliança entre a
funcionários e a diminuição de seu (do senhor) poder em si. Nas palavras do autor:
41
Segundo Weber, “a burocracia aspira, por toda parte, ao desenvolvimento de uma espécie de ‘direito ao cargo’, mediante a
criação de um procedimento disciplinar ordenado e a eliminação do poder totalmente arbitrário do ‘superior’ sobre o
funcionário, enquanto procura assegurar a posição deste, sua ascensão regular, seu sustento na velhice.” (Weber, 1999b:232).
ciii
se de forma racional, a burocracia, como o próprio sociólogo admite, não revela a
realizado de acordo com regras gerais, mais ou menos fixas e mais ou menos
abrangentes, que podem ser aprendidas (Weber, 1999b: 198 – 200); e c) o fato de
que, em relação ao poder de mando e obediência, tanto o senhor legal típico quanto
existe uma relação entre a classe social em que o burocrata é recrutado e o seu
burocrática, isso pode gerar uma seleção de quadros que possuem valores políticos
Essa questão torna-se mais evidente quando Gramsci esclarece que todo o
sua ação se identifica com os fins do Estado” (Gramsci, 2000: 282) e não porque é
42
Para dirimir qualquer tipo de dúvida, cabe esclarecer que Weber, apesar de relacionar o desenvolvimento da burocracia com
o capitalismo, não imputa à burocracia a finalidade de expansão capitalista. O autor considera a organização burocrática
civ
empregado do Estado e submete-se à hierarquia burocrática. Assim sendo,
“funcionários do Estado”43.
que não estão alinhados ao projeto político de dominação existente. Nesse caso,
Não estamos querendo dizer com isso que a burocracia seja uma força de
vista dos dominados. Porém, numa perspectiva imediata, ela (burocracia), por
pública, apresenta-se como a estrutura mais propícia para viabilizar a luta política no
dominadas.
cv
Por outro lado, a construção da universalidade e a realização da liberdade, ou
radicalmente democrática.
cvi
patrocinadores, o insulamento burocrático não é de forma nenhuma
uma processo técnico e apolítico ... (Nunes, 1997: 34).
política e configura seu domínio integral da área econômica. Essa situação para
Weber é uma possibilidade real e por isso o autor preocupa-se em refletir, como
“funcionário”.
que este é um mau estadista, pois a base de sua intervenção é a disciplina e não a
cvii
Assim sendo, a dimensão de dominação presente na administração, de uma
organização burocrática.
autor:
cviii
Em relação à divisão de competências, Weber aponta que essa estratégia
para avaliar as ações desenvolvidas pela estrutura burocrática. Para isso, ressalta o
“saber oficial”44, além de ser previsto o direito de argüição para que o parlamento
matizes de pensamento.
partir da formulação hegeliana, aponta essa questão como uma dualidade não
elaborar o controle como algo vindo da o poder soberano, de cima para baixo, e das
Em relação ao controle exercido pela autoridade soberana, de cima para baixo, Marx
sublinha que ela exerce os maiores abusos de poder - portanto, o controle para
44
Ver nota 34.
cix
evitar abuso de poder burocrático é realizado, por cima, pelo principal responsável
onde o poder soberano está nas mãos de representantes das camadas, até então
dominação na sociedade.
não para superação desta ordem. Controlar a burocracia não é superá-la; portanto, a
questão de fundo que deve ser posta não é a do controle, mas sim a da superação.
elemento que se coloca como necessário para ampliar os interesses das classes
dominadas. Nessa perspectiva, deve ficar explícito que uma estrutura de controle
administração. Para Marx, a Comuna de Paris foi o exemplo histórico de sua época,
45
“Segundo o § 295 [da Filosofia do Direito], vemos que ‘a garantia do Estado e dos governos contra os abusos de poder das
autoridades e de seus funcionários’ se faz, em parte, pela ‘hierarquia’ (como se a hierarquia não constituísse o abuso principal
e os pecados pessoais dos funcionários pudessem ser comparados com seus necessários pecados hierárquicos ...)” (Marx,
1978: 365).
cx
por sufrágio universal e responsabilizáveis e substituíveis a qualquer momento, tanto
pois, para a sua realização, as associações devem ser limitadas nas seguintes
dimensões:
“grande, complexo e socializado aparelho dos correios, dos caminhos de ferro, das
grandes fábricas, do grande comércio, dos bancos, etc” (Lênin, 1980: 290).
cxi
especialista para tarefas a serem executadas sob o comando da classe
primeira fase da sociedade comunista” (Lênin, 1980: 290). E, de acordo com sua
análise:
burocrática.
constitui-se como
cxii
uma contínua adequação da organização ao movimento real, um
modo de equilibrar os impulsos a partir de baixo com o comando pelo
alto, uma contínua inserção dos elementos que brotam do mais fundo
da massa na sólida moldura do aparelho de direção, que assegura a
continuidade e a acumulação regular das experiências: ele é
‘orgânico’ porque leva em conta o movimento, que é o modo orgânico
de revelação da realidade histórica, e não se enrijece mecanicamente
na burocracia; e ao mesmo tempo, leva em conta o que é
relativamente estável e permanente ou que, pelo menos, move-se
numa direção fácil de prever, etc. (Gramsci, 2000: 91).
Gramsci trata da relação que deve ser estabelecida entre base e direção para
2000: 91).
controle da burocracia.
cxiv
transparência e fragilizar a direção hegemônica, criando, dessa forma,
que ser amplo e forte não garante “universalidade”, mas é uma condição
para tal.
sociedade de classes.
cxv
organização administrativa (das formas
cxvi
CAPÍTULO II – GÊNESE DA
ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA BRASILEIRA
sentido hegeliano ou, mais precisamente, orientado para atender, de forma mais
direitos.
nem o Estado nem a burocracia são instituições que podem se realizar efetivamente
como as únicas instituições que podem atender aos interesses das classes
subalternas de forma mais substantiva, uma vez que, sem Estado e burocracia, a
cxvii
orientado nessa direção, para que as políticas sociais possam seguir esse caminho.
sociais.
mais ou menos fixas e mais ou menos abrangentes, que podem ser aprendidas
mando e obediência, que envolva tanto o senhor legal típico quanto o corpo
cxviii
devemos entender a materialidade em que se desenvolvem tais políticas sociais em
visto que estas são as bases concretas a partir das quais devemos pensar as
administrativa, devemos apresentar pistas para uma gestão social que tenha como
cxix
O intento é chamar a atenção para o equívoco das interpretações
(1998: 93), na qual o autor observa que a “revolução burguesa” no Brasil produziu
O fato de assumirmos esse ponto de partida não significa, como será visto,
que concordamos com ele. Tal ponto de partida serviu como sugestão para o início
da investigação, uma hipótese que foi testada. Por isso, ao longo deste capítulo e do
cxx
abordada no capítulo anterior - mas que consideramos fundamental retomar e
das relações sociais de produção. Por outro lado, a ordem administrativa como
Isso não significa dizer que a questão da ordem administrativa seja um mero
uma autonomia relativa da ordem administrativa que pode vir a fortalecer sua
cxxi
Por outro viés, a abordagem weberiana também nos permite desvelar as
materialista-dialético.
Império.
forte estrutura centralizada de Estado, conduzida pelo rei, para agir como agente
econômico ativo, dando maior dinamismo às atividades comerciais. Por outro lado, a
46
De acordo com Weber (1999a: 141 e 142) a tipologia ideal oferece ao trabalho empírico “...somente a vantagem – que
freqüentemente não deve ser subestimada – de poder dizer, no caso particular de uma forma de dominação o que há nele de
“carismático”, de “carisma hereditário”, de “carisma institucional”, de “patriarcal”, de “burocrático”, de “estamental” etc., ou seja,
em que ela se aproxima de um destes tipos, além da de trabalhar com conceitos razoavelmente inequívocos. Nem de longe se
cogita aqui sugerir que toda a realidade histórica pode ser “encaixada” no esquema conceitual desenvolvido no que segue”.
cxxii
nobreza não perde seu papel na estrutura de poder, mas passa a compartilhá-lo
Essa situação descrita por Faoro indica claramente - apesar de o autor não
elaborar, por motivos óbvios, tal análise - que o Estado português que surge após a
mesmo que o poder não fosse exercido diretamente por essas classes. O Estado
comercial, ainda que não destitua o papel de influência no poder que a nobreza
possuía.
determinante.
para poder viabilizar o projeto comercial. Por outro lado, o poder centralizado nas
cxxiii
implementar e organizar a ação estatal. Uma combinação de especialização com
ausência de impessoalidade.
entre bens públicos e privados do rei, está presente desde o período das lutas
confiança pessoal para lidar com esse patrimônio real que se confunde com o
patrimônio público.
cxxiv
Para Faoro (2004: 47), essa engenharia institucional configurará a “ordem
dominação47, fundada na lealdade que se deve ter ao poder exercido pelo senhor.
dominação tradicional, mostrando que a ele faltam: competência fixa segundo regras
objetivas, hierarquia racional fixa, nomeação regulada por contrato livre, ascenso
47
Ver nota 35 no Capítulo 1.
cxxv
realizado a partir de pessoas tradicionalmente ligadas ao senhor (recrutamento
acima das classes. Essa ordem administrativa, apesar de possuir maior autonomia
seja mantendo a influência política da nobreza, mesmo sob uma ótica de imbricação
cxxvi
É importante destacar que a centralização exigida pela estrutura política
patrimonial, com a progressiva divisão das funções, apresenta aspectos que são
Isso não significa dizer que a centralização conseguia fazer com que a
cxxvii
Muito mais importante, no entanto, do que constatar que a ordem
dominantes.
48
Conforme ressalta Cardoso de Mello (1998: 39), “A economia colonial organiza-se, pois, para cumprir uma função: a de
instrumento de acumulação primitiva de capital. (...) A produção colonial deveria ser, deste modo, mercantil. Não uma produção
mercantil qualquer, porém produção mercantil que, comercializável no mercado mundial, não concorresse com a produção
metropolitana. (...) Produção colonial, em suma, quer dizer produção mercantil complementar, produção de produtos agrícolas
coloniais e de metais preciosos.”
cxxviii
quase que absoluta da especialização na estrutura administrativa. Caio Prado Júnior
ordem administrativa da corte exigirá uma dimensão burocrática mais presente, que
irá se expandindo, como nos mostra Faoro, por dentro do Estado Patrimonial
enquanto, por outro lado, a dimensão patrimonial se apresenta com todo o seu vigor.
Assente numa tal base, a administração colonial não podia ser outra
coisa que foi. Negligencia-se tudo que não seja percepção de tributos;
a ganância da coroa, tão crua e cinicamente afirmada, a
mercantilização brutal dos objetivos da colonização, contaminará todo
mundo. Será o arrojo então geral para o lucro, para as migalhas que
sobravam do banquete real. O construtivo da administração é
relegado para um segundo plano obscuro em que só idealistas
deslocados debateram em vão.
cxxix
O caráter estamental do patrimonialismo português também estará presente
adiante.
expressa o poder de fato existente na sociedade colonial, a vida gira ao redor dessa
estrutura básica de raiz local, formando o “clã patriarcal”. “Quem realmente possui aí
exercido pelos proprietários rurais. Isso projeta uma organização administrativa que,
(2004: 146-153) mostra como a estruturação do governo local será realizada como
visava criar, pelo alto, a ordem política no Brasil. A repressão e a conciliação dos
cxxx
interesses em conflito serão as formas utilizadas pela coroa para lidar com o poder
local.
articulação entre o poder central, exercido pela coroa, e o poder local, dirigido pelos
proprietários rurais.
essa relação entre o poder central e o poder local, através da submissão do último
ao primeiro.
por um juiz presidente de nomeação feita pela coroa e composta por oficiais eleitos
suas funções. Se, por um lado, as Câmaras eram presididas por um juiz de
confiança da coroa, por outro lado, também absorviam as lideranças locais, via
eleição, dispondo de condições de integrar seu corpo funcional com outros membros
que compõem, junto com as tropas de linha e as milícias, o setor militar da colônia.
As ordenanças como forças locais eram responsáveis para atender a serviços locais:
comoção interna e defesa. Elas, nesse sentido, serão fundamentais para manter a
ordem legal e administrativa do Brasil. Todavia, para a coroa viabilizar tal intento, o
cxxxi
comando das ordenanças ficará nas mãos dos proprietários rurais que, como vimos,
torno de sua propriedade, riqueza e autoridade. Portanto, nada mais imediato do que
aquele que será forjado pelo próprio desenvolvimento da estrutura econômica, social
cxxxii
e política da ordem colonial brasileira, na qual o poder dos proprietários rurais será
ordem legal ditada pela coroa. Dessa forma, podemos perceber como a ordem
proprietários rurais.
cxxxiii
Embora Faoro tenha o mérito de apresentar como o patrimonialismo se
expressão de classe que o Estado colonial representa; muito pelo contrário, acentua
objetivar tal dominação. O fato de o processo ser diferente dos casos clássicos de
cxxxiv
Nesses casos não clássicos, a ascensão burguesa ocorre não eliminando a
ascendente opta por um processo de transição fundado na aliança com as elites pré-
por um lado, a expressão desse pacto e, por outro lado, o sujeito político
Moore Jr.), ou, nas palavras de Gramsci, uma “revolução passiva”49, embora, em
49
Gramsci (2001:393), ao tratar do historicismo crociano, explicita de forma precisa a concepção de “revolução passiva” ou
“revolução-restauração”; de acordo com o autor, essas categorias “exprimem, talvez, o fato histórico da ausência de uma
iniciativa popular unitária no desenvolvimento da história italiana, bem como o fato de que o desenvolvimento se verificou como
reação das classes dominantes ao subversivismo esporádico, elementar, não orgânico, das massas populares, através de
‘restaurações’ que acolheram uma certa parte das exigências que vinham de baixo; trata-se, portanto, de ‘restaurações
progressistas’ ou ‘revoluções-restaurações’, ou, ainda, ‘revoluções passivas’. Seria possível dizer que se tratou sempre de
revoluções (...) nas quais os dirigentes salvaram sempre o seu ‘particular’”.
cxxxv
política no País. Em relação a essa conciliação, Mazzeo (1997: 91) afirma de forma
conclusiva:
área rural brasileira, a qual, do ponto de vista da dominação, exercerá seu poder
durante toda nossa história imperial e republicana, visto que as mudanças que
nacional e estrangeira. Mas isso veremos, com mais detalhe, no item seguinte.
Entretanto, tal “inversão” também traz para cá o que será o embrião da estrutura
cxxxvi
e relações exteriores, passaram a ser tomadas no Brasil a partir do aparelho de
câmaras, em busca estes de títulos e das graças aristocráticas. A corte está diante
de sua maior tarefa (...): criar um Estado e suscitar as bases econômicas da nação.”
ordem administrativa colonial. Apesar de tal tema já ter sido objeto de reflexão,
consideramos necessário afirmar, para evitar qualquer tipo de dúvida sobre nossa
possibilita qualquer margem de dúvida sobre quem detém o poder. No entanto, para
lado, não podemos esquecer que as riquezas exploradas e enviadas a Portugal são
extraídas e/ou produzidas sob comando desses proprietários. Sendo assim, apesar
de o centro de poder não estar não mãos desses senhores, não significa dizer que
cxxxvii
eles não cumprem um papel fundamental na estrutura político-administrativa da
cxxxviii
a base do poder político. Tal fato configura-se como central para entendermos o
contradição assinalada pelo autor, apesar de ser utilizada muito mais como
Com a abertura dos portos, após a chegada da família real ao Brasil, cresce a
cxxxix
governamental perde hegemonia frente às fazendas, na medida da expansão da
presença dos ingleses no comércio com o Brasil. Esse quadro se complexifica mais
cxl
Do ponto de vista econômico, “a queda do ‘exclusivismo metropolitano’ e a
mercantil escravista cafeeira, que teve como origem para seu desenvolvimento o
aporte do capital mercantil nacional, expandido a partir da vinda da família real para
medida em que não são mais necessários produtos agrícolas coloniais e metais
cxli
administrativa com certo nível de racionalidade e especialização para produzir leis e
que poderiam colocar em perigo a ordem e os poderes dominantes. Por outro lado,
essa centralização reduz o poder dos proprietários rurais, que desejam a unidade
50
“...a monarquia portuguesa, depois de 736 anos de existência, possuía 16 marqueses, 26 condes, 8 viscondes e 4 barões,
enquanto a brasileira, nos primeiros oito anos de vida, não se contentava com menos de 28 marqueses, 8 condes, 16
cxlii
nacional e o controle dos movimentos radicais, mas desejam, também, maior
– que conviveu com períodos de maior autonomia do Poder Local, através das
cxliii
forma, será resgatada a experiência colonial das ordenanças. Ou seja, será criado
um aparato auxiliar ao exército, que terá como função, de acordo com seu primeiro
tranqüilidade pública...” (Faoro, 2004: 302). Esse aparato ficará sob controle do
poder civil, que nomeará chefes políticos locais para exercerem o comando local das
guardas, cujo posto de maior graduação será o de coronel. Portanto, essa instituição
no período. Conforme sublinha Carvalho (2001: 37), a “Guarda Nacional (...) era
legal”.
eletiva, pré judicial, com o objetivo de conciliar litígios e evitar conflitos, reforçará o
poder local dos proprietários rurais, na medida em que será um cargo eleitoral
presidente nomeado pelo Imperador, que tinha como objetivo, a partir da legislação
cxliv
estabelecida pelas Assembléias, executar e fazer cumprir as leis, prover os
1976: 213-214). Essa engenharia buscava garantir o controle das localidades pelo
No entanto, o governo central, muitas das vezes, ficava com as mãos atadas
frente aos poderes locais, na medida em que estes controlavam todo o aparato
poderia expressar uma força que se contrapunha ao poder central, ainda que
portanto do mesmo grupo de poder dos vencedores das eleições. Dessa forma,
51
Conforme sinaliza Abrúcio (2002: 34), “o presidente da província tinha vários instrumentos para cooptar a classe política
local: primeiro, designava as autoridades municipais, sendo os policiais (...) os mais importantes; segundo, tinha um enorme
poder de nomeação para empregos públicos; terceiro, indicava os nomes para o Poder Central de quem poderia ocupar cargos
na Guarda Nacional e obter os títulos nobiliárquicos, tão cobiçados pelos grandes fazendeiros".
cxlv
Entretanto, é forçoso lembrar que, contraditoriamente, o Presidente da
província não disporá de total liberdade política, na medida em que será nomeado
pelo Imperador e não eleito pelo voto local. Esse fato garante ao governo central um
percebia a importância do voto para o chefe político, mais ele barganhava e utilizava
destaque.
cxlvi
A primeira refere-se ao fortalecimento da estrutura patrimonialista que vai se
que controlam o poder policial, a partir de sua riqueza e prestígio político, e, por isso
central, via Presidente da Província. Dessa forma, conforme assinala Faoro (2004:
310), “a moldura legal tem diante de si forças atomizadas, isoladas e não solidárias,
cxlvii
brasileiro irá sofrer a pressão do setor urbano comercial exportador que se
proprietário rural pelo Estado, visto que, como demonstra Cardoso de Mello, se por
um lado o produtor rural cafeeiro depende do capital comercial, devido aos elevados
que se trata do único investimento existente rentável (Cardoso de Mello, 1998: 67-
69).
rurais.
medida recoloca uma estrutura vitalícia, composta pela oligarquia, como garantia do
332-333).
cxlviii
reforma do Código, institui-se o chefe de polícia em cada província, nomeado pela
atribuições similares aos dos juízes de paz. Dessa forma, esvazia-se o poder dos
condução das questões judiciais, pois os chefes de polícia seriam indicados dentre
príncipe e o funcionário.
poder.
cxlix
Imperador. Dessa forma, reproduzem-se as relações políticas presentes antes da
rural da estrutura de poder. Vejamos a análise do autor que, apesar de extensa, vale
ser registrada:
forma correta, o papel da burguesia mercantil, pois, como muito bem interpreta
cl
capital. No entanto, diferentemente do autor d’O Capitalismo Tardio, Faoro não
cafeeira, fato que o leva a subestimar, mais uma vez, o papel dos proprietários rurais
Apesar de seus traços básicos, a lei de 1841 não pode ser encarada
simplesmente como um esgotamento do poder local, ou seja, dos
proprietários de terra. Na verdade, o que de certa forma se verifica é
o estabelecimento do governo como administrador do conflito local e
das disputas entre grupos dominantes, pois a nomeação por ele dos
delegados e subdelegados não viola a hierarquia local de poder.
Assim, faz-se necessário sublinhar que os elementos não integrantes
dos grupos dirigentes locais eram excluídos das funções de mando
públicas com as medidas de 1841, e o governo, ao reforçar o poder
do Estado, o fazia de forma a trazer para a esfera pública a
administração do conflito privado, isso sem ferir o conteúdo privado
do poder local.
processo de conciliação que se dá no Brasil nesse período. Para o autor, ocorre uma
52
Segundo Mazzeo, o “bonapartismos colonial” estrutura a gênese da autocracia burguesa no Brasil. Nas palavras do autor: “O
bonapartismo colonial aparece, desse modo, como o elemento de consolidação políticade uma sociedade extremamente
autocrática, comandada por uma burguesia débil e subordinada aos pólos centrais do capitalismo, para o qual a sociedade civil
se restringe aos que detêm o poder econômico, e as massas trabalhadoras constituem a ameaça constante aos seus
interesses de classe. O bonapartismo colonial será o articulador de uma política de Estado manipuladora e alijadora das
massas populares; será enfim, a encarnação e a gênese da autocracia burguesa no Brasil” (Mazzeo, 1997: 133).
cli
lutas “desencadeadas com o processo de emancipação: a eclosão da luta intestina
dominantes.
Por outro lado, conforme sintetiza Florestan Fernandes (1981: 27), o processo
ou nacional.”
clii
urbanização e dos serviços, o surgimento de tipos humanos53 que não estavam
negócio”, ao mesmo tempo em que ocorre no setor comercial uma busca de status
fazendeiro perca sua configuração e prestígio aristocrático, ele procura manter seu
da Guarda Nacional.
53
De acordo com Fernandes (1981: 28), esses novos tipos humanos são: “os negociantes a varejo e por atacado, os
funcionários públicos e os profissionais ‘de fraque e de cartola’, os banqueiros, os vacilantes e oscilantes empresários das
indústrias nascentes de bens de consumo, os artesãos que trabalhavam por conta própria e toda uma massa amorfa de
pessoas em busca de ocupações assalariadas ou de alguma oportunidade ‘para enriquecer’.”
cliii
estrutura patrimonial de poder, seja porque passa a não possuir mais status
O Estado nesse quadro irá cada vez mais sofrer as pressões dos novos
54
De acordo com Fernandes (1981: 157), a base de recrutamento do quadro administrativo está localizada no que ele chama
de estamentos intermediários, “membro de ‘famílias tradicionais’ ou de ‘grandes famílias’, que pertencia à sociedade civil, mas
não possuía condição senhorial propriamente dita. Graças às suas ocupações, alianças e nível social, esse elemento se incluía
e era incluído, pela tradição e por motivos especificamente ‘modernos”, nos estamentos dominantes; chegava mesmo, por
causa de dotes pessoais ou de necessidades criadas pela fusão do patrimonialismo com a burocracia, a fazer parte das elites
(...). Fossem o que fossem (...), na vida prática deviam lealdade a tais interesses e valores e ao ‘código de honra’
tradicionalista”.
cliv
Dessa forma, a república se apresenta como saída política possível para uma
busca usufruir dos traços tradicionais do poder, aliando-se à elite agrária senhorial.
presente nas classes dominantes, que possui como condição objetiva para o seu
clv
partir da hegemonia dos proprietários rurais em articulação com setores nativos da
os elementos competitivos”.
brasileira.
dominação no nível local e privado, que tinha como elemento cultural os elos
clvi
necessidade de objetivar a dominação das classes dominantes (proprietários
relações capitalistas, por outro, exigiram que as elites estruturassem sua dominação
uma economia exportadora capitalista (Cardoso de Mello, 1998: 88), ou nos termos
Brasil. Sendo assim, como muito bem percebido por Weber, se o objetivo passa a
55
Nesse sentido, Fernandes (1981: 157 e 159) falará da “fusão do patrimonialismo com a burocracia” e da “combinação da
dominação patrimonialista com a dominação burocrática”
clvii
capitalismo (em termos de uma economia exportadora) e a construção nacional,
É mister frisar que esse objetivo, ao ser conduzido pelos proprietários rurais,
da sociedade que não estão vinculados aos circuitos da tradição e que começam a
Como conseqüência, instaura-se maior pressão para que ocorra a ampliação das
clviii
Na avaliação arguta de Faoro (2004: 390), “a primeira conseqüência, a mais visível,
caça ao emprego público. Só ele nobilita, só ele oferece o poder e a glória, só ele
como esteio da nova ordem, através da utilização do Estado para garantia de seus
que será uma relação sem tensão, porém uma tensão sempre delimitada pela
clix
Entretanto, ao mesmo tempo, o desenvolvimento da estrada de ferro e a
cada instante, o ‘problema da falta de braços’, que assume, a cada momento, maior
de Mello, 1998).
exportação.
clx
da classe econômica dominante, a partir da década de 60 do século XIX, que
lado, determina o vínculo desse setor com a estrutura tradicional de poder. Esse
Como muito bem analisado por Oliveira (1978: 407), esses fazendeiros se
clxi
brasileira, acarretou que o financiamento para tal fosse também externo. Essa
externa que nada tinha a ver com a realização interna da produção não exportadora.
(1981:171) sobre a forma como a organização capitalista fora absorvida pela ordem
clxii
sérios riscos – não pelo mercado mundial, em si mesmo, mas por
causa do aparecimento de um mercado interno complexamente
entrosado ao mercado mundial e amplamente determinado por forças
que, com o tempo, não seriam mais controláveis pelas irradiações
econômicas do poder da ‘aristocracia agrária’.
senhorial se apresenta, também, como mais uma determinação que contribuirá para o
econômica, seja pelas opções de cunho político tomadas pelas classes dominantes.
Nesses termos, ainda de acordo com Fernandes (1981: 176), a fase aguda da
crise do trabalho servil levou consigo a ordem senhorial e escravocrata, “mas não o
seu substrato social e político: a base oligárquica do poder autocrático dos ‘ricos’ e
Fragoso, 1996).
clxiii
A estrutura coronelista constitui, pois, a base da engenharia política que
tradicional.
Conforme aponta Carvalho (2001: 41), o “coronel era o posto mais alto na
a Guarda perdeu sua natureza militar, restou-lhe o poder político de seus chefes”.
Queiroz (1978: 156) ratifica essa análise ao afirmar que, depois da extinção
àqueles que pareciam deter em suas mãos grandes parcelas do poder econômico e
político”.
clxiv
da proteção que ele oferecia à população, sobretudo junto à população eleitora.
Por outro lado, conforme esclarece Abrúcio (2002: 38), o chefe local era
porque o poder federal era frágil e não competia com os estados; em segundo,
recursos estatais não só em seu benefício, mas de sua clientela e para garantir
segurança para seus aliados nas lutas entre facções rivais. Faoro (2004: 626)
utilização local.
governo do estado, precisava dos votos mobilizados pelos chefes locais e estes,
dos recursos do estado para si e para sua clientela. Por isso a formulação clássica
clxv
de Nunes Leal sobre esse sistema, apresentada anteriormente, é precisa. Como
recorda Abrúcio, o autor de Coronelismo, enxada e voto ainda expressa este sistema
que conduzem magotes de eleitores como quem toca tropa de burros; de outro lado,
a situação política dominante no Estado, que dispõe do erário, dos empregos, dos
favores e da força policial, que possui, em suma, o cofre das graças e o poder das
2002: 39).
Faoro (2004: 622) ratifica essa análise, ao entender que, antes de ser líder
político, o coronel é líder econômico, mas será coronel por receber delegação do
poder estadual para o exercício do poder político. Nesse sentido, o poder político do
patrimônio pessoal. O vínculo que lhe outorga poderes públicos virá do aliciamento
político.
vertente local.
clxvi
consolida na estrutura local de dominação, que se inicia com a dimensão patriarcal
seria fluida, não raro indistinta, freqüentemente utilizado o poder estatal para o
utiliza seus poderes públicos para fins particulares, mistura não raro, a organização
municipais.”
clxvii
oligárquico estadual sob hegemonia dos estados economicamente mais fortes,
projetos políticos distintos, pouco importa o grupo que estará no poder, o que vale é
clxviii
Nesses termos, a fragilidade do poder federal - embora num período em que
centralizado do período imperial não mais condiz com a nova correlação de forças
seguinte forma:
clxix
A fragilidade da classe operária nascente - seja devido a seu peso
Velha, leva Wanderley Guilherme dos Santos a caracterizá-lo como falso laissez-
faire, pois restrita a área urbana - na medida em que a penetração dos mecanismos
área rural - e no que concerne à economia, devido à aprovação da Lei Eloy Chaves,
área social.
clxx
foi incorporado de forma peculiar. Uma verdadeira “idéia fora do lugar”, conforme
observa Schwarz (1977), uma vez que se irradia no Brasil, durante o Império, em
Fernandes (1981: 38), foi fundamental como impulso para a revolução nacional.
patrimonialistas existentes.
manipulação das elites o caráter do liberalismo brasileiro, esse seria apenas um dos
clxxi
realizada durante o Império, submetida aos interesses ingleses e tardia em relação
liberalismo.
absorção do liberalismo [no Brasil] será restrita em seu aspecto econômico, mesmo
clxxii
Nesse sentido, a lógica racional-burocrática,
comerciantes.
clxxiii
CAPÍTULO III - A DIALÉTICA DA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA
intervenção estatal.
demonstrado por Cardoso de Mello (1998) e Oliveira (2003), apesar das diferenças de
relação entre o capital cafeeiro e o capital industrial nascente, como aponta Cardoso
de Mello; seja através da relação entre a produção agrícola baseada numa intensiva
1894), quando a opção em investir na indústria requeria apenas que ela gerasse uma
clxxiv
taxa de rentabilidade positiva, pois “a taxa de acumulação financeira sobrepassou,
Nesse quadro, como assinala Cardoso de Mello (1998: 100), o capital industrial
fato mostra como o início do crescimento industrial no Brasil vai possuir como matriz
o capital agrário-tradicional.
1978: 410). Portanto, para o autor, a relação entre o setor agrário e o setor industrial
uma concepção dialética seja da relação entre o capital industrial e o capital cafeeiro,
nas relações apontadas, ainda que tal contradição se constitua como uma unidade.
Brasil não pode ser realizada rompendo com a oligarquia tradicional, já que, apesar de
dominação do país.
Na concepção de Faoro (2004: 685 e 686) o que ocorre nesse período é uma
Antônio Carlos, governador de Minas Gerais, e aceita por Getúlio Vargas, consistia em
“revolta sim, reformas sim, mas longe do ‘grave risco do perder o domínio sobre as
Oliveira (2003: 63) assinala de forma precisa que “a mudança das classes
exigirá, no Brasil, uma ruptura total do sistema, não apenas por razões genéticas, mas
“1.°) internamente, através da articulação do setor arcaico ao setor moderno (...); 2.°)
clxxvi
externamente, através do complexo econômico agro-exportador às economias
capitalistas centrais.”
internacional.
efetivados no período compreendido entre 1888 e 1933 (Cardoso de Mello, 1998: 109).
clxxvii
Do ponto de vista político, a tentativa de Washington Luís manter a oligarquia
cafeeira paulista no poder, não cedendo o mandato presidencial para Minas Gerais,
oligarquias agrárias não alinhadas com São Paulo, setores das classes médias,
vista político, uma saída econômica para a Crise de 29 que passava pela
O bloco dominante que vai implementar esse projeto tem como base uma
classe hegemônica; num segundo momento (dos anos 1950 até os anos 1980), ela
sinaliza Oliveira (2003), será usada pela burguesia industrial para a conquista da
clxxviii
1930 até 1950) e a conquista de sua hegemonia frente aos proprietários rurais
(período de 1950 até 1980). Entretanto, devemos enfatizar que tais mudanças não
da economia.
totalmente, as classes proprietárias rurais nem da estrutura do poder nem dos ganhos
industrialização restringida57.
56
Oliveira (2003: 43) faz duas considerações para tratar da “acumulação primitiva” no caso de economias periféricas, a partir
do conceito marxiano. Em primeiro lugar o autor afirma que, no caso das economias periféricas, o essencial não é a
expropriação da propriedade, mas sim a expropriação do excedente “que se forma pela posse transitória da terra”. Em segundo
lugar, o autor sublinha que a acumulação primitiva nas economias periféricas não ocorre apenas na origem da acumulação,
mas ela se apresenta como mecanismo estrutural dessas economias.
57
Conforme indica Cardoso de Mello o período compreendido entre 1933 e 1955 refere-se a um processo de “industrialização
restringida. “Há industrialização porque a dinâmica da acumulação passa a se assentar na expansão industrial, ou melhor,
porque existe um movimento endógeno de acumulação, em que se reproduzem, conjuntamente, a força de trabalho e parte
clxxix
No contexto da industrialização restringida, conforme salienta Cardoso de
essa alteração de projeto político, que tem como base de sustentação a aliança entre
acumulação e da expansão das relações capitalistas no Brasil. Tal fato se dá, porém,
1945 e 1964-1984).
crescente do capital constante industriais; mas a industrialização se encontra restringida porque as bases técnicas e
financeiras da acumulação são insuficientes para que se implante, num golpe, o núcleo fundamental da indústria de bens de
produção, que permitiria à capacidade produtiva crescer adiante da demanda, autodeterminando o processo de
desenvolvimento industrial” (Cardoso de Mello, 1998: 110).
clxxx
oligarquia agrária com a burguesia industrial. Tal coalizão necessitará, para objetivar
estruturas insuladas (Diniz, 1997 e Nunes, 1997), as quais viabilizarão a formação dos
administração pública nesse período, convém tratarmos de uma questão teórica que
por Marco Aurélio Nogueira, que tem sido utilizada como ponto de partida para
se à necessidade de explicitar que esse caminho a ser trilhado, aberto por Marco
deixa dúvidas quanto à relação que deve ser buscada entre as classes sociais e a
economia.
possibilidades efetivas de tal processo ocorrer. Nesse sentido, apesar de uma precisa
58
Nas seções anteriores deste trabalho, em diversas passagens, já havíamos apontado as diferenças entre a concepção
presente nesta tese e aquela desenvolvida por Faoro.
clxxxi
análise sobre o comportamento do Estado varguista frente à sociedade (ou melhor,
tensões entre as classes e não como um poder e estruturas constituídos a partir das
clxxxii
patrimonialismo e não como uma exigência do novo projeto político (industrialização
Daí decorrem dois problemas. O primeiro refere-se ao fato de o autor não entender a
burocracia, sem coronelismo, sem oligarquias, mas num vínculo ardente com as
outros grupos”.
tradicionais no poder. Essa nova estrutura, obviamente, não será formal, mas se
clxxxiii
para operacionalizar o projeto de industrialização. Especialização e estruturação de
patrimonialismo e a burocracia.
legal, bem como, por extensão, sua ineficácia e sua ineficiência” (Nogueira, 1998:
89)
políticos a que ela era submetida. Da integração nacional do Império, passando pelo
clxxxiv
presentes em cada período histórico, propiciando a realização do projeto e dos
administração pública não pode ser considerada ineficaz tendo como parâmetro a
tradicionais, por conseguinte, os custos para sua incorporação não podem ser vistos
clxxxv
sempre de um pacto de dominação que combina a burguesia industrial e a oligarquia
reiteração das bases que levaram à precarização da máquina pública, mesmo nos
não como uma dimensão cuja raiz é a estrutura de dominação que dirige a ordem
Nogueira (1998: 90), então, corretamente, afirma que esse estado de coisas
se explica, por um lado, pela raiz da formação do Estado nacional brasileiro, que tem
como afirma no capítulo que trata de nossa revolução burguesa. Nesse sentido, a
clxxxvi
a ordem administrativa brasileira, a qual está subordinada a uma estrutura de
Por outro lado, Nogueira analisa que a reiteração das bases que levaram à
(Nogueira, 1998: 91). Adiante, Nogueira afirma que esse processo de deformação e
política. Aqui o autor parece ter invertido o sinal, pois, na verdade, a estrutura
não o contrário.
Nesse trecho, Nogueira, mais uma vez, apresenta uma concepção que
clxxxvii
dimensões patrimonialistas existentes.
entre o mundo público e mundo privado” (Nogueira, 1998:91), mas o fato de a ordem
brasileira, apesar de estimulada pela Revolução de 30, foi vencida na sua disciplina
pela pressão direta dos interesses econômicos dominantes (Nogueira, 1998: 92). A
emergente, porém sob a ampliação dos mecanismos de tipo racional-legal, por conta
clxxxviii
autores e, dentre eles, o de Marco Aurélio Nogueira.
racionalismo como componentes das elites econômicas - cuja tradição está mais
(Fernandes, 1981).
como referência a forma adquirida pela revolução capitalista no Brasil, o autor não
Conforme analisa Oliveira (2003: 32), a dualidade enfocada entre o “setor atrasado”
e o “setor moderno” não passa de uma oposição formal, uma vez que “de fato, o
processo real mostra uma simbiose e uma organicidade, uma unidade de contrários,
clxxxix
em que o chamado ‘moderno’ cresce e se alimenta da existência do ‘atrasado’, se se
cxc
interferência de fora para dentro realizada pelas elites dominantes tradicionais, na
militar. Por isso, o autor se refere a obstáculos que nossa revolução burguesa
31), poderíamos dizer que a lógica dualista de Nogueira procura articular rigor
estrutura patrimonialista e, por outro lado, da interferência “de fora para dentro” na
cxci
No entanto, como consideramos que ocorre uma imbricação dialética entre
a questão central não está na pressão de fora para dentro na administração, mas
que combina setores tradicionais com a burguesia industrial e, por outro lado,
pública, mas sim que existe um limite estrutural para a efetivação de uma
cxcii
Em nosso entendimento, a interpretação de que nesse período está presente
políticas, não percebe que a ordem administrativa estruturada a partir de 1930 não
parte da organização administrativa brasileira. Dessa forma, não foi uma injunção "de
cxciii
que precisa ser implementado. Sendo assim, a lógica racional-legal não foi
Nogueira está presente na forma corrente como o tema vem sendo tratado por
cxciv
1930 e nos meados da década de 1940 para modernizar a administração e formar em
todos os níveis do aparelho do estatal algo parecido com uma burocracia weberiana
foi parcialmente distorcida e, mais tarde, abandonada pela cultura política clientelista
do Dasp, “as mesmas mãos que queriam ser weberianas não conseguiam, ou não
brasileira incorporar uma dimensão gerencialista, porém adverte que “os riscos são
dessa nova camada também se contaminar pelo vírus patrimonialista” (Pinho,1998: 9).
administração pública.
forma patrimonialista de administrar a coisa pública” (Ribeiro, 202: 2). Como se pode
59
Conforme destaca o autor, ao tratar da persistência do padrão patrimonialista na administração pública, “Quem gere a ordem
econômica é fundamentalmente a mesma ordem política. Assim, a burocracia pode ser weberianizada até um ponto que não
atrapalhe os intereses patrimonialistas fortemente enraizados e instalados, assim também o capitalismo no Brasil não poderia
cxcv
Lima Júnior (1998), apesar de concluir que poucas foram as tentativas reais de
Júnior, 1998: 18), não explica o porquê desses traços estruturais, dando margem a
cxcvi
Edson Nunes (1997), de forma precisa, aborda a questão a partir dos seguintes
aspectos: a) critica a visão dualista sobre o Brasil; b) parte de uma perspectiva que
governabilidade” (1997: 17); d) evita o dualismo, ao trabalhar com o que ele denomina
uma condução dualista das reformas necessárias para modernizar o país. Em outras
daquelas vinculadas à ordem tradicional, gerando, assim, o sincretismo, uma vez que
dominação que combina “atraso” e “moderno” e que, portanto, implica uma ordem
desenvolvida. Vejamos:
cxcvii
O uso extensivo de agências estatais insuladas foi uma resposta
ao dilema criado pelo imperativo da liderança estatal no
desenvolvimento econômico, associado à incapacidade de
reformar o aparelho de Estado tradicional, para que ele pudesse
desempenhar a função desenvolvimentista. Dadas as
circunstâncias concretas do período pós-45, o clientelismo
gerou um espaço para o insulamento burocrático, solução que as
modernas forças capitalistas encontraram para fugir à dominação
política do clientelismo (1997: 98 – negritos nosso).
seu conjunto – ao longo desta tese, vários aspectos das análises dos autores em
ordem racional-legal no Brasil, a partir de 1930, como uma forma de superar os traços
cxcviii
brasileira, não porque se pretende superar o patrimonialismo, mas porque são
nesta tese.
1930 até o final da ditadura militar, o que ocorre no Brasil, em termos de desenvolvimento
cxcix
da ordem administrativa, é a sua organização para operacionalizar a expansão de nosso
se fosse a história das ações voltadas para a sua racionalização e/ou o processo que
– daquelas que interpretam a administração pública brasileira como uma estrutura que não
com contorno nitidamente weberiano. Além disso, como lembra Torres (2004: 147), “é
cc
procedimentos” para definir o processo de regulação do espaço público onde as
mercado, regidos por um governo representativo” (Nunes, 1997: 35). Dessa forma e de
acordo com o ponto de vista teórico desenvolvido neste trabalho, podemos entender
central do processo em voga. Nas palavras de Oliveira (2003: 42), “o crescimento das
61
Ver no Capítulo 1, as seções sobre Expressão material da racionalidade burocrática e Burocracia e administração
pública democrática.
62
A título de exemplo podemos verificar a ampliação dos órgãos públicos no período. Em 1861, o País contava com sete
ministérios (Império, Negócios Estrangeiros, Justiça, Fazenda, Guerra, Marinha e Agricultura, Comércio e Obras Públicas).
Durante a República Velha, a situação não se alterou, em 1906, tínhamos, também, sete ministérios (Fazenda, Justiça e
Negócios Interiores, Viação e Obras Públicas, Relações Exteriores, Guerra, Marinha e Agricultura, Comércio e Indústria). A
partir de 1930, além da criação de três ministérios (Aeronáutica, Educação e Saúde e Trabalho, Indústria e Comércio),
cresceram consideravelmente o número de agências estatais (autarquias, fundações, empresas públicas e sociedades de
econoia mista) (Ramos, 1983: 344-345). De acordo com Lima Júnior (1998: 8), “até 1939, haviam sido criadas 35 agências
estatais; entre 1940 e 1945 surgiram 21 agências”.
cci
Fiori (1995: 128) ressalta que a reforma institucional implementada “a partir da
patrimonialistas.
reforçando, dessa feita, sua dimensão autocrática. Por outro lado, o governo Vargas
utilizará a expansão da burocracia, via Dasp, como um dos elementos para viabilizar
ccii
sua sustentação política, pois garantirá o controle da administração pública em suas
mãos (Abrúcio, 2002; Torres, 2004 e Lima Júnior, 1998). Ou seja, a expansão da
burocracia pública, via Dasp e seus braços nos estados (os chamados Daspinhos),
[formando] um sistema e não peças isoladas entre si” (Abrúcio, 2002: 45). Os
46)63.
Conforme observa Nunes (1997: 53-54), essa utilização do Dasp para efeito da
estrutura burocrática organizada a partir de 1930 será constituída por uma dimensão
Nunes (1997: 53), a Lei dos Estados e Municípios (1939) pôs fim à autonomia local, na
medida em que “a arrecadação (...) foi praticamente toda transferida para o governo
63
Faoro (2004: 686-687) também destacará a importância da ampliação burocrática e o estabelecimento das interventorias
para o fortalecimento do poder central.
64
Conforme vimos no capítulo anterior, “...o insulamento burocrático é o processo de proteção do núcleo técnico do Estado
contra a interferência oriunda do público ou de outras organizações intermediárias. (...) O insulamento burocrático significa a
redução do escopo da arena em que interesses e demandas populares podem desempenhar um papel (...) ao contrário da
retórica de seus patrocinadores, o insulamento burocrático não é de forma nenhuma uma processo técnico e apolítico...”
(Nunes, 1997: 34).
cciii
também, para o processo de centralização do poder, num movimento de ruptura com
política.
com o status da área. Por outro lado, estabelece-se uma distinção entre “altos
(Martins, 1997).
cciv
população, que precisa tratar no dia-a-dia como outro lado da
moeda, tem uma percepção completamente diferente (Martins,
1997: 18)
uma questão política a ser resolvida sob sua direção" (Sposati et alli, 1998). Mesmo
porque, a intervenção do Estado na área social era essencial para regular as relações
estabelecidos não com base em valores políticos, mas na regulação ocupacional dos
trabalhadores.
capitalista.
Os conceitos de “cidadania regulada” e “hegemonia seletiva” possuem uma interessante correlação. O primeiro conceito,
como visto, mostra a forma pela qual, durante o período varguista e populista, os governos no Brasil viabilizavam direitos
ccv
sociais.
Assim, apenas as categorias profissionais urbanas reconhecidas legalmente pelo Estado é que possuíam acesso a
determinados direitos sociais (Santos, 1987). O segundo conceito, desenvolvido por Carlos Nelson Coutinho, mostra que
, no
período em tela, utilizou-se, para governar, uma estratégia que não estabelecia uma hegemonia ampla na sociedade,
mas sim promovia alianças com alguns setores das classes subalternas, conquistando, dessa forma, uma hegemonia limitada,
baseada na seletividade dos segmentos sociais com os quais definia se aliar. O instrumento utilizado pelos governos para conquistar
essa “hegemonia seletiva” era, justamente, a concessão de determinados direitos sociais. Em outras palavras, a “cidadania regulada”
foi a forma utilizada para se estabelecer a “hegemonia seletiva”, que caracterizou a forma da relação
do Estado com as
classes trabalhadoras durante o período compreendido entre 1930 e 1964 (Coutinho, 1993).
assistência médica, via IAP’s, apresenta-se como uma estrutura exemplar que articula
65
Para Philippe Schmitter “o corporativismo pode ser definido como um sistema de representação de interesses no qual as
unidades constitutivas são organizadas em um pequeno número de categorias únicas e obrigatórias, não competitivas,
organizadas hierarquicamente e funcionalmente diferenciadas, reconhecidas pelo Estado que concede deliberadamente o
monopólio da representação no interior das respectivas categorias” (Schmitter, 1981: 52-53, in Araújo e Tapia, 1991). O autor
ainda distingue dois tipos de corporativismo: o “estatal” e o “societal” (ou neocorporativismo). Para um maior detalhamento da
temática sobre corporativismo e neocorporativismo ver: Araújo e Tapia, 1991; Diniz e Boschi, 1991.
ccvi
representações e representantes dos interesses sociais se encontram subordinados à
autoridade estatal, quando não são criados por ela. Ou seja, não há autonomia da
literatura, de peleguismo” (Santos, 1987: 71). Além disso, essa forma de admissão de
patrimonialista.
Por fim, cabe registrar que a escolha de um técnico, servidor do instituto, para
Outrossim, como ressalta Malloy (1976: 104), desenvolve-se, a partir desse momento,
pública, que “viriam desempenhar papéis proeminentes (...) como analistas, como
desenvolvimento.
66
Adiante veremos a forma que se processa o corporativismo estatal brasileiro vinculado às classes dominantes.
ccvii
espaço de tempo. Assim, havia necessidade de atender às demandas sociais dos
Essa população excluída da política social organizada pelo Estado através dos
religiosas ou a ações de políticos. Sônia Fleury (1991) interpreta essa situação como
que não possuem profissão regulamentada pelo Estado) têm acesso à assistência
social, uma vez que não são reconhecidos como cidadãos. A condição de não-
civil que atuam na área da assistência social, para obterem recursos junto aos órgãos
públicos, via de regra, terão que solicitar o apoio dos políticos locais que
67
Conforme destacam Iamamoto e Carvalho (1982), essas instituições estatais ampliaram significativamente o mercado de
trabalho para os assistentes sociais, categoria profissional estruturada a partir da segunda metade dos anos 1930.
ccviii
intermediarão a relação entre os dois pólos (instituições da sociedade civil –
organizações públicas federais). Dessa forma, cria-se uma cadeia de troca de favores
segundo e este necessitando de recursos para manter seu controle junto à população,
na medida em que, a partir da Lei de 1939, como vimos, a arrecadação foi transferida
atendimento direto, era necessário organizar uma estrutura burocrática com um corpo
de especialistas.
De forma geral, podemos dizer que a política social no Brasil será constituída
do poder central.
ccix
proteção social, baseado na previdência social e assistência médica, desenvolvido
efetiva, também, de forma seletiva e limitada. Em linhas gerais, esse padrão de operar as
dominante.
mercados”.
Fernandes (1981: 251- 288) identifica esse período como sendo o de início da
ccx
de desenvolvimento capitalista terá de gerar, em termos estruturais, funcionais e
269),
crescimento industrial intensivo operado no período, “em 30 anos passa de 19% para
ccxi
funcionalidade do crescimento não-capitalístico do setor Terciário para acumulação
nesse período e, por conseqüência, como ele engendra a forma arcaica no espaço
urbano.
por Fernandes.
outro lado, na ação desempenhada pelo Estado que, segundo Cardoso de Mello (1998:
118),
Segundo Fiori (1995: 123), o consenso em torno do projeto de criar uma economia
a partir dos anos 1950 na América Latina. De acordo com o autor, “pode-se dizer que
68
“Naturalmente, a presença da grande empresa estrangeira não se explica apenas pela existência de excelentes
oportunidades de inversão a serem colhidas, mas, também, em última instância, pela própria dinâmica de competição
oligopólica nos países centrais, cujo ponto de chegada consistiu, como se sabe, na conglomeração financeira e na expansão
oligopólica a escala mundial” (Cardoso de Mello, 1998: 119).
ccxii
a supremacia Estado desenvolvimentista na América Latina foi a contraface da
cabe destacar que o pacto que conduzirá esse processo para todos os intérpretes
citados será o mesmo que conduziu a Revolução de 30, porém a partir deste
“dupla articulação”.
ordem burocrática.
através dos Grupos Executivos formados por JK (Nunes, 1997: 101 e 110). Ou seja, a
ccxiii
papel” (Nunes, 1997: 34). Portanto, as potencialidades democráticas da ordem
em que, como já foi visto, capital agrícola e industrial interagem dialeticamente, numa
brasileira deverá ser adequada a esse processo de expansão capitalista que mantém
podemos dizer que o insulamento operado, muito mais que evitar a interferência
69
Abrúcio cita um estudo no qual indica “que de 1946 até 1962 mais de duzentos projetos de reforma agrária foram bloqueadas
pelas elites políticas das regiôes menos desenvolvidas”. Corroborando com a análise de Fiori, segundo o autor, “os grupos do
norte e Nordeste permaneceram com o poder de veto no Congresso em questões que alterassem o status quo das oligarquias
dessas regiões” (Abrúcio, 2002: 52).
70
Vale ressaltar, mais uma vez, que esses limites não são estáticos e nem isentos de contradições. Dependem sempre da
ccxiv
clientelista e populista no planejamento do processo de industrialização e
urbanização do país, conforme sinalizam Nunes (1997)71 e Fiori (1995)72, visava excluir
Nunes (1997: 34) quando afirma que “o insulamento burocrático não é de forma
correlação de forças que se expressa na sociedade, a partir das lutas de classes efetivadas concretamente.
71
Ver citações acima.
72
De acordo com o autor, no plano da gestão “o Estado formou os grupos executivos (...) para desenhar e acompanhar a
implementação das várias metas setoriais do Plano de metas, gerando uma espécie de burocracia paralela, mas enxuta e
impermeável às pressões da política populista e clientelista que caracterizavam, naquele momento, os traços fundamentais de
funcionamento do sistema político democrático brasileiro” (Fiori, 1995: 129).
ccxv
que não se confundirá com a ordem patrimonialista em relação a não distinção entre o
acumulação privada.
tradicionais e da falta de limites entre a esfera privada e a pública, mas sim dentro de
Estado não foi criado para garantir universalidade e interesses gerais, ele existe para
produzidas na sociedade. Tal fato não pode ser confundido com patrimonialismo.
Conforme destacam Diniz e Boschi (1991: 17), pelo viés do corporativismo, o modelo
ideal.
ccxvi
Nesse sentido, concordamos com Schwartzman (1988: 7) que os canais
uma seleção pública por mérito, precarizando a lógica burocrática devido à ausência
patrimonialista.
ccxvii
terão acesso a tais canais. Assim, a potencialidade da dimensão burocrática para
operar ações que atendam a interesses das camadas não dominantes, e, portanto,
ccxviii
trabalho, visando subordiná-las às suas orientações, ou seja, uma ação de controle
Estado se relaciona com os setores populares em relação àquela com que ele se
debatido nas ciências sociais (Meszáros, 1996; Lowy, 1985 e 1989). No caso em
73
De acordo com O’Donnell (1976), este arranjo caracteriza um “corporativismo bifronte”.
ccxix
questão, tal fato fica demarcado, na medida em que a forma de recrutamento
politizadas e pautaram suas atividades por opções políticas claras, atitude que
das elites dominantes que, como lembra Fiori (1995: 110 e 154), “se o empresariado
Estado”.
sua racionalidade, não contribuirá para um projeto que se pretenda voltado para o
ccxx
de sua racionalidade), que tinha como objetivo central planejar e executar o projeto
mecanismos clientelistas serão, por um lado, o campo das políticas sociais e, por
74
Há um consenso na bibliografia que trata o tema que no período compreendido entre 1945 e 1966 não ocorre mudanças na
estrutura de organização das políticas sociais brasileiras. Neste período há uma expansão das instituições e da lógica de
funcionamento das políticas sociais criadas na década de 30. Para maior aprofundamento ver Santos (1987), Vianna (1998),
Draibe (1989), entre outros.
ccxxi
agricultura e em suas autarquias, principalmente os institutos de
previdência...
volume.
Fiori (1995) sobre a questão, pois, além de precisa, é central para entendermos,
ccxxii
Abrúcio (2002) nos esclarece como esse processo se realiza concretamente.
poder dos estados é recuperado, porém não nos mesmos termos da primeira
república, visto que o poder central, então, já se encontrava mais forte no país,
tornando as relações federativas mais equilibradas, seja entre União e estados, seja
entre os próprios estados. Nesse quadro, afirma o autor, “uma nova política dos
suficiente para barganhar por mais recursos do tesouro nacional para suas
ruim, pois, além dos interesses dos estados mais industrializados serem melhor
ccxxiii
diversas regiões. Os vetos aos projetos de reforma agrária no
Congresso tinham uma intrínseca ligação com o pacto entre
Executivos estaduais e chefes locais, pois grande parcela dos
deputados federais precisava desse pacto para conquistar a reeleição
ou otimizar sua carreira para cargos majoritários. Por detrás dos vetos
dos deputados, estava o veto do sistema político estadual, cujo maior
beneficiário era o governador.
não por mérito, combinado com um quadro não especializado, formado através de
75
“A despeito das tentativas, durante anos, de reforma do serviço público e da retórica moralizadora de muitos governantes,
somente 12% dos empregados de todo o serviço público tinham sido admitidos sob as bases do mérito no final da década de
1950. Segundo o Censo dos Servidores Públicos de 1966, somente 12,93% dos servidores tinham sido admitidos, até 1966,
ccxxiv
perspectiva de universalização e aprofundamento de direitos. Por outro lado, a
estrutura burocrática formada por funcionários recrutados por mérito, via concurso
fazendo com que esse comportamento seja também incorporado pelos segmentos
burocráticos tradicionais. Nunes (1997: 33) analisa essa situação da seguinte forma:
adotada desde a década de 1940 e que foi intensificada na década de 1950, ele apenas
ccxxv
pública ocorrida na década de 1950, a expressão fenomênica dos processos sociais,
Pereira, 1996 e Torres, 2004). No entanto, em sua essência, ela apenas potencializará
dependente.
Na análise de Fiori (1995), esse processo se caracteriza, uma vez mais como
uma “fuga para frente”. Para fugir dos conflitos e contradições do projeto de
intervenção na economia.
76
Conforme assinala Oliveira (2003: 101), a aceleração econômica do período introduz uma mudança qualitativamnete
significativa: “a implantação, nos ramos ‘dinâmicos’, das empresas que requerem uma homogeneidade monopolística da
economia como condição sine qua non de sua expansão”
ccxxvi
Dessa forma, entendemos que a reforma de 1967 é a expressão mediata do
política das classes dominantes orientada, por um lado, para manter a “dupla
extrema concentração de poder político estatal” (Fernandes, 1981: 269). Por outro
ccxxvii
lado, como sinaliza o sociólogo, nos momentos críticos operou-se uma dissociação
ccxxviii
1964, é a institucionalização e expansão da estrutura anterior, porém sob a égide da
200/67.
entre o setor privado e o setor estatal para operar, agora, a consolidação de tal
estratégia.
77
Conforme indica Torres (2004: 153 e 154), a descentralização proposta em 1967 se refere a três planos: na própria
administração direta, através da distinção entre direção e execução; na relação estabelecida entre administração federal e
unidades da federação e, por fim, na transferência para a administração indireta e iniciativa privada de determinadas ações.
78
Martins (1997: 22) informa que, na metade dos anos 1970, em relação a empresas públicas e controladas pelo Estado havia,
no Brasil, 571 delas, nos três níveis administrativos, sendo que 60% haviam sido criadas entre 1966 e 1976; Lima Júnior (1998:
14) aponta que de 440 empresas públicas, abrangendo o período entre 1939 e 1983, foram criadas 267 no período 1964-1983;
Pinho (1998: 4 e 5) apresenta o levantamento realizado por Braz Araújo, o qual indica que de 173 informações conseguidas
sobre as empresas estatais federais existentes em 1975 (total de empresas estatais existentes em 1975 era de 217), 130 foram
criadas entre 1965 e 1975; para finalizar, Rezende (2004: 61), a partir de vários volumes do “Orçamentos da União”, elabora
um quadro sobre as organizações públicas criadas pelo governo federal (1908-1984), o qual informa que do total de 384
organizações criadas ao longo do período, 274 foram instituídas entre 1964 e 1984, sendo que 216, a partir de 1967.
79
Para um sumário das distinções entre esses tipos de instituições que compõem a administração indireta, ver Torres (2004:
155).
ccxxix
Como sugere Nunes (1997: 42), o insulamento burocrático, processado na
do Estado e setores das classes sociais. Portanto, de acordo com Cardoso (1975:
208),
80
Cardoso (1975: 206) aponta como beneficiários do regime “os setores industrial exportadores, os setores contratistas de
obras, os setores extrativo-exportadores, o grande capital multinacional – ligado às atividades anteriores ou à industria de
transformação – e o capital financeiro mobilizado para sustentar a nova etapa de acumulação e do crescimento econômico”.
ccxxx
dimensão de especialização e de expansão da racionalidade capitalista; e, por fim,
ordem burocrática.
Cardoso, a partir dessa reflexão, não é incorporado nesta tese. Estamos nos referindo
Para o autor, nesse processo de expansão das empresas estatais, a elite burocrática
Como esclarece Coutinho (1980: 104), em seu ensaio crítico sobre a tese da
articulação orgânica entre Estado e monopólio numa totalidade concreta. Para ele, ao
Continuando a análise, o autor verifica que, nos termos indicado por Cardoso,
nosso capitalismo apresenta uma contradição interna que se expressa na luta entre
controlam o Estado e que se organizam cada vez mais no sentido de controlar o setor
ccxxxi
oposta ao liberalismo (econômico e político) que seria próprio do setor privado”
poderia levar água ao moinho dos antiestatistas, dos que defendem (dentro da ‘lógica’
fase de maturação dos investimentos, possam agora gerar diretamente lucros para o
setor privado?” Nessa esteira de raciocínio, o crítico observa que a discussão sobre a
Estado (ou seja, sem colocar a questão do CME) significa, em última instância,
que Cardoso recuaria de conclusões desse tipo. Mas sua tese de ‘burguesia de
Sendo assim, a noção dos “anéis burocráticos” é aqui incorporada como sendo um
reprodução do capital como capital monopolista; e [que] para isso, tem de criar um
‘racionalidade técnica’ (...) e se situa acima das ‘paixões’ imediatas dos capitalistas
administração pública.
ccxxxii
A primeira delas refere-se à incorporação de critérios empresariais na
concorrência. Por isso, mais uma vez, expressa-se a aparência de um novo modelo de
parte da população brasileira sem uma ação estatal minimamente razoável” (Torres,
ccxxxiii
novembro de 1966, foi criado o Instituto Nacional de Previdência Social (INPS),
regulada” passa a ser desmontada pela nova estrutura da política social brasileira.
programa para atender ao setor rural. Em 1972 instituiu-se a inclusão obrigatória dos
serviços sociais.
e econômicos.
implementados pela ditadura militar, por meio de suas políticas sociais, marcaram o
81
Cabe registrar que a uniformização dos benefícios ocorreu em 1960 após aprovação da Lei Orgânica da Previdência Social.
ccxxxiv
e ampliando os serviços sociais, com certa tendência universalizante. Como não se
Vianna:
ressaltada acima. Por outro lado, cria-se um sistema privado (principalmente nas
Estado, porém constituídas sobre uma estrutura institucional residual e precária para
desenvolver tal tarefa. Nesse sentido, como ressalta Fiori (1995: 131), criam-se as
ccxxxv
articulando assistência e repressão82, ou como assinala Fiori (1995: 46), “em vez do
repressão”.
de baixa qualidade.
2001: 176-179).
82
De acordo com Sposati et ali (1998), o processo de negação de assistência, por parte dos profissionais do serviço social, é
reforçado nesse período devido aos elementos autoritários e tecnocráticos que são incorporados às ações assistenciais.
ccxxxvi
Outra dimensão importante para destacar a continuidade da estrutura
estaduais, visto que estes ainda possuíam recursos para influenciar a base local.
indireta não exigir seleção por mérito, pelo lado da administração direta, a reforma de
estrangeiro.
ccxxxvii
Conforme a análise dos autores, o empresariado nacional optou por uma
... um Estado que nunca conseguiu ir além dos limites que lhe
foram impostos por um empresariado que, contraditoriamente,
conseguiu ser profundamente antiestatal, não obstante sua
longa história de anemia schumpeteriana e dependência do
próprio Estado (Fiori, 1995: 58).
Essas análises deixam explícito que a burguesia brasileira não quis se aliar ao
uma incorporação mais intensa da classe trabalhadora que, na segunda metade dos
ccxxxviii
sobre as orientações do projeto industrializante, possuíam um forte caráter tradicional
insumos e a infra-estrutura, mas que, por outro lado, impediu a intervenção do Estado
lógica tipicamente patrimonialista, senão como lógica hegemônica, pelo menos como
83
Behring (2003: 102), baseada em Florestan Fernandes, resume a situação da seguinte forma: “Com a opacidade do regime
militar, abriam-se novas condições para as elites associarem-se mais intimamente com o capital financeiro, reprimirem a
subversão da ordem e se literalmente do Estado, num contexto de crescimento acelerado e sob controle”.
ccxxxix
patrimonialismo na esfera das políticas sociais e na administração direta subnacional,
ditaduras Vargas e dos militares (Torres, 2004: 152 e Nogueira, 1998: 92) e b) a
Nogueira (1998; 98), em sua análise sobre a questão, mostra que a dimensão
papel do Estado como interventor na sociedade, porém sem estabelecer uma canal
sociólogo, assim como para Caio Prado, “o horizonte histórico da burguesia brasileira
ccxl
Historicamente, isso se comprovou na construção do Estado brasileiro. A
burguesia sempre utilizou o Estado nos momentos em que ele poderia garantir seus
administração pública brasileira pode ser vista da seguinte forma: a) para as questões de
lealdade política de setores tradicionais, através da relação entre Poder central-Poder local
ccxli
e Poder local-população - clientela); c) para a intervenção nas questões diretamente
continuidade estática dos traços presentes desde a época colonial até a finalização da
mesmo que seletiva e parcial, até os anos 1960, e universal, com baixa qualidade e
Nesse contexto, no Brasil, não houve o problema de se ter Estado frágil, mas
sim forte para a oligarquia e, posteriormente, para a burguesia, e nunca para a classe
trabalhadora, ou, pelo menos, que procurasse atender, de forma mais substantiva ou
ccxlii
ausência de um Estado que assumisse um papel mais forte de mediador dos
interesses da classe trabalhadora e não apenas de agente que reforça a ação voltada
para subjugar as camadas subalternas, além de ter desenvolvido uma burocracia forte
como bem sinaliza Cohn (1982), à utilização da noção de “moderno” no mesmo nível
aponta Cohn (1982), deveriam passar por um processo de “argumentação muito mais
no quadro teórico weberiano. Trata-se de tarefa intricada que ele nem chega a
contemplar”.
tradicional como fundada nas relações de lealdade pessoal baseadas na tradição, que
ccxliii
podem ser operadas num sistema com nível maior (feudalismo) ou menor
acaba induzindo uma análise que relativiza o papel e a função que a burocracia
como mais ou menos presença de elementos que constituem sua formação típico-
Sendo assim, concordando com Gabriel Cohn (1982), consideramos muito mais
uma dada realidade que para caracterizar um dado sistema político. Nesse sentido, o
84
Ver nota 46.
ccxliv
possibilidades analíticas que a utilização dos tipos ideais weberianos permite efetivar.
o novo conceito sintetiza diferentes aspectos de tipos ideais distintos elaborados pelo
lado, produz uma criação, no mínimo, polêmica, a qual mereceria um maior cuidado
conceitual, como observa Cohn (1982). Por outro lado, ao sintetizar num conceito
brasileira, parece muito mais fecundo, em vez de criar novas nomenclaturas, que mais
interno, suas conexões, estruturas e contradições, para que seja possível captar os
totalidade.
radicalmente a política, de tal forma que parece considerar que a “classe política” e a
ccxlv
administrativa, lembrando que a orientação da industrialização, desde a fase inicial
profissional, assim como certas regras e normas bem definidas, ou seja, necessita-
se de burocracia.
ccxlvi
Entretanto, esse planejamento deve garantir a manutenção e a reprodução
dos interesses das classes dominantes. Nesse sentido, criam-se canais informais de
interesses, desde que não estejam estratégica e diretamente ligados aos centros de
serem mais a fração dominante. Sendo assim, a ordem administrativa do Estado deverá
“novo”, mas sim pela necessidade de ter uma ordem administrativa adequada
burguesa”.
ccxlvii
se configura como uma dimensão cultural que precisa ser modernizada para a
de vista metodológico, os tipos puros não existem, são apenas recursos para
articulação.
coalizão conservadora das classes que conduziu o projeto de expansão das relações
ccxlviii
No entanto, o Estado e a burocracia, no período em análise, mesmo nas condições
trabalhadoras.
no capítulo seguinte.
ccxlix
CAPÍTULO IV - NEOLIBERALISMO E CONTRA-REFORMA ADMINISTRATIVA:
BUROCRACIA MONOCRÁTICA E PATRIMONIALISMO EM TRANSFORMISMO
4.1. Antecedentes: anos 1980, início dos 1990 e a resistência ao modelo neoliberal
A crise mundial que eclodiu no início dos anos 1970 já se manifestava no final dos anos 1960,
efetivada pelos Estados Unidos para recompor sua balança comercial, e o primeiro choque do
petróleo. Assim, se projeta o fim da paridade fixa entre o dólar e o ouro (ruptura do acordo de
Bretton Woods), gerando uma crise monetária internacional e, devido ao choque do petróleo,
gera-se uma crise energética. Nesse cenário, Japão e Alemanha, como importadores de
preços dos bens de capital para fazer frente ao contexto de desvalorização do dólar e aumento
ccl
que já vinha crescendo devido ao crescimento econômico produzido a partir dos
flutuantes.
No Brasil, com a "crise do milagre", esboçada a partir de 1973, vindo no contexto da crise
mundial do capitalismo, o controle social imposto pelo regime militar começa a entrar em
declínio.
No entanto, no início da década de 1970, o Brasil conseguira passar pela crise econômica,
elevação dos preços do petróleo e dos bens de capital e continuar estimulando e apoiando o
azeitando economias que estavam em recessão e contribuindo para que elas suportassem
militar, tanto no período conhecido como "milagre econômico" quanto ao longo do governo
brasileira. Com isso, trouxe à tona um novo quadro de relações sociais e de organização
moradores dos bairros populares, entre outros, complexificaram o tecido social do Brasil pós-
1970.
85
De acordo com Gonçalves e Pomar (2000: 11), “a dívida passou de US$ 13,8 bilhões de dólares (fins de 1973) para US$
52,8 bilhões de dólares (em 1978)”.
ccli
A estruturação do mercado de trabalho, realizada a partir de 1930 até 1980, efetivou-se
ocupações por conta própria, sem remuneração e do desemprego. Segundo Pochmann (2002:
68):
trabalho no país (CLT)” (Pochmann, 2002: 70). Em outras palavras, conforme assinala o
nossas taxas sempre foram abaixo das taxas dos países desenvolvidos. Nestes, a taxa de
assalariamento urbana passava de 80% em 1980. No caso brasileiro, a taxa passou de 42%
(1940) para 62,8% (1980) (Pochmann, 2002: 70). Outro aspecto que marca a estruturação do
mercado de trabalho brasileiro, como destacado anteriormente, é o fato de ter sido realizada
cclii
sob um processo de grande concentração de renda e riqueza86. Ou seja, a situação de
mercado de trabalho.
em que é “necessário aumentar a taxa de lucros, para ativar a economia, para promover a
brasileiro só pôde se efetivar pelo fato de não existir escassez de trabalho e nem
exploração87.
86
Oliveira (2003: 97), baseado em trabalho de João Carlos Duarte, mostra o aumento de concentração de renda no Brasil:
“enquanto o 1% superior em 1960 se apropriava de 11,72 da renda total, em 1970 essa porcetagem aumenta para 17,7%; os
5% superiores em 1960 detinham 27,35%, enquanto em 1970 passam a reter 36,26%. Em contrapartida, et pour cause, os
40% inferiores da população participavam em 11,20% da renda total, enquanto em 1970 sua participação decai para 9,05%.”
87
Segundo Oliveira (2003: 111-113), apenas dois fatores podem se opor ao movimento de concentração de renda e riqueza: a
escassez de trabalho e a organização da classe trabalhadora. Conforme analisa o autor , no período em questão, nenhum dos
dois fatores estão presentes no Brasil.
ccliii
Nesse contexto, é reafirmada a opção da burguesia brasileira de se aliar ao capital
em detrimento de uma aliança progressista com a classe trabalhadora voltada para um projeto
Entretanto, esse cenário desenhado após os anos de 1970 abre um campo de potencialidades
Projeto de Abertura. No entanto, longe de se pretender o fim da ditadura militar num curto
espaço de tempo, esse projeto pretendia uma abertura "lenta, gradual e segura". Ou seja, uma
forma de tentar garantir o controle social, durante o processo de abertura, para manter o status
ccliv
Além desse momento, as eleições de 1978 também se transformaram numa grande
Inserido nesse panorama social, político e econômico, vamos encontrar o ressurgimento dos
movimentos sociais no Brasil. Esses atores entram em cena na luta pela redemocratização do
País, nas suas mais diversas dimensões (econômica, social, política, cultural...), a partir da
identidades (mulher, índio, negro...) e lutarem a favor dos direitos humanos e de preservação
combativo e de partidos políticos com base social, expressam, sem dúvida alguma, o
O final dos anos 1970 (1978 e 1979) é marcado pelas greves do ABC, mobilizadas por
Em 1979, Geisel faz seu sucessor. O General João Batista de Figueiredo assume a Presidência
governo militar enviou ao Congresso, em 1979, o projeto de lei que reformulava o sistema
cclv
partidário, terminando com o bipartidarismo. No entanto, apesar do sistema pluripartidário, a
Ainda em 1979, o Governo enviou ao Congresso o projeto de lei referente à anistia, que foi
bem destacou Coutinho, num processo de abertura, com ampla mobilização social, no qual
todo o processo de luta acabou se configurando como uma forma de provocar a ampliação da
Entretanto, esse período (pós-1974 até início dos anos 1980) não foi somente de vitórias das
forças democráticas; muito pelo contrário, ele foi entrecortado por diversos momentos de
retrocesso. O “Pacote de Abril”, o assassinato de Herzog e Fiel Filho, as bombas nas sedes da
OAB e ABI, o caso do Riocentro são alguns exemplos que mostram que o processo de
No final dos anos 1970, a crise internacional que se esboçara em 1973 aflora abruptamente. A
Japão e à Alemanha, devido à reestruturação produtiva operada por esses países. Por outro
com que ela fosse perdendo sua função de reserva de valor. Nesse contexto, houve nova
elevação dos preços do petróleo e uma elevação das taxas de juros americanas, visando atrair
dólar na ordem de 50%, baseada na sua política de juros altos e controle dos agregados
cclvi
monetários (aumento das reservas compulsórias exigidas dos bancos; imposição de reservas
sobre a captação de empréstimos em eurodólar por parte dos bancos; bloqueio dos ativos
processo de retomada do controle monetário pelos EUA durou quatro meses em que o FED e
fuga dos recursos para os EUA, ocorre uma crise bancária na Europa, forçando a
cobrança dos devedores e a elevação das taxas de juros (que eram flutuantes),
controle de créditos, flutuação cambial e juros altos (a Europa tem que elevar seus
A crise da dívida externa será a expressão da crise mundial nos países periféricos. O padrão
devedores88.
88
Em 1930 o problema da crise da dívida também já havia ocorrido, porém foi “resolvido pela interrupção do pagamento da
dívida, negociações de governo a governo, e posterior desvalorização ou liquidação dos títulos dos países devedores. Desta
vez, ao contrário, produziu-se uma revalorização do estoque total da dívida (...) Cabe notar ainda que, desta vez, a
cclvii
Os anos de 1980, no plano internacional, configuraram-se como o período de “retomada da
vista econômico, deve ser tratada em três dimensões: financeira, produtiva e comercial
(Gonçalves, 2003).
renegociação da dívida se dá mediante relações de governo periféricos com o cartel dos bancos privados e com organismos
multilaterais, e não de governo a governo, o que enfraquece a posição dos países devedores” (Tavares, 1993a: 61).
cclviii
do comércio exterior” (Tavares, 1993a: 56).
produtiva.
economia informal), provoca uma crise fiscal do Estado (os gastos públicos
países da OCDE mostra que houve uma diminuição de recursos para despesas
público total. Conforme destaca Fiori (1998: 167), “apesar de toda a retórica, neste
ao PIB. E o que ocorreu de fato foi uma queda dos gastos sociais compensada pelo
cclix
(diga-se de passagem, subordinada) desses países, a partir da garantia do
neoliberal.
Estado.
liberação dos lucros das empresas (redução dos gastos sociais, redução dos
cclx
necessário desenvolver a produção. Terceirização, trabalho temporário, subemprego
(Antunes, 1995).
gastos sociais89.
central da chamada crise das políticas sociais está situada na relação que se
cabe apenas o atendimento residual para os indivíduos que não conseguem ter suas
89
“Entre 1980 e 1993, enquanto o gasto público medido como percentual do PIB registrou crescimento entre 2 e 5 pontos nos
EEUU (+2,1%), Fança (+6,2%) e Inglaterra (+5,2%), a participação das despesas sociais no gasto público sofreu queda quase
simétrica (EEUU, - 6,1%; Almenha -4,3%; França, -5,1%) ao mesmo tempo em que creseu mais que propocionalmnte a
participação das despesas com juros no gasto público total (EEUU, +5,5%; França, +5,1%; Inglaterra, +0,8%; Alemanha,
+7,8%)” BIRD, 1995 in: Schwartz, G. - Como reformar o Estado não é consenso, Folha de São Paulo, 10/12/1995).
cclxi
concentrando as ações sociais na população em situação de pobreza absoluta90 e
social91.
(Laurell, 1995).
massa (ou seja, sem preocupação com o “pleno emprego”) e baseado numa
90
A pobreza absoluta está relacionada à carência das necessidades biológicas exigidas para um indivíduo sobreviver.
“Pobreza absoluta constitui, portanto, uma categoria restrita, consagrada pela ideologia liberal ou neoliberal, a qual justifica e
prioriza ações focalizadas e emergenciais, que suprem paleativamente (quando suprem) sintomas de carências profundas”
(Pereira, 1996: 25).
91
É importante sinalizar, conforme ressalta Draibe (1990), que as estratégias de seletividade, descentralização e parcerias não
são exclusivas de propostas neoliberais. A exclusividade neoliberal se encontra no sentido dado às estratégias que, como
procuramos mostrar, está voltado para a redução da intervenção do Estado na área social, a partir do entendimento de que os
indivíduos devem buscar suas necessidades na esfera privada.
92
“O desemprego na Europa Ocidental subiu de uma média de 1,5% na década de 1960 para 4,2% na de 1970 (Vander Wee,
1987, p.77). No auge do boom, em fins da década de 1980, estava numa média de 9,2% na Comunidade Européia, em 1993,
cclxii
proteção social, produziu a expansão da chamada “exclusão social” com destaque
para o desemprego. Essa condução política foi possível devido à guinada à direita
Nesse sentido, podemos afirmar com Netto (1995:81) que a “ofensiva neoliberal”
Ainda de acordo com o autor (idem: 149), o período final da ditadura militar
cclxiii
capital nacional e capital internacional] em que se sustentara a industrialização
mais uma vez, o acordo entre as elites dirigentes - para evitar o aprofundamento da
Sendo assim, em 1985, o mineiro Tancredo Neves foi eleito, indiretamente, Presidente do
Brasil, através de uma aliança entre os setores burgueses da oposição e os setores dissidentes
do partido que apoiava o regime militar - Aliança Democrática, realizada pelo PMDB e pela
Frente Liberal.
base popular, isso não foi suficiente para impedir que o processo de transição se
desse pela institucionalidade vigente e, portanto, não permitiu que ocorresse uma
93 Coutinho
(1993), em seu artigo “Crise e Redefinição do Estado Brasileiro”, percorre a história brasileira analisando, de forma contundente, que as transformações políticas no Brasil sempre
foram realizadas pel
o alto.
cclxiv
Pouco antes da posse, o candidato eleito à Presidência da República, Tancredo Neves, foi
hospitalizado, assumindo em seu lugar o Vice- Presidente José Sarney, recém filiado ao
PMDB (para viabilizar sua candidatura à vice-presidência), que até pouco tempo era o
presidente do partido que dava sustentação ao regime militar - PDS. Tancredo Neves morre
José Sarney, Presidente da República, primeiro governante civil desde o golpe de 64, que até
O cientista político Guilhermo O’Donnell destaca o peso e a presença institucional das Forças
favores, regionalismo (tradição política existente antes mesmo do regime militar) como
elementos que marcam o alto grau de continuidade do regime autoritário, após o final da
Por outro lado, podemos destacar que não só de continuidade se deu a transição brasileira. O
popular, apesar de não terem sido suficientes para provocar uma ruptura no sistema político,
cclxv
aliado às sucessivas crises pela qual passava o sistema mundial capitalista, num contexto
Essa conjuntura propicia uma situação de resistência ao modelo neoliberal, tanto pelo lado
político e econômico, via distribuição de renda e riqueza, participação política das classes
Do ponto de vista das classes dominantes, a resistência à mudança está relacionada ao sucesso
longo prazo, propiciava o acesso privilegiado ao Estado para esses grupos garantirem seus
cclxvi
Não houve expansão do assalariamento, mas também não houve redução.
cada cem empregos assalariados criados entre 1980 e 1991, cerca de 99 foram sem
expressam a orientação de que para reverter o quadro social seria necessário adotar
cclxvii
1,6% do PIB), tinham como perspectiva o combate à miséria. Visando ao
pretendidas na área social terem ficado restritas à retórica, houve durante a Nova
“ocidental”94 no Brasil.
Dessa forma, o País não superou sua crise econômica e não avançou,
da “Nova República” com um déficit social ainda maior que do início do governo.
do processo constituinte.
94
Expressão utilizada no sentido gramsciano (equilíbrio entre sociedade política e sociedade civil).
95
A CF-88 define a Seguridade Social como direito social, sob competência do Estado, constituído pela previdência
cclxviii
social provedor da universalização dos direitos sociais96. Conforme observa Netto
(1999: 77):
abriu possibilidade, através dos incisos VII do art. 194 e II do art. 204, de se criarem
sociedade naquele momento. Como bem sinaliza Coutinho, existia no Brasil, grosso
(contributiva), saúde (não contributiva) e assistência social (não contributiva), possuindo como objetivo: a universalidade do
atendimento e da cobertura; uniformidade dos benefícios; participação da comunidade na gestão; diversidade de
financiamento; e irredutibilidade dos valores dos benefícios. Dessa forma a seguridade social brasileira se aproxima a uma
perspectiva de Estado de Bem-Estar Social. No caso da assistência social, pela primeira vez, ela é enquadrada como política
pública, dever do Estado e direito de cidadania, compondo a seguridade social.
96
Utilizando a tipologia organizada por Fleury (1994: 110), a Constituição de 1988 expressa a tendência de se construir no país
um modelo de proteção social fundado na concepção de seguridade social e cidadania universal, apesar da existência de
contradições em sua formulação. Ou seja, um modelo baseado num “conjunto de políticas públicas que, através de uma ação
governamental, centralizada e unificada, procura garantir à totalidade dos cidadãos um mínimo vital em termos de renda, bens
e serviços, voltada para um ideal de justiça social. Correspondentemente, o Estrado é o responsável principal tanto pela
administração quanto pelo financiamento do sistema. Os benefícios são concedidos (...) como direitos. Reconhece-se (...) o
predomínio da relação de Cidadania Universal...”
cclxix
“modelo europeu” e o do “liberal-corporativismo” ou de “modelo americano”. O
As lutas na área social, por diversas razões, foram aquelas em que os grupos
cclxx
etc.). Esses movimentos lutavam tanto pela democracia social quanto pela
sociais.
movimentos democrático-progressistas.
97
Para o detalhamento deste diagnóstico ver Nogueira (1998: 106-108).
98
Torres (2004) e Lima Júnior (1998) apontam como os principais aspectos implementado pela Nova República, em relação à
administração pública, a criação do Cadastro Nacional do Pessoal Civil e a extinção de 45 órgãos e comissões especiais que
cclxxi
comissão de alto nível para a reforma
da administração pública.
cclxxii
participação da população e o fortalecimento do
ministério público.
1998), a Constituição Federal de 1988 não foi um retrocesso aos anos 1930, em
cclxxiii
Em relação aos anos 1930, a Constituição busca completar, como o próprio
relação à adoção de concurso público como ingresso do servidor, o autor afirma que
administração pública”. Dessa forma, conclui o analista: “os ganhos propiciados pela
de seleção e contratação”.
99
O autor reconhece esse movimento, porém, analisando-o de forma negativa, pois segundo Bresser Pereira (1996: 274), dar
ênfase à estruturação burocrática significava ignorar “as novas orientações da administração pública”, revelando “uma incrível
cclxxiv
eficiência na administração indireta. O primeiro aspecto está relacionado ao fato de
preceito sugere “que a administração indireta está prescindindo dessa lei para
funcionar a contento”. Por fim, Torres (2004: 165) mostra, a partir de dados do
compras públicas”.
ligada aos direitos conquistados pelos servidores públicos: regime jurídico único,
serviço.
cclxxv
mostravam-se coerentes com uma perspectiva de aprofundamento e universalização
Portanto, longe de uma “visão equivocada por parte das forças democráticas”,
Assim, não houve equívoco das forças democráticas. O que deve ficar
anos 1950.
desenvolvimento brasileiro, que foram os anos 50” (Bresser Pereira, 1996: 274). Ou
101
Tudo indica que a defesa de uma ordem burocrática pelas forças democráticas estava mais relacionada a uma estratégia
voltada para romper com os traços tradicionais da administração pública brasileira, portanto, uma perspectiva centrada numa
dimensão instrumental e endógena da burocracia. Ou seja, parece que não havia clareza entre as forças democráticas da
possibilidade da existência de uma relação finalística entre a ordem administrativa burocrática e a universalização e
aprofundamento de direitos. Em outras palavras, a burocracia foi interpretada como remédio contra a doença patrimonialista,
que se expressava no clientelismo e na corrupção.
cclxxvi
O próprio capitalismo, ao se reproduzir, força uma conversão das
políticas sociais em operações tópicas destinadas a aliviar os que são
por ele penalizados. Reduz direitos em favor de equilíbrios fiscais.
Reformula e dá novos significados à própria idéia de direitos: por um
lado, faz com que sejam associados a privilégios que oneram a
comunidade; por outro, transforma-os em benefícios merecidos por
aqueles que exibem melhor desempenho, têm maior poder de compra
ou mais “sorte”.
desde o final dos anos 1970 - que possibilitou, do ponto de vista da classe trabalhadora, o
vez no Brasil, uma interferência mais substantiva das camadas populares na estrutura de
dominação do país, apesar de não ter tido influência para fragilizar a coalizão das classes
dominantes, de forma a reordenar o projeto de sociedade numa direção mais clara para a
cclxxvii
dominante não pôde, nesse período, agir desconsiderando as demandas e as forças
democrático-populares tiveram sobre a definição das diretrizes do novo projeto nacional que
se encontrava em construção.
diversos.
situação da classe trabalhadora era extremamente adversa, uma vez que não se
corroía os salários (no final de 1989, a inflação chegou ao patamar de 80% ao mês), a
projetos. Por outro lado, do ponto de vista das classes dominantes, a situação não
Nesse quadro foi se forjando o consenso de que a crise não era conjuntural,
1992 e 1993), ou, conforme analisa Tavares (1993b), entre um projeto baseado na
organização do processo produtivo, que passa de uma orientação fordista para uma
102
De acordo com Antunes (1995), a produção fordista está baseada em grandes linhas de montagem, amplo corpo de
empregados, salários pactuados e sindicatos fortes. A produção de orientação flexível baseia-se em pequenos núcleos
estratégicos vinculados à empresa, no emprego da informática e da robótica em substituição ao “trabalho vivo”, na utilização de
novas tecnologias gerenciais e na fragmentação da classe trabalhadora.
cclxxix
representada pelos governos Thatcher, Reagan e Kohl, impõe ao mundo uma
no aspecto econômico quanto nas esferas social, política e cultural. Parte mínima da
do Terceiro Mundo. Nesse contexto, há, por um lado, uma certa uniformização de
valores; por outro lado, adeptos do fundamentalismo e do racismo (por exemplo) que
anos, ficou nítida a polarização entre os dois projetos de sociedade. Lula, candidato
“democracia de massa”, obteve 37,86% dos votos no segundo turno das eleições e
103
Fiori (1997: 12) sintetiza o “Consenso de Washington”, como um “plano único de ajustamento das economias periféricas”,
sistematizado por John Williamson, organizado como um programa de “três fases: a primeira consagrada à estabilização
macroeconômica, tendo como prioridade absoluta um superávit fiscal primário, envolvendo invariavelmente a revisão das
relações fiscais intergovernamentais e a reestruturação dos sistemas de previdência pública; a segunda, (...) dedicada [às]
‘reformas estruturais’; liberalização financeira e comercial, desregulação dos mercados, e privatização das empresas estatais; e
a terceira etapa, definida como de retomada dos investimentos e do crescimento econômico”.
cclxxx
programático em defesa das teses neoliberais104, como analisa Fiori (1993: 153), já
ditadura, inclusive ocupando cargos por indicação indireta, realizou sua campanha
com o estilo populista de comunicação direta com a povo, além de aplicar táticas de
Teixeira da Silva (1996: 352), “Collor surgia, assim, em uma terrível convergência de
distributivistas do Estado”.
Por outro lado, o Presidente Collor imprime como forma de governar um perfil
104
“...reforma administrativa, patrimonial e fiscal do Estado; renegociação da dívida externa; abertura comercial; liberação dos
preços; desregulamentação salarial; e, sobretudo, prioridade absoluta para o mercado como orientação e caminho para a nova
integração econômica internacional e modernidade institucional” (Fiori, 1993: 153).
105
De acordo com O’Donnell (1991) A “democracia delegativa” seria um tipo específico de democracia surgida durante as
décadas de 1970 e 1980, em contextos nacionais imersos numa profunda crise econômica e social, com uma tradição histórica
de grande atomização da sociedade e do Estado e de cultura patrimonialista como forma predominante de fazer política e
governar. Esse conjunto de fatores, aliado a um processo de transição democrática que não efetiva rupturas definitivas com o
regime autoritário precedente (como foi o caso do Brasil), potencializa, sobremaneira, a estruturação de uma democracia na
qual o governante se considera o principal fiador dos interesses nacionais, acha que pode governar de acordo com suas
conveniências, coloca-se acima de todos os partidos políticos e interesses organizados e considera a ação de prestar contas
às instituições e organizações da sociedade como sendo um impedimento ao exercício de sua plena autoridade conquistada
nas urnas. A despeito da polêmica sobre se a “democracia delegativa” é um tipo específico de democracia ou se é uma fase do
processo de democratização, consideramos que a caracterização da “democracia delegativa” descrita por O’Donnell é
extremamente pertinente para compreendermos e analisarmos o processo de transição democrática do Brasil.
cclxxxi
Constituição somente para ocasiões excepcionais - no dia de sua posse e de seu
com a equipe comandada pela ministra Zélia C. de Mello, quanto no segundo, com o
1993: 155-157).
suas áreas. Essa atuação representava, em termos mais amplos, uma ação política contrária à
cclxxxii
Essa ação ocorreu de forma emblemática nas áreas da saúde (elaboração e aprovação da Lei
Todavia, esse momento não se passou sem conflitos. Se, por um lado, havia
aprofundava-se no país.
Dessa forma, temos leis extremamente avançadas num Estado, como vimos,
cclxxxiii
No entanto, o realismo não impede de vislumbrar o significado político-
a política pública.
cclxxxiv
pois, apesar de não ser universal, atua reforçando a universalização dos direitos
Nos primeiros momentos do Governo Collor, a oposição parecia perplexa (talvez não tenha
absorvido a quase vitória eleitoral) e pouca mobilização social de expressão pública ocorreu.
apoiavam.
Temos, nesse sentido, uma conjuntura política que, apesar de inserida num contexto marcado
por forte ideologia e propostas neoliberais, ainda possibilita a disputa dos dois projetos de
sociedades. Coutinho (1992: 62), analisando a conjuntura da época, a partir da reflexão sobre
os dois projetos de sociedade, sublinha: “penso que a luta entre esses dois projetos
transnacionalização
cclxxxvi
A inflação é derrubada, Fernando Henrique se projeta a nível nacional, o
PSDB faz aliança com o PFL - partido, como vimos, que congrega políticos de perfil
passagem pela esquerda, mas que se encontravam afinados com as teses liberais,
urbana brasileira.”
social pautada nas teses neoliberais. Isso posto, observa Fiori (1998: 17):
Para surpresa de muitos, que há três meses das eleições consideravam certa
das eleições.
cclxxxvii
A política implementada pelo Governo Fernando Henrique para viabilizar o
1998: 18).
financeiro internacional nos anos de 1990: renegociação das “dívidas velhas”, para
cclxxxviii
possibilitar empréstimos novos (Plano Brady); desregulamentação dos mercados
inflação). Por outro lado, a exportação cai – os produtos brasileiros ficam caros, os
2000: 24).
cclxxxix
exterior triplicou de 9 bilhões de dólares, no período 1981-90, para 27,3 bilhões de
Nessa conjuntura, como o Estado tem que arcar com a remuneração dos
existente e com a dívida interna, é necessário cortar gastos públicos para obter
Por outro lado, as empresas num cenário de juros altos não conseguem
investir na produção. A opção do mercado financeiro passa a ser mais atrativa para
trabalho. “Em cada dez ocupações geradas entre 1989 e 1995, apenas duas eram
ccxc
assalariadas ante oito não-assalariadas, sendo quase cinco por conta própria e três
em 1989, 64% da PEA eram assalariados; em 1995, apenas 58,2% da PEA eram de
16% em média ao ano - acréscimo de 442 mil pessoas por ano (Pochmann, 2002:
75), chegando a junho de 2003 à taxa de 20,3% (maior taxa desse mês desde
1989).
dos anos 1980, leva-nos à construção de um padrão legal de política social baseado
ccxci
desenvolvimento imediato de tal padrão (Farah, 1997). Dessa forma, podemos
direitos sociais.
proposição.
ccxcii
Essa orientação política tem tido adesão de grande parte da sociedade e de quase
sem o devido apoio técnico e financeiro para que os mesmos fossem capazes de
assumir as ações.
Por fim, os programas de renda mínima têm sido implementados sob uma
ccxciii
Em termos gerais, a Política Social
análise de conjuntura mais precisa sobre o estado das políticas sociais sob
106
A previdência social foi desenvolvida de forma segmentada. Cada categoria profissional regulamentada pelo Estado tinha
acesso a determinado conjunto de políticas sociais; a população que estava fora do mercado formal de trabalho - e seus
respectivos filhos - não tinham acesso ao sistema de previdência pública operado pelos IAP`s (Institutos de Aposentadoria e
Pensões). Essa população era atendida pelos serviços de assistência social desenvolvidos, principalmente, pelas organizações
da sociedade civil. Nessa lógica, a atuação dos sindicatos se pautava numa orientação particularista voltada apenas para o
atendimento imediato da corporação, não visando a uma luta pela universalização das políticas sociais públicas (Santos,
1987).
ccxciv
implementação das políticas sociais, dando abertura para que a prática
corte democrático107.
ccxcv
lógica de mercado, da lógica neoliberal. Nesse
do padrão neoliberal.
podemos afirmar que o cenário global no campo das políticas sociais no Brasil, ao
a LOAS e o ECA). Além disso, existia toda uma concentração de esforços para a
107
Para um balanço das experiência de prefeituras em políticas sociais, ver Lesbaupin (2000) e Jacobi (2000).
ccxcvi
conselhos de saúde, da assistência social e dos direitos da criança e do
108
Nesta tese utilizaremos a definição proposta por Behring (2003), na medida em que particularizaremos a questão no Brasil e
concordamos com a autora que o ocorrido no país foi um movimento contrário às reformas realizadas ao longo do projeto
desenvolvimentista e, principalmente, frente às propostas presentes na década de 1980.
ccxcvii
Nesse sentido, mesmo nas condições brasileiras de reduzida permeabilidade aos
de trabalho - ainda que de forma parcial, seletiva e com pouca qualidade; num
rejeitar a utilização do termo “reforma” pelos neoliberais, mostrando que eles fazem
ccxcviii
destas últimas. Este retrocesso é o que configura uma contra-
reforma, por meio da qual houve quebra de condições historicamente
construídas de efetivas reformas, dentro de um processo mais amplo
de profundas transformações.
mudar:
Assim, conforme analisa o autor (2001: 283), o projeto neoliberal no Brasil foi
ccxcix
desregulamentação dos mercados, em nome da “competitividade global” e do fim do
283).
(idem: 284).
ccc
O último aspecto abordado por Fiori diz respeito à promessa neoliberal de
1991 e 1997, foram adquiridas por empresas estrangeiras 96% das empresas
conclusivamente Diniz (id: 94): “do ponto de vista ideológico, tais mudanças apontam
nacionalista do passado”.
ccci
A primeira determinação (o projeto em tela) organiza o fundamento
monocrática
A principal determinação do
gerencialismo é a identificação da
privada.
(1998), Paula (2005), Nogueira (1998 e 2004) e Abrúcio (1997), apenas para citar
empresarial (Gaetani, 1999). Portanto, mais que uma articulação ou relação estreita,
de universalização de direitos.
analisam Ferlie et alli (1996), Gaetani (1999), Grau (1998) e Fedele (1999).
ccciii
mecanismos e ferramentas gerenciais que permitam maior agilidade e eficiência
democratização. Essa concepção tem sido defendida, entre outros, por Nogueira
(1998 e 2004), Abrúcio (1997), Kliksberg, (1997), Grau (1998) e pelo Centro
Assim, cabe ressaltar, mais uma vez, que essas duas vertentes da “Nova
empresarial, afirma:
ccciv
Continuando, o autor explicita a centralidade da finalidade da administração
forma e no conteúdo, com os interesses da sociedade como um todo, tem a ver com
uma forma mais radical e socialmente referenciada, como desenvolvida por Paula
Sendo assim, o primeiro aspecto que deve ser destacado está relacionado à
1980 e 1990, como uma das dimensões da reforma do Estado, estava diretamente
cccv
neoliberais para o campo da administração pública, a partir da teoria da “escolha
(Toledo, 1995; Paula, 2005, Fedele, 1999 e Grau, 1998). Conforme assinala Grau,
(Montaño, 2002: 29). O autor, assim, desvela a conexão existente entre a dimensão
cccvi
buscam cindir a dimensão econômica da dimensão política e técnica das mudanças
da dimensão política com a dimensão técnica das propostas. Desse modo, a reforma
cccvii
Assim, tanto do ponto de vista teórico quanto do ponto de vista político, não
apresenta como uma contra-reforma, pois possui como finalidade uma ordem
social.
cccviii
obtenção de rendas. Assim, de acordo com os teóricos da escolha pública,
inadequados.
cccix
seria inviável, uma vez que ninguém obedeceria
cccx
limitar o escopo da deliberação democrática”,
2001).
expandir o Estado para a área social (Grau, 1998; Borges, 2001; Fedele, 1999 e
Paula, 2005).
1999), por intermédio de uma estrutura que combina uma centralização de poder
109
Conforme analisa Borges (2001: 174), apoiado em Gray: “Subjacente a estas medidas estava a idéia de centralizar todas as
decisões governamentais nas mãos de poucos tecnocratas fiéis ao ideário neoconservador, indicados pelo partido. Como não
poderia deixar de ser, o processo de implementação de das reformas pró-mercado em países tão distintos como a Nova
Zelândia, a Inglaterra, o México e a Rússia se caracterizou pelo estilo tecnocrático e avesso à negociação com grupos sociais e
políticos opositores.”
110
Conforme apontam Ferlie et alli (1999: 170): “Há crescentes tentativas de se criar ‘paramercados’ no setor público, onde
organizações antes verticais são separadas em dois setores – o de compra e o de prestação de serviços -, sendo a relação
entre elas governadas por contrato e não por hierarquia.”
cccxi
Desse modo, convém destacar que, do ponto de vista social, a burocracia
agilidade exigida pelo capitalismo para a tomada de decisão foi atendida pela
determinados níveis, por exemplo) como forma de garantir a agilidade das respostas
cccxii
Por outro lado, na periferia dos centros de decisão das empresas e dos
trabalho que ocorrem nas empresas privadas, seja por conta do processo de
comissionados/cargos de confiança).
enfraquecimento/flexibilização da burocracia,
autor:
funcionários que não passam por uma seleção de competência impessoal, via
concurso público, mas através de uma relação direta com o dirigente/senhor, forja-se
cccxiii
administrativo e o senhor: decisiva é a fidelidade pessoal do servidor”
(Weber, 1999a: 148).
149).
mais detalhadamente.
111
Diniz (2000: 56), apesar de não aprofundar esse aspecto teoricamente, levanta esta possibilidade: “A implantação de um
padrão gerencial, com base em mudanças de técnicas e procedimentos, não elimina a possibilidade de persistência ou mesmo
do reforço do intercâmbio clientelista no relacionamento do Executivo com a estrutura parlamentar-partidária.”
cccxiv
Sendo assim, a estruturação de uma burocracia monocrática garante a
autoritária.
uma condição necessária para constituição das sociedades de mercado, como muito
112
Conforme Oliveira registra, há um reducionismo quando o conceito de burocracia é identificado com serviço público, pois,
como lembra o autor, para Weber o “conceito de burocracia tem capacidade heurística para entender o que é capitalismo, e
não apenas a administração do Estado” (Oliveira, 2001: 142).
cccxv
[teoria da escolha pública] apenas trata de reconhecer o fato já
apontado por historiadores econômicos como Polanyi e outros de que
a construção de mercados livres tem como contrapartida a ação de
um Estado forte e centralizado.
que tende a ter um corpo de servidores com base na lealdade para com o senhor,
dominante.
central. A cadeia administrativa pode e deve ser processada por uma estrutura
máxima à condução determinada pelo pólo dirigente e pela alta burocracia, visando
ao projeto dominante.
A possibilidade de estruturação do
cccxvi
articulam-se as regras formalmente definidas
projeto hegemônico.
quadro administrativo não seja livre, nomeado por uma hierarquia, com
gestão como o taylorismo, fordismo ou toyotismo, pois todos são modelos de gestão
cccxvii
puro. Porém, sem sombra de dúvidas, os traços essenciais da burocracia
sublinhado por Paula (2005) e Diniz (2000), a burocracia não é apenas uma
estrutura administrativa; ela é, acima de tudo, uma relação de dominação, sendo seu
outro lado, “é importante evitar a utilização do tipo ideal como referência para
(Paula, 2005: 95). Adiante a autora (idem: 140) analisa a questão de forma sintética
dominação”.
estratégico.
altos salários, o que leva o funcionário a ter uma relação maior de subordinação com
cccxviii
mudanças abruptas de continuidade na burocracia empresarial. Ou seja, o
prática profissional.
Portanto, não existe modelo de gestão que não seja burocrático desenvolvido
burocrático oriundo e desenvolvido na empresa privada, pois ele não existe. O que
113
Nesse sentido, a tese expressa vai ao encontro da hipótese sugerida por Paula (2005: 95): “a organização pós-moderna é
uma nova expressão da burocracia, pois trata-se de uma adaptação do antigo modelo organizacional ao novo contexto
histórico. Por outro lado, sua aparente aproximação do modelo pós-burocrático está relacionada com a confusão entre a
cccxix
Na verdade, nenhuma reforma do aparelho do Estado feita sob o
capitalismo tem como se objetivar contra a burocracia, em nome da
superação de algum “defeito estrutural” que esse modelo conteria. Se
for pensada com critérios políticos e pragmáticos consistentes, e não
como agitação, ela só pode ter como meta reconstruir a burocracia
(...). Não havia nos anos 1900, e nem há hoje, qualquer motivo
justificável para que a reforma do aparelho do Estado seja “orientada
pelo mercado” em vez de se concentrar na recuperação e na
atualização das capacidades burocráticas. Eventuais sugestões
derivadas dos procedimentos de mercado deveriam ser recebidas
como um elemento reformador adicional, não como eixo principal.
Por outro lado, retirar do setor privado sua relação com a burocracia significa
foge a essa regra. Conforme salienta Diniz (2000: 21), a globalização é conduzida,
Esta por sua vez, tem a ver com a nova configuração das relações de
poder entre as potências mundiais, com a formação de blocos e
instâncias supranacionais de poder, ou ainda com as redes
transnacionais de conexões, através das quais se articulam alianças
estratégicas, envolvendo atores externos e internos, como as grandes
corporações multinacionais e as organizações financeiras
internacionais, ou ainda tecnocratas em posição-chave, burocratas de
alto nível e outros segmentos das eleites estratégicas. Tais redes
permitem não só a difusão de argumentos técnicos, mas também o
delineamento de novos parâmetros e valores, dando origem a uma
ideologia da globalização com alto poder de contágio e capaz de
cccxx
promover um verdadeiro choque semântico, que subverte conceitos e
significados.
especializado na área das políticas públicas, que passa a ser consensual entre
salienta a autora,
mais intensa. As decisões da empresa capitalista não podem ficar à mercê de regras
cccxxi
enquanto mecanismo de administração/dominação da sociedade de massas,
buscando “monocratizar” cada vez mais a burocracia nas mãos do grande capital
da sociedade capitalista.
dominantes.
adotadas pelo Estado. Por isso, através de seu poder e de seus interlocutores ou
núcleo central das decisões políticas e econômicas - expresso através da ação e das
cccxxii
propostas de sua burocracia empresarial e política -, contribui com o processo de
burocracia. Eles são contrários aos aspectos do Estado e da burocracia que podem
cccxxiii
Sendo assim, os elementos de
renovação, modernização e
empreendedorismo.”
cccxxiv
Estado de Bem Estar Social, mas sim a um
implementação do projeto de
transnacionalização radical.
de direitos.
transformismo114
114
Desenvolvo, quanto à noção de transformismo aplicada à crítica do “neopatrimonialismo”, as breves sugestões que a Profª
Drª Ana Elizabete Mota ofereceu durante a defesa da Tese de doutoramento de Ana Maria Amoroso Costa, na Escola de
cccxxv
Na medida em que Bresser Pereira foi o ideólogo da proposta de contra-
desenvolveremos.
neoliberal.
cccxxvi
mercado terá um papel positivo na coordenação da economia
(Bresser Pereira, 1976: 17).
que sua posição não mitifica o mercado, como fazem os neoliberais, e que a
economia orientada para o mercado não se confunde com a idéia de uma economia
mercado é um equívoco, uma vez que a coordenação de uma economia deve ser
neoliberalismo, visto que é possível não mitificar o mercado, mas privilegiá-lo como o
argutamente, Netto (1995), como vimos, qualifica a proposta neoliberal como a defesa
1980.
Segundo Bresser Pereira (1996 e 1998b) , a crise econômica dos anos 1980 se
configura como uma crise do Estado: crise fiscal, crise do modo de intervenção do
cccxxvii
Entretanto, como vimos anteriormente, as crises econômicas que se
análise de Teixeira (2000), Tavares (1993a, 1998), Cardoso de Mello (1998), Fiori (1993,
1995 e 1998), o que ocorre de fato nesse período é uma crise financeira profunda que
provocará uma crise fiscal, devido ao aumento do gasto público com juros e serviços
Tal ofensiva, através dos governos Tatcher, Reagan e Kohl, impôs ao mundo
mercado como elemento central para atingir melhor regulação social. Dessa forma,
estratégia social-liberal como aquela que tem como prioridade a orientação para o
(Bresser Pereira, 1996: 20). Assim, completa o autor, é necessário reformar o Estado
cccxxviii
tendo como primazia “reformas econômicas orientadas ao mercado, privatização,
ressalta Andrews e Kousmin (1998: 99): “a reforma administrativa brasileira tem sido
Ratificando essas análises, Paula (2005: 117) sintetiza a direção política da proposta
estratégia defendida por ele e pelo governo FHC de social-liberal. Uma tentativa de se
“terceira via”.
pois têm fundamento liberal. Dessa maneira, o traço de continuidade entre a terceira
neoliberalismo, como resalta Nogueira (2004: 53), “a reforma estacionou nos limites
cccxxix
imagem negativa do fenômeno estatal e a conceber a reforma como uma operação
A partir da segunda metade dos anos 1960 ,o debate, iniciado nos Estados Unidos,
argumento de que no mundo moderno não há distinção nítida entre as duas administrações
-, apesar de não ter prosperado naquele país, encontrou no Brasil um campo fértil para o
seguinte argumento para tentar mostrar que uma possível perspectiva democrática
tradicional:
cccxxx
“ As reações políticas à idéia da administração pública gerencial têm
uma origem ideológica óbvia. O livro Managerialism and the public
service, de Pollitt (1990), é bom exemplo desse fato. O
managerialism é visto como um conjunto de idéias e crenças que
tomam como valores máximos a própria gerência, o objetivo de
aumento constante da produtividade, e a orientação para o
consumidor. Abrúcio (1997), em panorama da administração pública
gerencial, compara esse ‘gerencialismo puro’, pelo qual designa a
‘nova administração pública’, com a abordagem adotada por Pollitt,
‘orientada para o serviço público’ e que visa ser uma alternativa
gerencial ao modelo britânico. Na verdade esse modo de ver as
coisas é apenas uma tentativa de dar atualidade ao velho modelo
burocrático, não é uma alternativa gerencial. A idéia de opor a
orientação para o consumidor (gerencialismo puro) à orientação para
o cidadão (gerencialismo reformado) não faz sentido algum (Bresser
pereira, 1998b: 32-33).
condução das coisas do Estado, era uma tarefa central para o desenvolvimento
capitalista.
cccxxxi
(Bresser Pereira, 1996: 20) e seu caráter antidemocrático (Bresser Pereira, 1996:
de corrupção de seus agentes; exagerada ênfase nos procedimentos – fato que não
dessa forma, a centralidade do cidadão como referência para o serviço público; falta
de accountability.
inserido numa crise do Estado - causa da crise econômica dos anos 1980 -, é que se
de seus argumentos.
traços do patrimonialismo.
operado por Bresser Pereira quando trata o conceito de burocracia identificado com
cccxxxii
serviço público, enquanto para Weber o “conceito de burocracia tem capacidade
Estado”.
Oliveira (id, ibid) sinaliza, também, que o ex-ministro “retira do setor privado,
Como ressalta Sônia Fleury (1997), além de a burocracia ter sido fundamental
desenvolvimento da burocracia.
(e não causa) de uma crise democrática ou, pelo menos, considerar que essa crise
cccxxxiii
pode colocar em risco a democracia. Nesse sentido, Oliveira inverte radicalmente os
administração.
Para concluir a crítica a Bresser Pereira, no que tange ao tratamento dado pelo
autor, o problema dos Estados do Terceiro Mundo não é a sua natureza burocrática,
1993: 140-143).
escolha pública.
cccxxxiv
A autora, dessa forma, mostra as conexões existentes entre o neoliberalismo, a teoria
sintetizam os autores117:
115
Movimento de “reforma” administrativa originado nos Estados Unidos, no contexto do governo Clinton, baseado nas
indicações sobre a necessidade da descentralização administrativa e incorporação de mecanismos gerenciais na
administração pública, sugerido pelos consultores David Osborne e Ted Gaebler, através do livro “Reinventando o Gogerno”.
116
Grau (1998: 222-223) também mostrará a relação entre trabalho de Osborne e Gaebler e o enfoque mercadológico da
administração pública.
117
A análise dos autores é realizada com base no trabalho de Bresser Pereira “A Reforma do Estado dos anos 90: lógica e
mecanismos de controle”, apresentado pelo autor, em 1997, por ocasião da segunda reunião do círculo de Montevideo, em
Barcelona.
cccxxxv
“Reconstrutir o Estado“, de acordo com o Ministro Bresser
Pereira (...) significa diminuir o tamanho do Estado, desregular a
economia, aumento a governança e a governabilidade. O
primeiro objetivo seria alcançado por meio das privatizações, da
terceirização e da transferência de serviços públicos para
organizações não governamentais (publicização). Uma menor
intervenção do Estado na economia seria alcançada com a
adoção de mecanismos de mercado. Para aumentar a
governança (...) seria necessário realizar o ajuste fiscal ,
implantar a administração gerencial e separar a formulação da
implementação de políticas públicas. O aumento da
governabilidade (...) seria realizada pela melhoria da democracia
representativa e pela introdução do controle social. Todos estes
objetivos, com exceção da governabilidade, estão baseados nos
pressupostos teóricos da Escolha Pública (Andrews e Kouzmin,
1998: 100).
entre cada um desses aspectos e a teoria da escolha pública. Para o objetivo desta
brilhante trabalho.
que tal teoria defende essa concepção “tanto pelo pressuposto de que os políticos
mercado para a esfera política e, portanto, para os serviços públicos e sociais” (idem:
cccxxxvi
Por fim, gostaríamos de ressaltar que o ex-ministro, ao considerar o mercado
Sendo assim, nada mais afinado com o ideário neoliberal e da escolha pública
Estado.
redução dos gastos com fortalecimento dos centros de decisão, estrutura uma
governo FHC, esse procedimento é inconteste. Diniz (2000: 90) analisa de forma
contundente:
118
Conforme sinaliza Diniz (2000: 52-53), “a orientação básica do governo esteve voltada para as questões relativas à crise
fiscal e à necessidade de alcançar a austeridade orçamentária”.
cccxxxvii
insulamento burocrático, atribuindo papel primordial ao
Ministério da Fazenda, ao Banco Central e ao Tesouro Nacional,
que formariam, ao lado do BNDES, o núcleo responsável pelas
decisões, sobretudo no que se refere à política econômico-
financeira, controlando as informações estratégicas,
principalmente aquelas que circulam nos meios internacionais, e
dispondo de canais privilegiados de acesso às decisões
externas. Aos demais ministérios caberia uma posição
relativamente periférica, em geral tendo conhecimento das
decisões depois de estas terem sido tomadas. Ou seja, o círculo
de poder decisório tonou-se extremamente restrito, operando
sob condições de confinamento burocrático, sem transparência
e freqüentemente de forma sigilosa. O estilo tecnocrático foi
fortalecido pelo amplo uso, por parte do Executivo, do
instrumento das medidas provisórias, editadas e reeditadas
numa proporção significativamente superior a que se verificara
nos governos anteriores.
garantir a direção social neoliberal a ser implementada pelos governos (Fiori, 2001a:
135 e 142).
175).
cccxxxviii
atividades exclusivas), ao regime jurídico único, à isonomia, à
isonomia e à forma de ingresso via concurso público, mudanças
que em seu conjunto, afetariam as bases do sistema em vigor.
governo, implementa
mostra que houve grande cooperação dos ministérios econômicos com o Ministério
acordo com Rezende, o MARE foi extremamente eficiente, pois, de 1995 a 1999, a
despesa com pessoal passou de 56,2% da receita corrente líquida para 39,7% e o
119
Rezende (2004) não apenas menciona eficiência, como também qualifica como “sucesso” as ações empreendidas para
redução de custos e de pessoal do quadro burocrático. A avaliação de sucesso e a eficiência estão relacionados apenas ao
critério econômico do ajuste fiscal; o autor em nenhum momento explicita o que está considerando como finalidade social a ser
alcançada pelo Estado e sua relação com o tamanho do quadro burocrático e os níveis salariais atingidos. Além disso, como
apontam Diniz (2000) e Martins (1997), o Brasil não possui excesso de quadro burocrático.
cccxxxix
acompanhados via contratos de gestão, a partir da transformação de determinados
outro lado, essa mudança institucional também levaria a uma maior interação entre o
Parceria como instrumento legal para facilitar a relação formal entre Estado e OSCIP,
no Brasil mostra como o objetivo do ajuste fiscal foi alcançado, contudo sem a
cccxl
A resistência dos primeiros estava centrada na desconfiança de que a
Nesse sentido, fica nítido que, para o ideário neoliberal, o aumento do gasto
público - seja para a expansão das ações do Estado, seja para alimentar a corrupção
viabilização, esses mecanismos não podem ficar sem controle do centro de decisão
do governo federal, além do fato de que a criação desses órgãos fosse vista como
cccxli
Portanto, privatização, focalização de gastos sociais, redução de pessoal eram pontos
incontestes.
centralização burocrática para garantir o “ajuste fiscal” não significou uma “falha
120
É interessante perceber, através da pesquisa realizada por Rezende (2004), como o MARE procurou convencer os
ministérios controladores de que a descentralização proposta no Plano Diretor era mais eficaz para o ajuste fiscal do que
manter as agências na estrutura burocrática tradicional. Ou seja, não havia qualquer divergência estratégica entre as posições.
Conforme analisa o autor: “Enquanto o MARE entendia que a mudança institucional era fator decisivo para o ajuste fiscal, para
as demais agências essa mudança imporia perdas, descontrole e, fundamentalmente, redução da performance” (idem: 115).
cccxlii
O último aspecto a destacar está relacionado à resistência democrática
conservador do governo FHC, pelo simples fato de sua não implementação efetiva.
121
Conforme sublinha Diniz (2000: 56), “a implantação de um padrão gerencial, com base em mudanças de técnicas e
procedimentos, não elimina a possibilidade da persistência ou mesmo do reforço do intercâmbio clientelista no relacionamento
do Executivo com a estrutura parlamentar-partidária. Neste sentido, mais uma vez teríamos a sobrevivência de um sistema
cccxliii
ser a tradição para ser a racionalidade economicista e o poder coercitivo e
que ela realiza a lealdade entre senhor-servidor não mais de forma típica, ou seja, baseada
confiança), para obter apoio político dos setores tradicionais para o projeto de
estrutura de poder.
cccxliv
A estrutura de obtenção da lealdade via coerção se intensifica e se manifesta,
ajuste fiscal, com a lógica tradicional patrimonialista necessária para contemplar uma
De outra forma, Diniz (2000: 102) ratifica essa análise ao afirmar que:
projeto de transnacionalização. Por outro lado, para viabilizar o apoio político para o
tradicionais.
cccxlv
A incorporação desses setores na estrutura de dominação exigia uma ordem
dominação tradicional.
neoliberal122.
122
De forma análoga, Pinho (1998: 8), apesar de não aprofundar a questão, sugere que analisemos a manutenção do
patrimonialismo na ordem administrativa brasileira como sendo um movimento “camaleônico” “que consegue não só sobreviver
como, ao que parece, se reforçar mesmo sofrendo a ordem econômica mudanças modernizantes apreciáveis”.
cccxlvi
A possibilidade, exposta na seção anterior, de o mecanismo gerencial se
patrimonialismo e gerencialismo na
123
Paula (2005) analisa o processo de combinação de “monocratização” da burocracia com elementos do patrimonialismo, no
quadro da programática gerencialista, recorrendo ao conceito de “neopatrimonialismo” de Schwartzman (1982). Porém, como
vimos anteriormente, consideramos inadequada a formulação de Schwartzman para analisar a estrutura da ordem
administrativa. Conseqüentemente, também discordamos de sua utilização para interpretar o caso do gerencialismo.
Entendemos que a categoria “burocracia monocrática” e “patrimonialismo em transformismo” possui muito mais capacidade
heurística para a interpretação crítica da proposta gerencial.
cccxlvii
ordem administrativa do mesmo estatuto teórico
conservador.
públicas universalistas.
cccxlviii
V - À GUISA DE CONCLUSÃO:
que traz para o Brasil sua estrutura estatal e administrativa e organiza a sociedade
coroa. Embora os senhores rurais desejem a proteção e o status garantidos por sua
vinculação à coroa, não querem o controle da coroa sobre seus negócios. O Estado,
cccxlix
do estamento senhorial com a ideologia e utopia liberais, tanto do ponto de vista
favor que estabelece com o proprietário rural (seja em sua versão senhorial, seja em
momento pós-abolição.
Nesse sentido, o Estado deve expressar essa dominação cuja base é uma
elite tradicional que deve organizar a economia exportadora capitalista. Mais uma
cccl
vez a manutenção da dimensão racional-legal se faz necessária devido ao fato de o
projeto econômico em tela ser nitidamente capitalista. Por outro lado, a questão de
tal projeto ser dirigido por uma elite tradicional exige a manutenção de mecanismos
Velha. Nesse sentido não há dualismo. O novo se imbrica com o velho, o velho
é funcional ao novo.
poder.
cccli
burocracia brasileira será desenvolvida a partir da necessidade de especialização e
cafeeira paulista.
Fiori (1995: 27) apresenta uma síntese consistente sobre o ordenamento estatal e sua
ordem administrativa:
ccclii
difusão, o que por sua vez, permitia que as atividades de bem-
estar do Estado se processassem clientelisticamente, embora
sem o vigor das negociações corporativas.
populares.
de Mello, 1998); mas sim que a correlação de forças da época propicia tomadas de
cccliii
(agrário e industrial) garantirão a reprodução da ordem, incorporando setores
presente.
de renda, propriedade e poder das elites dominantes, por isso essa burocracia deve
determinados interesses das classes trabalhadoras, mas que sejam estruturas que
vai ser necessária nessa dimensão, porém criando canais de comunicação com a
cccliv
Simultaneamente a esses mecanismos, ainda que a elite tradicional se
atraso que deve ser superado para o desenvolvimento do País. Ele é uma
ccclv
administrativas (dominação racional e burocracia e dominação tradicional e
dualidade entre o “arcaico” e o “novo”, mas sim pela necessidade de ter uma
Brasil.
medida em que sua realização plena foi evitada ou interferida, através de sua
ccclvi
articulação com patrimonialismo/clientelismo, objetivando garantir a manutenção de
burocracia, certamente, poderia criar uma situação muito mais grave ou causar uma
124
Fernandes (1981: 254), ao analisar as transições para o capitalismo adverte: “Na periferia, essa transição torna-se muito
mais selvagem que nas nações hegemônicas e centrais, impedindo qualquer conciliação concreta, aparentemente a curto e a
longo prazo, entre democracia, capitalismo e autodeterminação.”
ccclvii
Essa resistência contou efetivamente não apenas com o fortalecimento dos
setores democráticos da sociedade civil, mas também com um certo receio das
carta magna de 1988, mostram um caminho democrático a ser seguido do ponto de vista
aberta se apresentava factível pelo fortalecimento dos setores democráticos que propunham
por uma coalizão de classes que excluísse os setores tradicionais. Por isso, a necessidade de
ccclviii
possibilidade teórica e política para romper com a imbricação da burocracia com o
brasileira.
país não melhora e, a partir do início dos anos 1990, um novo consenso entre as forças
conservadoras foi se constituindo em torno da idéia da inexorabilidade de, mais uma vez, o
necessário, para manter o pacto de dominação conservador, que houvesse uma mudança de
agente produtivo direto e como provedor de políticas sociais seria o cerne das mudanças
1998).
como o objetivo a ser perseguido, através de uma coalizão conservadora de classe, que
PSDB e o PFL.
(Behring, 2003).
ccclix
Do ponto de vista do projeto desenvolvido, a partir do receituário neoliberal aplicado no
foi estancado para garantir o ajuste fiscal necessário para honrar os compromissos
forte coordenação das ações e a redução da intervenção do Estado na sociedade, tanto como
setor produtivo quanto como provedor de políticas sociais, é, por um lado, a concentração de
serviços e parcerias.
ccclx
Através da centralização burocrática, que se configura como a estruturação de uma
objetivos: diminuição de gastos públicos para contribuir com o ajuste fiscal, redução do
ccclxi
enfraquece em sua dimensão social e democrática - e uma contra-reforma administrativa -
universalista.
projetos de expansão capitalista, que sempre fora baseada num pacto conservador que
ccclxii
das riquezas produzidas e a manutenção dos setores tradicionais na estrutura de
Essas duas determinações produziram um Estado frágil para atender aos interesses
da classe trabalhadora e uma administração pública que não se realizou efetivamente como
transformista.
houver no Brasil um pacto de dominação que combine uma ordem racional-legal com
direitos: um Estado forte do ponto de vista social e uma ordem administrativa fundada numa
espaços.
ccclxiii
5.2. Referências para a constituição de uma administração pública
democrática
neoliberalismo
Como vimos, ao longo desta tese, para desenvolver uma “gestão social”
ou seja, não possuímos um Estado expressivo para a área social nem tampouco
ccclxiv
modestas, “mas com plena consciência das
distante”.
democrática”.
administração pública, qual seja: a finalidade voltada para eqüidade, justiça social,
ccclxv
Como vimos, a sociedade capitalista nunca permitirá a emancipação humana,
administração pública pode ser efetivada num duplo sentido: acumular mudanças
revolucionária.
Nesse sentido, a administração pública deve ser realizada à luz dessa concepção. Ou seja,
sociais.
Como temos sinalizado de forma reiterada, não podemos prescindir de Estado forte na área
ccclxvi
Portanto, a questão essencial para a efetivação de uma administração pública democrática
pelo Estado. Conforme sinaliza Nogueira (1998: 179), ao refletir sobre as possibilidades de
Fiori (1998: 139) ratifica essa análise apresentando mais uma mediação
para o êxito de uma reforma democrática. Segundo o autor, é
necessária uma outra direção política que permita implementar outra
política econômica que se adéqüe à finalidade de universalização e
aprofundamento de direitos.
Em outras palavras, para implementar uma reforma administrativa
democrática, exige-se uma ação política voltada para a construção de
hegemonia pautada na finalidade de universalização e aprofundamento
de direitos que, ao se efetivar como direção social através do Estado,
possa aplicar uma política econômica coerente com essa orientação
finalística.
Sendo assim, em última instância, as determinações para uma efetiva reforma
medidas técnicas que irão transformar a ordem administrativa brasileira. Por outro
história, não reproduzindo estruturas dos países centrais. Dessa forma, não há
ccclxvii
como nos tornarmos burocráticos no sentido clássico do termo e das
uma tarefa central na luta por uma gestão social pautada na universalização e
aprofundamento de direitos, apesar de tudo indicar que o horizonte não será o surgimento
trabalhadoras.
dominação.
125
Soares (2001: 13) apresenta a conclusão de seu estudo da seguinte forma: “A tese central é a de que as possibilidades de
uma mudança no perfil das Políticas Sociais, no sentido da sua maior universalização e progressividade, são incompatíveis
com as atuais políticas de ajuste neoliberal. Por outro lado, caso essa mudança não se efetive, dados os próprios limites
impostos pelas políticas de ajuste, pouco ou nada se pode esperar das tais soluções de tipo ‘alternativas’ propostas por tais
políticas neoliberais. Seu caráter pontual e passageiro, que apela para a ‘solidariedade da comunidade’, não poderá dar conta
dos problemas sociais latinoamericanos, sobretudo dos brasileiros, cuja magnitude e complexidade são enormes” (Soares,
2001: 13). Fiori (2001a: 133) analisa a situação da seguinte forma: “Orientados agora apenas pela bússola dos ‘equilíbrios
macroeconômicos’, esses Estados abandonaram qualquer tipo de política social universalizante, num momento em que a
estagnação ou o escasso crescimento econômico não consegue gerar a quantidade de emprego necessária para absorver a
mão-de-obra-disponível”. Em artigo anterior, o autor já havia concluído: “Tenho hoje uma visão extremamente pessimista sobre
o futuro da nossa política pública e, sobretudo, o futuro das nossas políticas sociais [...]. No meu entender, é que, por um longo
tempo, neste nosso Brasil, as políticas públicas se transformem numa espécie vizinha de um novo tipo de pastoral social”
(Fiori, 1998: 223).
ccclxviii
A luta, a partir do processo de redemocratização recente, foi
estruturar burocraticamente o Estado e democratizá-lo, abrir
espaço para a influência das classes subalternas e suas
organizações (década de 1980). No entanto, a partir da
reestruturação do capital e suas implicações na periferia como
um todo, e particularmente no Brasil, as condições
econômicas/objetivas se reduzem significativamente para
avançar com um projeto democrático.
Além disso, com o advento do neoliberalismo (crítica ao estado e sua forma
construído nos anos 1930 e mantido pela ditadura militar, porém criticado pela
esquerda por ser autoritário, não viabilizar serviços de qualidade, não combater a
complexificou.
forma coercitiva e repressiva para manter seu projeto e privilégios. Sendo assim, se
ccclxix
Assim, mesmo com todos esses fatores adversos e por causa deles, as
das propostas a serem implementadas no contexto atual, uma vez que, fortalecer o
ccclxx
Sendo assim, para pensarmos em alternativas de gestão pública voltadas para
Na medida em que não foi gestada uma saída democrática para a crise dos
pública, não se configura num projeto radicalmente democrático, pois para esse
sentido, não está presente um projeto socialista para a gestão da coisa pública. Mais
O gestor público que pretenda atuar nessa perspectiva pode e deve cumprir o papel
de ator importante na luta pela hegemonia em torno de uma ordem democrática. Conforme
ccclxxi
O maior desafio dos dirigentes democráticos e dos recursos humanos
“inteligentes”, dentro e fora das organizações – ou seja, também no
Estado e na sociedade -, é dar curso a uma dinâmica de reforma
intelectual e moral que tenha potência para criar novas hegemonias.
A força, as razões administrativas e a exigência de produtividade não
são, de modo algum, o melhor caminho para se chegar a formas
solidárias e democráticas de sociabilidade ou a novos pactos de
convivência. Dirigir ficou muito mais importante que dominar.
Desta forma, concordamos inteiramente com Nogueira (1998) quando afirma que, no
tecnologias gerenciais, mas sim na qualificação das pessoas para atuar na fronteira entre a
técnica e a política.
Nesse sentido, mais uma vez concordando com a análise de Nogueira (1998: 190-
torno de um projeto democrático de sociedade e de gestão. Para isso, o gestor público deve
avaliar”.
Assim, para finalizar esta tese, levantaremos sugestões que contribuam com
brasileira
ccclxxii
A finalidade de uma perspectiva democrática de administração pública seria a de
justiça (Abrúcio, 1997: 31). Nesse sentido, essa perspectiva exige uma institucionalidade
No entanto, cabe frisar que essa política pública, necessariamente, deve estar
democrática.
sociedade fundada num patamar mais elevado de sociabilidade, ancorado numa perspectiva
de emancipação humana.
ccclxxiii
caso da América Latina o desafio para a construção de uma nova gestão pública deve
anular a crítica à ordem administrativa burocrática (ver, principalmente Capítulo 1), mas sim
processualista e reiterativa (Paro, 2000) e pela sua função ideológica, que se manifesta
através de sua passagem de mediação à dominação (Tragtenberg, 1992), não pode e não
deve servir de referência para uma perspectiva de gestão que se pretenda radicalmente
democrática. Por fim, convém também sublinhar que a crítica à burocracia, na perspectiva
deste trabalho, não se confunde, em hipótese alguma, com a crítica neoliberal à perspectiva
organizacional burocrático.
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radicalmente com a perspectiva da identidade entre a administração empresarial e
administração pública.
Como analisam alguns autores (Ferlie et al., 1996; Gaetani, 1999; Grau, 1998;
1997; Kliksberg, 1997; Grau, 1998; CLAD, 1998; Paula, 2005). Portanto, nega-se o
126
Como destaques dessas exceções podemos registrar os trabalhos de Evans (1993 e 2003) e Nogueira (1998).
ccclxxv
O caráter racional de especialização e conhecimento, além de,
direitos.
das lutas de classe) determina as possibilidades de uma direção social mais voltada
aos interesses das classes subalternas a ser implementada pela burocracia pública.
na esfera do Estado.
ccclxxvi
abrangentes, que podem ser aprendidas; e)
corpo burocrático.
e público.
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A questão da estruturação de elementos
ccclxxviii
dominadas e exploradas, na medida em que
aprofundamento de mecanismos de
públicas.
ccclxxix
Dessa forma as tecnologias de gestão pública empregadas devem favorecer
essas construções.
Portanto, cabe ressaltar, mais uma vez, que essa abordagem não despreza
objetivos, já que elas não têm poder em si mesmas para reverter a atual situação da
efetividade.
pouca influência sobre as grandes decisões relativas à política pública, tendo que
convém destacar diz respeito ao fato de a política social ser um campo de intensa
pesem os esforços realizados, a avaliação das ações sociais ainda são pouco ou
mal realizadas, o que dificulta a aferição dos acertos e desvios da política social
social poderá obter êxitos nesse campo. De outra forma, a política social enfrentará
ccclxxxi
garantindo aos níveis sub-nacionais recursos financeiros, apoio técnico e diretrizes
constituídos para tal fim. Nesse caso, a autonomia das organizações da sociedade
sociais127. No entanto, cabe frisar que esse processo de articulação do poder público
com as organizações da sociedade civil não pode retirar do Estado o papel central
127
Sobre esse tema, ver Souza Filho (2003).
ccclxxxii
de responsabilidade sobre o desenvolvimento das políticas sociais, pois ele é o
reconhecer o processo de luta por poder existente no campo das políticas sociais. O
projetos políticos, visto que todos estão envolvidos com a causa social a partir do
aprofundamento de direitos.
devemos disputar, tanto do ponto de vista teórico quanto do ponto de vista prático-político, o
ccclxxxiii
efetivação de perspectiva comprometida com a universalização e aprofundamento de
direitos.
ccclxxxiv
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