Você está na página 1de 302

Universidade Federal de São Carlos

Centro de Educação e Ciências Humanas


Programa de Pós-Graduação em Sociologia

Helton Luiz Gonçalves Damas

A INVENÇÃO DAS SUBJETIVIDADES NOS MERCADOS DA


PACIFICAÇÃO:
Um estudo sobre os empreendedores da Favela Turística/RJ

São Carlos
2018

1
Universidade Federal de São Carlos
Centro de Educação e Ciências Humanas
Programa de Pós-Graduação em Sociologia

Helton Luiz Gonçalves Damas

A INVENÇÃO DAS SUBJETIVIDADES NOS MERCADOS DA


PACIFICAÇÃO:
Um estudo sobre os empreendedores da Favela Turística/RJ

Tese de Doutorado apresentada ao


Programa de Pós-Graduação em
Sociologia da Universidade Federal de
São Carlos como parte dos requisitos
para a obtenção do título de doutorado
em Sociologia.

Orientadora: Profa. Dra. Jacqueline


Sinhoretto

São Carlos
2018

2
3
AGRADECIMENTOS

“Tempo, tempo, tempo / Ouça bem o que eu digo” (Caetano Veloso): foram tantos os
momentos de solidão, introspecção e procrastinação que tiveram como propósito principal a
realização dessa tese. Tudo parecia tão interminável. É preciso tempo para escrever. É preciso
tempo para pensar as escolhas da vida. É preciso tempo para que todo meu percurso
acadêmico se torne legível para mim e para todos que me rodeiam. É preciso tempo. Como
também, é preciso saber o momento de agradecer os privilégios encontrados pelo caminho,
como por exemplo, a oportunidade de desenvolver uma tese em uma instituição pública em
um país de desigualdades sociais consideráveis.

Gostaria de agradecer a minha orientadora, Jacqueline Sinhoretto, por ter me aceitado


enquanto orientando e pela leitura cuidadosa de todos os trabalhos que desenvolvi, desde o
projeto até a finalização da tese

Agradeço a Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES)


pela concessão da bolsa de doutorado. Esse suporte foi fundamental para prover as viagens
para o Rio de Janeiro, como também, a estadia na cidade.

Agradeço a companhia e o suporte acadêmico ofertado pelos membros do Grupo de


Estudos sobre Violência e Administração de Conflitos (GEVAC).

Eu agradeço os meus pais pelo apoio dado durante o doutorado, sobretudo, os


empréstimos de carros para que eu pudesse frequentar as aulas e eventos.

Eu também agradeço os colegas de doutorado por terem proporcionado momentos


preciosos de interação, especialmente, a Natália, Bia, William, Felipe, Leandro, Cíntia e
outros que não me recordo.

Eu gostaria de agradecer ao programa de Pós-graduação em Sociologia da UFSCar e


todo o corpo docente, que com suas diversas perspectivas teóricas e experiências fizeram com
que eu ampliasse meu conhecimento de modo quase indescritível.

4
Eu gostaria de agradecer também todos os sujeitos de pesquisa da tese, pois sem vocês
seria impossível gerar tantos dados. Eu agradeço, sobretudo, a paciência e confiança em expor
assuntos muitas vezes sensíveis durante longas entrevistas.

Eu agradeço a banca qualificação pelos prestimosos apontamentos dados e que foram


fundamentais para que a tese chegasse a essa concepção final.

Eu agradeço, antecipadamente, a banca de defesa. Todos os integrantes escolhidos são


pessoas que nutro profunda admiração.

Eu agradeço, antecipadamente, todos que lerem esse trabalho.

5
RESUMO

O estudo teve como objetivo principal compreender o regime contemporâneo de subjetividade


nas favelas cariocas a partir da análise dos processos que envolvem a pacificação desses
territórios e o surgimento de novas formas de mercado, tendo como recorte empírico, a
“favela turística” e o “empresariamento de si”. O projeto de pacificação representou uma
possibilidade de gestão política e econômica de certos territórios escolhidos conforme os
objetivos estratégicos definidos pelos aparatos de poder. O controle, a vigilância militarizada
e a consequente domesticação de corpos não podem ser considerados as únicas formas pelas
quais o poder investiu, já que pacificação também buscou estruturar um campo de ação em
que o favelado fosse um sujeito ativo de sua própria transformação pela via do
empreendedorismo. Nesse sentido, o estudo buscou compreender o processo de subjetivação
dos moradores de favela enquanto algo situado em meio a um complexo de aparatos, práticas,
maquinações e composições dentro das quais eles foram constituídos e que pressupôs a
implicação de relações particulares com eles mesmos, assim, a pesquisa analisou como as
interseções entre um conjunto de dispositivos propiciaram uma articulação estratégica das
formas de conduta dos outros com as formas de autogoverno. Para elaborar o estudo foram
tomadas enquanto objeto de análise as seguintes áreas de UPP: Favela Santa Marta, Favela
Pavão-Pavãozinho, Ladeira dos Tabajaras/Morro dos Cabritos e Complexo do Alemão. A
metodologia utilizada para que os propósitos da tese pudessem ser cumpridos consistiram na
elaboração de um estudo baseado na análise qualitativa, obtendo dados por meio de
observações diretas e entrevistas semiestruturadas. Como resultado, foi possível observar que
a expansão da lógica neoliberal nas favelas pacificadas, por um lado, configurou o
empreendedorismo enquanto uma “possibilidade” de os favelados encontrarem o seu “lugar
ao sol” e, por outro, intensificou processos relacionadas a individualização do destino e
culpabilização do sujeito pobre, como também, ao esvaziamento da esfera pública e dos
projetos coletivos.

PALAVRAS-CHAVE: Pacificação; Favela Turística; Governamentalidade; Subjetividade;


Empreendedorismo.

6
ABSTRACT

The main objective of this study was to understand the contemporary regime of subjectivity in
the favelas of Rio de Janeiro, based on the analysis of the processes that involve the
pacification of these territories and the emergence of new forms of the market, having as
empirical cut, the "tourist favela" and the "Self-management". The pacification project
represented a possibility of political and economic management of certain territories chosen
according to the strategic objectives defined by the power apparatus. Control, militarized
surveillance and the consequent domestication of bodies can not be considered the only forms
by which power invested, since pacification also sought to structure a field of action in which
the favelado itself was an active subject of its own transformation by the way of
entrepreneurship. In this sense, the study sought to understand the process of subjectivation of
slum dwellers as something situated in the midst of a complex of apparatuses, practices,
machinations and compositions within which they were constituted and which presupposes
the implication of particular relations with themselves, the research analyzed how the
intersections between a set of devices that propitiated a strategic articulation of the ways of
conduct of others with the forms of self-government. In order to elaborate the study, the
following areas of UPP were taken as object of analysis: Favela Santa Marta, Favela Pavão-
Pavãozinho, Ladeira dos Tabajaras / Morro dos Cabritos and Complexo do Alemão. The
methodology used for the purposes of the thesis could be fulfilled consisted in the elaboration
of a study based on the qualitative analysis, obtaining data through direct observations and
semi-structured interviews. As a result, it was possible to observe that the expansion of
neoliberal logic in the pacified favelas, on the one hand, configured entrepreneurship as a
possibility for the favelados to find their "place in the sun" and on the other intensified
processes related to the individualization of destiny and poor subject, as well as the emptying
of the public sphere and collective projects.
KEYWORDS: Pacification; Tourist Favela; Governmentality; Subjectivity;
Entrepreneurship.

7
LISTA DE FIGURAS

Figura 01 – Favela Santa Marta: “A favela modelo” ............................................................... 27

Figura 02 – O Complexo do Alemão ....................................................................................... 29


Figura 03 – Favela Pavão-Pavãozinho/Cantagalo e Morro dos Cabritos/Ladeira dos Tabajaras.
.................................................................................................................................................. 30

Figura 04 - Mapa referente às favelas que abrangem o estudo.................................................31

Figura 05 – Imagem do cortiço Cabeça de Porco e casas no Morro da Providência................51


Figura 06 – Oswaldo Cruz e seu “grande pente” ..................................................................... 52

Figura 07 – Imagem do Parque Proletário da Gávea ................................................................ 55


Figura 08 – O rosto do Amarildo ............................................................................................ 76

Figura 09 – Imagem do Bunker da UPP no Complexo do Alemão.......................................... 84


Figura 10 – Imagem referente ao uso de celulares por parte de moradores e policiais no
registro das cenas de conflito ................................................................................................... 88

Figura 11 – UPP versus Comando Vermelho ........................................................................ 100

Figura 12 – Policiais da UPP e crianças da Favela Santa Marta ........................................... 105

Figura 13 – Beltrame e a debutante ........................................................................................ 107

Figura 14 – “Quem mandou matar Marielle?” ...................................................................... 111

Figura 15 – O garoto Vinícius e os helicópteros .................................................................... 112

Figura 16 – Modelo de atuação da UPP Social ...................................................................... 128

Figura 17 – O policial e o “cidadão” ..................................................................................... 130

Figura 18 = Imagens do “Ato contra as contas abusivas da Light” ....................................... 145

Figura 19 – O processo de gentrificação no Vidigal .............................................................. 147

Figura 20 – Imagem da Loja de Souvenir...............................................................................184

Figura 21– Estátua do cantor Michael Jackson na Favela Santa Marta ................................ 234

Figura 22 – Muro com marcas de tiros na Favela Pavão-Pavãozinho.................................... 242


8
Figura 23 – Imagem virtual do jogo Call of Duty – Rio ....................................................... 244

Figura 24 – “Clima bélico” é atração turística no Complexo do Alemão ............................. 247

Figura 25 – Campanha da Embratur em que a mulher brasileira é configurada como “atração


turística” ................................................................................................................................ 253

Figura 25 – Tour Fotográfico na Favela Santa Marta ........................................................... 255

Figura 26 – Imagens da Agência Olhares do Morro ............................................................. 257

9
LISTA DE ABREVIATURAS

ABF- Rio – Associação Brasileira de Franchising do Rio de Janeiro


AGE - Rio – Agência Estadual de Fomento do Rio de Janeiro
BID – Banco Interamericano de Desenvolvimento
BNH – Banco Nacional da Habitação
BNDES – Banco Nacional de Desenvolvimento econômico e Social
CEHAB – Companhia Estadual de Habitação
CEPACS – Certificados de Potencial Adicional Construtivo
CHISAM – Coordenação de Habitação de Interesse Social da Área Metropolitana
CIPOC – Centro Integrado de Policiamento Comunitário
COI – Comitê Olímpico Internacional
CODESCO – Companhia de Desenvolvimento de Comunidades
COHAB-GB – Companhia de Habitação Popular do Estado da Guanabara
EMBRATUR – Empresa Brasileira de Turismo
FAVEG – Favelas do Estado da Guanabara
FGTS – Fundo de Garantia por Tempo de Serviço
GAPE – Grupamento de Aplicação Prático-Escolar
GPAE – Grupamento de Polícia para áreas especiais
IAPs – Institutos de Aposentadorias e Pensões
PAC – Programa de Aceleração do Crescimento
PM – Polícia Militar
PROMORAR – Programa de Erradicação de Sub-habitação
SEBRAE – Serviço Brasileiro de Apoio às Micro e Pequenas empresas
SETH – Secretaria do Estado de Trabalho e Habitação
SMDS – Secretaria Municipal de Desenvolvimento Social
ONU – Organização das Nações Unidas
UNICEF – Fundo das Nações Unidas para a Infância
UPP – Unidade de Polícia Pacificadora

10
SUMÁRIO

INTRODUÇÃO .................................................................................................................................... 13

Construção do objeto ............................................................................................................ 20

METODOLOGIA ................................................................................................................................ 26

Universo de estudo: a escolha das favelas ............................................................................ 26

Perspectivas teóricas e a pesquisa empírica .......................................................................... 32

As singularidades do processo de geração de dados na favela-turística-


pacificada....................................................................................................................................35

ORGANIZAÇÃO DOS CAPÍTULOS ............................................................................................... 44

CAPÍTULO 1: TERRITÓRIOS PACIFICADOS: REORIENTAÇÃO NO CONTROLE DO


CRIME E GESTÃO DA VIDA ........................................................................................................... 46

1.1. As favelas cariocas: um século de ordenamento e controle ........................................... 48

1.2. As favelas e a questão da violência urbana .................................................................... 60

1.3.A favela como entrave para o desenvolvimento da “Cidade Empreendedora” .............. 63

1.4. Os antecedentes históricos da ocupação armada das favelas cariocas .............................. 66


1.5. As UPPs e as novas formas de controle dos “territórios da pobreza” ........................... 71

1.6. Biopolítica da pacificação e seus efeitos de subjetividade .................................................. 78


1.7. Os policiais e traficantes nas favelas pacificadas................................................................. 91
1.8. UPP e a gestão da vida: Da formalização do território à instauração da “pedagogia
civilizatória” ....................................................................................................................................... 101
CAPÍTULO 2: O “SOCIAL DA UPP” E OS NEXOS DO PROCESSO DE
DESCONSTRUÇÃO DA QUESTÃO SOCIAL NAS FAVELAS PACIFICADAS..........116
2.1. Favela, cidadania e poder .................................................................................................... 118
2.2.“A UPP Social foi um paliativo e muita gente acreditou”. UPP Social: Uma política
de direitos?.......................................................................................................................................... 126
2. 3. Os nexos do processo de desconstrução da questão social nas favelas pacificadas ... 136
2.4. “Pague a conta de luz. Seja um cidadão!”: Pacificação, cidadania e o
“empreendedorismo dos ricos” nos territórios da pobreza .......................................................... 141
11
CAPÍTULO 3: O DOS DISPOSITIVOS DE NORMALIZAÇÃO À PRODUÇÃO DOS
SUJEITOS EMPREENDEDORES NAS FAVELAS PACIFICADAS................................ 150
3.1. Ensinando da norma empreendedora .................................................................................. 152
3.2. Os empreendedores turísticos das favelas pacificadas ............................................... 166
3.2.1. Carambola: “A pacificação foi tipo assim: vai lá e faz pô! Você tem que fazer
diferente, entendeu? Aí, todo mundo teve que fazer diferente” ................................................... 169
3.2.2. Isabela: “O meu negócio se fortaleceu pós-pacificação” .......................................... 176
3.2.3. Vanessa: “A pacificação deu uma quebrada em alguns negócios e abertura para
outros” .................................................................................................................................... 183
3.2.4. Margarete: “Olha que engraçado. Eu tinha bolsa família, hoje eu já não tenho mais,
porque hoje eu sou empresa” ........................................................................................................... 186
3.2.5. Henrique: “Eu me formei como guia foi graças a implantação da UPP em
favela”.....................................................................................................................................188
3.2.6. Alessandro: “A pacificação deu um boom gigante, todo mundo queria abrir um
negóciozinho” ......................................................................................................................... 190
3.2.7. Andressa: “A pacificação foi uma maquiação. Mas os negócios foram um
estouro”...................................................................................................................................194
3.2.8. Loreto: “O Sebrae foi uma benção. Todo mundo deveria empreender”.................... 196
3.3. Um dispositivo e seus sujeitos normalizáveis ................................................................... 199
CAPÍTULO 4: A INVENÇÃO DAS NOVAS SUBJETIVIDADES NAS FAVELAS
CARIOCAS: OS EMPREENDEDORES DA “FAVELA TURÍSTICA” ......................... 201
4.1. A invenção de novas subjetividades nas favelas cariocas: o dispositivo da pacificação
como catalizador da racionalidade neoliberal ................................................................................ 204
4.2. “Cada um quer furar o olho do outro”: o ethos comunitário em tensão com o ethos
empreendedor..........................................................................................................................215

4.3. O “empreendedor de favela”, flexibilidade e as várias dimensões do risco .................. 225


4.4. A favela turística: “Entre governamentalidades, empreendedores e turistas” ................ 233
CONSIDERAÇÕES FINAIS ........................................................................................................ 263

REFERÊNCIAS ................................................................................................................................... 273

ANEXOS.............................................................................................................................................. 301

12
INTRODUÇÃO

Intervenções no meio e as novas subjetividades

No início da década de 1990, uma grande região situada na Zona Norte do Rio que,
posteriormente, viria a ser reconhecida como Complexo do Alemão, deu alguns sinais de que
poderia tornar-se violenta. Na época em questão, quem detinha o domínio do tráfico de drogas
na localidade era o Orlando da Conceição Filho, popularmente conhecido como “Orlando
Jogador”. Alguns moradores retratam ele como o “último romântico” dos bandidos.
Carismático e querido pela população, ele era tido como um bandido atento às questões
sociais da favela. Ainda na década de 1990, o estimado traficante arrendou diversos pontos de
droga em toda a região da Zona Leopoldina1. A escolha por expandir o tráfico de drogas na
região acarretou na necessidade de armamentos mais pesados e de um “exército de jovens”
maior e mais preparado para garantir a proteção pessoal do ex-jogador, como também, dos
seus negócios. Grande parte dos antigos moradores desse território afirma que o “Complexo”
era um antes do traficante e outro depois da sua morte, pois além de perderam alguém que se
preocupava com os problemas sociais do lugar, o seu assassinato ocasionou uma
reconfiguração no comércio de drogas do Rio. A grande visibilidade da região resultou em um
esforço no que tange a produção de um saber técnico necessário para a realização de inúmeras
intervenções dos aparelhos estatais. Tal esforço em relação a produção de saberes ajudou a
delinear a emergência de uma concepção espacial unitária que poderia ser aplicada a um
conjunto de 13 favelas diferentes e contiguas entre si, surge então, o “Complexo do Alemão”2.
Durante a década de 2000, o território situado próximo a vias importantes da cidade ganhou
grande visibilidade nacional pelos constantes conflitos armados e foi erigido pelo governo do
Estado como um grande entrave para a segurança do Rio, assim, “algo precisava ser feito”
(MATTIOLI, 2015, VIEIRA, 2014).
1
A Zona da Leopoldina é uma área histórica da Zona Norte do Rio de Janeiro e compreende os bairros de Bom
Sucesso, Manguinhos, Olaria, Penha, Penha Circular, Vila da Penha, Parada de Lucas, Brás de Pina e Ramos.
Esses bairros abrangiam o caminho da estrada de ferro Leopoldina Railway.
2
O Complexo do Alemão corresponde a um conjunto de favelas situado na Região Norte do Rio de Janeiro. Ele
é composto pelos seguintes territórios: Morro da Baiana, Morro do Alemão, Favela da Alvorada, Favela Nova
Brasília, Favela Pedra do Sapo, Favela das Palmeiras, Favela Fazendinha, Favela da Grota, Favela da Matinha,
Morro dos Mineiros, Favela do Reservatório de Ramos, Favela das Casinhas, Morro do Adeus, Favela Areal,
Morro do Coqueiro. (MATTIOLI, 2015).
13
No dia 25 de novembro de 2010 – na semana anterior a tomada do Complexo do
Alemão pelas forças policiais – o monopólio Globo transmitiu ao vivo a imagem de
traficantes fugindo da Vila Cruzeiro3 para a Favela da Grota4, por meio de uma pedreira que
funcionava no alto da Serra da Misericórdia5. Após a fuga dos bandidos, a Vila Cruzeiro foi a
primeira favela da região Norte do Rio a ser tomada pelas polícias e Forças Armadas. Dias
depois, os agrupamentos policiais adentraram na maior favela da região, o Complexo do
Alemão, e hastearam uma bandeira do Brasil no alto do teleférico – como símbolo da
ocupação do conjunto de favelas. Em seguida, o então comandante-geral da Polícia Militar,
coronel Mário Sérgio Duarte, informou que todo o Complexo do Alemão já estava tomado
pelas polícias militar, civil e federal, além de homens das Forças Armadas – Lula, nos últimos
dias de seu segundo mandato (2007-2011), emprestou ao governo do Rio blindados da
marinha – assim, cerca de 2.600 agentes públicos participaram da invasão ao conjunto de
favelas (GRANJA, 2015, O GLOBO, 2010).

A ocupação do Complexo do Alemão teve um efeito simbólico emblemático, pois


apesar das Unidades de Polícia da Pacificadora (UPPs) terem sido inauguradas em 2008 – a
partir de uma experiência piloto na Favela Santa Marta – a chegada das forças policiais no
Alemão teve repercussão internacional e foi retratada como marca da “retomada de
territórios” pelo Estado, para que assim, fosse estabelecida a pacificação das favelas cariocas.
No texto “O Alemão é muito mais complexo”, Vera Batista (2011) destaca que foi empregada
uma série de estratégias comunicacionais por parte dos meios de comunicação para legitimar
a militarização dos espaços da pobreza. Granja (2015) afirma que esses meios de
comunicação hegemônicos divulgaram que a retomada do Alemão não chegou a vitimar nem
duas dezenas de pessoas pelas forças policiais, mas relatos de moradores davam conta de mais
de 100 pessoas assassinadas, muitas delas desovadas a céu aberto, com porcos e urubus se
refestelando a cada momento em que a carnificina se avolumava. Mas enfim, iniciou-se o
processo de pacificação no território mais emblemático – em relação a segurança pública –
do Rio de Janeiro.

3
A Vila Cruzeiro se refere a uma favela situada no bairro da Penha, Rio de Janeiro.
4
A Favela da Grota é umas das localidades que compõem o Complexo do Alemão (Zona Norte do Rio).
5
O maciço da Serra da Misericórdia localiza-se entre as baixadas de Inhaúma e Irajá, sendo o quarto maior
maciço do Rio de Janeiro. Esse maciço se estende por 26 bairros, são eles: Abolição, Bonsucesso, Cavalcante,
Cascadura, Complexo do Alemão, Engenho da Rainha, Higienópolis, Inhaúma, Irajá, Madureira, Olaria, Penha,
Penha Circular, Piedade, Pilares, Encantado, Ramos, Rocha Miranda, Colégio, Tomas Coelho, Turiaçu,
Engenheiro Leal, Vaz Lobo, Vicente de Carvalho, Vila Kosmos e Quintino Bocaiúva (INSTITUTO TEAR,
2017).

14
O termo pacificação, que nunca antes fora utilizado no planejamento urbano em ações
de segurança, acabou sendo naturalizado pouco a pouco em virtude do seu uso recorrente
pelas mídias, aparelhos estatais e moradores. Contudo, o ideal contido no processo de
pacificação não se refere a uma dinâmica inovadora no Brasil, pois se trata de um processo
que atravessou cinco séculos no país – do Brasil colonial ao republicano. Assim, no período
colonial, a pacificação teve como foco os povos indígenas e foi planejada inicialmente como
uma atividade bélica, mas posteriormente, ingressou em uma fase pedagógica e protetora. Na
fase em questão, os religiosos se encarregaram com exclusividade de seu controle, ensino e
catequização. Esses grupos sociais desconheciam o cristianismo, praticavam a poligamia, a
feitiçaria e a antropofagia, em suma, “ofendiam frontalmente” os padrões morais dos
europeus. Em razão disso, eram declarados como inimigos que deveriam ser combatidos e
expropriados violentamente de seus territórios, para em seguida, serem pacificados como
escravos temporários e/ou colocados em aldeamentos. “Embora o padrão de colonização
utilizado não preconizasse o genocídio, este foi em inúmeros casos o resultado concreto desse
modo de gestão de territórios e populações” (PACHECO DE OLIVEIRA, 2014, p. 132).

A pacificação se transmutou sob “mascaras modernas” até a contemporaneidade,


relacionando-se agora a um processo de intervenção policial em territórios que “escapavam”
aos domínios dos aparatos de poder. A noção de território se situa a partir da necessidade de
garantir a soberania estatal e a sua instrumentalidade policial, expressas por meio de uma
operação especial ou militar para a retomada de áreas “governadas” por grupos considerados
ilegítimos. Nesse prisma, ocupa-se o território com intuito de impor uma paz civil, que
engloba e subordina as favelas em “favor da produção de controle e da afirmação de uma
ordem exterior, a ordem pública, conduzida com uma boa distância, de fora para dentro, e na
qual o protagonista político seria o Estado representado pela polícia que” leva a paz às favelas
(MUNIZ, MELLO, 2015, p. 49).

A reconquista de tais territórios representou uma inflexão em relação a política de


“guerra às favelas” (LEITE, 2012) – em algumas localidades consideradas vitais para
implantação de um novo ordenamento urbano – como também, pode ser figurada como uma
reconfiguração das práticas estatais em suas margens, territórios esses, onde o Estado é
constantemente refundado em suas formas de ordenar e fazer as leis (DAS, POOLE, 2004). A
pacificação teve como proposta principal a integração dos “territórios da pobreza” à cidade e
encapsulou o tratamento das favelas como lugares que requerem força policial e intervenção
militar para conseguirem algum tipo de paz. Essa política se referiu a uma tentativa de
15
transformar a paisagem urbana da cidade melhorando a segurança na favela, já que os
conflitos armados seriam incompatíveis com a modernização e o desenvolvimento do Brasil
que fora simbolizado, isto é, um país honrado por receber grandes eventos de alcance
mundial. Enquanto um “projeto de modernidade”, a pacificação foi além de uma simples
readequação nos mecanismos de segurança para envolver mudanças no espaço físico, na
economia local, e por fim, no comportamento dos moradores. A política de pacificação
implementada por meio das UPPs, possibilitou o fortalecimento dos aparelhos de Estado por
meio da recuperação do domínio territorial e do poder de coerção, o que propiciou a expansão
dos negócios locais, como também, o desenvolvimento de ações de grupos empresariais
diversos nos “territórios da pobreza” (LEITE, 2015, OST e FLEURY, 2013, LARKINS,
2015).

As tentativas do Estado de pacificar a favela tiveram relação direta com a continuada


expansão do capitalismo global, com o trabalho do Estado sendo executado em conformidade
com os interesses corporativos, por meio de uma gestão empreendedora (HARVEY, 2005).
Na medida em que a favela foi colocada sob um estado de permanente controle, tornou-se
possível que os mercados locais fossem formalizados, e serviços antes gratuitos, acabaram
sendo privatizados. Nesse sentido, as favelas foram atingidas por um modelo de ação que
visou assegurar a valorização das mesmas como um bem mercantil. Elas se tornaram um bem
ligado à cidade na medida em que foram transformadas em mercadoria. As remoções e
reurbanizações feitas nas favelas cariocas – sobretudo, próximas aos bairros nobres – desde
confirmação dos Jogos Olímpicos e da Copa do Mundo no Rio de Janeiro, foram feitas pelo
governo fluminense com o pretexto de melhorar a segurança pública e as vias de acesso da
cidade, mas na prática, referiram-se à ações realizadas para que o município estivesse
disponível ao mercado (LARKINS, 2015, RIBEIRO, OLINGER, 2013).

Destaca-se também, que enquanto bem mercantil, as favelas do Rio de Janeiro fazem
parte do mercado turístico da cidade desde a década de 1990 – quando se passou a levar
turistas à Rocinha durante a ECO 926 – em uma metrópole onde quase todos os espaços estão
disponíveis ao consumo (FREIRE-MEDEIROS, 2009). Contudo, o desenvolvimento dessa
modalidade de turismo ganhou novos contornos a partir da implantação das UPPs nas favelas
cariocas, pois o policiamento permanente trouxe uma “sensação de segurança” a esses
territórios, o que correspondeu a produção de uma espécie de nova embalagem, isto é, a

6
A ECO 92 se refere a Conferencia das Nações Unidas sobre o Meio Ambiente e o Desenvolvimento, realizada
no Rio de Janeiro em junho de 1992.
16
“favela-turística-pacificada” (FREIRE-MEDEIROS, VILAROUCA, MENEZES, 2016). A
partir de então, diversas foram as localidades reconfigurados sob a perspectiva turística,
sobretudo, as favelas da Zona Sul do Rio de Janeiro.

A reconfiguração dessas localidades apenas foi possível graças a uma rede de


discursos e de instituições que juntas perfizeram um dispositivo, no sentido foucautiano do
termo, isto é, um conjunto deliberadamente heterogêneo, que comporta discursos, instituições,
arranjos arquiteturais, decisões regulamentares, leis, decisões administrativas, entre outros,
(FOUCAULT, 1979). O dispositivo da pacificação contou com a atuação policial e uma série
de instituições, como: Ministério do Turismo, governo e prefeitura do Rio de Janeiro,
SEBRAE, Banco do Brasil, UPP Empreendedor, entre outros. Esse dispositivo produziu
formas de pensar e agir, como também, reposicionou algumas favelas na zona do
empreendedorismo econômico, situou assim, parte dos favelados – aqueles considerados
normalizáveis – nesse campo específico de ação. Visualizou-se então, o desenvolvimento de
um urbanismo subalterno (ROY, 2011), isto é, a constituição da favela como como lugar do
empreendedorismo, das atividades comerciais, em contraposição, a ideia da favela como
espaço da desordem.

Os espaços marcados pela pobreza, desemprego, exclusão, são alvos tradicionais dos
dispositivos gestionários (TELLES, 2010). Nesse sentido, o regime do governo da pobreza
busca, antes de tudo, esquadrinhar a população, para em seguida, essencializar os recortes
produzidos. A partir dessa classificação é produzida uma valoração seletiva e desigual em
relação aos recortes populacionais elaborados. As características desses recortes têm relação
com a representação da “violência urbana” feita pelos aparelhos governamentais, que
retiraram o centro irradiador da “questão social” contemporânea dos “trabalhadores”,
deslocando-a aos “marginais” e as políticas que pensam a proteção social como pano de fundo
da prevenção à violência; tornando-se plausível, então, a representação moral de um
continuum entre os pobres, que tem em um “polo, o bandido a encarcerar e, no outro, o
consumidor ou o empreendedor a inserir via mercado” (FELTRAN, 2014, p. 498). Assim, um
conjunto de técnicas de estruturação do campo de ação tende a variar “conforme a situação
em que se encontra o indivíduo” (DARDOT, LAVAL, 2016, p. 216), e no caso do presente
estudo, tais estruturações se traduziram em “modos de pensar e gerir a pobreza e seus
territórios, na perspectiva da inserção, inclusão, autoestima” (RIZEK, 2013, p. 33), ou seja,
em políticas de incentivo ao empreendedorismo.

17
O “empresariamento de si” foi apresentado aos favelados como alternativa de
sobrevivência as limitações e vulnerabilidades próprias do “mundo da pobreza”. Essas
vulnerabilidades podem ser contextualizadas com as novas lógicas da produção flexível, o
declínio do fordismo e a consequente produção de rearticulações dos territórios e espaços por
onde circulam bens, capitais, serviços e também populações, que passaram a situar-se nas
novas realidades do trabalho (e do não trabalho), da informalidade, desemprego prolongado
ou mesmo da exclusão do mercado do trabalho (BARBOSA, 2011, MACHADO DA SILVA,
2002, SANTOS, 2011, TELLES, 2010).

Para analisar as singularidades do mundo social é preciso apreciar as conexões entre


territórios e espaços da cidade; dispositivos de poder; a ordem das relações sociais e suas
hierarquias; as novas clivagens; os grupos médios e pobres. Nesse sentido, todas essas
configurações apenas podem ser apreendidas e recortadas por meio da cena etnográfica. Essa,
por sua vez, proporcionou ao pesquisador a interação com interlocutores inesperados.

Em meados de 2015, na saída de um restaurante de Copacabana, o pesquisador se


encontrou com um morador do bairro. Repentinamente, o sujeito iniciou um diálogo de
maneira exasperada disparando críticas a classe política e especialmente ao Partido dos
Trabalhadores (PT) “O PT e o Lula estão acabando com o Brasil, está insuportável viver
aqui”, disse ele. Logo em seguida, o sujeito – branco e de aproximadamente 50 anos – expôs
o seu “drama particular”. Ele disse que tem a “missão” de cuidar todos os dias de sua mãe –
que na época se encontrava acamada. Evidenciou também, que tem que limpar o apartamento
semanalmente e responsabilizar-se pelas refeições da mesma, seja comprando comidas
prontas ou elaborando-as. O morador se mostrou indignado com essa situação, pois mesmo
após a mãe trabalhar “anos a fio” como tradutora, não detinha renda suficiente para pagar uma
empregada que realizasse todo o trabalho doméstico da casa. “Tudo isso é culpa do bolsa
família, eles não aceitam o que a gente oferece e preferem ficar em casa, lá na favela. Antes
não era assim não”. Toda a consternação do morador residia no fato do favelado possuir,
minimamente, certo poder de escolha em relação ao seu próprio destino.

Se, por um lado, o morador de Copacabana deseja ter um favelado para “chamar de
seu”, por outro, os interlocutores da favela apresentaram perspectivas que caminham em
direção oposta, pois desejam constituírem-se enquanto “sujeitos livres”. Isabela, moradora da
Favela Santa Marta, relatou ao pesquisador durante a pesquisa de campo as agruras que
passou ao submeter-se as vontades dos patrões durante os trabalhos desenvolvidos ao longo

18
de sua vida e que tornar-se empreendedora representou encontrar sua sonhada liberdade. “O
empreendedorismo é uma possibilidade de você quebrar um pouco todo o trabalho formal. É
um pouco sua carta de alforria [...]não ter ninguém chicoteando você” 7. Ela encontrou no
empreendedorismo uma possibilidade de provocar um tensionamento nas relações de poder,
mas isso necessariamente não pode ser considerado um paradigma de liberdade e autonomia.

Em meio a um ambiente de manutenção de ordem e gestão da vida (LEITE, 2015), o


empreendedorismo foi apontado pelos aparatos de poder como uma “via libertária”, onde o
favelado encontraria espaço para a realização dos seus sonhos por “conta própria”.

É que na verdade, essa liberdade, ao mesmo tempo ideologia e técnica de governo,


essa liberdade deve ser compreendida no interior das mutações e transformações das
tecnologias de poder. E, de uma maneira mais precisa e particular, a liberdade nada
mais é que o corretivo da implantação dos dispositivos de segurança. Um dispositivo
só poderá funcionar bem, em todo caso aquele de que lhes falei hoje, justamente se
lhe se lhe for dado certa coisa que é a liberdade, no sentido moderno [que essa
palavra] adquire no século XVIII (FOUCAULT, 2008b, p. 63).

Nessa perspectiva, mal sabe Isabela que pensar-se livre e conformar-se enquanto
“senhora do seu destino”, relaciona-se a uma subjetividade que não é fruto de uma
“interioridade intacta”, já que é delineada nos pontos de convergência entre as tecnologias de
dominação e as técnicas de si, ou seja, um jogo de relações norteado por dispositivos de poder
e a produção de governos de si.

Nesse sentido, a pacificação não é pensada aqui enquanto dispositivo de poder


somente “em termos negativos: recusa, delimitação, barreira e censura” (FOUCAULT, 2003,
p. 246). O estudo buscou observar a maneira como diferentes mecanismos de poder operaram
nas favelas cariocas a partir da implantação das UPPs, analisou assim, de que maneira os
corpos, comportamentos, condutas diárias, desejos de liberdade e autonomia se ligaram a
muitos sistemas de poder e como tais elementos estiveram conectados entre si.

7
Entrevista com Isabela. Pesquisa de campo, 2017.
19
A CONSTRUÇÃO DO OBJETO: o governo si mesmo como ponto de aplicação do
governo dos outros

Os estudos sobre pacificação, subjetividade e empreendedorismo evidenciaram a


emergência de práticas, instrumentos e discursos que interpelaram os moradores no sentido de
se integrarem à cidade por meio de agenciamentos mobilizados pelos dispositivos de poder
(LEITE, 2015, OST e FLEURY, 2013, VELAZCO e TOMMASI, 2013, ROCHA, 2014). O
principal objetivo do estudo foi compreender o regime contemporâneo de subjetividade nas
favelas cariocas a partir da análise dos processos que envolviam a pacificação desses
territórios e o surgimento de novas formas de mercado, tendo como recorte empírico a
“favela turística” e o “empresariamento de si”.

A hipótese inicial da pesquisa apostou que a invenção das novas subjetividades,


sobretudo, na figura do sujeito-empreendedor, não se referiu somente a fenômeno individual,
mas sim, a uma questão histórica-política que vinculou uma série de ações governamentais e
não-governamentais desenvolvidas de forma conjunta e que se uniram a um vértice comum,
isto é, o “projeto de pacificação”.

O conjunto de discursos e práticas que configuraram o dispositivo da pacificação, ao


mesmo tempo em que possuiu um ideal regulatório de normatividade imposto pela ocupação
armada dos “territórios da pobreza”, desempenhou um papel edificante na invenção de certos
tipos de sujeitos. Assim, o modo como os moradores de favela foram regulados e regularam a
si próprios, possui relação com a reorganização do poder político e suas formas de governo,
compreendido aqui, no sentido de Foucault (1979), ou seja, como um conjunto de práticas e
estratégias que teve como objetivo a “condução de condutas” a um fim conveniente.
Conforme Rose (2011), os numerosos programas, políticas e propostas que surgem sob a
insígnia governamental, “têm a conduta de indivíduos – não somente controlar, subjulgar,
disciplinar, normalizar ou reformá-los, mas também, torná-los mais inteligente, sábios,
felizes, virtuosos, saudáveis, produtivos, dóceis, empreendedores, satisfeitos”, cheios de
autoestima, enfim, dotados de poder (ROSE, 2011. p. 25).

Quem foram os sujeitos da pesquisa? Para responder essa questão, antes de tudo, cabe
aqui ressaltar que o regime de subjetividade pelo qual o estudo se debruçou não abrangeu
todos os sujeitos da favela, mas sim, apenas aqueles considerados “normalizáveis” pelos

20
aparelhos governamentais, o que excluiria os favelados considerados violentos – que
notadamente, são controlados por métodos mais severos por serem qualificados enquanto
“inimigos” pelos dispositivos de segurança. “Nem todos os sujeitos políticos são incluídos do
novo regime de subjetividade” (ROSE, 2011, p.231).

A pesquisa empírica apontou que o dispositivo da pacificação acabou conformando a


invenção ou reinvenção de sujeitos nas favelas abrangidas por ele. Um exemplo dessas
(re)invenções de si, é citado por Carambola – morador da Favela Santa Marta – que avalia que
com a pacificação “todo mundo teve que se reinventar de alguma forma”,

(A pacificação) teve um impacto na realização dos eventos, vamos dizer assim, meio
que uma proibição das UPPs em fazer os eventos. As pessoas tiveram que se
transformar, evoluir. Vou dar um exemplo bem claro, a senhora que fazia uma
quentinha e vendia para tráfico de drogas, não podia mais vender aquela quentinha
para o tráfico de drogas, ela teve que fazer o quê? Dar um jeito de fazer com que a
quentinha chegasse ao pessoal da Zona Sul do Rio de Janeiro, porque o traficante
ficou enfraquecido, têm menos pessoas trabalhando com o tráfico, como é que ela
vai vender as quentinhas dela? Quem é que vai comprar? Então ela teve que se
reinventar, fazer o possível para as quentinhas chegarem ao pessoal das Furnas – eu
digo Furnas de energia – ela teve que fazer a marmita chegar lá e ela consegue
entregar lá, então para isso ela precisou fazer o que? Se reinventar, esse é um
exemplo clássico e claro. Todo mundo teve que se reinventar de alguma forma. Por
exemplo, o turismo não existia, foi outra coisa, me reinventei e fui trabalhar como
guia de turismo, entendeu? O cara que não fazia caipirinha nenhuma, só vendia
cachaça, vou fazer o que? Vou fazer caipirinha de morango, de abacaxi, maracujá e
de melancia, que o gringo se amarra. Aí o público dele muda, começa a cobrar um
valor mais alto, consegue arrumar mais dinheiro, consegue ter um rendimento maior.
O que ele fez? Se reinventou. Então é uma reinvenção do seu negócio (Entrevista
com Carambola. Pesquisa de campo, 2017).

Além da vendedora de quentinhas que tinha como clientes os traficantes, e que com a
implantação da UPP teve que procurar clientes fora da favela, muitos foram os processos de
“invenções de si” a partir do advento da pacificação. O próprio Carambola exemplifica esse
panorama, de ex-assaltante e presidiário, tornou-se um “empreendedor de sucesso” a partir do
momento em que participou de programas governamentais de incentivos ao turismo que
surgiram com o projeto de pacificação. A tese também relata outras histórias, como: a dona
do Bar que após a polícia proibir a realização de bailes funks teve que mudar de ramo e abrir
uma loja de souvenir para turistas; o “empreendedor meia-boca” que passou a ser um
“empreendedor turbinado”, pessoas que trabalhavam com carteira assinada e se “inventaram”
enquanto empresários ao abraçarem o discurso da “janela de oportunidades” que a presumida
paz trouxera a favela; a ex-benificiária do Bolsa família que hoje afirma: “Agora eu sou

21
empresa”, entre outros. Em suma, com a pacificação diversos sujeitos de favela tiveram que
(re)inventar-se.

As histórias desses sujeitos se entrecruzam na dinâmica da produção dos espaços e


territórios, delineando assim, as “tramas da pacificação” – adaptação da expressão elaborada
por Telles (2006) – em que um conjunto de dispositivos levaram os moradores de favela a se
adaptarem as experimentações da racionalidade governamental e aos seus modos de produção
de governos de si mesmo. Os seus percursos fazem ver a teia de relações e campos de força
que se estruturaram em torno do empreendedorismo, enfim, são figuras que perfizeram seus
percursos nas tramas do campo social.

A motivação inicial desse estudo residiu no fato do pesquisador ter sido professor
substituto no Curso de Turismo da Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro em 2012 e
concomitante a esse trabalho, ter exercido a função de tutor a distância do Curso Tecnológico
de Turismo coordenado pelo consórcio CEDERJ e que tem como sede o CEFET-Maracanã.
Nesse local, o pesquisador encontrou uma figura relevante na escolha do objeto de estudo.
Carambola – nome fictício, guia e morador da Favela Santa Marta – foi à sede do curso a
distância “oferecer” seus serviços de guiamento juntamente com o seu então sócio, com
objetivo de revelar aos alunos uma nova perspectiva da cidade, isto é, a “favela turística”.

Desde então, muitos questionamentos foram formulados, como: Qual o papel do


dispositivo da pacificação na reorientação de condutas dos moradores das favelas cariocas? A
dimensão mercadológica do dispositivo propiciou uma aquisição de consentimentos em
relação à dimensão militar? Que meios foram utilizados para produzir ou moldar a conduta
dos favelados nas direções desejadas? Por que o empreendedorismo se configura na “grande
aposta” para vencer-se na vida?

Para responder os questionamentos da pesquisa foram tomadas enquanto objeto de


análise as seguintes áreas de UPP: Favela Santa Marta, Favela Pavão-Pavãozinho, Ladeira dos
Tabajaras/Morro dos Cabritos e Complexo do Alemão. O trabalho de campo possibilitou uma
série de inserções, observações e indagações essenciais para o desenvolvimento da
problemática da pesquisa. O estudo buscou compreender o processo de subjetivação dos
moradores de favela enquanto algo situado em meio a um complexo de aparatos, práticas,
maquinações e composições dentro dos quais eles foram constituídos e que pressupôs a
implicação de relações particulares com eles mesmos. Neste estudo, compreende-se o
“mercado da pacificação” não como “um dado natural, mas como uma realidade construída
22
que, como tal, requer a intervenção ativa do Estado”, assim como a instauração de um regime
normativo específico (DARDOT, LAVAL, 2016, p 377).

A intervenção ativa dos aparatos de gestão no meio social teve como propósito a
“condução de condutas” sob o prisma da governamentalidade. Michel Foucault (1993)
evidencia que o ponto de contato do modo como os indivíduos são manipulados e conhecidos
por outros se encontra vinculado ao modo como se conduzem e se conhecem a si próprios.
Pode-se nomear isso de governo. Governar as pessoas no sentido restrito do termo, tal como
se afirmava na França no século XVI, em relação ao governo das crianças, governo das
famílias ou governo das almas, não representava uma maneira de forçar as pessoas a fazer o
que o governador quer. É sempre um difícil e versátil equilíbrio de complementaridade e
conflito entre técnicas que asseguram a coerção e processos por meio dos quais o “eu” é
construído e modificado por si próprio.

Quando estudava os manicômios, as prisões, etc, talvez tenha insistido


demasiadamente nas técnicas de dominação. Aquilo a que podemos dar o nome de
disciplina é algo realmente importante neste tipo de instituições. Porém, trata-se
apenas de um aspecto da arte de governar pessoas nas nossas sociedades. Não
devemos entender o exercício do poder como pura violência ou coerção estrita. O
poder consiste em relações complexas. Essas relações implicam um conjunto de
técnicas racionais e a eficiência delas deve-se à subtil integração de tecnologias de
coerção e de tecnologias do eu. Creio que temos de nos livrar de um esquema mais
ou menos freudiano. Conhecem o esquema da interiorização da lei através do meio
que é o sexo. Felizmente, de um ponto de vista teórico, e talvez infelizmente de um
ponto de vista prático, as coisas são muito mais complicadas. Em resumo, tendo
estudado o campo do governo tomando como ponto de partida técnicas de
dominação, gostaria, em termos futuros, de estudar o governo, especialmente no
campo da sexualidade, partindo das técnicas do eu (FOUCAULT, 1993, p. 05).

A “condução das condutas” possui papel fundamental em relação ao delineamento das


subjetividades. No presente estudo, considera-se que o “fenômeno subjetividade”, tal como é
vivenciado cotidianamente pelos sujeitos, representa uma experiência histórica e coletiva,
sendo assim vinculado à ordem do enunciado, do discurso, das práticas sociais e das relações
éticas do sujeito consigo mesmo. Nesse sentido, pode-se afirmar que existe um embricamento
metodológico central no pensamento foucaultiano: aquilo que se poderia nomear de eixo
saber/poder/subjetividade. Equivale afirmar que as suas análises históricas circulam ao redor
da relação saber x poder x subjetividade, onde saber e poder são da ordem da produção, são
maquinarias sociais, são processos políticos, são relações, e a subjetividade é sempre da
ordem dos efeitos, sendo assim, o ponto de chegada e não de partida (PRADO FILHO, 1998).

23
No texto intitulado “Sobre o começo da hermenêutica do sujeito”, Michel Foucault
avalia que quem quiser analisar a genealogia do sujeito na civilização ocidental, “tem que
levar em conta não só as técnicas de dominação, mas também técnicas de si. Digamos: ele
tem que levar em conta a interação entre esses dois tipos de técnicas”: técnicas de dominação
e técnicas de si (FOUCAULT, 1993, p.204). Toda essa dinâmica de técnicas foi possível ser
evidenciada com o advento de uma racionalidade neoliberal, isto é, a emergência de algo que
estrutura e organiza não só a ação dos governantes, como também, a conduta dos governados
(FOUCAULT, 2008b).

De acordo com Pierre Dardot e Christian Laval (2016), o neoliberalismo é um sistema


de normas que hoje estão inscritas nas práticas governamentais, nas políticas institucionais,
nos estilos gerenciais, assim, ele objetiva fazer do mercado tanto o princípio do governo dos
homens como o do governo de si. Considerado pelos autores como uma racionalidade
governamental, e não uma doutrina mais ou menos multifacetada, o neoliberalismo é
precisamente o desenvolvimento da lógica do mercado como lógica normativa generalizada,
desde o Estado até o mais íntimo da subjetividade,

O que está em jogo [...] é a construção de uma nova subjetividade, o que chamamos
de “subjetivação contábil e financeira”, que nada mais é do que a forma mais bem-
acabada da subjetivação capitalista. Trata-se, na verdade, de produzir uma relação
do sujeito com ele mesmo como um “capital humano” que deve crescer
indefinidamente, isto é, um valor que deve valorizar-se cada vez mais (DARDOT,
LAVAL, 2016, p.31).

Essa nova subjetividade busca transformar cidadãos de direitos em “empreendedores


criativos” que deixem de serem “seres assistidos” pelo Estado e conquistem o seu “lugar ao
sol” com seu próprio esforço. Laval e Dardot (2016) afirmam que a “governamentalidade
empresarial” que prevalece no plano de ação do Estado tem um modo de prolongar-se no
governo de si do “individuo-empresa” ou, mais exatamente, o Estado empreendedor deve
como atores privados da governança, conduzir indiretamente os indivíduos a conduzir-se
como “empresários de si”. Dessa forma, o modo de governamentalidade própria do
neoliberalismo cobre o conjunto de técnicas de governo que ultrapassam “a estrita ação do
Estado e orquestram a forma como os sujeitos se conduzem por si mesmos. A empresa é
promovida a modelo de subjetivação: cada indivíduo é uma empresa que deve se gerir” e um
capital que deve se fazer frutificar (DARDOT, LAVAL, 2016, p. 378).

24
Em suma, o projeto de pacificação representou uma possibilidade de gestão política e
econômica de certos territórios escolhidos conforme os objetivos estratégicos definidos pelos
aparelhos de gestão. O controle, a vigilância militarizada e a consequente domesticação de
corpos não podem ser considerados as únicas formas pelas quais o poder investiu, já que
pacificação também buscou estruturar um campo de ação em que o próprio favelado fosse um
sujeito ativo de sua própria transformação pela via do empreendedorismo.

25
METODOLOGIA

Após a apresentação das questões principais relacionadas à problemática do presente


estudo, esta seção expõe os métodos utilizados no desenvolvimento da pesquisa. A tese
utiliza as contribuições teórico-metodológicas de Michel Foucault para pensar o conjunto de
dispositivos integrados ao projeto de pacificação e o processo de constituição de “novos
sujeitos” nas favelas cariocas sob a égide do empreendedorismo. A pesquisa empírica
propiciou os subsídios necessários para a realização da interpretação sociológica da realidade
social manifestada nos “territórios pacificados”, destacando assim, as redes de relações que
foram iniciadas nas favelas a partir da implantação das UPPS, as intervenções efetuadas pelos
aparelhos de poder e análise das singularidades da produção dos governos dos outros e
governos de si mesmo.

UNIVERSO DE ESTUDO: A ESCOLHA DAS FAVELAS CARIOCAS

A pesquisa foi desenvolvida nas seguintes áreas com UPP: Favela Santa Marta,
Complexo do Alemão, Favela Pavão-Pavãozinho/Cantagalo e Morro dos Cabritos/Ladeira dos
Tabajaras. A Favela Santa Marta (ver Figura 01) se encontra situada na Zona Sul, no bairro de
Botafogo. Refere-se a uma favela de fácil acesso, com diversas formas de transporte a
circundando. Para entrar na favela é preciso percorrer a Rua São Clemente ou andar por uma
estrada asfaltada que desemboca no topo da favela. Com a instalação do plano inclinado –
também chamado de “bondinho” pelos moradores – a locomoção pelo território se tornou
mais simples, sendo de grande utilidade, sobretudo, no transporte de materiais de construção e
compras de supermercado, que normalmente são alocadas em um compartimento específico.
Barbosa (2015) destaca que a construção do bondinho acarretou em algumas remoções de
moradores que residiam no trajeto de seus trilhos. Esses moradores foram removidos para
casas construídas pelo governo fluminense em um local muito longe de onde moravam
anteriormente, assim, esse processo de remoção teve certa resistência à época. Conforme
Censo do IBGE (2010), a favela possui aproximadamente cinco mil habitantes.
26
Sabrina Ost e Sônia Fleury (2013) avaliam que pelo fato de a Favela Santa Marta ser
considerado uma favela de pequeno porte, como também, por estar situada em área nobre e ter
sido o primeiro território a receber uma UPP, tornou-se uma localidade privilegiada no
tocante a atuação e intervenção de diversos atores, inclusive de pesquisadores. Conforme as
autoras, a Favela Santa Marta foi considerada por estudiosos e até pelos moradores como
favela vitrine/modelo do ordenamento pacificador. Essa favela se constituiu no núcleo central
da pesquisa, sendo que foi a primeira localidade que o pesquisador teve contato por meio de
Carambola (morador e guia de turismo). O significativo número de empreendedores que
surgiram no território após a pacificação sinalizou ao pesquisador que o Santa Marta seria o
local ideal para a realização da pesquisa.

Figura 01 – Favela Santa Marta: “A favela modelo”

Fonte: Adage e Arquivo Pessoal (2015).

A escolha de outras favelas aconteceu motivada pela sugestão da orientadora da


pesquisa em tela, como também, como modo de abranger o foco de análise em relação às
especificidades que o projeto de pacificação possui em relação ao território que o comporta.
Assim, também fizeram parte da pesquisa os seguintes locais: Complexo do Alemão, a Favela
Pavão-Pavãozinho/Cantagalo e Morro dos Cabritos/Ladeira dos Tabajaras.

Em relação ao Complexo do Alemão, as primeiras ocupações do território foram


realizadas a partir da década de 1920, com os agricultores das fazendas de Joaquim Leandro
da Motta e Camarinha. Um núcleo de casebres se formou logo depois, na encosta do morro,
no loteamento comprado por Leonard Kacsmarkiewcz — que, por causa da aparência, ganhou

27
o apelido de Alemão, embora fosse polonês. Daí surgiu o nome da localidade (O GLOBO,
2014).

Hoje em dia, o Complexo do Alemão se refere a um conjunto de 13 favelas situadas na


Zona Norte da cidade, sendo que seus limites se confundem com outros bairros da região,
como o de Bonsucesso, Higienópolis, Ramos, Olaria, Penha e Inhaúma. O conjunto de favelas
é formado por um “mar” de casas que, dependendo do ponto que se avista, torna-se difícil ver
o final do mesmo. Segundo dados do IBGE (2010), o Alemão possui cerca de 80 mil
residentes, mas esse dado é contestado por quem mora lá. Uma interlocutora do local relatou
que o Complexo do Alemão tem mais habitantes do que os números oficiais evidenciam e que
o IBGE não conseguiu adentrar em todas as casas no ano em que o censo foi realizado. Ela
acredita que o número de habitantes do Alemão é sempre diminuído pelos órgãos públicos
com o objetivo de destinar menos recursos ao local

O Complexo do Alemão (ver Figura 02) foi escolhido para participar da pesquisa por
tratar-se de uma favela que simbolizava o processo de “reconquista de territórios”8 por parte
do governo fluminense, sendo que após a pacificação e, por conseguinte, a instalação de um
teleférico, a localidade passou a receber muitos visitantes. O teleférico se trata de uma das
principais vias de acesso, já que se encontra interligado à rede de trens e metro. Quando a
pesquisa de campo foi iniciada no Complexo do Alemão, em 2015, o turismo se encontrava
em fase descendente, sendo que muitos guias de turismo se recusaram a agendar passeios,
pois os confrontos armados entre policiais e traficantes passaram a acontecer de modo cada
vez mais frequente.

8
O controle territorial por grupos armados e a alta incidência de homicídios estiveram entre as justificativas do
governo fluminense para a pacificação do Alemão.
28
Figura 02 - O Complexo do Alemão

Na imagem à esquerda é possível avistar o teleférico do Alemão (que atualmente se encontra paralisado). À
direita, destaca-se uma imagem dos morros que circundam o território.
Fonte: Arquivo Pessoal e Rádio Piratininga.

Além do Complexo do Alemão, outras duas favelas situadas próximas ao bairro de


Copacabana fizeram parte do estudo: o Pavão Pavãozinho/Cantagalo e o Morro dos
Cabritos/Ladeira dos Tabajaras. O Pavão Pavãozinho/Cantagalo se refere a duas favelas que
são integradas. Conforme o depoimento dos moradores, existem diferenças culturais entre as
mesmas, mas como elas estão interligadas geograficamente receberam popularmente a
denominação Pavão Pavãozinho/Cantagalo. Esse conjunto de favelas possui 5.567 habitantes
conforme dados do IBGE (2010) e o acesso principal ao território é feito por meio da Rua Sá
Ferreira, por duas vias: a principal, pela Rua Saint Romain, que por sua vez, refere-se a uma
via que “cruza” quase toda a favela. Com a inauguração do Complexo Rubem Braga, em
2010, teve-se a construção de um elevador gratuito que ligou o conjunto de favelas à estação
de metrô General Osório, que fica no bairro de Ipanema.

Esse conjunto de favelas fez parte do estudo em virtude do seu potencial turístico e
sobretudo, por ser um território em que inserção do campo poderia ser feita facilmente por
meio da hospedagem em um hostel situado na entrada da Favela Pavão-Pavãozinho. A
hospedagem possui fácil acesso aos bairros de Ipanema e Copacabana, sendo possível
deslocar-se a partir desses bairros a outros locais de pesquisa. O referido hostel possui uma
grande estrutura, sendo que é muito apreciado por viajantes do mundo inteiro, por isso,
tornou-se o principal ponto de captação de entrevistas com turistas estrangeiros.

29
. Em relação à Favela Morro dos Cabritos/ Ladeira dos Tabajaras, para adentrar nesse
território é preciso acessar a Rua Siqueira Campos – que fica situada na área central do bairro
de Copacabana – e percorrer até o final da mesma, para em seguida, andar sob uma pista
muito íngreme. Ela possui subidas difíceis de percorrer, em virtude disso, o serviço de kombi
e moto-taxi é muito requisitado. O nome Morro dos Cabritos faz referência a uma formação
rochosa que compreende o Parque Natural Municipal da Catacumba e logo a baixo dele se
encontra situado um grupo de habitações que recebeu a alcunha de Ladeira dos Tabajaras,
sendo que possui aproximadamente 1.000 habitantes, conforme dados do IBGE (2010).

A Favela Morro dos Cabritos/Ladeira Tabajaras foi escolhida pelo pesquisador após a
realização de uma consulta feita no guia turístico de favelas do SEBRAE e pelo fato de estar
situada no bairro de Copacabana (o torna o acesso a ela mais fácil). Contudo, a escolha dessa
favela não foi bem-sucedida pois ela possui poucos empreendedores turísticos/guias. Uma
cooperativa de turismo que fora constituída para “surfar na onda da pacificação” praticamente
não realiza passeios turísticos e muitas pessoas ligadas a ela, hoje, exercem atividades
correlatas para o prover o sustento. Além disso, a ocorrência de tiroteios – de acordo com
relatos dos moradores – no período da pesquisa de campo impossibilitou o prosseguimento da
pesquisa.

Figura 03 – Favela Pavão-Pavãozinho/Cantagalo e Morro dos Cabritos/Ladeira dos


Tabajaras

A imagem à esquerda apresenta uma imagem da Favela Pavão-Pavãozinho e à direita, situa-se o Morro do
Cabritos/Ladeira dos Tabajaras.
Fonte: Panoramio (2012).

30
Em suma, a realização da pesquisa nos territórios do Complexo do Alemão, Pavão-
Pavãozinho/Cantagalo, Morro dos Cabritos/Ladeira dos Tabajaras não tiveram os frutos que o
pesquisador desejou pelo enfraquecimento do “turismo de favela” nessas localidades, que teve
como fator principal a “volta dos tiroteios” de modo mais frequente. Nesse sentido, foi muito
difícil achar empreendedores que trabalhassem com turismo, sendo que grande parte deles
apenas exerciam alguma atividade na área na condição de “bico”. Pensou-se também em
realizar a pesquisa na Rocinha, em virtude da sua potencialidade turística, entretanto, os
frequentes tiroteios no local combinados com ocupação das forças armadas tornaram inviáveis
a realização de um estudo mais aprofundado no local, contudo, ao menos foi possível realizar
uma visita exploratória na favela e experenciar o jeep tour.

Abaixo, observa-se um mapa em que as favelas que compreendem o estudo foram


destacadas com pontuações amarelas (ver Figura 04).

FIGURA 04 - Mapa referente às favelas que abrangem o estudo

Fonte: G1 com adaptações do autor (2013).

31
PERSPECTIVAS TEÓRICAS E A PESQUISA EMPÍRICA

“A sociologia é uma ciência empírica. Nenhuma dúvida com relação a isso. Não existe
conhecimento novo e original possível sem acesso às condições de vida das pessoas comuns
como todos nós. No entanto, sem reflexão teórica que possa, antes de tudo,” informar e dirigir
a pesquisa empírica e depois reconstruí-la dentro de um contexto que refaça o mundo social
de modo novo e surpreendente, é impossível ter conhecimento novo e crítico sobre a realidade
que todos os grupos sociais compartilham em diferentes graus de opacidade (SOUSA, 2009,
p.385).

Nesse sentido, a sociologia possui instrumentos e teorias capazes de fazer uma


apreciação das singularidades referentes a existência dos seres humanos em sociedade, ainda
que de modo incompleto, imperfeito e insatisfatório. Para isso, ela aprecia o conjunto de
expressões humanas presentes nas estruturas, nos processos, nas representações sociais, nas
expressões de subjetividade, nos símbolos e significados. A pesquisa sociológica se utiliza de
determinados procedimentos metodológicos para que os objetivos de determinado estudo
sejam alcançados. O método representa o caminho do pensamento e a prática executada na
abordagem da realidade, isto é, a metodologia inclui de forma concomitante “a teoria de
abordagem (o método), os instrumentos de operacionalização do conhecimento e a
criatividade do pesquisador” (MINAYO, 1993, p. 14)

Foucault (2003) considera que o método deva ser escolhido caso a caso, a partir da
construção do problema ou objeto da pesquisa. Este último, deve conduzir o pesquisador na
seleção das estratégias, instrumentos e arranjos. Em virtude disso, o método deve ser
compreendido como caminho para se chegar a um resultado, não é um a priori da pesquisa.
Pelo contrário, o método é algo que pode ser revisto, retificado ou alterado durante o processo
da pesquisa (FERREIRA, 2015). O autor não utiliza um método único em sua obra, pois varia
os instrumentos utilizados conforme os objetos da pesquisa,

Eu não tenho um método que aplicaria, do mesmo modo, a domínios diferentes. Ao


contrário, diria que é um mesmo campo de objetos, um domínio de objetos que
procuro isolar, utilizando instrumentos encontrados ou forjados por mim, no exato
momento em que faço minha pesquisa, mas sem privilegiar de modo algum o
problema do método [...]. Não tenho teoria geral e tampouco tenho um instrumento
certo. Eu tateio, fabrico, como posso, instrumentos que são destinados a fazer
aparecer objetos. Os objetos são um pouquinho determinados pelos instrumentos,

32
bons e maus, fabricados por mim. Eles são falsos, se meus instrumentos são falsos...
Procuro corrigir meus instrumentos através dos objetos que penso descobrir e, neste
momento, o instrumento corrigido faz aparecer que o objeto definido por mim não
era exatamente aquele. É assim que eu hesito ou titubeio, de livro em livro.
(FOUCAULT, 2003, p. 229).

Se não existe um método foucaultiano propriamente dito, o presente estudo teve na


produção intelectual de Michel Foucault um meio pelo qual foi possível analisar as
especificidades dos mecanismos de poder, balizando as ligações e rupturas dos processos
sociais. “Minha pesquisa incide sobre as técnicas de poder, sobre a tecnologia do poder. Ela
consiste em estudar como o poder domina e se faz obedecer [...] as técnicas do poder
constituem um objeto de pesquisa interessante” (FOUCAULT, 2003, p. 269). Cabe aqui
ressaltar que como as considerações de Michel Foucault são relativas à filosofia e o presente
estudo está ancorado nos domínios da sociologia empírica, foi necessário fazer uma mediação
entre a tarefa da crítica e os métodos de produção da pesquisa empírica.

De 1970 até sua morte em 1984, Michel Foucault ocupou a cadeira relacionada à
“História dos Sistemas do Pensamento” no Collège de France. Em suas palestras públicas
expostas todas as quartas-feiras, do início de janeiro até o final de março / início de abril, ele
relatou seus objetivos de pesquisa apresentando material inédito e novas ferramentas
conceituais e teóricas de pesquisa. Grande parte das ideias desenvolvidas lá foram
posteriormente tomadas em seus vários projetos de livros. A morte precoce e inesperada de
Foucault fez com que duas das principais séries de palestras permanecessem praticamente
inéditas até publicação posterior, que são: as palestras realizadas em 1978, “Segurança,
Território e População” e em 1979, “O nascimento da Biopolítica”. Essas palestras
evidenciaram a genealogia do Estado moderno. O filósofo francês desenvolveu o conceito de
governo ou governamentalidade como uma diretriz de suas análises feitas por meio de
reconstruções históricas que abrangeram um período que possui como ponto de partida a
Grécia Antiga e que se estendeu até a racionalidade neoliberal (LENKE, 2001, FOUCAULT,
2008b).

A adesão teórica a Michel Foucault aconteceu em virtude de o autor ter desenvolvido


pesquisas que auxiliassem na análise do objeto de estudo de maneira que fosse possível
apreciar tanto a dimensão militar quanto mercadológica do dispositivo da pacificação e seu
papel na constituição de novos sujeitos nas favelas cariocas. Para se avançar nas questões

33
referentes ao objeto empírico, o estudo privilegiou estudos de autores que dialogam com a
perspectiva foucaultiana, como por exemplo, Nicolas Rose, Cristian Laval e Pierre Dardot.

“Decifrar uma camada de realidade de maneira tal que dela surjam as linhas de força e
de fragilidade, os pontos de resistência e os pontos de ataque possíveis, as vias traçadas e os
atalhos. É uma realidade de lutas possíveis que tento fazer aparecer” (FOUCAULT, 2003,
p.278). Assim, a pesquisa buscou evidenciar as diversas relações de poder existentes nas
favelas pacificadas, destacando assim, os objetivos estratégicos de um conjunto de
dispositivos e, por conseguinte, as relações de forças de pequenos enfrentamentos, micro lutas
e resistências.

34
AS SINGULARIDADES DO PROCESSO DE GERAÇÃO DE DADOS NA FAVELA-
TURÍSTICA-PACIFICADA

Destacam-se as seguintes técnicas de pesquisa: (1) Roteiro de entrevistas semi-


estruturadas; (2) observação direta a partir da imersão no campo de pesquisa por meio de
hospedagens em hostels e visitações às favelas; (3) Diário de campo elaborado com as
anotações das experiências diárias vivenciadas pelo pesquisador e por fim, (4) Pesquisa
documental que abrangeu, sobretudo, os documentos do Sebrae em relação ao
empreendedorismo.

A entrada no campo sempre ocorreu por meio de duas formas: contato com os guias de
turismo ou hospedagens em hostels9. A Favela Pavão-Pavãozinho acabou se transformando
no local em que o pesquisador mais se hospedou, pois sua localização em Copacabana pode
ser considerada privilegiada, com fácil acesso por meio de metrô e ônibus a outras favelas do
Rio. Na favela em questão, a hospedagem sempre foi realizada em um hostel que fica situado
na Rua Saint Roman, via de acesso principal do morro. Também foram feitas hospedagens em
um hostel situado no Morro dos Cabritos/Ladeira dos Tabajaras. Nas outras favelas, os
contatos foram feitos por meio de visitas que tiveram o intuito de investigar as semelhanças,
especificidades e consequências do turismo nessas localidades.

Zaluar (2014) destaca que não se pode tratar a favela como uma entidade que
representa a coletividade homogênea, consensual e una. De fato, há ao contrário, uma grande
diversidade, pois a população está segmentada por gênero, raça, idade, religião, renda,
escolaridade, profissões, posição ocupacional e até mesmo estado de origem.

O desenvolvimento da pesquisa de campo possibilitou a análise das singularidades das


favelas visitadas e de seus sujeitos. Assim, houveram momentos de proximidade em virtude
da interação com os sujeitos de pesquisa, como também, momentos de distanciamentos.
Foucault (2003) evidencia que para pensar é preciso “tomar distância”, para em seguida,
estabelecer um processo de reflexão sobre as condutas e práticas sociais. Com as devidas
ponderações, a figura do etnógrafo se aproxima com a figura do “estrangeiro” estudado por
Simmel. A concepção do estrangeiro como o indivíduo que olha o mundo por meio de uma

9
Hostel: sinônimo de albergue. O estabelecimento costuma disponibilizar quartos compartilhados ou
individuais.
35
perspectiva distanciada, possui uma relação de correspondência com a perspectiva
antropológica, pois:

“O estrangeiro [e, como estou tentando argumentar, também o antropólogo ao


menos em sua expressão típico-ideal] não está submetido a componentes nem a
tendências peculiares do grupo e, em consequência disso, aproxima-se com a atitude
específica de “objetividade”. Mas objetividade não envolve simplesmente
passividade e afastamento; é uma estrutura particular composta de distância e
proximidade, indiferença e envolvimento [...] Objetividade não significa de maneira
alguma não participação, mas um tipo específico e positivo de participação [...] ele é
mais livre, prática e teoricamente; examina as condições com menos preconceito”
(SIMMEL, 1983, pp. 184-185).

Logo, a entrada em uma favela pacificada é sempre uma experiência desafiadora e


força o pesquisador que estuda esse ambiente a desenvolver uma “etnografia sem garantias”.
Não há garantias do que se possa acontecer nos territórios, pois operações policiais ocorrem a
todo instante e com isso, a possibilidade de um conflito armado é grande. A sensação de estar
sempre “por um fio” pode ser evidenciada no seguinte trecho do diário de campo:

Eu estava dentro do bondinho do Santa Marta e de repente entra uma mulher e


pergunta: “Hoje teve tiro?” Um homem responde: “Só dois hoje de manhã”. A
mulher surpreendentemente sorri e diz: “Estão testando munição”. Pensei então que
tive muita sorte, pois havia pensado em realizar a pesquisa durante o período da
manhã, mas como estava cansado resolvi ir até a favela à tarde (Diário de campo.
Pesquisa de campo, 2017).

Nessa perspectiva, o que fica marcante é um eterno flerte com o risco. Mas quando é
possível perceber que se está próximo a uma favela? Percepções subjetivas indicam a
existência da favela logo na rua de acesso (no caso, a que pertence ao asfalto). Não se trata de
uma questão meramente geográfica e sim a subjetivação de um novo ordenamento social que
se avizinha, e que não se limita a favela. O que está próximo à favela incorpora-se a sua
dinâmica social. Nas visitas à Favela Santa Marta, foi possível “perceber a favela” na medida
em que os pés do pesquisador foram colocados na Rua São Clemente, o logradouro que dá
acesso ao território. A favela costuma “derramar-se” em direção as ruas do entorno. Assim,
quando se entra na Favela Pavão-Pavãozinho, por exemplo, a favela é revelada logo na Rua
Sá-Ferreira – via de acesso situada em Copacabana – por meio de brechós, bares, barracas
com frutas, sirene da polícia, entre outros.

36
Quando se adentra à favela, um distinto ordenamento social é destacado. É possível
perceber um “choque social” quando se sai dos bairros nobres e repentinamente, adentra-se
em uma favela. Assim, os policiais portando fuzis, as construções precárias, o lixo espalhado
pelas vielas, o cheiro de dejetos caninos e a dificuldade em andar pelas ladeiras íngremes,
mostram a todo instante que o pesquisador está em “espaços outros” para “pessoas outras”,
isto é, o que Foucault (2003) conceitua como heterotopia. As favelas pacificadas enquanto
“heterotopia urbana” possui as suas próprias regras, normas que circunscrevem a favela, mas
também, as ruas de acesso.

As sensações que o pesquisador tem ao efetuar a pesquisa na “favela turística”


compreendem ao mesmo tempo a tensão e o lúdico,

Sinto que minha vida fica muito frágil quando entro na favela. Não porque tenho
medo das pessoas, que as considere “perigosas”. Mas a favela é um notório espaço
de fragilização de vidas. Como eu sinto quando saio? É sempre um alívio, que tudo
correu bem. Não há garantias de que ao entrar na favela não serei alvo de um
iminente tiroteio. Aliás, na favela não há garantia de nada. A entrada no Complexo
do Alemão foi a mais difícil de todas, pois os próprios moradores não me
aconselhavam andar pelas ruelas. Apenas me foi recomendado circular nas
proximidades do teleférico (Diário de Campo. Pesquisa de Campo, maio, 2016).

O fato do pesquisador ser negro pode ter potencializado as sensações relacionadas ao


risco e a fragilização da vida, uma vez que as pessoas com esse perfil étnico são mais
propensas a sofrerem violência policial em virtude do racismo institucional.
Mas essas sensações são distintas de “favela para favela”. Quando o pesquisador
visitava a Favela Santa Marta, a tranquilidade era maior pois faz parte do senso comum no
Rio, que a favela é a mais segura da cidade, mesmo as pessoas não tendo a real dimensão do
ocorre por lá. O discurso público sobre as favelas afetou profundamente a interação do
pesquisador com tais territórios. O pesquisador em nenhum momento esteve imune de boa
parte da percepção negativa que o senso comum evidencia sobre a favela. Como as notícias de
tiroteios no Complexo do Alemão eram frequentes, foi preciso pensar várias vezes antes de ir
lá. A Favela Pavão-Pavãozinho foi considerada um “porto seguro” por um bom tempo, onde
era possível sentir-se tranquilo para pesquisar. Porém, quando surgiram notícias de diversos
homicídios no local, a situação mudou de figura.
Ao entrar sozinho na favela, os olhos do pesquisador costumavam estar atentos a tudo,
mas as questões que envolviam a preocupação com a segurança eram sempre preponderantes,

37
sobretudo, a presença de policiais que circulam pela favela com fuzis. Mas quando o
pesquisador adentrava esses territórios com um grupo de turistas – embora ainda esteja
fazendo observações do campo – o estado anímico mudava completamente, a tensão dava
espaço para desconcentração, pois se iniciava uma interação com turistas e moradores,
desfrutando assim, das coisas interessantes que é possível encontrar-se no referido espaço
social.

O olhar para as coisas negativas modificava-se para dar atenção aos aspectos
positivos, como a maravilhosa vista para o mar no Pavão-Pavãozinho/Cantagalo ou uma
simples ida ao Santa Marta Burguer 10. Muitos turistas também se transformaram em amigos
do pesquisador. Enfim, as ambivalências dispostas na confluência entre a tensão e o lúdico,
perfizeram as sensações do pesquisador que teve uma favela pacificada – porém,
reconfigurada como ambiente turístico – como campo de pesquisa.

Uma ferramenta importante do estudo, referiu-se às entrevistas semiestruturadas. A


entrevista qualitativa auxiliou a compreender o mundo da vida dos respondentes e forneceu
“os dados básicos para o desenvolvimento e compreensão detalhada das crenças, atitudes,
valores e motivações, em relação aos comportamentos das pessoas em contextos sociais
específicos” (GASKELL, 2002, p. 65). Por meio do roteiro de entrevistas semiestruturadas,
foram entrevistados (as): guias das agências de turismo; moradores-empreendedores,
moradores e turistas. O estudo empregou a amostragem por saturação. O encerramento
amostral por saturação implica na suspensão de inclusão de novos participantes quando na
avaliação do pesquisador, os dados gerados apresentarem certa redundância ou repetição
(DENZIN, LINCOLN, 1994).

As entrevistas ocorreram nos mais variados lugares, como na loja de conveniência de


um posto de gasolina próximo à Favela Santa Marta – com o intuito de aproveitar o ar
condicionado em dia de calor insuportável no Rio – bancos de praças próximas ao teleférico
do Alemão, casas de moradores, hostels, entre outros. A duração das entrevistas variou
conforme a disposição dos entrevistados, alguns respondiam de forma sucinta, fazendo com
que o diálogo durasse menos de 30 minutos. Enquanto outros entrevistados prolongavam a
entrevista por quase uma tarde inteira. Todas as entrevistas foram gravadas com a anuência
dos entrevistados. Foram entrevistadas 33 pessoas, como é possível verificar no quadro
abaixo:

10
Refere-se a uma hamburgueria que imita de forma quase fidedigna os lanches do Mc Donalds.
38
Quadro 1 – Entrevistados / Sujeitos de pesquisa

Nome Fictício Perfil Área de pesquisa

Carambola Empreendedor /guia Favela Santa Marta

Pedro Empreendedor/guia Favela Santa Marta

Margarete Empreendedora/guia Favela Santa Marta

Caio Empreendedor/ Bar Favela Santa Marta

Cintia Empreendedora/Guia Favela Santa Marta

Henrique Empreendedor/guia Favela Santa Marta

Isabela Empreendedora/guia Favela Santa Marta

Vanessa Empreendedora/souvenir Favela Santa Marta

Sem nome especificado Empreendedora/Bar Favela Santa Marta

Loreto Empreendedor/guia Complexo do Alemão

Silvana Empreendedora/guia/pintora Complexo do Alemão

Alessandro Empreendedor/guia Favela Pavão-


Pavãozinho/Cantagalo

Andressa Empreendedora/hostel Favela Pavão-


Pavãozinho/Cantagalo

Rogério Empreendedor Favela Pavão-


Pavãozinho/Cantagalo

Sem nome especificado Empreendedora/ Quitanda


Favela Pavão-
Pavãozinho/Cantagalo

39
Rodolfo Empreendedor guia Ladeira dos Tabajaras

Jane Guia de agência Rocinha

Juca Morador/ Sushi bar Favela Santa Marta

Romildo Morador/lanchonete Favela Santa Marta

Cássia Moradora/ Aposentada Favela Pavão-Pavãozinho

Bruna Moradora/ Faxineira Favela Pavão-Pavãozinho

Aline Moradora/ Faxineira Favela Pavão-Pavãozinho

Sofia Moradora Favela Pavão-Pavãozinho

Pierre Turista/ França Favela Santa Marta

Müller Turista / Alemanha Hostel em Botafogo

Ibarra Turista / Chile Hostel em Botafogo

Laura Turista / Inglaterra Favela Pavão-Pavãozinho

Genaro Turista/ Itália Favela Pavão-Pavãozinho

Jamel Turista / Holanda Favela Pavão-Pavãozinho

Cissy Turista/Inglaterra Favela Santa Marta

Christtofer Turista/ Noruega Favela Pavão-Pavãozinho

Carlitos Turista/Colômbia Favela Pavão-Pavãozinho

Alessandra Turista/Argentina Babilônia

Quadro 2 - Período das entrevistas em relação ao projeto de pacificação

2015 PACIFICAÇÃO E SUAS TENSÕES (sem tiroteios no Santa Marta e tiroteios ocasionais na
Ladeira do Tabajaras)

Carambola, Pedro, Rodolfo, Cássia, Bruna, Aline, Sofia

40
2016 PACIFICAÇÃO E SUA INSTABILIDADE (tiroteios ocasionais na Favela Pavão-
Pavãozinho/Cantagalo e tiroteios frequentes no Alemão)

Loreto, Rogério, Silvana, Jane, Juca, Romildo, Pierre, Müller, Ibarra, Laura, Genaro, Jamel, Cissy,
Chrittofer, Carlitos, Alessandra

2017 DECLÍNIO DO PROJETO DE PACIFICAÇÃO (tiroteios são evidenciados em todas as


favelas pesquisadas)

Margarete, Cintia, Caio, Henrique, Isabela, Vanessa, Alessandro, Andressa, Carambola

2018 INTERVENÇÃO FEDERAL

Loreto e Carambola

De uma maneira geral, conseguir entrevistas com empreendedores, turistas e


moradores se delineou como uma tarefa muito difícil. Os empreendedores possuem um tempo
muito escasso, em que “cada segundo” representa uma possibilidade de ganhar dinheiro. Se
na alta temporada eles afirmavam que estavam ocupados para dar entrevistas, na baixa
temporada, aproveitavam para viajar ou desenvolver outro tipo de atividade. Em muitos casos
a solução encontrada foi pagar um tour e no final do mesmo solicitar uma entrevista ao guia.
Em outras oportunidades, o pesquisador encontrou potenciais entrevistados em suas
visitações, porém, como estavam trabalhando foi necessário programar um dia que fosse
compatível aos mesmos. Se o empreendedor não impusesse limite de tempo, as entrevistas
normalmente duravam mais que uma hora, entretanto, se eles impusessem um limite curto de
interlocução, o roteiro de entrevista era remodelado rapidamente e somente eram feitas as
perguntas mais relevantes ao estudo.

A dificuldade em conseguir entrevistar os turistas se mostrou presente também,


sobretudo, quando se tratava de turistas que participavam de tour pelas favelas. Normalmente,
ao final de cada passeio era feito uma entrevista com o guia, com isso, tornou-se impossível
entrevistas os turistas que faziam esses passeios. A realização do tour somente para
entrevistar os turistas se relevou muito improdutiva, pois quando se dialogava com um deles,
todo o grupo se dispersava do ponto final do passeio. Sendo assim, a hospedagem em um
hostel da Favela Pavão-Pavãozinho solucionou o problema referente à aproximação dos
turistas.

41
Nas entrevistas realizadas com moradores que não desempenhavam nenhum tipo de
atividade empreendedora foi possível perceber uma grande hesitação nas respostas em relação
ao que acontecia na favela. Era possível perceber no olhar dos mesmos a apreensão de se falar
“algo comprometedor” – relacionado ao tráfico e as polícias – e então, como praxe, muitas
vezes eles forneciam respostas evasivas.

Toda essa preocupação em dar entrevistas pode ser verificada na passagem transcrita
abaixo. Ela expõe uma conversa que o pesquisador teve com dois moradores da Favela Santa
Marta que são guias de turismo. Nesse diálogo, eles revelam o temor que possuem em
conceder entrevistas. A guia Sandra (nome fictício) inclusive destacou a reprimenda que
sofreu de pessoas “envolvidas” com o tráfico de drogas por ter concedido uma entrevista
considerada inadequada na visão dos traficantes.

Henrique: Na realidade a entrevista é uma faca de dois gomos, então é muito


complicado.
Sandra: Eu tive uma experiência ruim de ficar dando entrevista, porque dava muita
entrevista sobre a UPP e tal. Então teve uma entrevista que me ferrou legal, assim,
os moradores ficaram contra mim
Henrique: São os cortes que eles fazem, eles pegam uma fala (imprensa), cortam,
fazem emenda...
Sandra: Foi tipo assim, para os “Dia das mães” ... Eu fiz uma reportagem com meu
filho e tal. Eles tiraram foto e saiu na capa do “Dia”, saiu na capa, eu e meu filho. (O
título era) “Mães das UPPs”. (Eles) colocaram só um trechinho do que eu falei. Eu
disse na reportagem que estava muito bem e que me encontrava em uma situação de
vida melhor junto com meu filho. E eles colocaram no fundo da foto a UPP. Mas aí,
o pessoal que é “envolvido” (traficante) ficou meio chateado comigo. Aí eu falei pra
mim mesma, não dou mais entrevista, porque infelizmente nem todos os jornalistas
são honestos. Assim, o que o jornalista procura? O jornalista procura uma coisa
bombástica, só que eles não vão falar da realidade porque não vai ter efeito. Daí eu
parei de dar entrevista.
Pesquisador: Comigo o enfoque seria outro. Estou fazendo doutorado e realizando
uma pesquisa acadêmica, em que os entrevistados possuem nomes fictícios.
Sandra: Mesmo assim, tem que assinar (concluiu sozinha).
Henrique: Eu só falo aqui para estudante, para outras pessoas eu não falo não.
Sandra: Eu fui famosa e tal, meu nome saiu pelo mundo. Todos os jornalistas
chegavam e perguntavam: “Como que está o morro aí”. Eles já passam perguntando,
passa um pouco do limite, daí eu não gosto de jornalista não. (Entrevista com
Henrique e Sandra – nomes fictícios. Pesquisa de campo, 2017).

No processo de seleção das falas transcritas dos entrevistados, ficam expostas as


relações de poder existentes entre pesquisador e sujeito de pesquisa. O pesquisador ao
42
elaborar o estudo lançou mão de diversos procedimentos que possibilitaram a cada instante
produzir enunciados que serão considerados verdadeiros e inevitavelmente silenciou
determinadas falas em detrimento de outras, para que os objetivos propostos pela tese fossem
cumpridos. Durante as entrevistas os sujeitos de pesquisa expuseram as verdades de si e os
modos de gestão de suas próprias vidas. Em muitas oportunidades o pesquisador se
transformou em “terapeuta”, pois a entrevista se configurou muitas vezes em uma
oportunidade em que morador teve de “expurgar” violências naturalizadas com uma pessoa
desconhecida. Em uma ocasião um morador chorou durante a entrevista. Já em outras
oportunidades, quem saiu impactado foi o pesquisador ao ouvir certas histórias violentas.

Os dados obtidos na pesquisa de campo (gravações em áudio, diário de campo e


imagens diversas) foram analisados e sistematizados. As entrevistas semiestruturadas foram
transcritas e as informações mais relevantes foram destacadas para posterior análise. Por fim,
foi feita a análise de todo material coletado, buscando compreender o regime contemporâneo
de subjetividade nas favelas cariocas a partir da análise dos processos que envolvem a
pacificação desses territórios e surgimento de novas formas de mercado, tendo como recorte
empírico a “favela turística” e o empreendedorismo.

Por fim, destaca-se também, que a racionalidade neoliberal tem efeitos nos sujeitos de
pesquisa, como no pesquisador, pois como o mercado foi constituído em agente disciplinante
para todas as relações sociais e domínios humanos, como a academia, o pesquisador,
sobretudo ao final do estudo, passa a “submeter-se ao princípio de accountability, isto é, à
necessidade de “prestar contas” e ser avaliado em função dos resultados obtidos” (DARDOT,
LAVAL, 2016, p. 201).

43
ORGANIZAÇÃO DOS CAPÍTULOS

A tese está dividida em quatro capítulos. O primeiro capítulo, intitulado “Territórios


pacificados: reorientação do controle do crime e gestão da vida” revelou que o dispositivo
da pacificação, sobretudo em sua dimensão militar, produziu mudanças relevantes na
organização e racionalização dos métodos de poder. A implantação das UPPs provocou
tensionamentos nas relações entre os aparatos institucionais, controle armado do tráfico e a
população favelada. Por meio da ocupação militar das favelas, as mesmas se tornaram
laboratórios de renovadas técnicas de controle dos grupos subalternos. As UPPs instauraram
práticas que se aproximaram de uma biopolítica de gestão da vida dos sujeitos favelados por
meio de vigilância militarizada, proibições, regulamentações de manifestações culturais,
estruturando assim, os campos de ação dos moradores de favela.

O segundo capítulo, “O Social da UPP: os nexos da desconstrução da questão


social nas favelas pacificadas”, compreendeu a análise da formação de um regime discursivo
e de práticas institucionais que configuraram as UPPs como “porta de entrada” para cidadania
a partir do desenvolvimento de uma série de ações sociais coordenadas pela UPP Social.
Entretanto, com o passar do tempo as bases do programa foram modificadas, sobretudo, a
partir de uma mudança de gestão que fez com que a UPP Social tivesse como principal
propósito conformar a implantação das UPP como uma grande “janela de oportunidades” que
propiciasse a “integração econômica” das favelas do Rio, secundarizando dessa forma, a
pauta baseada na política de direitos sociais. Com uma gestão empreendedora da cidade
executada pelos aparelhos governamentais, o processo de desconstrução da questão social foi
acelerado com a expansão da lógica do capital nos “territórios da pobreza” e a consequente
mercantilização dos espaços da favela pacificada.

O terceiro capítulo, “Dos dispositivos de normalização à produção de sujeitos


empreendedores das favelas pacificadas” evidenciou que após a implantação do projeto de
pacificação foi possível notar a atuação de um dispositivo formado por instituições
governamentais e não governamentais que buscou reconfigurar os “territórios pacificados”,
como também, apresentar o “empresariamento de si” como principal aposta para vencer-se na
vida. O estudo analisou o papel do Sebrae e da incubadora pública Rio Criativo na
conformação dos moradores de favela enquanto sujeitos empreendedores. Essas instituições
44
empregaram uma série de técnicas que envolveram recompensas e punições, objetivando
assim, um melhor “domínio de si mesmo”. O capítulo também possui a apresentação dos
empreendedores das favelas pesquisadas, destacando assim, o que os mesmos compreendem
em relação ao empreendedorismo e os principais desafios que enfrentam em suas variadas
atividades econômicas.

Por fim, o quarto e último capítulo, “A invenção das novas subjetividades nas
favelas cariocas: os empreendedores da “favela turística”, enfatizou que o dispositivo da
pacificação – tanto em sua dimensão militar quando em sua dimensão mercadológica – atuou
na estruturação do campo de ação dos favelados e funcionou como um catalizador da
racionalidade neoliberal ao operar na otimização dos processos de subjetivação da forma-
empresa nos “territórios da pobreza”. Posteriormente, o capítulo destacou que concomitante a
emergência do “ethos empreendedor” os projetos coletivos que visavam a transformação
social foram paulatinamente esvaziados em detrimentos de projetos individuais baseados no
“empresariamento de si”. Ao se transforarem em empreendedores, os moradores de favela
passaram a enfrentar as mais variadas dimensões do risco, desde os riscos vinculados à
abertura e desenvolvimento de negócios, até os riscos que atingem a integridade física. O
último capítulo ainda descreveu o papel dos empresários locais na produção da favela turística
e como os mesmos utilizam o “saber especializado” que possuem em relação ao conflito
social para conformar a favela em um sempre renovado produto turístico.

45
CAPÍTULO 1

“Territórios pacificados”: reorientação no


controle do crime e gestão da vida

Neste capítulo, será apresentada uma análise do funcionamento das Unidades de


Polícia Pacificadora nas seguintes áreas com UPPs: Complexo do Alemão, Santa Marta,
Morro dos Cabritos/Ladeira dos Tabajaras e Pavão-Pavãozinho. Antes de tudo, buscou-se
compreender o processo de constituição histórica das favelas cariocas e o papel do dispositivo
urbanismo no controle e modelamento de territórios e sujeitos. Nesse sentido, o estudo
ressaltou que a polícia, entidades responsáveis pela saúde pública, organizações religiosas,
entre outros, compuseram um aparato institucional que atuou na execução de medidas que
visaram desde a remoção das favelas à vigilância e controle das mesmas, tendo como norte a
racionalização de espaços considerados incivilizados. Esses espaços apenas perduraram ao
longo do tempo em razão da resistência histórica dos favelados.

A conformação das favelas de “territórios da pobreza” para “territórios da violência”


pelo discurso público foi fundamental para que os desafios enfrentados na segurança pública
fossem dimensionados sob a ótica da guerra, e parte dos moradores de favela, sobretudo, os

46
mais jovens fossem tratados como “inimigos” a serem combatidos, intensificando assim, o
processo de acumulação social da violência.

Em seguida, o estudo destacou que para que a imagem de uma cidade violenta e
empobrecida fosse desconstruída foi moldado a partir da década de 1990, um projeto de
cidade que visava enquadrar o Rio de Janeiro como “Cidade empreendedora” – apta para
receber grandes eventos, como a Copa do Mundo e os Jogos Olímpicos – mas para que esse
plano tivesse êxito seria necessário a implantação de políticas de segurança que visassem a
pacificação dos “territórios da violência”. Tais políticas resultaram em um redirecionamento
das práticas dos aparelhos estatais em relação ao “problema favela”.

O dispositivo da pacificação produziu tensionamentos relevantes na organização e


racionalização dos métodos de poder. Por um lado, o policiamento permanente permitiu a
redução dos conflitos armados por certo período de tempo, por outro, as UPPs instauraram
práticas que se aproximaram de um biopolítica de gestão da vida dos sujeitos favelados por
meio de vigilância militarizada, proibições, regulamentações de manifestações culturais.
Procurou-se então, analisar as particularidades que envolveram a relação estabelecida entre
moradores e policiais; os efeitos da vigilância sistemática sob as populações desses
territórios; o policial da UPP; as reengenharias do tráfico de drogas e os discursos favoráveis
e contrários ao projeto de pacificação.

47
1.1 As favelas cariocas: um século de ordenamento e controle.

Na presente seção, buscou-se evidenciar que as favelas cariocas foram formatadas por
um quadro extremamente complexo que é decorrente de condicionantes históricos,
socioeconômicos, discursos e inúmeras ações dos aparelhos governamentais. Assim, foi
possível evidenciar que a favela, portanto, não é a consequência do abandono dos aparelhos
estatais “porque ela emerge na geografia da cidade como objeto de governo, como produto
histórico de uma construção epistemológica, subjetiva, técnica, jurídica e institucional”
(ALMEIDA, 2016, p. 471). Compreender a singularidade da constituição histórica das favelas
é de fundamental importância para entender as ações que dão integibilidade ao projeto de
pacificação e seus efeitos enquanto mecanismo de gestão da vida e readequação de sujeitos.
Michel Foucault (1995) considera que o sentido histórico deve ter apenas a acuidade de um
olhar que dissocia, dispersa, deixa operar separações e margens. Desse modo, não se pretende
apresentar referências minuciosas da constituição das favelas cariocas, mas remontar a teia de
relações que deu visibilidade a esse território, na qual a favela se inseriu como um objeto e
foi constituída enquanto um espaço que necessitava ser governado.

Historicamente, as favelas foram construídas no imaginário social enquanto espaço


oposto a certo ideal de cidade. Enquanto espaço do trabalho, produção e consumo, as cidades
representam uma sucessão histórica de acordos e alianças na forma de regras e planos, que na
maioria das vezes resultam no fomento de práticas controladoras em relação ao uso e
ocupação do solo. Nesse sentido, o dispositivo urbanismo, formado por uma teia de discursos
e instituições, irrompeu com ações democráticas e emancipadores de transformação do espaço
social (LIMA, 2017) e teve um papel relevante no modelamento e controle dos territórios da
pobreza e dos sujeitos que lá habitam.

Durante o período que abrange a segunda metade do século XIX e primeiras décadas
do século XX, o Brasil passou por modificações de ordem econômica, política, social, cultural
e espacial. Como consequência dessas transformações estruturais começou a surgir uma
cidade industrial com aspectos de moderna metrópole capitalista. Pode-se destacar que as
mudanças foram em decorrência da substituição do trabalho escravo pelo assalariado, da
formação de mercados, da decadência da cafeicultura fluminense, do desenvolvimento dos
setores secundário e terciário da economia, e por fim, da definição de novas categorias sociais

48
e da substituição de elites no poder, com a queda do império e a proclamação da República
(VAZ, 1994).

Com o expressivo aumento demográfico da então capital federal, Rio de Janeiro,


somado a necessidade de alocar multidões de trabalhadores na cidade, teve-se uma demanda
alta por habitações populares, casarões com inúmeras subdivisões e que eram caracterizados
pela sua expressiva insalubridade: os cortiços.

Lotes e casas eram encortiçados e transformados em estalagens e “casas de


cômodos”. Apesar de serem objetos arquitetônicos de formas diferentes, são iguais
em sua essência, não apenas por serem indistintamente chamados de cortiços, nem
por terem os mesmos elementos de uso coletivo — banheiro, tanque, pátio ou
corredor — mas também, por serem todos produtos resultantes de um mesmo
sistema de produção de moradias. Neste sistema, proprietários cediam seus imóveis
(casas, quintais, terrenos) a terceiros que investiam pequenas economias na
construção de casinhas ou na subdivisão das edificações existentes. Os aluguéis
eram considerados exorbitantes e os rendimentos fabulosos. Construir pequenos
cortiços tornou-se uma prática comum entre proprietários e arrendatários de
imóveis; na virada do século estavam presentes por toda a cidade, abrigando
considerável parcela da população (VAZ, 1994, p. 583).

Essa habitação urbana era considerada o lócus da pobreza no século, espaço onde
residiam uma parte dos trabalhadores da cidade e se aglutinavam em grande número, vadios e
malandros, a chamada “classe perigosa”. Caracterizado como verdadeiro “inferno social”, o
cortiço era tido como antro não apenas da vagabundagem e do crime, mas também, das
epidemias, constituindo uma ameaça às ordens moral e social. Percebido como espaço – “por
excelência” – do contágio das doenças e do vício, acabou sendo alvo de denúncia e
condenação pelo discurso médico higienista (VALLADARES, 2005).

No ano de 1886, o Conselho de Saúde do Distrito Federal escreveu vários relatórios


sobre as moradias populares, todos deplorando as condições dos cortiços e concordando que
as habitações eram higienicamente perigosas e que os moradores deveriam ser removidos para
as zonas periféricas do Rio, em pontos por onde passassem os trens e bondes. Os relatórios
pressionavam o governo a expropriar os cortiços, sugeriu assim, que se destruíssem os
mesmos com o objetivo de construir casas individuais para os pobres (LEEDS, LEEDS,
1978).

Apesar de existir esparsas informações sobre a fase inicial das favelas, pois elas
estavam ausentes das estatísticas e dos mapas do município – não sendo, portanto,

49
individualizada pelos recenseamentos, assim, para os poderes públicos, as favelas
simplesmente não existiam – considera-se que o processo de constituição das favelas cariocas
teria sido originado pelo combate aos cortiços da cidade, como também, estaria relacionado à
vinda de um grande contingente de soldados que lutaram na Guerra de Canudos (1896-1897)
e que construíram seus casebres no Morro da Providência, atrás do antigo Ministério da
Guerra (VAZ, 1994, FEDERICK, 2005, ABREU, 1994).

O termo “favela” faria referência a Canudos, pois naquela região do sertão do estado
da Bahia existia um morro denominado Favella, talvez porque o mesmo fosse revestido por
uma espécie de planta cuja designação seria justamente “favella” (Jathropa phyllanconcha)
uma euforfiácea muito comum nas regiões do Nordeste e Sudeste do Brasil. Assim, o local
onde se instalaram os soldados passou a ser conhecido como Morro da Favella. A partir da
segunda década do século XX, essa expressão passou a nomear todas as habitações precárias
do mesmo tipo distribuídas nos diferentes morros da cidade (GONÇALVES, 2013,
VALLADARES, 2005).

Com a demolição do famoso cortiço Cabeça de Porco (ver Figura 05) em 1890, em
nome da higiene Pública, somada as reformas do prefeito Pereira Passos, o déficit
habitacional para as camadas pobres, que já era grande, aumentou de maneira considerável na
antiga capital federal. Com o “bota abaixo”, em um curto período de dez anos, surgiram
diversas favelas na paisagem carioca. “Em comum, elas apresentavam não apenas a
localização nas encostas dos morros do Rio de janeiro, mas também, a proximidade de
importantes locais de emprego, tanto no centro como nos bairros residenciais” (FENERICK,
2005, p. 104. Os problemas anteriormente atribuídos aos cortiços, como insalubridade e
péssimos hábitos de higiene, foram redirecionados para as favelas, muito em função da
analogia atribuída pela sua composição social (SOUZA e BARBOSA, 2014).

50
Figura 05 – Imagem do cortiço Cabeça de Porco e casas no Morro da Providência

À esquerda, foto do cortiço denominado Cabeça de Porco que chegou abrigar mais de quatro mil pessoas. Na
foto ao lado, tem-se a imagem das primeiras construções feitas no Morro da Previdência em 1905.
Fonte: O Globo

A partir do momento em que esse favelado é visto como parte de um corpo social, de
um a população, a racionalidade governamental passou a observar os fenômenos mais gerais
como as condições sanitárias da cidade e o fluxo das infecções e contaminações
(FOUCAULT, 2008b). No início século XX, intervenções estatais foram feitas nos
“territórios da pobreza” com o intuito de se produzir “sujeitos higienizados”. Essas
intervenções começaram com a campanha de saneamento realizada na capital fluminense –
iniciada no dia 04 de novembro de 1904 – após a aprovação no Congresso Nacional da Lei de
Vacinação Obrigatória. Com amparo legal, Oswaldo Cruz elaborou um regulamento que
objetivou combater a febre amarela, peste e varíola. Desse modo, a população deveria ser
submetida por uma vacinação maciça por um período de seis meses. O não cumprimento do
regulamento resultaria no pagamento de multas e restrições ao acesso a emprego público,
direito a voto, permissão para casamento, entre outros. Entretanto, a população se rebelou
contra a vacinação obrigatória, evidenciando assim, o seu desagrado quanto às medidas
repressivas. Destaca-se então, que o plano de vacinação transbordava a questão concernente
ao controle de doenças, pois ele visava inaugurar uma nova racionalidade urbana – ao destruir
cortiços e casebres em nome da higiene pública – buscava-se o reordenamento espacial do
Rio por meio da expulsão dos pobres das áreas centrais da cidade (ABRÃO, 1998).

51
A figura abaixo – ver Figura 06 – representa de maneira emblemática os atos
institucionais do período em questão. No grande pente que Oswaldo Cruz carrega, está escrito
o termo “Delegacia da Higiene”, denotando assim, o papel policialesco que a medicina
enquadra as camadas populares quando quer tratar as enfermidades desse grupo social. O
médico é retratado com um leve sorriso ao “higienizar” o homem negro, enquanto este último
é apresentado com uma expressão resignada, com os olhos cansados, sendo que em sua
enorme boca é encontrada expressão Favella, em referência ao antigo Morro da Favella
(atual Morro da Previdência).

Figura 06. Oswaldo Cruz e seu “grande pente”

Fonte: Pintrest/Oswaldo Cruz Momenta Histórica, tomo 1 CLXXXVIII .

Foucault (1974) salienta que a medicina moderna – que nasceu no século XVIII –
representa uma medicina social e não uma medicina individual que trata apenas das relações
de mercado estabelecidas entre médico e paciente. Assim, a medicina moderna seria uma
tecnologia do corpo social. Ele apoia a hipótese de que o capitalismo não significou a

52
transmutação da medicina coletiva para a particular, mas exatamente o contrário. O
capitalismo desenvolvido entre o final do século XVII e começo do século XIX
primeiramente socializou um objeto, que era o corpo, em função da força produtiva. O
controle da sociedade não pode ser feito apenas pelo domínio da consciência ou ideologia,
mas por meio do corpo. “Para a sociedade capitalista o que era importante era o biológico,
somático, o corpóreo antes de qualquer outra coisa. O corpo é uma realidade biopolítica. A
medicina é uma estratégia biopolítica” (FOUCAULT, 1974, p. 05, tradução do autor).

Na década de 1920, o rotariano Mattos Pimenta – representante dos interesses do setor


imobiliário – organizou uma campanha contra as favelas, contudo, associada à construção de
casas populares, compreendendo que remover favelas sem oferecimento de alternativas
apenas reforçaria a “dança das favelas”, o que evidenciou uma notável transformação na
reflexão sobre a cidade, surgiu assim, um olhar mais sistêmico, que está na origem do
chamado “urbanismo”. Nessa perspectiva, os poderes públicos convidaram o arquiteto francês
Anfred Agache para produzir o que seria o primeiro projeto urbanístico da cidade do Rio de
Janeiro.

Esse plano introduziu no país a noção de zoneamento, buscou estabelecer uma


divisão mais clara entre as classes sociais e definiu uma política de construção preconizando a
aplicação de regulamentos de edificação. O plano abordou minuciosamente “o problema das
favelas”, constatando a complexidade das suas estruturas internas, reconhecendo-as então,
como um espaço diverso do restante da cidade. Entretanto, o plano ainda a considerava uma
chaga urbana, admitindo que a única solução para elas seria “num dia muito próximo, levar-
lhe o ferro cauterizador” (MAGALHÃES, 2013, p.43).

Na década de 1930, a partir do primeiro governo Vargas (1930), há uma inflexão a


respeito do tratamento dado as favelas. É nesse período que o Estado instituiu políticas
públicas que acabaram reorganizando a relação do Estado com as favelas e inscreveu esses
territórios sob novas condições sociais. Concomitante a esse processo, estabeleceu a
construção de um ideal de identidade nacional brasileira, que reconhecia os favelados como
segmento relevante das cidades, sendo assim, incluídos no projeto de nação em disputa. Na
seara das políticas sociais para as favelas, Vargas privilegiou os moradores de favela que
possuíssem vínculo profissional estável com a carteira de trabalho. A política habitacional
favorecia somente aqueles trabalhadores dos setores amparados pelos IAPs – Institutos de
Aposentadorias e Pensões – isto é, uma minoria dentre os residentes de favela. A

53
formalização da força de trabalho era condição primordial para o acesso ao benefício da
moradia popular (COSTA, 2015). Abreu (1994) salienta que embora os favelados tivessem
tido benefícios na gestão de Getúlio Vargas, as favelas continuaram a serem consideradas
como habitat urbano temporário, razão pela qual se mantiveram ausentes das estatísticas e dos
documentos oficiais da cidade.

Por outro lado, vale a pena destacar da mesma forma como no restante da cidade, os
moradores das favelas, historicamente, manifestavam-se como sujeitos urbanos. Expressam-se
com voz (e voto, em determinados períodos) e ativaram a sua ação a partir de manifestações
culturais, artísticas e políticas – como a resistência aos despejos, e posteriormente à remoção.
Isso ficou visível em especial nos anos iniciais da década de 1930, quando organizaram
comitês para reivindicar junto ao prefeito Pedro Ernesto (1931 - 1936) melhorias urbanísticas
e sociais (PEREIRA DA SILVA, 2009).

A criação do Código de Obras pelo governo federal – em 1937 – buscou impor


restrições para a expansão das favelas. A relevância desse documento reside no fato de ser o
primeiro documento oficial a reconhecer a existência das favelas e ao mesmo tempo propor
sua erradicação. Nas favelas existentes, o Código proibia tanto a construção de novas casas,
quanto a sua ampliação. Esse código evidenciou a situação “marginal” das favelas – por
serem consideradas uma “aberração” – não poderiam constar no mapa oficial da cidade. As
favelas passaram então a serem percebidas como “doença social”, sendo cada vez mais
submetidas ao controle federal. E para resolver o “problema” o documento sugeriu a
construção de habitações proletárias para serem comercializadas junto a pessoas
“reconhecidamente pobres” (CASTRO, 2004, BURGOS, 2004).

A “descoberta” do problema favela pelo poder público não surgiu de uma postulação
de seus moradores, mas sim, do “incômodo” que causava à urbanidade da cidade, o que
explica o sentido do programa de construção dos parques proletários, que tinham por
finalidade, acima de tudo, resolver o problema das condições insalubres das franjas do centro
da cidade, além de permitir a conquista de novas áreas para expansão urbana. No primeiro
parque proletário (Gávea 1) foram construídas casas de madeira enfileiradas em terreno
cercado e isolado (ver Figura 07). Entre 1941 e 1942, além do parque Gávea, foram criados os
parques do Caju e Leblon. A seleção dos moradores de favela que seriam transferidos
obedecia a alguns critérios considerados importantes, sendo dois deles a posse de um atestado
de bons antecedentes e comprovação de realização de algum tipo de trabalho na Zona Sul da

54
cidade. Assim, austeras normas de controle social eram adotadas no interior dos parques,
cujos moradores eram identificados por carteirinhas e obrigados a agir segundo padrões de
comportamento moral designados pelos administradores. O horário de entrada e saída era
controlado, sendo que às 22 horas os portões eram fechados. A construção dos parques
proletários pode ser compreendida como primeiro grande momento de identificação,
demarcação e classificação das populações faveladas. Em suma, a implantação desses parques
está vinculada a técnicas de gestão da vida que tiveram como objetivo reorientar as condutas
dos pobres. A proposta dos parques proletários terminou por gerar resistências entre os
moradores de favela (BURGOS, 2004, CASTRO, 2004, PANDOLFI, GRYNSZPAN, 2002).

Figura 07 – Imagem do Parque Proletário da Gávea

Na imagem à esquerda, tem-se as Casas Experimentais do Parque Proletário da Gávea. Na foto ao lado, nota-se a
vista geral do parque com sua estrutura completa.
Fonte: Acervo da casa de Oswaldo Cruz, Departamento de Arquivo e Documentação.

De acordo com Castro (2004), nesse período, a preocupação das autoridades com
relação aos favelados não se restringia ao controle do espaço territorial, pois abrangiam
também a necessidade de estabelecer o controle político da massa proletária urbana que
representava uma parcela expressiva de votos, sendo alvo de atuação de diferentes partidos
políticos constituídos a partir do fim do Estado Novo.

Uma das ações encontradas para estabelecer um contato próximo com os moradores
de favela se reporta a criação da Fundação Leão XIII em 1946. Essa entidade religiosa tinha

55
como objetivo iniciar um processo de “recatolização” junto às camadas populares, como
também, a moralização do modo de vida dos favelados e o “combate aos comunistas”. A
construção e propagação desse discurso religioso seguia toda uma lógica de coerção e
ordenamento, já que “a doutrina liga os indivíduos a certos tipos de enunciação e lhes proíbe,
consequentemente, todos os outros” (FOUCAULT, 1996, p. 43). A cruzada social dessa
entidade nas favelas ansiava pela readaptação do ideal de modernidade e progresso que se
propagava com muita força na época, adquirindo assim, uma conotação explicitamente moral
e política quando assumia a intenção de expandir a cidadania dos favelados. O
anticomunismo11 era uma das forças criadoras da Fundação Leão XIII, o plano era subir os
morros antes dos “vermelhos” (COSTA, 2015).

Ainda na década de 1940, a realidade da favela passa a especificar-se, vindo a se


impor na paisagem carioca de maneira definitiva na década seguinte. À medida que a favela
crescia e se tornava mais visível, ela passou a ser socialmente reconhecida, mesmo que na
forma de um problema. Entretanto, se o reconhecimento da favela foi condicionado
fundamentalmente por sua própria expansão, esta por sua vez, não pode ser separada das
transformações sociais que aconteceram “no período e resultantes, em última análise, do
próprio processo de crescimento e diversificação da economia brasileira e de sua projeção em
termos espaciais” (OLIVEIRA, 1985, p.02).

A consequência das mudanças na estrutura produtiva – diminuição de empregos no


campo e migração de pessoas para a indústria – provocou um deslocamento de grandes
contingentes populacionais para os grandes centros econômicos. A corrente migratória no
sentido das grandes cidades se acentuou no decorrer da década 1930, sendo mais intensa na
década de 1940, quando o panorama das populações rurais se tornou mais grave e o mercado
urbano de trabalho passou a oferecer oportunidades de forma considerável. No Rio de Janeiro
esse movimento não foi diferente e muitas pessoas foram para capital fluminense em busca de
uma vida melhor. Mas esse fato isolado não representa a principal questão que envolve a
expansão das favelas (OLIVEIRA, 1985).

Para entender esse fenômeno é preciso que considerar também as possibilidades


habitacionais abertas a população de baixa renda num contexto em que a crescente

11
Em documentos enviados pelo Palácio do Catete a Dom Jaime – figura que exercia grande poder na Fundação
Leão XIII – ficava claro que a missão a ser executada pela entidade religiosa estava relacionada em barrar os
“vermelhos” a qualquer custo, dado o expressivo sentimento de incerteza perante o crescimento de influência
dos comunistas diante do contexto de democratização, aberto a partir de 1945 (COSTA, 2015).

56
valorização do solo e sua repercussão sobre os custos habitacionais não encontravam
contrapartida na evolução dos salários da maior parte dos trabalhadores urbanos,

Mais especificamente, a valorização dos terrenos e imóveis, estimulada não apenas


pela crescente demanda de habitações, mas também pelos investimentos públicos
em modernização e infraestrutura urbana e pela própria especulação, acabaria por
reduzir em muito as possibilidades de moradia no núcleo para a população de baixa
renda, sendo proibitivos os preços ou aluguéis das construções novas e
desaparecendo, com a remodelação do traçado urbanístico, as áreas em
obsolescência que haviam servido de base aos cortiços e “cabeças-de-porco”, restava
aquela população praticamente uma única alternativa: ou procurar moradia em áreas
mais afastadas e mais carentes de infraestrutura e que, em razão disso, tinham um
custo monetário menor, ou permanecer no núcleo, ocupando áreas devolutas e sem
atrativo para a construção residencial (OLIVEIRA, 1985, p.11).

Nessa perspectiva, as favelas apesar se serem vistas como um problema social,


também eram uma solução emergencial, constituindo-se assim, em um elemento chave não
somente para a moradia, como também, para a subsistência das populações que lá habitavam.
As primeiras favelas se concentravam próximas às áreas industriais ou com forte densidade
populacional, pois ofereciam oportunidades de emprego no setor de serviços (OLIVEIRA,
1985, VALLADARES, 2005). Nesse sentido, cabe ressaltar que existia uma dinâmica de
poder que envolvia o Estado e a população favelada. Foucault (2008b) considera que desde o
século XVII a população não tem papel residual, pois ela é um elemento fundamental, que
condiciona todos os outros, já que é ela que “fornece os braços” que propiciam o
desenvolvimento econômico.

A partir do final da década de 1940, os aparelhos de poder intensificam suas ações


com o propósito de remover as favelas da paisagem urbana. Nesse sentido, é possível destacar
os seguintes eventos e atos institucionais: a) “Batalha do Rio” (1948): movimento
encabeçado pelo jornalista Carlos Lacerda que sugeria o extermínio das favelas, afirmando
que as mesmas não eram mais um “problema” localizado ou apenas uma questão habitacional,
mas algo que atingia dimensões sociais, morais, psicológicas, sanitárias e educacionais; b) A
COHAB-GB - Companhia de Habitação Popular do Estado da Guanabara (1962) – iniciou-se
uma fase “dura” de ações de remoção de favelas. Trazendo em sua base uma visão
segregacionista que via a favela como um “câncer” a ser extirpado da cidade, a COHAB
atuou em remoções e na construção de conjuntos habitacionais que distavam mais de 30
quilômetros de centro da cidade, ocasionando grandes transtornos para a população de 12

57
favelas removidas, a maioria delas na Zona Sul; c) O Golpe de 1964 criou condições
favoráveis para a intensificação da aventura “remocionista” e para minar a resistência dos
favelados. O Estado passou a colocar soldados armados nas favelas, como no traumático caso
da favela do Pasmado. Diante do que estava por vir, pode-se dizer que a escala das remoções
efetuadas até 1965 foi moderada, apesar de ter atingido em torno de 30 mil pessoas
(BURGOS, 2004, CASTRO, 2004, MAGALHÃES, 2013, TEXEIRA DA SILVA et al,
2015).
A história dessas remoções ocorridas, sobretudo, entre 1968 e 1975, representa um
dos capítulos mais violentos da longa história de repressão e exclusão do Estado brasileiro. As
ações perversas dos aparatos institucionais resultaram na organização de movimentos de
resistência representados pela FAVEG – Associação de Favelas da Guanabara – que a essa
altura já congregava cerca de cem associações de moradores, os habitantes das favelas
lutariam de forma desesperada para não serem removidos, entrincheirados na identidade
politicamente construída de favelado (BRUM, 2013).
As reivindicações dos favelados foram importantes para a proposição de políticas
públicas direcionadas a habitação (embora tivessem alcance limitado): a) o Projeto Rio
representou uma tentativa do governo federal de reaproximar-se das massas populares urbanas
e interromper a política de remoção. Esse projeto se resumiu ao desenvolvimento de um
grande plano de urbanização dos núcleos que compreendiam a Favela da Maré, no qual previu
a erradicação das palafitas. Tal projeto integrava o PROMORAR – Programa de Erradicação
de Sub-habitação – um dos programas implantados pelo Banco Nacional de Habitação na
segunda metade da década de 1970, já no contexto de abandono da política de remoção; b)
Cada Família, um lote: O Governo Brizola (1983-1986), de forte ligação com o trabalhismo,
buscou aumentar o seu lastro junto às camadas populares, especialmente com os favelados.
Brizola instituiu o programa Cada Família, Um Lote. Esse projeto tinha como meta distribuir
um milhão de títulos de propriedade. Entretanto, fracassou enormemente ao ter conseguido
entregar apenas 32.817 títulos em todo o Estado.; c) o projeto Favela-Bairro foi iniciado em
1994 e teve o objetivo de propiciar melhorias gerais em infraestrutura, serviços sociais,
regulamentação imobiliária e a implantação de uma creche em cada favela urbanizada. O
programa teve como princípio intervir o mínimo possível nos domicílios, com a concentração
de recursos sendo destinadas na recuperação das áreas e equipamentos públicos (BURGOS,
2004, COMPANS, 2003, MAGALHÃES, 2013).

58
Em suma, o dispositivo urbanismo não operou enquanto mecanismo democrático que
visasse uma solução para o problema da habitação urbana, mas como mecanismo que seguiu a
uma determinada razão governamental, ou seja, uma governamentalidade (FOUCAULT,
1987, LIMA, 2017). O objetivo estratégico do dispositivo estava vinculado ao controle e a
ordenação dos corpos nos “territórios da pobreza”. Contudo, o caráter relacional do poder
possibilitou um processo de resistência histórica por parte dos favelados.

59
1.2. As favelas e a questão da violência urbana

Michel Misse situa o momento de maior visibilidade da violência urbana brasileira


exatamente na mesma época em que surgiram os primeiros esquadrões da morte – grupos de
agentes policiais especializados em matar criminosos – no Rio de Janeiro, em meados da
década de 1950. Esses grupos de extermínio tinham como foco inicial o combate aos crimes
contra propriedade. Na década de 1960, outros grupos surgiram nas periferias cariocas –
criados por comerciantes locais com o apoio de policiais e ex-policiais – com a finalidade de
exterminar ladrões e bandidos locais. O surgimento dos esquadrões da morte sinalizou o
começo de um processo de acumulação social da violência no Rio de Janeiro que, depois,
alastrou-se para todas as grandes cidades brasileiras (MISSE, 2008).

Por que foram criados os “esquadrões da morte”? Como é que se criou o “esquadrão
da morte”? O que foi o “esquadrão da morte”? Até meados dos anos 1950, os crimes
mais comuns, aqueles que enchiam as delegacias de polícia, aqueles que produziam
maior volume de inquéritos policiais, aqueles que produziam maior volume de
condenações, eram as contravenções penais e os crimes de menor gravidade: brigas
com ferimentos leves, pequenos furtos, estelionato, todos crimes que não envolviam,
necessariamente, violência como também, por exemplo, a sedução, o adultério, o
lenocínio. Crimes que dependiam da astúcia do criminoso, crimes que dependiam da
habilidade pessoal do criminoso, crimes que envolviam muitas vezes a ingenuidade
da vítima, como era o caso do estelionato ou da sedução. Esses eram os crimes que
abundavam no Brasil nos anos 1950. Os crimes violentos, como o homicídio, eram
principalmente os crimes de paixão, algumas vezes acompanhados do suicídio do
assassino (MISSE, 2008, p. 375).

O fato de ações criminosas terem se espalhado pela capital fluminente não denota
que o Rio de Janeiro fosse o único lugar irradiador desse processo, ainda que seja relevante
evidenciar que o Rio sediava grande parte da mídia que atingia o país como um todo,
principalmente a mídia televisiva. A mídia relatava tudo o que acontecia na cidade para todo
o Brasil, mas os fatores principais da acumulação social da violência no Rio de Janeiro já
estavam presentes em todas as cidades brasileiras (MISSE, 2008).

Conforme Misse (2008), a partir do processo de abertura política e redemocratização


do país, em 1979, teve-se o aumento no volume de crimes violentos, que já vinha crescendo
desde o início da década. Exatamente no momento em que saía de um longo período sob um
regime autoritário, quando as instituições democráticas iniciavam a sua reconstrução, a
violência urbana começou a atingir níveis nunca antes vistos em cidades como o Rio de

60
Janeiro e São Paulo, ficando no ar a seguinte indagação: Existe alguma correlação entre
democracia e violência no Brasil?

A volta à democracia foi acompanhada de uma intensificação sem precedentes da


criminalidade. Uma das principais razões para o crescimento da violência incide na ideia de
continuidade autoritária – que foi estabelecida na época por Paulo Sérgio Pinheiro (1997) –
pois o legado do regime anterior se mantinha no seio da democracia nascente. “Refletia-se nas
instituições, sobretudo as responsáveis pela ordem pública, mas era perceptível também na
sociedade” (PERALVA, 2001, p.74). O quadro legal herdado do regime militar constituiu um
obstáculo quase intransponível a qualquer tentativa de reforma da polícia, que acabou se
tornando cada vez mais autônoma em relação à sua autoridade de tutela, dessa forma, a
polícia passou a se envolver em diversas práticas criminosas, corroborando para o aumento da
violência urbana (PERALVA, 2001). Conforme Machado da Silva (2013), ao longo da
redemocratização, a repressão à violência criminal deixou de ser estabelecida como uma
questão de defesa do Estado, cuja crítica se perfazia na linguagem dos direitos humanos, para
ser apresentada como uma questão de defesa da sociedade, focalizando as ameaças a
integridade física e patrimonial contida no desenrolar da vida cotidiana.

O agravamento da violência urbana deixou as populações das favelas expostas a


brutalidade decorrente da lógica territorialista do tráfico de drogas, combinada ao modo
irresponsável de atuação da polícia, ora recebendo propina – no termo nativo o chamado
“arrego” – do tráfico para não incomodá-lo, ora realizando incursões nas favelas que quase
sempre deixavam como saldo um grande contingente de vítimas fatais e de traumas das mais
diferentes ordens. Apesar da afirmação crescente da defesa dos direitos fundamentais do
indivíduo, notadamente consagrados pelo Artigo 5º da Constituição de 1988, os favelados
conviviam com situações de absoluta ausência do direito civil mais elementar, que é o direito
à integridade física e o direito à vida (BRUM, 2013). Em uma cidade situada na metáfora da
guerra (LEITE, 2012) não haveria tempo para se pensar em direitos, na visão dos aparelhos de
poder, mas sim, em controle social (MACHADO DA SILVA, FRIEDMAN, LEITE, 2005).

O debate sobre a cidadania se estreitou, reduzindo-se ao núcleo duro dos direitos


civis que postula as garantias à pessoa e à propriedade. As disputas agora se
concentram na provisão de controle social pelo estado, isto é, focalizam a
quantidade, legitimidade e adequação dos meios repressivos – a força comedida (e
seu extravasamento) da polícia versus a força ilegal, de fato, da criminalidade
violenta. Os protagonistas desses conflitos tornam-se assim categorias sociais
estereotipadas e difusamente representadas que, por consequência, não definem
61
fronteiras identitárias claras. A ação coletiva, quando existe, encontra-se despojada
de organicidade. Nessa arena pública erodida e desertificada, a tradicional
linguagem dos direitos torna-se anacrônica e frágil, pois vem regar a terra nua das
rotinas da vida privada (MACHADO DA SILVA, FRIEDMAN, LEITE, 2005, p.
03).

No final da década de 1980, a violência antes localizada nas favelas começou a


transbordar para o restante da cidade, disseminando-se com a expansão do consumo de
drogas. A entrada do Rio na rota do tráfico internacional de cocaína, o desemprego e a falta de
habilidade do governo em relação ao oferecimento de alternativas substanciais ao problema
de moradia contribuíram para a construção das representações negativas do senso comum a
respeito da cidade. Tornou-se lugar comum a percepção de que o Rio de Janeiro havia se
transformado em uma cidade empobrecida e violenta (BARREIRA, 2013).

Conforme Ramos (2011), o Rio de Janeiro havia então se tornado um caso singular,
com poucos paralelos no mundo, em que áreas desenvolvidas, abastadas e reguladas por
normas democráticas, conviviam lado a lado com áreas sob controle de grupos armados, onde
predominavam – e ainda predominam em muitos locais – o controle dos territórios por
traficantes ou milicianos, que por sua vez, impuseram regras na “base do fuzil”, onde
liberdade de expressão e o direito de ir e vir não estão assegurados. As diferentes políticas de
segurança implementadas durante esse período contribuíram para aprofundar essa situação
anômala e foram em parte responsáveis pelo quadro que se consolidou a partir da década de
1980, já que em via de regra, eram ancoradas em confrontos policiais com grupos criminosos
e produziram milhares de mortes.

62
1.3 A favela como entrave para o desenvolvimento da “Cidade empreendedora”

Nas duas últimas décadas, sucessivas gestões municipais e estaduais se esforçaram


para recuperar a imagem do Rio de Janeiro e superar o estigma de cidade desorganizada,
violenta e empobrecida. A cidade já fora considerada um “paraíso tropical” por seus
admiradores ou interessados, entretanto, deixara de ser conhecida, no país e no mundo apenas
pelas belas paisagens e pela auto atribuída cordialidade ao ganhar os noticiários em razão dos
recorrentes episódios de violência. Durante os anos de 1980, a violência antes localizada nas
favelas começou a transbordar para o restante da cidade, disseminando-se com a expansão do
consumo de drogas. A entrada do Rio na rota do tráfico internacional de cocaína, o
desemprego e a falta de habilidade do governo em relação ao oferecimento de alternativas
substanciais ao problema de moradia, contribuíram para a construção das representações
negativas do senso comum a respeito da cidade (BARREIRA, 2013, MISSE, 2008).

Para reorientar a tortuosa trajetória que o Rio de Janeiro havia tomado, o governo
municipal avaliou que seria preciso construir um “Novo Rio”, uma “cidade empreendedora”
que transitasse na órbita do mercado global e fosse catalisadora de diversos negócios que
modificassem de uma vez por todas a imagem da capital fluminense. Tal empreitada teve
início com a chegada de Cesar Maia à prefeitura do Rio. Eleito em 1992, ele se tornou uma
figura que dominou a política municipal durante longa data (1993-1996 / 2001-2004 / 2005-
2008).

Primeiramente, o então prefeito resolveu “reapropriar” o espaço urbano travando uma


luta com o comércio ambulante informal, começando assim, um período de realização de
grandes obras de embelezamento da cidade. O governo Cesar Maia propôs a elaboração de
um plano estratégico mediante um acordo efetuado em 1993 com a Associação Comercial e a
Federação das Indústrias do Rio de Janeiro. Em fevereiro de 1994, 46 empresas privadas e
diversas associações comerciais instauraram o Grupo Organizador do Plano Estratégico da
cidade do Rio de Janeiro, assegurando a esse plano os recursos necessários ao financiamento
de suas atividades e autorizando a celebração de contrato com especialistas internacionais,
como por exemplo, Jordi Borja e Manuel Castells (GONÇALVES, 2013).

O primeiro plano era intitulado “Rio sempre Rio”. Ele que era dividido em duas linhas
de atuação, a do programa “Rio Cidade” e o “Projeto Favela-Bairro”. Quanto ao primeiro

63
programa, ele nasceu sob o seguinte lema: “o urbanismo de volta às ruas”, o projeto Rio
Cidade integrou uma intervenção urbana desenvolvida no município do Rio de Janeiro entre
os anos de 1995 a 2000, inspirada no empreendedorismo urbano, com forte influência das
políticas aplicadas às cidades dos Estados Unidos e da Europa. Esse programa se caracterizou
por uma série de intervenções em áreas de uso predominantemente comercial em
eixos/corredores e/ou centros de bairros. O intuito do programa era resgatar a integração do
cidadão com o espaço da sua cidade, restabelecendo os padrões de conforto, segurança, além
de soluções para os problemas de drenagem das águas pluviais e conversão, quando for o
caso, das redes aéreas da Light e da TELERJ – Empresa de Telecomunicações do Estado do
Rio de Janeiro – em subterrâneas. A primeira parte do programa – Rio Cidade I – contemplou
15 bairros: Ilha do Governador, Copacabana, Catete, Vila Isabel, Penha, Campo Grande,
Ipanema, Botafogo, Tijuca, Centro, Méier, Leblon, Bonsucesso, Madureira e Pavuna
(OLIVEIRA, 2008).

Em 2004, teve-se o início da execução do segundo plano estratégico da cidade do Rio


de Janeiro, denominado “As cidades da cidade”. Esse projeto representou um desdobramento
do “Rio sempre Rio”, mas ao contrário do plano anterior que pretendia unir a cidade em um
“modelo consensual”, este escopo buscou extrair e remodelar as identidades, potencialidades
e vocações das regiões do município (CAMARGO, 2011). Para Leite (2015), estava em curso
um plano de reconfiguração da cidade do Rio de Janeiro enquanto uma "cidade de negócios".
O Estado, em seus três níveis (federal, estadual e municipal), passou a operar com as políticas
de city marketing. Sanchez Garcia (1999) avalia que a dinâmica de city marketing pode não
ser benéfica para os moradores, uma vez que o cidadão é confundido com o consumidor e, por
sua vez, a cidade é confundida com o mercado.

O objetivo escancarado pelos gestores públicos seria formular uma cidade voltada para
as tendências globais e com um plano estratégico de visão empreendedora. Barcelona, cidade
catalã que havia superado uma série de crises com a realização dos Jogos Olímpicos em 1992,
tornou-se o grande exemplo de renovação. Estava aberta a temporada de realização de
grandes eventos esportivos na cidade do Rio de Janeiro. Os Jogos Pan-Americanos do Rio
(2007) – muito criticado pela falta de legados urbanos para cidade – trouxeram grande
resultado prático: uma contribuição decisiva para a vitória do município na disputa para sediar
os Jogos Olímpicos de 2016 (BARREIRA, 2013, GOES, 2011).

64
Assim, com auxílio dos principais órgãos de imprensa do Rio de Janeiro, o projeto
olímpico foi apresentado como um “sonho coletivo”, que em seguida, disseminou-se na
sociedade a ponto de produzir uma imagem positiva unificadora, um verdadeiro consenso em
relação a sua pretensa necessidade. A partir de então, vendeu-se a ideia de que é mais racional
priorizar o orçamento público para grandes obras, ao invés de investir em serviços públicos
básicos, tão carentes, sobretudo, para as camadas mais populares,

Com o definhamento do sistema de saúde e de educação, consolida-se a inversão de


objetivos das políticas de governo, que abandonam tanto os princípios inclusivos
quanto os chamados “meios de consumo coletivo”, típicos do momento ascendente
da modernização econômica, e começam a girar em torno de ideias de
competitividade e consumo individual. A cidade então precisa correr contra o
tempo, e contra as cidades rivais, para se adequar às exigências e aos custos
elevados dos padrões internacionais. Nesse contexto, qualquer tipo de oposição à
racionalidade econômica subjacente aos jogos, que é mimetizada por sujeitos
igualmente submetidos em sua vida diária, à dinâmica da concorrência generalizada,
ganha ares de campanha “contra a cidade” (BARREIRA, 2013, p. 143).

No entanto, restou um problema que era capaz de atrapalhar esse “sonho coletivo”
artificialmente induzido, e que ultrapassava as questões de logística e infraestrutura: a
violência urbana. Nenhuma exposição comercial dos eventos ou da imagem da cidade seria
possível sem garantias do governo local quanto a manutenção da ordem. No caso do Rio, a
segurança apareceu como o principal problema assinalado pelo COI – Comitê Olímpico
Internacional – este por sua vez, exigiu dos governos uma solução imediata para que a
realização dos jogos ocorresse sem maiores “prejuízos”. Nesse prisma, somente a pacificação
da cidade tornaria possível a realização dos megaeventos tão desejados pelas autoridades.
Contudo, o projeto de pacificação é resultado de um processo histórico que envolveu uma
série de programas de segurança baseados na ocupação de territórios, os detalhes desse
percurso histórico serão evidenciados a seguir.

65
1.4. Os antecedentes históricos da ocupação armada das favelas cariocas

O idioma político das sociedades modernas vislumbrou no ideal de “ordem sob a lei”
um meio de resolução do problema representado pela utilização instrumental da violência nas
interações sociais. Com a concentração do monopólio do uso legítimo da violência nas mãos
do Estado e suas instituições de controle social, a ordem jurídica “expropria” dos “indivíduos
o recurso à violência como meio de atingir fins e realizar o elemento central da noção de
cidadania: a proteção pública e estatal dos cidadãos contra os custos externos correspondentes
à ameaça criminosa” (PAIXÃO e BEATO, 1997, p. 235).

Na percepção de Weber (1973), o monopólio estatal da violência se justifica pelo fato


de ser um modo de pacificar a sociedade e permitir a convivência harmoniosa de um
numeroso grupo social. Nessa perspectiva, os governantes dispõem de instituições autorizadas
a empregar a violência física quando preciso, objetivando assim, evitar que a ela recorram
todos os cidadãos. Por outro lado, também é possível destacar que o monopólio da violência
possui um caráter ambíguo, pois do ponto de vista da população isso pode significar a
pacificação de um país. Entretanto, o monopólio da violência pode ser utilizado conforme o
interesse de pequenos grupos que controlam o poder estatal (ELIAS, 1988).

O Estado moderno, por sua vez, pode ser configurado como uma comunidade humana
que, nos limites de um dado território, reivindica para si o monopólio da força física, cujo
exercício se dá por meio de uma força pública denominada polícia. Ou seja, a polícia é a
“instituição estatal que estaria autorizada a utilizar a força de modo legítimo para obrigar o
indivíduo a comportar-se de acordo com determinadas regras, ainda que contra a vontade
dele” (RIBEIRO, 2014, p. 277).

Não cabe aqui fazer uma historiografia da “instituição polícia”, mas sim, designar o
seu significado histórico. Desde o seu surgimento, a expressão “polícia” se generalizou nos
países ocidentais de uma forma difusa, pois sob o mesmo nome podem ser destacadas
instituições com formas e atribuições muito diversas. Assim, a polícia nas linhas gerais que se
aglutinam com a “ideia moderna de polícia”, originou-se a partir das instituições vinculadas
ao Estado francês do século XVII. Tais instituições foram disseminadas pelas monarquias
absolutistas similares a francesa, como Portugal. Pelas rédeas do país ibérico, a polícia
acabou sendo constituída no Brasil (BRETAS, 1997).

66
O sistema policial brasileiro foi formulado e direcionado, desde a sua origem, para
questões de manutenção da ordem, controle de populações e repressão criminal, sempre tendo
como foco principal a “segurança nacional”. A missão da polícia era apoiar as Forças
Armadas no que se refere à garantia das instituições, a soberania do Estado e, em última
instância, a manutenção do status quo das elites políticas e econômicas. A partir do marco que
representou a criação da Constituição de 1988, a introdução do conceito de “segurança
pública” aproximou o foco da ação policial das garantias individuais e coletivas dos cidadãos.
Contudo, a própria formulação do conceito de “segurança pública” representou algo em
disputa, um termo que falta respaldo pelo ordenamento jurídico, o que abriu espaço para
introdução de todo tipo de intervenção autoritária. Assim, apesar da restauração das
instituições democráticas no país, o Brasil ficou mais violento. Uma das razões que levaram a
isso reporta-se ao fato de ter ocorrido um aumento da violência policial letal ou não letal –
baseado em agressões e torturas – na rotina das operações dos agentes do Estado
(ALBERNAZ, CARUSO e PATRÌCIO, 2007, COSTA e SÉRGIO DE LIMA, 2014,
PERALVA, 2001).

Diante do cenário alarmante da segurança pública no Brasil, as instituições policiais


militares brasileiras vislumbraram no modelo de “policiamento comunitário”, uma
oportunidade de se mudar as formas de atuação do patrulhamento preventivo das grandes
cidades. Contudo, as polícias mantiveram sua estrutura inalterada e não comportaram uma
maior participação da comunidade no planejamento de suas ações (BORDIN, 2009).

Nessa experiência, em tese, os polícias e os representantes comunitários reunir-se-iam


para a discussão dos problemas que mais afetam a atividade de manutenção da ordem pública
e, em seguida, construiriam estratégias para a solução das causas dos eventos conflituosos de
tal maneira que ele não mais acontecesse e a comunidade pudesse “ficar em paz”. No entanto,
quando os documentos históricos que “retratam essa experiência são analisados, é evidente
desde o primeiro momento, que a adoção do policiamento comunitário não visava uma
reforma do modelo profissional, mas a sua própria institucionalização” (RIBEIRO, 2014,
p.290).

No Rio de Janeiro, durante o governo do Leonel Brizola, surge o Centro Integrado de


Policiamento Comunitário (CIPOC), inaugurado em 1983. Para desenvolver essa nova política
de segurança, o então chefe da polícia militar, Nazareth Cerqueira, realizou diversas missões
ao exterior com o propósito de conhecer quais eram os modelos de policiamento em voga. É

67
nesse momento que o coronel entra em contato com os modelos de policiamento comunitário
desenvolvidos no Japão (modelo Koban), no Canadá (polícia de Ontário), nos Estados Unidos
(polícia de Nova Iorque) e a sua grande preocupação foi trazer para o Brasil documentos que
explicassem como viabilizar a constituição desses modelos e, por conseguinte, garantir a sua
exequibilidade em distintos cenários (RIBEIRO, 2014).

Assim, durante o segundo mandato de Cerqueira como comandante da Polícia Militar,


a instituição lançou o GAPE – Grupamento de Aplicação Prático-Escolar – no Morro da
Providência, um projeto que na época foi considerado inovador, pois garantiu a presença
constante da polícia no território. Os oficiais envolvidos eram em sua maioria constituídos
por novos recrutas que tinham sido especificamente treinados na metodologia do
“policiamento comunitário”. Em 1994, outro programa de “policiamento comunitário” foi
implantado no Pavão Pavãozinho, em Copacabana, com intuito de prevenir e mediar conflitos
dentro do bairro. Entretanto, “logo ficou claro que a política de segurança pública
“cerquerista” não poderia competir com as tendências violentas da PM em outras partes da
cidade” (RIO ON WATCH, 2014).

Em 1999, aconteceu a inauguração de outro modelo de policiamento permanente – o


Projeto Mutirão da Paz – na favela conhecida como Pereirão, em Laranjeiras (EXTRA, 2009).
Segundo Soares (2006), o Mutirão da Paz visava oferecer policiamento ostensivo e regular, de
“tipo comunitário” nas localidades carentes, fazendo-o acompanhar a ação social do Estado,
nas áreas de saúde, educação, esporte, cultura e lazer, desenvolvimento urbano, entre outros.
Foram abertas quatro mil vagas para a PM, das quais apenas duas mil foram preenchidas.
Também nesse mesmo período foi criada a primeira unidade multi-setorial de investigação de
lavagem de dinheiro, que visava combater o tráfico de armas e drogas na dimensão atacadista,
já que o varejo estaria, em tese, sendo combatido pelos Mutirões da Paz.

A experiência do GAPE e do Mutirão da Paz lançaram as bases daquilo que viria a


tornar-se o GPAE (Grupamento de Polícia para áreas especiais). Esse grupamento foi fundado
no ano 2000, no conjunto de favelas Pavão-Pavãozinho/Cantagalo, situado entre Copacabana
e Ipanema. Nos dois primeiros anos do programa houve uma expressiva redução na taxa de
homicídios, o que acabou servindo como referência exitosa para a replicação de seu modelo
em outros locais. Até 2002, o GPAE implantado no Pavão-Pavãozinho/Cantagalo era a única
referência desse modo de policiamento. No mesmo ano, foram fundados mais três
grupamentos em outras localidades. Desde a primeira iniciativa, a instalação de todos os

68
GPAEs foi precedida de eventos conturbados na vida comunitária local. “Em maio de 2000,
em razão da morte de cinco jovens da comunidade, acusados pela polícia de participação no
tráfico, cerca de 100 moradores do Pavão-Pavãozinho/Cantagalo desceram a favela para
protestar” nas ruas de Copacabana. Carros e ônibus foram depredados (ALBERNAZ,
CARUSO, PATRÌCIO, 2007, p. 40).

Conforme Soares (2011), a virulenta resistência da PM se constituiu em um problema


para o GPAE, pois a alta cúpula da PM se negava a apoiar o comandante da unidade e lhe
enviava policiais problemáticos, que já haviam sido rejeitados por outros batalhões. A
intenção da instituição era boicotar o projeto. O governo do Rio bem que tentou preservá-lo
como a “joia da coroa”, entretanto, sem intervir na PM para remover a resistência e as fontes
do boicote. O autor ainda considera que o governo nunca pensou na possibilidade de
universalizar o GPAE como uma política pública, e desse modo, modificar a polícia, como
também, o governo nunca havia pensado em fazer o acréscimo de políticas sociais nas favelas
em que ocupava.

Em suma, os programas de policiamento baseados na ocupação armada de territórios


em virtude das regras e práticas utilizadas para a prestação do serviço de policiamento, dificil-
mente podem ser qualificados como “comunitários”. Assim, se os moradores desses
territórios não participam do estabelecimento do projeto de ação a ser engendrado apontando
as causas dos problemas dessas localidades e as situações que mais causam a sensação de
insegurança, não se pode qualificar o modelo de policiamento executado como um projeto
“voltado para a comunidade”. Se os moradores das áreas policiadas não são chamados a
opinar a respeito “do desenho das estratégias de intervenção policial, e menos ainda podem
realizar as atividades de monitorização e avaliação da ação policial, o serviço prestado
continua a ser de policiamento, mas não pode ser qualificado de comunitário” (RIBEIRO,
2014, p.304).

Por outro lado, ressalta-se que o desenvolvimento do “policiamento comunitário”


representou fissuras no modelo militarizado hegemônico, que basicamente consiste em
violentas intervenções esporádicas. Apesar de suas imperfeições, esses programas podem ser
interpretados como tentativas de mudanças das práticas policiais violentas. Não cabe aqui
elogiar esses projetos, mas destacar o jogo de tensões no qual estão imersos. Assim, os
inúmeros programas de policiamento permanente acabaram servindo de base para o

69
desenvolvimento da política de pacificação, os detalhes que envolvem esse programa de
segurança serão evidenciados na próxima seção.

70
1.5. As UPPs e as novas formas de controle dos “territórios da pobreza”

O aumento da criminalidade violenta, sobretudo, nas áreas nobres da cidade e a


escolha do Rio de Janeiro como sede da Copa do Mundo e dos Jogos Olímpicos obrigaram o
município a desenvolver novas políticas de segurança e a principal delas foi a implantação das
Unidades de Polícia Pacificadora (UPPs) – projeto desenvolvido pela Secretaria Estadual de
Segurança do Rio de Janeiro a partir de 2011 – em favelas consideradas estratégicas. O
intuito da criação das UPPs – assim como outras intervenções militares anteriores que já
ocorreram na cidade – estava relacionado à diminuição do sentimento geral de insegurança.
Ao invés dos policiais fazerem incursões periódicas nas favelas, eles desenvolveram um
trabalho de vigilância permanente nos territórios contemplados pelo programa (CANO, 2012,
BARREIRA, 2013, GANEM MISSE, 2014).

Assim, a estrutura administrativa da Polícia Militar do Estado do Rio de Janeiro


(PMERJ) é constituída em escala decrescente pelo: Comando de Policiamento de Área (CPA),
que orienta operacionalmente as atividades dos batalhões e Companhias Independentes de
Polícia Militar (CIPM); pelo Batalhão de Polícia Militar (BPM), subdividido em companhias
orgânicas ou destacadas; Companhia de Polícia Militar, que pode ou não ser subdividida em
pelotões; Pelotão de Polícia Militar; e Destacamento de Policiamento Ostensivo /Companhia
de Policiamento Comunitário (GANEM MISSE, 2014).

O decreto que determina as principais diretrizes do “policiamento comunitário” nas


favelas foi publicado no dia 06 de janeiro de 2011. Nele, ficou especificado que as UPPs
tinham como meta preservar a ordem pública por meio da aplicação do policiamento de
proximidade nas áreas designadas para sua atuação. As áreas potencialmente “contempláveis”
pelas UPPs seriam aquelas compreendidas por favelas pobres, com baixa institucionalidade e
alto grau de informalidade, em que a instalação oportunista de grupos criminosos
ostensivamente armados estivesse afrontando o Estado Democrático de Direito. Dessa forma,
a política de pacificação consolidaria o controle estatal de territórios sob forte influência da
criminalidade armada, como também, em tese, devolveria à população local a paz necessária
ao exercício da cidadania plena, garantindo assim, o desenvolvimento tanto da esfera social
quanto econômica. O artigo 2º do referido programa explicita que a pacificação deveria ser
realizada nos “territórios da pobreza” em quatro etapas:

71
I - INTERVENÇÃO TÁTICA - Primeira etapa, em que são deflagradas ações
táticas, preferencialmente pelo Batalhão de Operações Policiais Especiais (BOPE),
pelo Batalhão de Polícia de Choque (BPChoque) e por efetivos deslocados dos CPA,
com o objetivo de recuperarem o controle estatal sobre áreas ilegalmente subjugadas
por grupos criminosos ostensivamente armados;
II - ESTABILIZAÇÃO - Momento em que são intercaladas ações de intervenção
tática e ações de cerco da área delimitada, antecedendo o momento de
implementação da futura UPP;
III - IMPLANTAÇÃO DA UPP - Ocorre quando policiais militares especialmente
capacitados para o exercício da polícia de proximidade chegam definitivamente à
comunidade contemplada pelo programa de pacificação, preparando-a para a
chegada de outros serviços públicos e privados que possibilitem sua reintegração à
sociedade democrática. Para tanto, a UPP contará com efetivo e condições de
trabalho necessários ao adequado cumprimento de sua missão;
IV - AVALIAÇÃO E MONITORAMENTO - Nesse momento, tanto as ações de
polícia pacificadora, quanto às de outros atores prestadores de serviços públicos e
privados nas comunidades contempladas com UPP passam a ser avaliados
sistematicamente com foco nos objetivos, sempre no intuito do aprimoramento do
programa (DIÁRIO OFICIAL, 2011).

A experiência-piloto das UPPs foi desenvolvida na Favela Santa Marta, em 2008. Nos
anos seguintes houve uma significativa expansão dessa política de segurança: em 2009 –
Cidade de Deus, Jardim Batan, Babilônia, Chapéu Mangueira, Pavão-Pavãozinho e
Cantagalo; 2010 – Ladeira dos Tabajaras/Cabritos, Providência, Borel, Formiga, Andaraí,
Salgueiro, Turano, Macacos; 2011 – São João, Quieto e Matriz, Coroa, Fallet e Fogueteiro,
Escondidinho e Prazeres, Complexo de São Carlos, Mangueira; 2012 –Vidigal, Fazendinha, Nova
Brasília, Adeus/Baiana, Alemão, Chatuba, Fé/Sereno, Parque Proletário, Vila Cruzeiro, Rocinha;
2013 - Manguinhos, Jacarezinho, Caju, Barreira/Tuiuti, Cerro-Corá, Arará/Mandela, Lins,
Camarista Méier, e 2014 - Mangueirinha e Vila Kennedy. 12

Para José Mariano Beltrame (2013), então Secretário de Segurança do Rio de Janeiro,
as UPPs fizeram parte de um programa que colocaria o “fim” no controle armado do tráfico
de drogas, instituindo dessa forma, a diminuição das “balas perdidas”, o que seria motivo de
comemoração para moradores da favela, como também, do “asfalto”,

Ou é UPP ou é a velha lógica do fuzil na favela. Todos sabemos quais são os efeitos
das UPPs no curto prazo. O morador do morro fica aliviado e o do “asfalto”, muito
feliz com o fim dos tiros. Mas isso é apenas uma anestesia para a cirurgia maior. A

12
Dados correspondentes à instalação das unidades até 2016. UPP Rio – Disponível em: <http://www.upprj.
com/index.php/o_que_e_upp>. Acesso em: 13/09/2016 às 19:40.
72
grande questão que ainda está mal resolvida é o que o Rio quer fazer das UPPs no
longo prazo. Daqui a 20 anos o que será da favela? A reconquista do território é uma
janela de oportunidade para a transformação daquele espaço público (BELTRAME,
2013, p.01).

Cabe aqui destacar que desde a década de 1980, as políticas de segurança estavam
pautadas na metáfora da guerra – representação de uma cidade que vive em um estado
excepcional de guerra, e que demanda também medidas excepcionais e estranhas à
normalidade democrática, em que o argumento da eficiência se sobrepõe a tudo, absolvendo
assim, “políticas e forças de segurança pública dos “acidentes de percurso” inevitáveis em um
confronto de tal envergadura (LEITE, 2000, p.74). Desse modo, a “solução final” para guerra
estaria contida na eliminação do inimigo.

Já com as UPPs, as políticas de segurança relacionadas com o projeto de “pacificação”


sofreram uma inflexão, buscaram instituir um processo civilizatório, isto é, fazer com que o
“favelado” retirasse a favela de si por meio de mecanismos de gestão da vida (LEITE, 2012 e
2015), muito embora, os métodos violentos não fossem totalmente abandonados. A pretensão,
portanto, “seria levar a “paz” aos territórios antes dominados pela “guerra”, na qual, diga-se
de passagem, a polícia sempre teve participação ativa, como é evidenciado pela crônica
jornalística e por dados estatísticos sobre a violência no Rio de Janeiro” (CUNHA e MELLO,
2011, p. 373).

Mas que impacto a implantação das UPPs teve na incidência criminal dos “territórios
da pobreza”? No estudo “Os donos do morro: uma avaliação exploratória do impacto das
Unidades de Polícia Pacificadora do Rio de Janeiro”, Inágcio Cano (2012) analisou o impacto
direto no crime manifestado dentro das favelas atendidas, comparando a incidência criminal
antes e depois do programa nas 13 primeiras UPPs instaladas, entre os anos de 2008 e 2010.13
O trabalho foi efetuado a partir da análise do banco de dados de todos os Registros de
Ocorrência da Polícia Civil na cidade do Rio de Janeiro para determinados crimes, obtidos
junto ao Instituto de Segurança Pública (ISP). Os crimes contemplados foram os de mortes
violenta, que incluem os seguintes tipos de ocorrência, conforme os códigos dos Registros de
Ocorrência da Polícia Civil do Rio: (a) homicídio doloso; (b) homicídio por auto de
resistência, ou seja, produto da intervenção policial; (c) lesão corporal seguida de morte; (d)

13
As primeiras 13 UPPs contempladas nesta análise são as seguintes: Andaraí, Batam, Borel, Chapéu-
Mangueira/Babilônia, Cidade de Deus, Santa Marta, Formiga, Macacos, Pavão/Pavãozinho/Cantagalo,
Providência, Salgueiro, Tabajaras e Turano (CANO, 2012).
73
roubo seguido de morte; (e) estupro ou atentado violento ao pudor seguido de morte; (f)
encontro de cadáver; (g) encontro de ossada.

Os resultados da pesquisa evidenciaram que na comparação ao período anterior e


posterior à entrada das UPPs, o número de mortes violentas experimentou uma redução de
quase 75%. A redução para os homicídios dolosos foi mais moderada, enquanto a redução
para as mortes em intervenções policiais, foi mais intensa, passando a quase zero. Assim,
houve uma redução notável das mortes violentas e, dentre elas, especialmente aquelas
decorrentes de intervenção policial. Os roubos experimentaram uma diminuição de mais de
50%, enquanto todos os outros crimes sofreram um aumento considerável – lesões dolosas,
ameaças e crimes relativos a drogas crescem exponencialmente. Os furtos aumentaram de
modo expressivo, embora os roubos tivessem diminuído. Enfim, houve uma grande redução
dos crimes armados e um aumento dos registros de outros crimes (CANO, 2012).

“Olha, as UPPs nos três primeiros anos deram muitos resultados” disse Loreto (nome
fictício. Pesquisa de campo, 2016), morador do Complexo do Alemão. Ele acredita que a
implantação da base da polícia pacificadora no Alemão aumentou a “sensação de segurança”
no território, mas tal estado sensitivo durou pouco tempo. Em relação à avaliação dos efeitos
práticos das UPPs, Machado da Silva (2015) avalia que as percepções relativas a esse
programa de segurança poderiam ser divididas entre grupos sociais distintos: a) os críticos,
que consideram que enquanto a gramática da violência urbana não fosse pautada pela
linguagem dos direitos, não se poderia acreditar em um mudança na atuação policial; b) os
defensores, que mesmo tendo críticas ao projeto, avaliavam de forma positiva a redução das
mortes e a manutenção progressiva da ordem pública.

Soares (2017) afirma que as experiências do programa de pacificação foram por “água
abaixo” a partir de 2013 e o grande símbolo dessa virada foi o assassinato do Amarildo, pois
esse caso mostrou que a polícia estava agindo como sempre agiu. Como bem evidencia
Foucault (2008a), o surgimento de novos mecanismos de segurança, não faz com que os seus
predecessores simplesmente desapareçam.

O caso do desaparecimento de Amarildo desdobrou-se na mobilização discursiva


“Cadê o Amarildo?” que, por sua vez, conseguiu adquirir uma enorme visibilidade em todo o
país. O “caso Amarildo” 14
se refere ao emblemático sumiço de um pedreiro que morava na

14
A juíza da 35ª Vara Criminal da Capital, condenou 12 dos 25 policiais militares denunciados pelo desaparecimento
e morte do ajudante de pedreiro Amarildo de Souza, crime ocorrido em julho de 2013, na Favela da Rocinha, Zona Sul
74
Favela da Rocinha, localidade essa que possuía até então uma base da UPP. Na noite do dia
14 de julho de 2013, Amarildo foi preso após regressar da Barra da Tijuca. Tal prisão foi feita
por policiais militares da UPP da Rocinha, sem mandado judicial, em uma operação chamada
“Paz Armada”. Conforme a polícia, à época, os policiais militares teriam confundido
Amarildo com um traficante de drogas. Em entrevista concedida a Rocha (2016), Elizabete
Gomes da Silva, esposa de Amarildo, narrou com precisão o momento do desaparecimento do
seu marido:

Ele (Amarildo) estava em casa, tinha acabado de chegar da pescaria. Meu marido...
ele chegou... foi o seguinte: dia 14 do mês sete, o Amarildo como sempre, pedreiro,
saia de manhã e chegava de noite, de segunda a sexta, pra trabalhar na obra que ele
era pedreiro. Ele tinha o vício de pescar todo final de semana. O vício que ele tinha
era de pescar. O que acontece, quando chegou no dia 14, que foi num domingo, ele
foi pescar, então, quando ele chegou da pescaria, ele chegou da pescaria numa base
de 7h40, por aí, não tinha polícia nenhuma, assim... onde eu moro não tinha polícia
nenhuma. Aí, ele chegou botou a mochila dentro de casa e falou assim pra mim:
Bete, pega uma panela aí pra mim limpar os peixes. Limpou os peixes assim como
você, sentada na escada, do lado da casa da minha cunhada, do meu cunhado. Nem
limpou o peixe em casa, limpou na porta de casa, da casa do irmão dele. Aí limpou
os peixes todos e entrou pra dentro de casa pra botar os peixes na geladeira. Quando
ele saiu da cozinha até a sala, porque a minha casa era dois cômodos, quando ele
veio da cozinha até a sala, apareceram dois policiais na minha porta, olhou pra mim,
olhou pra ele, normal, porque a gente vê polícia toda hora passando na nossa porta,
só que ele parou na minha porta e olhou pra mim e Amarildo e não falou nada, nada.
Amarildo falou assim pra mim na hora que eles olharam, ele falou assim pra mim:
Bete tô indo buscar um limão... tô indo comprar um limão e um alho pra temperar...
(...) Ficaram só na porta, mas também não falou nada, como eu tô te falando.
Normal, a gente vê toda hora polícia passar... aqui é que eu não vejo, mas lá
embaixo a gente vê todo dia eles passar. Aí o Amarildo falou que ia comprar o alho
e limão pra temperar o peixe e passou perto deles pra ir comprar e eles também não
falaram nada com o Amarildo. Só foram atrás, desceram atrás. Quando chegou lá no
bar, tinha mais policiais esperando ele. Porque eu só tinha visto aqueles dois, mas aí
a minha vizinha correu e falou assim pra mim: Bete, corre que os policiais estão
levando o Amarildo. Entendeu? Só que eu corri, só que quando eu corri, não vi mais
eles. Eles já tinham ido pra sede da UPP já, com ele (Entrevista 17/07/2015,
ROCHA, 2016, p.14-15).

Contudo, para tristeza de Elizabete, após o seu marido ser levado para sede da UPP,
ele foi vítima de uma sessão de tortura, que contou com choques elétricos, afogamentos e
asfixia. Após a sessão de tortura levar o pedreiro à morte, o então major Edson Raimundo dos
Santos (hoje condenado e preso), instruiu os policias da corporação a envolverem o corpo em

do Rio. Os PMs foram condenados pelos crimes de tortura seguida de morte, ocultação de cadáver e fraude processual.
G1.Caso Amarildo. Juíza condena 12 dos 25 policiais militares. Disponível em: < http://g1.globo.com/rio-de-
janeiro/noticia/2016/02/caso-amarildo-juiza-condena-13-dos-25-policiais-militares-acusados.html> Acesso em
13/09/2016 às 21:35.
75
uma capa de motocicleta da PM e o levarem para um “local não apurado” (REVISTA PIAUÍ,
2017)

Conforme Rocha (2016), o enunciado “Cadê o Amarildo?” conseguiu amplificar o


discurso de luta que recusa a histórica desqualificação social dos grupos subalternos no país.
Constituída por três palavras, uma pequena frase interrogativa conseguiu abranger a
substância de todos os embates contra a violência perpetrada aos moradores de favelas e a
cada repetição ela incorpora novos contextos situados e se resignifica. No começo, a
expressão representou a dor e da indignação de uma família e uma favela pelo
desaparecimento de um dos seus membros, posteriormente, o grito de “Cadê o Amarildo”
ganhou novas significações, projetou-se para o futuro e alcançou a permanência de sua
circulação, tornando-se assim, o espaço para ecoar tantas outras dores, do presente e do
passado. “Como disse sua esposa à imprensa no dia da manifestação pelos dois anos do seu
desaparecimento: Eu pergunto: cadê os Amarildos de ontem, de hoje e do Brasil?” (ROCHA,
2016, p. 107).

Figura 08 – O rosto do Amarildo

A imagem mostra Elizabete Gomes da Silva, a viúva do Amarildo, segurando uma imagem com o rosto do
pedreiro vitimado pelos policiais da UPP Rocinha.
Fonte: Agência Brasil/ Revista Piauí (2017)

76
A forma que os familiares do Amarildo encontraram para que a morte do pedreiro
fosse passível de ser lamentada, foi exibir o rosto do vitimado nos meios de comunicação de
massa (ver Figura 08). Por meio dos estudos de Emmanuel Levinas em relação à “noção do
rosto”, Judith Butler (2011) afirma que o rosto daquilo que é chamado de “Outro” se impõe
como uma questão ética, “mesmo sem sabermos ao certo o teor dessa demanda” (BUTLER,
2011, p. 16). O rosto representaria a vocalização sem palavras do sofrimento do Outro.
Portanto, responder e entender o significado do rosto quer dizer despertar para aquilo que é
precário em outra vida ou, antes, aquilo que é precário à vida em si mesma.

77
1.6. Biopolítica da pacificação e seus efeitos de subjetividade

Vanessa Andrade (2013) cunhou o termo “biopolítica da pacificação” para elucidar os


meandros dessa política de segurança. A expressão “biopolítica” foi utilizada por Foucault
(2008b) para explicar o modo pelo qual o poder tende a transformar-se, entre o fim do século
XVIII e começo do século XIX, a fim de governar não somente os indivíduos por meio de
procedimentos disciplinares, mas o conjunto das pessoas que constituem uma população. Por
meio de biopoderes, a biopolítica se ocupará da gestão da saúde, da alimentação, da higiene,
sexualidade, natalidade, pois tais elementos se tornaram preocupações políticas.

Entretanto, conforme Revel (2005), a noção de biopolítica em Foucault também


permite outra interpretação: nos primeiros textos onde aparece o termo, ele parece estar ligado
ao que os alemães chamaram no século XIX de Polizeiwissenschaft, isto é, “a manutenção da
ordem e da disciplina por meio do crescimento do Estado” (REVEL, 2005 p. 27). Nessa
perspectiva, a biopolítica da pacificação objetivou a manutenção da ordem por meio da
regulação do comportamento dos moradores de favelas e da vigilância sistemática de corpos,
produzindo assim, subjetividades afeitas a um novo “projeto de cidade”.

Mas para que regime de manutenção da ordem fosse instaurado com o


desenvolvimento do processo de pacificação, medidas preliminares foram adotadas, pois
antes da construção das bases definitivas das UPPs, acontecia uma ocupação militar feita
pelos policiais do BOPE. Essa ocupação preliminar tinha o intuito de apreender drogas, armas
e prender os indivíduos que estavam com mandados de prisão decretados, ou seja, “limpar” o
terreno para a “entrada da futura unidade de policiamento. As primeiras ocupações realizadas
pelo BOPE aconteceram de forma inesperada, aparentemente sem nenhum aviso prévio,
provocando surpresas tanto para os criminosos” quanto para o restante dos moradores
(CARVALHO, 2013, p. 293).

Cabe aqui destacar que as ações do Bope são revestidas com grande brutalidade e
violência. Como salienta Batista (2011), os policiais desse agrupamento costumam invadir
casas, carros, matar traficantes e moradores que consideram suspeitos, deixando assim, um
imenso rastro de sangue por onde passam. A brutalidade representa a marca principal do
BOPE e a reiteração das práticas sanguinolentas, uma rotina nas favelas cariocas. No dia 07
de outubro de 2017, por exemplo, dois jovens foram mortos por policiais e outras seis pessoas

78
foram baleadas durante ação do BOPE na Cidade de Deus, na zona Oeste do Rio, sendo que
os moradores reclamaram que eles invadiram as casas sem mandado judicial. Tudo começou
quando os policiais invadiram o baile funk que acontecia na favela por volta das 4h15. “Os
policiais do Bope entraram aqui [...] Um menino aqui, que estava correndo só porque ele não
parou, meteram um tiro nas costas dele. E ainda comemoraram: aí, tombou, tombou” relatou
uma moradora da Cidade de Deus (PONTE, 2017).

Como bem explica Foucault (2005), apesar do Estado moderno ser enquadrado dentro
da perspectiva do biopoder, em que serão executadas técnicas que promovam a vitalidade da
sua população, o biopoder parece também comportar ações do antigo poder soberano que
visavam produzir mortes. O que torna possível tal operação paradoxal – produzir mortes ao
invés de vidas – é o racismo de Estado, que por sua vez, possui duas funções. A primeira
representa a negatividade, com a realização de uma separação daqueles que devem morrer,
daqueles que devem viver. Já a segunda função, apresenta uma função positiva: para que uma
raça sobreviva é preciso que a outra morra. Desse modo, o BOPE realiza a “triagem das
raças” por meio do uso do poder soberano de produzir morte. O agrupamento militar mata
aqueles considerados sujeitos descartáveis em nome da sobrevivência da população carioca,
para que assim, “a paz reine na cidade”.

Por algumas semanas, o pesquisador se hospedou em hostels situados no Pavão


Pavãozinho e no Morro dos Cabritos/Ladeira dos Tabajaras, como também, foram efetuadas
visitas periódicas na Favela Santa Marta e no Complexo do Alemão15. Destarte a
complexidade que envolve a análise dessa política de segurança que atua na gestão da
população e de territórios (FOUCAULT, 2008a), tem-se a partir de agora uma questão: que
efeitos de subjetividade o policiamento permanente provocou nas favelas cariocas?

Antes de tudo, torna-se relevante destacar que o histórico de cada favela e o estilo de
gestão das UPPs locais são centrais para entender os conflitos e as interações entre moradores
e policiais. As favelas não têm as mesmas histórias e formações, e que não há homogeneidade
entre as lógicas de ação de oficiais e praças das UPPs, sendo assim, não é possível generalizar
a avaliação dessa política de segurança. As ações policiais das UPPs costumavam variar de
acordo com o comandante, a favela ocupada e a cooperação obtida pela polícia junto aos
moradores (ZALUAR, 2014). Neste sentido, considerou-se que as relações entre policiais,
moradores e traficantes são flutuantes. Se anteriormente estavam bastante marcados os papéis

15
As visitas e hospedagens foram feitas entre 2015 e 2017.
79
de cada um, se antes os lados dos bons e maus “eram bem delineados, a entrada das UPPs
parece modificar algumas destas relações por meio de novos dimensionamentos políticos,
geográficos e estratégicos. Aquilo que estava legitimado e naturalizado” passou a estar em
suspensão (MELICIO et al. 2012, p. 609).

Assim, a primeira percepção que se pode destacar, é que os moradores de uma maneira
geral não gostam de falar sobre a UPP. Eles sempre responderam de maneira difusa, não
revelando muitos detalhes do que se passa na favela. Não foi incomum o pesquisador ouvir a
seguinte frase ao abordar um morador: “Sobre a pacificação eu não falo”. O silêncio dos
moradores denotou uma ação de autodefesa, buscaram assim, não ter nenhum tipo de
comprometimento em relação aos policiais e traficantes.

Na Favela Santa Marta, apesar do “silêncio”, foi possível evidenciar que desde a
instalação da UPP em dezembro de 2008, a favela ficou muito tempo sem conviver com
tiroteios. Muitos moradores relataram que havia um clima de tranquilidade com a pacificação.
Entretanto, em março de 2016 aconteceu o primeiro homicídio no território após a
implantação do referido programa de segurança. Os policiais da UPP mataram uma pessoa
que na visão dos mesmos estava em situação suspeita dentro da mata (G1, 2016).

A partir desse episódio, a situação na favela começou a degringolar. Em novembro de


2016, traficantes arrombaram o cadeado de uma base da UPP e arremessaram para dentro do
imóvel um artefato de fabricação caseira. No momento do ataque, não havia nenhum PM. Um
armário utilizado pelos policiais “foi destruído pelo fogo, e os vidros das janelas ficaram
quebrados. O ato, de acordo as primeiras investigações, foi em represália a um confronto que
havia ocorrido pouco antes na região, deixando um homem ferido” (O GLOBO, 2016). Já em
setembro de 2017, os ataques foram mais contundentes, pois criminosos que não foram
identificados, atiraram contra policiais da UPP que faziam patrulhamento na Favela
Santa Marta. Conforme o comando da UPP, os militares não revidaram os tiros e ninguém
chegou a ficar ferido (O DIA, 2017).

O crescimento dos conflitos da favela foi acompanhado por críticas contundentes


(2015), como essa: “Essa UPP em Santa Marta aqui é só fachada, é só para maquiar para
turista, isso aqui é só maquiagem. Lá em Santa Teresa você não vê nem a plaquinha, você vê
traficante atravessando com o fuzil normalmente, é tudo maquiagem pra gringo”16

16
Morador da Favela Santa Marta, negro, 32 anos. Pesquisa de campo, 2015).

80
Em 2017, uma idosa de que mora na favela disse ao pesquisador que a “paz acabou” e
que os tiroteios estavam acontecendo a todo momento e recomendou que “ninguém visite a
favela”,

Agora os traficantes estão trocando tiro com a polícia. De manhã e de tarde. Não dá
nem para trabalhar. Passou até na televisão. Você não escutou não? Você não vê RJ
não? A gente tava no céu e não sabia. Agora só tem a polícia matando ai, os nego ...
(a polícia) matou dois. Os traficantes voltaram a vigiar a favela de fuzil. Voltou
tudo. A gente ficou sete anos sem tiro, sem nada. Passou sete anos virou o diabo, o
inferno. A gente nem dorme direito. Os confrontos acontecem a toda hora, é só eles
“darem de cara” com os “homens” (polícia). Um policial jurou de morte dois garotos
da comunidade... ele disse: “Antes de chorar a minha mãe, quem vai chorar é a mãe
deles”. (P., negra, 69 anos. Pesquisa de campo, 2017).

Se nos últimos tempos a Favela Santa Marta tem se configurado em um ambiente


conflituoso, nas favelas do Pavão Pavãozinho e Morro dos Cabritos, a dinâmica não é muito
diferente. Assim, um dos moradores do Morro dos Cabritos deu a seguinte afirmação sobre a
chegada da UPP, em 2015: “E achei que no início foi uma coisa bem bacana. Pra gente que
tem filho, quer ver nossos filhos crescerem, poder deixar as crianças brincarem ali na rua.
Hoje em dia, já não pode mais. Porque tá voltando aquele clima chato, né (tiroteio)”17.

Em um dos dias que o pesquisador estava transitando por essa favela, foi possível
presenciar uma operação da polícia militar. Os agentes públicos estavam percorrendo a mata
em busca dos traficantes. Essas ações da polícia geram um clima de grande apreensão na
favela. Uma moradora que estava descendo o morro de kombi junto de sua filha disse: “É
sempre assim, eles fazem essas buscas bem na hora em que a gente está saindo para o
18
trabalho, isso é revoltante, vai que sobra bala pra gente!” . Ao mesmo tempo em que
reclamava, a mãe tentava acalmar a filha de colo, que se mostrava apavorada, em virtude do
barulho do helicóptero da polícia.

No Pavão-Pavaozinho, percebeu-se um clima de tensão também. O pesquisador


conversou com uma funcionária do hostel em que estava hospedado e que mora na localidade.
A fala dela sobre a favela era difusa, dizia que o local era tranquilo, mas que “vira e mexe” a
polícia faz uma varredura na favela, o foco seria os garotos que vendem drogas e que praticam
arrastão nas praias da Zona Sul. Ela afirmou que o início do morro (parte baixa) costuma ser
tranquilo, já a parte mais complexa e perigosa fica no topo da favela, onde disse que costuma

17
Morador do Morro dos Cabritos, negro, 36 anos. Pesquisa de campo, 2015.
18
Moradora do Morro dos Cabritos, negra, 32 anos. Pesquisa de campo, 2015.
81
ouvir tiros partindo de lá. Os moradores acreditam que o fato de a favela estar situada próxima
a um bairro nobre propicia duas vantagens: a primeira seria uma frequência menor de
homicídios e a segunda, seria a impossibilidade de ocorrer invasões por parte de traficantes de
outros morros,

(Sobre a invasão de traficantes) Aqui é uma vez ou outra, porque tem o Forte de
Copacabana, tem muito milico. Lá no Alemão tem muita invasão de outros morros e
outras quadrilhas, aqui não pode ter isso. Aqui mora muita gente, muito bacana, de
classe média pra alta. Então não tem como ter nego toda hora querendo invadir aqui,
não tem. A última que teve foi lá no Tabajaras e foi mais de cinco anos. Da Rocinha
vieram para Siqueira Campos, vejam só como é que é (Morador do Pavão-
Pavãozinho, negro, 55 anos, Pesquisa de Campo 2016).

Em 2015, um assassinato ocorrido na favela teve grande repercussão nos meios de


comunicação. O dançarino do programa Esquenta, da Rede Globo, conhecido como DG, foi
morto por um disparo de um policial militar. Esse caso provocou grande comoção na
localidade, gerando fortes protestos. A Avenida Nossa Senhora de Copacabana, uma das
principais do bairro de Copacabana, teve o trecho entre as ruas Almirante Gonçalves e Sá
Ferreira completamente interditado pelas barricadas montadas com fogo. A confusão também
provocou o fechamento do Túnel Sá Freire Alvim, de lojas e de um dos acessos à estação do
metrô General Osório (O GLOBO, 2015). Posteriormente, o policial militar que atirou em DG
foi indiciado por homicídio, outros seis PMs que participaram de forma indireta da ação
também foram indiciados por falso testemunho e prevaricação19(G1, 2015).

No dia 10/10/2016 uma intensa troca de tiros na Favela Pavão-Pavãozinho causou pânico
e fechou o comércio da favela e em ruas dos bairros de Ipanema e Copacabana. No confronto
ocorrido entre policiais do Batalhão de Choque e traficantes, o resultado foi trágico: três PMs
feridos e três traficantes mortos. Os moradores do local compartilharam nas redes sociais um
vídeo que evidenciava o momento exato em que um dos traficantes foi alvejado por tiros lançados
a partir do helicóptero da PM. Como resultado, o traficante despencou do alto da encosta do
Cantagalo. Essa imagem teve grande repercussão nacional. A consequência dessa operação em
Copacabana foi tão impactante, que o então Secretário de Segurança Pública do Estado – José
Beltrame – pediu exoneração do cargo que ocupava há mais de nove anos. Beltrame alegou que

19
Prevaricação: crime praticado por funcionário público.
82
estava cansado e que já não possuía mais condições de garantir a segurança dos polícias e por
isso, não acharia justo pedir para os mesmos que realizassem operações nas favelas (G1, 2016).

Ainda no Pavão-Pavãozinho, em um dos dias em que o pesquisador estava se


preparando para sair do hostel, em 2016, o faxineiro do estabelecimento enunciou o seguinte:
“Eu não disse pra você que tem dois tipos de policiais, os que gostam de dinheiro e os que
gostam de sair atirando? Ontem veio os que gostam de sair atirando”. Ele ainda completou:
“Olha, ontem aconteceu tudo de novo, mais uma operação da polícia”20. O faxineiro disse
que passou o maior sufoco no morro porque os policiais entraram na favela apontando a arma
para os moradores e com o dedo no gatilho, sendo que ele retrata essa situação como
“desesperadora”. O morador considerou que passou por um “dia de sorte”, já que não ocorreu
nada grave com ele e seus conhecidos.

O faxineiro relatou que em uma oportunidade a PM21 subiu até a quinta estação do
plano inclinado (espécie de bonde), desceu até a terceira plataforma e “já saiu atirando” nos
traficantes. Ele considera essa situação um absurdo porque os policiais poderiam atirar em
inocentes, isto é, moradores que não possuem vínculo com o tráfico. Notou-se então, que a
morte de traficantes não causa grande comoção nas favelas, seria como se eles tivessem que
assumir o risco da conduta que executam.

Se nas favelas da Zona Sul carioca a situação não é nada favorável, no Complexo do
Alemão o cenário é ainda mais alarmante. Os moradores convivem com frequentes tiroteios e
ainda têm que lidar com atitudes hostis por parte dos policiais. Em fevereiro de 2017, policiais
da UPP passaram a invadir as casas dos moradores com o intuito de utilizá-las como base de
observação no combate aos traficantes da localidade. Integrantes da Defensoria Pública do
Estado do Rio de Janeiro, da Comissão de Direitos Humanos da Ordem dos Advogados do
Brasil (OAB) e da Comissão de Direitos Humanos da Assembleia Legislativa do Estado do
Rio de Janeiro visitaram a favela para averiguar essa situação vivida pelos residentes do local.
Contudo, o grupo teve uma recepção violenta por parte dos policiais da UPP, que passaram a
atirar para o alto, como forma de intimidar os mesmos. Em um dos vídeos feitos pela
Defensoria Pública do Rio e que foi veiculado em plataformas digitais, evidenciou-se uma
moradora do Alemão subindo as escadas do terraço de sua casa, e no alto, um policial militar
aparecia com um fuzil na mão ao mesmo tempo em que segura o celular na outra. “Eles

20
Morador do Pavão-Pavãozinho, negro, 49 anos. Pesquisa de campo, 2016.
21
O morador não especificou o agrupamento militar do qual o policial pertencia.
83
falaram que podíamos espernear, gritar, fazer o que quiséssemos, que eles não iam sair, que
iam ficar até ver o que iriam fazer”, relatou a moradora no vídeo em questão (EBC, 2017).

Com o tempo, os mecanismos de vigilância da favela foram aperfeiçoados. Em 2015,


começaram a construção bunckers (ver Figura 9) na UPP Nova Brasília, no Complexo do
Alemão (que no total possui 5 UPPs). Os bunkers se referem a uma construção sem janelas,
com paredes brancas reforçadas por concreto grosso e pequenos buracos. Essas aberturas
servem para os policias observarem o que se passa do lado de fora, como também, servem de
base de apoio para seus respectivos fuzis, sempre direcionados aos moradores. “Isso é área
residencial. Me sinto ameaçada. Você gostaria de ter um fuzil atirando para todos os lados
no seu quintal, a esmo? Tenho medo que façam algo” relatou uma das moradoras do
Complexo do Alemão (FOLHA ON LINE, 2015).

Figura 09: Imagem do Bunker da UPP no Complexo do Alemão

Fonte: Folha (2015)

Um dos moradores do Complexo do Alemão entrevistados pelo pesquisador relatou


sob seu ponto vista, o que acontecia no território (em 2016). Loreto22 atribuiu a “situação
caótica” e violenta no Alemão ao comportamento dos jovens traficantes e ao péssimo

22
Nome fictício, 46 anos, negro, morador do Alemão. Pesquisa de campo, 2016.
84
treinamento dado aos policiais militares. Ele disse que “hoje você tem menores com uma arma
pesada na mão e do nada eles cismam que tem que atirar. Fazer o que? Quem tá no meio,
quem está circulando morre”.

O morador afirma que o momento em que ocorrem os tiroteios é uma “coisa


assintomática”, pois sempre que a favela parece estar tranquila, de repente acontece alguma
coisa e começa um “ra- t -tá” (tiros). Ele evita andar pelos becos o máximo possível porque
“do nada aparece a polícia passando e os caras largam o aço e a polícia revida”. Ele
também teceu muitas críticas em relação aos PMs, classificando-os como despreparados para
a função,

(Os policiais são) péssimos profissionais, mal qualificados, eu nunca vi na minha


vida policial militar ficar com zap em pleno serviço, eu nunca vi isso. Mas acontece.
Eu não sei se eles são treinados pra isso. Não sei o que acontece na cabeça de um
militar. E outra coisa, o cara vai trabalhar como um policial militar, ele sabe é que
grau de risco, ele não está ali jogando game. Bicho, eu tô com a minha vida em
risco. Por que eu vou estar lá com um zap, respondendo coisa lá com a namorada?
Isso não existe, na cabeça do ser humano isso é ilógico. A primeira ação sua deve
ser se proteger. Como vou fazer isso? Se colocar em um lugar onde eu supostamente
não vou ser atacado. Se você está armado de farda você é alvo. Então de cara você
não vai ficar com o telefone na mão. Você vai estar olhando 360 graus, são duas
pessoas. Então você passa está lá um militar que supostamente foi treinado pra te dar
segurança jogando game. Para! A UPP é uma Unidade Pacificadora da Polícia, essa
unidade segundo eu ouvi falar, não foi treinada para esse tipo de coisa (Loreto,
Morador do Complexo do Alemão. Pesquisa de campo, 2016).

Os primeiros policiais da UPP que chegaram ao Complexo do Alemão eram recém-


formados. Loreto considera que eles vieram por acharem que a favela estava pacificada, sem
tráfico. “Eles não foram treinados, continuaram achando que estão no game. Daí morre. Tem
que treinar os garotos pra fazer guerrilha urbana porque se eles não tiverem um treinamento
de guerrilha urbana, eles vão morrer. E é o que está acontecendo”. O morador acredita que
pela falta de treinamento o policial fica atirando a esmo pela favela, e possuem péssima
pontaria. “Se eles tivessem feito o seguinte: olha a partir de hoje vocês vão ter um
treinamento “x” até para saber manusear isso daqui (arma), proteger-se, atirar seria em
última instância”.

Para meu interlocutor, acontece uma espécie de naturalização da violência no


Complexo do Alemão, pois os moradores estão habituados aos tiroteios. “Porque o nosso
morador do complexo sempre teve acostumado com tiros, a verdade é essa. Então o tiro come
e ele está ali no barzinho jogando a carta dele, a mulher vai passando pelo meio da rua”.

85
Loreto ainda destacou: “Eles não têm a educação de sair para se proteger”. Como os tiros se
referem a um acontecimento corriqueiro, ele afirma que os moradores dizem: “Ah isso não vai
pegar em mim não”.

Ainda conforme Loreto, a polícia fica “maluca” com essa situação, porque os
moradores caminham tranquilamente em meio aos tiros cruzados e dispara duras críticas aos
mesmos: “Uma boa parte é por causa do treinamento deles sim e uma boa parte é culpa do
morador que não liga pra isso aí. Então em qualquer comunidade, a bala come e você já
encosta do lado de cá, não fica ninguém no meio da rua, aqui não.” Quando eu pergunto se
tem alguma diferença de tratamento entre o policial da UPP e para os outros policiais, ele
responde de maneira enfática: “Nenhuma! Eles deveriam ter uma relação melhor com os
moradores, começando por um “bom dia, tudo bem? O policial é como se fosse uma sombra,
um poste, o nego passa e nem olha na cara dele. É como se fosse uma figura inexpressiva”.

Apesar de tudo, outros moradores do Complexo do Alemão com quem o pesquisador


conversou relataram o tratamento dados pelos policias da UPP é um pouco melhor em relação
aos “policiais de antigamente”. Mas essa melhora de panorama não evita o incômodo que a
vigilância e abordagem dos policiais causam no dia-a-dia. “A vigilância causa muito
incômodo, [...] não sabem fazer isso, não é deles. Você pode exercer a sua função de poder,
sem precisar ser grosso. O cara já chega e fala: Documento! Mas cadê o seu bom dia?”,
disse Loreto.

A fala de Loreto aponta que existia uma expectativa no Complexo do Alemão de que a
UPP representasse um modelo inovador de polícia, mas que isso não aconteceu, porque os
policiais “não foram treinados de maneira adequada”. Assim, foi possível evidenciar também
que existem dois discursos rivalizando na fala do Loreto que sintetizariam uma disputa entre o
“ethos civilidade” e o “ethos guerreiro”: a) a UPP deveria ser uma polícia de proximidade,
que diz “bom dia, como vai senhor”; b) o policial da UPP está em guerra e deve estar sempre
alerta e não “vendo zap”. Assim, ao mesmo tempo que critica, o morador assume a “lógica da
guerra” e utiliza tal perspectiva para julgar o policial.

Pedro 23
– morador da Favela Santa Marta – também relatou (em 2015) que os
moradores reclamam da vigilância sistemática dos policiais da UPP Santa Marta. “Às vezes os
policiais revistam três vezes. Mas tem alguma coisa com o cara? Por que essa insistência?
Por que tem a revista em uns e outros não”. O fuzil é algo que causava incômodo também,

23
Nome fictício, negro, 40 anos, Morador da Favela Santa Marta. Pesquisa de campo, 2015.
86
Pedro disse que antigamente a arma ficava na mão do bandido, mas agora está com a polícia.
“Só mudou, né!”, disse ele.

Eles cismam com “n” coisas. Vê um negro já acha que é bandido. Vê se você tá
arrumado ou se tá sujo. Se está sujo, eles discriminam pela pobreza. Acham que
roubou. Mas não, eu trabalho, tenho nota fiscal, viajo, trato com muita educação.
Aprendi sempre assim, nunca bate de frente. Sempre “quebro” eles na educação, traz
ele pra você (Pedro, morador da Favela Santa Marta. Pesquisa de Campo, 2015).

A vigilância sistemática não é feita somente com o olhar e a revista do policial, mas
sim, com outros recursos tecnológicos. Segundo Fleury (2012), a política de segurança de
ocupação militarizada se referiu a uma imposição de uma ordem ostensivamente armada, com
vistas a intimidar qualquer possibilidade de retorno à desordem anterior, na vigência do
domínio dos traficantes. Para atender esse objetivo foram instaladas câmeras de vigilância em
vários pontos da Favela Santa Marta, o que contou com forte resistência inicial dos moradores
devido a invasão de privacidade. Os moradores de favela, por sua vez, “retrucaram” e
passaram também a filmar as ações policiais.

Figura 10 – Imagem referente ao uso de celulares por parte de moradores e policiais no


registro das cenas de conflito

Policiais sendo fotografado pelos moradores e ao mesmo tempo fotografando.

Fonte: Menezes (2015)

87
Na imagem à esquerda da Figura 10, há a presença de aparelhos fotográficos, em que
o policial fotografa a cena do crime e ao mesmo tempo é fotografado pelos moradores que
acompanham atentamente a conduta do policial. Ao lado, na arte gráfica feita pelo cartunista
Latuff, aparece um policial branco apontando a arma para um menino negro ajoelhado com as
mãos nas costas. O policial se encontra paralisado observando a ação das oito câmeras de
celular. Um detalhe interessante está no fato de uma das mãos da figura estar apontada para as
pessoas que observam a abordagem policial. As duas imagens denotam acepção de Foucault
(1987b) sobre a vigilância hierarquizada, pois a mesma se encontra em um feixe de relações
em que os fiscais podem ser continuadamente fiscalizados,

A vigilância hierarquizada, contínua e funcional não é, sem dúvida, uma das grandes
“invenções” técnicas do século XVIII, mas sua insidiosa extensão deve sua
importância às novas mecânicas de poder, que trás consigo. O poder disciplinar,
graças a ela, torna-se um sistema “integrado”, ligado do interior à economia e aos
fins do dispositivo onde é exercido. Organiza-se assim, como um poder múltiplo,
automático e anônimo; pois, se é verdade que a vigilância repousa sobre os
indivíduos, seu funcionamento é de uma rede de relações de alto a baixo, mas
também até certo ponto de baixo para cima e lateralmente; essa rede “sustenta” o
conjunto, e o perpassa de efeitos de poder que se apoiam uns sobre os outros: fiscais
perpetuamente fiscalizados. (FOUCAULT, 1987b, p. 148).

Para Menezes (2015), desde as manifestações de julho de 2013 cresceu a relevância e


o uso de sistemas e dispositivos de vigilância nas favelas pacificadas. Esses dispositivos além
de propiciarem um controle mútuo e generalizado, promoveram como consequência um
aumento nas formas de autocontrole. Assim, “a internalização da repressão na qual o ator, por
antecipar a visibilidade de seus próprios atos a partir da captura do olhar do outro, remodela
suas ações” (MENEZES, 2015, p.09).

As críticas com relação aos mecanismos de vigilância da UPP eram levadas por Pedro,
morador da Favela Santa Marta, quando ele participava de reuniões periódicas com os
policiais da UPP. Ele disse que os moradores falavam com ele, e posteriormente o mesmo
relatava as reclamações ao comandante, “a gente tem a função de levar”, avalia ele, que
praticamente exerce a função de um líder comunitário. Ele declara ser um “ativista”, fotografa
episódios de violência policial, como também, participa de reuniões que congregam várias
favelas do Rio e manifestações de rua. Por exemplo, logo após a morte do garoto Eduardo24

24
A morte do garoto Eduardo Ferreira, de apenas 10 anos, pelos policiais da UPP causou grande comoção na
favela e teve repercussão nacional. O policial que atirou no garoto não foi se quer indiciado. G 1 Rio. Tiro que
88
pelos policiais da UPP do Complexo do Alemão em 2015, ele foi até lá participar de um
protesto junto aos moradores da favela da Zona Norte. Abaixo, Pedro descreve com exatidão
o seu comportamento pró-ativo,

A gente participa das reuniões deles (dos policiais). É... eles também chamam a
gente para participar da reunião deles. A gente chama eles para vim nas nossas. Eles
têm que ouvir os problemas. E se tiver algum perrengue eu vou direto no comando
lá dentro. Ligo para o comandante, tenho o telefone de todo mundo aqui. Do
Robson, do comando central, da major Priscila, tenho telefone de geral. Se me der
problema que tenho que resolver, eu ligo para central, que vai ter que resolver. A
gente também não vai ficar aderindo os problemas dos outros. A gente sabe quem
gosta de ficar sacaneando o policial, às vezes xingam o cara. Meu irmão, tô ali para
ajudar morador, a gente vê a luta diária, a resistência, e tá sofrendo o abuso, abuso
de poder, enfim, daí a gente vai lá defender. Reclama, qual é comandante? Pô. O
cara ali, toda hora é revistado, ou senão, chega em um lugar e apenas revista um. Por
que? Vai todo mundo então. Um dia um policial se excedeu demais e agora ele tá
fora. Só pode ficar na UPP (sede) ou lá embaixo. Em uma reunião podemos por os
policiais lá no meio pra ouvir a favela inteira, meu irmão, caraca! (Pedro. Morador
da Favela Santa Marta. Pesquisa de campo, 2015)

Ele também relatou que na Favela Santa Marta houve uma ocasião que um garoto
recebeu um tiro na perna. Esse disparo teria sido feito com uma arma que é munida com
“balas de efeito moral”, isto é, não causa o mesmo dano que as convencionais, mas provoca
uma ferida imensa na pele. A favela se revoltou com o fato e expulsou o policial da favela a
“base de tijoladas e pontapés”. Com a UPP, os moradores conseguiram minimente tensionar
as relações de poder de modo que a pacificação lhes fossem favorável, pois uma vez que um
mesmo policial trabalhava em uma determinada localidade todos os dias, o morador
conseguia identificá-lo e exercer certo tipo de “controle” sobre o ele. “Não há relação de
poder sem resistência, sem escapatória ou fuga, sem inversão eventual, toda relação de poder
implica, então pelo menos de modo virtual, uma estratégia de luta” (FOUCAULT, 2009, p.
248). Nesse sentido, quando os moradores de favela passaram a confrontar as arbitrariedades
feitas pelos policiais, eles podem passar a ser denominados aquilo que Foucault (2008a)
chama de “povo”,

O povo é aquele que se comporta em relação à gestão da população, no próprio nível


da população, como se não fizesse parte desse sujeito-objeto coletivo que é a

matou Eduardo é de PM, mas ninguém foi indiciado. Reportagem, 2016. Disponível em:
<http://g1.globo.com /rio-de-janeiro/noticia/2015/11/tiro-que-matou-eduardo-no-alemao-partiu-de-pm-mas-
nenhum-e-indiciado.html>. Acesso em: 11/09/2016 às 14:57.
89
população, como se pusesse fora dela, e, por conseguinte, é ele que, como povo que
se recusa a ser população, vai desajustar o sistema. Na divisória população/povo,
este último aparece como grupo “que resiste a regulação da população, que tenta
escapar desse dispositivo pelo qual a população existe (FOUCAULT, 2008a, p. 56).

Além dos momentos reivindicação por parte dos moradores, outra questão relevante
para se destacar na fala de Pedro é que o mesmo declarou exercer o papel de “mediador de
conflitos”. Assim, quando observava um morador brigando com outro, ele buscava logo fazer
uma intervenção. Pedro disse que chegou a ir à delegacia para defender um morador da
favela, mas para isso ocorrer tem uma condição: “ele não pode ser bandido”.

Segundo Andrade (2013), essa separação, moradores trabalhadores/bandido vem


sendo cada vez mais difundida pelo governo do Rio e pela mídia hegemônica. Anteriormente
o traficante era tido como o homem dos “bons feitos”, aquele que resolvia o problema dos
moradores, garantindo remédios, o gás, cesta básica e, por isso, era bem quisto e defendido
pelos moradores. Entretanto, com o passar dos anos, os traficantes foram cada vez mais sendo
“produzidos pela mídia e pelo Estado como homens cruéis, monstros, covardes, sem vínculo
algum com a favela e responsáveis pelas mazelas do local, pelas incursões policiais
violentas”. Muito embora os traficantes cometam uma série de ilicitudes, eles deveriam ser
enquadrados apenas como parte do “problema favela” (ANDRADE, 2013, p.57). Desse
modo, a percepção negativa em torno da delinquência favoreceu os mecanismos de controle
das favelas cariocas. Contudo, pode-se destacar que as dinâmicas envolvendo os policiais e
traficantes sofreram certas modificações com a pacificação, como será evidenciado a seguir.

90
1.7. Os policiais e traficantes nas favelas pacificadas

O bem-estar dos moradores de favelas notadamente está vinculado a ações


desempenhadas por dois personagens: os policiais e os traficantes. Não se pode afirmar que o
processo de pacificação reconfigurou totalmente as antigas práticas desenvolvidas pelos
mesmos, contudo, foi possível notar algumas singularidades provenientes da ocupação
armada de territórios.

Nesse prisma, a nova política de segurança pública instaurada formulou uma nova
gramática relativa às funções do policial – como a do “pacificador”, categoria que não foi
muito bem “digerida” pelos policiais que atuavam nas favelas. Cano (2012) destaca que
muitos policiais que trabalhavam nas UPPs estavam insatisfeitos. A principal razão da
lamentação é que muitos deles continuavam identificados com um ideal de polícia
representado pela repressão aos criminosos, inclusive pelo “dinamismo e aventura” que o
confronto armado proporciona. Fascinados pelo velho modelo de polícia – que continua
atraindo interessados – o “policiamento comunitário” era considerado como de segunda
classe, um tipo de atividade que não poderia ser considerada policiamento verdadeiro. O
policial da UPP precisaria deixar de ser policial, em alguma medida, para desempenhar esse
novo papel de “mediador de conflitos”. Em algumas entrevistas feitas por Cano (2002) com
vários soldados, eles próprios encenaram o debate entre a visão tradicional, considerada
dominante, e o modelo pacificador:

[Entrevistador: E como é que compara a situação aqui com trabalhar lá no


(batalhão)?]
— É diferente lá o trabalho é policial militar mesmo, aqui é mais de policial
pacificador, é diferente, a diferença é essa.
[Entrevistador: Qual é a diferença entre os dois?]
— O policial ele age como policial, ele faz, ele age, ele transforma, como é que eu
vou te dizer? Ele resolve as ocorrências do jeito do policial militar, que aqui não.
Aqui você tem que tentar pacificar, para agir da melhor forma possível pra ambas as
partes ficarem satisfeitas (Soldado 1).
— A comunidade acha que a gente não é policial. ... Na UPP a gente finge que é
polícia.
— Meu pai é PM e ele prefere isso aqui. [...] Todo mundo entra pra polícia pra
trocar tiro e prender. Acham que isso aqui não é bem polícia, mas eu vejo que as
ocorrências são iguais. [...] (Soldado 2).

91
— Porque o batalhão é mais trabalho de polícia, né. Tem um sistema melhor, uma
liberdade pra se trabalhar. As pessoas te respeitam mais, na verdade. Aqui é muita
política. Aqui, você não é tratado como polícia, aqui você é tratado como UPP. Eles
nem te chamam de polícia, eles te chamam de “UPP”. Nós somos os UPPS. No
batalhão, você tem um respeito maior, as pessoas te respeitam (Soldado 3) [...].
— Eles falam que é UPP, não chamam a gente de policial, é UPP, então você já vê
que eles enxergam essa diferença.
[Entrevistador: Isso é bom ou é ruim?]
— Ruim, em partes, não totalmente, porque eles não respeitam, o respeito que eles
têm por policiais de batalhões é bem diferente, eles acham que nós estamos aqui
para ficar de guarda, como um soldado na guarita tomando conta de quem entra e de
quem sai, só. E os da rua não, eles veem os policiais dos batalhões como policiais
que combatem o crime, todos os tipos de delitos, e nós não, eles nos chamam aqui
de enfeite.
[Entrevistador: É assim que as pessoas lhes veem?]
— Vi isso, mas, em compensação nós temos a proximidade, eles conseguem se
aproximar mais da gente do que dos policiais do batalhão... (Soldado 4) (CANO,
2012, p.139-140).

Percebe-se então que o tipo de policiamento desempenhado nas UPPs provocou uma
mudança nos sentidos sobre o que é ser um policial, gerou assim, uma espécie de “crise de
identidade”. Um ponto importante a ressaltar-se é que o tipo de mediação de conflito feita nas
favelas com UPP está imbricado com a questão de gênero. Conforme relato de Pedro, na
Favela Santa Marta teve a existência de policiamento feminino feito à paisana. Uma policial
percorria todos os becos e vielas da favela, ficando sempre à espreita. Ela tinha a função de
resolver os conflitos, antes de sua possível expansão, sobretudo, as desavenças familiares. O
morador afirmou que o trabalho desempenhado por essas policiais foi muito útil porque
“conflito é toda hora na favela. Tem muito. Mãe que bate em criança... Teve um caso em que
o pai deu uma surra de sandália e o pai foi preso. Ele teve que ir lá depor e voltou no final do
dia, pra você ver: são os tempos modernos” (Pedro).

De acordo com Denari (2015), existe uma cisão na função exercida pelo policiamento
masculino e feminino que é histórica nos agrupamentos militares. O trabalho de vigilância
ostensiva, marcado pela atuação nas ruas, com patrulhas, flagrantes e denúncias, como
também, o “policiamento comunitário” são desenvolvidos por homens, enquanto as atividades
administrativas, de inteligência e comunicação social são delegadas para as policiais
femininas.

O fato de as policiais femininas executarem ações de prevenção do conflito pode ser


analisado em dois prismas. No primeiro, deve-se destacar a resolução de conflitos de forma
92
que não descambe em ações de violência exacerbada. Por outro lado, tal repartição funcional
em virtude do gênero denota que existe uma hierarquia valorativa, que aloca a mulher em uma
posição de desprestígio em relação aos homens, supondo que as mesmas estariam inaptas para
ações de combate.

A página oficial da UPP exalta o fato dessa política de segurança ter tido comandantes
mulheres. A primeira comandante da Favela Santa Marta foi a major Priscila Azevedo. Ela
assumiu a missão de controlar a UPP Santa Marta em 2008. Em 2015, Tatiana Lima foi
segunda mulher a comandar uma equipe de policiais militares. Na página da UPP, observou-
se o destaque dado a fala de uma moradora da Favela Santa Marta, que ressaltou a importância
da presença feminina na UPP: “Os outros comandantes também nos ajudaram muito. A presença
de uma mulher na UPP facilita a comunicação entre a gente”, disse a moradora (UPP-RJ, 2015).

Mas a partir do momento em os “homens de farda” tomam atitudes mais incisivas, os


25
problemas começam a aparecer. Manuel , natural de Belo Horizonte e morador do Pavão
Pavãozinho, possui um estilo bem “descolado”, com uma pequena trança que sai do centro da
cabeça e desce até ao pescoço, costuma locomover-se da favela até o trabalho de skate e usar
camisetas com temas africanos. Ele confidenciou ao pesquisador (em 2015) que vez ou outra
levava um “esculacho” dos policiais da UPP, que o revistavam de forma invasiva, “cutucando
por tudo”. Em uma das oportunidades o policial tirou o dinheiro de sua carteira e balançou o
mesmo em frente ao seu rosto e indagou-o: “De quem é esse dinheiro aqui? Acho que agora é
meu. Não é mesmo?”. Assim, a truculência promovida por policiais da UPP provocou por
parte de alguns moradores certo saudosismo do período em que a favela era dominada
somente pelos traficantes,

Na realidade eu prefiro o traficante do que isso aí (polícia da UPP), porque eles são
meio que covardes, porque quando vem um grupo assim descendo eles já querem
fazer covardia. Eu sou nascido e criado na comunidade, nunca aconteceu isso,
sempre respeitaram, podia deixar a porta aberta. Eu saia e voltava e deixava a porta
aberta, agora com eles não, tem que fechar. É ao contrário, antes era melhor.
(Morador da Favela Santa Marta, negro, 34 anos/ Pesquisa de campo, 2016).

Conforme Ganem Misse (2014), ao mesmo tempo em que a UPP – juntamente com
outras políticas – produziram um decréscimo na taxa de homicídios em várias favelas do

25
Nome fictício, branco, 25 anos. Pesquisa de campo, 2015),
93
município, a maior presença policial também fez com que ações como o “esculacho”
(violência policial) se tornassem mais assíduas. “Em virtude de boa parte desses incidentes
ocorrerem à noite e os policiais agressores retirarem seus nomes (identificação) das fardas,
muitos capitães de UPPs” alegavam não conseguirem apurar de fato as denúncias por falta de
informações (GANEM MISSE, 2014, p. 695).

Para Loreto, morador do Complexo do Alemão, essa conduta policial tem a ver com a
falta de treinamento adequado dos policias que vão trabalhar nas UPPs, porém, enfatiza que a
má condição de trabalho não serve de desculpa para o “esculacho” e muito menos para
corrupção policial,

(Sobre os policiais da UPP) O que? Eles fazem número. Ah fala sério. Eu sou
suspeito pra falar essas coisas porque não existe isso. De repente acho que
colocaram para inglês ver. Porque não foi dado treinamento, se tivesse dado
treinamento não teriam problemas maiores, infelizmente. E como Beltrame diz,
estamos enxugando o gelo. É exatamente. Eu não vou dizer que em São Paulo é
diferente não. Todo Brasil é assim. O policial é mal servido, mal informado, mal
treinado e mal municiado... pagam o suficiente e não é desculpa pra se corromper e
se isso acontece é porque de cima para baixo não fiscalizam. Quanto tu ganha? Mil,
como é que tu tem um carro de 100 mil? Não pode, tem alguma coisa errada. Eu
ganho mil. Pensa, não tem como. Mas como você já tem os poderes de cima pra
baixo uma bagunça generalizada, como você vai chegar lá em baixo no Zé povinho
querer que as coisas funcionem. Ah você é o Che Guevara, o revolucionário? Acho
que sim cara, porque com o sistema que está ai. Tá bravo. (Loreto, morador do
Complexo do Alemão, Pesquisa de Campo 2016).

Ensejando essa perspectiva, um professor de ensino médio26 – da Favela Santa Marta –


que já deu aula em diversas escolas do Rio de Janeiro, relatou que muitos de seus alunos
querem ser policiais. Mas eles não estão interessados nos baixos salários da polícia, mas sim,
nas ilegalidades lucrativas que podem desenvolver durante a atividade policial. Eles
acreditam que após conseguirem entrar na polícia poderão obter dinheiro de diversas formas.

Na realidade, o que esses alunos pretendem é buscar uma inserção no que Misse
(2002) chama de “economia da corrupção” para fazerem uso das “mercadorias políticas”, isto
é, recursos políticos expropriados do Estado e que são privatizados pelos agentes que as
ofertam,

Entretanto, existe um outro mercado informal cujas trocas combinam


especificamente dimensões políticas e dimensões econômicas, de tal modo que um
recurso (ou um custo) político seja metamorfoseado em valor econômico e cálculo

26
A entrevista com esse professor foi realizada em 2015.
94
monetário. O preço das mercadorias (bens ou serviços) desse mercado, ganha a
autonomia de uma negociação política, algo como um mercado de regateio que
passa a depender não apenas das leis de todo mercado, mas de avaliações estratégias
de poder, de recurso potencial à violência e de equilíbrio de forças, isto é, de
avaliações estritamente políticas. Para distinguir a oferta e demanda desses bens e
serviços daqueles cujo preço depende fundamentalmente do princípio de mercado,
proponho chamá-los de “mercadorias políticas” (MISSE, 2002, p.05).

Alguns policiais aceitam dinheiro dos traficantes para fazer “vista grossa” e outros
querem simplesmente matar. Essa é a visão de um morador do Pavão-Pavãozinho: “Não é que
eles negociam, não é todo “plantão”27 que aceita dinheiro, tem “plantão” que quer dar tiro.
28
Então, tem uns que gostam de dar tiro mesmo”. Para Machado da Silva (2015), a possível
“identificação de uma retomada da tradicional corrupção policial – popularmente explicada
como decorrente do costumeiro ajustamento das orientações tradicionais dos agentes às regras
formais de atuação” – desqualificou, em certa medida, as intenções de reforma do
policiamento, da qual as UPPs seriam um tipo de ponta de lança na visão de seus
formuladores e defensores (MACHADO DA SILVA, 2015, p.16).

Em outra perspectiva, Cano (2012) afirma que o projeto de pacificação conviveu com
baixos níveis de legitimidade interna na polícia. Apesar dos comandantes locais estarem todos
afinados com a nova visão doutrinária, pois muitos deles avaliaram a iniciativa como uma
grande oportunidade de mudança estratégica para a PM, as praças se mostraram muito
reticentes. A maioria dos policiais preferia trabalhar em batalhões convencionais. As razões
eram muitas, entre elas, pode-se destacar: “a dureza do trabalho de patrulhamento constante a
pé em locais íngremes, o deslocamento adicional desde (o local de origem) até o batalhão da
área no início e no fim da jornada, as deficiências na infraestrutura em muitas das sedes, local
de trabalho longe da sua moradia” e problemas relativos à gratificação de baixo valor (CANO,
2012, p. 182).

Soares (2011) salienta que os policiais trabalhavam muitas vezes em condições sub-
humanas em virtude da falta de estrutura adequada de muitas UPPs. Ao menos 24 das 38
UPPs possuíam estruturas de contêiner. O espaço não costumava ser destinado apenas a sedes
administrativas, mas também, serviam como alojamento, um espaço de descanso dos agentes
que trabalhavam em plantões de 24 horas. Além do contêiner provocar um calor ainda maior

27
Plantão é a gíria referente ao policial da UPP.
28
Morador do Pavão-Pavãozinho, negro, 62 anos, Pesquisa de campo, 2016.
95
do que as bases com alvenaria, existiram problemas com aparelhos de ar condicionados
quebrados.29

Mesmo com todos os desafios que enfrentavam, os policiais da UPP tiveram a missão
de combater o tráfico de drogas nas favelas em que atuavam. Contudo, antes de evidenciar as
ações dos traficantes nos territórios pacificados é importante destacar brevemente o processo
histórico referente à formação do chamado “crime organizado”. Misse (2011) afirma que as
principais organizações criminosas do tráfico a varejo no Rio de Janeiro surgiram dentro do
sistema penitenciário durante a ditadura militar. Assim, a partir de 1968, organizações de
esquerda que lutaram contra ditadura, aderiram a práticas mais contundentes – como, por
exemplo, confrontos armados – e o assalto a bancos passou a ser uma das formas de
arrecadação de recursos para lutar contra o governo vigente. Em 1969, o regime militar
sancionou a Lei de Segurança Nacional, considerando comuns os crimes cometidos pelos
militantes de esquerda. “Desse modo, militantes políticos e assaltantes de bancos comuns
conviveram, sob a mesma lei, até a sua revogação mais de dez anos depois” (MISSE, 2011, p.
18).

Nesse período, os presos políticos organizaram- se dentro das penitenciárias do Rio


de Janeiro para reivindicar alguns direitos que lhes estavam sendo negados. A
relativa vitória em suas reivindicações, na primeira metade dos anos 1970, criou um
efeito de demonstração para os assaltantes de banco comuns, chamados entre os
criminosos em geral pela alcunha de “os lei de segurança”. Eles também resolveram
organizar-se para reivindicar direitos e impor seu domínio dentro do sistema
penitenciário. Por isso, e pelo fato de alguns de seus líderes considerarem-se
também de esquerda (embora não reconhecidos assim pelos presos políticos),
passaram a designar-se primeiramente como “Falange Vermelha” e, depois, pela
imprensa, como “Comando Vermelho” (CV), o nome que finalmente prevaleceu. O
primeiro relatório de um Diretor de presídio aludindo à organização que se formava
no sistema penitenciário foi apresentado ao governo em 1979. Dizia que essa
organização era formada pelos que tinham sido condenados por terem formado
quadrilhas para assaltar bancos. Como em 1979 os presos políticos, também
condenados pela mesma lei, obtiveram anistia política, criou-se um ambiente de
revolta entre os “lei de Segurança”, que formavam o Comando Vermelho, por
considerarem-se abandonados em seus direitos, já que a anistia não os alcançou. Seu
lema, então, era: “Paz, Justiça e Liberdade”. (MISSE, 2011, p. 18).

29
Na UPP do Vidigal – situada na zona Sul do Rio – por exemplo, duas das quatro bases ainda são formadas por
contêiner e lá eles trabalham com aparelhos de ar condicionado que não funcionam há meses. “Há mais de um
ano não consertam os aparelhos quebrados. O pior é quanto tiramos serviço por 24 horas e temos direito a seis
horas de descanso. Como descansar dentro de um contêiner quente e onde só cabem dois colchões? As condições
de alojamento são péssimas”, disse um policial (UOL, 2015).

96
Desse modo, a partir do momento em que ocorreu a queda do preço da cocaína no
mercado latino-americano – em virtude da entrada da Colômbia na produção desse produto –
os antigos pontos de venda de cannabis nas favelas do Rio foram tomados por membros do
Comando Vermelho (CV) e fortalecidos para a venda de cocaína. Assim, entre 1982 e 1985
consolidou-se um modelo de organização interligando em rede as quadrilhas atuantes no
varejo, com base na proteção oferecida pelo CV dentro do sistema penitenciário. Desde então,
criou-se um modelo desenvolvido de uma organização dentro do sistema penitenciário que é
dividido em dois setores, um “intramuros” e outro “extramuros” (MISSE, 2011).

Dentro desse sistema, os vários “donos” (presos ou não) comandam o varejo em uma
ou mais favelas no Rio, com relativa autonomia em relação aos dirigentes do CV, sendo que
os mesmos não possuem qualquer vínculo organizacional com os fornecedores da droga no
atacado. Em suma, no Rio de Janeiro, há três redes de quadrilhas, chamadas “comandos” ou
facções, que disputam entre si o controle de territórios nas favelas e conjuntos habitacionais
da cidade: “o “Comando Vermelho”, o mais antigo; o “Terceiro Comando” e os “Amigos dos
Amigos”. Essas redes de quadrilhas operam a partir do sistema penitenciário, em que mantém,
cada uma, a oferta de proteção aos presos que ali chegam” (MISSE, 2011, p. 20).

Entretanto, todo esse comércio varejista de drogas ilícitas não foi dissipado com a
pacificação, porém, reconfigurado (isso foi possível de ser notado, sobretudo, no início dessa
política de segurança). A exigência de discrição influenciou o comércio feito com a proteção
de armas pesadas (como fuzis AR-15 e 7.62), que diminuiu a demanda por esse tipo de
armamento, acarretou assim, uma maior capilarização do comércio de drogas para o “asfalto”.
“É indubitável que do ponto de vista dos moradores, esse fato gera certa tranquilidade ou,
pelo menos, diminui a tal sensação de insegurança provocada pela convivência diária com
adolescentes armados de fuzis” (BRITO, 2013, p.108). Zaluar (2012) salienta que as UPPs
não foram projetadas para acabar com o tráfico de drogas, mas para acabar com as práticas
violentas que rondavam o comércio de drogas.

Menezes (2015) afirma que em um primeiro momento, após a ocupação policial da


Favela Santa Marta, alguns traficantes (que atuavam em postos relevantes da hierarquia do
tráfico) deixaram o local temporariamente e os que ficaram não buscavam ter enfrentamento
com polícia. As vendas de drogas chegaram a ser interrompidas por um momento, porém,
logo em seguida, passaram a ocorrer de modo muito discreto. Em virtude de perceberem a
superioridade do poder armado do Estado, e em um primeiro momento não poderem negociar

97
o “arrego” (pagamento) com os policiais, eles passaram a mapear os caminhos por onde os
policiais da UPP percorriam e traçaram estratégias para venda de drogas de modo que não
fossem pegos.

Assim, a força “sedentarizante” do fuzil deu lugar à observação atenta dos olheiros e
à comunicação “flexibilizante” dos celulares e radinhos usados para monitorar os
fluxos de circulação pelo território. E, desse modo, os mecanismos de
monitoramento passaram a ganhar centralidade na atuação cotidiana dos traficantes
nas favelas “pacificadas” (...) Sugiro que a lógica do “tá tudo dominado” que guiava
a atuação dos traficantes no período pré-UPP deu lugar à lógica do “tá tudo
monitorado” do contexto pós-“pacificação”. Isso porque após a inauguração das
UPPs os traficantes entenderam que não podiam mais ter – e, em certo sentido, não
precisavam – o domínio do território para continuar a venda de suas mercadorias.
Contudo, eles tiveram, para isso, que transformar suas condições de existência para
continuar subsistindo no novo ambiente pós-UPPs (MENEZES, 2015, p. 14).

Ainda conforme Menezes (2015), nessa nova perspectiva, o “ideal de traficante”


deixou de ser somente pautado pela valorização da disposição para o “embate letal” passando
a ser também avaliado, em grande medida, por sua capacidade de manter-se “na atividade”,
monitorando tudo que acontece ao seu redor.

Porém, essa lógica de não embate letal na Favela Santa Marta, não foi seguida pelos
traficantes do Complexo do Alemão, local em que os confrontos entre policias e traficantes
quase sempre foram frequentes. Loreto (2016) classifica os embates como algo que beira a
“irracionalidade. Porque todos os países têm drogas, em todos os lugares têm drogas, o
usuário de droga sabe que precisa daquilo ali e ele só não quer encontrar arma na cara dele.
Só que a cabeça do pessoal aqui é diferente”.

Eles (traficantes) não conseguem entender que aquilo ali é um comércio ilegal. E
que é um comércio porra! Se ele entender que é um comércio... Mas há não vou
vender droga pra você porque torce para o Flamengo. Porra, você não tá querendo
vender, não? Não existe isso, ah eu sou CCP, PCC, não existe isso, você tem que
vender o seu negócio, no dia que eu souber administrar isso, vai bem e em todos os
países desenvolvidos é assim, administraram isso. Você não quer comprar? Então eu
vou vender. Só isso e nada mais. No dia que conseguirem fazer isso toda essa
comunidade será um mar de rosas. Não há necessidade de se ostentar nada, eu quero
fazer a minha venda. Aí você pega um poder maior, que toma e vai coagindo ali na
frente. É uma bagunça (Loreto, morador do Complexo do Alemão. Pesquisa de
campo, junho, 2016).

98
É possível perceber que nos “territórios pacificados” os traficantes operaram em duas
lógicas de ação, a primeira seria: a) o “campo minado”, nessa perspectiva os traficantes
passaram a mapear os trajetos feitos pelos policiais e passaram a calcular e antecipar os riscos
de um possível confronto, sendo que os moradores passaram a ter a sensação de sempre
estarem “pisando em ovos”, em que um passo mal dado podia ser fatal. Com isso, moradores
não quiseram ter contato com os policiais da UPP, nem ofereciam água, pois tinham medo de
serem vistos como delatores pelos traficantes, como também, não conversavam com os
traficantes com medo de serem vistos como bandidos pelos policiais. 30
; b) “fogo cruzado”,
nessa lógica a favela virava um campo de guerra em que tiros eram disparados tanto por
traficantes quanto por policiais e a população ficava exposta a uma situação desesperadora
(MENEZES, 2015, ZALUAR, 2014).

Outra questão latente que envolveu o embate entre policiais e traficantes se refere à
disputa que ocorreu no campo simbólico. Conforme Carvalho (2013), durante a sua pesquisa
etnográfica na Favela do Borel, ela avistou algumas inscrições da sigla UPP pintadas na cor
azul nos muros da localidade. As pinturas nas paredes das favelas cariocas são utilizadas, em
grande medida, por diferentes facções criminosas para deixar “recados” aos inimigos de
outros grupos, como também, apenas para determinar o perímetro de dominação de
determinada região. Já quando a mesma estratégia é utilizada em referência à polícia, tendo
em vista a inscrição UPP da mesma cor da corporação, a interpretação que se pode fazer é a
seguinte: que UPP estava comunicando os moradores que agora quem domina o espaço é a
polícia. Entretanto, a UPP ou quem quer que tenha realizado a pintura na parede, abriu
espaço para outros tipos de intervenções. Assim, na parede em questão, em cima da pintura
que se refere à UPP foi sobreposto as siglas do Comando Vermelho (ver Figura 11).

30
Aliás, a não exibição de armas, carros de luxos e joias porte parte dos traficantes com objetivos de não
chamarem a atenção, têm fragilizado afirmação da masculinidade dos mesmos, sendo que era justamente com
esse instrumental que eles atraíam mulheres e jovens soldados (MENEZES, 2015).
99
Figura 11 – UPP versus Comando Vermelho

Fonte: Carvalho (2013).

O que a imagem sugere é que estava em curso “uma possível disputa, a partir de
elementos simbólicos, entre diferentes forças que buscam dominar aquele espaço”
(CARVALHO, 2013, p. 298). Destarte os embates entre o comando do tráfico armado e a
UPP, notou-se também, que o processo pacificação envolveu uma reconfiguração da conduta
dos moradores, como poderá ser observado na próxima seção.

100
1.8. UPP e a gestão da vida: Da formalização do território à instauração da “pedagogia
civilizatória”.

Uma questão que chamou atenção em algumas favelas do Rio se reporta ao fato da
chegada das UPPs instituírem uma espécie de “formalização do território”. O papel de
controle policial nas favelas transcendeu as ações que comumente são exercidas pelos
mesmos no “asfalto”, um exemplo claro disso se refere à rígida regulação do funk nas favelas.
Não bastava os organizadores terem autorizações da prefeitura e do corpo de bombeiros,
tornou-se preciso a anuência da UPP. Enquanto os shows que envolviam o ritmo do forró
transcorriam sem maiores problemas, os bailes funks apresentavam restrições, pois na visão
dos policiais eles possuíam ligações estreitas com criminosos, além de serem vistos como
propagadores de tumulto e desordem.

Pedro afirmou que na Favela Santa Marta ocorreu um forte embate dos moradores
com os policiais em virtude da proibição dos bailes funk. “Eles queriam bloquear a cultura
local. A favela vive de cultura. Se você bloquear o funk, (...) vai dar problema. Vai ter conflito
toda hora, porque ninguém vai ouvir pagode. O funk também é cultura.”. Pedro acredita que
os policiais de áreas pacificadas, antes de entrarem nesses territórios, deveriam participar de
cursos sobre as favelas para que os mesmos tivessem a condição de assimilar a cultura local.

Conforme Cano (2012), nas áreas que possuíam UPP, os jovens foram os que mais
apresentavam atrito com os policiais, entre outras coisas, em virtude da função reguladora que
estes últimos exerciam sobre as atividades de lazer, isto é, sobre o volume do som e sobre os
bailes. Em particular o funk – alvo histórico da repressão dos aparatos de segurança –
costumou ser proibido com base em uma resolução da Secretaria de Segurança que impôs
requisitos inviáveis para eventos de pequeno ou médio porte.

Dessa forma, os policiais, como eles mesmos reconhecem, acabam exercendo uma
discricionariedade que favorece outras músicas e discrimina o funk. Em relação ao
volume do som, acontecem dois conflitos em um. O primeiro se dá entre a lei formal
(‘Lei do Silêncio’) e o costume da favela. A lei formal nunca foi aplicada na favela e
também não é aplicada sistematicamente no resto da cidade, razão pela qual os
jovens das comunidades consideram esta intervenção como uma arbitrariedade. O
segundo conflito é intracomunitário, entre os vizinhos que desejam sossego e os
jovens que querem badalação e, portanto, deveria ser resolvido pela própria
comunidade. Em algumas UPPs se desenvolveu um processo de negociação sobre os
horários do som, mas em muitas outras, a polícia não consegue sair do papel de

101
regulador autoritário, tomando as decisões em exclusiva e carregando com todo o
ônus da intervenção (Cano, 2012, p. 18).

Na Favela Santa Marta, os bailes funks aconteciam na quadra da escola de samba. No


início do processo de pacificação, os policiais adentravam nesse recinto e “paravam tudo”.
Porém, com o tempo, eles foram liberando aos poucos, mesmo com algumas ressalvas. Em
entrevista ao Le Monde Diplomatique, o Mc Leonardo, músico da favela da Rocinha, afirma
que a perseguição ao funk tem viés classista e racista, e sua reprovação social não se reporta
tanto ao conteúdo das letras, o problema reside nas pessoas que proclamam as mesmas. Algo
que chama atenção em sua fala é que “o funk é democrático e, por isso, perigoso”
(DIPLOMATIQUE, 2011).

As festividades representam “espaços de liberdade” que já existiam nas favelas antes


das UPPs, e entraram em embate com os enunciados que atribuem à polícia o mérito pela
suposta libertação. As confraternizações dos moradores também ameaçavam o que Andrade
(2013) chama de “mito da felicidade UPP”, que vincula a UPP ao resgate da alegria do
favelado, como se antes da implantação dessa política de segurança a favela vivesse em um
panorama de irrestrita tristeza. Conforme a autora, os bailes e as festas foram consideradas
pelos policiais como “coisas que escapam” e que deveriam ser contidas, evitavam assim, que
as pessoas se agrupassem e se interagissem por conta própria.

Nessa perspectiva, a regulação das festas pode propiciar momentos de muita tensão.
Na reportagem publicada no dia 30 de outubro de 2017, no jornal O Globo, foi destacada a
ação violenta dos policiais do BOPE durante uma operação na Ladeira dos Tabajaras, em
Copacabana. O periódico afirmou que os policiais encerraram uma festa de pagode que
acontecia na Rua Euclides da Rocha de maneira extremamente brutal, inclusive empregando
práticas de tortura. Moradores relataram na publicação que os agentes chegaram “espancando
e atirando em quem eles viam pela frente”. O resultado dessa ação fez com que duas pessoas
fossem baleadas, uma na barriga e outra no pescoço. Além disso, os policiais do BOPE
também tiveram a crueldade de esmagar um cachorro com um veículo blindado, o que
provocou grande revolta por parte dos moradores. Uma das participantes da festa narrou com
precisão o momento de terror vivido (O GLOBO, 2017).

Havia mais de 200 pessoas na festa, incluindo mulheres e crianças, no momento em


que os policiais do Bope chegaram atirando. Elas foram chamadas de piranhas, por
102
estarem na rua aquela hora da noite. Isso é uma coisa que se faça? A quem devemos
recorrer? Bateram muito, até em crianças. Meu filho de 15 anos estava na festa e me
ligou chorando. A sorte dele foi que procurou refúgio na casa de uma moradora
amiga. Mesmo assim os policiais ameaçaram invadir casas. Quem correu para
dentro das lojas se deu mal. Eles entraram e bateram muito em todos. Corri para lá
para proteger meu filho (O GLOBO, 30/10/ 2017).

O fato curioso dessa ação é que os moradores se reuniram com o capitão Aslan Santos
Orrico, o então comandante da UPP local, para denunciar os casos de agressão que sofreram.
Desse modo, a UPP, apesar de exercer uma missão disciplinar e civilizadora, passou a ser
vista como uma espécie de “socorro” para os moradores diante da brutalidade empregada
pelos policiais do BOPE. A ação violenta de determinados agentes públicos provocou a
demanda por outros, mesmo que o viés disciplinar fosse um imperativo.

Por motivos óbvios, a ampliação do mandato policial representou a ampliação do


poder de polícia, “cuja natureza política é, por definição, restritiva e invasiva às liberdades e
as garantias individuais e coletivas. Assim, ao se estender as atribuições policiais vai-se
ampliando, inevitavelmente, a capacidade de controle e intromissão sobre os direitos civis”
(MUNIZ, MELLO, 2015, p.55). Para Leite (2015), além da “formalização de territórios”, as
UPPs buscaram instituir a normalização dos territórios ocupados por meio de uma nova
"pedagogia civilizatória" focada na aproximação, como também, no desenvolvimento de
trabalho social junto a jovens e crianças e uma interferência nas organizações de base das
favelas. Desde o início do projeto, o segmento infanto-juvenil despertou grande atenção do
comando das UPPs, por ser classificado como o mais suscetível à identificação com os
traficantes locais.

Nessa perspectiva, nos anos iniciais do programa foram realizados pelo governo do
Rio, eventos musicais e esportivos nas localidades pacificadas com o objetivo de dar
visibilidade a situações de integração social de jovens moradores de favelas que antes da
pacificação sofriam com o domínio armado de traficantes. Assim, é possível destacar diversas
iniciativas, como: o ensino de artes marciais pelos policiais (ver Figura 12) e os Torneios da
Pacificação, organizados pelo BOPE com o intuito de integrar as favelas por meio do esporte.
(CUNHA, 2015). Como apontou um dos moradores entrevistados na Favela Santa Marta, as
ações sociais desenvolvidas pelo UPP fizeram com que pessoas passassem a enxergar os
policiais com “outros olhos”,

103
Com a pacificação do Santa Marta já se começa a ver o policial com outros olhos.
Ele (o filho do morador) já fez karatê na UPP, foi a passeios que a UPP organizou.
Antigamente isso era impossível de acontecer. Era mesma coisa de morder e
assoprar. Eles vinham, matavam e depois queriam negociar. Hoje em dia, tem um
diálogo diferente. O grande ganho deles será fazer um trabalho por gerações. Não
vão mudar a cabeça da hora pra outra de ninguém. Ainda mais de adulto, criança vai
ser mais fácil, porque vai ser trabalhada em relação a isso (Morador Favela Santa
Marta, 36 anos. Pesquisa de Campo, 2015).

Em contrapartida, Isabela31 – também moradora do Santa Marta – desaprovou a


coordenação de projetos sociais por parte de policiais, já que ela acredita que outras
instituições estatais deveriam desenvolver essas ações. Ela afirma ser surreal o fato dos
policiais “matarem os jovens da favela” e posteriormente, por meio de projetos sociais
dizerem “vem cá bonitinho” para atraí-los,

Eu não quero meu filho no “Social da polícia”, porque é essa polícia que mata o
nosso jovem. Isso é muito louco, os malucos vêm... Pelo amor de Deus! É muito
jovem que diz assim (para o policial): “Tio, não quero”. Eles fazem o c****e dentro
da favela e agora dizem: “vem cá bonitinho”. Isso é maluco, não faz sentido, só que
acontece. O morador que faz um questionamento de maneira profunda tá pensando
nisso em uma outra perspectiva. Daí o governo assumindo para si que trouxe a paz
para gente, Hello!? Eles são um inferno aqui dentro, então como assim, você
comprar esses discursos, sem nem ao menos dizer pera aí, o que está acontecendo? É
complicado, entendeu? Eu tenho essa sensibilidade de estar questionando o que tem
por trás (Entrevista com Isabela. Pesquisa de campo, 2017).

Os programas educativos desenvolvidos pelos policiais da UPP remetem ao que


Foucault (2008a) chama de Biro de Polícia. O filosofo francês afirma que durante o “Estado
de Polícia”, o Biro de Polícia tinha como encargo a instrução de crianças e jovens. No Biro de
Polícia, eles deveriam dizer que ocupação desejariam ter na vida, não importando qual a
função exerceria, sendo que as crianças prioritariamente deveriam aprender “as letras” e como
manusear as armas com o objetivo de proteger o reino. Aqueles que, por acaso, não quisessem
inscrever-se no Biro de Polícia, “não deveriam sequer ser tidos como cidadãos, mas deveriam
ser considerados rebotalho do povo, vadios, sem honra” (FOUCAULT, 2008a, p. 430). Tal
acepção de Foucault (2008a) torna possível indicar que o destino dos jovens que não
desejassem participar dos programas educativos desenvolvidos pelos policiais da UPP seria
preocupante, pois se eles não “abraçassem” as oportunidades oferecidas pelos policiais, um
desfecho trágico de suas vidas “estaria mais do que justificado”.

31
Nome fictício, moradora da Favela Santa Marta, negra, 40 anos. Pesquisa de campo, 2017.
104
Figura 12- Policiais da UPP e crianças da Favela Santa Marta

Policiais ensinam aulas de Defesa pessoal para as crianças da Favela Santa Marta
Fonte: UPP/RJ (2017).

O engajamento de policiais militares em projetos sociais produziu uma condição que


revela uma série de articulações possíveis entre o “repertório da guerra” e o “repertório do
social” no contexto das favelas pacificadas. A depender das situações, os atores transitaram
entre os diferentes papéis, como por exemplo: policiais, professores, agentes sociais, alunos,
suspeitos, potenciais inimigos, informantes. A mobilização simultânea desses diferentes
repertórios fizeram com que as interações cotidianas se tornassem ainda mais imprevisíveis, já
que não seria “tão simples reconhecer quando prevalecerão os códigos de um repertório ou de
outro” (TEXEIRA, 2015, p. 94).

Luana Motta (2017) avalia que “o social” e os projetos sociais têm se constituído em
uma estratégia para prevenir a violência de forma complementar à segurança, como também,
mais um modo de se produzir segurança pública. Nesse prisma, o social e a intervenção no
social não seriam uma alternativa ou oposição à segurança pública, “ao contrário, mas uma
105
forma mais virtuosa de produzir ordem, incidir na violência por meio da transformação dos
corpos, dos comportamentos, das famílias e dos gostos daqueles considerados vulneráveis.”
(MOTTA, 2017, p.244). Alba Zaluar (2014) acredita que esse tipo de atividade pode provocar
desconforto dos dois lados, pois os policiais acham que os programas socioeducativos
destinados aos jovens não são tarefas a serem exercidas por policiais. E para população, tais
programas tenderiam a “aplicar as regras hierárquicas e de disciplina vigentes na PM ao
ensino do esporte” (ZALUAR, 2014, p. 10).

Para Alves e Evanson (2012), esse comportamento da polícia possuía um viés


estratégico, os autores comparam atuação dos policiais da UPP com a dos soldados norte-
americanos durante a Guerra do Vietnã, que após a implantação das “vilas de pacificação” nos
territórios dominados – e que sofriam de vigilância permanente – desenvolviam diversos
projetos sociais. Tal ação representaria um processo de “conquista de corações e mentes”,
para que assim, a administração armada da vida social ficasse mais “palatável” às populações
que ficam sob seu controle.

Mas “conquistar o coração e mentes” dos moradores exigiu uma reatualização


constante dos dispositivos de segurança. A Coordenadoria de Polícia Pacificadora (CPP)
realizou bailes de debutantes em que os agentes da polícia pacificadora foram transformados
em “príncipes encantados” (ver Figura 13). Os eventos ocorreram do Salão Nobre do
Fluminense Football Club e para participar do festejo as debutantes eram obrigadas a passar
por um processo seletivo, que consistiu em escrever uma redação respondendo a seguinte
questão: “Com a chegada da UPP, o que mudou em sua comunidade e o que você espera de
positivo para os próximos anos”. As vagas eram restritas a uma pretendente por favela
pacificada. As debutantes que passavam na seleção participavam de um baile de gala e
dançavam a primeira valsa com os comandantes das UPPs do Estado do Rio de Janeiro (UPP/RJ,
2015). Para o major Ivan Blaz, então superintendente de Comunicação Estratégica da CPP, os
policiais que trabalhavam na UPP eram “os grandes sacerdotes desse projeto” e foram
iluminados ao proporem essa ideia (UPP/RJ, 2017). Conforme o então secretário de segurança
do Rio, José Beltrame, o evento “não é só uma festa, é uma forma de mostrar novas
perspectivas a esses jovens” (EXTRA ON LINE, 2012).

106
Figura 13 – Beltrame e a debutante

Fonte: Extra (2012).

A incursão pacífica e permanente dos agentes de segurança pelas ruas, becos e vielas
das favelas, voltou-se a procura do consentimento da coletividade, antes invadida por policiais
e criminosos (MUNIZ, MELLO, 2015). O que estava em questão ao se analisar as nuances da
pedagogia civilizatória instituída pelas UPPs (LEITE, 2015), não é destacar a motivação do
policial em participar de ações junto a favela, mas sim, como bem salienta Andrade (2013),
evidenciar que o que estava em jogo ao se transformar o “policial matador” no “professor
bonzinho” ou no “príncipe encantado” era que tais ações buscaram desvincular a polícia do
seu histórico de repressão e matança, abrindo assim, os caminhos para a promoção e
solicitação desse tipo de gestão da vida por parte dos moradores.

Contudo, com a grave crise econômica que o Brasil e sobretudo, o Estado do Rio de
Janeiro sofre nos últimos anos, houve um redimensionamento da atuação dos mecanismos de
segurança, já que a partir do início de 2018, os policiais militares das UPPs passaram a fazer o
policiamento do entorno dos territórios em que estão baseados, em parceria com o batalhão
das respectivas áreas de atuação. O então secretário estadual de Segurança, Roberto de Sá
afirmara que as UPPs iriam continuar e que a medida indicava apenas um
“redimensionamento do programa”. “Não acho que a UPP fracassou. Ela pode ter sofrido um
abalo como toda a área de segurança está sofrendo no Brasil inteiro” (UOL NOTÍCIAS,
2018).

107
Mas essa afirmação do governo do Estado de que pacificação continua não
corresponde com a realidade das favelas. “A pacificação acabou. Por causa da crise do
Estado. Só ficam 20 policiais dentro da sede da UPP. De vez em quando eles saem de lá
trocam tiros com os traficantes. Agora toda hora tem tiroteio aqui” relatou Carambola,
morador da Favela Santa Marta (Pesquisa de campo, janeiro/2018).

Se, por um lado, teve-se a derrocada do projeto de pacificação, por outro, novos
mecanismos de segurança foram desenvolvidos pelos aparelhos de poder. Durante o carnaval
de 2018, a Rede Globo de Televisão noticiou de maneira exacerbada roubos e arrastões
ocorridos na Zona Sul do Rio. Embora a insegurança na cidade seja algo real, a representação
do Rio de Janeiro enquanto “cidade do caos” serviu de base para aplicação de medidas
contundentes na área da segurança pública. No dia 21 de fevereiro de 2018 o Senado aprovou
– com anterior chancela da Câmara dos Deputados – um decreto que objetivava a intervenção
federal no Rio de Janeiro. Essa ação fez com que a segurança pública do Rio passasse da
esfera estadual para esfera federal via comando militar até 31 de dezembro de 2018. Assim,
foi nomeado para o cargo interventor o General do Exército Walter Braga Netto, que dirigia o
Comando Militar do Leste (Rio de Janeiro, Minas Gerais e Espírito Santo). Desse modo, o
então secretário de Segurança Pública do Rio de Janeiro, Roberto Sá, acabou sendo destituído.
Com essa mudança, o interventor passou a ter total poder para comandar a segurança pública
fluminense, controlando assim: a Polícia Civil, a Polícia Militar, os bombeiros e a
administração penitenciária (BBC BRASIL, 2018).

Michel Misse (2018) compreende a intervenção como uma medida paliativa com
efeitos publicitários e que não possui substância de política pública. Para ele, em um estágio
de crise e de incapacidade das polícias de proporcionar uma resposta razoável para o temor da
população, convocar as Forças Armadas seria um modo politicamente eficiente de produzir,
no curto prazo, uma sensação de segurança no Rio. O autor adverte que a militarização da
segurança caminha em sentido oposto ao da modernização do sistema de justiça criminal, que
compreende polícias, Ministério Público, Judiciário e sistema penitenciário.

Jacqueline Muniz (2018) salienta que a intervenção militar corresponde a uma forma
que governos não populares e ilegítimos encontram para substituir a coesão que não possuem
pela coercitividade. Contudo, ela destaca que é possível observar uma grande passividade dos
governos eleitos no tocante na construção de planos que valorizem a vida. De um lado, os
grupos de direita bradam a lei a ordem, entretanto, não querem que o “problema da

108
segurança” seja resolvido na medida em que precisam da tragédia para terem temáticas que
lhes renderão votos. Já a esquerda, por outro lado, teria abandonado o tema conforme Muniz
(2018), apostando apenas na redução na desigualdade, contudo, não seria possível aguardar
melhorias da educação e saúde para que a vida das pessoas fossem garantidas, sendo que a
violência por si só já seria um elemento gerador de desigualdade.

Em suma, as ações planejadas pelos militares tiveram como alvo a população


favelada, sendo assim, o que os moradores dos territórios pensam a respeito da intervenção
federal? José Maria, presidente da Associação dos Moradores da Favela Santa Marta, disse ser
favorável a intervenção federal contanto que fosse feita em todo o Estado do Rio de Janeiro e
não somente nas favelas, pois acredita que tais territórios “sempre pagam o preço” (EL PAÍS,
2018). Loreto (2018), morador do Complexo do Alemão, avalia o seguinte: “Sobre a
intervenção, o que podemos dizer que é muito político esse momento que nós estamos vivendo
principalmente aqui no Rio”. Apesar que considerá-la uma ação política, ele apoia a iniciativa
dos militares.

A intervenção é necessária sim, em todo o Estado do Rio de Janeiro, não só no


Complexo do Alemão, até porque ainda não chegou nada aqui, até porque como eu
havia dito, isso é uma coisa mais política e têm lugares aqui que só vai ter o nome de
intervenção, porque aqueles que dominam “as desordens” tem dedo aqui e acolá e
não vai chegar nunca aqui. Acho que nós estamos vivendo um tempo muito
complicado na política e acredito que tudo isso aí é fachada, como todo e qualquer
brasileiro nos gostaríamos que as coisas funcionassem, mas não funciona, lendo uma
reportagem recentemente, o estado do Maranhão que também havia decretado
falência hoje já está bem melhor que o Rio de Janeiro, que tem “n” recursos,
principalmente a parte turística. Esse caos do Rio é questão de governo, é isso.
(Loreto, morador do Complexo do Alemão. Pesquisa de campo, 2018)

Percebe-se então, que Loreto é favorável a intervenção militar, mas ao mesmo tempo é
crítico a essa ação. Ele apoia a entrada dos militares no Alemão pelo desespero de viver em
um ambiente de conflito armado e não visualizar nenhuma solução para a questão. Loreto
acredita que é necessário ter uma intervenção no Estado do Rio, sobretudo, para acabar com a
corrupção policial, mas ele acredita que o tipo de intervenção que está sendo feita atualmente
no Rio seja “algo de fachada”,

Agora o nome intervenção, o nome intervir não condiz muito com o que está sendo
feito aqui.... não está tendo intervenção de nada. Falaram que iria pegar as pessoas
que são corruptas dentro da polícia e não o fizeram. Falaram que teria treinamento
109
para essa rapaziada nova da PM que estão jogados ao léu, não fizeram. Eu não estou
vendo intervenção de nada, na boa. Eu acredito que eles vão fazer uma maquiagem,
igual fizeram com as UPPs, vão maquiar a coisa, vão comprar novas viaturas porque
é necessário, estamos sem viatura e quem comprava as novas viaturas era o Eike
Batista na época. E vai continuar a mesma coisa. E não vai ter nada de anormal com
a intervenção no Estado do Rio de Janeiro não. (Loreto, morador do Complexo do
Alemão. Pesquisa de campo, 2018).

Loreto também criticou a prisão de 150 supostos milicianos em uma festa em Santa
Cruz, Zona Oeste do Rio, durante o mês de abril de 2018. Ele acredita que a maioria dos
presos não possuía ligação com as milícias e seriam apenas convidados da festa.

Assim, em meio ao processo de intervenção militar, o repentino assassinato da


vereadora do PSOL, Marielle Franco se impôs como um grande desafio para as autoridades
recém constituídas. No dia 14 de março de 2018, Marielle Franco e o motorista Anderson
Pedro Gomes foram brutalmente assassinados em um ataque a tiros em pleno centro da
cidade. O assassinato da mulher negra e periférica foi um claro recado para aqueles que
militam em prol dos direitos humanos e buscam modificar as estruturas de poder da
sociedade.

Se há alguns anos atrás os “territórios da pobreza” perguntavam “Onde está


Amarildo?”, agora a questão modificou para “Quem mandou matar Marielle?”. As perguntas
são diferentes, mas os corpos que continuam a serem enterrados são os dos favelados. Na
imagem abaixo, uma mulher segura um cartaz com dizeres que cobram a solução do “Caso
Marielle” e a descoberta dos possíveis mandantes desse crime. No plano principal, a arma do
policial parece sinalizar que tem a resposta que todos esperam (ver Figura 14).

110
Figura 14 – “Quem mandou matar Marielle?”

Fonte: Reuters/ Ricardo Moraes (2018).

Em reportagem veiculada pelo programa Domingo Espetacular, da TV Record, foi


divulgado que a polícia civil descobriu que os tiros que mataram Marielle foram disparados
por uma submetralhadora, equipamento de uso restrito no Brasil e que é comumente destinado
a forças policiais especiais, como por exemplo, o BOPE (ESTADÃO, 2018). Enquanto o
“caso Marielle” segue sem um desfecho final, a intervenção militar no Rio – ação essa, que a
vereadora era completamente contrária – avançou suas ações em relação aos “territórios da
pobreza” e ao contrário de produzir a tão propagada “sensação de segurança” (pelos seus
promotores), na Favela da Maré – Zona Norte do Rio – a intervenção militar foi sinônimo de
pânico e barbárie. Em uma operação da polícia civil executada por meio de helicópteros
blindados – também chamados de caveirões voadores (junho/2018) – sete pessoas foram
mortas, na referida favela (ver Figura 15). Entre as vítimas estava o adolescente Marcos
Vinícius da Silva, de 14 anos, assassinado enquanto estava indo para a escola (EL PAIS,
2018).

111
Figura 15– O garoto Vinícius e os helicópteros

Na imagem acima, os helicópteros da polícia sobrevoam o Complexo da Maré e tiros são disparados na direção
do garoto Marcos Vinícius da Silva. Embora ainda não se tenha a confirmação da origem dos tiros que atingiram
o garoto, tal tipo de operação policial encena um cenário apavorante para os moradores de favela.
Fonte: Ribs (2018)

Para além da indignação que uma operação letal como essa provoca, é preciso destacar
que essa operação foi conduzida pela Polícia Civil, que em tese, não possui prerrogativa
constitucional para efetuar operações táticas como a que foi realizada no Complexo da Maré.
Além disso, ressalta-se que a ideia de confronto está tão banalizada que foi a Polícia Militar
que interveio nessa situação de confronto, assim, a discussão em relação ao fim das polícias
militares como antídoto à violência institucional deve levar em consideração que o padrão de
enfrentamento não é exclusivo, pois está enraizado na política criminal do país, o que torna a
questão ainda mais complexa (SÉRGIO DE LIMA, 2018).

112
***

As Unidades de Polícia Pacificadora foram criadas tendo como meta auxiliar na


remodelação da cidade do Rio de Janeiro para que a mesma pudesse receber grandes eventos
esportivos, como a Copa do Mundo e Olimpíadas. Por outro lado, para a população das
favelas, as UPPs foram apresentadas como uma nova política de segurança, em que a
ocupação permanente da polícia seria uma condição elementar para integração das favelas à
cidade. Contudo, para que os objetivos estratégicos dos aparelhos institucionais fossem
cumpridos, foi necessária a elaboração de “renovados” mecanismos segurança para que
determinados territórios da cidade fossem controlados.

A proposição de uma atividade policial permanente nas favelas em substituição as


operações pontuais contra os “inimigos”, para a “recuperação” daqueles territórios,
representou uma grande mudança em relação a demasiada agressividade policial adotada
anteriormente (MACHADO DA SILVA, 2010). Contudo, ao mesmo tempo que a UPP,
juntamente com outras políticas, derrubaram os índices de homicídio em diversos territórios
da cidade, a maior presença policial também fez com que práticas como o “esculacho”
(violência policial), revistas abusivas, cobrança de propina (arrego) para liberar pessoas e
invasões de casa sem mandados judiciais se tornassem mais frequentes (GANEM MISSE,
2014).

Jacqueline Muniz (2018) destaca que as UPPs contribuíram enormemente na redução


dos homicídios na cidade, mas ao invés do governo fluminense estruturar melhor esse
programa de segurança, buscando assim, corrigir as falhas existentes, o mesmo optou por
ampliar o projeto de maneira exacerbada, atingindo o número de 38 UPPs mesmo com todas
as deficiências apresentadas, como também, mesmo com o alto custo financeiro que tal ação
demandaria. Ela salienta que o policiamento permanente seria apenas eficaz em pequenas
favelas e por um delimitado espaço de tempo, pois a “economia do crime” sempre se
reinventa e busca novas formas de desenvolver ilicitudes. Muniz (2018) ainda avalia que o
projeto de pacificação foi desmantelado politicamente pelo fato de dar prejuízo as carreiras
políticas criminosas no Rio de Janeiro, sendo que o programa representaria um farol de
transformação e cidadania para o policial e para a população, de resgate da dignidade do
policial e da população, “é por isso que ele deu errado, porque ele podia dar certo”.

113
Segundo Michel Misse (2011), o desafio das UPPs não seria, como se supõe, o de
“levar políticas públicas” para os territórios da pobreza, porém – por mais paradoxal que
possa parecer – desterritorializá-los, ou seja, incorporá-los como bairros normalizados à
cidade, desintegrando-os enquanto territórios, inclusive “territórios de UPPs”. O
prosseguimento de uma lógica de territórios sinalizaria a estabilização e fixidez dessas áreas,
enquanto “margens” do Estado, perpetuando assim, relações sociais de segregação e estigma,
de desigualdade e repressão. Assim, as UPPs iriam ter obtido êxito se não buscassem a
permanência ou uma nova territorialização, ainda que bem intencionada. Entretanto, o que foi
possível observar é que a derrocada da UPP não foi acompanhada da incorporação dessas
localidades enquanto bairros da cidade. Concomitante ao declínio do projeto de pacificação,
observou-se a ascensão de uma intervenção militar que desempenha o papel de agente
produtor da violência e da barbárie nos “territórios da pobreza”, amplificando a lógica da
guerra (LEITE, 2012), com a utilização até de “caveirões voadores”.

Contudo, de que modo seria possível classificar os sentidos da pacificação? Marcia


Leite (2015) destaca que a UPP não visou somente o fim dos confrontos armados e, desse
modo, a redução da violência e da “insegurança nas áreas da cidade em que se situam as
favelas pacificadas, mas sobretudo, o estabelecimento de um novo modo de vida nessas
localidades” (LEITE, 2015, p 636). “A UPP matou a vida criativa da favela. Tá vendo esse
espaço. Era para todo mundo estar se divertindo, mas não tá acontecendo nada disso” disse
uma moradora da Favela Santa Marta (Pesquisa de Campo, 2017), ao destacar que na favela
não acontece mais “festejos como antigamente”. Nesse sentido, as ações da UPP provocaram
uma intervenção nos comportamentos e sociabilidades desses territórios pelo fato dos
aparelhos estatais suporem que esses componentes estivessem emaranhados nas redes do
ilegal e do ilícito (LEITE, 2015).

Nos territórios em que atuou, a UPP realizou o que Michel Foucault (2008a)
denomina de “urbanização pela polícia”. Foucault (2008a) afirma que os objetos de
intervenção da polícia são estritamente urbanos. Os objetos são urbanos na medida em que
eles só existem na cidade e porque existe uma cidade, assim, eles são compostos pelas ruas,
praças, edifícios, mercado, comércio, entre outros. No século XIX, a polícia era colocada
como condição de existência da urbanidade, pois era a instituição quem definia como as
pessoas iriam interagir entre elas. Era função da polícia realizar a vigilância e o controle do
território e das pessoas, para que assim, tivesse a garantia da manutenção de uma dada ordem
civilizadora. No processo civilizatório instituído nas favelas cariocas, as UPPs tiveram o papel
114
de regular a vida dos moradores, delimitar o que é permitido e o que é proibido por meio da
força, induzindo assim, à passagem dos mecanismos de coação exteriores para mecanismos
interiores (ELIAS, 1994), em uma espécie de internalização, disciplinarização de si, para que
enfim, o morador de favela fosse considerado um sujeito civilizado e ganhasse o direito de
pertencer à cidade.

Nessa perspectiva, é possível considerar que a experiência das UPPs representou uma
maquinaria política onde nela se construiu um controle detalhado dos corpos sociais e
individuais a partir da vigilância. Ela operou intervenções pontuais com o esquadrinhamento e
normalização de pessoas e lugares, articulam-se efeitos de subjetividade em um jogo
incessante entre assujeitamentos e governo de si. Diante desta questão, torna-se importante
afirmar que ao falar da experiência das UPPs não se deve utilizar o Estado como sinônimo,
pois a UPP vai muito além de uma imposição estatal: suas práticas, discursos e efeitos são
produzidos em uma rede de relações (MELÍCIO, GERALDINI, BICALHO, 2012),da qual os
moradores também participam com movimentos de contra condutas e resistências.

A implantação dessa política de segurança foi apresentada pelos seus formuladores,


como “condição primária” para que uma série de políticas sociais pudessem ser executadas
nos “territórios da pobreza”, os desdobramentos desse processo serão evidenciados no
próximo capítulo.

115
CAPÍTULO 2

O “Social da UPP” e os nexos do processo de


desconstrução da questão social nas favelas
pacificadas

O que representou o “Social da UPP”? De que maneira a UPP Social se relacionou


com a UPP Militar? Qual o papel da pacificação na desconstrução da questão social nas
favelas cariocas? Qual o impacto da mercantilização dos territórios pacificados na vida dos
moradores? Essas foram algumas questões referente ao processo de pacificação que esse
capítulo procurou discutir. Buscou-se evidenciar que o que se denominou pacificação
possuía várias faces e que elas se acoplaram à dimensão militar dos dispositivos de segurança
de maneira estratégica. Concomitante ao processo de reconquista de territórios, observou-se a
formação de um regime discursivo que configurou as UPPs como porta de entrada para
cidadania e que a UPP Social iria cumprir com primazia tal papel.

A UPP Social objetivava produzir informações sobre as necessidades sociais das


favelas ocupadas, articulando melhorias nos serviços públicos ausentes ou de baixa qualidade,
116
o que iria além da segurança nessas áreas, incluindo saneamento (sistema de esgoto e coleta
de lixo), educação e saúde, entre outros. A UPP Social chegou nas favelas com a promessa de
consolidar os “novos tempos” que a pacificação havia trazido a esses territórios, contudo,
acabaram representando “um paliativo que muita gente acreditou”, conforme as palavras de
uma das moradoras da Favela Santa Marta.

Ao longo dos anos, os pressupostos do multifacetado programa, que se iniciou em


2010, sofreram uma inflexão com uma mudança na equipe diretiva. Desse modo, a UPP
Social passou a ter como principal missão conformar a pacificação enquanto uma “janela de
oportunidades”, com vistas a “integração econômica” das favelas do Rio, secundarizando
assim, a pauta baseada na política de direitos sociais. A nova política instaurada estava
alinhada com a gestão empreendedora da cidade do Rio de Janeiro e a consequente
mercantilização dos espaços da “nova favela pacificada”. Observou-se então que o
aprofundamento da extensão da lógica do capital nos “territórios da pobreza” gerou diversos
processos que subalternizaram ainda mais a já “esvaziada” questão social das favelas.

117
2.1. Favela, cidadania e poder

A gente quer carinho e atenção

A gente quer calor no coração

A gente quer suar, mas de prazer

A gente quer é ter muita saúde

A gente quer viver a liberdade

A gente quer viver felicidade

A gente quer viver pleno direito

A gente quer viver todo respeito

A gente quer viver uma nação

A gente quer é ser um cidadão

A gente quer viver uma nação...

É! É! É! É! É! É! É!...

Gonzaguinha

A composição musical intitulada “É”, de Gonzaguinha, assinala o desejo do brasileiro


de ser conformado enquanto sujeito de direitos. Tal ambição é partilhada pelos moradores de
favela por não terem reconhecidos uma série de direitos, sobretudo, o direito à vida. Assim,
no momento da implantação da UPP Social, deflagrou-se a emergência de uma conflituosa
proposta que objetivava complementar a dimensão militarizada do projeto de segurança em
questão, com ações que visariam promover a cidadania nesses territórios. Contudo, antes de
realizar uma elucidação sobre o “Social da UPP” – expressão cunhada por Rocha (2015) –
será apresentada uma breve discussão sobre a cidadania e os sujeitos que não possuem o

118
direito de tê-la, ou seja, os favelados. Em seguida, será destacado as imbricações de tal
panorama com as estratégias dos dispositivos de poder.

Na concepção de Marshall (1967), a cidadania representa um status concedido àqueles


que são membros de uma comunidade. As pessoas que possuem tal status, em tese, são iguais
com respeito aos direitos e obrigações pertinentes a cidadania. Nesse sentido, não haveria
nenhum princípio universal que determinasse quais seriam estes direitos e obrigações, mas as
“sociedades nas quais a cidadania é uma instituição em desenvolvimento e criam uma imagem
de uma cidadania ideal em relação à qual sucesso pode ser medido e em relação à qual a
aspiração pode ser dirigida” (MARSHALL, 1967, p. 76). A cidadania passa longe de ser
constituída como algo dado e pronto, pois a “cidadania não se constrói por decretos ou
intervenções externas, programas ou agentes pré-configurados. Ela se constrói como um
processo interno, no interior da prática social em curso, como fruto das experiências
engendradas” (GOHN, 1994, p. 16).

Conforme Mendes (2010), os pressupostos fundamentais na gênese da cidadania –


enquanto modo prescritivo de comportamentos sociais – podem ser elencados por meio de
três vértices. Na história universal, o primeiro vértice emana na concepção aristotélica de
cidadania, de feições elitistas e centrada na participação política. Já o segundo vértice surge
no século XVII, por meio das narrativas hobbesianas que se opõem à aristotélica e
estabelecem a igualdade na liberdade entre os homens pela eleição do soberano como único
ser, depois de Deus, capaz de dizer o certo e o errado nas relações sociais. Sob o aspecto da
igualdade e liberdade para ações e comportamentos sob a égide do soberano, nasce a moderna
concepção de sociedade civil, com a figura do soberano-rei, enquanto fonte das normas e as
leis, substituída posteriormente, pela soberania estatal (e correspondentes constituições) no
mundo contemporâneo.

Por fim, o terceiro vértice se fundou nas Revoluções Francesa e Americana, que
iniciaram a tradição até hoje majoritariamente seguida das liberdades individuais e
democracias republicanas. A Revolução Francesa marcou e praticamente fundou
politicamente, o mundo moderno e a sociedade contemporânea. Ela teceu critérios e
legitimidade a serem preservados nas relações de indivíduo com a sociedade, dos indivíduos
com os indivíduos, dos governantes com os governados, desse modo, fundou-se,
propriamente, o espaço individual numa aparente oposição ao Estado. Este, por outro lado,
quando se livrou de tendências absolutistas ou totalitárias, em tese, fortificou-se enquanto

119
instância política impessoal e de apelação para garantia do respeito aos direitos humanos
(MENDES, 2010, ULHÔA, 2000).

Conforme Ulhôa (2000), o primeiro artigo da Declaração Universal dos Direitos do


Homem é paradigmático: “Todos os homens nascem livres e iguais em dignidade e direitos.
São dotados de razão e consciência e devem agir em relação uns aos outros com espírito de
fraternidade”. Percebe-se então, que a triologia da Revolução Francesa – liberdade, igualdade
e fraternidade – serviu de base para a referida declaração.

Fruto de tal revolução, o surgimento do Estado-nação emoldurou a natureza histórica


da cidadania. A luta pelos direitos sempre aconteceu dentro das fronteiras geográficas e
políticas do Estado-nação. Assim, havia uma luta política nacional, e o cidadão que daí surgia
também era nacional. Isso significa que a construção da cidadania tem a ver com a relação das
pessoas com o Estado e com a nação. “As pessoas se tornavam cidadãs à medida que
passavam a se sentir parte de uma nação e de um Estado. Da cidadania como a conhecemos
fazem parte então a lealdade a um Estado e a identificação com uma nação”. As duas coisas
também nem sempre aparecem juntas (CARVALHO, 2002, p. 12).

De acordo com Vieira (1997), a cidadania, então, seria composta pelos direitos civis e
políticos – direitos de primeira geração – e dos direitos sociais (direitos de segunda geração).
Os direitos civis, conquistados no século XVIII, dizem respeito aos direitos individuais de
liberdade de ir e vir, igualdade, propriedade, direito à vida, segurança, entre outros. Portanto,
são os direitos que estruturam a concepção liberal clássica. Por outro lado, os direitos
políticos alcançados no século XIX estão relacionados à liberdade de associação e reunião; de
organização política e sindical; à participação política e eleitoral; ao sufrágio universal, entre
outros. São também denominados direitos individuais exercidos coletivamente e acabaram se
incorporando à tradição liberal.

Já os direitos de segunda geração, os direitos sociais, econômicos ou de crédito, foram


alcançados no século XX a partir de lutas do movimento operário e sindical. “São os direitos
ao trabalho, saúde, educação, aposentadoria, seguro-desemprego, enfim, a garantia de acesso
aos meios de vida e bem-estar social. Tais direitos tornam reais os direitos formais” (VIEIRA,
1997, p. 22). Mas apesar do elemento social da cidadania ser tão antigo quanto o elemento
civil e o político, somente no final do século XIX é possível enquadrar os direitos sociais
como uma categoria diferenciada. Anteriormente, os três elementos da cidadania formavam
um conjunto indiferenciado porque as próprias instituições estavam aglutinadas. Desse modo,
120
Marshall afirmava que a distinção entre os três elementos da cidadania na própria
diferenciação social era o que caracteriza o processo de diferenciação das sociedades
ocidentais (SILVA, 2008).

Como a promessa em torno da implantação da UPP Social se relacionava a promoção


da educação, saúde, moradia, entre outros, o estudo privilegiou a análise dos direitos sociais.
E quando se analisa os direitos pertencentes ao sujeito/cidadão, o olhar foucaultiano sobre
essa questão propicia perspectivas interessantes. Apesar de Michel Foucault jamais tratar de
maneira direta sobre a formação e desenvolvimento das práticas que constituem os direitos
sociais, as suas pesquisas são ricas em sugestões de como tratar esse tema. Assim, analisar seu
pensamento e os diferentes estudos que empreendeu é direcionar o olhar para uma perspectiva
transversal que, ao longo de uma vasta obra, produziu problematizações sobre a loucura, o
saber médico, as prisões, os dispositivos de sexualidade no Ocidente, entre outros. E em meio
a esses fenômenos, abordar sobre um objeto que situe o campo do direito normativo a partir
de Foucault é perceber a sua forma descontinuísta de analisar arquivos e documentos
históricos, dos quais surgem discursos que se situam entre o dito e o oculto, sem um ponto
fixo entre os dois (FRANÇA, 2013, MACEDO, 1990).

François Ewald – assistente de Michel Foucault nos Cursos do College de France –


dissertou algumas asserções que envolvem a perspectiva de Foucault sobre as conexões entre
cidadania, direitos sociais e poder. Conforme Ewald (1986), a originalidade do pensamento
foucaultiano se deve ao fato do filósofo francês propor uma história das relações de poder no
Ocidente sob a égide de um modelo jurídico. Ewald (1986) considera que o direito não existe
e aquilo que é denominado como “direito” representa uma categoria de pensamento que não
aponta a nenhuma essência, mas tem o propósito de qualificar determinadas praticas: práticas
normativas, práticas de coerção e da sanção social, prática política e prática da racionalidade,
dessa forma, “pode-se determinar a priori o que é o direito, quais são as práticas que devem
ser assim qualificadas, posto que isto depende daquilo que é reflexionado como direito no
quadro de um certa experiência jurídica” (EWALD, 1986, p. 30).

De acordo com Ewald (1986), o direito social possui três características principais: a)
refere-se a um direito que se dirige menos aos indivíduos de maneira isolada e mais a eles a
partir do momento em que pertencem a um determinado grupo, classe ou categoria
profissional. Nessa perspectiva os sujeitos de direito social são sujeitos qualificados em
função da situação particular que ocupam, assim, o direito social seria um direito realista; b)

121
ele não representa um direito de igualdade, em que a regra de julgamento necessariamente
passa pela igualdade de direitos, mas pelo contrário, trata-se de um direito de desigualdades,
um direito discriminatório e dotado de preferências. É nessa seara que há também uma
novidade no instituto do contrato do direito social. O contrato pressupunha para o pensamento
liberal, a igualdade entre os contratantes e no mundo contemporâneo passa a definir uma
relação de desigualdade; c) o direito social necessariamente se trata de uma questão que
possui como base a sociologia – e não a filosofia, como o direito civil clássico – na medida
em que a sociologia se constituiu em uma perspectiva histórica, como crítica da filosofia, de
suas abstrações e sua metafísica, focando assim, o estudo da apreensão dos sujeitos e grupos
sociais que estão no interior de uma realidade concreta (EWALD, 1986, MACEDO, 2010).

Nessa perspectiva, o traço distintivo que confere um perfil sociológico a teoria é o


conceito de cidadania social. Para Silva (2008), ao destacar o chamado elemento social da
cidadania, Marshall lançou as bases de uma teoria sociológica da cidadania, que por sua vez,
salientou que a questão principal não é verificar se os direitos eram “reconhecidos em
princípio, mas também até que ponto os direitos reconhecidos em princípio podiam ser
usufruídos na prática” (SILVA, 2008, p. 66).

O usufruto dos diretos na prática se reporta a uma questão que Hannah Arendt (2009)
abordou de maneira crítica ao analisar a Declaração dos Direitos do Homem, que os
designava como inalienáveis e independentes dos governos dos Estados-Nação. Ao analisar
os gravíssimos conflitos que ocorreram na Europa durante o século XX, a filósofa afirma que
no momento em que seres humanos deixavam de ter um governo próprio, não restava
nenhuma autoridade para protegê-los e nenhuma instituição disposta a garanti-los. Assim,
mesmo com as constituições se baseando na Declaração dos Direitos do Homem, na prática,
existia um grupo migrante de pessoas que não eram considerados cidadãos. Judith Butler
(2009) avalia que o sujeito apenas pode ser constituído enquanto portador de direitos a partir
do momento em que é reconhecida a humanidade do Outro. Contudo, em todos os lugares do
mundo existem pessoas que são conformadas enquanto seres abjetos, cuja a materialidade da
vida não importa. Para Butler (2011), primeiramente os dispositivos de poder produzem a
“desrealização do outro” enquanto vida não passível de ser lamentada, para que em seguida, o
sujeito seja transformado em alguém que não possui o direito a ter direitos (ARENDT, 2009).

E quando se analisa o Brasil, são os mais pobres, sobretudo, os moradores de favelas


que são historicamente conformados como sujeitos que não possuem direito a ter direitos.

122
Vera Telles (1999) afirma que a Constituição aprovada em 1988 representou a aspiração por
uma sociedade democrática e muito mais igualitária.

É, portanto, no horizonte de uma sociedade que se fez moderna e promete a


modernidade que a pobreza inquieta. Nas suas múltiplas evidências, evoca o enigma
de uma sociedade que não consegue traduzir direitos proclamados em parâmetros
igualitários de ação. Sinal de uma população na prática destituída de seus direitos, a
pobreza brasileira não deixa, de fato, de ser enigmática numa sociedade que passou
por mudanças de regime, fez a experiência de conflitos diversos, de mobilizações e
reivindicações populares, que mal ou bem fez sua entrada na modernidade e
proclama por isso mesmo, a universalidade da lei e dos direitos nela sacramentados
(TELLES, 1999, p. 82.)

Assim, o enigma da pobreza estaria inteiramente implicado no modo como os direitos


são negados na trama das relações sociais. Não é por acaso, portanto, que tal como figurada
no horizonte da sociedade brasileira, a pobreza apareça despojada de dimensão ética e o
debate “sobre ela seja dissociado da questão da igualdade e da justiça. Pois é uma figuração
que corresponde a uma sociedade em que direitos não fazem parte das regras que organizam a
vida social” (TELLES, 1999, p. 88).

De fato, a promoção e a extensão da igualdade dos direitos sociais a toda população


brasileira nunca foi objeto de efetivo interesse da racionalidade governamental. As políticas
de proteção social sugiram com os Estados de Bem-Estar Social norte-americano e europeu.
No caso brasileiro, nem é possível fazer referência a um Estado de Bem-Estar Social, uma vez
que o mesmo “nunca deu conta de garantir as necessidades básicas de existência, senão para
toda, pelo menos para a maior parte da população” (GUIMARÃES, EIDELWEIN, 2010,
p.07).

Nessa perspectiva, quando se analisa mais especificamente a população favelada,


percebe-se um panorama ainda mais alarmante. Aos moradores de favela são negados uma
série de direitos sociais como: saúde, educação, segurança, lazer, entre outros. Segundo Silva
(2009), os diversos referenciais que podem ser atribuídos à favela, caracterizam-na como um
espaço de ausência de direitos, em virtude de ter: a) insuficientes investimentos do Estado e
do mercado formal, sobretudo, o imobiliário, financeiro e de serviços; b) edificações em sua
maioria caracterizadas pela autoconstrução, erguidas a custo de intenso esforço; c) ocupação
marcada pela alta densidade de habitantes, sem urbanização necessária; d) indicadores

123
educacionais, econômicos e ambientais abaixo da média do restante da cidade; e) elevada
incidência de situações de violência, principalmente a letal, acima da média da cidade.

Fabi Luci Oliveira (2014) em sua obra “Mais justiça e mais cidadania nas favelas
cariocas pós-pacificação”, destaca que as favelas cariocas apresentam um retrato de
subcidadania ou de cidadania incompleta. O cenário de subcidadania fica claramente exposto
na fala de um morador do Complexo do Alemão:

Sim, pra boa parte do pessoal (a infância) foi paupérrima. Porque a gente não tinha
nada. Não tinha esgoto, não tinha água, a luz era aquela coisa piscando, a casa era de
madeira. Não era como é hoje. Hoje o pessoal ainda reclama. Mas vamos analisar, se
eles voltarem um pouquinho. Antes era casa de estuque, pingava, chovia. A rua não
era asfaltada, se chovia, tinha lama até o teto (Loreto, morador do Complexo do
Alemão, Pesquisa de campo, 2016).

Assim, as favelas são, de modo geral, territórios “sem garantias de efetivação de


direitos sociais, fato que vem implicando a baixa expectativa desses mesmos direitos por parte
de seus moradores” (SOUZA e SILVA, 2009, p. 96). O autor avalia que o Estado impõe uma
ordem balizada em uma visão de controle externo nas favelas, deixando assim, de pautar uma
política direitos. Márcia Leite (2000) enfatiza que desde que população favelada passou a
viver sob a metáfora da guerra – que vincula, de modo difuso, a criminalidade violenta e o
narcotráfico às contradições que opõem morro e asfalto, traficantes e trabalhadores, favelados
e cidadãos – os direitos civis e humanos dos favelados foram secundarizados, pois conforme a
integibilidade dos aparatos governamentais, em uma “situação de guerra”, não haveria tempo
para pensar em direitos. Conforme Leite (2000), em meados da década de 1990, começou a
surgir discursos que contrapuseram a “metáfora da guerra”, como também, tais enunciados
reivindicavam o respeito aos direitos civis e humanos.

A partir da segunda metade da década de 90, entretanto, vem encontrando cada vez
mais ressonância na cidade uma corrente de pensamento e opinião alternativa [...].
Esta corrente vem propondo a pacificação da cidade por meio de soluções
democráticas para o problema da violência e da segurança pública, com isso
significando o respeito aos direitos humanos e civis de toda a população e a
submissão das atividades policiais ao controle da sociedade civil. Advoga a
necessidade de “domesticar a polícia” e de “levar a cidadania para as favelas e
periferias”, integrando seus habitantes, particularmente os jovens, à cidade (LEITE,
2000, p. 82).

124
A partir de então, diversos foram os “atos de paz” promovidos pelos movimentos
sociais, como por exemplo, o “Abraço à Candelária”32, em 1993 (LEITE, 2000). Enquanto os
grupos subalternizados se mobilizavam na construção de elementos simbólicos que
valorizassem a vida dos mesmos, o governo do Estado definiu a ocupação armada como
estratégia para “pacificar” os territórios da pobreza, como foi evidenciado no capítulo
anterior. Tomasi e Velazco (2013) advogam que com o início da implantação das UPPs nas
favelas cariocas, houvera um investimento significativo na produção de um regime discursivo
que buscou promover uma nova imagem de cidade, uma cidade pacificada e em via de ser
“integrada”, em que a UPP Social seria um instrumento tido como fundamental para que esse
processo de integração acontecesse.

32
Refere-se a um ato protestava contra a chacina da Candelária (1993) que ocorreu próximo da Igreja da
Candelária.
125
2.2. “A UPP Social foi um paliativo e muita gente acreditou”. UPP Social: Uma política
de direitos?

As intervenções urbanas feitas pelo Programa Favela-Bairro (criado na década de


1990); o Programa de Aceleração do Crescimento (PAC) – que quando aplicado às favelas
procurou dinamizar a urbanização de tais territórios; a política de segurança pública ancorada
na implantação de Unidades de Polícia Pacificadora e por fim, as políticas do governo federal
– como o Programa Nacional de Segurança Pública com Cidadania (PRONASCI) – ajudaram
a arregimentar um discurso a respeito da introdução da cidadania e do respeito aos direitos
humanos nas favelas pacificadas (OST, FLEURY, 2013).

Conforme Lia Rocha (2014), após a implantação das UPPs, moradores de favelas,
pesquisadores e autoridades públicas compartilhavam a ideia de que apenas essa nova política
de segurança não seria suficiente para “integrar” as favelas à cidade e à cidadania. Desse
modo, os variados agentes declararam a necessidade de outros tipos de atuação nesses
territórios. É nesse contexto que o Programa UPP Social foi apresentado como uma agenda
posterior à pacificação. A preocupação com a “regulação da vida coletiva durante a transição
para outro regime, com o suposto fim da dominação sobre os moradores pelos grupos de
traficantes de drogas locais, era central na criação do Programa UPP Social” (ROCHA, 2014,
p.05).

O então Secretário Estadual de Segurança Pública, José Maria Beltrame, revelou sua
angustia referente ao processo de pacificação aos meios de comunicação, em 2011. Ele
afirmou que: “Nada sobrevive só com segurança. Não será um policial com um fuzil na
entrada da favela que vai segurar, se lá dentro das comunidades as coisas não funcionarem. É
hora dos investimentos sociais” (O GLOBO, 2011). Na visão de Beltrame, as UPPs estariam
“agradando”, contudo, seria preciso viabilizar a chegada da dignidade nas favelas, pois essa
seria a razão da existência das UPPs.

No dia 21 de janeiro de 2009, o então governador do Rio de Janeiro, Sergio Cabral,


assinou um decreto que propôs a criação do programa UPP social, deixando clara a associação
íntima desse projeto com a política de pacificação,

126
O Programa das Unidades de Polícia Pacificadoras - UPP criado pelo Decreto nº
41.650 de 21 de janeiro de 2009; o que consta do art. 1º do referido Decreto, acerca
da pacificação e manutenção da ordem pública em comunidades populares; que a
manutenção das comunidades já pacificadas requer a presença do Estado não só
executando ações de segurança pública, mas também executando políticas sociais;
e que a Secretaria de Estado de Assistência Social e Direitos Humanos necessitará,
também, de uma equipe especializada e tecnicamente adaptada para a execução de
projetos e programas concernentes à consolidação do controle territorial e da
pacificação, à promoção da cidadania e do desenvolvimento social e à integração
plena das comunidades pacificadas por Unidades de Polícia Pacificadora (UPP) ao
conjunto da cidade do Rio de Janeiro (Decreto nº 41.650 de 21 de janeiro de 2009).
DECRETA:
Art. 1º - Fica criado, na estrutura da Secretaria de Assistência Social e Direitos
Humanos, o Programa “UPP Social” para a execução de ações especiais de
promoção do desenvolvimento social em áreas pacificadas por Unidades de Polícia
Pacificadora - UPP.
Art. 2º - O Secretário de Estado de Assistência Social e Direitos Humanos editará
ato disciplinando e regulamentando a execução das ações especiais de que trata o
art. 1º deste Decreto, inclusive no que tange à designação de pessoal (DECRETO
41.650/ 2009).

O programa UPP Social iniciou as suas ações a partir do segundo semestre de 2010
vinculado à Secretaria de Estado de Assistência Social e Direitos Humanos – entidade pública
responsável pela integração e coordenação de ações sociais nas favelas com UPPs – e teve
como coordenador principal, o economista Ricardo Henriques (ROCHA, 2014). As bases
fundamentais do programa podem ser averiguadas no artigo intitulado “UPPs Social: ações
sociais para a consolidação da pacificação” de autoria de Ricardo Henriques e Silvia Ramos
(2011).

Conforme Henriques e Ramos (2010), a principal missão da UPP Social estava


relacionada à realização de uma coordenação unificada das políticas sociais. O projeto partiu
de um diagnóstico paradoxal, ou seja, de que nas favelas cariocas se observava a “ausência do
Estado”, como também, a “presença”, por meio de muitas políticas públicas descoordenadas.
Os autores discordavam da afirmação de que faltam projetos sociais nas favelas, pois eles
existiriam em grande número, porém, de forma descontínua, fragmentada e com padrão de
qualidade questionável, sobretudo, no que tange a disponibilização de serviços públicos. Os
gestores públicos que comandavam determinado projeto social, desconheciam o trabalho
desenvolvido por outros gestores, havendo em muitos casos, uma sobreposição de ações.
Esses gerenciadores costumavam ignorar o público alvo atendido por outras ações
simultâneas e não se coordenavam de modo a produzir uma cobertura adequada a todo o

127
território: haviam áreas ou setores ou famílias a quem se ofertavam programas similares e
áreas totalmente descobertas por qualquer programa (HENRIQUES, RAMOS, 2010).

Assim, quando se adiciona nesse cenário os projetos desenvolvidos por ONGs e


pelos setores de responsabilidade empresarial, observava-se que a presença de ações no
mesmo território poderia ser intensa, entretanto, a fragmentação e sobreposição de ações
reduzia enormemente a eficácia social de tais projetos (HENRIQUES, RAMOS, 2010). Em
virtude da fragmentação das políticas públicas, a UPP Social estabeleceu um modelo de
atuação que teve como meta integrar e coordenar ações, identificando demandas e as
conectando a ofertas de serviços e bens públicos, fornecidos pelo setor estatal, setor privado e
pela sociedade civil (como evidencia a Figura 16).

Figura 16 - Modelo de atuação da UPP Social

Fonte: HENRIQUES, RAMOS (2010)

No modelo acima, a demanda era consequência de um trabalho que combinou


estudos e diagnósticos baseados em dados já existentes e levantamentos elaborados por
técnicos no território, com uma escuta constante das reivindicações dos líderes locais
(associações de moradores e comitês locais), dos gestores públicos que atuavam nas favelas
128
(como, professoras, agentes de saúde, agentes de cultura, entre outros) e dos atores externos
que ofertavam serviços e projetos, como as ONGs e grupos religiosos (HENRIQUE,
RAMOS, 2010).

Nesse sentido, o que se nomeou oferta representou o produto do mapeamento de


programas governamentais federais, estaduais e municipais existentes e do levantamento de
projetos, ações e boas práticas do setor privado e da sociedade civil. O objeto do modelo de
atuação se reportava a organização, planejamento e integração de ações. Assim, os conceitos-
chave da estrutura de gestão do programa UPP Social foram:

Função integradora: compartilhar diretrizes de atuação e articular demanda e


oferta; gestão em rede: gestão a partir de uma um centro coordenador, sem
ascendência hierárquica sobre os atores envolvidos; caráter intergovernamental:
integração de esforços de secretarias e 10 órgãos públicos estaduais e municipais,
em particular, sua estreita cooperação com a Secretaria de Segurança Pública e
comandos das UPPs; gestão participativa: sistema permanente de escuta, parcerias
com comunidades locais, setor privado e sociedade civil; aprendizado contínuo:
produção de diagnósticos locais e uso sistemático de mecanismos de monitoramento
e avaliação e, por último, transitoriedade, ou seja, a meta de integração plena das
áreas ao conjunto da cidade, considerando indicadores de cidadania e bem estar
(HERIQUES, RAMOS, 2010, p. 10, grifo do autor).

Logo após a implantação desse engenhoso programa, os meios de comunicação


passaram a anunciar a chegada da cidadania nas favelas. Uma reportagem do jornal o Extra
teve o seguinte título: “Programa garante serviços públicos e direitos do cidadão”. Na
publicação em questão, a UPP Social foi retratada como um modelo inovador de gestão
pública, fundamental para melhorar a infraestrutura e conservação dos espaços públicos de
territórios com UPP, como também, para levar serviços de saúde e educação a essas
localidades no mesmo padrão do restante da cidade. “Com este trabalho, a prefeitura não só
leva mais qualidade de vida aos cidadãos cariocas, mas ajuda a consolidar os avanços trazidos
pela pacificação e a deixar no passado os legados da violência” (EXTRA, 2011). Nota-se
então, que o regime discursivo em torno na pacificação buscava a essa altura conformar o
morador de favela enquanto “cidadão”, como se em um “passe de mágica”, a referida política
de segurança tivesse trazido cidadania a pessoas que sofrem com o descaso histórico dos
direitos sociais. O esforço discursivo foi tamanho que o governo do Rio contratou o
cartunista Ziraldo para elaborar uma revista em quadrinhos que retratasse o “cidadão
pacificado” (ver Figura 17).

129
Figura 17 - O policial e o “cidadão”

Fonte: Ziraldo (2012),

No topo da figura em questão aparece a seguinte mensagem: “Agora vamos ter um


Rio de paz”. Assim, destaca-se no plano de fundo do desenho, uma favela colorida atrás dos
prédios da orla de Copacabana. Já no primeiro plano, observa-se que os dois personagens
principais da imagem são o policial negro da UPP e um garoto branco que supostamente mora
na favela. O policial da UPP diz: “Tudo por uma cidade inteira” – tal frase é emblemática,
pois o grande mote da racionalidade governamental ao implantar nas UPPs nas favelas
cariocas era: “pacificar para integrar”. A resposta do garoto é não menos emblemática: “Eu
sou um cidadão”.

Assim, continuando o desenrolar do complexo arranjo institucional desenvolvido pelos


seus proponentes, no primeiro semestre de 2011, o programa UPP Social foi transferido do
âmbito estadual – especificamente a Secretaria Estadual de Assistência Social e Direitos
Humanos – e reposicionado na autarquia municipal Instituto Pereira Passos (IPP). Durante
essa modificação, o principal formulador e gestor do projeto, Ricardo Henriques, foi
empossado como presidente do Instituto Pereira Passos. O argumento oficial para tal

130
transferência seria de que a maior parte dos serviços públicos ofertados nas favelas era de
responsabilidade do município (ROCHA, 2014). Contudo, após essas mudanças no arranjo
institucional e um discurso oficial afiado em torno da cidadania, como funcionou a UPP
Social na prática?

Para os moradores da favela Santa Marta, a UPP Social representou apenas um


“paliativo”, sendo que a desativação de uma creche para instalação da sede da UPP foi um
péssimo indicativo para os mesmos.

A gente foi muito resistente com essa coisa da UPP Social, porque o que acontece...
O governo agiu malandramente. Ele deveria ter colocado secretaria aqui. Por que
não trouxe a secretaria de educação? Não é missão da polícia fazer social. Quem são
os responsáveis por estarem fazendo esse tipo de trabalho e serviço? Ou você
articula as secretarias governamentais dentro de um espaço ou caso contrário você
vem com um paliativo. A UPP Social foi um paliativo e muita gente acreditou. A
UPP foi o caramba, viu. A UPP ocupou a creche aqui no morro, viu. Então se a UPP
ocupou a creche, onde estão as crianças? Então a UPP Social foi um paliativo.
(Entrevista com uma moradora da Favela Santa Marta. Pesquisa de Campo, 2017).

Enquanto “ação paliativa”, a UPP Social serviu momentaneamente como elemento de


justificação da UPP militar, já que por meio dela a cidadania teria “dado as caras” no Santa
Marta. E como reforça a moradora, “a UPP Social foi um paliativo e muita gente acreditou”.

Assim sendo, em meio a muita controvérsia o programa se desenvolveu na forma de


projeto piloto em três favelas representativas – Providência, Cidade de Deus e Complexo do
Borel – do universo das 13 favelas que haviam recebido UPPs até o final de 2010. O período
chamado de “pré-implantação” representava o momento em que um grupo de coordenadores
se colocavam em campo para anunciar o projeto, conhecer as particularidades e setores
organizados (associações de moradores, ONGs, Igrejas, empresa locais, projetos sociais, entre
outros) das favelas em questão e começava o trabalho de encaminhamento de demandas.
Posteriormente a essa ação, tinha-se o desenvolvimento do “Fórum UPP Social”,
simbolizando assim, a introdução da UPP Social em determinado perímetro de atuação. O
intuito desse fórum era elaborar um espaço de apresentação formal do programa à população
local, da equipe de coordenação da UPP Social e da equipe de campo. Na composição da
mesa do evento se faziam presentes: o presidente do IPP, gestores públicos de diversas
secretarias do poder público municipal, o comandante da UPP e os presidentes das
associações de moradores locais – a participação desses últimos era tida como expressão

131
maior da proposta do programa, que era a de produzir um diálogo horizontal com a população
atendida (RODRIGUES, 2015, COUTO, 2016).

Conforme destaca Rodrigues (2015), em um momento inicial, houve um esforço das


equipes que formavam a UPP social em se diferenciar da UPP militar. Eles buscavam fazer
certo tipo de “limpeza simbólica”, pois a reação imediata dos moradores e lideranças era a de
acreditar que os representantes municipais fossem, na realidade, policiais. Assim, eles tinham
dúvidas sobre a sua “verdadeira identidade” do programa. Mas também haviam moradores
que enxergavam os membros do UPP Social como canal em potencial de encaminhamento e
resolução de demandas mais urgentes das favelas.

Essas demandas eram catalogadas por meio do contato diário que as equipes do
programa tinham com os moradores, sendo que posteriormente ocorria uma sistematização
das informações identificadas em campo. No âmbito das articulações que a UPP Social
conseguiu construir com as secretarias municipais, destacam-se os projetos: “Vamos
Combinar uma Comunidade Mais Limpa”, que representou um acordo de gestão firmado com
a Comlurb, 33 e o “Vamos Iluminar”, que foi um pacto de gestão construído com a Rio Luz 34
(RODRIGUES, 2015).

Em relação às políticas desenvolvidas pela UPP Social, Ganem Misse (2016) destaca
que o projeto desenvolvido por Ricardo Henriques e Silvia Ramos carecia de uma melhor
capacidade de articulação institucional – ou governabilidade. O fato de não haver um objetivo
comum a ser alcançado por todas as secretarias envolvidas ocasionou uma desarticulação das
políticas setoriais, dessa forma, as intervenções nos territórios geraram baixo impacto e baixo
controle de resultados.

Contudo, toda dinâmica desenvolvida pela UPP Social passou por modificações ao
longo dos anos. Em 2013 – o então vice-prefeito do Rio – Adilson Pires, entrou em rota de
colisão com o ex-prefeito Eduardo Paes ao declarar o fim do programa UPP Social.
33
Comlurb – Companhia Municipal de Limpeza Urbana. O acordo com a Comlurb envolvia um pacto em que
a companhia pública comprometia-se, por um lado, a adquirir novos equipamentos e recursos para aperfeiçoar
sua capacidade técnica nas áreas de favela e, por outro, a envolver participativamente a população atendida na
elaboração e implantação do programa, o que envolvia a determinação de pontos e horários de coleta do lixo e
locais para instalação de caçambas, papeleiras e equipamentos afins; além disso, o “Vamos Combinar...” previa a
criação de uma comissão de moradores responsável pelo acompanhamento da implementação da nova logística
de coleta de lixo e pela sua avaliação periódica (ver RODRIGUES, 2014, p. 87).
34
Rio Luz – Companhia Municipal de Energia e Iluminação. O “Vamos Iluminar”, por sua vez, consistia de uma
rotina mensal de reparo e manutenção de pontos de iluminação pública (troca de lâmpadas, de sensores etc.); a
planilha era preenchida pela equipe de campo do UPP Social e enviada regularmente para a gerência da RioLuz
pertinente, que enviava uma equipe de técnicos para fazer os reparos ((ver RODRIGUES, 2014, p. 87).
132
Posteriormente, a prefeitura desmentiu a afirmação do então vice-prefeito e o programa
seguiu até agosto de 2014. Nesse mesmo mês, o programa acabou ganhando uma nova
roupagem e foi nomeado de “Rio Mais Social”. Essa nova nomenclatura pretendia retirar o
35
estigma que o programa anterior possuía, sobretudo, por ter a sigla UPP. Conforme Rocha
(2014), a complementaridade entre UPP Militar e “o social da UPP”, foi constituinte do
projeto das UPPs desde seu início. Desse modo, a UPP Social foi desenvolvida como forma
de operacionalizar o trabalho de outras entidades públicas nas favelas ocupadas pelas forças
de pacificação, e nessa perspectiva, exercia uma função complementar à ocupação militar,
ainda que com lugar institucional diferenciado. Porém, o fato de o projeto ser nomeado UPP
Social dificultou a separação entre as duas linhas de atuação, civil e militar, o que auxilia a
explicar a mudança de nome do programa.

Maria Isabel Couto (2016) revelou com precisão no estudo “UPP e UPP Social:
narrativas sobre integração na cidade” os pormenores envolvidos na mudança dos princípios
da UPP Social, com a implantação do programa Rio Mais Social. Esse processo se iniciou em
2012, quando o idealizador das ações da UPP Social, Ricardo Henriques, deixou o Instituto
Pereira Passos para presidir o Instituto Unibanco. Assim, o seu posto acabou sendo ocupado
por outra pessoa também graduada em Economia. Eduarda La Rocque – ex-secretária de
fazenda do município do Rio de Janeiro – assumiu coordenação da UPP Social e começou a
modificar as diretrizes desse programa, dessa forma, deixou de lado as propostas anteriores
que vinham sendo desenvolvidas desde a Secretaria de Estado de Assistência Social e Direitos
Humanos (SEASDH).

Assim, uma das primeiras medidas de Eduarda La Rocque foi a participação ativa no
projeto denominado "Favela como Oportunidade". O projeto teve a coordenação feita pela
Marília Pastuk – do Instituto Nacional de Altos Estudos/INAE – e pelo então ministro do
Planejamento, João Paulo dos Reis Velloso. Essa iniciativa começou a partir da publicação de
um estudo que mapeava as demandas por serviços e melhorias de qualidade de vida em
algumas favelas e a partir delas propunha um plano de desenvolvimento local. Após o
lançamento desse trabalho, formou-se então um grupo cujo principal intuito era providenciar
uma espécie de fundo de investimentos para projetos locais. A proposta apresentada e

35
Revista Piauí. Quem se lembra da UPP Social. Reportagem. Data de publicação: 10/05/2017. Disponível em:
<http://piaui.folha.uol.com.br/lupa/2017/05/10/quem-se-lembra-da-upp-social/>. Acesso em 18/12/2017mas
23:14.
133
amplamente defendida pela então presidente do IPP, era que o BNDES36 criasse linhas de
subsídio a iniciativas de “organizações de favelas, que não seriam estruturadas o suficiente
para captar os recursos sozinhas. Seriam, então, estas organizações que levariam adiante os
planos de desenvolvimento locais, utilizando-se de recursos públicos cedidos pelo BNDES”
(COUTO, 2016, p. 192).

Conforme Couto (2016), a proposta trazia o benefício de transferir recursos que


possibilitassem o desenvolvimento de uma enorme gama de programas para os moradores de
favelas. No período em questão, La Rocque desejava realizar a criação de um fundo de 30
milhões de reais. A definição das novas prioridades da UPP Social afastava o programa da
proposta de qualificação dos serviços públicos, sendo que o pensamento de La Rocque era
suprir o déficit de infraestrutura urbana e social nas favelas pacificadas por meio de
iniciativas não-governamentais,

Apesar de não alterar a estrutura organizacional da UPP Social, Eduarda La Rocque


buscou intervir em algumas áreas com o intuito de fortalecer o estímulo ao
desenvolvimento de projetos privados de melhoria da qualidade de vida nas favelas
sob "pacificação". Nesse sentido, a Gestão Institucional (GI) foi a área mais alterada
após à saída de Ricardo Henriques. Anteriormente, a GI voltava-se principalmente
para o contato com organizações do poder público. Eduarda La Rocque, por sua vez,
demandaria o fortalecimento do setor de Mobilizações e Parcerias. Foram
contratados novos consultores para ampliar o setor, e assistentes diretos da
presidente do IPP passariam a trabalhar de forma próxima desta área. Por fim, cabe
ressaltar uma última modificação importante entre a gestão de Ricardo Henriques e
Eduarda La Rocque, que aponta para a mudança de rumos do programa. Eu
permaneci na UPP Social até abril de 2013 e, até aquele momento, a nova
presidência do IPP não realizara nenhuma reunião geral com o secretariado
municipal. Nesse sentido, ficava em segundo plano a produção de acordos de gestão
para a melhoria de serviços públicos. Não havia espaço político de diálogo para a
proposição de novas estratégias conjuntas de atuação, para além das que já
tramitavam na interação entre GI e "pontos focais". E, mesmo estas, quando
esbarravam em obstáculos burocráticos das secretarias, não tinham o apoio político
necessário para suplantá-los (COUTO, 2016, p. 192).

A gestão de Eduarda La Rocque no IPP ancorou as suas bases em uma governança


empreendedora e empresarial. Com inspiração nos métodos desenvolvidos na época em que
comandava a pasta da fazenda do governo fluminense, ela passou a incentivar as parcerias
público-privadas, que auxiliara a institucionalizar enquanto secretária. Desse modo, o papel
da UPP Social pouco a pouco foi se alterando e as propostas de integração com base na
“qualificação do próprio modelo de prestação de serviços públicos cederiam espaço para uma

36
BNDES: Banco Nacional do Desenvolvimento Econômico e Social.
134
atualização do papel da UPP Social como órgão de fomento à investimentos privados e
públicos em favelas” (COUTO, 2016, p. 193).

A “virada mercadológica” da UPP Social demonstrou que a política de direitos


passaria ser totalmente secundarizada em detrimento da “inclusão produtiva” dos moradores
de favela (LEITE, 2015). O discurso sobre a inclusão produtiva iniciou concomitantemente ao
processo de pacificação. Em 2013, o Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID) e o
governo do Estado do Rio de Janeiro anunciaram com pompas a assinatura de um contrato de
empréstimo. Os recursos visaram a implantação e fortalecimento de uma agenda de política
pública dirigida aos jovens de 15 a 29 anos que viviam em territórios em processo de
pacificação. O plano seria capacitar os moradores para uma posterior “inclusão social pelo
mercado”. Para Daniela Carreira-Marquis, então representante do BID no Brasil, a
implantação dessas políticas de inclusão produtiva visou a “recuperação efetiva desses
territórios” (BID, 2013). Em 2017, Osmar Terra, ministro de Desenvolvimento Social, reuniu-
se com representantes do BNDES no Rio para discutir estratégias para promover a inclusão
produtiva e geração de oportunidades para jovens que vivem em “territórios considerados
violentos”. O objetivo seria dar “uma resposta à crise econômica e de violência que atinge a
cidade” (MINISTÉRIO DO DESENVOLVIMENTO SOCIAL, 2017).

Em suma, essas medidas buscaram “ativar” o mercado de trabalho e, sobretudo,


modificar o comportamento dos favelados, para que os mesmos se tornassem “buscadores de
emprego” ou empreendedores (DARDOT, LAVAL, 2016), isto é, sujeitos de sua
empregabilidade, que se encarregam de si mesmo e que não ficam “escorado” em políticas e
direitos que visem a proteção social. Aliás, essas medidas apenas emolduraram o processo de
desconstrução da favela enquanto questão social. Tal processo é histórico e ganhou novas
nuances com a pacificação, como poderá ser verificado na próxima seção.

135
2. 3. Os nexos do processo de desconstrução da questão social nas favelas pacificadas

A “questão social” representa uma perspectiva de análise da sociedade. Isso porque


não há consenso de pensamento no fundamento básico que constitui a “questão social”. A
questão social é uma categoria que expressa a contradição fundamental do modo capitalista de
produção. Contradição essa, fundada na produção e apropriação da riqueza gerada
socialmente: os trabalhadores produzem a riqueza, os capitalistas se apropriam dela (LEIVA,
2012).

Historicamente, a questão social foi retratada sob o ângulo do poder, enquadrada como
ameaça que a luta de classes – em particular, da classe operária – representava para ordem
instituída. Marilda Iamamoto (2011) afirma que os processos sociais que ela traduz se
encontram no centro da análise de Marx sobre a sociedade capitalista. Nessa escola
intelectual, o sistema capitalista de produção “é tanto um processo de produção das condições
materiais da vida humana, quanto um processo que se desenvolve sob relações sociais
histórico-econômicas de produção específicas” (IAMAMOTO, 2001, p. 11).

Na obra, “As metamorfoses da questão social: uma crônica do salário”, o sociólogo


francês Robert Castel (1998) apresentou uma pesquisa que analisou em uma perspectiva
histórica, as modificações ocorridas durante o percurso de tempo entre a sociedade pré-
industrial (metade do século XIV ao fim do século XVIII) e a contemporaneidade (final do
século XX em diante), como também, as relações que propiciaram aos indivíduos, a provisão
de certas garantias sociais protetivas, principalmente, no que tange àquelas postas frente aos
desacertos estruturais inerentes à questão social (SOUZA, 2012). O teórico francês definiu a
questão social como “uma aporia fundamental sobre a qual uma sociedade experimenta o
enigma de sua coesão e tenta conjurar o risco de sua fratura” (CASTEL, 1998, p.30).

De acordo com Castel (1998), a questão social surge primeiramente de maneira


explícita na década de 1830, a partir da análise das condições de vida das populações que
antes eram os agentes e vítimas da Revolução Industrial. Tal questão se reportava ao
pauperismo, que por sua vez, representou um momento em que parecia ter havido um
divórcio quase por completo entre a ordem jurídica e política – ancorada no reconhecimento
dos direitos da cidadania – e a ordem econômica.

136
Então, se a “velha questão social” se relacionava ao pauperismo, a “nova questão
social” para Castel (1998) estaria vinculada a três pontos principais: a) a desestabilização dos
estáveis (uma parte da classe operária integrada e dos assalariados passaram a ser ameaçados
pela desestabilização socioeconômica; b) a implantação do trabalho na precariedade, isto
é, a constituição de um trabalho aleatório, descontínuo e que não pode servir de base à
proteção de um futuro planejado; c) a precarização do emprego e a escalada do
desemprego, manifestando-se assim, um déficit de lugares ocupáveis pelos pobres na
estrutura social, compreendendo-se por lugares, as posições relacionadas à utilidade social e
ao reconhecimento público.

Desse modo, Castel (1998) desenhou por meio de seu estudo, uma espécie de
diagrama da questão social, em que a vulnerabilidade de massa se traduz em contingentes
cada vez maiores de desempregados, de inimpregáveis, de precarizados, de pessoas que
sobrevivem graças “aos programas de renda mínima, de jovens sem perspectiva de um
emprego estável e de todos aqueles que mesmo momentaneamente incluídos, estão separados
da insegurança social por um linha muito frágil” (MIAGUSKO, 1999, p. 171).

Castel (1998) salientou que na sociedade salarial, a conquista de um sistema de


proteção social, fez do salariado um sujeito de direitos, o que corresponde uma inflexão no
desenvolvimento capitalista, suprimindo assim, a “questão social” que apareceu com a
Revolução Industrial. Por essa razão, o sociólogo francês considera haver uma “nova questão
social”, no sentido de que a antiga questão havia sido superada com o advento do Estado de
Bem-Estar Social. Assim, sob a ótica de Castel (1998), a sociedade contemporânea se
encontra em uma bifurcação: aceitar uma sociedade inteiramente submetida as exigências do
mercado ou construir uma figura do Estado Social capaz de atender ao novo desafio. A
aceitação da primeira opção representaria o desmoronamento da sociedade salarial. Já a
segunda opção representaria uma redefinição do pacto social, isto é, um pacto de
solidariedade, um pacto de trabalho, enfim, um pacto de cidadania (SIQUEIRA, 2014).

Para Pastorini (2004), a “nova questão social” não se trata da mesma que surgiu no
século XIX, pois representa o resultado da revolução tecnológica de uma sociedade agora
configurada como “pós-industrial” ou “pós-trabalho”. Assim, as evidências da questão social
na contemporaneidade não são decorrência somente de um irreversível progresso tecnológico,
mas sim, consequência da crise do sistema capitalista internacional com esgotamento do
modelo fordista-keynesiano no início da década de 1970.

137
Apesar das análises de Robert Castel estarem relacionadas à realidade francesa é
possível utilizar seus questionamentos para verificar as condições sociais do Brasil, pois o
estudo do referido autor envolve apontamentos que convergem com o contexto brasileiro. A
principal, “seria a produção de vulnerabilidades sociais acopladas à perda do lugar de
trabalhador para uma parcela da sociedade que, se instala em uma área de precariedade de
suas condições materiais de reprodução” (BRANDÃO, 2002, p.142).

Nesse sentido, Lúcio Kowarick (2009) realiza a seguinte indagação: Qual é a questão
social brasileira? Para o autor, a questão social brasileira, na realidade, abrange várias
questões. Todavia, aquela que mais se sobressai no âmbito das relações entre o Estado e a
sociedade está relacionada à dificuldade de expandir os direitos de cidadania para toda
população brasileira.

Após uma década de lutas e reivindicações, num contexto em que gradualmente


consolida-se um sistema político democrático, deixa de ocorrer um enraizamento
organizado e reivindicativo que consolide um conjunto de direitos básicos. Eles
podem estar na Carta de 1988, mas não se traduzem no fortalecimento de um campo
institucional de negociação de interesses e na arbitragem de conflitos nem em
políticas de sociais de alcance massivo, não ocorreram processos que levassem à
consolidação de uma condição do empowerment de grupos e categorias da sociedade
civil (KOWARICK, 2009, p. 77).

Entretanto, a fragilização de direitos no Brasil não poderia ser vista enquanto


decorrente da crise da sociedade salarial, como apontou Castel (1995), pois nunca houvera
semelhante modalidade de sociedade no país. Isso porque ela não supõe somente que a força
de trabalho esteja em sua maioria empregada de forma perene e regular quanto à legislação
vigente. Implica também uma trajetória profissional protegida por contratos coletivos que
levem à ascensão socioeconômica ou, ao menos, garantam certos direitos aos que nesse
percurso forem alijados do mercado de trabalho. No caso da França, basta analisar o processo
histórico que levou ao reconhecimento do desempregado para observar que a construção da
sociedade salarial foi permeada por conflitos e negociações que acabaram por produzir o
reconhecimento público do assalariado “enquanto sujeito de direitos coletivos quando se
figura alijado do processo produtivo. Certamente, esse não seria o caso do Brasil, pelo fato de
que as garantias do (não) trabalhador sempre foram muito frágeis” (KOWARICK, 2009, 78).

Para Telles (2001) a nossa velha e persistente questão social é historicamente definida
entre a tutela estatal e a gestão filantrópica da pobreza, pois a questão social foi projetada “no
138
cenário político brasileiro sob uma figuração plural que colocava no foco do debate as
possibilidades de se firmar os direitos como princípios reguladores da economia e sociedade”
(TELLES, 2001, p.04). Ianini (1991) acredita que há uma tendência a naturalizar-se a questão
social por meio de duas visões. A primeira, é que ela é compreendida como um “problema de
assistência social”. Já na segunda percepção, a questão social é entendida enquanto problema
de violência (repressão, segurança e opressão).

Feltran (2008) avalia que novas nuances foram incorporadas à questão social a partir
de 2004. O autor acredita que as dinâmicas sociais das periferias urbanas poderiam ser
interpretadas a partir de uma série de crises – do emprego formal, da religiosidade católica, da
promessa de mobilidade social da família operária, dos movimentos sociais e de sua
representatividade. Tal panorama representaria uma crise, mas não um aniquilamento, pois: a)
as relações sociais e a sociabilidade permaneceram em grande medida estruturadas pela
categoria trabalho, apesar do desemprego crescente; b) a moral popular católica permaneceu
dominante, embora o crescimento dos evangélicos neopentecostais fosse evidente; c) as ações
coletivas populares seguiram atuando, embora sua representatividade passasse a ser
questionada; d) “a perspectiva de ascensão social da família se mantinha como esperança,
reanimada pelo crédito a Casas Bahia, embora a frustração do sonho de viabilizá-la pelo
emprego fordista já fosse inescapável” (FELTRAN, 2008, p.97).

Mas quando se enquadra a questão social brasileira, enquanto a negação do direito a


ter direitos (ARENDT, 2009), há um componente vital que torna essa negação ainda mais
aguda: a extrema precariedade no padrão de vida urbano. Nessa perspectiva, destaca-se as
favelas – entendidas como ocupação de terra pública e privada, barracos de alvenaria ou
residências de alvenaria – localidade que é constantemente representada como o “lócus do
mal” em boa parte das cidades médias e grandes do Brasil (BURGOS, 2004, KOWARICK,
2009, VALLADARES, 2005).

No artigo, “A favela na cidade-commodity: desconstrução de uma questão social”,


Luiz Cesar Ribeiro e Mariana Olinger (2012) avaliam que a questão social que envolve as
favelas cariocas sofreu uma metamorfose ao longo dos últimos anos. Os autores afirmam que
a questão social da favela sempre esteve envolta em um campo discursivo que emoldura a
favela como objeto passível de diferentes tipos de intervenções, conforme os interesses de
determinados grupos de poder. Ribeiro e Olinger (2012) enfatizam que a partir na segunda
metade da década de 2000, as favelas passaram a ter um ambíguo tratamento por parte dos

139
dispositivos de gestão: se por um lado, as favelas consideradas um entrave ao
desenvolvimento deveriam ser removidas, por outro, os favelas em que a remoção não fosse
viável, fazia-se necessário a integração da mesma à cidade. Ao mesmo tempo em que se
esvaziava a questão social, essa ação teria como objetivo estratégico, a ampliação do mercado
consumidor nas favelas e a transformação das mesmas em ativos a serem explorados sob a
perspectiva do “empreendedorismo dos ricos”.

Sabrina Ost e Sonia Fleury (2013) salientam que é lugar comum a constatação de que
a atuação estatal nos “territórios da pobreza” – seja ela policial, assistencial ou promocional –
possibilitou a expansão do mercado e gerou novas possibilidades e tensões em relação às
garantias cidadãs dos favelados em virtude das ameaças de remoção e à elevação do custo de
vida. A conformação da favela-mercadoria sinalizou uma progressiva mercantilização dos
espaços e a cidade passou a ser um lugar estratégico para se entender as relações entre
produção dos mercados, dispositivos de poder e gestão das populações (TELLES, 2015).

140
2.4. “Pague a conta de luz. Seja um cidadão!”: Pacificação, cidadania e o
“empreendedorismo dos ricos” nos “territórios da pobreza”

No livro, “A produção do espaço capitalista”, David Harvey (2005) concluiu que as


administrações públicas na contemporaneidade são balizadas pelo planejamento estratégico e
pelo empreendedorismo urbano. Para o autor, parece haver um “consenso geral” emergido em
todo o “mundo capitalista” avançado, em relação aos benefícios positivos “obtidos pelas
cidades que adotam uma postura empreendedora em relação ao desenvolvimento econômico”
(HARVEY, 2005, p.167). Na estratégia dominante do chamado empresarialismo urbano ou
empreendedorismo urbano, os governos buscaram a partir da década de 1980, a associação
entre a esfera pública e a privada. O empreendedorismo urbano representou uma modificação
estrutural no padrão de gestão urbana, desenvolvida a partir da crise macroeconômica mundial
do modelo de regulamentação fordista e da crise fiscal financeira do Estado keynesiano
(VIEIRA, 2008, HARVEY 2005),

[...] o empresarialismo urbano, como modelo de gestão para os governos locais no


contexto do capitalismo tardio, pode ser definido como um conjunto de ações do
governo local com efeitos nas instituições urbanas, bem como nos ambientes
urbanos construídos, que visam potencializar a vida econômica através da criação de
novos padrões e estruturas urbanas de produção, mercado e consumo
(FERNANDES, 1998 apud VIERA, 2008, p. 56).

O Rio de Janeiro vem passando por modificações no seu padrão de governança, que
parece caracterizar-se por uma gestão empreendedora, sendo que as ações dos dispositivos de
gestão vêm promovendo profundas reestruturações na cidade tendo como meta a urbanização
neoliberal, isto é, a transformação socioespacial adequada à dinâmica de mercantilização de
cidades. Nas últimas décadas, a capital fluminense se tornou palco de grandes eventos
internacionais – Jogos Pan-Americanos, em 2007, Jornada Mundial da Juventude, em 2013, a
Copa do Mundo, em 2014 e por fim, Jogos Olímpicos e Paraolímpicos, em 2016. Esses
eventos foram divulgados pelo poder público e pela mídia hegemônica como um “momento
de oportunidade” para a feitura de grandes intervenções urbanísticas que, passados os eventos,
deixariam um importante legado para a população carioca (LACERDA, SALLES e
NOVAES, 2016).

141
E a implantação das UPPs estaria atrelada a um planejamento urbano carioca que
viabilizaria o novo modelo empresarial proposto para a cidade. Brito (2013) ressalta um
exemplo ilustrativo da relação existente entre pacificação e o empreendedorismo urbano. O
autor destaca que o papel das UPPs instaladas em favelas do centro da cidade para garantir a
realização do projeto Porto Maravilha foram fundamentais na privatização do espaço público
local, como também, na comercialização de Certificados de Potencial Adicional Construtivo –
CEPACS – no mercado financeiro, o que acabou por promover “a financeirização da cidade,
aprofundando o processo de empresariamento urbano em uma área onde cerca de 70% do solo
é público” (BRITO, 2013. p.97). Tal processo segue na contramão do Estatuto da Cidade e da
função social da propriedade,

Assistimos, na última década, algumas cidades brasileiras aderirem mais fortemente


a esse processo de gestão pública empreendedora, colocando-se na contramão do
Estatuto da Cidade, que prevê a obrigatoriedade do Plano Diretor, em nível
municipal, para definir a função social da propriedade e os limites ao uso privado do
solo urbano. Ao contrário, promove-se e incentivam-se investimentos sem a adoção
de instrumentos de promoção da função social da propriedade que poderiam
proteger as classes populares residentes nestas áreas dos agentes do mercado,
levando a apropriação daquele espaço por outros agentes econômicos (LACERDA,
SALLES e NOVAES, 2016, p.03).

Pode-se afirmar que foi inovadora a articulação da ação governamental e grupos


empresariais no planejamento e execução dessa política empreendedora (OST, FLEURY,
2013), em que moradores das favelas pacificadas a integraram na condição de consumidores.
Com a pacificação, foi possível observar uma presença maciça de empresas disponibilizando
serviços que antes apenas eram oferecidos aos moradores do “asfalto” – entretanto, eles têm
que pagar a conta por esses serviços prestados – como também, pelos serviços já auferidos na
forma de gato, que passaram por um processo de regularização. “O pagamento das contas,
contudo é apresentado pelos gestores das empresas em questão (privadas ou públicas) como o
primeiro passo para o exercício da cidadania” (ROCHA, 2015, p.23-24).

Conforme Vanessa Andrade (2013), os moradores das favelas estão sendo “ensinados”
que as práticas que forjaram ao longo dos anos como forma de se integrarem à sociedade de
consumo, como os gatos de internet, luz, TV a cabo devem ser consideradas execráveis e que
pagando regularmente as contas desses serviços se transformarão, enfim, em cidadãos. Tal
“Vontade pela cidadania” – expressão cunhada por Fonseca (1997) – representa um
desdobramento e ao mesmo tempo, um facilitador da implantação e desenvolvimento de
142
“procedimentos da biopolítica neoliberal que transformam a cidadania em uma mercadoria
fabricada em série comprada a prestações que devem ser pagas junto com as taxas de IPTU,
luz, TV a cabo, cartão de crédito, etc” (ANDRADE, 2013, p. 59).

Essas práticas desenvolvidas pelos aparelhos institucionais atualizaram uma ideia de


cidade e “vem contribuindo para a sustentação de múltiplas formas de sujeição. Uma ideia
que acaba por reproduzir uma série de fascismos que ao mesmo tempo seduzem e aprisionam
os corpos tornando-os cada vez mais submissos” (ANDRADE, 2013, p.59-60).

Assim, nas favelas pacificadas a seguinte frase se tornou popular: “A Sky vem em
cima do caminhão do BOPE”. A atuação da empresa só foi possível graças a um acordo
realizado entre a Sky, a Secretaria de Assistência Social e Direitos Humanos e a Secretaria de
Segurança do Governo do Estado que, por sua vez, resultou em um pacote promocional da
Sky chamado “Sky UPP”. O pacote “Sky UPP” disponibiliza 89 canais de todos os gêneros,
incluindo sete dos dez canais mais assistidos da TV paga. Os assinantes também contam com
a rede de assistência técnica da operadora. O então presidente da Sky, Luiz Eduardo Baptista
Rocha, explanou o seguinte discurso no dia da inauguração do programa: “A Sky, como
empresa cidadã, espera sinceramente poder colaborar com a reintegração dessas comunidades
ao processo econômico”. Já o então secretário de Assistência Social e Direitos Humanos,
Ricardo Henriques, avaliou que oferta do pacote da Sky é importante conquista para o
exercício da cidadania dos cariocas nesses territórios, onde se promove a formalização,
integração e o progresso (PROP MAK, 2010).

Com a pacificação de algumas favelas do Rio, a Light – distribuidora de energia do


município – passou a ver na formalização dos consumidores que usam gatos sua "principal
oportunidade de negócios". Os gatos produziam uma perda estimada em um bilhão por ano
para empresa, para uma receita total de seis bilhões. Para reduzir as perdas, a Light agiu como
cão perdigueiro “farejando” os passos da polícia nas ocupações de morros. O objetivo da
companhia seria atingir praticamente todas as favelas com UPP. “No Santa Marta, a empresa
viu seu faturamento subir de R$ 600,00 (com apenas quatro casas pagando as contas) para R$
75.000,00, recolhidos em 1.600 domicílios, após a regularização” (FOLHA ON LINE, 2010).

Em março de 2014, o jornal The Guardian publicou uma matéria escrita por Clarissa
Lins, consultora contratada pela Light. Na referida publicação, Lins enfatiza que por muito
tempo os moradores de favela roubaram a energia das empresas concessionárias – que nada
podiam fazer diante do controle armado do tráfico de drogas – porém, o panorama havia se
143
modificado totalmente com a pacificação. De acordo com a consultora da Light, com o
território sob controle do Estado, havia uma necessidade urgente de retomar a prestação de
serviços básicos de forma regular. “As pessoas arriscaram suas vidas para roubar energia e
não levaram em consideração os níveis de consumo. Para a empresa local, esses potenciais
clientes foram responsáveis pelo alto nível de perdas e inadimplência”, disse Lins. Ela
completou o artigo afirmando que o “contrato social havia sido interrompido” e fez questão
de frisar que a Light não pode ser vista como “vilã da história”, mas sim, um ente importante
no processo civilizatório pelo qual os moradores deveriam passar (THE GUARDIAN, 2014).

Clarissa Lins também afirmou que o governo federal desenvolveu um regulamento


voltado para populações de baixa renda por meio das quais as empresas concessionárias de
energia elétrica tiveram que investir 0,5% do lucro operacional anual em "programas de
eficiência energética". Esses investimentos abrangiam iniciativas práticas, como a
substituição de aparelhos domésticos antigos (refrigeradores, lâmpadas, entre outros) por
modelos mais eficientes; e iniciativas educacionais, para que as pessoas compreendessem a
necessidade de ajustar seus padrões de consumo a níveis que gerariam uma conta acessível.

Entretanto, a visão a respeito da Light por parte de quem vive nas favelas pacificadas
é nada positiva. De acordo com relatos de moradores da Favela Santa Marta, as primeiras
faturas da Light vieram com preços abusivos, em torno de RS 1.000,00. Pedro, morador do
território37, relatou que vários residentes tiveram que sair da favela porque não conseguiram
pagar as contas. Ele considera essa situação “muito triste”. Esse calamitoso panorama acabou
causando grande indignação. Em 2014, os moradores organizaram um protesto contra os
abusos da Light no Santa Marta, bloqueando a Rua São Clemente, uma das principais vias do
bairro de Botafogo. Centenas de pessoas partiram da Praça Corumbá – ponto de entrada da
Favela Santa Marta – e marcharam com as contas de energia elétrica nas mãos, em uma das
mais intensas mobilizações já ocorridas na favela (ver Figura 18).

37
A entrevista com Pedro foi realizada em 2015.
144
Figura 18 - Imagens do “Ato contra as contas abusivas da Light”

Fonte: Thiago Firmino/Rio Watch (2014)

Na ação de protesto contra as contas abusivas da Light” 38


, um dos líderes do
movimento alertou os moradores sobre o projeto de uma “nova cidade” que estava sendo
implantado e proferiu o seguinte discurso:

Eu quero que vocês entendam e compreendam que isso faz parte de um projeto de
cidade. Um projeto onde o que está à venda é a própria cidade, uma cidade elitizada,
mercantilizada. Uma cidade onde hoje, você que é pobre, é da classe trabalhadora
você não pode residir nas áreas nobres. Depois da militarização das UPPs há uma
intenção... veja bem quem estão alugando os imóveis no Santa Marta, se é o
migrante nordestino, que migrou do Nordeste para tentar uma vida melhor em uma
grande metrópole. Não é mais, porque? Encareceu. Quem tá subindo é classe média
que também está sofrendo em uma das cidades com o custo de vida mais caro do
mundo, porque hoje (o Rio é) pra burguesia e pra elite. Porque você trabalhador,
serve como força de trabalho da elite, mas não serve pra viver próximo dos ricos.
Eles querem enviar você pra Campo Grande. O PAC no papel é um projeto bom,
mas na prática virou um plano muito bom para higienização da pobreza. O Paes não
quer mais pobreza nas áreas nobres. E o que manterá a gente aqui? É a nossa
resistência, favela é quilombo. Temos que manter com a nossa história. Eles estão
mexendo com o maior bem que o pobre tem, que é a sua casa. Estamos contra esse

38
Ato contra as contra as contas abusivas da Light realizado no Santa Marta. Data:25/03/2014. Disponível em:<
https://www.youtube.com/watch?v=zbYUNo3wRGg> Acesso em 14/04/2016

145
processo fascista de gentrificação da pobreza. (Morador da Favela Santa Marta, em
ato contra as contas abusivas da Light, 2014)

O documentário “Histórias da pacificação – Descaso da Light” (2013), narra o drama


vivido por Francisco, morador da Favela Santa Marta. O residente de 69 anos relata um
problema referente ao aumento da conta da energia elétrica, afirmando que “na primeira
conta veio R$379 e pouco... depois a outra, na segunda que veio, veio R$451,00, e a outra
39
veio R$508 e essa de agora veio R$1.252”. Ele acredita que nada justifica esse aumento,
porque o bar em que é proprietário apenas possui um freezer, uma geladeira e um ventilador.
Assim, viver com esse débito a pagar lhe causou depressão e longas noites de insônia.
Francisco afirma o seguinte: “Eu queria que esse pessoal da Light tivesse uma consciência e
viesse aqui ver o que está acontecendo nesse relógio (de força). Eu não sei o que eu faço [...].
Ele completa: “o dinheiro que eu ganho é para comer”. 40

Além da formalização do serviço de energia elétrica, outra preocupação dos moradores


de favelas pacificadas se refere à especulação imobiliária. Na reportagem intitulada “Imóveis
em favelas com UPP sobem até 400%”, moradores relataram que com a pacificação e a
consequente valorização das residências, tem sido difícil comprar ou alugar casas nesses
territórios (O GLOBO, 2010). Um fato que vem gerando incômodo para os residentes tem a
ver com a ambiciosa ação de grandes empresários sob os “territórios da pobreza”, pois eles
têm comprado áreas inteiras para construir grandes empreendimentos (CBN, 2014).

O alto custo de vida em virtude da obrigatoriedade do pagamento por serviços e o


crescimento da especulação imobiliária têm tornado a permanência dos moradores dessas
localidades cada vez mais difícil. Se no processo de constituição histórica das favelas, os
moradores estavam preocupados com a remoção forçada, por meio de uma violência
impositiva – embora isso ainda aconteça em alguns territórios do Rio– a preocupação agora,
refere-se à um tipo de “remoção branca”, em que o deslocamento dos moradores se daria por
meio da “pressão do mercado”, iniciando assim, um processo de gentrificação41.

39
Documentário Historias da “Pacificação” – Descaso da Light (2013).
40
Idem.
41
O termo gentrificação é uma tradução literal da palavra gentrification. Ele foi utilizado pela primeira vez pela
socióloga britânica Ruth Glass em 1964. A expressão descrevia um novo processo de mudança urbana que se
iniciava no centro de Londres. As mudanças descritas pela pesquisadora atualmente são conhecidas como
gentrificação clássica e representam a “invasão” da gentry (termo que pode ser traduzido como “pequenos
nobres ingleses, porém, reporta-se as classes médias) nos bairros onde morava a classe trabalhadora, substituindo
a população então residente pela gentry (OLIVEIRA, 2017).

146
Para a diretora executiva da ONG Comunidades Catalisadoras, Theresa Williamson, a
remoção branca ou gentrificação, normalmente, inicia-se com um grupo bem-intencionado,
como os estrangeiros que se mudam para as favelas em busca de experiências culturais e
moradias mais baratas. “A gentrificação é o contrário do desenvolvimento comunitário.
Quando há o desenvolvimento, os moradores conseguem se beneficiar, o que não ocorre nesse
processo de remoção branca, em que as pessoas são expulsas da comunidade”, avalia
Williamson. Contudo, ela enfatiza que a culpa maior é do empresário carioca que realiza
grandes empreendimentos nas favelas (CBN, 2014).

No Rio de Janeiro, a Favela do Vidigal é uma das mais atingidas pelo processo de
gentrificação (ver Figura 19). Conhecida como o “Morro dos artistas”, tornou-se local que
abriga festas e casas luxuosas. O presidente da Associação dos Moradores do Vidigal,
Marcelo da Silva, avalia que os residentes da favela ficam contentes em receber visitantes.
Porém, essa popularidade também tem acarretado problemas. “Muitos não têm mais
condições de viver aqui, os aluguéis deles sobem de preço e eles têm que arranjar outro lugar
para morar”, ressaltou Silva (DW BRASIL, 2014).

Figura 19 – O processo de gentrificação no Vidigal

À esquerda da imagem, observa-se a construção de uma casa luxuosa no Vidigal. Ao fundo, casas de padrão
costumeiro nas favelas.
Fonte: DW Brasil (2014)

Assim, com o enquadramento do Rio de Janeiro enquanto city marketing; o avanço do


empresariamento urbano sobre as favelas; a derrocada da UPP Social e os processos de

147
gentrificação, foi possível evidenciar que a já “esvaziada” questão social nas favelas cariocas
cada vez mais é secundarizada, pois os dispositivos de gestão apenas conseguem conceber
esses territórios na ótica da mercantilização de espaços e da gestão militarizada, passando ao
largo da pauta dos direitos sociais.

No texto “O mercado sobe o morro. Cidadania desce?”, Sabrina Ost e Sonia Fleury
(2013), avaliam que a expansão do mercado propiciada pela maior inserção do Estado nas
favelas pacificadas possibilitou a chegada de alguns benefícios – como serviços de melhor
qualidade, diversidade na oferta, conhecimento, oportunidades de fontes de renda e de
capacitação – contudo, aqueles que tiveram mais capacidade de aproveitar a oportunidade de
lucrar foram os mais beneficiados com a pacificação, como é o caso das grandes empresas e
alguns pequenos empreendedores, enquanto outros tantos vivem na insegurança. Assim,
correu-se o risco de que esta política acabasse acarretando o empobrecimento da população,
ao mesmo tempo em que o governo do Estado dizia ter “como meta a redução da pobreza”
(OST, FLEURY, 2013, p. 663). As autoras cunharam o termo “cidadania de exceção” para
nomear o tipo de cidadania que o Estado buscou oferecer ao favelado, pois as políticas
implantadas pelo mesmo, por um lado, não levaram em consideração as desigualdades
históricas entre a população da favela e a população do asfalto; e por outro, igualaram os
deveres de consumidores sem que os moradores de favela fossem agraciados com os bens
públicos que o Estado oferece à população do asfalto. Elas advogam que o Estado deveria ter
como foco a proteção social,

A história nos mostra que o Estado tem papel primordial na compatibilização entre
mercado e a segurança do cidadão visando o enriquecimento da vida civilizada com
a redução do risco e da insegurança. Sem proteção e regulação estatal, os moradores
da favela veem os direitos de cidadania ameaçados pela crescente especulação
mercadológica e imobiliária, além de sofrerem o empobrecimento causado pelo
aumento do custo de vida (OST, FLEURY, 2013, p. 664-665).

Nessa perspectiva, Dardot e Laval (2016) avaliam que a racionalidade neoliberal – que
hegemônica em todo mundo – não indaga sobre que tipo de limite dar ao governo político, ao
mercado, aos direitos ou ao cálculo da utilidade, sua preocupação se relaciona sobre como
fazer do mercado tanto o princípio do governo dos homens como o do governo de si. “O
neoliberalismo é precisamente o desenvolvimento da lógica do mercado como lógica

148
normativa generalizada, desde o Estado até o mais íntimo da subjetividade” (DARDOT,
LAVAL, 2016, p. 34).

E partir do momento em que racionalidade neoliberal se aglutina ao dispositivo da


pacificação, tem-se então, uma rede discursos, práticas e renovados dispositivos capazes de
“inventar novos sujeitos” nas favelas cariocas. No próximo capítulo, será apresentado com
detalhes o funcionamento dos dispositivos de normalização dos “favelados normalizáveis”.

149
CAPÍTULO 3

Dos dispositivos de normalização à produção dos


sujeitos empreendedores nas favelas pacificadas

No capítulo anterior, foi possível observar que as iniciativas em prol da expansão da


cidadania nas favelas pacificadas foram rapidamente suplantadas por ações que propuseram a
expansão da lógica de mercado naqueles territórios. Mas para que o favelado abraçasse as
oportunidades econômicas da pacificação, primeiramente, seria necessário transformá-los em
“sujeitos empreendedores”. A partir de então, algumas indagações se tornaram imperativas,
tais como: Que discursos, tecnologias e práticas foram utilizados para conformar o favelado
enquanto sujeito empreendedor? O que representa o empreendedorismo na vida desses
moradores? Quais são os desafios que enfrentam? De forma eles vinculam à pacificação com
o surgimento de novos negócios na favela?

Para responder esses questionamentos, procurou-se evidenciar que após a pacificação


foi possível notar a atuação de um dispositivo formado por instituições governamentais e não
governamentais que buscaram configurar os “territórios pacificados” em uma nova era, em
que o “empresariamento de si” deveria ser a principal aposta para se vencer na vida

Nesse sentido, o estudo analisou o papel do Sebrae e da incubadora pública Rio


Criativo na conformação dos moradores de favela enquanto sujeitos empreendedores. Essas
150
instituições empregaram uma série de técnicas que envolveram recompensas e punições,
objetivando assim, um melhor “domínio de si mesmo”.

Por fim, verificou-se que após a participação nos programas governamentais,


diversos foram os casos de moradores que modificaram a sua trajetória de vida, como por
exemplo: o ex-assaltante que se tornou um “empreendedor de sucesso”, a beneficiária do
Bolsa família que largou o programa após tornar-se empreendedora, o senhor que deixou o
trabalho de carteira assinada para ter o seu próprio negócio, entre outros. Contudo, também
foi possível notar que o dispositivo da pacificação teve seus limites e que nem todos os
moradores de favela possuem histórias felizes para contar.

151
3.1. Ensinando da norma empreendedora

Pessoas com vidas interessantes não têm fricotes. Elas trocam de cidade. Investem
em projetos sem garantia. Interessam-se por pessoas que são o oposto delas. Pedem
demissão sem ter outro emprego em vista. Aceitam um convite para fazer o que
nunca fizeram. Estão dispostas a mudar de cor preferida, prato predileto. Começam
do zero inúmeras vezes. Não se assustam com a passagem do tempo. Sobem no
palco, tosam o cabelo, fazem loucuras por amor e compram passagem só de ida.

Martha Medeiros (rede social/2017)

A frase acima pertence a jornalista e escritora Martha Medeiros e circula pelas redes
sociais de modo contínuo, tornando-se assim, atemporal. A jornalista dita as regras que as
pessoas devem seguir para trabalhar as relações que são estabelecidas consigo mesmo. Desse
modo, para o sujeito se conformar enquanto pessoa de sucesso e realizada, a jornalista afirma
que é necessário não ter medo de se aventurar e que é preciso assumir riscos, correr atrás dos
seus sonhos, responsabilizar-se pelos seus fracassos, conduzir-se a felicidade que deseja na
vida.

Para Nicolas Rose (2015), a partir do momento em que o poder político nota que as
pessoas têm aspiração por liberdade, o mesmo passa acompanhar esse desejo individual e
estruturar um campo de ação por onde os sujeitos aspirantes devem ser conduzidos. Na
contemporaneidade, o empreendedorismo se tornou uma atividade fomentada pelos mais
diferentes dispositivos para que os sujeitos passassem a conduzir-se enquanto “protagonistas
de seu destino”.

Nas favelas cariocas com UPP, percebeu-se que o dispositivo da pacificação –


formado por uma série de instituições governamentais e não governamentais – estruturou o
campo de ação dos favelados com o objetivo de estimular governos de si mesmo, em um
prisma em que os discursos e as práticas institucionais se encontraram entrepostas. Nesse
sentido, para reconfigurar as condutas e propiciar a integração da favela à cidade via mercado,
houve o desenvolvimento de ações vinculadas à: a) a expansão do crédito para os moradores
de favela e b) práticas institucionais ancoradas em um saber especializado – SEBRAE e
incubadoras – que visaram impingir no favelado o cálculo responsável em relação ao
dinheiro.
152
Antes de tudo, cabe evidenciar que a favela sempre apresentou uma forma de
organização notadamente capitalista, com uma pujança econômica que chega a espantar
aqueles que com ela se defrontam. As alternativas disponíveis na favela para investimento e
acúmulo de capital são as mais diversas, podendo abranger desde a criação de animais à
especulação imobiliária e a produção de manufaturas (MACHADO DA SILVA, 2011).
Entretanto, com a pacificação diversas entidades que tinham acesso restrito às favelas em
virtude da criminalidade violenta, passaram a desenvolver programas de estímulo ao
empreendedorismo.

Com relação à expansão do crédito, dentre outras iniciativas, pode-se destacar a


criação do “Fundo UPP empreendedor”. Esse fundo foi desenvolvido especialmente para
fomentar a economia das favelas pacificadas ou em processo de pacificação, e visou
estimular o crescimento dos empreendedores locais, promovendo assim, o desenvolvimento
desses territórios. Com o slogan: “Crédito rápido para quem começa a transformação na sua
comunidade”, o Fundo UPP empreendedor, por meio da AgeRio – Agência Estadual de
fomento do Rio de Janeiro – proporcionou atendimento especializado e orientação
personalizada, com condições “especiais” para o crédito. O limite de crédito era de até quinze
mil reais, com cobrança de taxa mensal de 0,25%, três meses de carência e prazo de até 24
meses para o pagamento. O dinheiro era emprestado para pessoa física e MEI
(Microempreendedor Individual) e contava com os seguintes itens financiáveis: capital de
giro, aquisição de mercadorias, aquisição de equipamentos, aquisição de itens necessários à
atividade empreendedora, obras de reforma, melhoria/ampliação das instalações do
empreendimento, entre outros. Como garantia, era necessário apresentar um fiador com renda
comprovada ou fiança solidária – de no mínimo três e no máximo dez pessoas (FUNDO UPP,
2014).

Em 2016, a página virtual da AgeRio possuía como destaque a imagem de uma


moradora do Morro do Vidigal. Ela evidenciou a importância do dinheiro do Fundo UPP
empreendedor: “O dinheiro que eu peguei foi para ampliar meu hostel. Solicitei este
empréstimo que saiu bem rápido e agora estou construindo mais cinco quartos” 42

No ano de 2015, uma parceria entre a ABF-Rio (Associação Brasileira de


Franchising) e a AgeRio (Agência Estadual de Fomento) proporcionou o oferecimento de
capacitação e crédito para que empreendedores pudessem montar novos negócios em favelas
42
Desde o momento de sua criação, todas essas iniciativas continuam funcionamento, conforme o site da Agerio
(verificado em 14/02/2018). Disponível em: < http://www.agerio.com.br/index.php> Acesso em 14/02/2018.
153
pacificadas. Os financiamentos eram realizados mediante análise do negócio, respeitando os
limites impostos pela AgeRio (de até quinze mil reais, com juros de 3% ao ano). Assim,
também era feita uma avaliação de crédito do interessado e exigido fiador ou aval. Diversos
eventos da ABF-Rio foram realizados nas favelas com UPP com o objetivo de mostrar as
marcas e modelos de negócios, sendo que em 2015 ao menos 18 marcas de franquias
possuíam negócios em favelas que foram pacificadas. “A gente identifica esse como sendo um
excelente mercado. Tivemos essa coragem porque enxergamos um potencial. Hoje, o Rio de
Janeiro é uma coisa só. Não existe comunidade e asfalto, como tinha antigamente” disse o
Luis Carquejeiro, então consultor de desenvolvimento da marca Subway (R7, 2015).

Pode-se destacar outras iniciativas que visaram estimular o empreendedorismo em


favelas, como é o caso do Viva Cred, o Credamigo, um programa de microcrédito produtivo
do Banco do Nordeste do Brasil S/A e que foi lançado em 2009. O objetivo do programa era
atender pessoas que não possuíam acesso ao sistema bancário tradicional, principalmente, as
pessoas sem comprovação de renda, como camelôs, diaristas, motoboys, entre outros. A
Favela da Rocinha foi o primeiro território a ser acolhido pelo projeto, sendo que a meta do
programa Viva Cred, o Credamigo era expandir o seu raio de atuação para dezenas de favelas
do Rio (CARVALHO, 2010, MEIRELES e ATHAYDE, 2014).

Para Meirelles e Athayde (2014), é importante destacar que nas favelas pacificadas,
perdeu-se o “investimento” do tráfico, que de uma forma ou de outra, proporcionava a
circulação do dinheiro na favela. Um dos interlocutores do estudo revelou que no Complexo
do Alemão os moradores consideravam o traficante Orlando – atuou no tráfico em décadas
passadas – uma figura amada por todos, pois ele sempre dispunha de dinheiro para as pessoas
necessitadas, incentivava as crianças a irem à escola e promovia até eventos culturais, como
por exemplo, o financiamento do show do cantor Elymar Santos. Porém, desde a morte do
estimado traficante, o Alemão sofreu com invasões constantes que provocaram o surgimento
de novos chefes de tráfico a cada dia, e por não serem “nascido e criado” no território, não
desenvolveram empatia em relação aos moradores, tratando-os assim, sob “rédeas curtas”.

Meirelles e Athayde (2014) ainda destacam que com a modificação da abrangência e


forças de atuação do comércio de drogas nas favelas pacificadas – embora ainda persista – o
Estado e a iniciativa privada foram “desafiados” a substituírem esse poderoso motor
econômico local. E o Sebrae – Serviço Brasileiro de Apoio às Micro e Pequenas Empresas –
foi um ator relevante no processo de reengenharia de negócios nas favelas. Apesar de a

154
entidade ser privada, prestou apoio junto ao poder público por meio do programa “Sebrae nas
pacificadas”.

Lançado em 2011, esse programa abrangeu os seguintes territórios: Cidade de Deus,


Vila Kennedy, Barreira do Vasco, Tuiuti, Rocinha, Complexo da Penha, Complexo do
Alemão, Santa Marta, Complexo da Maré, Jacarezinho e Rio das Pedras. O programa
objetivava apoiar o surgimento de pequenos negócios e teve como público alvo: a)
empreendedores de favelas do Rio que já eram ou poderiam se tornar microempreendedores
(MEI) e microempresas (ME); b) jovens de 15 a 24 anos com potencial de
empreendedorismo; lideranças institucionais e empresariais e instituições públicas ou privadas
de fomento ou apoio às atividades empresariais. Nas localidades onde o projeto atuava, foram
efetuados plantões de atendimento que buscaram esclarecer os processos burocráticos (como
por exemplo, alvará, nota fiscal) que envolvem a atividade de empreendedor. Além disso, o
Sebrae contou com um calendário de capacitações, com cursos, oficinas e palestras sobre
gestão de negócios (SEBRAE, 2017).

Por meio da “Pesquisa sobre Microempreendedorismo em Domicílios nas Favelas


com Unidades de Polícia Pacificadora” (2012), desenvolvida pelo Sebrae, foi possível
destacar alguns pontos interessantes sobre os novos empreendedores das favelas pacificadas.
O documento ressaltou a “necessidade” de expansão e fortalecimento do
microempreendedorismo como alternativa de geração de trabalho e renda porque a entidade
acreditava que a absorção de mão de obra, e o incremento da estrutura produtiva e de serviços
pelo “empresariamento de si” seriam “indiscutíveis”. Assim, os objetivos do referido estudo
foram:

a) Captar as características sociodemográficas dos empreendedores moradores nas


favelas pacificadas com vistas a entender a sua inserção produtiva e levantar
demandas nas áreas de educação, programas de transferência de renda, políticas
direcionadas à família, capacitação, condições de moradia e dos seus
estabelecimentos, entre outros;
b) Levantar características de infraestrutura urbana nas favelas com o propósito de
compreender melhor se os problemas decorrentes são uma trava para o
desenvolvimento dos negócios;
c) Conhecer os diversos aspectos da evolução dos micronegócios nas favelas
pesquisadas. Aspectos esses que vão desde as motivações que levaram a abertura do
empreendimento, passando pelos aspectos de acesso a serviços financeiros e não
financeiros, até a percepção sobre o futuro e expansão do empreendimento;
d) A favela como geradora de percepções não mensuráveis sobre mercado, o papel
da pacificação, as percepções de dinâmicas sociais que balizam a expansão das

155
atividades e a relação com as instituições de apoio e fomento ao
microempreendedorismo;
e) Captar a utilização e domínio de ferramentas de gestão, contabilidade,
manipulação de estoques, conhecimento de mercado e clientes, entre outros que
permitam conhecer melhor os micros processos da atividade e a relação entre o
microempreendedor e o seu negócio;
f) Coletar e sistematizar informação de aspectos que aprofundem o debate sobre os
determinantes da formalização e os possíveis gargalos decorrentes para o
desenvolvimento e sustentabilidade dos microempreendimentos (SEBRAE, 2012, p.
8-9).

Para atingir os objetivos destacados, o Sebrae implementou duas estratégias: uma


pesquisa quantitativa capaz de coletar as informações de tal forma a produzir e calcular
indicadores de forma robusta e representativa e uma pesquisa qualitativa com a metodologia
de grupos focais. A disposição geográfica do estudo compreendeu favelas pacificadas das
Zonas Norte (Andaraí, Borel, Formiga, Macacos, Salgueiro, São João-Mariz-Quieto, Turano,
Complexo do Alemão), Sul (Babilônia e Chapéu Mangueira, Ladeira dos Tabajaras e
Cabritos, Pavão Pavãozinho e Cantagalo e Santa Marta), Centro (Providência, Morro da
Coroa/Fallet/Fogueteiro, Morro dos Prazeres, Escondidinho, São Carlos e Mineira) e Oeste
(Batan e Cidade de Deus).

Em relação à pesquisa desenvolvida pelo Sebrae, destacam-se aqui alguns tópicos


sobre os empreendedores em UPP:

❖Gênero: Primeiramente, é relevante destacar algumas considerações demográficas


envolvendo o gênero dos empreendedores. Em 18 das 20 favelas pesquisadas pelo Sebrae
(2012) o número de mulheres microempreendedoras superou o percentual dos homens, em
média 56 % dos microempreendedores são do gênero feminino. Apenas no Complexo Alemão
e na Babilônia a maioria dos microempreendedores é masculina. Porém, quando se analisa a
composição por gênero dos “chefes de família” – pessoas responsáveis pela maior parte renda
da casa – a composição feminina apresenta uma queda, já que 57% dos “chefes” são homens,
contra 43 % de mulheres. Essa situação constata a desigualdade na renda entre homens e
mulheres das favelas pacificadas.

❖Cor/Raça: Quando se realiza o recorte de cor/raça, o padrão dos microempreendedores


difere da população da cidade do Rio de Janeiro. Enquanto no Censo 2010, 51% da população
do Rio se declarou branca, entre os microempreendedores das favelas pesquisadas pelo Sebrae
esse percentual cai para 26%. Com a cor/raça parda ocorre o oposto: 52% dos

156
microempreendedores se autoqualificam nessa classificação, assim como 37% dos habitantes
da cidade. Já entre os autodeclarados pretos, a variação é menor: 11% dos moradores do
município contra 21% dos microempreendedores pesquisados. Assim, realizando o
agrupamento sugerido pelo IBGE, as favelas da pesquisa contam com 73 % de
empreendedores negros e 26% de empreendedores brancos.

❖Registro dos negócios: No total das favelas com UPPs estudadas pelo Sebrae (2012),
apenas 17% dos microempreendedores afirmaram que possuem algum tipo de registro de
negócio. Este resultado foi influenciado pelo baixo patamar de formalização entre as pessoas
que trabalhavam por conta própria, dos quais somente 14% tinham algum tipo de registro. Os
registros mais frequentes nas favelas avaliadas foram o Cadastro Nacional de Pessoa Jurídica
(74% dos empregadores formalizados43 e 47% dos trabalhadores por conta própria
formalizados possuíam CNPJ), o cadastro de microempreendedor individual (32% dos
empregadores formalizados e 27% dos trabalhadores por conta própria formalizados eram
MEIs), as licenças ou permissões estadual ou municipal (22% dos empregadores formalizados
e 17% dos trabalhadores por conta própria formalizados) e os alvarás (24% dos empregadores
formalizados e 13% dos trabalhadores por conta própria formalizados).

A partir de 2011, o Sebrae iniciou uma “cruzada” nas favelas com a meta de
combater o trabalho informal. Segundo a instituição, 92% dos negócios nas favelas não eram
regularizados. Conforme a coordenadora de empreendedorismo em comunidades pacificadas,
Carla Teixeira, o Sebrae lançou mão de diversos meios para atingir os objetivos da entidade:
"Temos consultores nas UPPs e nas associações de moradores. Utilizamos rádios
comunitárias e até capacitamos soldados da polícia sobre a importância do comércio legal ".
Ela evidencia ainda que a informalização se refere a uma “cultura” que precisa ser mudada e
que com a pacificação a tendência era que os negócios fossem formalizados (UOL
ECONOMIA, 2012).

Ainda conforme Carla Teixeira (2015), o Sebrae observou um obstáculo nas favelas
pacificadas que é comum para todos os empreendedores brasileiros: a falta de preparo ao
montar um negócio. Para ela, com as empresas que nascem em favelas, essa dificuldade é
agravada devido à falta de estudo desses pequenos e médios empresários.

43
Empregadores formalizados são empreendedores que possuem funcionários, ao contrário dos empregadores
por conta própria, que executam todo o serviço sem o auxílio de funcionários.
157
O trabalho do Sebrae é realizar palestras e capacitar esses empresários para que eles
consigam gerir seus negócios. Durante os trabalhos realizados nas comunidades,
tivemos que adaptar o material para uma linguagem mais acessível e que fosse
compatível com a escolaridade desses empreendedores. Além disso, orientamos
sobre diversos aspectos de um negócio, como o acesso ao crédito e precificação de
produtos. Desde 2010, fizemos 60 mil atendimentos e conseguimos formalizar mais
de seis mil empresários. Devido à localização geográfica e a forma como as
construções foram organizadas, uma dificuldade especifica das favelas, está
relacionado com a logística. Alguns fornecedores não conseguem entregar
mercadorias: as ruas são muito estreitas e íngremes, então, caminhões não passam.
A logística fica geralmente mais cara (TEIXEIRA, 2015, p.01).

Para a coordenadora do “Sebrae nas pacificadas”, a favela se constituiu em um


verdadeiro “celeiro de oportunidades”. Assim, foi possível visualizar dois tipos de negócios
dentro dos territórios cariocas: negócios destinados ao consumo interno, como os dos
cabeleireiros, mercadinhos, bares, entre outros; e empreendimentos voltados para o público
externo, como os hostels e guias de turismo que trazem pessoas de fora para dentro das
favelas. Pelo fato da maioria dos empreendedores ainda serem informais, os mesmos tiveram
acesso a crédito de forma muito limitada. Dessa forma, o potencial dos empresários das
favelas estaria sendo “podado” em virtude desse fator, conforme a coordenadora do Sebrae
(TEIXEIRA, 2015).

Durante a realização da pesquisa de campo, observou-se que por meio do programa


“Sebrae nas pacificadas”, a referida instituição literalmente “colonizou” a Favela Santa Marta.
Como conta Samantha (nome fictício / guia de turismo. Pesquisa de Campo, 2017), “o Sebrae
na verdade, não tinha um estande. Eles usavam a associação, eles na verdade utilizavam as
parcerias. Eles usaram uma salinha da UPP. Eles fizeram parceria com a Igreja também”.

Ela destacou que fez vários cursos no Sebrae e que a entidade foi fundamental para
que a mesma soubesse organizar o seu negócio, sendo que foi no Sebrae que conheceu a sua
sócia, Margarete (nome fictício, guia de turismo. Pesquisa de Campo, 2017). Samanta acredita
que “o Sebrae é muito bom, ele ajudou a gente bastante. Só não teve ajuda do Sebrae quem
não quis. O Sebrae deu uma grande oportunidade aqui para galera”. Outro guia de turismo
do Santa Marta –Carambola – também disse que participou de vários cursos do Sebrae nos
dois anos em que o programa “Sebrae nas comunidades” esteve no território.

Eu fiz vários cursos no Sebrae, marketing, empreendedorismo, vendas,


precificação, lucro, tudo, o Sebrae há uns dois anos atrás lançou um projeto
chamado “Sebrae nas comunidades”, que era para empreendedor de turismo de
favelas, teve uma capacitação durante dois anos, tudo quanto é capacitação que você
158
puder imaginar. Tinha muitos encontros aqui, mas lá no centro da cidade também,
na Candelária. Um grupo de empreendedores de favela ia participar dos cursos
(Entrevista com Carambola. Pesquisa de campo, 2017).

Henrique (nome fictício, guia de turismo do Santa Marta) segue a mesma perspectiva
de Carambola. Para ele, o Sebrae foi fundamental para que entendesse o que era o
empreendedorismo,

O Sebrae foi muito importante na nossa comunidade porque eu particularmente fiz


inúmeros cursos do Sebrae e foi muito bom para eu entender um pouco o que é
empreendedorismo... como a gente consegue ganhar um certo volume de dinheiro
em um determinado período do ano e depois como se faz para se manter com esse
mesmo dinheiro. Eu fiz um curso de precificação. Eu aprendi como cuidar do meu
negócio. Nós fizemos muitos cursos no Sebrae. Ele foi muito importante, pelo
menos para mim. Para mim, foi muito bom. Ele foi fundamental para eu entender o
mercado (Entrevista com Henrique. Pesquisa de Campo, 2017).

Já Andressa – nome fictício, dona de uma loja de souvenir na Favela Santa Marta.
Pesquisa de campo, 2017 – disse que ter frequentado vários cursos que o Sebrae
disponibilizou na favela foi motivo de orgulho para ela. “Eu fiz vários no Sebrae, meu filho!
Eu quase morava lá. Eu fiz formação de preço, fiz monitora de turismo. O curso de serigrafia
foi no Sesi. Eu fiz muito curso no Sebrae”.

Para que os moradores de favela pudessem se constituir enquanto empreendedores,


eles tiveram que estudar uma série de materiais de apoio do Sebrae. Dentre os principais
conteúdos disponibilizados aos moradores, pode-se destacar o “Guia Essencial para
empreendedores”. Esse guia tem como intuito ajudar as pessoas a realizarem um trabalho
sobre si mesmas, como é possível observar no seguinte trecho: “É a partir das atitudes que os
empreendedores mudam o mundo. E são atitudes que queremos ajudá-lo a despertar. Vamos
encorajar você a começar” (SEBRAE, 2015, p.67). De acordo com o livro, o
empreendedorismo representa um modo de pensar, uma atitude que deve ser desenvolvida,
sendo que ela somente é aprendida se for praticada (SEBRAE, 2015).

Em sua cartilha, o Sebrae detalha os passos que os moradores de favela devem seguir
para desenvolverem uma atitude empreendedora. Assim, eles necessitam ter: a) Persistência:
saber que todo empreendedor comete erros, porém, se eles acontecerem é necessário
prosseguir; b) Resiliência: possuir capacidade de retornar ao seu estado natural após viver
159
“situações incomuns”; c) Mente aberta: ler materiais de apoio, livros, revistas, blogs que
possam expandir o conhecimento do empreendedor e por fim, d) Mentoria: ouvir os
conselhos empreendedores experientes e de consultores especializados (SEBRAE, 2015).

“Todas as práticas pelas quais o sujeito é definido e transformado são acompanhadas


pela formação de certos tipos de conhecimento” (FOUCAULT, 1993, p.205). Nesse sentido,
os materiais de apoio do Sebrae possuem um saber especializado que é legitimado
institucionalmente e contém verdades que os moradores de favela tiveram que assimilar como
suas, para que assim, pudessem se constituir enquanto sujeitos empreendedores.

Contudo, não foi apenas o Sebrae que auxiliou os moradores de favela a se tornarem
empreendedores. Isabela – nome fictício, guia e dona de uma agência de turismo na Favela
Santa Marta. Pesquisa de campo, 2017 – afirmou que após passar por um rigoroso processo
seletivo, conseguiu ser assessorada pela incubadora Rio Criativo. A empreendedora destacou
que a entidade somente a aprovou no certame pelo fato da Favela Santa Marta contar com
uma base da UPP.

O Rio Criativo se trata da primeira incubadora pública de empreendimentos criativos


do Brasil. Essa incubadora surgiu um 2010. É um projeto da Secretaria Estadual de Cultura
em parceria com o Ministério da Cultura, a FAPERJ44 e o Instituto Genesis (da PUC-Rio). A
Rio Criativo estimula negócios da denominada “economia criativa”. Tais negócios englobam:
arte cênica; música; arte visual; literatura e mercado editorial; audiovisual; arquitetura;
design; moda; gastronomia; cultura popular; patrimônios material e imaterial; artesanato;
entretenimento e eventos; e turismo cultural (RIO CRIATIVO, 2017).

Conforme Ivana Brandão, então gerente de incubação da Rio Criativo, o projeto


nasceu com o propósito de “disseminar a cultura empreendedora no Estado” criando espaços
de incubação de empresas,

O Rio Criativo é dividido em quatro núcleos, o núcleo de incubação, o núcleo de


conhecimento, o núcleo de negócios e o núcleo do laboratório audiovisual [...].
Através dos quatro núcleos a gente desenvolve a economia no Estado do Rio de
Janeiro. O núcleo de conhecimento, que é o núcleo que dissemina a cultura
empreendedora no Estado, oferece cursos, workshops, palestras abertas para
qualquer pessoa que tenha interesse nos assuntos de economia (BRANDÃO, 2014,
VÍDEO INSTITUCIONAL/RIO CRIATIVO).

44
FAPERJ: Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado do Rio de Janeiro.
160
Resumidamente, o pensamento que envolve a incubação é trazer a empresa e o
empreendedor para um espaço controlado, de modo que a entidade, como também, e o sujeito
empreendedor sejam modelados de maneira permanente por uma rede de especialistas. Isabela
afirmou ao pesquisador que considera que a participação na incubadora Rio Criativo fez com
que ela se tornasse de fato um empreendedora, sendo que ela trata esse projeto como um
“divisor de águas” em sua vida. “Eu sempre falo, todo empreendedor deveria ter uma
incubadora para chamar de sua, porque para mim fez muita diferença”.

Eu participei na incubadora do Rio Criativo. Uma incubadora cultural. Você pode


procurar a Rio Criativo e vai ver que eu faço parte da primeira turma. (Na seleção)
foram mais de três mil empreendimentos. Desses três mil, eles incubaram 17
empresas e a minha empresa foi uma dessas. Eles gostaram muito da nossa proposta
de trabalho. Na verdade, estar na incubadora foi muito mais. Eu falo isso para as
pessoas... a incubadora me deu muito mais, como eu falo isso para você, eu fiquei
muito mais confiante, pessoalmente falando, porque durante o período de incubação
eles forneceram vários cursos para gente e a minha empresa foi uma das que mais
participou dos cursos, qualquer curso que tinha a gente participava. Isso foi uma
coisa assim... que ajudou muito a gente a afinar a nossa proposta de valor e não só
isso, a incubadora ajudou muito a gente a eliminar gorduras da empresa (Entrevista
com Isabela. Pesquisa de Campo, 2017).

Dentro da incubadora, os consultores remodelaram a estrutura da empresa de Isabela,


deixando-a mais enxuta. De acordo com a empreendedora, os consultores avaliaram que ela
não conseguiria oferecer ao seu público uma gama muito extensa de produtos. “Eles cortaram
muito. Então de 40 coisas que eu oferecia, viraram quatro”. Isabela acredita que essa medida
fez com que ela pensasse no que realmente gostaria de oferecer para as pessoas. “Tinha uma
lista de valor que eu queria oferecer para as pessoas, a lista de valor virou portfólio”.

Isabela avalia que participar da Rio Criativo “foi muito interessante, como
empreendedora eu me senti mais confiante para lidar com o mercado, para lidar com as
pessoas e como eu já tinha aquela coisa de pensamento crítico e tudo mais, me ajudou”. Ela
disse que a Rio Criativo ajudou a mesma a conformar a sua empresa como um negócio social.
“Eu na verdade acabei parando na Rio Criativo porque o Sebrae não entendeu a minha
proposta de negócio, como o Sebrae trabalha muito com essa coisa mais crua, eu não estava
crua”. Assim, a empreendedora já possuía plano de negócio e o escopo de como a sua
empresa iria funcionar, então acreditava que precisava ir além.

161
Contudo, para Isabela se tornar uma empreendedora incubada pela Rio Criativo, a
mesma teve que seguir os ditames da rede de consultores e “abrir mão” de seus valores
pessoais. Ela foi praticamente obrigada pela Rio Criativo a participar de um comercial que
seria veiculado na Rede Globo de Televisão. Na época em que a reportagem foi gravada,
Isabela estava em um momento angustiante, em que tinha que divulgar a empresa e fazê-la
faturar a todo custo, já que tinha assumido compromissos bancários, entretanto, “aparecer na
Globo para mim não é uma coisa que eu tenha o maior tesão, muito pelo contrário, a Globo
representa o turismo de massa, e eu não quero o turismo de massa na favela”,

Só que eu tava lá na incubadora né, esses desgraçados (TV Globo) conseguiram né...
quase acabar com a minha vida... esses miseráveis. Porque eles vieram fazer uma
entrevista comigo e eu falei olha: É tiro, porrada e bomba e aí era aquele cara, o
Fábio Judice, [...] então eles vieram, uma repórter da Globo veio também e era
aquela coisa assim, você tem que falar isso, isso e isso. Eu já ficava estressada,
entendeu? O repórter falava: “Você tem que falar assim: A água é insípida e
inodora”. Eu falava assim: “Bom gente, tudo bem?”. Eles diziam: “Bom gente não,
você tem que falar água é insípida e inodora, eu não falei para você falar bom
gente, não tem bom gente”. Eram frasezinhas curtas (que eu tinha que falar). Então
nesse sentido para mim foi muito frustrante, você não tem ideia do que as pessoas
vão escrever. Aí as pessoas falam: “Isabela você apareceu, você é muito orgulho”,
mas eu não senti orgulho, entendeu? Eles fizeram uma matéria sobre a Copa do
Mundo. Pô, eu sou uma pessoa que foi em todos os movimentos, eu fui em todos
esses protestos, essa p***a toda (Entrevista com Isabela. Pesquisa de Campo, 2017).

Isabela classificou a experiência de aparecer em uma reportagem televisiva como


“muito traumática”, pois ela é uma pessoa vinculada a movimentos sociais que criticavam os
efeitos negativos da realização dos eventos esportivos no Rio de Janeiro – como as remoções
de casas, por exemplo – e repentinamente, percebeu-se emoldurada em uma reportagem que
notadamente vangloriava tais eventos. “Aparecer na Globo foi muito pesado, mas a p***a da
assessoria de imprensa do Rio criativo ficava no meu pé comendo meu fígado”. Eles
disseram: “Tem que fazer, porque agora você tem que dar visibilidade para o negócio e tudo
mais, isso foi uma experiência boa para mim para entender o que é visibilidade”. Por meio
dessa experiência, a empreendedora disse que compreendeu em que espaços quer estar e
sobretudo, onde não deseja estar.

Isabela aprendeu a “duras penas” que para tornar-se uma empreendedora, antes de
tudo, é preciso sujeitar-se. A partir do momento em que ela assinou uma linha de crédito junto
a Rio Criativo, a empreendedora entrou em um sistema de recompensas e punições. Os
tesionamentos de relações de poder marcadas pela dissimetria de poder fizeram com que

162
Isabela fosse pressionada a renunciar as suas ideias para aliar-se ao pensamento institucional,
já que como ela mesma afirma, “o Rio Criativo ficava no meu pé comendo meu fígado”.

Assim, as ações da Rio Criativo instituíram um processo em que o sujeito


empreendedor e empresa foram modelados de maneira contínua pelos consultores da referida
incubadora. Essa dinâmica pode ser comparada a uma anedota que Foucault (2014) conta a
respeito do monge que é confinado no mosteiro, em que o acompanhamento do chefe
religioso teria o objetivo de fazer o sujeito efetuar um trabalho de si sobre si,

Assim, como os clássicos, o monasticismo não desconfiava unicamente da carne,


mas também do eu. Além disso, o acompanhamento não se interrompe, o monge
deve sempre permanecer em retiro com relação a qualquer chefe religioso. O
acompanhamento se transforma em conduta autoritária, não tendo mais nada a ver
com a evolução pessoal do guia, em direção a um objetivo específico: tornou-se uma
técnica de trabalho de si sobre si (FOUCAULT, 2014, p.335).

Em suma, o Sebrae e a Rio Criativo estão relacionados a múltiplos procedimentos


ligados a uma “escola” ou a “gurus” que objetivam um melhor “domínio de si mesmo”. Eles
possuem como meta o fortalecimento do eu, apresentam saberes autorizados, modos de
argumentação empírica e metodologias particulares. Cada método tem seus instrumentos, suas
modalidades, sua hierarquia de técnicos. É relevante observar, sobretudo, que “são técnicas
que visam a conduta de si mesmos e dos outros ou, em outras palavras, técnicas de
governamentalidade que visam essencialmente aumentar a eficácia da relação com o outro”
(DARDOT, LAVAL, 2016, p. 339-340).

Entretanto, para que os moradores de favela pudessem desenvolver os seus negócios,


foram criados programas que tiveram a missão de reconfigurar os territórios de acordo com
as potencialidades econômicas evidenciadas nas favelas. Dentre os nichos averiguados pelo
dispositivo da pacificação, o turismo ganhou grande destaque. Em 2010, o Sebrae – em
parceria com os governos federal e estadual – participou do desenvolvimento do programa
Rio Top Tour. Esse programa teve o objetivo de transformar moradores em guias locais,
como também, mapear os pontos turísticos existentes dentro das favelas. Diversos foram os
discursos proferidos pelas autoridades presentes na Favela Santa Marta no dia da inauguração
do projeto que visava fomentar o turismo nas favelas pacificadas:

163
 Eu não poderia deixar de vir inaugurar esse projeto (Rio Top Tour) porque nós,
da nossa geração, precisamos recuperar o tempo perdido para que os nossos filhos
não precisem chamar nenhum bairro de favela, para que tudo seja bairro, tudo seja
comunidade (O GLOBO, 2012). Visitando, andando pelas ruas é que temos a
certeza de que a comunidade está em paz [...]. (ex-presidente, Luiz Inácio Lula da
Silva). As UPPs estão mudando o Rio e o turismo está acompanhando essa
revolução, abrindo oportunidades de geração de emprego e renda para a população -
ex-ministro do Turismo, Luiz Barreto (MINISTERIO DO TURISMO, 2012). 
Este programa é uma celebração do direito de ir e vir –ex-secretária Estadual de
Turismo, Márcia Lins (O GLOBO, 2012, p.01).

Os representantes institucionais atribuíram as políticas turismo e de segurança a


inserção da favela em uma nova era. Eles avaliaram que a partir do desenvolvimento
econômico propiciado pela atividade turística as favelas seriam integradas à cidade e que a
própria chegada do turista à favela comprovaria o “ambiente seguro” da mesma após a
instalação das UPPs. Lívia De Tommasi e Dafne Velasco afirmam que com a pacificação,
houve uma difusão de imagens positivas nos meios de comunicação, principalmente nas
plataformas digitais (que são espaço privilegiados para a atuação das ONGs e governos).
Esses aparelhos institucionais configuraram a favela não mais como lugar do tráfico, da
“violência, do perigo, do medo e sim, como lugar da solidariedade, da riqueza cultural,
artística e estética, em um discurso que exalta a capacidade empreendedora e criativa da
população local” (TOMMASI e VELASCO, 2013, p.20).

Assim, o dispositivo da pacificação instituiu uma série de discursos que enfatizavam


uma suposta “natureza empreendedora” do morador de favela. A reportagem do jornal O
Globo é emblemática. Com o título: “Turbinando o DNA empreendedor” (2012), o texto
informou que com a pacificação, os negócios nas favelas cresceram e as vendas de um a cada
quatro comerciantes aumentaram. A publicação avaliou que os moradores das favelas
pacificadas possuem um “DNA de empreendedor”, pois reconhecem a oportunidade, correm
risco, investem no negócio sem “nada a temer” (O GLOBO, 2012).

Conforme a pesquisa realizada pelo Instituto Data Favela (2015), ser o dono do
próprio negócio é o desejo de 40% dos 12 milhões de moradores das favelas brasileiras, tal
número é maior que a média brasileira. No Brasil, 23% das pessoas querem se tornar donos de
empresas, segundo o estudo. “Entre os moradores de favelas que querem ter o próprio
negócio, 55% pretendem abrir em até três anos. A maior parte (35%) deseja investir no ramo
de alimentação. Quanto à localização, 63% querem empreender dentro da favela onde vivem”.
(UOL ECONOMIA, 2015).

164
A seguir, serão apresentadas as histórias de alguns empreendedores das favelas
pacificadas do Rio de Janeiro.

165
3.2. Os empreendedores turísticos das favelas pacificadas

Ao entrar na Favela Santa Marta é possível ver centenas de casas aglutinadas. Existem
desde grandes construções com três andares a casas com estruturas precárias (que misturam
madeira com placas de ferro sobrepostas). Nas lajes das residências de alvenaria se observou
muitas caixas de água e antenas parabólicas, sobretudo da Sky. Os turistas que transitam pela
favela têm como parada principal a laje do Michael Jackson, onde podem tirar diversas fotos
com a estátua do cantor, situado em um espaço conhecido como “Laje do Michael Jackson”.
Na mesma laje tem um muro com a imagem do cantor americano feita por pequenos ladrilhos.
Esse ambiente é cercado por guarda-corpos por causa da expressiva altura do lugar e recebe
muitos eventos, normalmente de samba, que são organizados por empreendedores da favela –
mas o público é do “asfalto” – quase não tem morador nas festas realizadas ali.

Em virtude da laje tratar-se do principal ponto turístico da favela, duas moradoras


resolveram abrir lojinhas de souvenir na entrada e saída do lugar. Próximo à laje, pode-se ver
uma das três Igrejas evangélicas da localidade, a Assembleia de Deus. A parede lateral do
recinto contém os horários e dias dos cultos, para que assim, o fiel não possa perder os
eventos da instituição.

No Santa Marta circulam muitos animais, sobretudo cachorros. Em virtude disso,


avistou-se dejetos caninos com frequência por entre vielas e becos. Moradores e turistas tem
que fazer “malabarismos” para não sujar o calçado. Por entre as vielas, um salão de
cabeleireiro apresentava uma faixa com os seguintes dizeres “Deixe suas madeixas lindas.
Fazemos progressivas e cauterização”. O dono do local costuma ligar o ar condicionado e
ventilador ao mesmo tempo para tentar deter o intenso calor da cidade.

Os microempreendedores são criativos e vendem múltiplos produtos em um mesmo


ambiente. Em um dado estabelecimento, foi possível avistar uma barraca que vende ovos,
frutas e até cerveja. Em outro, observou-se uma empresa que é um bar na maior parte do
tempo, mas no almoço transforma-se em restaurante e durante a noite, pizzaria.

Não muito distante do bar de múltiplas funcionalidades, foi possível avistar um Sushi
bar. O dono do estabelecimento apesar de “ser nascido e criado” na favela não trabalha ali, ao
invés disso, fez com que dois moradores se transformassem em chapeiros. “Ele teve o dom de
montar o negócio, me profissionalizou, assim como meu amigo, que trabalhava na chapa e

166
que daqui a pouco está chegando”. A pacificação ajudou a dinamizar o movimento do Sushi
Bar, já que agora o pessoal do “asfalto” passou a adentrar a favela sem grandes temores.
“Aqui é pra geral, não tem o negócio de mais para morador não. Vem turista, morador, gente
da pista, vem todo mundo. Eles também podem pedir comida pelo whatsapp” completou o
chapeiro.45

Entretanto, a favela se tornou um espaço para ser explorado também por


empreendedores que tradicionalmente estão vinculados ao “asfalto”. A festa Spanta Neném,
que sempre fora promovida nos bairros nobres no Rio, passou a ser realizada na quadra de
uma escola de samba do Santa Marta. O organizador da festa disse que: “Antes das UPP eu
não sei se eu faria um evento aqui para o público classe A (...) Essa estratégia de segurança
diminuiu muito a violência (...) não se vê mais pessoas armadas na rua". O intuito dele era
propiciar o encontro entre o “povo do asfalto” e o “povo da favela”. "Precisávamos trazer
nosso público para esse movimento, mostrar para as pessoas que a comunidade é carente,
mas é legal pra caramba”. Uma frequentadora da festa Spanta Neném disse que: “depois da
UPP a gente tem mais segurança e fica mais tranquila pra vir aqui. Eu acho que tem que ter
festa o ano todo, não só no carnaval”. Outro frequentador avalia que “a beleza do Rio é
mascarada pelos pontos turísticos normais e na verdade quando você sobe aqui você vê o
carioca de verdade” (VILA MULHER, 2016).

Já no Pavão-Pavãozinho/Cantagalo, moradores que trabalhavam como motoboys


resolveram incrementar o seu negócio após a pacificação. Além de efetuarem o transporte das
pessoas que moram na favela, como sempre fizeram, resolveram criar o Mototour, um passeio
de moto exclusivamente destinado aos turistas. Segundo um dos motociclistas que trabalha
nessa associação informal “a interação com os moradores encantam os turistas, pois eles
podem andar das vielas e biroscas, falar frases em inglês com as crianças e até a se
arriscarem no funk” (R7, 2014). Em 2009, teve-se a criação do Museu de Favela nos
territórios do Pavão-Pavãozinho/Cantagalo. O Museu de Favela é o primeiro museu
territorial46 integral do Brasil. Ele se refere a uma organização não-governamental que foi
constituída pelos moradores do referido conjunto de favelas com o intuito de valorizar a
memória coletiva (MORAES, 2010).

45
A entrevista com o chapeiro foi realizada em 2016.
46
O museu territorial é um tipo de museu que articula a paisagem de uma comunidade por meio de todo tipo de
relação entre sociedade e natureza na produção de cultura (SCHEINER, 2009 apud MORAES, 2010)
167
Assim como o Pavão-Pavãozinho/Cantagalo, o Complexo do Alemão viveu um
boom turístico após a pacificação e chegou a receber até a visita do príncipe Harry, em 2012.
Na ocasião, o príncipe foi apresentado a alguns militares da Força de Pacificação e chegou a
vestir o boné azul turquesa da tropa. Os militares quebraram o protocolo e sacaram suas
máquinas fotográficas para tirarem fotos do príncipe "Ele quis saber se hoje nós podemos
transitar livremente por todas as ruas do Alemão. Falei para ele que podemos, e os
moradores também", disse o então comandante Miguel Paiva (BBC, 2011). Entretanto, dois
anos após ser pacificado o “Alemão turístico” esmoreceu com a volta dos tiroteios, o que
acabou frustrando os empreendedores daquele território.

Para compreender melhor a dinâmica que envolve dispositivo da “pacificação” e o


desenvolvimento do empreendedorismo nas favelas pacificadas foram feitas algumas
entrevistas com moradores/empreendedores da Favela Santa Marta, Pavão-
Pavãozinho/Cantagalo e do Complexo do Alemão com o objetivo de conhecer melhor a
história de vida dos mesmos, como também, quais foram as razões principais que os levaram
ao desenvolvimento do próprio negócio.

168
3.2.1. Carambola: “A pacificação foi tipo assim: vai lá e faz pô! Você tem que fazer
diferente, entendeu? Aí, todo mundo teve que fazer diferente”

Carambola (nome fictício, negro, 33 anos) é um microempresário da Favela Santa


Marta. Ele trabalha como guia de turismo e, além disso, possui uma agência de viagens e um
hostel na localidade. Também investiu em uma empresa de entrega de saladas. Além disso,
exerce a função de cozinheiro quando promove eventos de samba em que o prato principal é a
feijoada. Sua vida deu uma grande guinada após participar do programa Rio Top Tour, dos
cursos de capacitação oferecidos pelo Sebrae e por fim, após se graduar como guia de turismo
em um colégio estadual da cidade. 47

O empreendedor acredita que a participação no projeto Rio Top Tour foi um “start”,
pois o mesmo afirmara que possuía algumas ideias, mas que não sabia como concretizá-las.
Conforme ele, as pessoas dizem: “Vai se capacitar!... falar é fácil, mas pra quem sabe como
é viver em uma favela, a dificuldade que tem, do que precisa fazer, você acordar cedo para
trabalhar e do trabalho ter que voltar para cuidar dos filhos e ter que estudar. É difícil”.

Quando o projeto Rio Top Tour veio para o Santa Marta foi dada a possibilidade aos
moradores de favela de fazer um curso de guia de turismo em um colégio estadual situado na
Praça da Bandeira (as pessoas teriam que ter o ensino médio concluído). Carambola acredita
que o conhecimento adquirido no curso de guia foi fundamental para desenvolver o seu
negócio. No final de cada semestre, os alunos tinham que apresentar um trabalho acadêmico
“Então, por exemplo, eu apresentava um roteiro no Santa Marta, apresenta um sistema de
hospedagem no Santa Marta, apresenta uma reserva no Santa Marta”. Desse modo, as
tarefas acadêmicas serviram de base para a implantação do seu negócio. “Então daquilo ali eu
consegui ter uma visão ampla e aberta. Eu fui investindo em conhecimento e fazendo as
coisas acontecerem”. Após o término do curso, Carambola se regularizou enquanto MEI
(Microempreendedor Individual).

Quando eu abri a empresa em 2012, eu abri o MEI. Eu já era guia. Então, já foi um
trabalho muito rentável, rentável na questão de você conseguir trabalhar, ter um
salário para você e com um pouquinho que sobrasse você empreender com
investimentos. Por exemplo, no hostel. Então, desde o primeiro ano, começou a dar

47
As entrevistas com o Carambola foram feitas em dois períodos distintos. A primeira foi realizada no mês de
janeiro de 2015 e a segundo foi efetuado em dezembro de 2017.
169
lucro. As pessoas acham o seguinte: começou a dar lucro, então já vem um monte de
cifrão, um monte de dinheiro. Desde que você consiga se manter, manter os seus
filhos, você consegue pegar um pouquinho da grana e fazer um investimento no seu
negócio, fazer um novo cartão, um novo panfleto, um site, já é um lucro. Porque
como a gente atua com uma mentalidade de negócio social, ele não visa só o lucro, o
lucro é revertido para que as pessoas cresçam e se desenvolvam, então no Santa
Marta eu comecei como o primeiro guia da comunidade. Agora nós temos 12 guias,
entendeu? E isso para mim é um ganho muito grande. Porque agora, por exemplo,
tenho a condição de pegar um aluno que estuda para ser guia e botar num táxi e levar
ele na escola para não se atrasar e fazer a matrícula e ajudar ele fazer um curso de
guia e hoje ele ser um guia. Então isso é um investimento (Entrevista com
Carambola. Pesquisa de Campo, 2017)

Conforme Carambola, o empreendedorismo modificou a sua vida. Para ele, o


empreendedorismo significa a transformação de “uma coisa que você gosta em um negócio e
fazer aquilo com muito profissionalismo, com muito amor e com muito comprometimento,
não adianta apenas você só empreender você tem que empreender por uma causa”.
Carambola completa afirmando que as pessoas devem empreender por um “bem comum”,
“você não pensa só em visar o lucro e ganhar dinheiro, você tem que conseguir resolver
algum problema social através do empreendedorismo”.

Ele acredita que qualquer um pode empreender, mas acha que não é só o fato da
pessoa ter dinheiro que a habilita a empreender, como também, não seria somente o fato de ter
conhecimento, pois “são um conjunto de coisas que tornam alguém em um empreendedor e
eu costumo dizer que as pessoas que nascem nas favelas já nascem empreendedores, é só
deixar aflorar”. Quando confrontado pelo pesquisador porque as pessoas na favela já nascem
empreendedoras, Carambola afirma que é “porque as pessoas são menos favorecidas, daquela
dificuldade transforma em algum negócio para sua família e consegue resolver um problema
na sua comunidade, em seu meio de sobrevivência”.

Carambola acha que o empreendedor precisa ter comprometimento por aquilo que faz
e necessita realizar algo que cause um impacto positivo no local onde vive, pois na sua
opinião: “Eu falo para qualquer um que seja empreendedor há muito mais tempo do que eu,
não é só visar lucro, visar só dinheiro. É visar transformar um problema numa causa e dessa
causa empreender”. O guia considera o empreendedorismo uma espécie de “varinha mágica”,
capaz de transformar um barracão de madeira em uma guest house (adaptação de uma casa
para receber turistas).

170
Eu trabalhava com coisas que eu não tinha amor, por conta do dinheiro, tinha que
pagar as contas de casa para ajudar os meus filhos, fui participar de um projeto
social, de um projeto chamado Rio Top Tour, um projeto de turismo, desse projeto
eu conheci o mundo do turismo e vi na minha comunidade, na favela, uma
oportunidade de empreender e transformar de fato minha favela em um local de
acesso para visitantes no mundo inteiro, transformar minha casa em um local onde
as pessoas possam se hospedar e ter uma hospedagem de experiência mais
diferenciada do que você estar em um hotel cinco estrelas, por exemplo. Você tá em
um prédio, tudo bem, você está lá e tal, tal, tal. Mas você não tem uma vista da
favela, por exemplo, você não tá vendo uma vista de uma pessoa que mora na
favela, muita das vezes em um barracão simples de madeira, através disso
(empreendedorismo) consegue transformar sua casa em uma guest house, e dessa
guest house ele consegue movimentar uma grana e com isso sustentar melhor a
família, gerar a economia local, fazer com que os turistas gastem dentro da
comunidade, isso é muito importante (Entrevista com Carambola. Pesquisa de
Campo, 2017).

O outro ponto interessante que Carambola destaca, refere-se ao fato dele acreditar que
existe uma grande diferença entre os empreendedores da favela e do “asfalto”, pois esses
últimos contam com grande aporte financeiro ao iniciarem os seus negócios,

A diferença é muito grande, a maioria das pessoas que empreendem no asfalto tem
dinheiro para investir. Conheci uma menina agora que fez uma guest house aqui
perto. Na parte de baixo ela alugou o espaço dela, tem um restaurante... fez uma
cozinha, um novo negócio vamos dizer, de alimentação saudável. Ela gastou 200 mil
no espaço, entendeu? O cara vai fazer um negócio na favela. Aqui na favela não tem
um negócio desse. A gente tá ajudando a criar, a desenvolver. A gente criou do
nada, do zero, entendeu? Com o que entra a gente conseguiu fazer uma lojinha, com
o que entrou a gente conseguiu comprar a bancada, com o que entrou a gente
conseguiu pintar. A diferença é muito grande. Desde o conhecimento que eles têm,
até contatos e oportunidade financeira, que é o que nós mais nos esbarramos
(Entrevista com Carambola. Pesquisa de Campo, 2017).

Para Carambola, a principal vantagem de se empreender na favela é que “muita das


vezes ele (favelado) tem um espaço ocioso e transforma aquele espaço em um comércio,
naquele comércio, ele vai na cidade e compra coisa para revender”. Ele acredita que os
moradores do Santa Marta empreendem porque buscam uma melhor qualidade de vida para
toda a família. O guia disse que os empreendedores vendem os produtos 10 a 15 % mais caro
que nos supermercados, contudo, propiciam uma melhor comodidade aos residentes, pois não
precisam sair da favela para comprar algum produto a todo instante. Carambola ressalta que
os “empreendedores de favela” colocam “a mão na massa” e desenvolvem o seu negócio com
sentimento. “É aquela senhorinha que faz aquele bolo gostoso, que faz aquele bolo com
amor, como se fosse para ela comer”. Em contrapartida, ele critica os empreendedores do
asfalto. “Diferente de restaurantes de 4 ou 5 estrelas do asfalto que tem o nome do cara lá e
171
só quer saber de contas, quem cuida é o gerente, só que ele mesmo não põe a mão no
negócio”

Já as desvantagens de ser empreendedor na favela estão relacionadas com a falta de


conhecimento, a falta de oportunidade, o preconceito da sociedade e principalmente, o
preconceito dos empreendedores do asfalto. “Eles acham que quem mora na favela tem
sempre que ser submisso a todos eles, por exemplo, no governo Lula criaram o MEI, até hoje
eu escuto as pessoas falarem que MEI não deveria existir”. Ele disse que ouve dos
empreendedores do “asfalto” que só quem tivesse muito dinheiro deveria investir em um
negócio. Na visão do Carambola, o MEI democratizou o “mundo do empreendedorismo”. “O
MEI você paga quase 50 reais de taxa, você consegue acesso a créditos nos bancos, consegue
uma conta jurídica, você consegue a maquininha de cartão de crédito e débito”. Ele completa
afirmando que a possibilidade de o pobre empreender “incomoda muita gente”.

Toda a transformação do Carambola está relacionada à atuação do dispositivo da


pacificação, que por meio de um leque de instituições governamentais e não governamentais,
reconduziu ele para o “mundo da ordem legítima”. O ambiente militarizado criou um
ordenamento autoritário, em que o mesmo se sentiu impelido a “agarrar as oportunidades” do
dispositivo. “Mas a pacificação foi tipo assim: vai lá e faz pô! Você tem que fazer diferente,
entendeu? Aí, todo mundo teve que fazer diferente”. “Fazer diferente” representou a
ressignificação de sua trajetória, a saída do “mundo do crime” em direção a ascese
empreendedora, o que lhe trouxe inúmeras gratificações, dentro e fora da favela.

Entretanto, infelizmente a vida de Carambola não é marcada apenas por momentos


exitosos relacionados ao “empresariamento de si”. A trajetória de vida dele foi calcada por
inúmeros percalços, pois ele literalmente vivia sob o “fogo cruzado”, na época em que a
favela era dominada pelo controle armado do tráfico de drogas. Perdeu o pai cedo e sua mãe
era empregada doméstica, não teve muitas oportunidades na vida. Quando adolescente,
envolveu-se com o “mundo do crime”. Carambola praticou furtos e assaltos até ser preso pela
polícia militar quando iria roubar uma loja de materiais de construção. A prisão se deu de
forma violenta, pois até chegou a levar tiro à “queima roupa”. Depois desse episódio, foi
condenado a cinco anos de prisão e acabou cumprindo dois anos na penitenciária de Bangu
após garantir liberdade condicional. Quando quis recomeçar a sua vida se deparou com
imensas dificuldades, pois não conseguia arrumar emprego. Na visão dele, o fato de “ser do

172
morro” e ex-presidiário complicava a sua vida. Assim, tornar-se empreendedor se configurou
em uma brecha, uma forma de “driblar” os preconceitos do mercado de trabalho.

Ele considera que faz parte de uma geração perdida, onde a maioria de seus amigos foi
morta pela polícia, em uma perspectiva onde sua trajetória com final vencedor se refere a uma
exceção,

Faço parte de uma geração que não teve oportunidade de trabalho, oportunidade de
fazer curso, oportunidade de nada, sempre foi discriminada. Se não for fazer como
eu fiz, correr atrás, ir batalhar, buscar seu lugar ao sol, vai ser só mais um para
sociedade. Mais que morreu, mais um que está buscando trabalho, mais um que está
desempregado. Infelizmente, eu sou dessa geração e não vou deixar que a sociedade
me conte como mais um. Eu sou mais um sim, mais um que batalha, mais um que
corre atrás, que apesar de ter a infância e adolescência perdida... por exemplo, dos
18 aos 20 anos eu estava preso. Eu saí e não consegui arrumar trabalho. Era taxado
como ex-presidiário. Não se consegue trabalho. Não se consegue nada. E mesmo eu
preso... e muitos amigos meus, mesmo os que não foram presos, sofrem com a
mesma discriminação (Carambola, morador e empreendedor da Favela Santa Marta.
Pesquisa de campo, 2015).

Essa discriminação que Carambola diz sofrer, mesmo com a saída do “mundo do
crime” pode estar relacionada ao fato das pessoas acreditarem que os sujeitos que têm uma
trajetória de vida como a dele, possuem uma subjetividade peculiar (MISSE, 2010), algo
como um “carisma de valor negativo”, fazendo com que sempre sejam taxados como
“bandidos”.

De acordo com Michel Misse (2010, p.24), a formação de tal subjetividade peculiar
está vinculada aos processos de sujeição criminal. A primeira dimensão desse conceito é a que
seleciona um agente a partir de sua trajetória criminável, diferenciando-o dos demais agentes
sociais, por meio de expectativas de que haverá, em algum momento, demanda de sua
incriminação. Já, a segunda dimensão é a que espera que esse agente tenha uma “experiência
social” específica, conseguida em suas relações com outros bandidos e/ou com a experiência
penitenciária.

Assim, trazer o sujeito criminal de volta à norma e a sociabilidade convencional


representaria, portanto, um processo da magnitude de uma “conversão” ou “reconversão”, e
não é raro que esse processo se realize estritamente sob a forma de uma “conversão religiosa”.
Uma série de conversões que reintegram esse indivíduo a ordem social legítima, também o
reintegram como um indivíduo especial, cuja vivência diferenciada é representada como

173
passível de ter-lhe permitido acessar registros ontológicos incomuns. “O carisma negativo se
metamorfoseia em carisma positivo. Não basta que haja conversão, é necessário dar-lhe o
testemunho público” (MISSE, 2010, p.30). O autor completa afirmando que não são poucos
os casos em que o ex-bandido se transforme no seu tipo oposto, em pastor, sacerdote ou
mesmo em “santo”.

Quando a experiência da sujeição criminal não é tão radical assim, ou é atenuada por
uma subcultura que lhe confere intersubjetividade suficiente para arrefecer essa
individuação extrema, o indivíduo, que geralmente também não se desfiliou tão
completamente dos vínculos que o integram à ordem legítima, poderá abandonar a
sujeição criminal utilizando-se de recursos sociais mais variados e menos
extremados. Ainda assim, sua experiência anterior lhe servirá para diferenciar-se do
homem comum (MISSE, 2010, p. 29).

A conversão pela qual Carambola passou é uma questão interessante. Alguns pontos
de sua trajetória se assemelham com as asserções teóricas de Misse (2010), pois Carambola é
uma figura pública dentro da Favela Santa Marta, uma pessoa conhecida por todos pelo seu
carisma, pelo seu trabalho como guia turístico, como também, por organizar diversos eventos
no território. O fato de toda favela o avistar conduzindo grupos de turistas poderia delinear
uma espécie de “testemunho público”, o que evidenciaria que Carambola deixou o “mundo do
crime” e redirecionou a sua trajetória. Outra questão que Misse (2010) coloca é que para
integrar-se ao “mundo social da ordem legítima” o sujeito pode lançar mão dos mais variados
recursos sociais.

Nesse sentido, Carambola utiliza em seu trabalho como guia turístico todo seu
estoque de conhecimento referente à favela, contando aos turistas histórias que se reportam a
época em que a favela era dominada por traficantes, porém, sempre busca enfatizar que a
favela também possui aspectos positivos,

Porque nos telejornais sai que tem troca de tiros, morte...não...Porque na favela não
tem só coisa ruim, tem pessoas do bem, tem pessoas que trabalham, pessoas que
criam seus filhos com amor e carinho. Viver numa favela não é fácil, ser taxado pela
sociedade não é fácil. É viver matando um leão por dia e correndo de dois
(Entrevista com Carambola. Pesquisa de campo, 2015).

Percebe-se também que, hoje, Carambola busca um novo self, o de “empreendedor de


sucesso”, que passou por vários momentos turbulentos em sua vida, mas que conseguiu obter

174
êxito, reconduzindo assim, a sua trajetória que anteriormente estava ligada ao “mundo do
crime”. “Hoje em dia, sou empresário, e proprietário do meu próprio estabelecimento [..] saí
da linha da pobreza e hoje sou um empreendedor de sucesso, e muito sucesso, por sinal.
Meus sete filhos, comem do bom e do melhor”. Ele pode ser considerado uma espécie de
personalidade na favela, pois frequentemente é destaque em diversos meios de comunicação,
sendo que inclusive sua trajetória como empreendedor é utilizada em projetos publicitários do
Banco do Brasil.

Os tours desenvolvidos por ele são diversificados, pois são vendidos diversos
pacotes com preços que variam de R$90,00 a R$130,00. Além dos tours, Carambola possui
um hostel na localidade para que as pessoas possam vivenciar como é morar em uma favela.
Para ele, por meio do hostel se cria novas experiências que ficam na memória do turista,
acredita que o intercambio social é bom tanto para o turista, quanto para o morador, pois
“ajuda a incentivar o talento da galera local, fortalece o empreendedorismo no morro e
contribui para o desenvolvimento sustentável das favelas no Rio”.

175
3.2.2. Isabela: “O meu negócio se fortaleceu pós-pacificação”

Isabela (nome fictício, negra, 46 anos) é moradora da Favela Santa Marta.48 Ela
administra uma agência de turismo receptivo dentro da favela juntamente com uma sócia.
Isabela e sua parceira atuam na empresa enquanto guia de turismo. A empreendedora afirma
que representa o que os moradores do Santa Marta chamam de “cria da favela” por sempre ter
residido a vida toda no território. “Economicamente falando”, considera que teve uma
infância muito pobre e viveu momentos extremamente difíceis e conturbados na favela, pois
“foi um período de muitas guerras, tráfico de drogas e tudo mais. Então assim, não foi uma
infância muito tranquila, mas foi uma infância a onde a gente brincava na rua, a gente corria
por aqui (Praça do Cantão)”. Isabela considera que não teve uma “infância dos sonhos”,
porém, classifica a adolescência como o pior período de sua vida,

Quando você é criança, você não entende muita coisa, né. Mas depois que você fica
mais velho as coisas já começam a fazer sentido... em relação a entender o que está
acontecendo a sua volta. Quando você é criança quer muito é brincar. Quando já é
adolescente, você já entende um pouco as relações. Na adolescência eu vivenciei
muita coisa, muita guerra. Foram experiências bem fortes. Experiências bem
profundas (Entrevista com Isabela. Pesquisa de Campo, 2017).

Ela afirma que parte de suas profundas experiências são relatadas aos turistas durante
os tours. Isabela avalia que devido ao fato de morar na favela sempre tem alguma coisa nova
para contar. “Às vezes eu explico para as pessoas que quando eu era mais jovem eu tinha que
dormir com um travesseiro na cabeça, porque teve uma época aqui que a gente tinha muito
estupro. Eu ouvia as meninas serem estupradas, isso me perturbava muito”. Ela disse que tal
prática violenta não acontece mais na Favela Santa Marta, mas que o estupro de mulheres
ainda é uma realidade em muitas favelas do Rio de Janeiro. “São coisas que você vivencia.
Você conhece mulheres que foram estupradas e essa coisa toda, é pesado né. As próprias
guerras mesmo, você sai para escola e tem corpo pelo caminho. Essa era coisa que fazia
parte da vivência”.

Isabela disse que buscou apagar da memória muitas coisas doloridas que vivenciou
“para tentar seguir a vida”. Outras coisas ela avalia que é preciso falar (aos amigos), pois é

48
A entrevista com Isabela foi realizada em 2017, na praça principal do Santa Marta.
176
impossível ficar carregando tantos acontecimentos terríveis em sua vida por tanto tempo. “Eu
comecei a falar dessas coisas muitos anos depois, então você acaba virando psicólogo de si
mesmo. Então você processa essas coisas junto com outras pessoas, no dia a dia, né”.

Uma questão relevante que Isabela aborda se refere ao fato de que sua geração no
Santa Marta não teve muita possibilidade de sonhar. Ela acredita que em um passado não
muito distante os jovens não eram estimulados a sonhar. “Sou de uma geração de que
qualquer trabalho que se conseguisse na casa na madame já estava bom pra caramba. Então
a gente não foi educada para pensar, em querer ser um advogado”. Isabela relatou que
gostaria de ser veterinária “para o pessoal”, contudo, os moradores da favela zombavam dela
e diziam “que veterinária o que, vai trabalhar, vai fazer alguma coisa”.

A partir de então, ela começou a trabalhar com doze anos de idade. O primeiro
emprego dela foi em uma padaria. Na visão da empreendedora, isso aconteceu por não ter
sido estimulada a apenas estudar, mas sim, cumprir sua função social. “Nossa função social
era abastecer esse mercado. Eu não fui educada para fazer uma universidade, eu não fui
educada para concluir os meus estudos, entendeu? Eu fui educada para servir como mão-de-
obra”. Conforme Isabela, o trabalho de carteira assinada era algo muito valorizado dentro da
favela, não era necessário ter em uma profissão gratificante, pois o objetivo a ser alcançado
seria “pelo menos você não correr o risco de entrar para a marginalidade. É você tentar ter
uma vida digna. (Vida) digna é ter um trabalho fixo, uma parada assim”.

Nos seus vinte e poucos anos ela teve a possibilidade de estudar. Ela começou a
trabalhar na biblioteca de uma faculdade particular. Pouco tempo depois pleiteou uma bolsa
junto à instituição e conseguiu a mesma. Acabou escolhendo fazer faculdade de turismo,
“para ver se eu viajo nessa budega, na verdade é um pouco ilusório. Mas você alimenta esse
sonho”. Mas ao entrar na faculdade passou a conviver com novos desafios. O principal
problema para Isabela consistiu em estudar com o que denomina “nata da playboyzada da
Zona Sul”. E quando ela entrou na faculdade percebeu que era a única favelada. “Então você
sempre era minoria”. Quando indagada pelo pesquisador qual foi a reação dos estudantes ao
saber que ela morava na favela, Isabela afirmou que escondia de todos essa informação,

Na escola eu nunca falava que era da favela. Na faculdade eu meio que cansei um
pouco disso. Eu falei... Eu não vou mais vestir essa máscara. Vocês vão ter que
aceitar do jeito que eu sou. Eu não era uma pessoa de f***-se. Mas naquela época eu
fiquei um pouco assim. Agora eu vou assumir essa p***a. Eu nunca tive orgulho

177
de ser favelada naquela época, não é orgulho estar na favela. Mas eu estava um
pouco cansada de ter que ficar fingindo, de ter que ficar escondendo para as pessoas.
Nunca na minha vida acadêmica as pessoas vinham na minha casa para fazer o
dever de casa. Então é um pouco assim... Eu falei... não vou mais inventar história,
(pois para mentir) você tem que ficar inventando muita história. Então isso é uma
coisa que na época da escola era muito difícil, né (Entrevista com Isabela. Pesquisa
de Campo, 2017).

Assim, lembrar do passado é algo que deixa Isabela atordoada. Enquanto lembrava dos
momentos difíceis vivenciados na faculdade regrediu seu pensamento para dificuldades
vividas em época anterior, na escola. Isabela se sentia apequenada por ser favelada e os outros
alunos serem abastados. Quase todo o material da escola dela era feito com coisas recicladas.
“Há sempre aquela luta. Eu ia para a escola com o uniforme todo usado, minha mochila era
uma calça jeans que minha mãe fez. O estojo era de um pano que minha mãe também fez.
Meu pai amolava o lápis com faca”.

Quando estudou no Colégio Pedro II ela sofreu muito por também ter que mentir em
relação ao lugar onde morava. Uma questão que a apavora era contar como foram as suas
férias nas redações que os professores pediam no início do ano. “Eu mentia horrores”, disse
ela. Nessa época, Isabela teve que começar a pensar aonde iria “inventar que foi viajar”, pois
todos os alunos compartilhavam relatos de suas viagens pela Europa e que inclusive
chegavam a encontrar o professor em determinado país europeu. “Então, eu tinha que ir em
um lugar que ninguém conhecia. Eu sempre estava viajando para Argentina no final do ano”.
Ela ganhou um cartão postal de uma coordenadora de uma instituição de caridade. Nesse
cartão postal, a coordenadora descreveu como era a cidade de Mendoza. “E quando eu fazia a
redação... eu pegava essas informações. Porque ninguém conhecia essa p***a de Mendoza.
Pelo menos eu saia do país. Então era assim. Você mente muito sobre a sua origem”. A
adolescência de Isabela se resumiu em “esconder onde morava”, sendo que ela sempre optava
por fazer os trabalhos escolares sozinha, pois tinha vergonha de levar algum colega para casa.

Já a vida adulta – principalmente durante a faculdade – também classifica como uma


época muito dolorida em que ela teve que ser muito resistente. Os alunos na faculdade tinham
acesso à vida cultural que ela jamais teve, frequentavam cinemas, teatros, por esse motivo
Isabela se sentia deslocada das discussões em sala de aula. Ela não fazia ideia do que as
pessoas estavam debatendo. A estratégia encontrada pela Isabela foi ficar calada, ser brava e
ficar com a “cara sempre fechada”. Quando finalmente resolveu revelar a sua “identidade de

178
favelada”, o pior aconteceu. Isabela passou a ser configurada como traficante pelos seus
colegas e a todo instante era pressionada a comprar e usar drogas,

A vida acadêmica foi essa luta com a minha identidade. (Eu dizia a todos) Eu sou
da favela. Não era essa coisa de dizer eu sou favelaaaaada (de modo escancarado).
Tinha época também que as pessoas da faculdade vinham aqui comprar maconha e
tinha aquela coisa... (Dizia aos alunos) “Já falei que eu não sou traficante!”. Eles
achavam que os moradores eram traficantes ou que a gente era usuário de droga. Na
minha turma só eu e o Gabriel, no primeiro ano da faculdade... só eu e ele não
éramos usuário de droga e todo o restante da classe usava. Eu tive que brigar com
eles porque falavam assim: “Ah, Isabela traz lá um pouco disso...maconha”. Eu falei
para eles: “Olha só, eu vou baixar a porrada se começar com essa palhaçada de
achar que eu vou ficar indo no morro para comprar drogas para vocês”. Era a
maior tortura, porque no recreio, na época da faculdade, as pessoas fumavam e só eu
e o Gabriel que não. A pressão foi tão grande que ele saiu do curso. Ele disse que
não conseguia aguentar. Ele não aguentou. Era essa pressão, era muita pressão, a
playboyzada querendo pressionar para você fazer parte... imagina... a turma inteira
usava droga e não era uma turma grande. Você ia para um lugar e a galera consumia
e você fica pensando: P***a, “O que você está fazendo aqui?”. Aí você diz: “Quer
saber, eu não vou!”. A pressão era muito grande, você ia na casa dos playboy e até a
mãe dos caras usava droga. Então, assim, você não usar era muito esquisito
(Entrevista com Isabela. Pesquisa de campo, 2017).

Para Isabela, o uso de drogas não fazia sentido, pois ela viu muita gente morrer de
overdose, como também, pelo fato de ter perdido muitos amigos em virtude da “guerra as
drogas”. “Então quando eu vi esse ambiente assim eu tinha alguma coisa muito forte com
isso, eu pensava, cara! Como é que alguém consegue relaxar com aquela p***ra.” Desse
modo, nada que estivesse conectado com as drogas a fazia relaxar.

Outra questão marcante que aconteceu na vida de Isabela durante a faculdade, foi
ganhar uma bolsa de alemão no instituto Goethe. Ela era a única pessoa que estudava alemão
na faculdade toda. “A minha vida acadêmica foi toda de resistência. Eu estudei no Instituto e
eu era a única bolsista. Eu tinha bolsa integral. Era só eu e outra menina que tinha bolsa
integral e como a gente tinha bolsa integral a média era muito alta. Era oito ou nove”. Então
se ela tirasse uma nota menor do que a estabelecida pela instituição perderia a bolsa. Além de
toda pressão de tirar notas altas “outra parada era que era só playboizada que estudava, era
filho de alemão, tinha um povo que estava querendo fazer diplomacia, que tinha um poder
aquisitivo muito alto e todo o ambiente da sala era de classe alta”.

A vivência em um ambiente de classe média alta fez com que ela tivesse que lidar com
inúmeras humilhações que inclusive partiram de quem menos se podia esperar. Em uma

179
oportunidade, “a professora pediu para eu descrever a minha casa e ela me devolveu e disse:
Eu não entendo a sua casa, se você não refizer o trabalho, você vai ficar sem nota”. Isabela
então teve que pegar uma planta de um prédio e fazer dessa projeção a sua casa. Ela teve que
fingir que morava em um prédio para que a professora pudesse entender o seu contexto. “Eu
falei para ela, olha, mas eu moro em uma favela e ela disse que não queria saber onde eu
morava, só queria saber se tinha conhecimento das partes da casa e que pouco importava”.
Por ser bolsista, ela não se sentia no direito de questionar o Instituto Goethe, então, por isso,
optou por refazer todo o trabalho. Contudo, Isabela teve um momento de redenção. Ela
apresentou a favela aos alunos do curso de alemão em trabalho final.

Mas também foi uma época boa (estudar no Instituto Goethe), porque na
apresentação final do curso eu falei sobre o Santa Marta, da colônia de férias, então
ficou todo mundo surpreso. Porque também lá era um mundo muito fake, muito
conectado com aparência do ter. Era só eu que morava no morro também, então os
alunos ficavam assim... e depois vieram me perguntar como era. Eu quase não fiz
amigo no curso de alemão porque era uma galera muito rica. Você fazia interação se
você ia no cinema com a galera, se ia no teatro. Eu estava meio fora e também não
me sentia, eu não me sentia pertencendo àquele grupo. Uma vez eu fui almoçar no
centro da cidade... em um restaurante panorâmico. Eu contava o dinheiro na mão
naquela p***a de restaurante caro. Eu sempre me perguntava se eu poderia pedir
uma água ou não. Às vezes eu não bebia. Eu dizia para todos que não bebia durante
a refeição. Até hoje eu não bebo durante a refeição, porque eu não podia comprar
bebida para tomar durante o almoço (Entrevista com Isabela. Pesquisa de campo,
2017).

Na mesma época em que cursou a faculdade, Isabela também participou muito dos
movimentos sociais e de instituições de base comunitária. Ela não participou de encontros
somente no Santa Marta, mas também em outras localidades, como por exemplo, na periferia
de Nova Iguaçu. Por participar muito dos movimentos sociais acabou sendo escolhida – por
um programa que apoia o intercâmbio de jovens engajados – para realizar uma viagem até a
Alemanha. “Eles escolheram só os melhores, não os melhores, mas as pessoas queriam
alguém que seria uma boa representatividade da juventude carioca [...] a galera me escolheu
para participar”. O fato de ter viajado para Alemanha mudou completamente a vida de
Isabela, pois no país europeu encontrou uma realidade completamente diferente da vivida na
favela. Enquanto no morro existia momentos em que se alimentava uma vez por dia, na
Alemanha havia café da manhã, lanche da manhã, almoço, lanche da tarde, jantar e lanche do
jantar. “Tive uma overdose de comida, né, passei muito mal nessa viagem. Eu emagreci muito
porque não consegui me adaptar. Porque era muita comida”.

180
Após viajar pela Alemanha, de Norte a Sul, Isabela teve que lidar com o impacto da
volta para o Santa Marta. Ela lembrou também que nas primeiras semanas que voltou para
favela, não reconhecia mais a sua casa. Quando retornou para sua residência no Santa Marta
disse que: “voltava para o quarto e achava que tinha cama”. Quando dormia e depois
despertava levava sustos ao abrir os olhos e se ver imersa na pobreza. “Eu não conseguia me
achar no meu espaço. Foi uma experiência que foi dura né, porque as pessoas foram muito
duras comigo, porque como eles não viveram aquilo, tinha meio que aquela raiva né
(inveja)”. Isabela se sentia totalmente isolada em um ambiente em que as pessoas tinham
dificuldade em lidar com o sucesso alheio. “Quando eu voltei para cá, eu voltei totalmente
sozinha nos meus devaneios dessa viagem, né. Aí você não tem ninguém para conversar, as
pessoas falam: Aí que saco, vai falar de novo de Europa, de não sei o que”.

Depois que conheceu a Alemanha, Isabela não parou mais de viajar. Ela viajou muito
pelo Brasil pois era engajada em um movimento nacional de meninos de rua, sendo que por
fazer parte do colegiado dessa organização sempre viajava muito para as reuniões que
aconteciam em diferentes cidades. Participar dos movimentos sociais a retirou, em certa
medida, do ambiente do Santa Marta, “me fez entender que o mundo era maior do que isso
aqui né, então foi um pouco assim, essa experiência me ajudou nesse sentido, foi a minha
base para fazer o trabalho que eu faço hoje (guia de turismo)”.

Apesar de guiar na Favela Santa Marta desde a década de 1990, ela apenas conseguiu
estruturar o seu negócio juntamente com sua sócia muitos anos depois, após passar pela
incubadora Rio Criativo. Isabela considera que o morador de favela empreende “por
necessidade” e que o “empresariamento de si” seria uma espécie de “carta de alforria” em
relação aos desmandos dos patrões,

Eu acho que assim, para gente que está nessa situação de empreendedor de favela,
não é o mesmo que empreender na rua, não é. A gente realmente empreende por
necessidade. O empreendedorismo é uma possibilidade de você quebrar um pouco
todo o trabalho formal que está em volta de você. É um pouco sua carta de alforria.
Empreendedorismo é um pouco isso, não ter ninguém chicoteando você, você
acorda motivado para fazer uma coisa, mas você não grita com você, você não é
maltratado por uma outra pessoa que detém o poder, o dinheiro de pagar você. Mas
por outro lado é um caminho de incerteza, também de dificuldade, um caminho onde
você tem o tempo todo que se reconstruir, às vezes você começa com alguma coisa e
daí tem que mudar para poder adaptar (Entrevista com Isabela. Pesquisa de campo,
2017).

181
Quanto Isabela iniciou o seu negócio achava que ele deveria ter uma “veia social” e
ajudar as pessoas a terem uma visão positiva sobre a favela. Mas ganhar dinheiro e ter um
negócio social era algo confuso para ela. “Como é que você faz negócio social? Isso era uma
dificuldade muito grande porque... a gente fazia dinheiro. Se alguém perguntar assim, você
começou impactando... impactava nada, o impacto é (bate a mão no bolso) monetário”. Ela
afirma que o empreendedorismo não é “nada romântico”, pois se refere a um caminho árduo,
em que “você ficar por conta própria, você tem que responder por fracassos também,
responder por coisas que não dão certo, é bastante complicado, mas também é um processo
de bastante crescimento, de bastante autoconhecimento”.

Conforme Isabela, o negócio dela tomou corpo após a implantação da UPP no Santa
Marta e o consequente aumento do fluxo turístico, já que quando a favela era controlada pelo
tráfico armado poucas pessoas se aventuravam a subir no morro. “Fortaleceu depois, né, foi
pós-pacificação, porque quando eu tinha terminado o MBA de turismo que eu comecei a ver
o que eu estava fazendo como uma possibilidade de negócio mesmo”. O processo de
estruturação do negócio de Isabela coincidiu com o momento em que o governo estava
pacificando a Favela Santa Marta. “A pacificação, na verdade, mudou muito a estrutura
dentro da favela, então, muita gente viu a pacificação como uma oportunidade”.

182
3.2.3. Vanessa: “A pacificação deu uma quebrada em alguns negócios e abertura para
outros”

Vanessa (nome fictício) é negra e possui 45 anos. Ela é dona de uma barraca de
souvenir situada na laje do Michael Jackson. A comerciante iniciou a entrevista de maneira
muito bem-humorada e afirmou que apesar de morar na favela desde criança, argumentou que
não é “nascida e criada na favela” – expressão popular entre os moradores – “Eu falo para as
pessoas que não sou cria, quem cria é rato (risos). Então eles falam nascida e criada e eu
falo que não, porque eu nasci na maternidade e vim para cá”.49

Ela revelou ao pesquisador que resolveu empreender para ficar disponível ao seu filho
por mais tempo. O filho dela possui nanismo. Conforme a empreendedora, na época em que
foi diagnosticada a doença, os médicos disseram que ele não iria andar e nem falar porque
possuía a cabeça maior que o corpo. Ela iniciou, então, uma batalha incessante em busca de
uma melhora em relação ao estado físico da criança. “Ele começou a fazer fisioterapia e tudo
mais só que eu trabalhava nessa época e eu não conseguia fazer duas coisas ao mesmo tempo
então eu preferi dar atenção para o meu filho. Eu saí do meu trabalho””.

Vanessa trabalhava como operadora de caixa em um hortifrúti e após sair desse


emprego resolveu abrir um bar no “pé do morro”. Contudo, a ordem civilizatória instituída
pela UPP fizera com que os bailes funks fossem proibidos e como os clientes dela eram
provenientes desses festejos, o bar teve que ser fechado. “Ficamos (Vanessa e o marido) sete
anos com esse bar.... após a pacificação não tinha mais bar porquê, não tinha mais baile
funk, então não tinha mais como existir um bar, porque não tinha mais baile”.

Depois da pacificação não teve mais baile funk. Daí a gente observou um fluxo
muito grande de turistas nesse próprio bar e nós começamos a fazer algumas coisas
de artesanato para os turistas. Vimos que dava certo. Decidimos montar uma
barraquinha e fazer alguma coisa para vender e foi assim que a gente teve a ideia de
colocar aqui, logo após a inauguração da estátua (do Michael Jackson). Nós viemos
e colocamos do outro lado, uma barraquinha de ferro e começamos a vender. Depois
dessa barraquinha de ferro, a Coral Tintas, que era uma empresa que tinha na favela,
fez a revitalização da laje (o alicerce). Eles me ofereceram aquele espaço para fazer
essa loja porque eles sabiam que a gente estava querendo fazer isso e que nós
tínhamos planos futuros, como também, que nós estávamos juntando dinheiro para
fazer a loja. E aí eles falaram: “Vocês topam construir?”. Eu falei: “Que dia a gente
começa a construir? Amanhã? Pode começar a furar os buracos” (risos). Eles

49
A entrevista com Vanessa foi realizada em 2017.
183
falaram que apenas não iriam fazer a decoração da loja. Eu respondi: “Meu amigo,
vocês fazendo a loja, o resto a gente se vira”. Eles construíram isso aqui (loja). A
estrutura dela por fora, a iluminação, o rebaixamento, tudo isso foi a Coral que fez.
Isso aqui era uma vala que tinha aberta e como a gente trabalhava em frente, a gente
colocou um tablado tampando a vala. Em cima da vala nos colocávamos a nossa
arara e vendíamos as coisas (Entrevista com Vanessa. Pesquisa de Campo, 2017).

“A pacificação deu uma quebrada em alguns negócios e abertura para outros. Porque
pelo menos aqui no Santa Marta não tinha loja de Souvenir, porque não tinha turismo. Não
tinha um turismo tão forte como tem hoje, só após a pacificação”. Além da pacificação,
Vanessa considera a instalação da estátua do Michael Jackson na favela um fator decisivo
para o aumento do fluxo turístico na localidade. Em virtude do fluxo ela resolveu construir
uma barraca de souvenir no território (ver Figura 20).

Figura 20 – Imagem da Loja de Souvenir

Fonte: Arquivo do pesquisador (2017)

184
Assim, para a dona da loja de souvenir, o empreendedorismo representa a montagem e
continuação de um negócio,

Eu acho que empreendedorismo é.... você montar... em um português muito claro,


montar um negócio e aquele negócio... conseguir gerir e dar continuidade a ele. Eu
acho que o maior desafio do empreendedor é dar continuidade ao negócio,
entendeu? Porque você pode muito bem montar hoje e quebrar amanhã. Então para
mim empreendedorismo é isso. Você conseguir hoje montar e continuar (Entrevista
com Vanessa Pesquisa de Campo, 2017).

Na opinião dela, qualquer um pode ser empreendedor. Para Vanessa, as suas


características enquanto empreendedora se resumem em ser uma pessoa que não tem medo de
tentar. “Acho que você tem que ir lá e fazer o negócio acontecer e não ficar, eu tenho um
sonho... vamos lá e ver se a gente consegue fazer esse sonho virar realidade”. Vanessa avalia
que as diferenças entre se empreender na favela e no asfalto se reportam ao fato de que na
localidade em que vive “não tem IPTU como tem na rua e talvez não tenhamos tanta
fiscalização, como é que fala.... vigilância sanitária e todos aqueles outros órgãos que tem na
rua, acho que essa é a única diferença, porque o imposto a gente está quase igual.” Por ser
MEI, ela possui CNPJ e máquina de cartão de crédito e débito. Vanessa não vê desvantagem
em se empreender na favela e que tudo depende da tipologia do negócio, como também, da
realização de um estudo referente à viabilidade econômica do mesmo.

Enfim, Vanessa apenas deseja que o seu negócio continue prosperando e que tenha
tempo e renda necessária para pagar os cuidados médicos que o filho dela tanto necessita.

185
3.2.4. Margarete: “Olha que engraçado. Eu tinha bolsa família, hoje eu já não tenho mais,
porque hoje eu sou empresa”

Margarete (nome fictício, 40 anos, branca) é moradora da Favela Santa Marta. Antes
da pacificação possuía “uma barraca de lanche na favela. Eu vendia sanduíche, comida,
salgado. Eu me virava nos trinta”. Contudo, ela resolveu aproveitar a “boa fase” da favela
após a pacificação para investir em seu próprio negócio. Margarete disse que chega a ganhar
mais de dois mil reais por mês. O rendimento é maior em relação ao que ganhava em seus
empregos anteriores. Margarete consegue pagar um colégio particular para o filho (de quatro
anos) com a renda auferida. Ela relatou de teve a ideia de ser empreendedora a partir do
momento em participou do projeto Rio Top Tour,

Eu comecei através de um projeto chamado Rio Top Tour. Um projeto do governo


do Estado e tinha as três secretarias juntas (turismo, esporte e lazer). Então eles
vieram para cá incentivar os moradores a trabalhar com o turismo e
empreendedorismo. Eles davam qualificação e encaminhavam os moradores para
fazer o curso de guia de turismo lá no colégio Antônio Prado Júnior. E a partir desse
processo eles faziam anúncio lá (no colégio) para fazer estágio aqui. Nós
trabalhávamos como estagiários também por dois anos. Muita gente que se formava
fazia o estágio aqui. A gente ganhava uma bolsa de R$512,00 (Entrevista com
Margarete. Pesquisa de campo, 2017)

Em 2015, ela se graduou como guia de turismo. Após a realização de uma série de
cursos no Sebrae a moradora do Santa Marta resolveu formalizar o seu negócio. “No início,
com a capacitação na área de turismo, pensei em procurar emprego. Mas depois percebi que
não precisava. Aqui é uma mina de outro”. Conforme Margarete, cada guia oferece um
serviço diferenciado. “Eu, por exemplo, ofereço tour mais almoço na laje, tour com
feijoada. Existe um limite de pessoas que eu atendo na laje, né. O Carambola tem o
hostel, cada um tem um diferencial”. Ela criou diversos pacotes personalizados para oferecer
aos turistas, como por exemplo, trilha com futebol, trilha com pipa, “e por aí vai”.

Margarete se formalizou enquanto microempreendedora, com isso, conseguiu um


alvará que engloba os serviços de agência e guia, entretanto, apenas exerce a última função.
“Como empreendedora, nós temos nossos direitos e deveres, nós temos que estar em dia com
o MEI, tem que pagar todo mês acho que R$ 50,00”. A empreendedora diz que a melhor
parte de estar com a empresa regularizada se reporta ao fato de poder contar com o apoio do
186
Sebrae sempre que precisar. Para impulsionar os ganhos do empreendimento, Margarete
costuma frequentar diversas para feiras de turismo – principalmente, as que acontecem em
São Paulo – com o objetivo de divulgar a Favela Santa Marta e, sobretudo, os serviços da
empresa dela.

O fato de ter se tornado empreendedora aumentou a confiança e autoestima de


Margarete. Ela relatou não precisar mais dos recursos do Bolsa família na nova fase em que
vive,

Há dois anos atrás participei de um comercial do Sebrae. Eles estavam


comemorando 5 milhões de MEI. Então, eu fui escolhida, assim... eu fui escolhida a
dedo, no meio de cinco milhões. Esse comercial ficou pronto 15 dias depois da
gravação. Daí eu já estava lá na página do facebook da presidente Dilma. Ele teve
uma repercussão incrível. Um amigo meu que estava lá no Amazonas falou assim:
“Eu vi um outdoor com sua foto aqui, celebrando cinco milhões de MEI”. Olha que
engraçado, porque na época eu tinha bolsa família, hoje eu já não tenho mais,
porque hoje eu sou empresa. Mas eu fiquei dois anos recebendo aquele apoio do
Bolsa família (Entrevista com Margarete. Pesquisa de campo, 2017).

Conforme Margarete, todo esse sucesso que obteve enquanto empresária possui
relação com a implantação das UPPs. “A pacificação veio, ela foi um divisor de águas, ela
realmente no começo foi, muito boa, trouxe progresso, veio projetos bons para favela, mas
que infelizmente se perdeu”. Ela afirma que o projeto de turismo Rio Top Tour acabou, “mas
nós, guias, demos seguimento com as próprias pernas, independente de pacificação, de estar
aqui ou não, a gente dá continuidade a esse projeto”.

187
3.2.5. Henrique: “Eu me formei como guia foi graças a implantação da UPP em favelas”

Henrique (nome fictício, branco, 48 anos) é natural do Rio de Janeiro e veio para o
Santa Marta quando tinha 10 anos de idade.50 Ele é guia de turismo no local onde vive. O
morador decidiu ser um empreendedor “porque eu trabalhei 24 anos com carteira assinada e
cheguei à conclusão que você não chega a lugar nenhum. Quando você trabalha com
carteira assinada você é limitado em alguma coisa”. Ele acredita que enquanto funcionário só
poderia crescer trabalhando em uma empresa multinacional, assim, quando a pessoa não
observa um notório crescimento na vida é preciso empreender. Para Henrique, as pessoas
deveriam fazer aquilo que gosta, como também, aquilo que proporcionasse dinheiro suficiente
para o próprio sustento.

“O empreendedorismo para mim, no meu ponto de vista, é a gente tentar conquistar o


nosso espaço financeiramente sem depender de patrão e com o nosso próprio recurso
conquistar a nossa independência financeira, ou seja, o nosso pão de cada dia”. De acordo
com Henrique, qualquer um pode ser empreendedor “é só ter o desejo de evoluir e crescer
financeiramente na vida”. Ele trabalhava como mecânico de automóveis e técnico de
eletrônica antes de ser empreendedor. Contudo, ao tornar-se guia de turismo se sentiu mais
realizado,

Eu tô mais feliz agora, porque agora eu faço o que eu gosto. Eu consigo tirar o meu
sustento no que eu gosto de fazer e isso não tem preço. É uma questão muito
pessoal. Eu abri uma empresa de turismo, uma MEI. Atualmente não tenho nenhum
funcionário, mas eu estou com algumas projeções futuras que... se Deus quiser... Eu
vou conseguir chegar lá (Entrevista com Henrique. Pesquisa de Campo, 2017).

Ele planeja contratar um funcionário para ajudá-lo nos serviços da empresa. Henrique
disse que já possui uma pessoa que trabalha para ele, porém, trata-se de uma relação informal,
“ele é apenas um prestador de serviço”. A motivação de contratar um funcionário está
vinculada ao fato da empresa ter tido retorno financeiro satisfatório nos últimos tempos.

Para Henrique, o “empreendedor de favela” é diferente do empreendedor “do asfalto”.


“Aqui nós temos um valor. Nós temos valores sociais, valores comunitários que agregam

50
A entrevista com Henrique foi realizada em 2017, no Posto de Informação Turística da Favela Santa Marta.
188
muito na empresa, ou seja, quando você abre uma empresa na favela você tem os valores”.
Ele avalia que consegue manter os “valores sociais” com sua empresa, diferentemente dos
empreendedores dos bairros mais abastados da cidade. “Você não encontra lá (valores
sociais) no asfalto, o asfalto é muito capitalismo e você esquece dos valores”. Na opinião
dele, os empreendedores que trabalham nas favelas respeitam mais a área em que ganham
dinheiro. “Nós respeitamos os moradores, ganhamos dinheiro na comunidade. mas nós
respeitamos”. O contraditório discurso de Henrique – em que apesar de ganhar dinheiro, não
executa uma atividade “muito capitalista” – sustenta-se pelo fato de que os empreendedores
que moram na Favela Santa Marta acreditam que o trabalho deles possui uma “conotação
social”, pois grande parte do dinheiro que auferem é gasto na própria favela.

O empreendedor não vê nenhuma desvantagem em trabalhar na favela, pelo contrário,


já que acha a favela o melhor lugar para se ganhar dinheiro honestamente. “Pode ser aqui ou
em outra favela. Eu acho que você consegue movimentar muito mais a moeda aqui do que
você abrir uma lojinha ali (no asfalto) que em dois anos pode falir”. Ele considera que os
empreendimentos do asfalto são mais passageiros em relação aos negócios que existem na
favela. “Porque o público que você tem no asfalto é um público diferente do que você tem na
favela, é um ambiente comunitário, em que as pessoas têm um vínculo. Na rua não se cria
tanto esse vínculo”.

De acordo com Henrique, a implantação da UPP contribuiu enormemente para


abertura de novos negócios na favela e que sem a pacificação não haveria turismo no Santa
Marta,

Eu particularmente não posso falar mal da UPP e não posso falar bem da UPP. Mas
eu tenho que dizer o seguinte, se não fosse a UPP não teria turismo na favela. Então
se eu tô trabalhando hoje, como guia... Eu me formei como guia graças a
implantação da UPP em favelas, quando falo em favelas não é nessa favela só, mas
favelas em geral. Então teve inúmeras atividades e foi decorrente dessa implantação
das UPPs (Entrevista com Henrique. Pesquisa de Campo, 2017).

O empreendedor avalia que a pacificação trouxe um leque de oportunidades para a


favela, que apesar dos desafios que encontra no dia a dia, busca não esmorecer. “O brasileiro
está sempre lutando. O brasileiro não abaixa a cabeça. Ele está sempre lutando”.

189
3.2.6. Alessandro: “A pacificação deu um boom gigante, todo mundo queria abrir um
negóciozinho”

Alessandro (nome fictício, negro, 28 anos) cursa faculdade de engenharia civil e


também é guia de turismo. Ele mora na Favela Pavão-Pavãozinho desde o período em que era
criança. Já sua avó e seus país vieram de Minas Gerais em busca de novas oportunidades no
Rio de Janeiro. Eles resolveram morar na favela, pois a situação econômica da família era
delicada.51

O morador do Pavão-Pavãozinho lembra da sua infância como uma fase positiva, pois
acredita que a favela lhe propiciou muitos aprendizados. “As pessoas têm uma gratidão muito
grande por esse lugar. Eu lembro da inocência de uma criança, você era criado não somente
pelos seus pais, mas por todo mundo que morava aqui em volta”. Alessandro recorda que a
educação das crianças se constituía em um processo coletivo, os vizinhos cuidavam dos filhos
dos outros vizinhos, “chamavam a atenção”, e até mesmo davam algumas palmadas quando
necessário. Você é criado por todo mundo da região, todo mundo querendo o seu bem, a
amizade que tenho é irmandade, você dormia na casa, você comia na casa dos seus amigos”.
Ele tratava as mães dos seus vizinhos como se fossem a dele. “A minha infância foi muito
produtiva, você brincava, você tinha sempre muitos amigos perto. Os amigos eram como
irmãos, você brincava e se divertia bastante”.

Durante a infância e adolescência, Alessandro estudou no Lar Menino de Luz. Essa


instituição possuía uma parceria com o projeto British Linguatec. Nesse programa, várias
pessoas do mundo inteiro davam aulas de inglês para as crianças do Pavão-Pavãozinho. Um
dos seus professores tinha uma curiosidade muito grande sobre como era a vida na favela e
pediu para que Alessandro o guiasse rumo ao “novo mundo”. Esse professor o estimulou a
fazer passeios guiados na favela por acreditar que Alessandro era um jovem brilhante e que o
“turismo de favela” possuía uma potencialidade muito grande.

Então eu chamei um outro amigo meu lá que fazia aula de inglês também para poder
mostrar o lugar que a gente mora, né. No meu primeiro contato com o tour em si
trouxe ele onde eu morava. Eu mostrei mais ou menos como é que era favela. Na
época era muito difícil de fazer um negócio desse, porque ninguém estava
acostumado a receber pessoas na favela. Em 2004, 2003, 2005... essa época aí, não

51
A entrevista com Alessandro foi realizada em 2017, em um jardim situado na Favela Pavão-Pavãozinho.
190
tinha o costume de trazer pessoas na favela, não tinha pessoas de fora aqui, então
quando (os moradores) viam pessoas de fora ficavam meio assim... assustados,
questionando o que você está fazendo aqui. Eu era um pouco conhecido, mas não
tinha aquele respeito que eu tenho hoje, foi um pouco complicado no começo, aí
depois fiz parceira com um rapaz que já sabia do meu background, de ser um cara
que fala inglês, e dedicado... Depois de 2006, 2007, 2008 já fazia tours, tours
periódicos aqui na favela... sábados e domingos. Esse rapaz me convidou para ser o
guia com ele (Entrevista com Alessandro. Pesquisa de campo, 2017).

A partir de então, por meio de parceiras efetuadas com seu amigo, Alessandro
começou a guiar turistas na Favela Pavão-Pavãozinho. “Eu me considero um empreendedor,
tudo que eu fiz na minha vida até hoje, [..] tive que buscar informações sozinho, tudo que eu
tive que fazer era sozinho, então eu sou um empreendedor natural da vida”. Assim, ele
avalia que tudo o que conseguiu na vida foi “por conta própria”.

A experiência que teve ao trabalhar em uma empresa privada não foi interessante para
Alessandro, o que o auxiliou a perceber que deveria ter o seu próprio negócio, pois não se
adequava à condição de trabalhador. “Tenho uma visão empreendedora diferente da maioria
das empresas do Brasil. As empresas brasileiras, a maioria delas, não estou julgando todas,
mas elas não tendem a respeitar o individual. Para eles você tem que trabalhar e acabou”.
Na opinião do Alessandro, as empresas não querem que seus funcionários melhorem de vida,
ou melhor, não querem que os seus empregados ao menos tenham uma vida, querem que o
“mundo do funcionário” seja apenas dimensionado pelas questões que envolvam o trabalho.
Desse modo, a “visão empreendedora” dele fez com que não pensasse em ser empregado de
alguém.

Alessandro acha que qualquer um pode ser empreendedor. Contudo, ele adverte que é
preciso ter algumas qualidades básicas, “porque você pode empreender, mas para ser um
empreendedor de sucesso você tem que ter algum conhecimento um pouco mais aprofundado
de como gerenciar o seu dinheiro e acompanhar o mercado”. Ele destaca que um bom
empreendedor deve sempre estar buscando coisas novas, deve sempre estar “seguindo o
mercado”. “Porque o mercado tem tendências e você não pode ficar para trás, né”. O
empreendedor exemplifica esse dinâmica citando a cantora baiana Ivete Sangalo, já que na
opinião dele, ela sabe acompanhar todas as tendências musicais que estão em voga, cantando
assim, diversos ritmos musicais.

191
Ele acredita que o empreendedor possui a iniciativa e a vontade de criar coisas novas
como características e que tais engajamentos se reportam a questões que são “naturalmente”
afloradas nas pessoas,

O empreendedor tem que ter iniciativa, dando um exemplo aqui, eu fui para o
Centro de Operações da Reserva, eu sou aspirante da R2, e no caso, ali... você tinha
que ser posto em posição de comando, você via que tinha pessoas que não tinham
aquilo ali já aflorado. E você via que tinham pessoas que naturalmente já tinham
aquilo. Você já sabe como se comportam no comando, que você precisa ter uma
postura. Você tem que ter uma posição de comando, iniciativa, você tem que gostar
de aprender e principalmente gostar de empreender também porque eu também
conheço muitas pessoas que não gostam do cargo de superior. Eles querem sempre
ficar ali porque quando você está em baixo, você tem menos responsabilidade,
assim, sendo o último da cadeia, você só obedece, você só executa, só que têm
pessoas que também gostam de empreender. Você tem que falar: “Aqui!Eu tô aqui
no comando. Vamos fazer assim, do meu jeito, vamos ter ideias novas”. E isso é
uma coisa que você tem que ter, tem que ter iniciativa, e também ter espírito de
grupo, porque você nunca faz nada sozinho, só que lógico no começo, você está
meio que sozinho, mas depois você vai criando uma equipe e aí você vai sempre
melhorando a equipe (Entrevista com Alessandro. Pesquisa de campo, 2017).

Alessandro argumentou que um empreendedor sempre deve “estar se cobrando”. Ele


acredita que é necessário que o mesmo sabia desafiar os próprios limites. “Se você não
conseguir ser empreendedor, trabalha para alguém fixo que daí vai ser melhor para você, se
não gosta de (auto) cobrança. O empreendedor gosta de cobrança”.

Já em relação as diferenças que existem entre abrir um negócio na favela e “no


asfalto”, Alessandro avalia que a principal diferença é que a favela é um lugar “muito
político” com pessoas culturalmente muito diferentes. A favela seria um lugar onde é preciso
respeitar a opinião de todos. “Você tem que ter a sua história que te procede e a favela é um
lugar que você não pode dar mole, você não pode cometer um erro grotesco, porque isso vai
manchar a sua reputação”. Ele considera que algumas pessoas avaliam que a favela é
mostrada pelos guias como se fosse um parque de diversões, contudo, Alessandro ressaltou
que os donos de bares e restaurantes gostam desse trabalho, “porque a gente tá sempre
trazendo um público variado, que vai ajudar a manter um negócio dele, então tem diversos
pontos de vista, então a gente tem que conciliar isso tudo e tentar ajudar as pessoas”.

Ele acredita que no Pavão-Pavãozinho as pessoas possuem medo de arriscar, de propor


negócios inovadores. “As pessoas as vezes têm um pouco de preguiça de pensar, aqui as
pessoas vão para o certo, bar e lanchonete e se você pensar, tem muita pensão, muito bar e

192
muita lanchonete. Todo mundo abre um bar”. Alessandro aponta que uma das razões para
que isso é aconteça se refere ao fato dos moradores não “abraçarem o novo” e como também,
não gostarem de gastar muito dinheiro na favela, desse modo, os empreendedores acabam
seguindo “na mesma toada” e apenas abrem negócios convencionais.

Para Alessandro, a pacificação fez com que a favela fosse vista pelos “de fora”, como
um ambiente tranquilo e os discursos da mídia conformaram a favela como um lugar vintage,
gourmet, um “território de oportunidades”,

A pacificação começou em 2008, aqui veio em dezembro. A curto prazo deu um


boom gigante. Todo mundo queria vender a sua casa, comprar casa na favela.... até
porque a mídia transformou a favela em um lugar vintage, gourmet, “que é muito
legal morar na favela”. Então é assim. Eu nunca entendi muito bem, porque eu
sempre morei aqui e achei um lugar sempre tranquilo, mas não vou falar que a
favela é muito tranquila, porque tem épocas que pode haver tiroteio, o maior
problema da favela é o confronto entre polícia e bandidos e em algumas favelas
entre bandido e bandido mesmo, de facção diferente. Mas assim, na época teve
aquela impressão de que fosse um lugar pacífico e que todo mundo pudesse vir. Até
na questão do Rio deu um salto maior. As agências já vendiam de outra forma a
favela. A mídia transformou em uma coisa legal. Então é tudo ditado pela nossa
grande mídia brasileira que dita muito a tendência da favela. Para você ter uma
ideia, uma casa que custava 30 mil antes da pacificação, passou para 70, 100 mil, a
mesma casa. E fora os empreendimentos, todo mundo queria abrir um negóciozinho.
As pessoas de fora queriam conhecer a favela. A favela sempre foi pra mim o lugar
em que eu me sinto mais seguro na cidade. (Entrevista com Alessandro. Pesquisa de
campo, 2017).

Alessandro parou de guiar grupos de turistas a partir de 2015, quando os tiroteios


voltaram a ocorrer de maneira mais frequente no Pavão-Pavãozinho. Ele disse que pretende
abrir um escritório de engenharia civil quando terminar a faculdade.

193
3.2.7. Andressa: “A pacificação foi uma maquiação. Mas os negócios foram um estouro”

“Eu sou da Paraíba, de Joao Pessoa, hoje em dia, eu queria voltar para lá. Faz trinta
e poucos anos que estou aqui e o meu esposo nasceu no Rio de Janeiro, criou-se aqui na
favela, ele tem 43 anos de comunidade”. Andressa (nome fictício) possui 52 anos de idade.
Ela é proprietária de um hostel no Cantagalo, favela “colada” ao Pavão-Pavãozinho.52

O hostel não foi o primeiro empreendimento de Andressa. Primeiramente, ela abriu


um restaurante na parte baixa do morro juntamente com o seu esposo. Contudo, alegou que a
“correria era uma muito grande” e que após 10 anos trabalhando no ramo alimentício seria o
momento de exercer outras atividades. Andressa disse que fechou o restaurante em virtude da
ocorrência de tiroteios no local. “A partir do momento em que começou a ter
tiroteio, ninguém queria mais comer, porque antes o pessoal do asfalto até vinha para cá.
Mas daí começou os tiroteios... Tinha dia que eu tinha que fechar”. Ela relatou que a
freguesia ficava “toda nervosa”.

Então, de modo despretensioso, Andressa e o marido começaram a construir uma


grande obra, com vários andares. Eles construíram o edifício por um período de 15 anos. “Se
a gente quisesse poderia até construir mais pra cima, mas dentro da comunidade tem um
limite de altura”. Andressa iniciou o desenvolvimento do hostel sem realizar um estudo
prévio. Ela simplesmente teve a ideia de abrir uma empresa de hospedagem e resolveu
realizar o sonho. “Fomos os primeiros a pensar em hostel na comunidade, só que fomos os
últimos a abrir porque foi uma obra muito grande”. Primeiramente, a empreendedora pensou
em alugar o edifício por mês para alguém, pois seria um modo mais fácil de ganhar dinheiro.

A moradora do Cantagalo define empreendedorismo como: “É você abrir uma


empresa. É você dar emprego, principalmente, para as pessoas da comunidade. É você
crescer e ver outros horizontes”. Ela afirma que qualquer pessoa pode empreender, porém,
adverte “é preciso enfrentar muita guerra, muita batalha. É muito difícil chegar nesse
patamar, porque administrar uma empresa não é fácil”.

Ela acredita que quem empreende em favelas lida com muitas dificuldades, como por
exemplo, o lixo nas ruas e o que chama de “nossos jovens” (meninos do tráfico). Andressa
acredita que as desvantagens de se abrir um negócio na favela se referem aos episódios de

52
A entrevista com Andressa foi realizada em 2017, em seu hostel – situado no Cantagalo.
194
violência. “A violência é o que mais perturba. Um tiroteio um dia, acaba valendo por três
meses. Todo mundo cancela as reservas”. A empreendedora argumenta que o fato de uma
turista ter sido morta por um policial na Rocinha53 – em outubro de 2017 – fez com que
movimento do seu hostel caísse drasticamente.

E quando surge na “grande mídia” alguma notícia de tiroteio no Cantagalo, a situação


financeira do hostel fica mais alarmante ainda. Segundo Andressa, os turistas fazem diversas
pesquisas antes de se hospedar nas favelas, o que para ela, seria um “fator complicador” para
o seu negócio, pois com essa medida os turistas teriam uma percepção negativa sobre o
território. O hostel dela fica posicionado em frente a uma boca de fumo. Os embates entre
traficantes e policiais são frequentes no local. Ela teve até que construir uma porta de aço para
que os tiros não adentrassem em sua empresa. Quando tem tiroteio, a empreendedora “coloca”
todos os turistas para dentro do recinto. Andressa enquadra a pacificação enquanto uma
“maquiação”,

Logo quando chegou a pacificação, todo mundo falava que era uma “maquiação”.
Mas os negócios foram um estouro. Todo mundo ficou falando. Todo mundo queria
abrir um hostel aqui. Hoje, quase não tem mais nenhum. Só o do Vidigal que tá
resistindo e no Cantagalo, esse daqui. O resto está abrindo para fazer aluguel fixo,
porque a violência é muita. Ela está na mesma intensidade de antes da pacificação.
Nós vivemos meses e meses de tiroteio forte. A gente pedia para que os hóspedes
saíssem sempre desse portão depois das 9 horas, porque era muito perigoso levar um
tiro se saíssem antes. Você vê que no portão foi colocada uma placa de aço. Os tiros
estavam quase botando a pilastra do meu prédio abaixo, pois foram muitos tiros na
porta. A situação era muito complicada. Teve muito tiro com hóspede aqui dentro.
A gente falava... eu o meu marido reclamávamos para polícia: “Tem hóspede aqui
dentro e você está atirando aqui dentro da cozinha”. Eles (policiais) levaram meu
marido para delegacia. Eles deram voz de prisão dizendo que era um desacato. Aí,
eu fui na delegacia buscar ele. Aí, meu marido disse que não foi desacato e os
policiais registraram como desacato. Eu falei para os policiais que atirar aqui dentro
estava errado (Entrevista com Andressa. Pesquisa de Campo, 2017).

Andressa acredita que os “garotos do tráfico” respeitam ela muito mais do que a
polícia. Por morar muito tempo no Cantagalo, ela relatou que viu os “moleques” crescerem
diante dos olhos dela, em virtude disso, Andressa acredita que estabeleceu certo tipo de
relação com eles. “Nós não gostamos da polícia. Seria muito melhor assim, só os garotos.
Mas a polícia vem e quer dinheiro, o dinheiro do traficante. Você deve saber como é”.

53
Uma turista espanhola foi morta por um policial na Rocinha – em outubro de 2017 – após a van em que estava
“furar” um bloqueio feito pelos policiais. Para mais informações, acessar: < https://g1.globo.com/rio-de-janeiro/noticia/turista-
espanhola-morre-em-tiroteio-na-rocinha.ghtml> . Acesso em 21/01/2018 às 17:34.
195
3.2.8. Loreto: “O Sebrae foi uma benção. Todo mundo deveria empreender”

Loreto (nome fictício, negro, 46 anos) é morador do Complexo do Alemão,


funcionário de uma gráfica e durante os fins de semana trabalha como guia de turismo.54 Ele é
natural de Governador Valadares (MG) e veio para o Rio de Janeiro acompanhado de seu pai
quando tinha apenas três anos de idade,

Primeiro (quando eu cheguei) que não existia o Complexo. Meu pai veio pra cá,
morou na Providência, se não me falhe a memória na Gamboa, depois foi morar em
Caxias e depois ele veio morar de aluguel aqui na Rua Joaquim de Queiroz, que é
onde que eu moro. A Joaquim de Queiroz é uma rua que passa dentro da região da
Grota. O que é a Grota? A Grota é geograficamente o encontro entre dois morros, no
fundo é a Grota. Então, dentro da comunidade da Grota, meu pai teve sorte de
encontrar um líder comunitário chamado Teófilo da Souza Pinto. Na qual o acolheu,
deu uma casa para ele morar pagando um aluguel irrisório e antes de morrer a
mesma casa que meu pai pagava de aluguel passou para ele, porque ele então pode
comprar. E hoje a minha família mora nela. Seu Teófilo da Souza Pinto foi
assassinado, ele era uma figura bem carismática, para o bem e para o mal... a
comunidade estava crescendo. Ele era o responsável para as pessoas não fazerem as
casas no entorno rua. Mas é claro, o cara chega do Nordeste e vai querer fazer na
rua. Numa dessas, fizeram uma tocaia e o mataram pelas costas. Mas antes de
morrer o Seu Teófilo fez o Centro Social Joaquim de Queiroz, com meu pai e mais
doze ou quinze homens. Esse centro social era responsável por receber as pessoas e
dar alguma coisa pra comer, naquela época a coisa era bem paupérrima (Entrevista
com Loreto. Pesquisa de Campo, 2016).

Ele disse que sua infância foi paupérrima, já que seu pai teria chegado ao Rio “com
uma mão na frente e outra atrás”. O pai dele veio trabalhar em uma empresa chamada
Companhia Carioca Industrial que fazia gordura de óleo de coco. “Mas enfim....quarta série, o
cara vem, com um filho, arruma mais um filho..Naquela época já era difícil nos anos 60.
Depois de um certo tempo começou ganhar o dinheiro, arrumou muita mulher. E completa:
“Daí você pode imaginar como que era né”. Loreto afirma que hoje é possível ter bolsa
família e outros auxílios governamentais, mas naquela época tudo era difícil. A compra do
material da casa era muito complicada, e hoje, com a expansão no crédito nas periferias tudo
havia ficado mais simples.

Ele avalia que para boa parte dos moradores do Complexo do Alemão a infância foi
muito pobre. No Alemão não tinha esgoto, não tinha água e o abastecimento de energia

54
A entrevista com Loreto foi realizada em 2016, em um ponto próximo ao Teleférico do Alemão.
196
elétrica era extremamente precário. “A casa era de madeira. Não era como é hoje. Hoje o
pessoal ainda reclama. Mas vamos analisar, se eles voltarem um pouquinho. Antes era casa
de estuque, pingava, chovia. A rua não era asfaltada, se chovia, tinha lama até o teto.”

Loreto recorda que em uma oportunidade arrumou uma namorada quando estava no
primeiro grau. Ele a classificava como de “classe média”, pois apesar de morar em rua
paralela a da casa dele, a namorada tinha uma condição financeira melhor. Acredita que por
tocar violão, despertava a atenção das garotas. “Eu era feio pra ... Arrumei a porra de uma
mulher bonita. E ela sempre querendo ir lá em casa e eu com uma vergonha. Um belo dia,
chega lá em casa e bate na porta, quando vejo a mulher viu... lama até o teto. E para sua
infelicidade: “Não deu duas semanas acabou o namoro”

Com o passar dos anos, o pai dele começou a ganhar dinheiro, mas gastava tudo com
muita “festança”, pois todo fim de semana realizada festas “regadas” com muita bebida e
comida para os convidados. A sua infância havia sido muito ruim, porém, na adolescência as
coisas começaram a melhorar. Loreto conta que seu pai chegou a possuir duas empresas de
construção civil, mas foi à falência. Quando completou dezoito anos, ainda não tinha feito o
segundo grau. “Eu fiz o segundo grau depois de velho. Porque a gente era educado para
primeiro trabalhar e depois estudar, quando eu vim montar a minha família eu já estava com
meus 28 anos para 29”.

Entretanto, ele avalia que filho de pobre não pode ter só segundo grau, filho de pobre
tem que fazer cursos de mecânica, consertar ventilador, liquidificador, entre outros. O seu
primeiro emprego foi aos treze anos na função de lixador de tamanco,

No carnaval carioca não se usava sandália, apenas tamanco e a gente lixava tamanco
e vendia tamanco no carnaval carioca. Meu primeiro emprego foi esse. Depois fui
para exército brasileiro, fiquei um ano lá, depois voltei e meu pai arrumou um
emprego de almoxarife para mim, dentro da construção civil e eu fiquei oito anos
dentro da construção civil, só que fazendo a parte técnica no negócio, nunca fui de
pegar a mão na massa. Eu era curioso, sempre perturbava o mestre daqui o mestre
dali. (Entrevista com Loreto. Pesquisa de campo, 2016).

Quando eu pergunto a Loreto se na sua infância ele teve que lidar com a violência, o
mesmo responde: “Não, não tinha uma violência tão exacerbada como esta agora”. Ele
afirma que na década de 1970 já tinha tráfico de drogas no Alemão, mas não era aquela “coisa
pesada”. Ele mora no Complexo do Alemão desde 1960 e a história da violência, segundo o
197
mesmo, começou quando assassinaram o seu Teófilo. Nesse período já tinha arma, mas “não
era essa coisa de arma de guerra”. Loreto considera que a partir desse evento, o tráfico se
intensificou. Naquela época, as pessoas traficavam apenas maconha, “não tinha droga
pesada”.
Ele relatou que praticamente “cresceu” com os traficantes, “a gente não se misturava,
eles escutavam a gente tocar violão ali e a gente aqui. Olha, era vocês lá e eu cá. A gente não
se misturava e eles não queriam que a gente se misturasse”. Naquele tempo, os traficantes
não pegavam garotos de doze e treze anos para ficarem tomando conta de boca de fumo,
segundo Loreto.

O fato de ter seguido uma vida completamente diferente dos seus amigos propiciou
com que o mesmo constituísse uma família com certa tranquilidade. Hoje, Loreto trabalha em
uma gráfica situada na Zona Norte do Rio.

Em 2013, ele participou de um curso desenvolvido pelo Sebrae sobre como


desenvolver o seu próprio negócio. A entidade é tratada pelo morador do Alemão como uma
“benção”, pois se constitui em um dos poucos “socorros” que os moradores possuem. Pelo
fato de Loreto gostar muito de conversar com as pessoas, resolveu fazer um curso de guia de
turismo em um Colégio Estadual do município. Ele acha que todo mundo deve empreender e
que o morador deve ser educado para isso, já que na visão de Loreto, os moradores ainda não
possuem plena consciência do “dinheirão” que podem ganhar. Contudo, Loreto já conseguiu
ver uma mudança no comportamento das pessoas. “Mas já tem morador que já aluga uma
cama, já faz uma comidinha diferente para vender. É isso que eles (os turistas) querem...
(eles querem) comer algo diferente do que eles estão acostumados”. E completa: “Eles
querem consumir as coisas do lugar.”

Em 2017, o pesquisador contatou Loreto para que o mesmo realizasse um passeio


guiado pelo Complexo do Alemão, entretanto, o empreendedor relatou que não guiaria mais
os turistas pelo território em virtude dos intensos tiroteios. Quando o teleférico estava ativo,
ele fazia um percurso que apenas abrangia as estações. Já com o teleférico inativo, ele teria
que conduzir os turistas a pé pelas ruas e vielas do Alemão, algo que para o guia está “fora de
cogitação”. Como estratégia de segurança, Loreto apenas trabalha guiando turistas pelo
Centro, Zona-Oeste e Sul do Rio.

198
3.3. Um dispositivo e seus sujeitos normalizáveis

Historicamente, o ordenamento urbano tem como técnica a normalização dos seus


residentes por meio de uma série de equipamentos coletivos, como a habitação, a fábrica,
hospitais, prisões e escolas. Eles representam os meios por onde a normalização é exercida de
maneira mais imediata (FOUCAULT, 1987). Nesse sentido, o Sebrae e a incubadora Rio
Criativo representam a renovação desses dispositivos de normalização. Esses equipamentos
de poder tiveram o propósito de conformar os sujeitos normalizáveis das favelas pacificadas
enquanto sujeitos empreendedores.

Isabela ressaltou ao pesquisador que boa parte dos jovens da favela continua
envolvida com o tráfico de drogas. Na Favela Santa Marta e no Pavão-Pavãozinho, por
exemplo, os “meninos do tráfico” circulam pelos territórios com armas na cintura. Eles não
foram capturados pelo dispositivo da pacificação e são compreendidos pela integibilidade
governamental enquanto sujeitos “não normalizáveis”, desse modo, estariam “entregues à
própria sorte”, ou melhor, apenas estariam a espera da próxima bala disparada por um policial
ou por um integrante de uma gangue rival.

Em outro prisma, os “sujeitos normalizáveis” que souberam aproveitar as benesses


dos aparelhos governamentais e percorreram os caminhos estruturados pelo dispositivo da
pacificação – como é o caso de Carambola, Vanessa, Isabela, Henrique e Andressa – seriam
os “representantes” do sucesso da pacificação, pois souberam realizar um trabalho sobre si
mesmo. Como enfatiza Leite (2013), com essa nova modalidade de gestão desses territórios –
que combina atuação policial com diversos dispositivos governamentais e não
governamentais – promove-se uma espécie de “processo civilizatório” e o que parece estar em
jogo é a produção de “novos sujeitos”.

Esses “novos sujeitos” são frutos de um regime subjetividade que busca os


vincularem a imagens de soberania, autodomínio, poderes onipotentes e felicidade, porém, o
sofrimento, a frustração e a morte são ameaças para tal regime (ROSE, 2016). Perceber os
limites da atuação do self autônomo se refere a uma situação que os empreendedores do
Complexo do Alemão, Pavão-Pavãozinho/Cantagalo tiveram que lidar quando os tiroteios
voltaram a se tornar frequentes naqueles territórios, após uma breve pausa com instalação das
UPPs. Muitos desses empreendedores tiveram que interromper as atividades desenvolvidas

199
para não colocar em risco a vida dos turistas que adentravam à favela. “Como posso fazer
contrato com operadora de turismo sabendo que a qualquer momento o turista pode ficar
preso no teleférico durante o tiroteio?” disse Silvana (guia de turismo do Complexo do
Alemão. Pesquisa de campo, 2016).

Nesse capítulo, o estudo privilegiou a apresentação dos discursos, práticas e


técnicas empregadas pelos diferentes elementos que compõem o dispositivo da pacificação,
como também, privilegiou a descrição da trajetória de vida dos sujeitos empreendedores, para
que certas dimensões subjetivas ficassem destacadas de modo preciso na pesquisa. O próximo
capítulo possui uma dimensão mais analítica e apreciará com maior acuidade os processos
derivados da interação entre o dispositivo da pacificação e o dispositivo neoliberal,
destacando assim, o neoliberalismo enquanto uma racionalidade que conduz governantes e
governados.

200
CAPÍTULO 4

A invenção das novas subjetividades nas favelas


cariocas: os empreendedores da “favela turística”

Neste capítulo, será analisado os processos-chave da invenção das novas


subjetividades nas favelas pacificadas. O objetivo aqui será evidenciar que os moradores de
favela foram conformados enquanto sujeitos empreendedores por instâncias de poder que
abrangeram um conjunto de dispositivos, como também, será destacado os dilemas que os
mesmos enfrentam em meio aos processos de subjetivação. A partir daí, é possível destacar
algumas questões que buscaram desvendar a trama inerente a construção do dispositivo da
pacificação, como: A que demandas e necessidades o dispositivo responde? Quais são os
interesses que o justifica? Qual o seu papel na gestão de condutas?

Na primeira parte do presente capítulo, destacou-se que o dispositivo da pacificação –


composto por instituições governamentais e não governamentais, tanto em sua dimensão
201
militar quando em sua dimensão mercadológica – atuou na estruturação do campo de ação dos
favelados, funcionando assim, como um catalizador da racionalidade neoliberal ao operar na
otimização dos processos de subjetivação da forma-empresa nos territórios abrangidos por
ele. Notou-se que o dispositivo da pacificação e dispositivo neoliberal realizaram alianças
estratégicas na produção das novas subjetividades, que por sua vez, foram estruturadas de
modo de surgissem governos de si, cumprindo assim, as metas do poder político.

Já na segunda parte, teve-se a análise das peculiaridades que envolvem o


empreendedorismo nas favelas cariocas. Destacou-se as tensões entre o ethos comunitário –
baseado na solidariedade social – e o ethos empreendedor, de cunho individualista. Essa seção
destacou que os projetos coletivos que visavam a transformação social foram paulatinamente
esvaziados em detrimento de projetos individuais baseados no “empresariamento de si”. As
relações impessoais – tão costumeiras no ambiente da favela – ficaram secundarizadas diante
da emergência das relações contratuais, a partir do momento em que os favelados
subjetivaram a forma-empresa. Observou-se então, que esse processo de subjetivação foi
delineado pelo dispositivo do gozo de si/desempenho. Esse dispositivo atuou no modelamento
dos sujeitos da favela. Os moradores foram inseridos em processos de “auto-cobrança” e
incitados a irem cada vez mais “além das suas capacidades”, entrando assim, em processos de
“ultrasubjetivação”.

Na terceira seção, o estudo destacou que os “empreendedores de favela”, por um lado,


foram encorajados a terem “iniciativas criativas”, por outro, encontram-se configurados em
um contexto de trabalho flexível em que inconstância nos ganhos financeiros se revelou como
um dos principais problemas do “empresariamento de si”. Notou-se que os moradores lidam
com várias dimensões do risco ao desenvolverem um empreendimento nos “territórios da
pobreza”. Esses riscos abrangeram desde aos relacionados à abertura e desenvolvimento dos
negócios até os riscos vinculados à integridade física. Esse conflituoso panorama levou os
“empreendedores de favela” a desenvolverem peculiares estratégias de sobrevivência.

E por fim, na última parte do capítulo, evidenciou-se o papel dos empresários locais na
produção da favela turística, como também, destacou-se que eles costumam utilizar o “saber
especializado” que possuem em relação ao conflito social para conformar a favela enquanto
produto turístico. Verificou-se também que, por um lado, os moradores tentam diversificar o
imaginário social em relação à favela – buscando assim, contestar os vários estereótipos
atribuídos a ela – por outro, os turistas que visitam esses territórios desejam vivenciar

202
cenários de hiper-realidade e excitação extrema, em que a violência pode fazer parte de uma
inusitada atração.

203
4.1. A invenção de novas subjetividades nas favelas cariocas: o dispositivo da pacificação
como catalizador da racionalidade neoliberal

Penso que se alguém quiser analisar a genealogia do sujeito na civilização ocidental,


ele tem que levar em conta não só as técnicas de dominação, mas também técnicas
de si. Digamos: ele tem que levar em conta a interação entre esses dois tipos de
técnicas – técnicas de dominação e técnicas de si. Ele deve ter em conta os pontos
onde as tecnologias de dominação dos indivíduos, umas sobre as outras, têm recurso
a processos pelos quais o indivíduo age sobre si mesmo. E, inversamente, ele tem
que levar em consideração os pontos onde as técnicas de si estão integradas a
estruturas de coerção e dominação. O ponto de contato onde os indivíduos são
conduzidos por outros está ligado à maneira como eles se conduzem, é o que
podemos chamar, eu acho, de governo. Governar pessoas, no sentido amplo da
palavra, governar pessoas não é uma maneira de forçar as pessoas a fazer o que o
governador deseja; é sempre um equilíbrio versátil, com complementaridade e
conflitos entre técnicas que asseguram coerção e processos através dos quais a
subjetividade é construída ou modificada por ele mesmo (FOUCAULT, 1993,
p.204-205, tradução do autor).

Seguindo as asserções teóricas de Foucault (1993), o estudo realizou a análise do


processo de constituição dos moradores de favela em sujeitos empreendedores observando as
interações entre as técnicas de dominação e as técnicas de si. E para analisar os meandros
dessas relações de poder, inicialmente, cabe destacar que estruturação do campo de ação dos
favelados foi realizada pelo dispositivo da pacificação – interpretado aqui como “qualquer
coisa que tenha de algum modo a capacidade de capturar, orientar, determinar, interceptar,
modelar, controlar e assegurar os gestos, as condutas, as opiniões e os discursos” dos sujeitos
(AGANBEM, 2005, p. 13). Esse dispositivo operou como um ente organizador de condutas e
sua atuação pode ser classificada da seguinte forma: (1) dimensão militarizada: ordenação dos
espaços por meio de força repressiva; (2) dimensão mercadológica: catalizador da
racionalidade neoliberal e (3) invenção de subjetividades pelos eixos de poder e governos de
si mesmo;

Primeiramente, pode-se afirmar que em relação a sua dimensão militar, o dispositivo


da pacificação instituiu um regime de manutenção da ordem nas favelas abrangidas por ele,
provocou assim, uma espécie de cisão nesses territórios, isto é, um marco regulatório das
condutas, que por sua vez, impingiu aos moradores por meio de força repressiva a entrada ao
mundo social da ordem legítima. Tal dispositivo construiu um aparato de vigilância
permanente que forjou uma máquina de fazer experiências, modificar comportamentos,
treinar ou retreinar sujeitos (FOUCAULT, 1987). Ele atuou por meio da coerção sobre os

204
corpos, estabelecendo desse modo, um quadro social determinado em que o favelado teria que
adaptar-se a ele e modificar a sua conduta. Entretanto, muito mais do que a modificação da
dinâmica social da favela, seu objetivo derradeiro tinha o propósito de “modificar as almas”,
ou seja, produzir subjetividades afeitas a ordem institucional.

A dimensão mercadológica do dispositivo da pacificação teve papel fundamental na


produção das novas subjetividades nos “territórios da pobreza”. Essa dimensão do dispositivo
serviu como um catalizador da racionalidade neoliberal por meio de políticas de estímulo ao
“empresariamento de si mesmo”. Pierre Dardot e Christian Laval (2016) avaliam que o
neoliberalismo, antes de ser uma ideologia ou política econômica, trata-se prioritariamente de
uma racionalidade que estrutura e organiza não somente a ação dos governantes, mas até a
própria conduta dos governados. “A racionalidade neoliberal tem como característica
principal a generalização da concorrência como norma de conduta e da empresa como modelo
de subjetivação” (DARDOT, LAVAL, 2016, p.17). O termo racionalidade não é empregado
pelos autores como um eufemismo que se possibilita evitar a palavra “capitalismo”. O
neoliberalismo representa então, a razão do capitalismo contemporâneo. Um capitalismo
desimpedido de suas referências arcaizantes e plenamente assumido como construção
histórica e norma geral de vida. “Desse modo, o neoliberalismo pode ser definido como o
conjunto de discursos, práticas e dispositivos que determinam um novo modo de governo dos
homens segundo o princípio universal da concorrência” (DARDOT, LAVAL, 2016, p.17).

O conceito de “racionalidade política” foi desenvolvido por Michel Foucault ao


abordar a problemática da governamentalidade. No curso ministrado no Collège de France
intitulado “Nascimento da biopolítica”, o filósofo francês avalia que a compreensão do
neoliberalismo representa a elucidação de uma racionalidade empregada na conduta dos
sujeitos. Para aprofundar os seus estudos em relação a essa racionalidade, o autor analisou os
pressupostos do neoliberalismo alemão e do neoliberalismo norte-americano.

Com relação a racionalidade econômica alemã, Foucault (2008b) considerou que ela
possuía uma contradição. Por um lado, após a Segunda Guerra Mundial a Alemanha queria
implantar a Gesellschaftspolitik, uma política “orientada para a constituição do mercado. Era
uma política que devia assumir e levar em conta os processos sociais a fim de abrir espaço, no
interior desses processos sociais, para um mecanismo de mercado” (FOUCAULT, 2008b,
p.330), em que o Estado deveria fomentar a concorrência empresarial e generalizar a “forma
empresa” para toda a sociedade. Isso significava desdobrar o modelo investimento-custo-lucro

205
e estendê-lo para as relações sociais, criando assim, um modelo de existência e formas de
relações consigo mesmo.

Já por outro lado, os alemães não consideravam que seria adequado que a lógica da
concorrência fosse um princípio ideal para comandar uma sociedade inteira. Então ao mesmo
tempo em que o Estado estimulava a existência de grupos concorrenciais, de empresas
competindo uma com as outras, ele criava também políticas de cunho social, para que o senso
de “cooperação entre os homens” não fosse totalmente dizimado pela racionalidade neoliberal
(FOUCAULT, 2008b).

Em relação ao neoliberalismo norte-americano, Foucault (2008b) acredita que essa


racionalidade se estabeleceu nos Estados Unidos de uma forma bem mais radical, uma
generalização ilimitada da forma econômica do mercado em todo sistema social. Tal
generalização da forma econômica do mercado funcionou “como princípio de inteligibilidade,
princípio de decifração das relações sociais e dos comportamentos individuais”
(FOUCAULT, 2008b, p. 334), o que significa que termos da economia de mercado serviram
de modelos que podem ser aplicados a campos não-econômicos, consistindo dessa forma, em
uma tentativa de aplicação da análise econômica a uma série de campos de comportamentos
ou de condutas, que abrangeriam, por exemplo, o casamento, a educação dos filhos, a
criminalidade, entre outros.

Foucault (2008b), ao se interessar pela história do governo liberal, evidenciou aquilo


que é chamado desde o século XVIII de “economia” e que está no fundamento de um
conjunto de dispositivos de controle da população e de orientação das condutas – a
“biopolítica – e que vão encontrar no neoliberalismo uma sistematização inédita.

Todavia, não se trata mais de se perguntar como, de maneira geral, as relações


capitalistas impõem-se à consciência operária como “leis naturais evidentes”, trata-
se de compreender, mais especificamente, como a governamentalidade neoliberal
escora-se num quadro normativo global que, em nome da liberdade e apoiando-se
nas margens de manobra concedidas aos indivíduos, orienta de maneira nova as
condutas, as escolhas e as práticas desses indivíduos” (DARDOT, LAVAL, 2016, p.
21).

Conforme Dardot e Laval (2016), a racionalidade neoliberal não se impôs como a


execução de uma doutrina inteiramente pronta, como um programa completo que emergiu da
vontade de um Estado-maior político mundial. Eles buscaram evidenciar por meio de uma
206
abordagem genealógica que o neoliberalismo é o resultado prático de uma série de
experimentos políticos bem diversos conduzidos por diferentes governos na década de 1980
ou mesmo antes, sendo assim, uma racionalidade política válida universalmente. De acordo
com os sociólogos franceses, o neoliberalismo é nesse sentido o que Michel Foucault
nominou de “efeito global”, isto é, o efeito de processos muito heterogêneos, e não a
colocação deliberada em prática de uma ideologia ou de uma doutrina.

Desse modo, o “momento neoliberal” é marcado pela homogeneização do discurso do


homem em torno “da figura da empresa. Essa nova figura do sujeito opera uma unificação
sem precedentes das formas plurais da subjetividade que a democracia liberal permitiu que se
conservassem e das quais sabia aproveitar-se para perpetuar sua existência” (DARDOT,
LAVAL, 2016, p. 326).

A partir de então, diversas técnicas contribuem para a fabricação desse novo sujeito
unitário, que chamaremos indiferentemente de “sujeito empresarial”, “sujeito
neoliberal” ou simplesmente, neossujeito. Não estamos mais falando das antigas
disciplinas que se destinavam, pela coerção, a adestrar os corpos e dobrar os
espíritos para torná-los mais dóceis – metodologia institucional que se encontrava
em crise havia muito tempo. Trata-se agora de governar um ser cuja subjetividade
deve estar inteiramente envolvida na atividade que se exige que ele cumpra. Para
isso, deve-se reconhecer nele a parte irredutível do desejo que o constitui. As
grandes proclamações a respeito da importância do “fator humano” que pululam na
literatura da neogestão devem ser lidas à luz de um novo tipo de poder; não se trata
mais de reconhecer que o homem no trabalho continua a ser um homem, que ele
nunca se reduz ao status de objeto passivo, trata-se de ver nele o sujeito ativo que
deve participar inteiramente, engajar-se plenamente, entregar-se por completo a sua
atividade profissional. O sujeito unitário é o sujeito do envolvimento total de si
mesmo. A vontade de realização pessoal, o projeto que se quer levar a cabo, a
motivação que anima o “colaborador” da empresa, enfim, o desejo com todos os
nomes que se queira dar a ele é o alvo do novo poder. O ser desejante não é apenas o
ponto de aplicação desse poder ele é substituto dos dispositivos de direção de
condutas. Porque o efeito procurado pelas novas práticas de fabricação e de gestão
do novo sujeito é fazer com que o indivíduo trabalhe para a empresa como se
trabalhasse para si mesmo e, assim, eliminar qualquer sentimento de alienação e até
mesmo qualquer distância entre o indivíduo e a empresa que o emprega. Ele deve
trabalhar para sua própria eficácia, para a intensificação de seu esforço, como se essa
conduta viesse dele próprio, como se esta lhe fosse comandada de dentro por uma
ordem imperiosa de seu próprio desejo, à qual ele não pode resistir (DARDOT,
LAVAL, 2016, p. 327).

A exigência de “competitividade” se tornou um princípio político geral que comanda


as reformas em todos os domínios. Ela é expressão exata de que a sociedade não está lidando
com uma “mercantilização sorrateira”, mas sim, com uma expansão da racionalidade de
mercado. Na verdade, o que aconteceu é que a empresa se transformou de maneira

207
progressiva a norma pela qual o indivíduo deve se fazer sujeito: cada um é chamado a agir
como uma empresa de si mesmo, o que não se faz sem envolver certo tipo de relação com os
outros – a saber, uma relação de concorrência. Daí decorre uma consequência de importância
primordial. Do ponto de vista da subjetividade, não é mais tanto o valor da força de trabalho
ou o valor criado pela força de trabalho no processo de produção que importa, mas o valor
que o sujeito “se torna em si mesmo e que ele tem que valorizar cada vez mais ao longo de
toda a sua existência. É o sujeito que se relaciona consigo próprio durante toda a sua vida sob
o modo da autovalorização como um capital” (DARDOT, LAVAL, 2016, p. 29).

A expansão da racionalidade neoliberal sempre pressupõe intervencionismo


governamental, ou seja, a inserção de mecanismos que atuem na produção de novas
subjetividades. O Estado neoliberal é “governamentalizado”, no sentido de que os novos
dispositivos institucionais que o distinguem objetivam produzir situações de concorrência,
“introduzir lógicas de escolha, desenvolver medidas de desempenho, cujo efeito é modificar a
conduta dos indivíduos, mudar sua relação com as instituições e, mais precisamente,
transformá-los em consumidores e empreendedores” (DARDOT, LAVAL, 2016, p. 287).

Nesse sentido, é pertinente destacar que o engajamento na atividade empreendedora


dos diversos sujeitos que participaram do presente estudo teve como ponto de partida a
participação em programas governamentais. A partir do momento em que os aparelhos
governamentais definiram que boa parte dos problemas concernentes ao favelado teriam que
ser “equacionados” pela lógica do mercado (LEITE, 2015), foi preciso que a intervenção
governamental fizesse “uma escolha estratégica de meios, de caminhos e de instrumentos”
(FOUCAULT, 2008b, p. 366).

Michel Foucault (2008) considera que um “bom governo” seria aquele que conhece
exatamente tudo o que acontece no que diz respeito aos processos econômicos. Esse governo
“deverá explicar aos diferentes agentes econômicos, aos diferentes sujeitos, como a coisa
acontece, porque acontece e o que devem fazer para maximizar seu lucro” (FOUCAULT,
2008b, p. 388). O filósofo francês afirma que para ocorrer o modelamento da sociedade em
torno das políticas neoliberais é preciso que haja a construção de um saber econômico a ser
difundido o mais amplamente e uniformemente possível, entre todos os sujeitos. Nesse
prisma, o Sebrae operou na implantação de uma “consciência de verdade”, isto é, construiu
um saber bem erigido com o intuito de difundi-lo entre os sujeitos econômicos dos “territórios
da pobreza”.

208
O dispositivo da pacificação acabou por instaurar uma “nova ordenação” das
atividades econômicas, das relações sociais, dos comportamentos e das subjetividades. Esse
dispositivo teve uma ação sobre as ações de sujeitos supostamente livres em suas escolhas e
operou por meio de uma diversificação de integibilidades e estruturações dos campos de
ações, que variou conforme a situação em que se localizava cada morador de favela. “De fato,
aquilo que define uma relação de poder é um modo de ação que não age direta e
imediatamente sobre os outros, mas que age sobre a sua própria ação” (FOUCAULT, 2008b,
p. 243).

Os favelados diante da janela de oportunidades da pacificação foram constituídos


como homo economicus, que por sua vez, consiste em alguém manejável, governável e que
responde sistematicamente a modificações sistemáticas que são introduzidas artificialmente
no meio (FOUCAUT, 2008b). Responder sistematicamente as experimentações
governamentais “introduzidas no meio”, sintetiza a ação que o favelado é obrigado a
desempenhar por toda a sua vida, como foi possível observar na realização da pesquisa
empírica.

Carambola relatou que os moradores sempre se adaptaram as maquinarias políticas


dos aparelhos de poder e com a implantação da UPP não seria diferente. Eles “se modelaram”
ao ambiente de vigilância militarizada e abraçaram as oportunidades econômicas criadas com
o surgimento da “favela turística”. Como ressalta o empreendedor, a implantação da UPP fez
com que cada morador tivesse que se “re(inventar)” e abraçar a janela de oportunidades que
estava sendo criada com a pacificação,

(A pacificação) teve um impacto na realização dos eventos, vamos dizer assim, meio
que uma proibição das UPPs em fazer os eventos. As pessoas tiveram que se
transformar, evoluir. Vou dar um exemplo bem claro, a senhora que fazia uma
quentinha e vendia para tráfico de drogas, não podia mais vender aquela quentinha
para o tráfico de drogas, ela teve que fazer o que? Dar um jeito de fazer com que a
quentinha chegasse ao pessoal da Zona Sul do Rio de Janeiro, porque o traficante
ficou enfraquecido, têm menos pessoas trabalhando com o tráfico, como é que ela
vai vender as quentinhas dela? Quem é que vai comprar? Então ela teve que se
reinventar, fazer o possível para as quentinhas chegarem ao pessoal das Furnas – eu
digo Furnas de energia – ela teve que fazer a marmita chegar lá e ela consegue
entregar lá, então para isso ela precisou fazer o que? Se reinventar, esse é um
exemplo clássico e claro. Todo mundo teve que se reinventar de alguma forma. Por
exemplo, o turismo não existia, foi outra coisa, me reinventei e fui trabalhar como
guia de turismo, entendeu? O cara que não fazia caipirinha nenhuma, só vendia
cachaça, vou fazer o que? Vou fazer caipirinha de morango, de abacaxi, maracujá e
de melancia, que o gringo se amarra. Aí o público dele muda, começa a cobrar um
valor mais alto, consegue arrumar mais dinheiro, consegue ter um rendimento maior.

209
O que ele fez? Se reinventou. Então é uma reinvenção do seu negócio (Entrevista
com Carambola. Pesquisa de campo, 2017).

A entrada coercitiva ao mundo social da ordem legítima por meio da pacificação fez
com que certo grupo de moradores tivessem que reorientar as suas condutas, como é o caso da
vendedora de quentinhas que ficou impossibilitada de vender seus produtos para o tráfico e
foi obrigada a buscar outra carteira de clientes, como bem salientou Carambola. Vanessa,
dona de uma barraca de souvenir na Favela Santa Marta, destacou que “A pacificação deu
uma quebrada em alguns negócios e abertura para outros”. Ela teve que fechar o seu bar
após a proibição dos bailes funk na favela pelos policiais da UPP e reorientar a sua conduta
em uma nova atitude empreendedora.

Carambola explicitou os nexos do dispositivo da pacificação na seguinte frase: “Mas a


pacificação foi tipo assim: vai lá e faz pô! Você tem que fazer diferente, entendeu? Aí, todo
mundo teve que fazer diferente”. Ele deixou evidente que a autoridade imposta com a
implantação da UPP nos “territórios da pobreza” fez com que uma mudança de
comportamentos por parte dos favelados se tornasse algo imperativo. O próprio Carambola,
após deixar o “mundo do crime” percebeu que com a pacificação era preciso abraçar as
“oportunidades” oferecidas e reorientar sua vida rumo a uma trajetória vinculada ao mundo
social da ordem legítima.

Em suma, com a pacificação as pessoas tiveram que se (re)inventar, se constituírem


enquanto “novos sujeitos”. A invenção dessas novas subjetividades nas favelas pacificadas
não se refere a um fenômeno individual, pois fazem parte de um regime de subjetividade de
surgiu a partir dos dispositivos de poder. Tais dispositivos não formaram um bloco monolítico
ou coerente e trataram da invenção de um certo tipo de sujeito. Um sujeito que de forma
concomitante estabelece uma relação consigo mesmo e uma relação com os eixos do poder,
forças exteriores a ele. Se por um lado, é o próprio favelado que se constitui enquanto sujeito,
“por outro as verdades ele atribui a si e as práticas que realiza sobre si mesmo não são
inventadas por ele, mas provenientes de modelos normativos existentes independentemente
dele” (NOTO, 2009, p. 09).

Assim, considera-se nesse estudo, que as invenções de si pela qual os moradores de


favela passaram são resultados da estruturação do campo de ação pelo dispositivo da
pacificação, como também, pelo dispositivo neoliberal, que por sua vez, configurou favela

210
como um campo de oportunidades, em que a intencionalidade individual foi presumida como
preponderante para tornar-se um “empreendedor de sucesso”. Esse conjunto de dispositivos
apreendeu o favelado e o induziu a pensar em termos de ganhos sobre sua vida. Essas novas
subjetividades foram estruturadas de modo de surgissem governos de si, cumprindo assim, as
metas do poder político. Margarete, guia de turismo da Favela Santa Marta, ao expressar que
largou o bolsa família “porque hoje eu sou empresa” deixou evidente a sua subjetivação da
forma-empresa e como o dispositivo da pacificação ao catalisar o neoliberal produziu
governos de si mesmo e fez com que a empreendedora deixasse de ser “assistida” pelas
políticas sociais.

Destaca-se assim, que as modificações impostas nos territórios visaram, sobretudo, os


favelados normalizáveis, que passaram então a serem conformados como sujeitos ativos que
ficam à espreita das melhores oportunidades, desse modo, os dispositivos criaram situações
em eles foram obrigados e incitados a maximizar seus próprios interesses. “Fazer com que os
indivíduos ajam no sentido desejado supõe que se criem as condições particulares que os
obrigam a trabalhar e a se comportar como agentes racionais” (DARDOT, LAVAL, 2016, p.
226).

Rose (2011) reforça que a autonomia do self não pode ser classificada como a eterna
antítese do poder político, mas sim, um dos objetivos e instrumentos das mentalidades e
estratégias modernas de condução da conduta. A democracia liberal – se compreendida como
uma arte de governo e uma tecnologia de governar – há muito tempo tem estado vinculada à
invenção das técnicas para constituir os cidadãos de uma política democrática com as
capacidades “pessoais” e aspirações necessárias para suportar o peso político que repousa
sobre eles. A possibilidade de impor limites “liberais” sobre a extensão e a meta do governo
político tem sido sustentada pelo aumento de discursos, práticas e técnicas por meio das quais
as capacidades de autogoverno podem ser instaladas em indivíduos livres a fim de fazer com
que suas próprias formas de condução e avaliação de si mesmos estejam alinhadas com
objetivos políticos,

Governar de acordo com a democracia liberal depende da disponibilidade de tais


técnicas que irão moldar, encaminhar, organizar e direcionar as capacidades pessoais
e os selfs dos indivíduos sob a égide de uma pressuposta objetividade, neutralidade e
eficácia técnica ao invés de um a parcialidade política. Através das alianças indiretas
estabelecidas pelo aparato de expertises, os objetivos de um governo “liberal”
podem ser levados ao encontro dos selfs dos cidadãos “democráticos”. Ainda
mutações contemporâneas de governo tornaram-se não só imagináveis como
211
praticáveis pela multiplicidade de tecnologias que tem se unido recentemente,
ordenando e posicionando a liberdade regulada dos selfs autônomos (ROSE, 2011,
p.216-2017).

Assim, o empreendedorismo une a retórica política e os programas regulatórios às


capacidades de “autodireção” das pessoas. “Como parte dessa terceira dimensão de poder
político, o empreendedorismo forja uma ligação entre as formas pelas quais somos
governados pelos outros e as formas pelas quais deveríamos nos governar” (ROSE, 2011, p.
215). Nesse prisma, o empreendedorismo se reporta a uma série de regras para a conduta da
existência diária de uma pessoa: energia, iniciativa, ambição, cálculo e responsabilidade
pessoal. O self empreendedor seria então um ser tanto ativo quanto calculador, um self que
calcula sobre si próprio e que age sobre si mesmo a fim de aprimorar-se. O
empreendedorismo, em outras palavras, designa uma forma de governo que é intrisecamente
“ética”: o bom governo deve ser ancorado nos modos pelos quais as pessoas governam a si
próprias (ROSE, 2011).

Para Rose (2011), a “cultura empreendedora” engloba uma ética do self sedutora,
uma crítica potente da realidade contemporânea institucional e política, como também, um
design aparentemente coerente para a transformação radical das disposições sociais.
Empreendedorismo não apenas estabelece um tipo de forma organizacional – com unidades
individuais competindo entre si no mercado – mas também, de modo mais abrangente,
fornece uma imagem de um modo de atividade a ser incentivado em muitos eixos de vida – a
escola, a universidade, o hospital, os consultórios dos clínicos gerais, a fábrica e as
organizações de negócios, a família e as estruturas de bem-estar social. Em muitas ocasiões,
as organizações são problematizadas em função de sua falta de empreendedorismo, o que
demonstraria suas fraquezas e fracassos.

Paralelamente, as relações que resultam em fracasso da organização devem ser


reconstruídas com promoção e utilização das capacidades empreendedoras de todos,
estimulando as pessoas a se comportarem com ousadia e vigor, a calcular para seus próprios
proveitos, a se esforçar e a aceitar riscos na busca de objetivos,

O empreendedorismo pode, assim, adotar uma forma “tecnológica” por parte dos
especialistas da vida organizacional, planejando relações humanas através da
arquitetura, de grades de horários, de sistemas de supervisão, de programas de
pagamentos, de currículos e coisas do gênero para alcançar a economia, a eficiência,

212
a excelência e a competitividade. Praticas regulatórias contemporâneas – desde
aquelas que procuram revitalizar os serviços públicos e civis remodelando-os como
agências privadas ou pseudo-privadas com orçamentos e alvos, até aquelas que
procuram reduzir o desemprego crônico através de transformação do indivíduo
desempregado em um indivíduo ativo à procura de trabalho, tem sido transformadas
para incorporar a pressuposição de que os seres humanos são, poderiam ser, ou
deveriam ser indivíduos empreendedores, lutando por satisfação, excelência e
realização (ROSE, 2011, p.215).

De acordo com Rose (2011), a linguagem do empreendedorismo é somente uma das


maneiras de articulação de presunções éticas que são amplamente compartilhadas na
contemporaneidade e que passaram a formar um consenso para quase todas as racionalidades,
programas e técnicas de governo em sociedades democráticas liberais. O governo nas
sociedades ocidentais não é caracterizado pelo sonho utópico de uma maquinaria regulatória
que adentraria em todas as áreas do corpo social, administrando-os para o bem comum. De
forma distinta, desde o século XIX o pensamento político liberal tem sido organizado pela
oposição entre os limites constitucionais do governo de um lado e, de outro, pelo desejo de
planejar as coisas de modo que os processos sociais e econômicos tenham o melhor resultado
sem a necessidade de intervenção política direta. Dessa maneira, as limitações formais sobre
os poderes estatais têm produzido, como consequência, a “propagação” de uma série de
programas e mecanismos dispersos, desvinculados das atividades diretas dos poderes
públicos, os quais prometem, contudo, moldar práticas no âmbito do trabalho, do mercado e
da família para gerar valores “públicos” tais como riqueza, eficiência, saúde e bem-estar.

A ética do empreendedorismo – competição, força, vigor, ousadia, foco nos aspectos


externos e impulso para o sucesso – pode parecer oposta à ideia que está associada com o
hedonismo e o autocentramento. E de fato, a cultura contemporânea é tipicamente pluralista:
as diferenças que Max Weber examinou entre os “estilos de conduta” adequados a diferentes
“esferas de existência” – espiritual, econômica, política, estética, erótica – não foram abolidas.
Mas apesar de tal pluralismo ético, esses diversos regimes operam dentro de um a priori
único: a “autonomização” e “responsabilização” do self, a instalação da hermenêutica
reflexiva que “proporcionará autoconhecimento e autodomínio, e a operação de tudo isso sob
a autoridade de especialistas que alegam que o self pode conquistar uma vida melhor e mais
feliz através da aplicação do conhecimento científico e habilidade profissional” (ROSE, 2011,
p.219).

213
Segundo Rose (2011), o regime de subjetividade baseado no empreendedorismo
busca reforçar alguns mantras como: “torne-se inteiro, torne-se o que você quiser, torne-se
você mesmo”. Assim, o indivíduo deve tornar-se, por assim dizer, um empresário dele
mesmo, buscando maximizar seus próprios poderes, sua própria felicidade, sua própria
qualidade de vida, instrumentalizando assim, suas escolhas autônomas a serviço do seu estilo
de vida. Tal percepção fica evidente quando se observa que alguns dos empreendedores das
favelas pacificadas buscam enfatizar o sucesso que tiveram destacando o esforço que
empregaram. Contudo, a conformação do favelado enquanto sujeito empreendedor pode
produzir certas tensões relacionadas ao senso comunitário das favelas cariocas, como poderá
ser observado a seguir.

214
4.2. “Cada um quer furar o olho do outro”: o ethos comunitário em tensão com o ethos
empreendedor

Uma das consequências mais perceptíveis do processo de constituição dos favelados


em sujeitos empreendedores se refere as possíveis tensões entre o ethos comunitário e o ethos
empreendedor. Verificou-se que os conflitos que emanam da relação estabelecida entre esses
dois ethos acabaram por gerar modificações na dinâmica social dos territórios analisados.

Nos estudos antropológicos, os aspectos morais de uma dada cultura e os elementos


valorativos da mesma, foram sintetizados por meio do termo “ethos”. “O ethos de um povo é
o tom, o caráter e qualidade de sua vida, seu estilo moral e estético, e sua disposição é a
atitude subjacente em relação a ele mesmo e ao seu mundo que a vida reflete” (GEERTZ,
2008, p.93). Nesse sentido, ao se analisar os “territórios da pobreza” é possível verificar que o
ethos comunitário está relacionado a uma acentuada experiência associativa baseada no senso
na cooperação e no sentimento de pertencimento (ZALUAR, ALVITO, 2013). Na
sociabilidade desenvolvida no cotidiano das favelas, os diversos atores sociais participam de
uma série de experiências em conjunto, desde as mais positivas, como os momentos de lazer,
até as mais negativas, como a falta de energia elétrica e a violência policial, desse modo, a
“esfera privada frequentemente se estende até a esfera pública por causa da proximidade das
moradias e a estreiteza dos becos e vielas” (BALLARINI, 2014, p.59).

Em tese, o ethos comunitário vai de encontro com o ethos empreendedor – pois


envolve práticas de modelação de sujeito por meio de processos de concorrência (DARDOT,
LAVAL, 2016) – onde o sujeito que empreende se relaciona a alguém que busca o sucesso
individual e que sabe aproveitar as oportunidades do meio social que habita tendo em vista a
retirada do melhor proveito econômico para si próprio, enfim, uma subjetividade contábil
marcada pelo cálculo individual – e não coletivo – de suas ações.

Nas relações existentes entres os “empreendedores de favela”, foi possível evidenciar


que não existe espaço para a “camaradagem”, já que as relações entre os mesmos são
enquadradas enquanto “contratuais”, como pode ser verificado no seguinte trecho: “O
congolês (guia) hoje mora na minha casa, ele mora no hostel, uma das vagas fixas é dele.
Todos os tours em francês na favela, é ele que faz. É contratado pela minha empresa” disse
Carambola. O congolês citado por Carambola se refere a um refugiado do Congo que após

215
migrar em direção ao Rio de Janeiro se tornou guia de turismo. Carambola citou outro
exemplo das relações contratuais existentes na “favela empreendedora”: “O Jonathan, um
morador que é guia, é contratado para fazer o tour em inglês, tem um grupo de mais de dez
pessoas? Chamo qualquer outro guia para ir lá trabalhar junto comigo”.

O guia Henrique também ressaltou a importância da dinâmica contratual entre os


empreendedores da favela: “Ontem, por exemplo, nós fizemos um passeio com 22 franceses e
fizeram via uma empresa (de fora). O Carambola contratou eu e o Clodoaldo. A gente vai
contratando um ao outro”. Enfim, os moradores de favela subjetivaram a forma-empresa e
estabeleceram relações contratuais, sejam elas, formais ou não. Henrique denomina essa
relação de “turismo sustentável”, pois em sua visão, a partir do momento em que um morador
contrata o outro, o dinheiro tenderia a permanecer no território. Observou-se então que as
relações são estabelecidas por meio de práticas de mercado em detrimento da característica
impessoalidade do ambiente da favela, em que cada morador “empresta o açúcar do vizinho”,
como relatou Isabela. No lugar de “associações comunitárias” em prol do bem comum,
destaca-se as relações contratuais entre os moradores,

“A cidadania não é mais definida como participação ativa da definição de um bem


comum de uma comunidade política, mas como uma mobilização permanente de
indivíduos que devem engajar-se em parcerias e contratos de todos os tipos com
empresas e associações para a produção de bens que satisfaçam os consumidores”
(DARDOT, LAVAL, 2016, p. 239).

Além da existência de relações contratuais entre os empreendedores, foi possível


observar que a concorrência entre os mesmos fez com que cada um buscasse oferecer um
serviço diferenciado ao turista com o intuito de obter certo destaque em relação aos demais
empreendedores. “Cada um oferece um tipo de serviço, um pacote personalizado. Eu, por
exemplo, ofereço tour mais almoço na laje e o tour com feijoada. Tem um limite de pessoas
que eu atendo na laje, né. Já o Carambola tem o hostel”, relatou Henrique. Como enfatiza
Dardot e Laval (2016), o neoliberalismo não se refere a um modo de governo que faz da
adesão a uma doutrina ou meio privilegiado de poder. Ele se apoia, sobretudo, na coerção que
exerce sobre os indivíduos por meio das situações de concorrência que coloca ativamente em
prática.

216
As dinâmicas concorrências fizeram com que cada guia de turismo da Favela Santa
Marta se auto direcionasse na busca do lucro individual de seu negócio. Contudo, essa
dinâmica poderia ser diferente se os guias que trabalham no Santa Marta tivessem optado por
desenvolver uma organização empresarial coletiva, em meados de 2008. O modelo de gestão
na forma de cooperativa representa àquele capaz de promover igualdade no poder decisório e
fundamenta-se na propriedade coletiva. Esse modelo assegura a cooperação e a solidariedade
de determinado grupo social (ROSENFIELD, 2007).

Sandra – guia de turismo da Favela Santa Marta – disse que no início do


desenvolvimento do turismo na favela havia uma proposta coletiva em voga. Nela, todos os
12 guias de turismo do território trabalhariam de maneira conjunta. “Porque no início nós
queríamos fazer uma empresa para todo mundo, tipo uma cooperativa. Infelizmente cada um
tem um objetivo. Não queriam cooperativa. Aí, cada um tem a sua empresa”. A não escolha
pela cooperativa, obedeceu desse modo, a lógica da sociedade neoliberal, onde “não só cada
um pode perseguir seu próprio interesse, mas cada um deve persegui-lo até o fim procurando
leva-lo ao seu ponto máximo” (FOUCAULT, 2008b, p. 375).

Após essa decisão dos guias, Sandra resolveu trabalhar com mais dois empreendedores
com que tinha afinidade. Entretanto, eles optaram por não abrir uma empresa conjuntamente.
“Aí, juntou eu, a Margarete e o marido dela. Contudo, todos tem a sua empresa própria na
forma de MEI”, revelou Sandra.

Na verdade, eu sempre trabalhei com projeto social e quando surgiu essa questão do
turismo no Santa Marta foi novidade, daí eu fui, me formei, aquela coisa toda. Aí
veio o projeto, mas eles não quiseram saber de trabalhar em conjunto. Como eu
trabalhei há muito tempo... há mais de dez anos com grupos, ONGs... para mim é
mais fácil trabalhar em grupo. Infelizmente, o pessoal não quer trabalhar em grupo
(Entrevista com Sandra. Pesquisa de campo, 2017).

Sandra considera que as pessoas não querem trabalham em grupo por não estarem
dispostas a repartir o dinheiro, como também, pela exacerbada ganância. “A real, o português
claro, cada um quer furar o olho do outro, ninguém quer ganhar a mesma coisa. Tipo, eu
quero ganhar mais, quero sair na mídia melhor, entendeu? É isso”. Já a guia Isabela
considera que a criação da cooperativa seria algo muito complexo e que sua existência
poderia transformar-se em uma “bateção de cabeça”. Outra questão que ela pontua, é a “clima
de competição” que existe entre os empreendedores,

217
A gente bate muito a cabeça, por isso que a gente diz que cooperativa é muito difícil,
porque a “bateção de cabeça” continua. É uma coisa que o sistema bota.... ele bota
muito a gente em um sistema de competitividade. Sandra é minha competidora,
Henrique é meu competidor, mas eu não estou competindo com p***a nenhuma e
quando você pensa competição, você pensa que todo mundo quer correr, mas eu não
quero correr. Vai que minha onda seja, sei lá... uma hidroginástica, uma aguinha
mais relaxante. Então isso não é competição. Porque daí eu só vou poder competir
com nadador, essa coisa de você botar todo mundo no bolo. Epa! Todo mundo
começa a correr, você dá um tiro e todo mundo começa a correr e você não sabe
nem para onde vai a p***a. Mas tá todo mundo correndo, eu vou correr também. Eu
já parei para pensar. Que p***a é essa? (Entrevista com Isabela. Pesquisa de campo,
2017).

A inquietação de Isabela está relacionada à ação do dispositivo neoliberal. Ele


conformou os empreendedores da Favela Santa Marta enquanto competidores, no entanto, o
mesmo não restringiu a reflexividade da Isabela. Ela observou que a competição que existe
entre eles não é algo que lhes acarreta benefícios, muito pelo contrário, pois “todo mundo
começa a correr e você não sabe nem para onde vai”. Contudo, mesmo tendo ciência da ação
que dispositivo tem sobre sua vida, Isabela não consegue percorrer um caminho diferente
daquele estruturado previamente pelo próprio dispositivo.

Assim, constatou-se que disseminação da cultura empreendedora por meio de uma


racionalidade liberal – que é hegemónica – foi potencializada pelo dispositivo da pacificação
e acabou por estabelecer uma inflexão nas dinâmicas sociais da favela, corroborando assim,
para o esvaziamento do ethos comunitário em detrimento do ethos empreendedor. Quando o
pesquisador perguntou para Carambola, se para os moradores de favela mudarem de vida é
preciso lutar por conta própria ou por meio de uma ação coletiva, o mesmo respondeu na
seguinte forma:

É um conjunto de coisas, primeiramente a gente tem que ter acesso, primeiro tem
que ter acesso à educação; segundo, acesso à saúde; terceiro, direito à segurança,
isso a gente não tem. E aí, uma andorinha só não faz verão. Hoje em dia, nós somos
12 guias que trabalham aqui. Nós temos um coletivo de guias, cada um tem sua
empresa, mas nós somos um coletivo. Se cada um fizesse por si, talvez a gente não
tivesse galgado situações e momentos que a gente tem hoje em dia, de empresas
parceiras que começaram a fazer tour na favela e que hoje em dia são parceiras
nossas e que trazem turistas. (A gente tem que ter) acesso a conhecimentos e cursos
e oportunidades, a gente tem que pensar em um conjunto, agir como um conjunto,
nenhum de nós é tão bom, quanto todos nós juntos, só que nossa sociedade, eu falo
nossa sociedade, porque é ela que faz ficar do jeito de esta. Enquanto nossa
sociedade não enxergar que todos somos um só, vai ficar difícil a gente caminhar
junto (Entrevista com Carambola. Pesquisa de Campo, 2017).

218
Ele disse que para se vencer na vida é necessário um “conjunto de coisas” e enfatizou
a importância do ethos comunitário, já que considera que os empreendedores deveriam
trabalhar juntos. Entretanto, Carambola ressalta a existência de um entrave, a “sociedade”, ou
seja, os mecanismos estruturais que norteiam a proverem o seu lucro de forma individual. E se
caso algum empreendedor tiver um insucesso, ele teria que encarar essa dura realidade
sozinho, deixando a relação entre os mesmos bem distante dos nexos que compõem a
solidariedade coletiva do ethos comunitário. Essa mesma questão foi posta para Vanessa, que
respondeu da seguinte maneira:

Ah eu não vejo essa questão de você lutar, lutar... se você acha que você tem que
lutar por um objetivo seu acho que independente dela ser conjunta ou sozinha, se
tiver que dar certo, vai dar. Então não tem essa questão de você achar que vai dar
certo se tiver sozinha ou você achar que vai dar certo se tiver com o coletivo de
pessoas. Eu não vejo isso, eu acho que independente de qualquer situação, se você
tem um objetivo para buscar, você vai, não depende com quem você vai e com
quantas pessoas você vai, se você vai sozinha ou acompanhada. Vai! Eu pelo menos
penso dessa forma. (Entrevista com Vanessa. Pesquisa de campo, 2017).

Vanessa enfatiza que se a pessoa tem um objetivo na vida ela deve seguir,
independente da luta coletiva, isto é, o sujeito deve ser o protagonista de sua vida, não
importando se a favela coaduna com seus pensamentos e interesses. Já a fala de Alessandro
expõe com mais clareza os processos sociais pelos quais as favelas têm passado, pois para o
mesmo os favelados têm se tornado cada vez mais individualistas. Ele considera que o senso
coletivo vem sendo descontruído paulatinamente nesses territórios,

Então, porque essa parte aí, a favela começou com um esforço coletivo e se não
fosse um esforço coletivo não existiria a favela. Tudo que está construído aqui... no
começo eram de pessoas que tinham um sonho de ter a sua própria casa e que
necessitavam da ajuda de outras pessoas que tinham a mesma necessidade dela. Isso
criou a favela. O lugar que as pessoas dizem que o governo não gosta. Um lugar que
tem as suas próprias leis e as suas próprias regras. Isso foi um esforço coletivo e
tudo que você faz é um esforço coletivo e você ajuda a maioria, todo mundo. Só
que, hoje em dia, no século XXI, as pessoas estão se tornando muito individualistas
dentro da favela. Mudou 100 %. A minha infância é da década de 1990. De 90 para
cá já mudou muita coisa. Quando eu era novo, na década de 90, não passou nem 20
anos... já mudou bastante coisa. Hoje, as pessoas estão muito individualistas. Eu
disse que eu fui criado por todo mundo na área. Hoje em dia, se você vê algum
garoto fazendo alguma coisa errada e quer cobrar, os pais dele vão falar: “P***a,
você não é o pai dele!”. Então tem muito disso. Hoje em dia, tem uma diferença,
uma diferença discrepante. Hoje em dia, as pessoas estão muito individualistas,
estão se importando com elas próprias e estão esquecendo do coletivo (Entrevista
com Alessandro. Pesquisa de campo, 2017).

219
Alessandro acredita que o turismo na Favela Pavão-Pavãozinho estava “melhorando o
coletivo”. Essa melhora estava relacionada ao fato dos tours que realizava pela favela deixava
a mesma com “outro aspecto”, já que os turistas passaram a circular pelo território. Outro
ponto a ser destacado é que Alessandro acusa os outros moradores de serem individualistas,
mas ele não, mesmo sendo totalmente a favor de atividades empreendedoras, onde o lucro é
sempre individual.

Uma passagem na fala de Isabela reforça que as pessoas não são tão unidas na Favela
Santa Marta tal qual um presumido “senso comunitário” poderia indicar, sendo que
apresentam inclusive inveja do sucesso alheio. Isabela disse que quando retornou de uma
viagem realizada na Alemanha, na década de 1990, as pessoas da favela “foram muito duras
comigo, porque como eles não viveram aquilo, tinha meio que aquela raiva né, aquela filha
da mãe viajou para fora”. O que empreendedora deixou transparecer é que apenas existe a
solidariedade na favela enquanto os moradores estão situados no mesmo patamar social e
vivenciando as mesmas dificuldades e quando os processos de diferenciação passam a
ocorrer, sentimentos nada nobres são despertados.

De modo geral, empreendedores se contradizem a todo momento, fazem


“malabarismos” para conciliar o “ethos comunitário” com o “ethos empreendedor”. Em
determinado momento disseram que na favela possui “uma aura comunitária”, baseada na
ajuda mútua, em outras oportunidades, relataram que os moradores são individualistas e
“cada um quer furar o olho do outro”. Na realidade eles manipulam a importância desse
ethos comunitário conforme o interesse que está em questão, sendo que ele parece ser sempre
secundarizado quanto o que está em “jogo” é o dinheiro.

Na Favela Santa Marta – localidade em que os empreendedores turísticos decidiram


não abrir uma cooperativa, rejeitando assim, o ethos comunitário em prol do ethos
empreendedor – eles acabaram fazendo concessões com o passar dos anos, já que foram
obrigados a trabalhar em um espaço conjunto. Tal fato aconteceu porque os guias iniciam os
seus passeios na Praça Corumbá, local esse, onde os mesmos aguardam os turistas em um
estande coberto. Como o governo e prefeitura do Rio não enviaram nenhum funcionário para
trabalhar nesse estande – como acontece em Copacabana, por exemplo, sendo que essa

220
medida é reivindicada pelos guias – eles tiveram que revezar os períodos de permanência no
local, trabalhando assim, de maneira conjunta, como relatou Sandra:

Daí a vida dá tantas voltas e viu que não adianta só trabalhar sozinho. É preciso ter
um estande. Aqui é um coletivo e acaba todo mundo trabalhando junto. Cada um
tem seu espaço e a sua empresa, mas cada um acaba sendo um coletivo. Aí tem
parceiros, né, que no final a gente rateia, acabou acontecendo o que seria a ideia no
início. Mas, além disso, cada um tem a sua empresa, tem contatos particulares fora
da favela (Entrevista com Sandra. Pesquisa de campo, 2017).

Apesar de trabalharem de maneira conjunta, tal dinâmica passa ao largo do que seria
uma cooperativa. Conforme Ost e Fleury (2013), com expansão da lógica de mercado nas
favelas, a ideia de uma sociabilidade comunitária é, de certo modo, corroída pelo
individualismo que tal lógica provoca, onde cada um tenta “garantir o seu quinhão”. Assim, a
maior entrada do mercado formal nos territórios contribuiu para disputas e prevalência de
interesses pessoais, pois a dinâmica mercantil não atua de forma especificamente solidária.
Contudo, o desmantelamento da lógica solidária nas favelas se refere a um processo histórico
e contínuo, como bem destacou Alessandro. Esse processo é global e se deve ao fato de o
dispositivo neoliberal ter impingido a incorporação das lógicas de capital nas relações sociais,

Cada sujeito foi levado a conceber-se e comportar-se, em todas as suas dimensões da


vida, como um capital que devia valorizar-se, estudos universitários pagos,
constituição de uma poupança individual para a aposentadoria, compra da casa
própria, investimentos a longo prazo em títulos da bolsa são aspectos dessa
“capitalização da vida individual” que, à medida que ganhava terreno na classe
assalariada, erodia um pouco mais as lógicas de solidariedade (DARDOT, LAVAL,
2016, p. 201).

Foucault (2008b) destaca que na sociedade neoliberal os vínculos econômicos podem


gerar processos de dissociação e tornam mais incisivo o interesse egoísta dos indivíduos, ao
mesmo tempo em que desfaz os vínculos sociais espontâneos. O processo de individualização
na cultura moderna se reporta a um tema sociológico clássico. Simmel (1987) avalia que a
metrópole e o dinheiro provocaram o encurtamento das distâncias e maior mobilidade aos
indivíduos na modernidade. Entretanto, se por um lado, propiciaram mais liberdade
individual, por outro, as relações sociais passaram a ser configuradas sob a égide da

221
impessoalidade, como também, pelo desmantelamento progressivo dos laços estreitos de
comunidade.

Em suma, esses “novos sujeitos” das favelas cariocas acabaram por serem
conformados pelo dispositivo do gozo de si e do desempenho, como foi possível observar na
fala de Carambola. Com relação “ao gozo de si”, isso pode ser notado em razão do estilo de
vida do guia, que sempre busca divertir-se nas festas em que promove e nas viagens que
realiza. Em uma passagem de sua fala, o empreendedor evidenciou que gostaria de conseguir
um empréstimo de 50 mil reais em um banco para realizar investimentos em seus negócios,
contudo, deixou de pensar nessa hipótese, já que a instituição financeira que consultou apenas
lhe oferecera o crédito de três mil reais, o que Carambola considerou algo fora de propósito.
“Com três mil eu vou pegar e vou viajar e ficar dez dias fora e acabou os 3 mil reais e não
vou investir em nada. Então não me interessa”. Assim, “gozar a vida ao máximo” se constitui
em um elemento relevante no processo de constituição dos moradores de favela em sujeitos
empreendedores. Agambem (2005) pontua que na raiz de cada dispositivo está um desejo
demasiadamente humano de felicidade, sendo que a captura e a subjetivação desse desejo em
uma esfera separada constituí a potência específica do dispositivo.

Para Carambola, tão importante quanto o “gozo de si” é a fascinação pelo aumento do
desempenho de seus negócios. Ele disse que pretende investir na construção de um site com
botões de pagamento e com informações traduzidas em inglês, francês e espanhol. O
empreendedor também quer investir no sistema google adwords, para que no momento em
que o turista pesquise os termos “favela” e “turismo”, seja direcionado ao site de sua empresa.

Notou-se também que ele não se contentou em trabalhar como guia de turismo na
agência que criou. Hoje, ele administra também um hostel e uma empresa de entrega de
saladas. Assim, os governos de si mesmo produzidos pelo dispositivo da pacificação fizeram
com que ele se autorregulasse nas trilhas do empreendedorismo. Carambola revelou que teve
que reorganizar o seu tempo diário, de modo fosse possível administrar os três negócios,

Eu estou 100% neles o tempo inteiro. Eu trabalho nos três. É sentar, responder e-
mail, fazer agendamento, mandar e-mail, mandar mala direta, falar com cliente, com
fornecedor, já ir no mercadão comprar os utensílios da semana, das saladas. Eu não
me dividi, eu me organizei para atender, cada um, em um determinado horário. Na
parte da manhã, às 7:00 da manhã até às 12:00 estou em função do Saladorama, que
é de alimentação, só que eu não deixo de fazer os meus contatos... do hostel e do
tour de experiência. Na segunda-feira, por exemplo, tenho um tour às 9:00 da
manhã. O que eu vou fazer? A produção do Saladorama cai para o domingo. Eu
222
ajudo a fazer a produção, tem a cozinheira e o entregador, a gente produz, faz a pré-
produção juntos e aí é só montar as saladas. O objetivo principal é trazer acesso à
alimentação saudável para pessoas da comunidade. Eu sou sócio do Saladorama aqui
no Rio. Tem aqui no Rio, tem em Recife, em Florianópolis, tem em São Paulo
(Entrevista com Carambola. Pesquisa de Campo, 2017).

O cotidiano atribulado de Carambola possui relação com o fato do sujeito neoliberal


ser produzido pelo dispositivo gozo/desempenho. Dardot e Laval (2016) avaliam que esse
dispositivo exige que o sujeito produza e goze sempre mais e ao mesmo tempo faz com que o
desempenho seja um dever. A tensão entre ambos encontraria a equivalência na exigência
imperativa do dispositivo de cobrar sempre mais dos sujeitos. Os autores advogam que a
norma social do sujeito modificou, pois não seria mais o equilíbrio, a média, o objetivo a ser
buscado, mas é o desempenho máximo que se torna o alvo da “reestruturação” que cada
sujeito tem que realizar em si mesmo. Não se pede mais para que o sujeito seja conformado,
mas sim, ordena-se ao sujeito que “se transcenda”, que “leve os limites além”, como dizem os
gerentes e consultores do Sebrae, por exemplo.

A máquina econômica mais do que nunca, não pode funcionar em equilíbrio e, menos
ainda, com perda, pois tem de mirar um “além”, um “mais”, que Marx identificou como “mais
valor”. Tal exigência própria do regime de acumulação do capital não havia desdobrado todos
os seus efeitos até então. A nova dinâmica passou a existir quando o comprometimento
subjetivo foi tal que a procura desse “além de si mesmo” tornou-se a condição de
funcionamento tanto dos sujeitos quanto das empresas. Daí o interesse da identificação do
sujeito como empresa de si mesmo e capital humano: a extração de um “mais gozar”, tirado
de si mesmo, do prazer de viver, do simples fato de viver, é que faz funcionar o novo sujeito e
o novo sistema de concorrência,

Em última análise, subjetivação contábil e subjetivação financeira definem uma


subjetivação pelo excesso de si em si, ou ainda, pela superação indefinida de si.
Consequentemente, aparece uma figura inédita de subjetivação. Não uma “trans-
subjetivação”, o que implicaria mirar um além de si mesmo que consagraria um
rompimento consigo mesmo e procuraria alcançar uma relação ética consigo mesmo,
independentemente de qualquer outra finalidade, de tipo político ou econômico. De
certa forma, trata-se de uma “ultrasubjetivação”, cujo objetivo não é um estado
último e estável de “posse de si”, mas um além de si sempre repetido e, além do
mais constitucionalmente ordenado, em seu próprio regime, segundo a lógica da
empresa e, para além, segundo o “cosmo” do mercado mundial (DARDOT,
LAVAL, 2016, p. 356-357).

223
Enfim, o conjunto de dispositivos que estimulam o sujeito a querer sempre mais
acabou por delinear os empreendedores das favelas pesquisadas, entretanto, após o
estabelecimento da atividade empreendedora, os moradores entraram em um espiral de riscos,
como poderá ser observado na próxima seção.

224
4.3. O “empreendedor de favela”, flexibilidade e as várias dimensões do risco

O processo de constituição dos moradores de favela em sujeitos empreendedores os


configurou enquanto permanentes “gestores de risco”, isto é, eles necessitam lidar com
questões que abrangem desde a instabilidade financeira do negócio desenvolvido até os
problemas de segurança encontrados nos territórios. A racionalidade neoliberal estruturou
um campo de ação caracterizado por riscos e inseguranças, pois ao mesmo tempo em que os
“empreendedores de favela” se constituem em torno da polivalência e da autonomia
profissional, eles têm que lidar com questões negativas derivadas da lógica da produção
flexível do trabalho.

Para compreender o processo de flexibilização do trabalho é preciso destacar que a


passagem do modelo de organização fordista para a adoção do sistema flexível toyotista de
produção implicou rupturas e continuidades nas formas de exploração da força de trabalho. A
implantação do modelo de produção flexível instaurou um processo de fragmentação
crescente da classe trabalhadora com novas formas de gestão da força de trabalho onde
predominam espaços precários das relações de trabalho, em que novos e velhos modelos
trabalhistas coexistem e operam aos ditames do capital. O contexto de instabilidade que
caracteriza as novas formas de emprego surgidas no contexto da flexibilização produtiva e
normatizadas sob a égide de políticas de inspiração neoliberal tornou as trajetórias
profissionais imprevisíveis (BARDOSA, 2011, SANTOS, 2011).

Aos sujeitos modelados dentro das grandes corporações foi imposta uma série de
valores, normas e princípios vinculados à inovação, criatividade, flexibilidade e
empreendedorismo. A valorização do trabalho autônomo empreendedor é feita por meio do
seu potencial criador e por sua conformação enquanto indivíduo apto as rápidas mudanças que
se processam no âmbito de um mundo do trabalho intensamente afetado pela lógica da
flexibilização produtiva, como também, pela “predisposição” do mesmo à inovação, ao risco e
a insegurança (BARBOSA, 2011, LIMA, 2010, LOPEZ-RUIZ, 2004).

Nesse sentido, os moradores dos “territórios da pobreza” tiveram que se adaptar as


questões vinculadas ao risco e insegurança ao se transformarem em empresários. Andressa,
dona de um hostel no Cantagalo, avalia que “tem risco abrir um negócio sim, não há como
negar que o risco que uma pessoa corre ao abrir uma empresa é tremendo”. Andressa já teve

225
que fechar o restaurante em que era proprietária em virtude de os tiroteios na favela terem
“espantado” os seus clientes, isso ainda antes da instalação das UPPs. Contudo, ela se define
como uma pessoa que não desanima e que sempre busca estudar novas possibilidades de
negócio. Para a empreendedora, as pessoas precisam “saber se virar”.

Administrar os riscos da atividade empreendedora foi algo que Carambola também


teve que lidar. Em 2015, ele resolveu emprestar junto a um amigo certa soma de dinheiro
com o objetivo de reformar o hostel que possui. Carambola fez esse investimento com a
expectativa de conseguir um grande retorno financeiro durante o período das Olimpíadas no
Rio, tendo como parâmetro o grande lucro que obteve durante a Copa do Mundo. Entretanto,
os planos de Carambola se frustraram em virtude do baixo número de turistas que resolveram
visitar as favelas, assim, a expectativa se transformou em dívida. Ele disse que: “Não tem
como pagar agora, porque o que entra, paga-se o salário do guia, que é o meu salário,
investe num negocinho aqui e tal”. Carambola pretender guardar o dinheiro mensalmente
“para ir pagando o que deve”.

O guia Henrique, morador do Santa Marta, também se frustrou ao perceber que o


movimento de turistas nas Olimpíadas ficou aquém do esperado. Ele afirmou que não obteve
o retorno do investimento financeiro que fez em sua empresa. O empreendedor colocou a
culpa do prejuízo em uma ação executada pelos consulados – dos Estados Unidos e de alguns
países europeus – e no governo do Rio, que retirou as favelas das propagandas turísticas da
cidade durante os Jogos Olímpicos com receio de que algum turista ou atleta fosse ferido ou
morto ao visitar os territórios,

A Copa do Mundo foi o show do milhão, não teve nada melhor do que a Copa do
Mundo. Eu trabalhei muito, exaustivamente. Eu consegui guiar em 30 dias, 790
pessoas. Eu sozinho guiava todos os dias, turistas do mundo inteiro. Já as
Olimpíadas aqui foram um fracasso, porque o Comitê Olímpico juntamente com os
consulados mais importantes – o consulado alemão e dos Estados Unidos –
proibiram todo participante da Olimpíada e visitante de ingressar em uma favela
para visitação. Daí não rolou. Tinha gente que não podia nem fotografar aqui senão
perdia o trabalho ou ia ser punido... foi muito ruim aqui em relação ao turismo de
favela nas Olimpíadas. (Entrevista com Henrique. Pesquisa de campo, 2017).

Além do “fracasso olímpico”, os empreendedores tiveram que lidar com outro grave
problema. Henrique afirmou que desde a morte de uma turista espanhola na Rocinha, em
2017, e posteriormente, a entrada das forças do exército na Rocinha, a imagem das favelas “se

226
manchou” de um modo geral. Como consequência, o movimento de turistas na Favela Santa
Marta caiu brutalmente: “Agora a gente segue sobrevivendo”, disse o guia. Pedro, guia do
Santa Marta, também lamenta a queda do fluxo turístico na favela, mas evidenciou que é
preciso “entender a crise e saber sambar conforme a música”. Assim, para driblar os “altos e
baixos” do turismo ele resolveu diversificar suas atividades empresariais. Além de guia de
turismo, Pedro atua como DJ e motorista do Uber. Ele segue, portanto, o retrato fiel do seria o
“trabalhador flexível” contemporâneo que enfrenta sozinho todas as intempéries que surgem
pelo caminho.

O guia Alessandro – da Favela Pavão-Pavãozinho – acredita que abrir um negócio


possui riscos e que os mesmos devem ser assumidos pelas pessoas. “As pessoas se baseiam
muito em: Eu não tenho dinheiro para poder empreender e por isso não empreendem... e às
vezes tem muito risco, mas as pessoas tendem a querer segurança. Para ele, o “empreendedor
de verdade” sabe de nunca vai ter segurança, sendo que o mesmo sempre irá buscar novas
ideias em busca de suprimir eventuais fracassos,

Se você comparar, eu não tô dizendo que sou a favor do governo americano, de


nenhuma forma. Mas têm algumas coisas que eu concordo e que se fosse lá estudar
em uma universidade americana, em qualquer curso que você for, você vai ter uma
visão empreendedora. Aqui no Brasil, até a engenharia que era um curso que você
tem que ser empreendedor naturalmente, você aprende a ser executor. Eu estudo em
uma faculdade e pelo menos 90 % dos alunos querem trabalhar em obra e trabalhar
em obra é o seguinte, você só obedece praticamente. Quando você chega na obra tá
tudo meio que planejado. Eu tenho planos maiores, de ser empreendedor, de estar
sempre no topo da cadeia, de estar sempre controlando, porque eu gosto de tudo.
Muitos amigos meus querem fazer concurso público. Eu nunca quis fazer concurso
público, para você ter ideia. Eu acho que o concursado – já trabalhei em empresas
públicas – eu acho que muitas pessoas não trabalham e isso me deixou muito triste.
Nunca quis ter essa segurança de concurso público. Dá uma segurança muito grande
e é isso que as pessoas querem no Brasil. É muito difícil empreender por isso,
porque as pessoas querem segurança. O empreendedor nunca vai ter segurança, se
ele for um empreendedor de verdade, ele vai sempre pensar em crescer o negócio e
sempre buscar coisas novas, ele nunca vai ter segurança e vai estar sempre
investindo, sempre acreditando em ideias novas. E isso nunca vai trazer segurança
para ninguém. A ideia pode ser que dê certo, pode ser que não dê certo. Então, o
empreendedor está sempre acostumado a correr risco. E quando você corre risco,
você aprende muito, você não fica na mesmice (Entrevista com Alessandro.
Pesquisa de Campo, 2017).

O empreendedor acredita que as pessoas querem buscar um trabalho com carteira


assinada para terem a segurança da CLT55. Ele afirma ser contra as leis trabalhistas, em

55
CLT: Consolidação das Leis Trabalhistas
227
grande medida, porque “elas nos travam em algumas coisas”. E parece que os desejos do
Alessandro foram atendidos com grande celeridade, pois com a reforma trabalhista aprovada
em 2017, várias questões sensíveis ao trabalhador – como férias, tempo de intervalo,
transporte, negociação de normas coletivas, encaminhamento de processos na Justiça do
trabalho, entre outros – foram modificadas em prejuízo à classe trabalhadora.

Observando a fala de Alessandro – que é contrário a CLT – pois o mesmo a configura


como uma “amarra” em relação as possibilidades do sujeito, é possível observar que o
“favelado empreendedor” tenta se forjar enquanto um “átomo de liberdade” diante do governo
e todas as legislações, mas não percebe que já foi configurado enquanto um tipo de sujeito
que possibilita justamente que “uma arte de governar se regulasse de acordo com o princípio
da economia” (FOUCAULT, 2008b, p.370). Assim, “capturado” por um conjunto de
dispositivos, não percebe que é um “parceiro” e elemento base de uma racionalidade
governamental neoliberal que valoriza o “sujeito de risco”.

Embora o risco seja inerente a condição humana, a “vivência do risco” modificou de


natureza com o advento da modernidade, pois no referido período foi possível constatar uma
significativa valorização da parcela de autorrealização que conforma a experiência individual,
enquanto parte daquilo que as pessoas herdam, isto é, do que é legado a elas pela coletividade,
diminuiu de forma proporcional. Risco e autorrealização individual tornaram-se “de algum
modo sinônimos, a partir do momento em que a autorrealização pressupõe que o indivíduo se
projete no futuro sem que os resultados dessa projeção sejam totalmente conhecidos”
(PERALVA, 2000, p.121).

Para Urich Bech (1995), os significados específicos do que seria considerado coletivo
ou grupo – como por exemplo, a consciência de classe – na cultura da sociedade industrial
estão sofrendo processos de desintegração e desencantamento. Tais processos deram apoio às
democracias e as sociedades econômicas ocidentais no decorrer do século XX e conduzem à
imposição de todo esforço de definição sobre os indivíduos e sintetizam o “processo de
individualização”. Mas no momento, a individualização tem um significado bem diferente.
Conforme Georg Simmel, Emile Durkheim e Max Weber – que teoricamente moldaram este
processo e esclareceram o mesmo em vários estágios no início do século XX – a diferença
reside no fato de que na contemporaneidade as pessoas não estão sendo “libertadas” das
certezas feudais e religiosas/transcendentais para o mundo da sociedade industrial, mais sim,

228
da sociedade industrial para a turbulência da sociedade de risco. Esse tipo de sociedade
comporta uma ampla variedade de riscos globais e pessoais.

Nesse sentido, torna-se relevante destacar que as sociedades modernas foram


constituídas sob o paradigma da insegurança, pois são sociedades de indivíduos que não
acham, nem em si mesmos, nem em seu entorno mais próximo, a capacidade “de afiançar a
sua proteção. Se é verdade que essas sociedades estão ligadas à promoção do indivíduo, elas
também promovem sua vulnerabilidade, ao mesmo tempo em que o valoriza” (CASTEL,
2005, p. 09).

Esse novo sujeito modelado pela sociedade neoliberal foi constituído como
proprietário de um “capital humano”, capital que ele necessita acumular por escolhas
esclarecidas por um cálculo responsável de custos e benefícios. Nesse prisma, os resultados
obtidos na vida seriam fruto de uma série de decisões e esforços que dependem apenas do
indivíduo e não implicam nenhuma compensação social em caso de fracasso. Em todas as
suas esferas de existência, o “sujeito empresarial é exposto a riscos vitais dos quais ele não
pode se esquivar, e a gestão desses riscos está ligada a decisões estritamente privadas. Ser
empresa de si mesmo pressupõe viver inteiramente em risco” (DARDOT, LAVAL, 2016, p.
346).

O dispositivo neoliberal produziu “sociedades de risco”. Esse dispositivo destruiu o


pressuposto de que os aparelhos estatais devam tratar sob forma de seguro social obrigatório
alguns riscos profissionais ligados à condição do assalariado. O neoliberalismo objetiva a
criação de uma política de riscos individualizados que devem ser geridos não pelo Estado
Social, mas por empresas – cada vez mais poderosas e numerosas – que propõem serviços
estritamente individuais de “gestão de riscos”.

O risco tornou-se um setor comercial, na medida em que se trata de produzir


indivíduos que poderão contar cada vez menos com formas mútua de seus meios de
pertencimento e com os mecanismos públicos de solidariedade. Do mesmo modo e
ao mesmo tempo que se produz o sujeito de risco, produz-se o sujeito da assistência
privada. A maneira como os governos reduzem a cobertura socializada dos gastos
com doenças ou aposentadoria, transferindo sua gestão para empresas de seguro
privado, fundos comuns e associações mutualistas intimados a funcionar segundo
uma lógica individualizada permite estabelecer que se trata de uma verdadeira
estratégia (DARDOT, LAVAL, 2016, p. 348).

229
Desse modo, verifica-se uma individualização radical que faz com que todas as formas
de crise social sejam interpretadas como crises individuais e que todas as desigualdades sejam
atribuídas a uma responsabilidade individual. A nova norma em matéria de risco é da
“individualização do destino”. A extensão do risco coincide com uma mudança em sua
natureza. Esse risco passa a ser visto cada vez menos como um “risco social”, que seria
assumido por certa política do Estado Social e cada vez mais um “risco ligado à existência”.
Observa-se então, o pressuposto da responsabilidade ilimitada do indivíduo, que “deve
mostrar-se ativo, ser gestor de seus riscos, assim, consequentemente convém que suscite e
alimente uma atitude ativa em questão de emprego, saúde e educação” (DARDOT, LAVAL,
2016, p. 349).

Mas quando se pensa nos riscos incutidos na atividade empreendedora, torna-se


pertinente destacar que os moradores de favela têm que enfrentar diversas dimensões do risco.
Desde a mais tenra infância eles lidam com risco de terem as suas vidas ceifadas a qualquer
momento se estiverem “no lugar errado e na hora errada”. E toda essa experiência ligada à
exposição ao risco é utilizada pelos os empreendedores das favelas pacificadas com objetivo
mitigarem os riscos de empreender em um território conflituoso. Por exemplo, para realizar o
seu trabalho de guia, Carambola sempre busca “investigar o terreno” a todo instante com
intuito de deixar os seus clientes a salvo de qualquer possível tiroteio. Para atingir esse
objetivo, ele teve que desenvolver diversas estratégias,

Eu moro aqui, vivo aqui, conheço todos e tudo. Converso com Deus e o diabo, do
Oiapoque ao Chuí, a gente sabe o que acontece, como funciona, como agir quando
tem uma incursão da polícia. Hoje em dia, o que a gente pede é para não subir
quando tem a possibilidade de um conflito (armado). Por exemplo, tem uma
incursão agora de manhã, agora não dá para fazer o tour, tem que esperar a incursão
da polícia... Eles subiram, desceram de lá. Só depois começa o nosso tour. E por
que acontece isso? Quem faz isso é a própria polícia, muita das vezes sem o aval do
próprio capitão. O cara fala assim: “Eu sou da polícia, vamos lá e pronto acabou”.
Entendeu? (Entrevista com Carambola. Pesquisa de campo, 2017).

Carambola disse que sabe quando vai acontecer as operações policiais. Ele avalia que
é fácil ter uma previsão dos possíveis conflitos entre traficantes e policiais pelo fato da Favela
Santa Marta ser pequena,

O Santa Marta é pequeno, só tem uma entrada e uma saída, por cima e por baixo.
Nós que somos guias... nos comunicamos para falar do assunto de turismo (e os
230
outros assuntos também), nós nos comunicamos muito bem sempre. Se eu tô no alto
do morro com um tour e chega os policiais para uma incursão... Eu fico lá e os
policias descem. Eu aviso meus companheiros: “Gente, eles já estão descendo, se
alguém for subir agora, espera um pouquinho e tal. Espera aí embaixo”. Pode não
acontecer nada e pode ter uma troca de tiro. Pode ter tiro só da polícia e eles falarem
que é troca de tiro (Entrevista com Carambola. Pesquisa de Campo, 2017).

Se para um empreendedor “do asfalto” seria inimaginável estruturar o


desenvolvimento do seu negócio baseado na ocorrência ou não de incursões policiais
violentas, para Carambola, esse ambiente conflitivo não lhe provoca grandes temores. “A
gente sabe como funciona”, ressaltou o empreendedor. Conforme Peralva (2000), ao
vivenciarem um cotidiano violento, os moradores de favela passam a ter certa familiaridade
com o risco, como também, eles podem responder ao risco do entorno com condutas de risco.
O engajamento de jovens favelados no tráfico de drogas, por exemplo, pode estar ligado com
a familiaridade com o risco, ao vivenciarem um cotidiano violento, eles responderiam ao risco
exposto com condutas de risco.

Em um dos momentos da pesquisa de campo (2017), a empreendedora Isabela apontou


ao pesquisador traficantes com armas na cintura que estavam circulando na favela – algo que
o pesquisador se quer notou – e relatou o seguinte: “O que pode ser perigoso para você, para
mim não é, temos diferentes percepções do risco”. Essa percepção particular do morador de
favela se reporta ao fato de que a exposição continuada a situações de risco gera processos de
naturalização.

Entretanto, toda essa familiaridade com o risco não livra os empreendedores de


sentirem “na pele” graves episódios de violência, como por exemplo, uma cruel sessão de
espancamento, conforme relatou Isabela. Ela disse que foi uma das primeiras pessoas a
desenvolver o trabalho de guia de turismo na favela – na década de 1990 – em uma época em
que o Santa Marta ainda era totalmente dominado pelo controle armado do tráfico de drogas.
“Então eu lembro dessa época, era complicado porque saia um tiroteio eu tinha que me virar
com a galera”. Isabela contou que tinha por hábito entrar na casa de alguém quando ocorria
tiroteio. “Eu sempre ia colocando os turistas dentro de casas de conhecidos”.

Isabela vivenciou sua pior experiência enquanto guia de turismo quando resolveu
guiar dois alemães e repentinamente, deparou-se com policiais. “A polícia pegou a gente no
meio do morro, a gente estava descendo e o Wolfgang não falava português, então a polícia
bateu na gente, bateu nele. Foi horrível, botaram a arma na nossa barriga”. Ela ressalta que

231
era uma época diferente, onde a situação da favela era bem pior do que a encontrada
atualmente.

Em suma, os moradores de favela podem ser caracterizados como “empreendedores


por necessidade”. Eles dependem de seus investimentos no negócio para sobreviverem, como
também, de sua predisposição em inovar e do “trabalho duro” como probabilidade de sucesso,
sendo que esses empresários a todo instante são obrigados a transformar uma situação de
mercado desfavorável, em seu contrário (BARBOSA, 2011). E mesmo com todos os riscos
que os moradores enfrentam no desenvolvimento de seus negócios, eles persistem no caminho
do empreendedorismo e buscam a todo instante criar estratégias para transformar a favela em
um produto a ser modelado conforme a expectativa do turista, como poderá ser observado na
seção seguinte.

232
4.4. A favela turística: “Entre governamentalidades, empreendedores e turistas”

As visitações à pobreza se encontram em uma fase de significativo destaque em várias


partes do mundo – são milhares os turistas dispostos a pagar certa soma de dinheiro para
visitar áreas pobres da África do Sul, Índia, Quênia, Brasil, entre outros – entretanto, as
incursões pelos “territórios da pobreza” não se tratam de um fenômeno recente. Na década de
1880, multidões de londrinos ricos deixavam as suas casas para fazer passeios noturnos a
poucas milhas do centro da capital da Inglaterra com o objetivo de conhecer os bairros menos
favorecidos da cidade e observar como os pobres agiam no que consideravam ser seu “habitat
natural”. A citação abaixo de Nicolas Wiseman – então arcebispo de Westminster – descreve
com precisão os territórios da Londres vitoriana, que em um passado não muito distante eram
chamados de “Terra do Diabo” (CONFORT, 1996, FRENZEL et al 2015):

Perto da abadia de Westminster, lá em labirintos ocultos, becos, vielas e favelas,


ninhos de ignorância, vícios, depravação e crime, bem como de miséria, e doença;
cuja atmosfera é o tifo, cujo ventilação é cólera; em que enxames de enormes e
quase inúmeras populações, nominalmente, ao menos, católicos; assombração de
imundície, sem esgoto. O lugar possuía cantos escuros, sem iluminação
(WISEMAN apud FRENZEL et al 2015, p. 240, tradução do autor).

Mesmo os “territórios da pobreza” de Londres sendo categorizados como “local da


escuridão”, “lugar onde habita um desconhecido Outro”, milhares de londrinos abastados
estabelecerem algum tipo de contato com pobreza urbana. Com relação ao Brasil, relatos de
José Casais – embaixador espanhol – evidenciam que na década de 1940 muitos visitantes
estrangeiros se sentiam seduzidos pelas favelas cariocas e faziam incursões nesses territórios,
enquanto a elite local se recusava a manter qualquer tipo de contato com as mesmas
(FRENZEL et al 2015, FREIRE-MEDEIROS, 2009).

No Rio de Janeiro, considera-se que o turismo de favela se iniciou de forma massiva


com a ECO 92, quando agências de turismo passaram a levar multidões de estrangeiros à
Rocinha. Como destino turístico, a Rocinha se encontra tão consolidada que recebe cerca de
3.000 visitantes ao mês, levados por guias locais e oito agências que disputam esse mercado
de maneira acirrada. Contudo, as visitas guiadas não se restringem a essa favela. Após a
implantação das UPPs, diversos territórios passaram a ser passíveis a visitação massiva, como

233
a Favela Santa Marta – que ganhou visibilidade com a gravação de clipe musical por Michael
Jackson e posteriormente, com a colocação de uma estátua no local (ver Figura 21) – o
Complexo do Alemão – que passou a receber visitantes após ampla exposição televisiva da
expulsão de traficantes pelas forças de pacificação, como também, após a instalação de um
teleférico (atualmente paralisado) – e outras favelas situadas na Zona Sul, como Pavão-
Pavãozinho/Cantagalo, Chapéu Mangueira, Ladeira dos Tabajaras, Vidigal, entre outros. O
fim da presença ostensiva do narcotráfico com a instalação das UPPs propiciou um
crescimento notório do turismo, sobretudo, nos primeiros anos da implantação desse
programa de segurança, entretanto, hoje, muitos desses territórios sofrem com a falta de
segurança e diminuição do fluxo turístico (FREIRE-MEDEIROS, 2009, LEITÃO, ARAUJO,
BATISTA, 2009, MENEZES, 2007).

Figura 21– Estátua do cantor Michael Jackson na Favela Santa Marta

Fonte: Arquivo pessoal. Pesquisa de campo, 2015.

O mercado do “turismo de favela” sempre partiu da premissa de que estrangeiros


gostam mais de “ver a pobreza” do que os brasileiros, e isso é classificado internacionalmente
como exotic tour ou be a local. Com a pacificação e a consequente criação de projetos
234
governamentais, observou-se o surgimento de diversos empreendedores locais nos “territórios
da pobreza”. “Em contexto neoliberal, a governamentalidade supõe sujeitos sociais que na
busca “voluntária” por autoconhecimento e por realização dos desejos na esfera do mercado,
adotam as funções reguladoras do governo” (FREIRE-MEDEIROS, 2015, p.196). Os estudos
de Bianca Freire-Medeiros (2015) em territórios do Rio de Janeiro e África do Sul
evidenciam que não há um recuo da ação governamental, mas sim, uma reconfiguração das
estratégias e táticas de regulação das subjetividades que conforma a própria condição de
possibilidade do exercício do governo em locais estigmatizados, como é o caso das favelas.

As subjetividades produzidas por meio das ações governamentais foram incentivadas a


realizarem atividades em torno do “empresariamento de si” e tiveram que atuar na
transformação do conflito social em um “tipo de produto”. Dardot e Laval (2016) salientam
que a racionalidade política busca conformar os sujeitos enquanto “empreendedores criativos”
que desejem deixarem de serem assistidos pelos aparatos estatais e que encontrem na
“criatividade” a solução para seus problemas. Para Tommasi (2014), os regimes discursos
relacionados da pacificação buscaram reforçar a todo instante uma suposta “criatividade
natural” dos moradores de favela e que essa característica os tornava aptos ao
desenvolvimento de atividades empreendedoras. Os discursos dos aparatos institucionais em
relação a uma suposta criatividade nata dos favelados acabaram sendo assimilados pelos
moradores enquanto “verdades de si”, assim, eles utilizaram os elementos encontrados nos
territórios e lançaram um novo olhar sobre os mesmos com o intuito de oferecer um produto
adequado aos visitantes da favela. O primeiro desafio dos “empreendedores de favela”
consistiu em tentar decifrar quais seriam as motivações que levariam o turista à favela,

Acho assim, na Europa não têm favelas, o que eles têm é assentamentos para receber
refugiados, imigrantes e tal. A favela virou moda desde 2010. Eles querem saber
como a gente vive, muitos deles pagam para ficar um dia na favela ou então se
hospeda lá no hostel do Carambola. Eles querem conhecer a nossa história, a nossa
cultura... a gente aqui tem história de vida, cultura e turismo. A maioria são turistas
estrangeiros, 70 % por cento dos turistas são estrangeiros e os brasileiros que vem
fazer passeio conosco não são cariocas, normalmente são de São Paulo, do Sul e de
Santa Catarina. Na maioria das vezes eu levo eles na minha casa, na casa da minha
sogra, a vista é muito boa. Eles saem do Santa Marta felizes da vida (Entrevista com
Margarete. Pesquisa de campo, 2017).

Andressa avalia que os turistas se hospedam nas favelas em virtude da boa


receptividade de seus moradores. Ela se caba por ter já ter recebido um turista que se
235
hospedou no Fasano, mas que em 2017 decidiu ficar em seu hostel, no Cantagalo. “Ele disse
que gosta de ficar aqui para sentir o calor do Brasil. Ele é sueco, mas mora na Suíça. E falou
que gostaria de sentir o calor dos brasileiros”. A empreendedora acredita que nos hotéis onde
os “gringos” se hospedam, normalmente, “todo mundo fica com nariz em pé”, desse modo, o
ambiente acolhedor da favela traria vantagens competitivas ao seu negócio.

Já Isabela – guia de turismo do Santa Marta – acredita que os turistas visitam a favela
em virtude da “curiosidade mórbida por aquilo que não conseguem entender”. Ela avalia que
a favela é um ambiente muito vivo e que mantem relações impessoais que os turistas europeus
e norte-americanos não estão acostumados. “Você ainda bate na porta do seu vizinho para
pedir açúcar, tomate, qualquer coisa assim? Então, a gente ainda faz isso aqui. Quando eu
falo, as pessoas riem e dizem: Caraca! você ainda bate na porta do seu vizinho!”. Isabela
ressalta que quando os moradores querer preparar alguma iguaria, eles vão até a “mercearia
dos vizinhos”, pois é muito mais prático do que ter que se deslocar até algum estabelecimento
comercial. “Daí vai batendo na porta dos vizinhos. É nesse nível.... a gente ainda tem essa
coisa”. Para ela, as pessoas do asfalto vivem em uma “sociedade do controle”, onde tudo é
passível de fiscalização e autocontrole, assim, as relações sociais seriam todas engessadas.
“Então aqui está um pouco menos engessado do que lá embaixo”.

Os empreendedores locais buscam mostrar os territórios onde vivem ressaltando dois


aspectos principais: (1) A representação da favela como lugar que transcende as questões
vinculadas à criminalidade violenta e (2) exposição do conflito social vocalizada “pelos de
baixo”, onde apesar de se utilizarem das narrativas ligadas à violência, refutam qualquer
vinculação ao tráfico de drogas.

Nesse sentido, os guias de turismo buscam a todo instante direcionar o “olhar do


turista”. John Urry (2001) avalia que o olhar do turista é tão socialmente organizado e
sistematizado quanto o olhar médico – que Foucault (2011) analisou em “O Nascimento da
Clínica”. “É claro que ele é de uma ordem diferente, na medida em que não se limita a
profissionais apoiados e justificados por uma instituição” (URRY, 2001, p.16). Entretanto, até
na produção de um prazer considerado “desnecessário” existem profissionais que procuram
construir e desenvolver o olhar do turista, como por exemplo, os guias de turismo. Olhar esse
que começa a ser influenciado pelas agências antes mesmo dos turistas saírem de casa –
quando as pessoas entram nos sites para terem ideia do que conhecerão ao chegar no Rio de
Janeiro – e que é direcionado “durante todo o tour pelos guias, que dizem o que vale a pena

236
ou não ser visto, os lugares nos quais se deve permanecer por mais ou menos tempo, o que
deve ou não ser registrado pelas câmeras fotográficas, etc.” (MENEZES, 2007, p.20).

Durante as incursões nas favelas foi possível observar que os empreendedores locais
que pertencem a esses territórios geralmente evidenciam características que comumente não
são tão divulgadas e enfatizadas pela mídia hegemônica, e que os moradores acham positivas,
como: os laços de solidariedade do ambiente comunitário, as belezas naturais de algumas
partes da favela, práticas culturais locais, entre outros. A maioria dos empreendimentos
desenvolvidos pelos moradores contam com o termo “favela” como modo de destacar o
negócio. Freire- Medeiros (2009) aponta que a favela se tornou uma marca global e representa
um fenômeno da circulação e do consumo. Para autora, essa localidade detém tamanho status
em virtude dos filmes, romances e textos acadêmicos que acabaram delineando-a como um
objeto de desejo a ser consumido na perspectiva do “turismo alternativo”.

Uma das questões em voga em relação ao turismo contemporâneo, seria a de que ele
tenderia a disponibilizar visitações a “não-lugares”, ou seja, localidades que
descaracterizaram os elementos da cultura local e construíram espaços especificamente
destinados ao entretenimento. Conforme Marc Augé, “se um lugar pode se definir como
identitário, relacional e histórico, um espaço que não pode se definir nem como identitário,
nem como relacional e nem como histórico, definirá um não-lugar” (AUGÉ, 1994, p.83).
“Lugares autênticos” e não-lugares são tipos ideais (WEBER, 1973) que representam os
espaços dominantes nas sociedades contemporâneas (SÁ, 1994). Nessa perspectiva, nos
últimos tempos a favela vem sendo construída como um lugar autêntico e representativo da
cultura brasileira (FREIRE-MEDEIROS, 2009).

De um modo geral, os “empreendedores de favela” advogam que somente eles


possuem a capacidade de mostrar ao turista as nuances de lá em virtude de morarem nos
territórios. “Eu acho que é interessante mostrar o que a gente tem de bom nas favelas. A cada
dia que eu tiver com 20 turistas, 30 turistas, cada dia esse turista vai levar para fora esse
lado legal da favela. Sou favelado com muito orgulho”, disse o guia Pedro. Isabela afirma que
a experiência que o turista tem na favela está muito mais conectada a informação que ela
passa ao mesmo durante o tour, do que propriamente ao passeio em si e que se o turista vier
sozinho na favela dificilmente terá condições de “realmente conhecer o lugar”.

Henrique avalia que os guias locais respeitam mais a favela do que os guias “do
asfalto”. Ele acredita que se as empresas de fora da favela que querem operar no Santa Marta
237
devem antes contratar um guia local para acompanhar o guia da agência. “Os guias de fora
não têm o respeito que nós temos e não têm a visão que nós temos... não agrega valores à
comunidade como nós agregamos”. Para ele, os guias locais “agregam mais à favela”, pois
grande parte do dinheiro que ganham é gasto na localidade, propiciando assim, uma
circulação interna do dinheiro proveniente do “turismo de favela”. Como o produto “Santa
Marta” é alvo de disputa entre as empresas de “fora” e os guias de “dentro”, o Comitê de
Turismo do Santa Marta desenvolveu ações que visaram o estabelecimento de parcerias entre
esses dois grupos (FREIRE-MEDEIROS, VILAROUCA, MENEZES, 2016).

Enfim, os guias locais ressaltam os aspectos que normalmente ficam encobertos pelo
que Caldeira (2000) chama de “fala do crime”, discursos que não são feitos de visões
equilibradas, mas da repetição de estereótipos, em que de forma geral, as pessoas mais pobres
são associadas a criminosos e sempre referidas nos termos mais depreciativos, até mesmo
pelos próprios pobres. Isabela sempre pede para os turistas “relaxarem” durante o tour, pois
os mesmos andam na favela com a mochila posicionada a frente do corpo, com medo de
serem roubados. Ela costuma afirmar aos mesmos que a favela é um local em que esse tipo de
incidente não acontece, ao contrário do “asfalto”.

Os empreendedores turísticos buscam contestar representações negativas expressas


em filmes e reportagens, como também, as percepções negativas que as agências de turismo
do “asfalto” passam sobre as favelas. Em uma visita feita pelo pesquisador à Rocinha, por
meio de uma empresa de Jeep Tour, constatou-se que a guia de turismo proferiu discursos que
configuraram os favelados como “ladrões”,

A guia de uma agência de viagem veio me encontrar no hostel onde eu estava


hospedado. Saímos de Botafogo e fomos pegar um casal espanhol da cidade de
Bilbao e uma família brasileira, que mora em Brasília. O curioso é que eram
cariocas, porém, nunca tinham entrado em uma favela. O casal fez o passeio com
dois filhos pequenos. Nós vínhamos tranquilamente sob o jipe, até que chegou o
momento em que a guia disse: “vou te explicar o que é a favela”. A partir daí o
passeio começou a ficar tenso. Ela forçava essa tensão dizendo que estávamos
entrando em uma área de grande risco, que nossas vidas estavam correndo perigo,
pois a favela é uma “zona de guerra”, em que se pode ocorrer tiroteios entre
policiais e traficantes a qualquer momento. Olhei para o turista brasileiro, e ele fez
uma “feição de soluço”, em que sua expressão parecia dizer: “Onde estou me
metendo com minha família?”. O casal espanhol não compreendia muito bem a
língua portuguesa e a tradução feita pela guia parecia amenizar a situação (Diário de
campo, 22/07/2016).

238
O discurso inicial da guia desqualificava os moradores: “Eles são todos ladrões,
roubam água, energia... não pagam nada”. Ela disse que comentários desse tipo apenas
poderiam ser feitos dentro do jipe. Assim, nós teríamos que ser extremamente comedidos ao
entrar na Rocinha, pois “na favela eles ouvem de tudo. A gente pensa que eles não ouvem,
mas ouvem”. Durante o passeio as pessoas tinham que andar como se estivessem em um
“campo de guerra”, todos em fila indiana, próximos uns aos outros. Ela argumentou que em
um dos tours que realizou se deparou com jovens portando metralhadoras. “Eu fiquei
apavorada. Eles não fizeram nada comigo, não me deram tiro nem nada. Mas eles olharam
pra mim e falaram: “Vai embora!”. Então a guia disse que a partir desse dia, sempre
recomenda que os turistas fiquem juntos durante o tour: “porque você nunca sabe o que vai
encontrar”, explicou ela.

A conformação da favela como “território de bandidos” representa tudo o que os


moradores abominam e buscam contestar a todo o momento. Isso não significa que a
exposição do conflito social não faça parte do roteiro, já que os empreendedores evidenciam
aos turistas os conflitos existentes na favela, porém, buscam destacar que a ampla maioria dos
moradores não possui nenhum vínculo com o crime e que os conflitos violentos derivam do
embate entre o tráfico e a polícia.

“Fiquem tranquilos, não vai acontecer nada com vocês.... Vocês estão em uma favela
pacificada”. Essa é a saudação inicial que Carambola dá aos turistas que são guiados por
ele.56 Destaca-se nessa passagem que o empreendedor busca “destismificar” a percepção da
favela como um local violento e para isso, Carambola utiliza o discurso da pacificação. Para
ele, mostrar a favela ao mundo é o seu papel. O guia acredita que é importante mostrar para as
pessoas os desafios que moradores das favelas enfrentam, “faremos de tudo para quebrar
paradigmas e estereótipos de que somos apenas um simples favelado! Queremos dar o nosso
melhor sem querer ser mais que ninguém!”. Carambola deseja que o favelado seja
representado nos meios de comunicação como uma figura pró-ativa, que luta para “vencer na
vida” e que se lança ao mundo em busca de desafios, enfim, um sujeito empreendedor.

Mas de que maneira a violência é retratada nas favelas pelos guias já que de fato ela é
real? Bom, para proferir os enunciados sobre a violência os agentes locais desenvolveram
diferentes estratégias. Carambola costumava dizer que a violência que existia era parte de um
passado violento e que com a UPP, a favela passou a ser segura. Mesmo com a derrocada das

56
Carambola deu essa saudação em 2015.
239
UPPs, Carambola acredita que a violência não seja algo que define a Favela Santa Marta. Já
Pedro se apropria do discurso científico para comprovar a idoneidade dos moradores. Ele
afirma aos turistas que apenas 3% dos moradores de favela são bandidos e que 97% deles são
formados por trabalhadores, “gente do bem”.

Rodolfo, guia da Favela Ladeira dos Tabajaras, defende a sua localidade das
representações vinculadas à insegurança. Ele alega que o território em que vive é mais
seguro do que Copacabana, pois na favela ele pode deixar a porta aberta ou estacionar a moto
com a chave no contato que ninguém rouba. “Pessoas que não conhecem a favela acham
perigoso. Quem conhece a nossa favela sabe que não há um problema de segurança”. 57

Já os guias do Complexo do Alemão têm diferentes estratégias para representar a


dinâmica do lugar. Loreto prefere esconder a violência no Alemão para que os turistas não
“fujam”: “Sempre falo que quem trabalha com turismo não pode ficar falando de tiro, da
direita e da esquerda. O que move o turismo? Não é o turista? Você vai falar para o turista
que está rolando bang bang aqui?”

Ele argumenta que a complexo é muito grande e a única coisa que o guia deve fazer é
não passar no local específico onde está ocorrendo o tiroteio. Outra estratégia de Loreto se
refere à comparação do Alemão com locais que na visão dele são mais violentos:

“O cara vai para o Iraque e você vai ficar falando que tão bombardeando lá? Vou
dar um exemplo. Meu patrão é judeu e foi pra Israel. Ele estava num barzinho de lá
tomando os seus goró e de repente surgiu uma bola de fogo. Era um homem bomba”
(Entrevista com Loreto. Pesquisa de campo, 2016).

Ele completou o argumento afirmando que o seu patrão então lhe disse o seguinte em
uma oportunidade: “Vou voltar para o Rio, aqui tem bala perdida e coisa e tal, mas homem
bomba não”. Para Loreto, “tem um monte de homem bomba em Israel”, mas os veículos de
comunicação apenas relatam que explodiu apenas uma pessoa. “Mas aqui eles fazem questão
de escrachar” argumentou o guia de forma aborrecida.

Já a guia Silvava adota uma postura diferente quando os turistas chegam ao Complexo
do Alemão: “a gente conta a verdade, doa a quem doer” diz ela. Dessa forma, não esconde

57
A entrevista com Rodolfo foi feita em 2016.
240
dos turistas que os tiroteios no Alemão são frequentes e que para entrar no Alemão é
necessário assumir alguns riscos.

Cada guia de turismo utiliza o seu capital incorporado (BOURDIEU, 1987) com a
vivência na favela para conformar o conflito social em um produto permanentemente
renovado. Como relatou Carambola: “na favela sempre tem muita coisa nova para contar”.
Nesse sentido, cada empreendedor utilizar essa vivência para situar o turista em um cenário de
hiper-realidade: Isabela relatou histórias impactantes relacionadas aos estupros que as
mulheres da Favela Santa Marta sofriam; Pedro contou histórias de como era a vida no
“período das guerras” durante as décadas de 1980 e 1990, Carambola apresentou um muro
cheio de marca de tiros oriundos das “guerras de antigamente” , buscando assim, fazer com
que turista consiga “sentir o conflito” de forma mais latente; Alessandro também mostrou as
marcas de tiros da Favela Pavão-Pavãozinho ao pesquisador, só que ao contrário do muro
perfurado e que fora apresentado pelo Carambola como marcas de um “passado longínquo”,
as digitais dos tiros no muro do Pavão-Pavãozinho se reportam aos “rastros da pacificação”,
oriundo dos embates entre polícia e traficantes (Ver Figura 22).

241
Figura 22 – Muro com marcas de tiros na Favela Pavão-Pavãozinho

A imagem mostra um muro de uma casa no Pavão-Pavãozinho com marcas de tiros. No momento em que o
pesquisador visitou a favela os muros estavam cobertos por massa corrida. Essa foto foi tirada pelo guia
Alessandro e representa o período anterior a reforma “tapa tiros”.
Fonte: Alessandro (nome fictício, guia de turismo), 2017.

Entretanto, não foi somente as marcas de tiros que Alessandro mostrou ao


pesquisador. Durante o passeio na favela, no final de 2017, o guia percorreu um trajeto em
que havia traficantes armados com fuzil. Um dos traficantes avistados fazia o trabalho de
sentinela apontando a arma para cima, enquanto um outro traficante visualizado pelo
pesquisador caminhou com surpreendente naturalidade com um fuzil dependurado pelo corpo
pelas vielas e becos do território. A situação indicava que Alessandro fez o passeio em plena
“boca de fumo” de maneira deliberada, com o intuito de mostrar a “favela real”.

242
Para Freire-Medeiros (2009), violência é um grande atrativo para os turistas que
visitam as favelas, um atrativo que é propagado pela mídia, por meio de noticiários e filmes
como “Cidade de Deus” e “Tropa de Elite”. Para a autora, o processo de construção da favela
como destino turístico está associado à expansão dos nomeados reality tours mundo afora e
no posicionamento da favela nos circuitos do consumo em nível global, sendo que tal
localidade foi constituída como um signo a que estão vinculados significados ambivalentes
que a colocam, ao mesmo tempo, como território violento e local de autenticidades
preservadas.

O pesquisador se hospedou em hostels situados na Ladeira dos Tabajaras/Morro dos


Cabritos e Pavão-Pavãozinho, sendo que entrevistou também, pessoas que visitaram o Santa
Marta e a Rocinha. Observou-se então, que a violência representa um importante ingrediente
que torna a favela um local singular aos olhos do turista, sobretudo, os turistas estrangeiros. A
seguir, destaca-se as aventuras de turistas que chegam a atravessar o oceano Atlântico apenas
para estar em contato com o seu objeto de desejo: a favela.

“Todo mundo na Noruega sabe como a favela é... A favela é muito famosa por lá.
Principalmente depois do filme Velozes e Furiosos, com as corridas de carro... com Vim
Diesel, o filme número 5” disse Christoffer, turista e voluntário norueguês (branco, 20 anos.
Pesquisa de Campo, 2016). Ele afirmou que jogou vídeo games que simulam “situações
reais” durante sua adolescência, sendo que um deles tinha como cenário as favelas cariocas. O
garoto se encantou com as simulações violentas dos games, em que poderia escolher diversas
armas, para então, poder brincar de ser traficante ou policial. Ele tinha o grande sonho de
saber como era uma favela “de verdade”, então resolver vir para o Rio de Janeiro. “Conheci
esse universo pelo jogo Call of Duty (ver Figura 23), que tem o mapa da favela. Aí eu pensei
comigo, eu tenho que ir lá”.

243
Figura 23 – Imagem virtual do jogo Call of Duty – Rio

O jogo Call of Duty imita com perfeição a paisagem carioca, representando tanto as favelas, como também,
símbolos icônicos da cidade, no caso, o Cristo Redentor.
Fonte: Call of Duty Games (2014).

Como não dispunha de muito dinheiro para pagar a passagem aérea, como também, a
estadia na cidade, Christoffer resolveu se inscrever em um programa que conecta pessoas
dispostas a trabalhar como voluntários com empresas que precisam de algum tipo de auxílio
em determinados momentos. Ele então conseguiu estabelecer um acordo com o dono de um
hostel – situado na Favela Pavão- Pavãozinho – para que pudesse trabalhar como auxiliar de
serviços gerais. Ele desempenhava essa tarefa a contragosto, pois não estava acostumado a
receber ordens de ninguém, sobretudo, na condição de serviçal. Christoffer possui outras
ambições na vida. “Eu quero estudar direito para me tornar advogado, mas gostei tanto da
favela...talvez eu fique por aqui. Eu encontrei uma garota na favela”, disse o jovem
norueguês.

Nos momentos de folga, Christoffer aproveita para “ser turista” e desvenda o “mundo
novo” que a favela representa para ele. Até que um dia pode de fato deparar-se com a
realidade que tanto via nos games. Ele conseguiu fazer amizade com traficantes da Favela
Pavão-Pavãozinho e tirar várias fotos com fuzis. Nas imagens reveladas ao pesquisador, o
norueguês estampava um sorriso de grande satisfação juntamente com uma amiga
norueguesa, que também trabalhava como voluntária do hostel. Com o fuzil dos traficantes na
mão direita, ele simulava um “mata-leão” em sua amiga, como se ela fosse sua refém. A
jovem também aparentava estar se divertindo muito na foto.
244
Christoffer considera que “a favela é perigosa, mas também é tão legal, o espírito de
comunidade, todo mundo conhece todo mundo. Os moradores têm amizade com os vizinhos.
É algo especial”. O norueguês revelou as estratégias que utilizou para se manter a salvo no
Pavão-Pavãozinho: “Mas com relação à violência, você tem que fazer amizade com os “bad
guys”, daí você estará seguro”. Outra estratégia relevada por ele se refere ao fato de que na
favela é preciso “sorrir bastante”, já que as pessoas gostam dessa expressão facial.

“Eu me sinto mais seguro em volta dos “gangsters” (traficantes), do que perto da
polícia. Você pode ir ao baile e encontrar 30 pessoas armadas, falando pelo rádio a todo
momento, em todo lugar, já a polícia não está em todo lugar”. O jovem completou: “Entre
policiais e traficantes tem muitos tiros, mas isso é entre eles”. Pode-se considerar que o
visitante norueguês quis conhecer meandros que envolvem a favela turística e o que acontece
em seus “bastidores”. MacCannell (1989) considera que os turistas são movidos pelo desejo
de explorar o desconhecido, desejam ir além do que geralmente é mostrado, não se
satisfazendo assim, com um conhecimento de fachada. O autor recorre aos conceitos
goffmanianos de front e back region para constatar que os turistas desejam penetrar nos
bastidores dos lugares por onde anda e conhecer as condições sociais que asseguram a
realidade.

Ao perguntar para Laura58 – nome fictício, branca, 46 anos, nasceu em Cape Town, na
África do Sul, mas atualmente tem residência fixa em uma pequena cidade situada no Sul da
Inglaterra. – o porquê resolveu visitar a favela, a mesma respondeu o seguinte: “Eu queria
saber como era a vida na favela. Como são as pessoas da favela... Eu tinha um grande
interesse em conhecer”. Quando perguntado de que forma conseguiu obter informações sobre
a favela, Laura respondeu: “Eu assisti reportagens sobre o réveillon, alguns documentários,
mas nada específico. Eu assisti Cidade de Deus”.

No meio da entrevista com Laura, um turista francês de Nice disse, “Eu também assisti
o filme Cidade de Deus, ele é real ou uma ficção? Eu achei um pouco exagerado. Acredito eu
que foi uma coisa mais comercial, para fazer dinheiro para eles terem êxito com o filme”.
Para ele, esse tipo de filme não tem uma boa influência sobre os mais jovens, pois “uma
criança pode assistir o filme e querer ser traficante, imitar o filme. Seria como no filme
Scarface, de Alpacino. Seria um tipo de atração”.

58
A entrevista com Laura foi realizada em 2016.
245
Laura contesta o turista francês, “Eu acho que naquele período tinha muita violência.
Eu acredito que era daquele jeito, porque eu vivi na África do Sul, as favelas de lá eram
realmente violentas. Lá as vidas não valem nada. Eles podem te matar por 20 reais”. Ela
completou afirmando o seguinte: “Sabe, é estranho que todos os países que são muito
bonitos, têm muitos problemas, como o México, África do Sul, Brasil... os países mais bonitos
do mundo têm muita violência. Laura acredita que: “Deve ser por causa da colonização,
escravidão”.

Na maioria das entrevistas, o filme “Cidade de Deus” se trata da representação da


favela que o turista mais se recorda. O conteúdo violento da película auxiliou a formular o
imaginário social a respeito desses territórios, sendo que a instalação das UPPs e a
“performance” dos policiais aguçaram ainda mais o imaginário desses turistas. Nesse sentido,
foi possível observar durante a pesquisa de campo na Favela Pavão-Pavãozinho, que os turistas
possuem grande fascínio pelo “ambiente militarizado”. Para esses visitantes, o fato de os
policiais portarem fuzil representa algo totalmente inusitado, o que faz com que os agentes
públicos se tornem um “objeto a ser observado com atenção”,

Após alguns minutos sentados no bar, juntamente com um grupo de turistas


europeus que conheci em um hostel, foi possível observar que dois policiais da UPP
começaram a revistar um grupo de moradores da favela que estava sentado em um
bar localizado no outro lado na rua. Esses policiais portavam fuzis e ordenaram que
os frequentadores do estabelecimento colocassem a mão na parede e abrissem as
pernas enquanto a revista fosse feita. Presumi que estavam procurando pessoas
portando drogas. Eu estava temeroso sobre o que poderia acontecer ali – como, por
exemplo, uma eventual troca de tiros – mas os turistas estavam completamente
excitados com a cena e começaram a fotografar os policiais e os moradores que
estavam sendo revistados. Quando eu perguntei a um turista inglês por que estava
fotografando essa cena, ele simplesmente me respondeu que em seu país não tinha
aquilo e que precisava registrar (Diário de Campo. Pesquisa de campo, 2015).

A ocupação armada e sua imposição autoritária sob os “territórios da violência”


despertou tanto deslumbre nos turistas que os mesmos registraram fotos ao lado de policiais,
como também, em frente a tanques de guerra, como é o caso do Complexo do Alemão, no
período em que o mesmo foi ocupado pelas “forças da pacificação” (ver Figura 24).

246
Figura 24 – “Clima bélico” é atração turística no Complexo do Alemão

À esquerda, imagem de uma turista tirando fotos ao lado de um policial da UPP Fazendinha, área situada no
Complexo do Alemão. Já à direita, imagem de uma família de turistas tirando fotos em frente a um tanque de
guerra, durante o período em que o Alemão estava sendo ocupado pelas “forças da pacificação”.

Fonte: Uol Viagem e O Globo.

De fato, a violência não é algo que necessariamente “afugenta” os turistas. Durante a


pesquisa de campo (dezembro/2016), o pesquisador foi informado por um morador do Pavão-
Pavãozinho que o PCC tinha tentado invadir o Morro da Babilônia, contudo, a organização
criminosa foi rapidamente reprimida por uma “coalização” formada pela polícia e “soldados
do Pavão”, resultando na morte de uma pessoa. Esse mesmo morador disse que o clima no
Morro da Babilônia estava mundo tenso no período em questão. Essa informação foi
repassada para Laura, porque a mesma iria hospedar-se no Morro da Babilônia. Quando ela
soube, no início ficou um pouco temerosa, mas depois brincou: “Então eu vou ficar andando
como um soldado durante a guerra, dar alguns passos e me esconder atrás das paredes
(risos)”. Alguns dias depois, ela avistou uma sigla “CV” pichada no portão de uma casa no
Morro da Babilônia, não sabia o significado, porém, logo induziu tratar-se de uma
organização criminosa, mas tal fato não lhe intimidou. Semanas depois, hospedou-se na
Rocinha.

Entretanto, a proximidade com a favela pode revelar momentos de tensão. Müller


(nome fictício 27 anos, natural de Frankfurt, Alemanha. Pesquisa de campo, 2016) disse que
estava fazendo cooper na Rua Sá Ferreira e resolveu subir as escadarias que dá acesso à
Favela Pavão-Pavãozinho. Quando chegou à localidade, foi assaltado, mas aí então algo
surpreendente para ele aconteceu: “Chegaram uns caras e começaram a discutir com o garoto
que pegou a minha carteira e celular, daí então, o garoto devolveu as minhas coisas... eu
tinha uma quantidade considerável de dinheiro. Fiquei sem entender nada”. Tal fato ocorreu
porque existe um acordo tácito entre os moradores que evidencia o repúdio a certos tipos de

247
crime, como também, os assaltos poderiam chamar a atenção da polícia, ou seja, tudo o que
traficantes do local não desejam.

Contudo, é possível fazer uma distinção referente ao gosto dos turistas que visitam as
favelas. Silvana (guia, pintora e moradora do Alemão) disse que o turista que mais gostava de
visitar o complexo é o “gringo”. Segundo ela, eles vinham pela curiosidade de conhecer como
é a favela, o “outro lado” do Rio de Janeiro e também porque eles queriam ver “se existia
mesmo a UPP”. Silvana não leva mais turistas para o local porque acredita ser inseguro, já
que os tiroteios voltaram a ser rotina no Alemão, “(imagina) o susto que a pessoa pode levar
quanto tem tiro, pode ser grande. O gringo gosta, mas o brasileiro não. Eles acham assim,
diferente... eles dizem: “Não pode ter tiro, tem UPP!”. Entretanto, Silvana argumenta aos
turistas o seguinte: “mas tem tiro, sim... O brasileiro tem medo, mas o gringo não... o gringo
tem curiosidade. Eles querem entender essa logística de: Como tem UPP para proteger a
gente e tem tiro?”. 59

Assim, o encontro com a favela pode proporcionar diferentes visões sobre a mesma.
Ibarra (turista chileno, 22 anos, Santiago. Pesquisa de campo, 2016) resolveu conhecer a favela
da Rocinha sozinho, andando a pé, e teve percepções opostas sobre a mesma durante apenas dois
dias. Na primeira visita à Rocinha disse que “todo mundo pensa que a favela é um ra ta ta
(tiros). Não achei perigosa, porque tinha muita polícia, muita polícia”. No dia seguinte, resolveu
visitar novamente a favela e encontrou um grupo de garotos jogando bola – que aparentavam
terem em torno de dez anos – porém, um deles portava um revólver na cintura, ao avistar essa
cena, teve medo e resolveu “partir em retirada”: “Eu creio que eles estavam olhando para mim.
Eles olharam para mim porque eu sou um gringo, se ficasse por mais tempo lá poderiam gritar:
“Hey, motherfuc... e começar a atirar”.

Ele disse que conheceu um pouco das favelas por meio do filme “Tropa de Elite”, que
por sua vez, ficou muito famoso no Chile. Quando perguntado sobre a razão de ter visitado a
Rocinha, ele disse que: “Todos querem visitar uma favela. Não tem como ir ao Rio e não visitar
a favela. É como ir a Roma e não ver o papa. No Chile tem bairros pobres como as favelas do
Rio, mas não tão perigosos como aqui. No Rio tem muita ação... muita ação.” Ibarra acha que as
favelas são muito bonitas, com arquitetura interessante e vista privilegiada. Ele gostou muito de
conhecer o Vidigal e disse que a favela pareceu segura, porém, fez um adendo: “mas isso foi de
dia, à noite já não sei se é perigoso”.

59
A entrevista com Silvana foi feita em 2016.
248
Os turistas também relatam as suas experiências em plataformas virtuais, como é o caso
dos blogs. O parisiense Lino relatou em sua página pessoal como foi o seu passeio na Favela
Santa Marta com tons dramáticos:

Eu também não posso negar que eu estava absolutamente aterrorizado. Os caminhos


do beco se estreitaram e escureceram. Passamos por um grupo de jovens do sexo
masculino que apenas estavam pendurados em um muro. Minhas pernas estavam
tremendo por causa do cansaço de subir a escadaria, mas também devido ao medo.
Eu estava definitivamente lutando contra o monstro assustador na minha cabeça e ter
dúvidas sobre o nosso pequeno guia ... Será que ele estava me levando em algum
lugar em que teria problemas? Claro que esse monstro estava na minha cabeça. Os
jovens "ameaçadores" estavam apenas tomando um drink em um pequeno bar
escondido debaixo de uma casa, e nos reconheceram com sorrisos amigáveis quando
passamos. Finalmente, a qualidade da luz mudou, e nós emergimos de um lugar
claustrofóbico e fomos perto de edifícios pintados nas cores do arco-íris. Quando vi
os policiais da UPP, eu me senti aliviado. Achei que minha vida estava por um fio.
(Blog, Lino, turista francês, 2015).

Nesse relato, foi possível perceber que o turista ficou agoniado ao entrar na favela –
embora nada tenha acontecido com ele – isso ocorre porque a representação da favela como
cenário onde reina a criminalidade violenta acaba afetando a percepção que o turista tem em
relação ao ambiente social.

60
Na página do site de viagens Tripadvisor também foi possível encontrar diversos
relatos de turistas que visitaram a Favela Santa Marta acompanhados pelos guias locais. Em
um dos comentários, uma turista brasileira relatou que foi muito interessante conhecer a
história dos moradores, como também, verificar as mudanças na favela depois da pacificação,
sendo que avalia que a visita se configura em uma experiência necessária para todos os
turistas do Rio. Ela ressalta que: “foi um passeio muito agradável e seguro. A agência é
organizada e os guias conhecem muito favela, tem muitas histórias para contar, super
pontuais. Recomendo!”.

Outra turista disse que achou o passeio muito interessante e enriquecedor, sendo que
ser guiada por um morador tornou a visita mais segura e intimista. “Foi uma ótima
oportunidade para romper diversos preconceitos que possuía e verificar novos modos de
vida. É um passeio singular que contribuiu muito para o meu crescimento pessoal”. Ela
conclui que: “É, convém repetir que o passeio é bastante seguro. Os moradores são muito
receptivos, inclusive. O valor cobrado é acessível.”

60
Os relatos da página Tripadvisor foram postados em 2014.
249
Freire-Medeiros (2009) avalia que os turistas que saem de passeios como os da Favela
Santa Marta podem ter o seu self “transformado”, na medida em que os mesmos se colocam
na situação dos moradores da favela, que normalmente vivem em situação precária. Em uma
acepção geral, compreende-se por self aquilo que define a pessoa na sua individualidade e
subjetividade. O “self” (“eu”) é reflexivo e aberto ao desenvolvimento de novas experiências,
tais como as viagens,

Uma das conclusões mais interessantes no âmbito da investigação acerca da


experiência turística é a noção de subjetividade que lhe é subjacente. Cada
experiência assume, em sua essência, um significado diferente para cada turista, e
cada experiência tem seu próprio momento. Nesse contexto, cada turista construirá,
de forma subjetiva e individual, sua própria experiência de viagem (MENDES e
GUERREIRO, 2010, p. 317).

Contudo, esse turista que busca obter novas experiências por meio do contato com a
alteridade já tem em sua mente uma representação definida do que seria uma favela. O
pesquisador acompanhou a visita de um turista francês – Louis, branco, 36 anos – a Favela
Santa Marta (2016). Ele teceu alguns comentários sobre o lugar. “Aqui existe um projeto
artístico com a cor... casas coloridas. É a favela mais famosa (do Rio), turística, não gosto
disso. Penso que é um bom projeto, as pessoas podem ter as suas casas coloridas”. Ele
completou o comentário da seguinte forma: “É um bom projeto, mas é um projeto turístico
que eu não gosto”. Louis relatou que gosta da favela em sua forma “natural”, isto é, casas sem
reboque e tinta. Quando ele chegou até a última estação do plano inclinado, conseguiu avistar
o modelo de favela idealizado pelo mesmo e finalmente, abriu um largo sorriso e tirou várias
selfies. Para Frenzel (2016), os turistas que se sentem atraídos pelas favelas costumam se
comportar contrários as expectativas que comumente possuem em relação ao “turismo
convencional”. Ao invés de procurarem espaços urbanos hegemonicamente considerados
“racionalizados”, eles buscam lugares onde possam satisfazer a expectativa que possuem em
relação ao Outro.

Além do interesse pela própria estética das favelas, as drogas podem ser consideradas
outro chamariz relevante. Pierre (turista francês natural de Montpellier, branco, 35 anos.
Pesquisa de Campo, 2016) visitou a Favela Santa Marta, o Pavão-Pavãozinho e uma favela
situada próximo ao bairro do Flamengo e afirmou que em todas elas teve facilidade para
encontrar drogas. Ele disse ser usuário de cocaína e o Rio de Janeiro seria o lugar onde esse tipo

250
de droga possui a “melhor qualidade” no mundo todo. Quando perguntado como encontrou os
traficantes, Pierre respondeu: “Ah, eu pergunto para uma pessoa que parece que vende drogas.
Porque eu sei como identificar um traficante. Eu sei ver quem é um traficante e quem não é
um traficante.” E completa asseverando que: “eu sei as características de um traficante... não
vou abordar uma mulher com uma criança, pergunto para homens que para mim parecem
serem vendedores de drogas”. 61

O tirocínio – suposto “saber policial” que permite identificar “suspeitos” – de Pierre


parece que não costuma falhar, mas para seu a azar o tirocínio dos policiais também “estava
calibrado”. Ele acabou sendo revistado três vezes pelos agentes da UPP. Após ser indagado
sobre o que achou dessa experiência, relatou o seguinte: “Penso que uma é operação da
pacificação. Mas é normal, estrangeiros ou gringos como dizem aqui, para a polícia não
importa se sou francês ou brasileiro... é a mesma coisa”. Ele completou afirmando que: “É
uma experiência que devo respeitar...a revista, normal, como um brasileiro, é a lei”.

Ele acredita que os turistas estrangeiros que buscam droga, mas têm medo visitar as
favelas, buscam a mesma em Copacabana, porém, Pierre adverte: “É mais caro, duzentos
reais a grama em Copacabana e na favela é trinta reais. A cocaína é melhor do que em
Copacabana. Encontrei pessoas que queriam me vender em Copacabana. Disse “não”! E
completou: “Eu achei a coca muito cara, caríssima”.

Genaro (nome fictício, turista italiano, 23 anos, branco, proveniente da cidade de


Bergamo. Pesquisa de campo, 2016) logo que chegou ao hostel do Pavão-Pavãozinho se
mostrou interessado em consumir maconha. Primeiramente, ele resolveu caminhar na favela e
encontrou uma moça que havia dito a ele que tinha um “contato quente” de um traficante.
Mas depois de um tempo esse turista se sentiu contrariado, pois a moça começou a conversar
com outra pessoa e deixou de cumprir a “missão” que fora atribuída a ela. Foi aí que
Christoffer, o garoto norueguês – que tem acesso fácil a drogas por meio de seus amigos
traficantes – apareceu. Ele disse ao rapaz italiano que os traficantes que conhecia moravam
em um prédio logo atrás do hostel e que poderia comprar maconha para Genaro.

O turista italiano deu o dinheiro para Christoffer e o mesmo foi buscar a droga.
Porém, instantes depois resolveu retornar, pois disse que não poderia tornar-se intermediário
na compra de droga, pois iria se sentir “quase um traficante”. Aí então, Christoffer resolve
disponibilizar sua própria “reserva” de maconha para seu novo amigo. Gerano fumou o

61
A entrevista com Pierre foi realizada em 2015.
251
cigarro de maconha feito pelo norueguês, mas logo depois desdenhou do “presente” dizendo
“Essa maconha é muito preta, não é de boa qualidade”. 62

Jamel – nome fictício, 26 anos, branco. Pesquisa de campo, 2016 – é natural do


Marrocos, reside na Holanda e também se hospedou em um hostel situado na Favela Pavão-
Pavãozinho. Ele disse que conheceu a favela por meio do filme “Cidade de Deus” e que na
Holanda esse filme foi transmitido em TV aberta, sendo assim, um grande sucesso no país
europeu. “Eu gosto muito da favela, pois lembra muito meu país, essa barraca cheia de
frutas.... é muito parecido com Marrocos, sinto falta dessa confusão na Holanda”. Ele
caminhou pela Favela Pavão-Pavãozinho todos os dias em que esteve no território, mas como
é muçulmano, teve que rezar antes de sair do hostel. Jamel trouxe em sua mala um tapete para
estender na varanda do hostel na hora de ajoelhar-se para orar. Ele também utilizou um
aplicativo no celular para saber onde é a direção da sagrada cidade de Meca. Contudo, seus
rígidos preceitos religiosos foram “flexibilizados” em alguns momentos, pois Jamel não
escondeu de ninguém o desejo de conhecer uma mulher brasileira. “Você acha que vou fazer
mais sucesso com as mulheres brasileiras dizendo que sou da Holanda ou dizendo que sou do
Marrocos? Em seguida, respondeu a ele mesmo: “Bom, acho que vou dizer que sou do
Marrocos, pois o mistério costuma chamar atenção das meninas”. 63

Aliás, grande parte dos turistas estrangeiros que vêm ao Rio de Janeiro têm o interesse
de conhecer as mulheres brasileiras. Eles buscam estabelecer contato indo a festas na Lapa,
nas praias e nos bailes funks. A conformação do Rio de Janeiro como destino de “mulheres
exuberantes” vem de longa data. Durante a década de 1970, a Embratur – Empresa Brasileira
de Turismo – realizou uma série de ações promocionais de cunho internacional, derivadas
principalmente de duas campanhas publicitárias, a Conheça o Brasil (EMBRATUR,1973) e
Rio, Samba e Carnaval (EMBRATUR,1975) que estimulavam a vinda de turistas ao Brasil
(ver Figura 25). O material publicitário da Embratur destacava a imagem de um país que
fosse um verdadeiro paraíso tropical, cosmopolita, com mulheres deslumbrantes, sem a
existência de tensões sociais e violações dos direitos humanos, agindo assim, conforme os
interesses do regime militar. Após sofrer muitos questionamentos, a Embratur mudou o foco
de suas campanhas nos anos 2000, focando apenas nos aspectos naturais e culturais do país
(DAMAS, 2009). Hall (2016) salienta que toda a representação de grupos não hegemônicos é

62
As interações entre Christoffer e Genaro foram observadas em 2016.
63
A entrevista com Jamel foi feita em 2016.
252
perigosa, pois as suas características podem ficar reduzidas e fixadas sob a forma do
estereótipo.

Figura 25 – Campanha da Embratur em que a mulher brasileira é configurada como


“atração turística”

Fonte: Campanha Rio, Samba e Carnaval (Embratur, 2975).

O interesse de muitos visitantes homens da classe média carioca que frequentam as


festas que acontecem na Favela Santa Marta é conhecer uma “garota da favela”. Já na subida
do morro eles ficam paquerando as meninas. Duas visitantes – negras/ 24 e 27 anos – que
moram na Baixada Fluminense e foram até uma dessas festas que acontecem na Laje do
Michael Jackson afirmaram que gostaram muito de conhecer a favela. “Aqui é o canal, eu
tenho que voltar mais vezes, aqui é um fervo” disse uma das garotas de forma bem-humorada.
A garota relatou que ela não é muito paquerada na Baixada, mas que na Favela Santa Marta o
processo é inverso.

A favela apenas recebe esse fluxo de pessoas porque ela se tornou algo que “está na
moda”. Os turistas e visitantes agora frequentam bailes funks, hospedam-se em hostels,

253
escalam morros em busca de vistas deslumbrantes, enfim, estão em contato com o que alguns
configuram como o “Outro Rio”. No texto “Filosofia da Moda”, Georg Simmel considera que
o fundamento fisiológico do indivíduo é caracterizado pelo repouso e movimento, pela
atividade e receptividade, assim, o mesmo sempre é constituído por processos antagônicos,
pelo interesse de unir permanência com a perseverança na mudança, de proporcionar um
compromisso com a totalidade social e ao mesmo tempo impor a própria individualidade. Tal
contexto social dialoga perfeitamente com a moda, pois: ela satisfaz, por um lado, a
necessidade de apoio social, “na medida em que é imitação; ela conduz o indivíduo às trilhas
que todos seguem. Ela satisfaz, por outro lado, a necessidade da diferença, a tendência à
diferenciação, à mudança, à distinção [...]” (SIMMEL, 1988, p. 45-46, tradução do autor).

Assim, pode-se considerar que o turista que visita a favela buscaria seguir as
tendências que estão na moda, nesse prisma, destaca-se o Morro do Vidigal, que se tornou
“cool” com uma série de espaços “gourmets”, abrangendo restaurantes, casas de Jazz e hotéis
com vista panorâmica para praia. Ao mesmo tempo, esses visitantes desejam diferenciar-se
das pessoas que apenas visitam os pontos turísticos tradicionais da cidade. Além de visitar
lugares considerados mais “exclusivos”, eles estariam se distinguindo dos turistas
convencionais por demonstrarem terem uma maior “preocupação social” com pobre, ao se
mostrarem dispostos a visitar os “territórios da pobreza”, “agregando pontos” no “mercado de
bens simbólicos” que configura os processos de distinção (BORDIEU, 2007).

A fascinação pelo Outro é tamanha que em um “Tour fotográfico” promovido pelo


guia Pedro – em 2014 – atraiu 94 pessoas. Esse evento fazia parte as comemorações do
aniversário do bairro de Botafogo. Um “batalhão” de pessoas visitaram a localidade por cerca
de três horas e fotografaram “cada metro quadrado” da Favela Santa Marta (ver Figura 26).
Freire-Medeiros (2009) cita Walter Benjamin para evidenciar que no início da década de 1930
o autor considerava que a fotografia havia conseguido transformar até mesmo a pobreza mais
abjeta em um objeto de apreciação.

254
Figura 26 – Tour Fotográfico na Favela Santa Marta

Esse tour foi organizado por um guia local e contou com a participação de 94 pessoas.

Fonte: Favela Santa Marta Tour (2014).

Mas não é apenas a favela que está na mira das câmeras fotográficas dos turistas, os
moradores também estão. Na Favela Santa Marta foi colocada uma placa com os seguintes
dizeres: “Proibido Tirar Foto”, em meados de 2012. A placa foi colocada após uma reunião
entre moradores e os agentes promotores do turismo no local. Os moradores relataram grande
desconforto com a presença de turistas e suas câmeras. Alguns moradores não gostam nem de
serem filmados em reportagens televisivas.

Entramos – pesquisador, turistas e uma equipe da TV Globo/ programa Profissão


repórter – todos no bonde, quando descemos na primeira estação do plano inclinado
um homem branco, corpulento e de cabelos longos e grisalhos começou a gritar com
Carambola: “Eu já avisei que não queremos que filmem a gente, pode parar com
isso”. Parece que teria ocorrido uma reunião na Associação de Moradores em que
ficou decidido que não seriam permitidas as filmagens dos moradores. A partir desse
momento a câmera da equipe do programa Profissão Repórter teve que ser desligada
(Diário de Campo. Pesquisa de campo, 2015).

Um moradora da Favela Santa Marta (negra, 43 anos) relatou que não gosta que os
turistas tirem fotos dela, pois não sabe qual será o destino delas,

255
Antigamente eles chegavam e ficavam tirando foto. Isso daí realmente não é certo.
Porque se você for no país deles, eles não gostam que fiquem tirando fotos deles...
querem entrar na justiça, dizem que não pode, porque estão usando a sua imagem,
então realmente não gostam. Tem criança que fala, tira a minha foto, mas eles não
têm maldade nenhuma, tá entendendo? Agora gente adulta já não gosta, vai tirar
minha foto pra quê? Vai levar minha foto pra onde? As pessoas ficam meia que
cismadas. Eu também não gosto (moradora da Favela Santa Marta. Pesquisa de
campo, 2017).

Ao analisar fotoblogs relacionados ao “turismo de favela”, Palloma Menezes (2007)


destacou que os que os turistas fotografaram uma série de elementos da Rocinha que podem
ser categorizados da seguinte maneira: as casas (205 fotos), os moradores (150 fotos), as ruas
(84 fotos), a infra-estrutura da favela (61 fotos), a vista da Rocinha (43 fotos), bichos e plantas
(43 fotos), o comércio (38 fotos), aspectos relacionados ao turismo (38 fotos), paredes da
favela (37 fotos) e atividades relacionadas à cultura e lazer (11 fotos). A autora avaliou que a
maior parte dos moradores não se importa de ser fotografada pelos turistas e os poucos que
não gostam de serem fotografados mencionaram a timidez e vergonha como justificativa.
Contudo, parte dos moradores que concordam em serem fotografados exigem que os turistas
paguem uma quantia em dinheiro, pois seria uma maneira “justa” de serem recompensados
pelo uso da imagem. Na obra “Vida para consumo”, Zygmunt Bauman (2008) disserta sobre a
conversão das pessoas em produtos, considerando que “na sociedade de consumidores,
ninguém pode se tornar sujeito sem primeiro virar mercadoria” (BAUMAN, 2008, p. 20).
Nesse sentido, a vida cheia de privações de muitos moradores de favela faz com que eles se
utilizem de práticas inusitadas para ganhar dinheiro, o que inclui a venda da própria imagem.

Destarte as diferentes percepções dos moradores em relação a fotografia, de maneira


geral os empreendedores locais recomendam aos turistas que evitem fotografar os residentes.
Isabela afirmou que no trabalho em que desenvolve enquanto guia, sempre teve uma
preocupação grande em relação à fotografia. Ela costuma aconselhar os turistas antes dos
tours, afirmando que “muitas coisas aqui vocês não vão poder registrar, não pode tirar foto,
então vocês vão ter que capturar isso com o olhar de vocês, vocês não vão poder fotografar”.
Tal recomendação visa respeitar a privacidade dos moradores, como também, evitar
problemas com os traficantes da favela.

Cabe destacar que o modo como a favela é representada por quem a fotografa é um
campo em disputa e os moradores do Santa Marta buscaram tensionar as relações de força ao

256
seu favor ao criarem a Agência Olhares do Morro. De acordo com seu idealizador, Vicent
Rosenblatt, esse projeto social tem o objetivo simbólico de “introduzir nos veículos de
comunicação outras imagens e olhares, diferentes dos clichês da violência que são
dominantes. Conquistar um espaço para representações do cotidiano e da cultura” 64. Esse
projeto social tem os jovens favelados como público-alvo (ver Figura 27).

Figura 27 – Imagens da Agência Olhares do Morro

À direita, uma criança acaricia a barriga da mãe grávida. A imagem ao lado mostra um garoto sendo fotografado
durante um salto.
Fonte: Agência Olhares do Morro (2018)

As questões relacionadas à fotografia e a pobreza turística abrem espaço para análises


das perspectivas morais que envolvem o “turismo de favela”. O desejo de ver pessoas
vivendo na pobreza enseja a análise das dimensões éticas desse tipo de turismo. Em Distant
Suffering: Morality, Media and Polítics, Boltanski (2004), analisa as práticas modernas
relacionadas às políticas de reconhecimento do sofrimento alheio (particularmente das classes
mais populares, pobres e operários) e a partir dos pressupostos teóricos de Adam Smith,
disserta sobre a “moral do espectador” que observa a representação da alteridade. O autor
considera que o espectador é sempre cobrado publicamente a ter uma simpatia pelas pessoas
que passam por uma situação de sofrimento, entretanto, as chamadas redes digitais
possibilitam que o sujeito observe o sofrimento do Outro, mas ao mesmo tempo mantenha
uma posição de distanciamento em relação à alteridade. No “turismo de favela” o processo é
inverso, já que o visitante busca estabelecer certo tipo de contato com o Outro.

64
Agência Olhares do Morro. História. Disponível em: < http://www.olharesdomorro.org/uma-
historia/2/#.Wqm6eWrwbIU> . Acesso em 14/01/2018 às 9:31.
257
A busca por um “outro mundo” do Rio de Janeiro tem como pano de fundo uma
alteridade racializada que represente a “autêntica cultura brasileira”. O processo que conforma
a favela como um local a ser fantasiado compreende a estrutura radical do estereótipo. A
favela e seus moradores estão presos em uma estrutura binária, a qual é dividida entre dois
extremos opostos. De um lado a favela é retratada como “berço do samba”, com pessoas
solidárias que possuem grande senso de comunitário. Por outro lado, a favela também é
representada como lócus do mal e os favelados como bandidos. Dessa forma, o significado de
favela e favelado transita por entre esses dois polos de forma interminável, sendo que muitas
vezes são figurados ao mesmo tempo com esses dois tipos de representação.

“O ponto importante é que os estereótipos referem-se tanto ao que é imaginado,


fantasiado ao que é percebido como real e as reproduções visuais das práticas de
representação são apenas metade da história” (HALL, 2016, p. 200). Muitos turistas que vão
até as favelas criam a sua própria favela imaginária a partir das representações, filmes como
“Cidade de Deus” têm o poder de instigar o telespectador, porém, após esse primeiro contato
visual, os turistas passam a fantasiar com o “Outro” e percorrem um campo social cheio de
conflitos para suprir as suas fantasias.

Conforme Menezes (2007) os turistas que visitam as favelas costumar fotografar


pessoas negras, pois elas se enquadram no estereótipo “favelado/ preto/ pobre”. Tal percepção
fica evidente a partir do relato de uma moradora entrevistada por ela: “Uma vez quando meu
filho era mais novo, (alguns turistas) quiseram tirar foto dele, quando eu cheguei com ele,
(que é branco), eles não quiseram, porque eles queriam um neguinho” (MENEZES apud
FREIRE-MEDEIROS, 2009, p.108).

No livro Colonial Desire, Robert Young examinou conceitos relacionadas à raça,


cultura, civilização, diferença e sexualidade. Ao analisar o colonialismo inglês, Young (1995)
concluiu que o “desejo colonial” se tratava de uma obsessão secreta, e ao mesmo tempo
insistente com o transgressivo, o sexo inter-racial e a miscigenação. Para o autor, os debates
sobre as “teorias de raciais” no século XIX estabeleciam a possibilidade ou impossibilidade
dos hibridismos, focado explicitamente na união sexual entre brancos e negros e chegou a
constatar que as “teorias raciais” foram na verdade dissimuladas “teorias de desejo”. Dessa
forma, o “Outro” ao mesmo tempo em que desperta o desejo colonial pelo contato e interação,
provoca repulsa por ser considero inferior, assim, desejo e repulsa são constructos
ambivalentes que se encontram em permanente tensão.

258
Segundo Brito (2013), a própria representação pública da favela nos meios de
comunicação normalmente recebe um tratamento ambíguo. Em determinados momentos se
ressalta a violência, a “sexualidade exacerbada” manifestadas nos bailes funks e o desprezo
que a sociedade tem pela favela e pelos que lá habitam. Já em outros momentos, tem-se uma
exaltação desmedida, por meio de novelas e reportagens que mostram todo o “progresso” que
lá existe, sob a ótica do consumo e do empreendedorismo dos pobres, como se essas
populações não vivessem processos de extermínio e exclusão sistemática.

Ainda segundo o autor, essa confusão acontece em virtude de os meios de


comunicação atuarem de forma distinta em relação ao conteúdo e a forma social contida
naquilo que é conhecido como favela. De um lado a mídia tem profunda ojeriza dos
moradores dessas formas habitacionais e sobretudo, o seu significado socioeconômico – a
fratura social e racial exposta na condição de um grupo que sofre elevados níveis de
exploração, exclusão e violência – de outro lado, como um secular espaço de socialização, de
construção de uma cultura popular e de uma experiência habitacional espontânea, a favela é
reduzida a uma forma a ser assimilada culturalmente: como é típico na cultura moderna, acaba
separada de seu contexto social de origem (BRITO, 2013).

Laura, a turista da Inglaterra, demonstra grande fascínio pelas favelas, tanto interesse a
fez hospedar-se em três favelas – Pavão-Pavãozinho, Babilônia e Rocinha – e quando
indagada sobre o motivo de tanto interesse ela relatou: “Como eu te disse... sou a “garota da
favela”. Sério! Eu não sei porque eu estou tão fascinada pelas favelas, mas eu estou. Elas são
bonitas”. Mas em outra oportunidade ela fez uma explanação sobre o “Brexit” – referendo
que decidiu que o Reino Unido não deveria mais ser membro da União Europeia. Ela afirmou
que votou a favor da saída da Inglaterra da zona do euro, pois o país já não suportava mais
sustentar tanta “gente de fora” – sobretudo, do leste europeu – achava injusto pagar impostos
que não sejam retornados em proveito do povo britânico e que os serviços públicos estavam
se deteriorando, citando como exemplo, os hospitais abarrotados de pessoas. Parece que ao
mesmo tempo em que Laura deseja ter contato com o “Outro”, deseja manter certa distância,
nesse sentido, pode-se supor o “favelado” apenas seria um “objeto fascinante” se
permanecesse em seu “habitat natural”.

Mas que tipo de elemento vincularia o turista com o Outro? Nessa perspectiva, é possível
evidenciar que no “turismo de favela” o dinheiro engendra uma associação entre pessoas que
normalmente estão circunscritas em realidades completamente díspares: o favelado e o turista.

259
Para Simmel (2009), a impessoalidade do dinheiro permite, de fato, o despontar de uma ação
comum de indivíduos e grupos diferentes, que em outros âmbitos acentuariam com nitidez sua
separação e reserva.

Isabela afirma que apesar de não aprovar o desenvolvimento do turismo nas favelas do
Rio, ela desempenha o trabalho de guia por causa do dinheiro, pois não encontrou outras
possibilidades de auferir renda. Margarita Barreto (2003) acredita que certos habitantes dos
lugares turísticos que se beneficiam economicamente com a presença dos turistas não estão
precisamente interessados em receber os visitantes, “mas o dinheiro dos turistas. Os turistas
passam a ser um mal necessário. Mal porque sua presença incomoda; necessário porque seu
dinheiro faz falta” (BARRETO, 2003, p.26). Isabela desabona o “turismo de favela” porque
acredita que essa atividade econômica romantiza a favela e a configura como um lugar
maravilhoso: “Você quer morar na favela? Porque tudo nela ainda é negativo e não mudou
muita coisa, então parem com esse discurso de que morar na favela é legal, morar na favela
é legal o caramba! Então vem para cá, você fica aqui”.

Porque eu na verdade não gosto do Favela tour, como eu sou um negócio social,
porque a proposta do meu trabalho é desconstruir a imagem estereotipada da favela e
muita gente quando faz o “turismo de favela” exotiza e romantiza ainda mais, a
coisa da favela, então é um movimento na verdade contrário. Só que eu não sei se as
pessoas conseguem entender isso (Entrevista com Isabela. Pesquisa de campo,
2017).

A fala de Isabela fica evidenciado que os guias preferem retratar a atividade que
desenvolvem como um “negócio social”. Carambola avalia que os moradores de favela
empreendem “por uma causa” que estaria relacionada ao bem comum, isto é, mudar a
percepção negativa que as pessoas possuem em relação aos “territórios da pobreza”. Henrique
avalia que o “bem comum” do turismo de favela estaria relacionado com o fato dos moradores
fazerem o dinheiro circular pela favela e desse modo, todos beneficiarem com o turismo.

Porque a gente leva os turistas nas lojas de souvenir, nas biroscas, levamos para
almoçar no restaurante, leva na escola de samba. A gente faz com que a moeda
circule aqui na favela. Isso é bom! A partir do momento que a gente contrata um
guia que é aqui da favela, a gente dá apoio a Associação dos Moradores. A gente
recebe o apoio deles, então, nós damos uma contribuição em dinheiro. Aí todo
mundo fica feliz, todo mundo ganha. (Entrevista com Henrique. Pesquisa de campo,
2016).

260
“A gente cobra por esse passeio, então parte do dinheiro vai para Associação dos
Moradores, é um turismo sustentável de base comunitária” completa Henrique. A relação que
os guias locais possuem com a Associação de Moradores é controversa, pois, se por um lado
os guias consideram que estão contribuindo com a favela ao repassarem determinada quantia
de dinheiro para a associação, por outro, essa ação mina a “política na favela” e qualquer
avaliação crítica por parte da entidade em relação ao trabalho desenvolvido pelos guias.
Afinal, quando o dinheiro vai para a associação, “todo mundo fica feliz”, como bem enfatiza
Henrique.

Freire-Medeiros (2009) avalia que quando se faz a associação entre dinheiro, moral,
lazer e miséria, usualmente, provoca-se um “mal-estar” nas pessoas. Mas com seu estudo ela
objetivou fugir do senso comum, considerando que não é possível culpar o “turismo de
favela” pela pobreza. Segundo a autora, torna-se necessário superar as posições extremas:
tanto a que “aposta em sua promoção como saída parcial ou total para os males das
localidades em desvantagem econômica quanto [...] a que indica uma suposta imoralidade
inscrita na comercialização da pobreza pela via do turismo e prefere ignorar a sua existência”
(FREIRE-MEDEIROS, 2009, p. 147).

Contudo, pode-se destacar também que a racionalidade neoliberal possui grande


afinidade com a produção da favela turística e seus empreendedores, pois o neoliberalismo
tende a celebrar as diferenças geradas pelo capital, enquanto silencia os movimentos de
reivindicação direcionados a uma melhor redistribuição econômica. Nesse sentido, percebe-se
que por meio da favela turística os dispositivos governamentais buscam construir “novas
molduras” para o conflito social ao mesmo tempo em que sugerem aos moradores dos
territórios que a pobreza deve ser utilizada pelos mesmos enquanto substrato de uma ilusória
“emancipação econômica”, quando na realidade o dispositivo neoliberal tende a reforçar a
responsabilidade do favelado em relação a seu próprio destino.

261
262
CONSIDERAÇÕES FINAIS

Na última década, diversos foram os moradores de favela que reconfiguram as suas


trajetórias, ressignificaram seus desejos e buscaram no “empresariamento de si” um meio pelo
qual poderiam conseguir realizações relevantes em suas vidas. Mas ao invés de considerar
esse processo como algo “libertador”, com a presente tese, foi possível evidenciar que o
processo relativo à constituição dos favelados em sujeitos empreendedores foi regido por um
aparato de regulação. Nessa perspectiva, esses sujeitos foram delineados por um complexo
conjunto de normas, relações de poder, práticas e conhecimentos que perfizeram um
dispositivo. Agambem (2005) afirma que não seria equivocado definir a fase extrema da
consolidação capitalista contemporânea como uma enorme acumulação e proliferação de
dispositivos. “Certamente, desde que apareceu o homo sapiens havia dispositivos, mas dir-se-
ia que hoje não haveria um só instante na vida dos indivíduos que não seja modelado,
contaminado ou controlado por algum dispositivo” (AGAMBEM, 2005, p.13).

O estudo buscou analisar a soma de mecanismos que “convidaram e incitaram” os


moradores de favela a fazerem parte de um processo civilizatório por meio da realização de
um “trabalho sobre si”. Tais mecanismos tiveram como ponto aglutinador o dispositivo da
pacificação – formado por uma série de instituições governamentais e não governamentais –
em que a atuação policial teve um papel preponderante na reconfiguração dos “territórios da
pobreza”. Como ressalta Foucault (1987), a constituição do sujeito nas sociedades
disciplinares é forjada por meio de experiências delineadas pelos aparatos institucionais de
poder.

As discussões levantadas na tese permitiram concluir que a política de segurança


vinculada às UPPs não era homogênea, ou seja, possuiu efeitos diversos, a depender do
território onde as UPPs foram instaladas. Desse modo, a ideia de esboçar contornos
totalizantes sobre a pacificação representa uma tarefa desafiadora, uma vez que, a noção de
multiplicidade de efeitos se configurou em uma das marcas mais significativas da pacificação.
Essa política de segurança também nunca teve como objetivo abarcar todas as favelas
cariocas, sendo apenas implantadas em localidades consideradas estratégicas para a
realização de megaeventos – Copa do Mundo e Jogos Olímpicos – e consequentemente, para
a conformação do Rio de Janeiro enquanto uma city marketing, onde o que está à venda é o
263
próprio espaço urbano, o que abriria assim, o caminho para grandes investimentos da
iniciativa privada.

Assim, indaga-se agora, quais foram os efeitos de subjetividade do dispositivo da


pacificação? Destarte a “retirada das armas” e a redução dos conflitos armados, que podem
ser considerados resultados positivos do programa (CANO, 2012, MACHADO DA SILVA,
2010), a dimensão militar do dispositivo compreendeu uma biopolítica de gestão da vida
(ANDRADE, 2013, LEITE, 2015) – com as diversas regulações impostas pelos policiais –
abrangeu assim, o eixo das corporalidades e comportamentos, tentativas racionalizadas de
produzir uma relação particular no que tange a subjetividade dos moradores. Em outras
palavras, a vigilância hierárquica e normalizadora buscou instituir uma relação interna entre
os indivíduos e seus corpos, um controle disciplinar que o favelado deveria exercer sobre ele
mesmo.

O dispositivo da pacificação instaurou múltiplas formas de dirigir condutas e a ação


disciplinar sobre os corpos consistiu em um aspecto da elaboração de certo domínio do
funcionamento da subjetividade. É possível afirmar que os moradores tiveram que se adaptar
ao regime disciplinar das UPPs, com estratégias de não enfretamento e submissão, como bem
salientou Pedro que sempre dizia “Oi, Boa tarde, boa noite” para os policiais.
Os moradores enfatizaram que as regulações impostas pelos policias nos “territórios
da pobreza” acabaram por “matar a vida criativa na favela”, sobretudo, com as proibições
dos bailes funk. Assim, a UPP acabou por sujeitar os corpos a movimentos regulares, excluiu
assim, a agitação e a distração para impor uma hierarquia que influenciasse profundamente no
comportamento dos favelados. “Choque de ordem, ocupação das favelas, criminalização do
modo de vida e da cultura popular são as marcas características do poder público para as
regiões ocupadas” (FRANCO, 2013, p.119). Loïc Wacquant (2006) salienta que os efeitos da
estigmatização territorial também possuem reflexos em relação ao desenvolvimento das
políticas públicas. A partir do momento em que um lugar é publicamente etiquetado como
uma “zona de não-direito” (ou uma cité fora da lei), é fácil para as autoridades justificarem
“medidas especiais”.
Contudo, os moradores de favela não podem ser considerados como meros “sujeitos
passivos”, pois os mesmos em muitas vezes questionaram os abusos policiais, organizaram
protestos, sendo que até chegaram a expulsar policias “à base tijoladas”. A afirmação de
Michel Foucault de que o sujeito é um efeito das relações de poder e de saber não significa
que ele está submetido a uma força incontornável que predispõe os acontecimentos. Pensar
264
em “sujeitos livres” seria uma contradição em termos, já que sujeito é aquele que está sendo
sujeitado, porém, mesmo sendo sujeitados os indivíduos possuem um campo de possibilidade
para várias condutas e diversos comportamentos (CASTANHEIRA, CORREIA, 2017).

Entretanto, a configuração dos favelados enquanto “sujeitos livres” não pode mascarar
o fato de que nas favelas pacificadas sempre existiu uma “desigualdade nas relações de
poder” e que a imposição hierárquica do policial se fazia valer na maior parte do tempo. Por
meio da construção de um ambiente de permanente controle, o dispositivo da pacificação
atuou dentro de uma dinâmica que envolvia a captura – resistência – recaptura, tendo como
objetivo derradeiro a normalização do favelado, isto é, a produção de “novos sujeitos”
vinculados a uma dada “ordem civilizadora”.

“Mas a pacificação foi tipo assim: vai lá e faz pô! Você tem que fazer diferente,
entendeu? Aí, todo mundo teve que fazer diferente”. Com essa afirmação, Carambola perfaz a
UPP como uma potente maquinaria capaz de impor um novo modo de ação ao indivíduo
considerado “incivilizado”. O dispositivo da pacificação funcionou como um aparato
disciplinar exaustivo, que buscou abranger todos os aspectos do favelado, sua aptidão para o
trabalho, seu comportamento cotidiano, sua atitude moral e suas disposições. O dispositivo
esquadrinhou a população favelada na medida em que orquestrou de forma calculada as
atividades dos moradores sob uma racionalidade prática dirigida a certos objetivos,
maximizou assim, certas capacidades e restringiu outras.

É relevante destacar que o modelo de policiamento que circunscreveu as UPPs, apesar


dos inúmeros problemas e limitações, produziu fissuras no modelo militarizado hegemônico,
que sempre foi caracterizado por gerar exacerbada violência. O término da referida política de
segurança deveria indicar – em um plano ideal – a desterritorialização das favelas enquanto
“território de UPPs” para que, em seguida, as mesmas fossem incorporadas como bairros
normalizados à cidade. Contudo, observou-se que a “retórica da paz” foi suplantada por ações
e discursos – irradiados pelos promotores da intervenção federal no Rio – que corroboraram
para a disseminação da barbárie como modo de “instituir” a lei a ordem, potencializando
assim, o fortalecimento das bases de uma nefasta necropolítica65.

O estudo também argumentou que para além da normalização e naturalização do


policiamento permanente e do discurso do controle, a pacificação forneceu esperanças quanto

65
A necropolítica se refere a “destruição material dos corpos e populações humanas julgadas como descartáveis
e supérfluos” (MBEMBE, 2012, p. 135).
265
a chegada e efetivação dos direitos sociais. A retórica dos aparatos governamentais apresentou
a implantação das UPPs como uma “primeira etapa” que, uma vez consolidada, possibilitaria
a inserção de outras atividades estatais voltadas à oferta de bens de cidadania. O programa
UPP Social representou a possibilidade da “chegada dos direitos” às favelas ocupadas, mas
uma mudança em sua perspectiva original fez com que o escopo de uma política de direitos
fosse esvaziado. Nesse panorama, é importante destacar que os sujeitos de direitos socias são
qualificados em razão de uma situação particular que ocupam, isto é, em função da forma
como eles são caracterizados enquanto grupo pelos aparelhos governamentais.
Historicamente, os favelados são figurados como sujeitos de não-direitos, sendo assim, uma
mudança no que tange à inferência institucional em relação a esse grupo social em um curto
espaço de tempo seria muito difícil.

Além disso, destaca-se que o desenvolvimento de uma política de direitos envolve


mudanças estruturais no âmbito federal, sobretudo, uma maior alocação dos recursos do
orçamento público para as políticas sociais em detrimento da alocação de recursos destinados
ao pagamento de uma dívida pública jamais auditada.

Se o desenvolvimento de política de direitos não foi executado, a alternativa


encontrada pelos dispositivos gestionários foi incentivar a inclusão produtiva via
empreendedorismo. O “empresariamento de si” nas favelas pacificadas teve como destaque o
desenvolvimento de negócios ligados, principalmente, ao consumo de certos aspectos
simbólicos da vida cotidiana das favelas (BOTELHO, 2013). A percepção do autor se
relaciona com o fato de que o processo de transformação da favela enquanto “bem cultural”
destinado ao consumo de turistas e visitantes se intensificou depois da pacificação. A
turistificação dos territórios, contudo, não compreendeu todas as favelas do Rio de Janeiro,
mas sim, apenas aquelas que possuíam características consideradas “singulares”. As favelas
da Zona Sul levaram imensa vantagem em relação as demais em virtude da localização
estratégica que as mesmas possuem dentro do circuito turístico da cidade.

Além do “fator localização”, os territórios de Santa Marta, Morro dos


Cabritos/Ladeira dos Tabajaras, Pavão-Pavãozinho, também tiveram vantagem em seu
delineamento enquanto atração turística, em virtude dos conflitos armados – entre traficantes
e polícia – não serem tão frequentes (embora atualmente essas localidades passem por grande
instabilidade no que tange a segurança). Essa vantagem fica evidente quando se compara tais
localidades com o Complexo do Alemão, que após um curto “efeito paralisante” propiciado

266
pela instalação da UPP – que segundo os moradores durou dois anos – configurou-se na
percepção pública, como um local a “ser evitado”, em virtude dos tiroteios rotineiros. E foi
possível observar que por mais paradoxal que possa ser, o clima de “intensa instabilidade”
serviu de “chamariz” para diversos turistas, sobretudo estrangeiros, que ficaram fascinados
por estarem em cenários de “hiper-realidade”. Destaca-se que, nas últimas décadas, os
conflitos das favelas foram exaustivamente retratados em representações fílmicas mediadas
por redes socio técnicas (LATOUR, 2012), em um cenário em que as novas tecnologias foram
fundamentais na conformação, circulação e comercialização do “produto favela” (FREIRE-
MEDEIROS, 2009).

A presente tese também evidenciou que o papel exercido pelas instituições


governamentais e não governamentais foram essenciais na constituição da “favela-pacificada-
turística”, desde a criação de políticas de incentivo ao turismo à implantação de dispositivos
de normalização que visaram conformar os moradores de favelas enquanto empreendedores
turísticos. Assim, foi possível observar que nas favelas pesquisadas o Sebrae teve um papel
importante no direcionamento dos negócios dos moradores. Ele auxiliou os mesmos na
identificação das potencialidades da favela, como também, no estabelecimento de um “cálculo
responsável”, tanto em relação ao empreendimento, quanto em relação à vida dos residentes.
Essa dinâmica foi instituída por meio de uma série de cursos, feiras e gincanas.

Na visão dos moradores, o Sebrae representou uma das poucas instituições que
poderiam ser decisivas na transformação de suas vidas, já que grande parte deles são
destituídos da possibilidade de inclusão social por meio da obtenção de um trabalho
assalariado que garanta uma remuneração digna com uma ampla proteção de direitos.
Notadamente, essas pessoas são destituídas – pela ausência de capital cultural incorporado
(BOURDIEU, 2007) – da condição de disputarem colocações em espaços de poder e
prestígio. Assim, muitos moradores de favela vislumbraram no “empresariamento de si” uma
forma de inserção no mercado de trabalho, como bem salientou Tomasi e Velazeo (2013). A
pesquisa abordou inúmeros moradores, dentre eles: ex-presidiário, ex-beneficiária do bolsa
família, assalariados de baixa renda e desempregados. Todos eles possuem suas
especificidades, mas têm em comum o fato de vivenciarem a vulnerabilidade social e de
enxergarem no empreendedorismo uma forma de encontrar um “lugar ao sol”.

Essas pessoas são obrigadas a “se virarem” como podem e o “turismo de favela”
representou uma possibilidade de obterem alguma ocupação profissional. Observou-se então o

267
surgimento de guias de turismo, vendedores de souvenires, proprietários de pequenos
restaurantes e lanchonetes, como também, pessoas que transformaram as lajes de suas casas
em “espaços culturais” com o intuito de receber turistas. A lógica de ação desses
empreendedores compreendeu o ato simbólico de “arregaçar as mangas”, tornaram-se assim,
“protagonistas do seu destino”.

Contudo, os moradores percorreram esse caminho porque, antes de tudo, houvera uma
estruturação dos seus campos de ação por um conjunto de dispositivos. Notou-se que o
empreendedorismo circunscreveu uma linguagem relevante para articulação de uma
racionalidade política e o que a pesquisa cunhou como dispositivo da pacificação teve um
papel fundamental na catalisação da racionalidade neoliberal nas favelas cariocas. O
dispositivo acompanhou e orientou o desejo individual, agiu assim, sobre as “antecipações
imaginárias” de diversos favelados. É preciso destacar que pacificação catalisou algo que já
era existente na favela, pois a processo de subjetivação da forma empresa é hegemônico e
como ressalta Valladares (2005), é infrutífero pensar que certas dinâmicas sociais são
exclusivas das favelas.

Mas qual seria o propósito da expansão da lógica neoliberal nas favelas pelos aparatos
de poder? Como bem frisa Foucault (2008b), a “condução das condutas” sob essa perspectiva
possibilita à racionalidade política governar de modo mais avançado com a promoção de um
leque de mecanismos indiretos que produzem governos de si mesmo. Nesse sentido, é
possível afirmar que o dispositivo da pacificação criou maneiras pelas quais os favelados
vieram a compreender e realizar coisas em relação si mesmos. O trabalho argumentou que a
pacificação teve um papel fundamental na constituição de um regime de subjetividade nas
favelas cariocas, que por sua vez, abrangeu somente os favelados considerados normalizáveis.

A constituição de um “favelado ativo” compreendeu a estratégia pela qual o


dispositivo encontrou para produzir uma espécie de “processo civilizatório” governando
sujeitos pela promoção de autogovernos. “Não é porque hoje com o enfraquecimento das
UPPs no Rio de Janeiro que você tem que deixar de fazer diferente, você tem que continuar a
fazer diferente sempre na sua vida, nos seus negócios”. Por meio desse discurso do
Carambola, é possível destacar o relevante papel que o dispositivo da pacificação teve na
entrada de um ex-assaltante ao “mundo da ordem legítima” e como esse mesmo dispositivo
produziu autogovernos. “Precisamente, a grande inovação da tecnologia neoliberal é
diretamente vincular a maneira como um homem é governado à maneira como ele próprio se

268
governa” (DARDOT, LAVAL, 2016, p.333). Nesse sentido, “fazer diferente” pode
representar o que Leite (2015) evidencia como “retirada da favela si” – ou seja, todos os
aspectos da vida que os dispositivos gestionários consideram incivilizados – o que autora
destaca como um dos principais objetivos da pacificação ao promover a gestão da vida nesses
territórios.

Percebe-se então que a racionalidade empresarial possui a “vantagem” de unir todas as


relações de poder na trama de um mesmo discurso, com isso, ela consegue promover a
unificação de diferentes regimes de existência. O vocabulário do empreendedorismo (ROSE,
2011) permitiu que dada racionalidade política fosse “traduzida” em tentativas de controle de
aspectos de existência social, econômica e pessoal que se mostraram problemáticos.

Outra questão importante a se levantar no estudo reporta-se a seguinte questão: a


dimensão mercadológica do dispositivo da pacificação teria promovido uma aquisição de
consentimentos em relação à dimensão militar? Nesse sentido, foi possível perceber que as
vantagens econômicas e a possibilidade de trabalho legitimaram, em parte, a presença dos
policiais nas favelas, como relatou um morador da Favela Santa Marta,

Olha, eu vou falar por mim, eu pessoa, trabalhador e morador. Eu nunca fui
destratado. Eu particularmente nunca fui. Mas eu já vi aqui muitos “revoltosos” que
“malham” a UPP, que colocam a UPP lá em baixo. Mas que estão ganhando o seu
dinheiro na comunidade e que estão trabalhando graças a UPP. Porque antes não
tinha turismo. Hoje eu trabalho graças a UPP (guia de turismo, 42 anos, Favela
Santa Marta. Pesquisa de campo, 2015).

“Fazer com que os favelados ganhem seu dinheiro” pode ser interpretado como uma
nova faceta do capitalismo brasileiro, isto é, investir na circulação do dinheiro na favela como
forma de mediar o conflito, reatualizando assim, a atuação dos dispositivos de poder nas
periferias (FELTRAN, 2014).

“Eu quero me livrar do trabalho formal a minha volta”, “Eu quero ter minha empresa,
porque nasci para comandar”, são discursos dos “empreendedores de favela” que
representam a incorporação das estratégias neoliberais de promoção da “liberdade de
escolher”. Contudo, ressalta-se que na maior parte do tempo os sujeitos não distinguem a
dimensão normativa que necessariamente lhes pertence. Em outras palavras, a “liberdade de
escolher” se relaciona com a obrigação de obedecer a uma conduta maximizadora que é

269
centro de um quadro “legal, institucional, regulamentar, arquitetural, relacional, que deve ser
construído para que o indivíduo escolha com toda liberdade o que deve obrigatoriamente
escolher” para seu próprio interesse (DARDOT, LAVAL, 2016, p. 216).

Nessa perspectiva, notou-se que a expansão da lógica neoliberal nas favelas cariocas
pode ter intensificado os processos relacionados a: (1) Individualização do destino e
culpabilização do pobre e (2) Precarização dos direitos e esvaziamento da esfera pública.

Com relação à Individualização do destino e culpabilização do pobre, é possível


destacar que o estimulo a inserção econômica dos moradores de favela via empreendedorismo
pode ter potencializado uma ideia vinculada a desresponsabilização do Estado em relação ao
destino do favelado, já que todos os infortúnios de sua vida poderiam ser justificados pelo fato
do morador não ter abraçado as “oportunidades da pacificação”.

Souza (2009) salienta que no Brasil se tem uma crença hegemônica ancorada no
economicismo. O ideal fundamental do economicismo se estrutura na percepção da sociedade
como sendo formada por um conjunto de homo economicus, isto é, agentes racionais que
calculam suas chances relativas na luta social por recursos escassos, com as mesmas
disposições de comportamento e as mesmas capacidades de disciplina, autocontrole e
autorresponsabilidade. Nesse olhar distorcido do mundo, o marginalizado social é percebido
como se fosse alguém com as mesmas capacidades e disposições de comportamento do
indivíduo da classe média, por exemplo. Por conta dessa visão, o miserável e sua miséria são
sempre classificados como contingentes e fortuitos, um mero acaso do destino, sendo a sua
“situação de absoluta privação facilmente reversível, bastando para isso uma ajuda passageira
e tópica do Estado para que ele possa andar com as próprias pernas. Essa é a lógica, por
exemplo, de todas as políticas assistenciais entre nós” (SOUSA, 2009, p.16).

Assim, como destaca Roxo e Grohmann (2014), a maioria das competências


necessárias para se vencer na vida passa a ser centrada na figura do indivíduo, que é celebrado
pelos seus acertos e culpabilizado por seus erros, sendo que essa ideologia meritocrática
centrada no indivíduo pode ser classificada como um modo de dominação, que oculta sua
faceta social como uma illusio ou uma “naturalização das práticas” (BOURDIEU, 2007).

Já com relação a precarização dos direitos e esvaziamento da esfera pública, muito


embora a favela seja notadamente caracterizada como um “zona de não direitos”, o processo
de individualização inspirada no ideário neoliberal e na lógica da flexibilização afetam as

270
formas de sociabilidade dos “indivíduos, principalmente quando consideramos o fenômeno da
precarização dos direitos vinculados à condição de assalariamento e a fragilização dos
vínculos sociais produzida pela crise do Estado como esfera provedora de bens públicos”
(BARBOSA, 2011, p. 126).

O estudo evidenciou que o fortalecimento do ethos empreendedor pode fragilizar o


ethos comunitário. Isso ocorre porque uma cultura do trabalho organizada em torno do par
“empregabilidade/empreendedorismo fere de morte os valores de solidariedade social tão
dificilmente institucionalizados sob a fórmula trabalho livre mas protegido”, tornando-se
assim, o centro do processo de legitimação ideológica da fragmentação social que, sob esse
ponto de vista, se tornaria irreversível (MACHADO DA SILVA, 2002, p. 105). A lógica
individualista da dinâmica neoliberal poderia catalisar processos de distanciação mútua
(WACQUANT, 2006) e aniquilar projetos coletivos que já se encontram enfraquecidos.

Hannah Arendt (1999) advoga que a esfera pública é constituída a partir do conceito
de política. E contrariando o conceito moderno de política, ela acredita que a política deve ser
pensada totalmente separada da lógica econômica e liberal. Tal pensamento parte do princípio
de que “uma esfera formada por indivíduos que afirmam e defendem interesses privados, nega
radicalmente esse nós que é a vida política” (FERREIRA, 2017). Assim, a gestão desses
territórios compreendeu uma racionalidade governamental cujas práticas fazem com que – a
perspectiva da figura de um “cidadão” amparado por uma responsabilidade coletiva –
desapareça pouco a pouco, para dar lugar ao “sujeito empreendedor”, um sujeito ao qual a
sociedade “não lhe deve nada”, aquele que “tem que se esforçar para conseguir as suas
coisas”.

Assim, o ideário da ação pública em relação aos moradores de favela não seria
conformá-los como sujeitos de direitos, mas sim, como atores empreendedores que fazem os
mais variados contratos privados com outros atores empreendedores. Longe de ser “neutra”, a
reforma gerencial da ação pública atenta diretamente contra a lógica democrática da cidadania
social, “reforçando as desigualdades sociais na distribuição dos auxílios e no acesso aos
recursos em matéria de emprego, saúde e educação, ela reforça as lógicas sociais de exclusão
que fabricam um número crescente de subcidadãos e não cidadãos” (DARDOT E LAVAL,
2016, p. 381).

Pode-se considerar que dispositivo da pacificação forjou os favelados como seres que
possuem uma ampla gama de capacidades e possibilidades, ao mesmo tempo que impôs
271
fardos e decepções. Tal processo foi notado nas entrevistas que o pesquisador desenvolveu
com Carambola, na primeira (2015), ele se configurava com um “empreendedor de sucesso”,
na segunda (2017), retratou-se como um empresário endividado que sofre para pagar a conta
correspondente aos investimentos que não deram o retorno esperado. Esse mesmo processo de
“desilusão” em relação ao empreendedorismo foi notado que aconteceu com outros
moradores.

Em virtude dos riscos e angustias que os sujeitos enfrentam no empreendedorismo,


considera-se a crítica como uma importante ferramenta de avaliação de si e do entorno social,
sendo que ela seria o melhor meio para a construção de uma prática política inteiramente
condizente com o discurso humanitário, como também, com sujeitos políticos autônomos e
não normalizados. Parece então, que o trabalho crítico pode evitar que os grupos sociais sejam
conduzidos conforme as conveniências dos aparelhos biopolíticos, que sempre favorecem o
aumento de sua potência, ao invés de respeitarem a condição dos indivíduos enquanto
“sujeitos autônomos capazes de exercer uma atitude de conduta transgressiva ao discurso
subjetivante muitas vezes praticado por um conjunto de dispositivos” (BARROS, 2010, p.
15).

Enquanto a ação dos dispositivos de normalização e gestão se encontrar longe de ser


reconfigurada, como também, enquanto esses dispositivos não tiverem como norte o
desenvolvimento de uma ampla política de direitos, caberá aos moradores de favela, então,
somente a resistência.

272
REFERÊNCIAS

ABRÃO, Janete. Banalização da morde na cidade calada: A hespenhola em Porto Alegre,


1918. Porto Alegre: EDIPUCRS, 1998.

ABREU, Maurício de Almeida. Reconstruindo uma história esquecida: origem e expansão


inicial das favelas do Rio. Espaços e Debates, São Paulo, v.14, n.37, p. 34-46, 1994.

AGAMBEN, Giorgio. O que é um dispositivo. In: AGAMBEM, Giorgio. O que é o


contemporâneo? E outros ensaios. Chapecó: Argos, 2005.

ALBERNAZ, Elizabete, CARUSO, Haydée, PATRÍCIO, Luciane. Tensões e desafios de um


policiamento comunitário em favelas do Rio de Janeiro. São Paulo em Perspectiva, v. 21,
n. 2, p. 39-52, jul./dez. 2007.

ALMEIDA, Rafael. Favelas do Rio de Janeiro: A geografia histórica da invenção de um


espaço. Tese de doutorado. Programa de Pós-graduação em Geografia da UFRJ. Ano: 2016.

ALVES, Maria Helena, EVANSON, Philip. Vivendo no Fogo Cruzado. São Paulo: Editora
Unesp, 2012

ANDRADE, Vanessa. A política de pacificação e povo da favela. Dissertação de mestrado.


Programa de Pós-Graduação em Psicologia do Departamento de Psicologia da Universidade
Federal Fluminense. Ano: 2013.

ARENDT, Hannah. Origens do Totalitarismo. São Paulo: Companhia das Letras, 2009.

_______________. O que é política? Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 1999.

AUGÉ, Marc. Não-Lugares: Introdução a uma antropologia da sobremodernidade.


Lisboa: Venda Nova, 1994.

BALLARINI, Daniel. "Favela chique": um estudo sobre o processo de elitização das


opções de lazer e os locais de sociabilidade da favela Santa Marta pós-UPP. Dissertação
de mestrado. Programa de Pós- graduação em Sociologia. UFF, 2014.

273
BARBOSA, Attila. O empreendedor de si mesmo e a flexibilização no mundo do
trabalho. Rev. Sociol. Polít., Curitiba, v. 19, n. 38, p. 121-140, fev. 2011.

BARBOSA, Gabriel. A Favela Santa Marta e seus guias de turismo: identidade,


mobilização e conflito. Revista Iberoamericana de Turismo– RITUR, Penedo, Vol. 5,
Número Especial, p. 169 – 179, abr. 2015.

BARREIRA, Marcos. Cidade Olímpica: sobre o nexo entre reestruturação urbana e violência
na cidade do Rio de Janeiro. In: In: BRITO, Felipe; OLIVEIRA, Pedro (orgs). Até o último
homem: visões cariocas da administração armada da vida social. São Paulo: Boitempo,
2013.

BARREIRA, Marcos, BOTELHO, Maurílio. O Exército nas ruas: da Operação Rio à


ocupação do Complexo do Alemão. Notas para uma reconstituição da exceção urbana. In:
BRITO, Felipe; OLIVEIRA, Pedro (orgs). Até o último homem: visões cariocas da
administração armada da vida social. São Paulo: Boitempo, 2013.

BARRETO, Margarita. Manual de Iniciação ao estudo do turismo. São Paulo: Papirus,


2003.

BARROS, João Roberto. Crítica e direitos dos homens em Foucault: Biopolítica, potência
do Estado e direitos humanos. Artigo, 2010. Disponível: < CRÍTICA E DIREITOS DOS
HOMENS EM FOUCAULT: Biopolítica, potência do Estado e direitos humanos >. Acesso
em 20/03/2018 às 14:05.

BAUMAN, Zygmunt. Vida para consumo: a transformação das pessoas em mercadoria.


Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editora, 2008

BATISTA, Vera. O Alemão é mais complexo. Artigo, 2011. Disponível em:


<http://gajop.org.br/justicacidada/wp-content/uploads/O-Alem%C3%A3o-%C3%A9-muito-
mais-complexo.pdf>. Acesso em 23/12/2016 às 18:40.

BECK, Urich, GIDDENS, Anthony, LASH, Scott. Modernidade reflexiva: política,


tradição e estética na ordem social moderna. São Paulo: Editora Unesp, 1995.

BELTRAME, José. Entrevista ao O Globo. Beltrame sobre 5 anos de UPP: Daqui a 20


anos, o que será da favela. O Globo, 2011. Disponível em:
<https://oglobo.globo.com/rio/beltrame-sobre-5-anos-de-upp-daqui-20-anos-que-sera-da-
favela-11056774> . Acesso em 20/10/2016.
274
BOLTANSKI, Luc. Distant Suffering: Morality, Media and Polítics: Morality, Media
and Politics. Cambridge: Cambridge University Press, 2004.

BORDIN, Marcelo. POLÍCIA COMUNITÁRIA: entre a retórica do estado e a prática


cotidiana. Vigilância, Segurança e Controle Social na América Latina, Curitiba, p. 349-368.
ISSN 2175-9596, Curitiba, março, 2009.

BORGES DOS SANTOS, Júlio. Os megaeventos, a política de pacificação e a


transformação da favela em commoditie. Artigo, 2014. Disponível em: <
http://megaeventos.ettern.ippur.ufrj.br/sites/default/files/artigos-cientificos/os_megaeventos
_a_politica_de_pacificacao_e_a_transformacao_da_favela_em_commoditie.pdf>. Acesso em
12/11/2017 às 19:09.

BOURDIEU, Pierre. What makes a social class? On the theoretical and practical
existence of groups. Berkeley Journal 01 Sociology, n. 32, p. 1-49, 1987.

_________________. A Distinção: Crítica Social do Julgamento. São Paulo: Edusp/Porto


Alegre: Zouk, 2007.

________________. O campo econômico. Artigo publicado na revista Actes de la Recherche


en Sciences Sociales, nº 119, setembro de 1997, p. 48-66. Tradução de Suzana Cardoso e
Cécile Raud-Mattedi.

BOTELHO, Maurílio. Crise urbana no Rio de Janeiro: favelização e o empreendedorismo dos


pobres. In: BRITO, Felipe; OLIVEIRA, Pedro (orgs). Até o último homem: visões cariocas
da administração armada da vida social. São Paulo: Boitempo, 2013.

BRANDÃO, André. Conceitos e coisas: Robert Castel, a “desfiliação” e a pobreza


urbana no Brasil. Emancipação, 2(1): 141-157, 2002.

BRETAS, Marcus. Observações sobre a falência dos modelos policiais. Tempo social. Rev.
Social, USP, São Paulo, 9 (1). 79-94, maio 1997.

BRUM, Mario. Favelas e remocionismo ontem e hoje: da Ditadura de 1964 aos Grandes
Eventos. O Social em Questão - Ano XVI - nº 29 – 2013.

275
BURGOS, Marcelo. Dos parques proletários ao Favela-Bairro: as políticas públicas nas
favelas do Rio de Janeiro. In:ZALUAR, Alba, ALVITO, Marcos (orgs). Um século de
favela. 4 ed. Rio de Janeiro: Editora FGV, 2004

________________. Favela e luta pela cidade: esboço de um argumento. In: Souza e Silva,
Jailson. O que é favela, afinal? Rio de Janeiro: Observatório de Favelas, 2009.

BRITO, Felipe. Considerações sobre a regulamentação armada de territórios cariocas. In:


BRITO, Felipe; OLIVEIRA, Pedro. Até o último homem – Visões cariocas da administração
Armada da Vida Social. Rio de Janeiro: Boitempo, 2013.

BUTLER, Judith. Vida Precária. Revista Contemporânea. Jan-Jun. Ano: 2011.

CAMARGO, Paula. As cidades, a cidade: politica, arquitetura e cultura na cidade do Rio


de Janeiro. Dissertação de Mestrado. FGV. Ano: 2011.

CANO, Ignácio. Os donos do morro: uma avaliação exploratória do impacto das


Unidades de Polícia Pacificadora no Rio de Janeiro. Fórum Brasileiro de Segurança
Pública, LAV/UERJ, 2012.

CARVALHO, Fernanda. Expansão territorial de um programa de microcrédito por meio


de parceria estado-terceiro setor: o caso Viva Cred Crediamigo. Dissertação de Mestrado.
Rio de Janeiro: FVG, 2010.

CARVALHO, José Murilo de. Cidadania no Brasil. O longo Caminho. 3ª ed. Rio de
Janeiro: Civilização Brasileira, 2002.

CARVALHO, Monique. A política de pacificação de favelas e as contradições para a


produção de uma cidade segura. O Social em Questão - Ano XVI - nº 29 – 2013.

CASTEL, Robert. A metamorfose da questão social: uma crônica do salário. Rio de Janeiro:
Vozes, 1998.

______________. A insegurança social: o que é ser protegido? Petrópolis - RJ: Vozes,


2005.

276
CARVALHO, Vilobaldo, SILVA, Maria do Rosário. Política de segurança pública no
Brasil: avanços, limites e desafios. R. Katál., Florianópolis, v. 14, n. 1, p. 59-67, jan./jun.
2011.

CASTRO, João Paulo. Da favela à comunidade: Formas de classificação e identificação


de populações no Rio de Janeiro. Revista ANTHROPOLÓGICAS, ano 8, volume 15(2):
171-198 (2004).

CASTANHEIRA, Marcela, CORREIA, Adriano. A constituição do sujeito em Michel


Foucault: práticas de sujeição e práticas de subjetivação. Artigo, 2017. Disponível em:
<http://www.sbpcnet.org.br/livro/63ra/conpeex/mestrado/trabalhos-mestrado/mestrado-
marcela-alves.pdf>. Acesso em 18/12/2018 às 20:16.

COMPANS, Rose. A regularização fundiária de favelas do Rio de Janeiro. Revista Rio de


Janeiro, n. 9, p. 41-53, jan./abr. 2003.

CONFORTI, Joseph. Ghettos as tourism atractions. Annals of Tourism Research. Volume


23, Issue 4, October 1996

CORREIA, Fernanda. Breve histórico sobre a questão habitacional na cidade do Rio de


Janeiro. Revista de Ciência Política. Número 43. Ano: 2010.

COSTA, Reginaldo. A Fundação Leão XIII Educando os Favelados (1947-1964). Tese de


Doutorado apresentada ao Programa de Pós Graduação em Educação da Faculdade de
Educação da Universidade Federal do Rio de Janeiro. Ano: 2015.

COSTA, Arthur. Entre a lei e a ordem: violência e reforma nas polícias do Rio de Janeiro
e Nova York. Rio de Janeiro: Editora FGV, 2004.

COSTA, Arthur, SÉRGIO DE LIMA, Renato. Segurança pública. In: SÉRGIO DE LIMA,
Renato, RATTON, José Luiz, AZEVEDO, Rodrigo. Crime, polícia e justiça no Brasil. São
Paulo: Contexto, 2014.

COUTO, Maria Isabel. UPP e UPP Social: narrativas sobre integração na cidade. Tese
apresentada, como requisito parcial para obtenção do título de Doutora, ao Programa de Pós-
Graduação em Sociologia, da Universidade do Estado do Rio de Janeiro. Ano: 2016.

277
CUNHA, Christina. O medo do retorno do medo. Um ponto de inflexão no programa das
UPPs. DILEMAS: Revista de Estudos de Conflito e Controle Social - Vol. 8 - no 1 -
JAN/FEV/MAR 2015 - pp. 41-62

CUNHA, Neiva. MELLO, Marco. Novos conflitos na cidade: A UPP e o processo de


urbanização na favela. DILEMAS: Revista de Estudos de Conflito e Controle Social - Vol. 4
- no 3 - JUL/AGO/SET 2011 - pp. 371-401.

DARDOT, Pierre, LAVAL, Christian. A nova razão do mundo: ensaio sobre a sociedade
neoliberal. São Paulo: Boitempo, 2016.

DAS, Veena; POOLE, Deborah. Anthropology in the Margins of the State. 330 p.,Santa Fé,
Oxford: School of American Research Press/ James Currey, 2004.

DENARI, Giuliana. “Batom na caveira”: um estudo sobre as mulheres na Polícia Militar


do Estado de São Paulo. Dissertação de Mestrado. Departamento de Pós-Graduação em
Sociologia. São Carlos: Ufscar, 2016.

DENZIN, Norman, LINCOLN, Yvonna. Introduction: Entering the field of qualitative


research. In: Denzin and LINCOLN. Handboock of qualitative Research. Thousand Oaks:
Sage Publications. 1994.

ELIAS, Norbert. O processo civilizador. v. 1. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Ed., 1994

_____________. Violence and civilization: the state monopoly of physical violence and its
infringement. In: KEANE, J. Civil Society and State. London: Verso, 1988. p. 177 -198.

ELIAS, Norbert; DUNNING, Eric. A busca da excitação. Lisboa: Memória e Sociedade,


1992.

EWALD, François. L’État Providence. Paris: Grasset, 1986.

FERREIRA, Evandson. O espaço público e a cidadania: contribuições de Hannah Arendt.


Sapere aude – Belo Horizonte, v. 8, n. 15, p. 211-226, Jan./jun. 2017 – ISSN: 2177-6342.

FERREIRA, João. Pesquisa e metodologia em Michel Foucault. Psicologia: Teoria e


Pesquisa. Jul-set. 2015. Vol 31 n 3.
278
FLEURY, Sonia. A militarização do social como estratégia de integração – O caso da
UPP do Santa Marta. Sociologias, Porto Alegre, ano 14, no 30, mai./ago. 2012, p. 194-222.

FELTRAN, Gabriel. _________________. O valor dos pobres: a aposta no dinheiro como


mediação para o conflito social contemporâneo. CADERNO CRH, Salvador, v. 27, n. 72,
p. 495-512, Set./Dez. 2014.

FOUCAULT, Michel. About the Beginning of the Hermeneutics of the Self: Two Lectures at
Dartmouth. Political Theory, Vol. 21, No. 2. (May, 1993), pp. 198-227. Disponível em:<
http://pages.uoregon.edu/koopman/events_readings/cgc/foucault_herm-subject-80-dartmouth-
unmarked.pdf> Acesso em 24/12/2017 às 20:32.

______________. Arqueologia do saber. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 1995.

_____________. A Ordem do Discurso. São Paulo: Edições Loyola, 1996.

_____________. Microfísica do Poder. Rio de Janeiro: Graal, 1987. a


.
_____________. Vigiar e Punir. Petrópolis-RJ: Vozes, 1987. b

_____________. Sobre a História da sexualidade. In: Foucault, Michel. Microfísica do


poder. Rio de Janeiro: Graal, 2000. p. 243 – 27.

____________. Ditos e Escritos. Vol. IV: Estratégia poder-saber. Rio de Janeiro: Forense
Universitária, 2003.

_____________. Em defesa da sociedade. São Paulo: Martins Fontes, 2005.

_____________. O poder psiquiátrico. São Paulo. Martins Fontes, 2006.

_____________. História de la medicalización. Conferência para o curso de medicina


social. Data: outubro de 1974. Instituto de Medicina Social, Centro Biomédico da
Universidade Estadual do Rio de Janeiro.

_____________. Segurança, Território e população. São Paulo: Martins Fontes, 2008.a


279
______________. O nascimento da biopolítica. São Paulo: Martins Fontes, 2008.b

_____________. O sujeito e o poder. In: Hubert L. Dreyfus e Paul Rabinow. MICHEL


FOUCAULT. Uma Trajetória Filosófica. Para além do estruturalismo e da
hermenêutica. 2ª. Edição. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2009.

_______________. O nascimento da clínica. São Paulo: Forense Universitária, 2011.

_____________. Problematização do sujeito: Psicologia, psiquiatria e psicanálise. Rio de


Janeiro: Florense, 2014.

FRANÇA, Fábio. Foucault, o direito e a norma: apontamentos para uma reflexão sobre
o saber jurídico. Artigo, 2013. Disponível em: <
http://www.periodicoseletronicos.ufma.br/index. php/rpublius/article/view/3283/4309>.
Acesso em 16/11/2017 as 14:44.

FRANCO, Marielle. UPP - a redução da favela em três letras: uma análise da política de
segurança pública do Estado do Rio de Janeiro. Dissertação apresentada ao Programa de
Pós-Graduação em Administração da Faculdade de Administração, Ciências Contábeis e
Turismo da Universidade Federal Fluminense, como requisito parcial à obtenção do título de
Mestre em Administração. Ano: 2014.

FREIRE-MEDEIROS, Bianca. Gringo na Laje: produção, circulação e consumo da favela


turística. Rio de Janeiro: Editora FGV, 2009.
__________________________. Governamentalidade e mobilização da pobreza urbana
no Brasil e na África do Sul: favelas e townships como atrações turísticas. In: BIRGAN,
Patrícia, et.al (org). Dispositivos urbanos e trama dos viventes. Rio de Janeiro: Editora FGV,
2015.

FREIRE-MEDEIROS, Bianca, VILAROUCA, Márcio, MENEZES, Palloma. A pobreza


turística no mercado de pacificação: reflexões a partir da experiência da Favela Santa
Marta. Caderno C R H, Salvador, v. 29, n. 78, p.571-585, Set./Dez. 2016.

FRENZEL, Fabian. Slumming it: The Tourist Valorization of Urban Poverty. London: Zed
Books, 2016.

280
FRENZEL, Fabian, KOENS, Ko, STEINBRINK, Malte, ROBERSON, Christian. Slum
tourism: state of the art. Tourism Review International, Vol. 18, pp. 237–252, 2015.
Disponível em: <https://lra.le.ac.uk/bitstream/2381/33397/2/Slum_Tourism_State
_of_the_Art.pdf>. Acesso em 13/01/2018 às 22:42.

GANEM MISSE, Daniel.. A Gestão social em áreas pacificadas na construção da


Conferência Rio+20 nas comunidades. Disponível em: <http://www.aninter.com.br/>.
Acesso em 22/02/2014 às 20:20a.

_____________. UPP e Sistema Integrado de Metas: Impacto na redução da


criminalidade violenta. Trabalho apresentado no 37º Encontro Anual da ANPOCS.
Disponível em: <http://www.anpocs.org/portal/index.php?option=com_docman&task=
doc_view&gid=8584&Ite mid=429> Acesso em: 17/02/2014 às 15:10b.

_____________. Cinco anos de UPP: Um breve balanço. DILEMAS: Revista de Estudos de


Conflito e Controle Social - Vol. 7 - no 3 - JUL/AGO/SET 2014 - pp. 675-700.

GARLAND, David. Governmentality and the problem of crime: Foucault, Criminology,


Sociology. Internacional Theoretical Criminology. University of Edinburg, London. SAGE
publications, 1997.

GASKELL,George. Entrevistas individuais e grupais. In: BAUER, Martin, GASKELL,


George. Pesquisa Qualitativa com texto, imagem e som. Petrópolis/RJ: Vozes, 2002.

GEERTZ, Clifford. A interpretação das culturas. Rio de Janeiro: LTC, 2008.

GIDDENS, Antony. As consequências da modernidade. Sao Paulo: Editora da UNESP,


1990.

GÓES FELIPE. Os grandes eventos de 2011 e 2016 e seus legados para a cidade. In: URANI,
André, GIAMBIAGI. Rio – A hora da virada. Rio de Janeiro: Campus, 2011.

GOHN, Maria da Glória. Movimentos sociais e educação. São Paulo : Cortez, 1994.

GONÇALVES, Rafael. Favelas do Rio de Janeiro: História e Direito. Rio de Janeiro:


Editora Puc-Rio, 2013.

281
GRANJA, Patrick. UPP: O novo dono da favela – cadê o Amarildo. Rio de Janeiro: Revan,
2015.

GUIMARÃES, Gleny, EIDELWEIN, Karen. (org). As políticas sociais e as organizações


financeiras internacionais. Porto Alegre: Edipucrs, 2010.

HALL, Stuart. Cultura e Representação. Rio de Janeiro: Puc-Rio, 2016.

HARVEY, David. Do administrativismo ao empreendedorismo: a transformação da


governança urbana no capitalismo tardio, in: A Produção Capitalista do Espaço. São Paulo:
Annablume, 2005.

HENRIQUES, Ricado, Silvia, RAMOS. UPPs Social: ações sociais para a consolidação da
pacificação. Artigo, 2010. Disponível em: < http://www.ie.ufrj.br/datacenterie/pdfs/
seminarios/pesquisa/texto3008.pdf>. Acesso em 21/07/2017 às 1:14.

IAMAMOTO, Marilda. A questão social no capitalismo. Revista Temporalis. Ano II, N3 –


janeiro a junho de 2001.

IANNI, Octavio. A questão social. Revista São Paulo em Perspectiva. Volume 5 – número 1.
São Paulo, 1991.

KOWARICK, Lúcio. Viver em risco: Sobre a vulnerabilidade socioeconômica e civil. São


Paulo: Editora 34, 2009.

LACERDA, Larissa, SALLES, Lívia, NOVAES, Patrícia. Urbanização neoliberal no Rio de


Janeiro e seus impactos na favela do Vidigal. Artigo, 2016. Disponível em: <
http://observatoriodasmetropoles.net/new/images/abook_file/artigo_urbfavelas2016.pdf>.
Acesso em 18/11/2017 às 11:16.

LARKINS, Erica. The Spectacular Favela. Violence in Modern Brazil. 2015. California:
University of California Press, 2015.

LATOUR, Bruno. Reagregando o Social: uma introdução à Teoria do Ator-Rede. Trad.


Gilson César Cardoso de Sousa. Salvador/Bauru: Edufba/Edusc, 2012.

LEEDS, Anthony, LEEDS, Elizabeth. A Sociologia do Brasil Urbano. Rio de Janeiro:


Zahar. 1978.

282
LEITÃO, Gerônimo, ARAUJO, Helena, BATISTA, André. Novos roteiros da cidade
maravilhosa. Artigo, 2012. Disponível em: http://www.catscataguases.com.br/dvd_2012/pdf/
eixo2_003_Novos_roteiros_na_Cidade_Maravilhosa.pdf>. Acesso em 14/11/2017 às 14:55.

LEITE, Márcia. Entre o individualismo e a solidariedade. Dilemas da política e da


cidadania no Rio de Janeiro. RBCS Vol. 15 número 44/ outubro/2000.

_____________. “Da ‘metáfora da guerra’ ao projeto de ‘pacificação’: favelas e políticas


de segurança pública no Rio de Janeiro. Revista Brasileira de Segurança Pública, v.6.

_____________. Entre a ‘guerra’ e a ‘paz’: Unidades de Polícia Pacificadora e gestão


dos territórios de favela no Rio de Janeiro. DILEMAS: Revista de Estudos de Conflito e
Controle Social - Vol. 7 - no 4 - OUT/NOV/DEZ 2014 - pp. 625-642

_____________. Novos regimes territoriais em favelas cariocas. XXVIII Simpósio


Nacional de história. Artigo. Ano: 2015. Disponível em: <http://snh2015.anpuh.org/
resources/ anais/ 39/1428368776_ARQUIVO_paperANPUH2015-Marcia-Leite.pdf> Acesso
em 01/04/2016 às 14:50.

______________. Gestão das “margens” no Rio de Janeiro: sobre dispositivos e


agenciamentos em curso em algumas favelas cariocas. Anpocs, 2015. Diponível em:
<http://www.anpocs.org/portal/index.php?option=com_docman&task=doc_view&gid=9764&
Itemid=461>. Acesso em 20/04/2016 às 9:38.

______________. De territórios da pobreza a territórios de negócios: dispositivos de


gestão das favelas cariocas no contexto de “pacificação”. In: BIRGAN, Patrícia, et.al
(org). Dispositivos urbanos e trama dos viventes. Rio de Janeiro: Editora FGV, 2015

LEIVA, Júlio. Questão social na contemporaneidade: desigualdades sociais, pobreza e o


Estado de bem-estar social. Trabalho de Conclusão de Curso. Universidade Federal do
Paraná. Ano: 2012.

LENKE, Thomas. The birth of bio-politics: Michel Foucault’s lecture at the Collège de
France on neo-liberal governmentality. Economy and Society Volume 30 Number 2 May
2001.

LIMA, Jacob. Participação, empreendedorismo e autogestão: uma nova cultura do


trabalho? Dossiê Sociologias, Porto Alegre, ano 12, no 25, set./dez. 2010, p. 158-198.

283
LIMA, Junia. Dispositivo urbanismo: entre a governamentalidade e a resistência. Tese de
Doutorado. UFMG. Ano: 2017.

LIMA, Roberto Kant de. Entre as leis e as normas: Éticas corporativas e práticas
profissionais na segurança pública e na Justiça Criminal. DILEMAS: Revista de Estudos
de Conflito e Controle Social - Vol. 6 - no 4 - OUT/NOV/DEZ 2013 - pp. 549-580.

LOPEZ-RUIZ, Oswaldo. O ethos dos executivos das transnacionais e o espírito do


capitalismo. Tese de Doutorado em Ciências Sociais apresentada ao Departamento de
Sociologia do Instituto de Filosofia e Ciências Humanas da Universidade Estadual de
Campinas. Ano: 2004.

LOURENÇO, Nelson. Legitimidade e confiança nas polícias. Revista do Ministério Público


129 : Janeiro : Março 2012.

MACEDO, Ronaldo. Foucault: o poder e o direito. Tempo Social. Revista Sociologia. USP.
São Paulo. 1990.

MACHADO DA SILVA, Luiz. Da informalidade a empregabilidade (reorganizando a


dominação no mundo do trabalho). CADERNO CRH, Salvador, n. 37, p. 81-109, jul./dez.
2002

__________________________. As várias faces da UPP. CIÊNCIA HOJE • vol. 46 • nº


276. Novembro, 2010.
_________________________. A política na favela. DILEMAS: Revista de Estudos de
Conflito e Controle Social - Vol. 4 - no 4 - OUT/NOV/DEZ 2011 - pp. 699-716.

__________________________. O controle do crime violento no Rio de Janeiro.


Diplomatique Brasil. Artigo, 2013. Disponível em: < http://www.diplomatique.org.br
/artigo.php?id=1348>. Acesso em 20/09/2016 às 14:50.

__________________________. A experiência das UPPs: Uma tomada de posição.


DILEMAS: Revista de Estudos de Conflito e Controle Social - Vol. 8 - no 1 -
JAN/FEV/MAR 2015 - pp. 7- 24.

MACHADO DA SILVA, Luiz. LEITE, Márcia, FRIDMAN, Luis. Matar, morrer, civilizar:
o problema da segurança pública. Relatório do Projeto. IBASE/Action Aind-Brasil?Fundação
Ford, dez. 2005.

284
MAGALHÃES, Alex. O direito das favelas. Rio de Janeiro: Letra Capital, 2013.

MARSHALL, Thomas. Cidadania, classe social e status. Rio de Janeiro: Zahar, 1967.

MATIOLLI, Thiago. O que o Complexo do Alemão nos conta sobre a cidade: poder e
conhecimento no Rio de Janeiro no início dos anos 1980. Tese apresentada ao Programa de
Pós-Graduação do Departamento de Sociologia da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências
Humanas da Universidade de São Paulo, como requisito parcial para obtenção do título de
Doutor em Sociologia. Ano:2015.

MBEMBE, Achille. Necropolítica, una revisión crítica. In: GREGOR, Helena (org). Estética
y violência: Necropolítica, militarización y vidas lloradas. México: UNAM – MUAC, 2012,
p.130-139.

MEIRELLES, Renato, ATHAYDE, Celso. Um país chamado favela: a maior pesquisa


sobre a favela brasileira. São Paulo: Editora Gente, 2014.

MELICIO, Thiago; GERALDINI, Janaína; BICALHO, Pedro. Biopoder e UPPs: alteridade


na experiência do policiamento permanente em comunidades cariocas. Fractal, Rev. Psicol.,
v. 24 – n. 3, p. 599-622, Set./Dez. 2012 .p. 602.

MENDES, Ovídio. Concepção de cidadania. Dissertação de Mestrado. Faculdade de Direito.


Universidade de São Paulo, 2010.

MENDES, Júlio, GUERREIRO, Manuela. Reconstruir a experiência com base nas memórias
perdidas. In: PANOSSO, Alexandre, GAETA, Cecília. Turismo de experiência. São Paulo:
Editora Senac-SP, 2010.

MENEZES, Palloma. Turismo e favela: reflexões sobre ética e fotografia. Dialogando no


Turismo, Rosana (SP), v. 1, n. 3, p. 10-30, 2007

__________________. Vivendo entre “dois deuses”: uma análise da rotina, sociabilidade


e mobilidade nas duas primeiras favelas “pacificadas”. Artigo, 2015. Anpocs. Disponível
em: < http://www.anpocs.org/portal/index.php?option=com_docman&task=doc_view
&gid=9766&Itemid=461> . Acesso em 12/05/2016 às 16:50.

285
MIAGUSKO, Edson. A nova questão social. Plural: Sociologia, USP. São Paulo, 6: 169-172.
1º semestre 1999.

______________. ESPERANDO A UPP: Circulação, violência e mercado político na


Baixada Fluminense. RBCS Vol. 31 n° 91 junho/2016: e319101.

MINAYO, Maria Cecília. Pesquisa social: Teoria, método e criatividade. Petrópolis-RJ:


Editora Vozes, 1993.

MISSE, Michel. Crime e Pobreza: velhos enfoques, novos problemas. Seminário Brasil em
perspectiva: os anos 90. IFCS-UFRJ. Ano: 1993.

_____________. Rio como bazar: a conversão da ilegalidade em mercadoria política.


Insight Inteligência 3 (5), 12-16, 2002.

_____________ . Sobre a acumulação social da violência no Rio de Janeiro. Civitas, Porto


Alegre, v. 8, n. 3, p. 371-385, set.-dez. 2008c.

_____________. Crime, Sujeito e Sujeição Criminal: Aspectos de uma contribuição


analítica sobre a categoria “bandido”. Artigo, 2010. Lua Nova, São Paulo. Disponível em:
http://www.scielo.br/pdf/ln/n79/a03n79.pdf>. Acesso em 10/12/2012 às 20:30d.

______________. Crime organizado e crime comum no Rio de Janeiro: diferenças e


afinidades. Revista de Sociologia Política. V. 19. Ano: 2011. a

_____________. Os rearranjos de poder no Rio de Janeiro. Artigo, 2011. Disponível em:


<https://diplomatique.org.br/os-rearranjos-de-poder-no-rio-de-janeiro/>. Acesso em
14/05/2015 às 18:39. b

____________. Entrevista para Folha de São Paulo. Intervenção é paliativo com efeito
publicitário, diz sociólogo. Data de Publicação: 18/02/2018. Disponível em:
<https://www1.folha.uol.com.br/cotidiano/2018/02/intervencao-e-paliativo-com-efeito-
politico-publicitario-diz-sociologo.shtml>. Acesso em 23/02/2018 às 19:03.

MOTTA, Luana. Fazer Estado, produzir ordem: sobre projetos e práticas na gestão do
conflito urbano em favelas cariocas. Tese de doutorado. Programa de Pós-Graduação em
Sociologia. UFSCar. Ano: 2017.

286
MORAES, Bel. Turismo e o Museu de Favela. Um caminho para novas imagens das
favelas do Rio de Janeiro. Revista Eletrônica Cultural. Volume 04 – N.01 Ano: 2010.

MUNIZ, Jacqueline. Entrevista ao Programa Voz Ativa. Março/2018. Disponível em:


<https://www.youtube.com/watch?v=8yXidQifeDU&t=1047s> . Acesso em 14/04/2018 às
14:30.

MUNIZ, Jaqueline, MELLO, Kátia. Nem tão perto, nem tão longe. O dilema da construção
da autoridade policial nas UPPs. Civitas, Porto Alegre, v. 15, n. 1, p. 44-65, jan-mar. 2015.

NOTO, Carolina. A ontologia do sujeito em Michel Foucault. Dissertação de Mestrado.


USP. Ano: 2009.

OLIVEIRA, Fabi. Mais Justiça e mais cidadania nas favelas cariocas pós-pacificação. Rio
de Janeiro: FGV, 2014.

OLIVEIRA, Jane Souto. Repensando a questão das favelas. Revista Brasileira de Estudos
de População. Campinas, v.2 n.1, jan/jun 1985, p. 9-3.

OLIVEIRA, Márcio. Projeto Rio Cidade: Intervenção Urbanística, Planejamento Urbano


E Restrição À Cidadania Na Cidade Do Rio De Janeiro. X Coloquio Internacional de
Geocrítica. Diez años de cambios en el mundo, en la geografía y en las ciencias sociales,
1999-2008. Barcelona, 26 - 30 de maio de 2008.

OLIVEIRA, Natália. Gentrificação e moradia social: como a política urbana pode atual.
Rio de Janeiro: Gramma, 2017.

OST, Sabrina. O mercado sobe a favela: um estudo sobre o Santa Marta Pós-Upp.
Dissertação de Mestrado em Administração. Fundação Getúlio Vargas, 2012.

OST, Sabrina, FLEURY, Sônia. O Mercado Sobe o Morro. A Cidadania Desce? Efeitos
Socioeconômicos da Pacificação no Santa Marta. DADOS – Revista de Ciências Sociais,
Rio de Janeiro, vol. 56, no 3, 2013, pp. 635 a 671.

PACHECO DE OLIVEIRA, João. Pacificação e tutela militar na gestão de populações e


territórios. MANA 20(1): 125-161, 2014.

287
PAIXÃO, Antônio, BEATO, Claudio. Crimes, vítimas e policiais. Tempo Social; Rev.
Sociol. USP, S. Paulo, 9(1): 233- 248, maio de 1997.

PANDOLFI, Dulce, GRYNZPAN, Mario. Poder público e favelas: uma relação delicada. . In:
OLIVEIRA, Lucia Lippi (org). Cidade: história e desejos. Rio de Janeiro: FGV, 2002.

PASSOS GUIMARÃES, Alberto. As favelas do Distrito Federal. Revista Brasileira de


Estatística, jul/set/1953.

PASTORINI, Alejandra. A categoria “questão social” em debate. São Paulo, 3 ed., Cortez,
2004.

PERALVA, Angelina. Violência e democracia. O paradoxo brasileiro. Paz e Terra: 2001.

PEREIRA, Luiz. O Programa Favela Bairro: Mais do mesmo? Quais as possibilidades


para a superação dos “problemas” existentes na cidade do Rio de Janeiro? Scripta Nova.
Revista Eletrônica de Geografia y Ciencias Sociales. Universidad de Barcelona. ISSN: 1138-
9788. Vol. XIX, número 331 (54). Ano: 2010.

PEREIRA DA SILVA, Maria. Favela: É geral? É particular? É urbano? (p. 32). In: SOUZA E
SILVA, Jaílson.O que é favela afinal? Rio de Janeiro: Observatório de Favelas, 2009.

PINHEIRO, Paulo Sergio. Violência, crime e sistemas policiais em países de novas


democracias. Tempo Social .Revis. Sociol. USP, vol. 9, n 1, 43-52, maio 1997.

PRADO FILHO, Kleber. Trajetórias para a leitura de uma história crítica Das
subjetividades na produção intelectual de Michel Foucault. Tese apresentada como
requisito parcial à obtenção do grau de Doutor. Curso de Pós-Graduação em Sociologia,
Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas, Universidade de São Paulo. Ano: 1998.

PUZIO, Marcelo, ROSA, Pablo. Governamentalizando o empreendedorismo de si: Como


as “psico-ciências” fomentam a produção do homo œconomicus. Artigo, 2013. Disponível
em: <Governamentalizando o empreendedorismo de si: Como as “psico-ciências” fomentam a
produção do homo œconomicus>. Acesso em 14/07/2016 às 22:45.

RAMOS, Silvia. Trajetórias no tráfico: jovens e violência armada em favelas cariocas.


Trivium Estudos Interdisciplinares – Direitos Humanos. Ano: 2011.

288
REVEL, Judith. Michel Foucault: Conceitos Essenciais. São Carlos: Clara Luz, 2005.

RIBEIRO, Ludmila. O nascimento da polícia moderna: uma análise dos programas de


policiamento comunitário implementados na cidade do Rio de Janeiro (1983-2012).
Análise Social, 211, xlix (2.º), 2014. Issn online 2182-2999.

RIBEIRO, Luiz, OLINGER, Marianna. The favela in the city-commodity: deconstrucion of


a social question. Artigo, 2012. Disponível em: < http://www.observatorio
dasmetropoles.net/download/favela_olinger.pdf>. Acesso em 02/04/2014 às 21:35.

RIBEIRO, Paulo, STROZENBERG, Pedro. Balcão de direitos – Resoluções de conflitos em


favelas do Rio de Janeiro. Rio de Janeiro: Mauad, 2001.

RIZEK, Cibele. Práticas culturais e ações sociais: novas formas de gestão da pobreza. In:
BARROS, Joana, BARBOSA, Evanildo, DUARTE, Lívia. Juventude e direitos na cidade.
Rio de Janeiro: Fase 50 anos, 2013.

ROCHA, Anabella. Cadê o Amarildo? Iterabilidade e construção de memórias em


cartografias comunicáveis. Dissertação apresentada como pré-requisito parcial para
obtenção do grau de Mestre em Memória Social pelo Programa de Pós-graduação em
Memória Social da Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro. Ano: 2016.

ROCHA, Ana, ECKERT, Cornelia. Etnografia: saberes e práticas. Artigo, 2008. Disponível
em: < http://www.lume.ufrgs.br/bitstream/handle/10183/30176/000673630.pdf?sequence=1>.
Acesso em 18/07/2014 às 19:40.

ROCHA, Lia. Da “cidade integrada” ao “empreendedorismo”: participação e gestão nas


margens em tempos de “pacificação”. 38º Encontro Anual da Anpocs Caxambu - Minas
Gerais. Outubro de 2014.

____________. O “repertório dos projetos sociais”: política, mercado e controle social


nas favelas cariocas. In: BIRGAN, Patrícia, et.al (org). Dispositivos urbanos e trama dos
viventes. Rio de Janeiro: Editora FGV, 2015.

RODRIGUES, Daniel. Mudanças e contiuidades na gestão social das favelas cariocas: as


experiências do Serfha e do Upp Social. Cadernos gestão social, v.6, n.1, jan./jun. 2015.

ROJIDO, Emiliano. UPP na favela: Por que respeitar a lei?.DILEMAS: Revista de Estudos
de Conflito e Controle Social – Vol.9 - no 1 – JAN-ABR 2016 – pp. 91-110.

289
ROSE, Nikolas. Inventando os nossos selfs – Psicologia, poder e subjetividade. Petrópolis:
Vozes, 2011.

ROSENFIELD, Cinara. A autogestão e a nova questão social: repensando a relação


indivíduo-sociedade. In: Lima, Jacob (org). Ligações perigosas: trabalho flexível e o
trabalho associado. São Paulo: Annablume, 2007.

ROXO, Michelle; GROHMANN, Rafael. Sentidos do Empreendedorismo no Campo


Profissional Jornalístico. 4o Congresso Internacional de Comunicação e Consumo –
Comunicon. Anais do Comunicon. São Paulo: ESPM, 2014.

ROY, Ananya. Cidades faveladas: repensando o urbanismo subalterno. Artigo, 2011.


Disponível em: <http://emetropolis.net/system/artigos/arquivo_pdfs/000/000/233/
original/emetropolis31_capa.pdf?1513866648> . Acesso em 21/01/2018 às 12:15

SÁ, Teresa. Lugares e não lugares em Marc Augé. Tempo Social. Revista de sociologia da
USP, v. 26, n. 2. 1994.

SÁNCHEZ GARCIA, F. Buscando um lugar ao sol para as cidades: o papel das atuais
políticas de promoção urbana. Revista Paranaense de Geografia, Associação dos Geógrafos
Brasileiros, n. 4, 1999.

SANTOS, Paulo. A intensificação da exploração da força de trabalho com a produção


flexível: elementos para o debate. O Social em Questão - Ano XIV - nº 25/26 – 2011.

SERGIO DE LIMA, Renato, BUENO, Samira, MINGARDI, Guaracy. Estado, polícias e


segurança pública no Brasil. Revista Direito FGV | São Paulo | v. 12 n. 1 | 49-85 | jan-abr
2016.

SEBRAE. Pesquisa sobre Microempreendedorismo nas Favelas com Unidades de Polícia


Pacificadora. Rio de Janeiro: Sebrae, 2012.

SEBRAE. Guia Essencial para empreendedores. Rio de Janeiro: Sebrae, 2015.

290
SERGIO DE LIMA, Renato. O caveirão voador e os zumbis em busca de corpos frescos.
Artigo, 2018. Disponível em:< https://facesdaviolencia.blogfolha.uol.com.br/2018/06/21/o-
caveirao-voador-e-os-zumbis-a-procura-de-corpos-frescos/> Acesso em 25/06/2018 às 21:38.

SIQUEIRA, Luana. Pobreza e serviço social: diferentes concepções e compromissos


políticos. São Paulo: Cortez, 2014.

SILVA, Josué Pereira. Trabalho, cidadania e reconhecimento. São Paulo: Annablume,


2008.

SILVA, Jailson (org). O que é favela, afinal? Rio de Janeiro: Observatório de Favelas do Rio
de Janerio, 2009.

SIMMEL. Georg. A Metrópole e a Vida Mental. In: VELHO, Otávio G (org.). O Fenômeno
Urbano. Rio de Janeiro: Ed. Guanabara, 1987.

________________. Sobre la aventura: ensaios filosóficos. Barcelona: Península, 1988.

________________. O Estrangeiro. In: MORAES, Filho (Org.). São Paulo: Ática, 1983, pp.
182-188.

_____________. A psicologia do dinheiro. Lisboa: Texto e Grafia, 2009.

SOARES, Luiz Eduardo. Legalidade Libertária. Rio de Janeiro. Lumem Juris, 2006.

___________________. UPP: origens, perspectivas, contextos institucionais e


conjunturas políticas (Entrevista). Data de publicação: 01/12/2011. Disponível em:
<http://www.luizeduardosoares.com/upp-origens-perspectivas-contextos-institucionais-e-
conjunturas-politicas/>. Acesso em 11/11/2017 às 8:27.

SORJ, Bernardo. A democracia inesperada. Direitos humanos sociedade civil e crise da


política partidária. Rio de Janeiro: Zahar, 2004.

SOUZA, Gabriel, BARBOSA, Gisele. A dualidade das ações públicas como indutora da
segregação residencial carioca. Encontro Nacional de Tecnologia do Ambiente construído.
Ano: 2014.

291
SOUZA, Jessé. (Não) reconhecimento e subcidadania, ou o que é “ser gente”? Artigo. Lua
nova. Ano: 2003.

____________. Ralé brasileira: quem é e como vive? Belo Horizonte: Editora UFMG,
2009.

TELLES, Vera. Direitos sociais: afinal do que se trata? Belo Horizonte: Ed. UFMG, 1999

____________. Cidadania e pobreza. São Paulo: Editora 34, 2001.

____________. As cidades nas fronteiras do legal e ilegal. Belo Horizonte: Argvmentin,


2010.

____________. Cidade: produção de espaços, formas de controle e conflitos. Revista de


Ciências Sociais, Fortaleza, v. 46, n. 1, jan/jun, 2015, p. 15-41.

TEXEIRA DA SILVA, Francisco, MEDEIROS, Sabrina, VIANNA, Alexander.


Encicloplédia - Guerras e revoluções. São Paulo: Elsevier, 2015.

TEIXEIRA, Cesar. O ‘policial social’: Algumas observações sobre o engajamento de


policiais militares em projetos sociais no contexto de favelas ocupadas por UPPs.
DILEMAS: Revista de Estudos de Conflito e Controle Social - Vol. 8 - no 1 -
JAN/FEV/MAR 2015 - pp. 77-96.

TOMMASI, Lívia. Naturellement créatifs » : pacification, entrepreneuriat et créativité


dans les favelas cariocas. Dossier : Les années Lula : politiques sociales ou néolibéralisme ?.
2014. Disponível em: <https://bresils.revues.org/1273#text>. Acesso em 29/07/2017 às
18:20.

TOMASI, Livia, VELAZCO, Dafine. A produção de um novo regime discursivo sobre as


favelas cariocas e as muitas faces do empreendedorismo de base comunitária. Rev. Inst.
Estud. Bras., São Paulo, n. 56, p. 15-42, jun. 2013.

ULHÔA, José Pimentel. Cidadania. Universidade Federal de Goiás. V5(2) 49-


68.jul/dez/2000.

292
URRY, John. O olhar do turista. São Paulo: Editora Studio Nobel/SESC, 2001.

VALLADARES, Licia. A invenção da favela: do mito de origem a favela.com. Rio de


Janeiro: FGV, 2005.

VAZ, Lilian. Dos cortiços às favelas e aos edifícios de apartamentos — a modernização


da moradia no Rio de Janeiro. Análise Social, vol. xxix (127), 1994 (3.°), 581-597.

VIEIRA, Liszt. Cidadania e Globalização. Rio de Janeiro: Editora Record, 1997.

VIEIRA, Natália. Gestão de sítios históricos: a transformação dos valores culturais e


econômicos em programas de revitalização em áreas históricas. Recife: Ed. Universitária
da UFPE, 2008.

VIERA, Thales. Nem junto, nem misturado: uma etnografia sobre paz e proximidade na
UPP Nova Brasília no complexo do alemão. Dissertação apresentada ao Programa de
PósGraduação em Antropologia da Universidade Federal Fluminense como requisito parcial à
obtenção do grau de mestre em Antropologia. Ano:2014.

WACQUANT, Loïc. A estigmatização territorial na idade da marginalidade avançada. In:


Wacquant, Loïc. Parias urbains. Ghetto, banlieues, État. Paris: La Découverte, 2006.

WEBER, Max. Os três aspectos da autoridade legítima. In: ETZIONI, Amitai.


Organizações Complexas: Um estudo das organizações em face dos problemas sociais. São
Paulo: Atlas, 1973. p. 17-26.

WERMUTH, Maiquel. NIELSSON, Joice. De Hannah Arendt a Judith Butler: em busca


da humanidade perdida nas fronteiras do estado-nação. Pensar, Fortaleza, v. 22, n. 1, p.
301-334, jan./abr. 2017

YOUNG, Robert. Colonial desire: hybridity in theory, culture and race. London/New
York: Routle, 1995.

ZALUAR, Alba. Dilemas, desafios e problemas da UPP no Rio de Janeiro. Brasa.


Brazilian Studies Association. Ano: 2014.

293
______________. Alba Zaluar fala sobre as UPPs. Video-reportagem, 2012. Disponível
em: <https://www.youtube.com/watch?v=B6MB_SojreY>. Acesso em 11/12/ 2013 às 21:34.

ZALUAR, Alva, ALVITO, Marcos. Um século de favela. Rio de Janeiro: FGV, 2013.

294
REPORTAGENS

BBC. No Complexo do Alemão, príncipe Harry conversa sobre a ocupação do Exército.


Data de publicação: 10/03/2012. Disponível em:
<http://www.bbc.com/portuguese/noticias/2012/03/120310_harry_alemao_jc> acesso em
16/08/2017.

BBC Brasil. Congresso aprova decreto de intervenção federal no Rio de Janeiro. Data de
Publicação: 21/02/2018. Disponível em: <http://www.bbc.com/portuguese/brasil-43079114>.
Acesso em 12/03/2018 às 15:49

BID. Programa de inclusão social de jovens em comunidades pacificadas começa no Rio


de Janeiro com apoio do BID. Disponível em:
<http://www.iadb.org/pt/noticias/comunicados-de-imprensa/2013-02-22/inclusao-social-de-
jovens-no-rio-de-janeiro-brasil,10339.html>. Acesso em 26/12/2017.

CBN. Especulação imobiliária faz moradores se mudarem de favelas da Zona Sul do


Rio. Data de Publicação: 17/04/2014. Disponível em:
http://cbn.globoradio.globo.com/rio-de-janeiro/2014/04/17/especulacao-imobiliaria-faz-
moradores-se-mudarem-de-favelas-da-zona-sul-do-rio.htm#ixzz51jo52j4z.>. Acesso em
19/11/2017 às 16:59

DW Brasil. “Gentrificação” chega ao Vidigal e pressiona preço dos imóveis. Reportagem.


Data de publicação:12/04/2014. Disponível em: <http://www.dw.com/pt-
br/gentrifica%C3%A7%C3%A3o-chega-ao-vidigal-e-pressiona-pre%C3%A7os-dos-
im%C3%B3veis/a-17562164> . Acesso em: 24/11/2017 às 22:54.

EBC Agência Brasil. Moradores do Alemão acusam PM de usar casas como base.
Disponível em: http://agenciabrasil.ebc.com.br/geral/noticia/2017-02/moradores-do-alemao-
acusam-pm-de-usar-casas-como-base-upp-diz-ser-estrategia>. Acesso em 14/06/2017 às
16:11

El país. UPPs, mais uma história de esperança e fracasso na segurança pública do Rio.
Reportagem. Data de publicação: 12/03/2018. Disponível em: <
https://brasil.elpais.com/brasil/2018/03/11/politica/ 1520769227_ 645322.html>. Acesso em
14/04/2018 às 15:38.

Estadão. Marielle foi morta por submetralhadora, e não pistola, mostra reportagem da
Record. Reportagem. Data de publicação: 07/05/2018. Disponível em:
295
<http://brasil.estadao.com.br/noticias/rio-de-janeiro,marielle-foi-morta-por-submetralhadora-
e-nao-pistola-mostra-reportagem-da-record,70002297810>. Acesso em 08/05/2018 às 13:23.

Extra. Programa garante serviços públicos e direitos do cidadão. Reportagem. Página 02.
Data de publicação: 17/08/2011

Extra on line. UPP providencia baile de debutantes. Data de publicação: 03/12/12.


Disponível em: <https://extra.globo.com/noticias/rio/upp-providencia-baile-de-debutantes-
6907069.html>. Acesso em 13/11/2017às 11:39

Extra. GPAE x UPP. Reportagem. Data de publicação: 29/12/09. Disponível em: <
https://extra.globo.com/ casos-de-policia/ana-paula-miranda/gpae-upp-387054.html>. Acesso
em 10/11/2017 às 21:53.
.
Favela Santa Marta Tour. Tour Fotográfico na Favela Santa Marta. Ano: 2014. Disponível
em: <favelasantamartatour.blo gspot.com.br/search?updated-max=2015-01-30T15:13:00-
08:00&max-results=7> Acesso em 12/01/2018 às 14:32.

Follha on line. UPP no Alemão troca conteiner por bunker com buracos para apoiar
fuzil. Publicação: 12/08/ 2015. Disponível em:
<http://www1.folha.uol.com.br/cotidiano/2015/08/1667530-upp-no-alemao-troca-conteiner-
por-bunker-com-buracos-para-apoiar-fuzil.shtml>. Acesso em 16/06/2017 às 17:25.

Folha. Light prevê lucrar com favela sem "gatos". Disponível: <http://www1.folha.
uol.com.br/fsp/ mercado/me2712201022.htm>. Acesso em 14/02/2016 às 15:40.

Fundo UPP. Disponível em: < http://www.agerio.com.br/index.php/credito-para-sua-voce/28-


pessoa-fisica/22-fundo-upp-empreendedor> Acesso em 23/09/2016 às 13:40.

G1. Rio ganha nesta segunda-feira UPP em favela próxima ao Cristo Redentor. Disponível em:<
http://g1.globo.com/rio-de-janeiro/noticia/2013/06/rio-ganha-nesta-segunda-feira-upp-em-
favela-proxima-ao-cristo-redentor.html>. Acesso em 01/10/2018 às 11:32.

G1. Homicídio no Dona Marta é o 1ª desde 2008, quando UPP foi criada. Reportagem, 2016.
Disponível em: http://g1.globo.com/rio-de-janeiro/noticia/2016/03/homicidio-no-dona-marta-e-o-1-desde-
2008-quando-upp-foi-criada.html >. Acesso em 25/07/2016 às 14:40.

296
G1. Dançarino DG foi morto por um policial militar, afirma investigação. Reportagem,
2015. Disponível em: < http://g1.globo.com/bom-dia-brasil/noticia/2015/03/dancarino-dg-foi-
morto-por-um-policial-militar-afirma-investigacao.html> Acesso em 14/09/2016 às 17:04.

GI. Governo do Rio confirma saída de Beltrame da Secretaria de Segurança.


Reportagem, 2016. Disponível em: < http://g1.globo.com/rio-de-
janeiro/noticia/2016/10/governo-do-rj-confirma-saida-de-beltrame-apos-2-turno-das-
eleicoes.html>. Acesso em 18/10/2016 às 18:30.

Le monde diplomatique. O funk é democrático, por isso é perigoso. Data de publicação:


03/01/2011. Disponível em: <https://diplomatique.org.br/o-funk-e-democratico-e-por-isso-
perigoso/> Acesso em 02/12/2017 às 20:59.

Ministério do Desenvolvimento Social. Osmar Terra discuti ações do plano contra


violência no Rio de Janeiro. Disponível em: http://mds.gov.br/area-de-
imprensa/noticias/2017/junho/osmar-terra-discute-acoes-do-plano-contra-a-violencia-no-rio-
de-janeiro> . Acesso em 26/12/2017 às 15:41.

O Dia. Traficantes atiram contra policiais da UPP Santa Marta. Disponível em:
<http://odia.ig.com.br/rio-de-janeiro/2017-09-22/traficantes-atiram-contra-policiais-na-upp-
santa-marta.html>. Acesso em 16/11/2017 às 13:45.

O Globo on line. Traficantes atacam base da UPP Santa Marta. Disponível em:
<https://oglobo.globo.com/rio/traficantes-atacam-base-da-upp-santa-marta-
20520844#ixzz4ybZtAiMf> Acesso em 18/05/2017 às 12:32.

O Globo. Manifestação deixa um homem morto e fecha ruas em Copacabana.


Reportagem, 2014. Disponível em: <http://oglobo.globo.com/rio/manifestacao-deixa-um-
homem-morto-fecha-ruas-de-copacabana-12266191>. Acesso em 13/09/2016 às 18:38.

O Globo. Nada sobrevive só com segurança. Reportagem. Data de publicação: 29/05/2011.


Página 18.

O Globo. PMs do Bope são acusados de agressão e de destruição na Ladeira dos


Tabajaras. Disponível em: https://oglobo.globo.com/rio/pms-do-bope-sao-acusados-de-
agressao-destruicao-na-ladeira-dos-tabajaras-22011639#ixzz50DGS9MwG>. Acesso em
02/12/2017 às 13:48.

297
O Globo on line. Imóveis em favelas com UPP sobem até 400 %. Reportagem. Data de
Publicação: 29/06/2010. Disponível em: <https://oglobo.globo.com/rio/imoveis-em-favelas-
com-upp-sobem-ate-400-3001504> Acesso em 23/11/2017 às 20:14

O Globo on line. Pesquisadores traçam a história da ocupação do Complexo do Alemão.


Disponível em: <https://oglobo.globo.com/rio/pesquisadoras-tracam-historia-da-ocupacao-do-
complexo-do-alemao-10247995#ixzz5BrFno7of>.

O GLOBO. Lula e Paes lançam o projeto Rio Top Tour no Morro Dona Marta. Ano:
2012. Disponível em: <http://oglobo.globo.com/rio/lula-paes-lancam-projeto-rio-top-tour-no-
morro-dona-marta-2958699#ixzz39MsYBW8r> Acesso em 03/05/2014 às 18:49.

O Globo. Turbinando o DNA empreendedor. Reportagem. Data de publicação: 12/02/2012.


Disponível em: <
http://acervo.oglobo.globo.com/busca/?busca=empreendedorismo+pacifica%C3%A7%C3%A
3o> Acesso em 14/09/2016 às 13:40.

Ministério do Turismo. Projeto Top Tour é lançado no Rio. Ano: 2012. Disponível em:
http://www.turismo.gov.br/turismo/noticias/todas_noticias/20100830.html > Acesso em
06/05/2014 às 19:16.

Ponte. Direitos humanos, justiça e Segurança pública. O Bope está entrando nas favelas
pra matar. Disponível em: <https://ponte.org/o-bope-esta-entrando-nas-favelas-pra-matar/>
Acesso em 05/12/2017 às 12:05.

Prop Mak. Sky lança pacote popular no Rio de Janeiro. Reportagem, 2010. Disponível em:
<http://propmark.com.br/midia/sky-lanca-pacote-popular-no-rio-de-janeiro>. Acesso em
21/08/2016 às 14:50.

R7 on line. Franquias focam empreendedor de favelas pacificadas. Disponível em:


<https://noticias.r7.com/economia/franquias-focam-empreendedor-de-favelas-pacificadas-do-
rio-02112015>.
Acesso em 08/12/2016 às 14:31.

Revista Piaui. Caso Amarildo: quatro anos depois. Disponível em: <
http://piaui.folha.uol.com.br/ lupa/2017/07/14/caso-amarildo-quatro-anos-depois/> Acesso em
11/11/2017 as 15:20.

RIO CRIATIVO. Criatividade – Rio Criativo. Vídeo Institucional. Ano:2014. Disponível


em: < https://www.youtube.com/watch?v=g-X04oPpTJU> Acesso em 08/01/2018 às 20:22.
298
Rio on Watch. A História da Polícia Militar do Rio de Janeiro Parte III: Policiamento
comunitário. Data de publicação: 05/04/2014. Disponível em:
<http://rioonwatch.org.br/?p=10988>. Acesso em 24/09/2017 às 8:10.

R7. Motoboys agora oferecem serviços aos turistas. Disponível


em:<www.r7.com.br/turismo/pavão-pavaozinho> Acesso em 23/06/16 às 14:56.

SEBRAE. Empreendedorismo nas favelas. Disponível em: <


http://www.sebrae.com.br/sites/PortalSebrae /ufs/rj/institucional/empreendedorismo-em-
comunidades,f84b9e5d32055410VgnVCM1000003b74010aRCRD> Acesso em 23/08/2016
às 18:12.
TEIXEIRA CARLA. Entrevista para o DC. DC Economia. Os negócios da quebrada.
Disponível em: <http://www.dcomercio.com.br/
categoria/economia/os_negocios_da_quebrada_entrevista_com_carla_teixeira_panisset>.
Acesso em 10/07/2016 às 10:40.

The Guardian. Providing electricity to Rio de Janeiro's favelas. Reportagem. Data de


publicação: 18/03/2014. Disponível em: <https://www.theguardian.com/sustainable-
business/providing-electricity-rio-de-janeiro-favelas> Acesso em 21/11/2017 as 11:16.

Uol Economia. Moradores de favelas pacificadas do Rio viram empresários . Reportagem, 2012.
Disponível em: <http://economia.uol.com.br/noticias/redacao/2012/07/04/pacificacao-de-
favelas-cariocas-abre-portas-para-o-empreendedorismo.htm>. Acesso em 02/07/2016 às
12:40.

Uol Economia. 40% dos moradores de favelas querem abrir negócio próprio, diz estudo. Disponível
em: <http://economia.uol.com.br/empreendedorismo/noticias/redacao/2015/03/03/40-dos-
moradores-de-favelas-querem-abrir-negocio-proprio-diz-estudo.htm> Acesso em 23/02/2016
às 14:17.

Vila mulher. Povo do asfalto em festa na favela. Disponível em:


<http://www.vilamulher.com.br/bem-estar/comportamento/spanta-nenem-povo-do-asfalto-
em-festa-na-favela-11-1-69-558.html> . Acesso em 14/08/2016 às 15:50.

Uol notícias. Em meio a onda de violência, Pezão diz que colocará mais de 2000 policiais
nas ruas do Rio. Disponível: <https://noticias.uol.com.br/ultimas-noticias/agencia-
estado/2018/02/08/pezao-diz-que-colocara-mais-2-mil-policiais-nas-ruas-do-rio.htm> Acesso
em 08/02/2018 às 19:23.

299
Uol. Ao menos 24 de 38 UPPs são em contêineres no Rio, e PMs reclamam de calor.
Reportagem. Data: 15/01/2015. Disponível em: <
https://noticias.uol.com.br/cotidiano/ultimas-noticias/2015/01/15/ao-menos-24-de-38-upps-
sao-em-conteineres-no-rio-e-pms-reclamam-de-calor.htm>. Acesso em 23/09/2017 às 17:19.

UPP/RJ. Baile de debutantes das UPPs acontece nesta quarta-feira. Data de publicação:
28/07/2015. Disponível em: < http://www.upprj.com/index.php/acontece/acontece-
selecionado/baile-de-debutantes-das-upps-acontece-nesta-quarta-feira/cpp>. Acesso em
13/11/12 às 12:02.

UPP/RJ. Emoção e alegria e surpresas no Baile de Debutantes das UPPs. Data de


publicação: 30/07/2017. Disponível: < http://www.upprj.com/index.php/acontece/acontece-
selecionado/emocaeo-alegria-e-surpresas-no-baile-de-debutantes-das-upps/cpp> . Acesso em
13/11/12 às 12:42.

UPPRJ. Disponível em:< http://www.upprj.com/index.php/acontece/acontece-selecionado/


upp-santa-marta-intensifica-o-gpp-social/Santa%20Marta>. Acesso em: 29/09/2017.às 20:36.

300
ANEXOS

Anexo 1: Questionário para os moradores não envolvidos com o turismo


1. Fale um pouco sobre sua vida antes da pacificação.
2. Como foi sua infância?
3. Como era a questão da violência antes da pacificação?
4.Quais são os pontos positivos e negativos das UPPs?
5. A representação da favela nos meios de comunicação mudou com a implantação das UPP?
6. O que você pensa a respeito do “turismo de favela”?
7. Você já conversou com algum turista? Como foi a experiência?
8. Em sua opinião, o que os turistas buscam ao visitarem a favela?

Anexo 2: Questionário para os moradores que estão diretamente envolvidos com o


turismo/ empreendedores

1.Como era a vida antes da pacificação? E depois?


2. Qual sua opinião sobre a implantação das UPPs?
3.Qual a importância da UPP no desenvolvimento do seu negócio?
4.Você teve algum apoio de entidades governamentais/não governamentais?
5. O que representa para você ser um empreendedor?
6. Quais as vantagens e desvantagens de empreender na favela?
7. Qual é o perfil do seu público? (etnia, gênero, classe, nacionalidade, entre outros).
8. Você recebeu alguma crítica pelo seu trabalho?
9. Se a favela não fosse pacificada você faria esse mesmo passeio?
10. Você já presenciou algum conflito durante o passeio?

301
Anexo 3. Questionário para os turistas

1. Por que você decidiu visitar uma favela?


2. Que tipo de materiais audiovisuais você já assistiu sobre a favela? Exemplo: filmes,
reportagens, fotos, entre outros?
3. Você sente ou sentiu algum tipo de receio ao entrar na favela?
4. Você teve algum tipo de contato com os moradores?
5. Você comprou algum produto durante sua estada na favela?
6. Qual a sua percepção a respeito da favela após o passeio?

302

Você também pode gostar