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D CHAUHA DO PB
potência de produzir rachaduras.
Indico a leitura atenta desta
obra, p elos encontros qu e ela
nos convida a pensar.
A produção de vidas descartáveis no Rio de Janeiro.
Pedro Paulo Gastalho de Bicalho
P rofessor d o In s titu to d e P sicologia e do
Program a de P ós-G raduação em P sicolo
gia da UFRJ. C o o rd e n a d o r da C om issão
N acional d e D ireito s H um anos do
C onselho Federal d e P sicologia
19 vagabundos mortos? Essa foi a melhor
notícia que eu li desde a faxina do Carandiru.
Vamos continuar torcendo pra esse número
subir amanhã pra 50, depois de amanhã pra
100 e assim por diante, até exterminar todos
esses desgraçados. Parabéns a todos os
envolvidos na operação. Merecem promoção
imediata, com aumento de salários
-
ü * , f- literatura
® ■lüfoco
A CHACINA DO PAN
A p ro d u ç ã o d e v id a s d e s c a rtá v e is
no R io d e Ja n e iro .
José Rodrigues de Alvarenga Filho
A CHACINA DO PAN
A produção de vidas descartáveis
no Rio de Janeiro.
mElLifocô
EDITORA M ULTIFOCO
Rio d e J a n e iro , 2 0 1 3
EDITORA MULTIFOCO
S im m e r & A m o rim E d ição e C o m u n ica çã o Ltda.
Av. M e m de S á , 1 2 6 , Lapa
Rio d e Ja n e iro - RJ
CEP 2 0 2 3 0 - 1 5 2
CAPA E DIAGRAMAÇÃO
1 a Edição
Agosto de 2 0 1 3
ISBN: 9 7 8 -8 5 - 8 2 7 3 -3 5 3 -0
E lá se vai
Mais um dia...
A Editora Multifoco.
E basta contar com passo E basta contar consigo Que a cham a não
tem pavio De tudo se faz canção E o coração n a curva d e um rio,
rio, rio, rio...
E lá se vai...
mas um dia...
E lá se vai..
Sumário
A chacina que “ nu nca” aconteceu e qu e ganha
existência p o r m eio de um a p e s q u is a ...................................................................................... 13
P rólogo: (N ) O lixo das ruas: o bich o era um h o m e m .......................................................... 17
A b rin d o as cortinas: B icho de sete cab eças.......................................................................... 22
Cena II: Pau! “ Pro rico o PAN é esporte, pro favelado é porrada e m o rte ” ! ............. 43
Ato III: “ Não foi nada eu não fiz nada disso. E você fez um bicho
de 7 cabeças” : A cobertura m idiática da Chacina do Pan...............................................118
Cena I: “ Se há um assalto a banco. C om o não podem prende r
o p o d e ro s o chefão. A í os jo rn a is vêm lo g o diz e n d o que aqui no m o rro
só m ora la d rã o ” : m ídia e p ro d u ç ã o de s u b je tiv id a d e s ....................................................... 119
R e fe rê n c ia s .................................................................................................................................... 166
JOSÉ RODRI GUES DE A L V A R E N G A FILHO
M aria Lívia d o N a s c im e n to 2
C e cília C o im b ra 3
Para nós apresentar este livro é motivo de alegria e orgulho como par
ceiras e companheiras de viagem de um jovem escritor-poeta-músico
que tem a ousadia de, ao se diferenciar das informações presentes na
mídia hegemônica, afirmar outras realidades. Com seu compromisso
ético-político Zé - como carinhosamente o chamamos - com sua ex
tensa e hercúlea pesquisa nos coloca no meio de problematizações
sobre a megaoperação policial no Conjunto de Favelas do Complexo
do Alemão, em 27 de junho de 2007, e que terminou com a morte de
19 pessoas. Um dos grandes méritos de seu trabalho é não permitir
que esse acontecimento caia no esquecimento. Não permitir que ele
se torne apenas mais “um marco no combate à criminalidade no país”,
mais um fato “rapidamente silenciado e estrategicamente esquecido”.
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Não era humano, não era carioca, não era nada. O homem era a
fome, o desespero e a sujeira. Estava desesperado. Os “Ninguéns”
são um dos produtos de nossa sociedade. Eles andam pelas ruas,
remexem nossos lixos e pedem nossas esmolas. Eles estão por aí.
São fabricados para viverem na miséria. E a miséria não entrará na
festa olímpica. O preto era a personificação dos versos de Manoel
Bandeira:
Vi ontem um bicho
Na imundice do pátio
Catando comida entre os detritos
Quando achava alguma coisa
Não examinava nem cheirava
Engolia com veracidade
O bicho não era um cão
Não era um gato
Não era um rato
O bicho meu deus era um homem.
Agosto, 2012
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10. “ Este fa to ge rou um ato p o lític o im p o rta n te na história da luta em defesa dos
d ire ito s hum anos no Rio de Janeiro: a dem issão v o lu n tá ria de 41 m e m bro s desta
efêm era e c o m b a tiv a Com issão de D ireito s H um anos da OAB, no pe ríod o de jane iro
e ju lh o de 2 0 0 7 ” (GRUPO TO RTURA N UNCA MAIS, 2010).
11. R efe rim o-nos as m o rtes de José da Silva Farias J ú n io r (18 anos) e E m erson G ou
lart (2 6 anos).
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13. P odem os c ita r no Rio de Jan eiro na década de 1990: A cari (1990), C andelária
(1993), V ig á rio Geral (1993), Nova Brasília (1994 e 1995), en tre outras. Na dé cada de
2 0 0 0 : Baixada Flum inense (2 0 0 5 ), C om p lexo do A le m ã o (2 0 0 7 ), en tre outras. Será
que a história recente d o Rio de Jan eiro po de ser escrita a p a rtir destas chacinas? O
que elas nos falam sob re nossas m aneiras de pensar, ag ir e viver? Está aí, um a história
que precisa ser contada.
14. R eferência à canção “ B icho de sete cab eças” (G eraldo A zevedo, Zé R am alho e
Renato Rocha).
15. A casa de show s “ V iv o R io” localiza-se no B airro do F la m eng o (Z ona Sul), Rio
de Janeiro.
16. “ In im ig o d o trá fic o ” é o titu lo esco lh id o pela Revista Veja Rio (18 de ju lh o de
2 0 0 7 ) ao se re fe rir a José M ariano B eltram e. No s u b títu lo da m esm a m a téria está es
crito : “ Q uem é o d is c re to g a úcho José M ariano B eltram e, o se cre tá rio de Segurança
P ública em pe n h a d o em d e rro ta r o c rim e com coragem e in te lig ê n c ia ” .
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17. Para G uattari (1996), o m o d o de s u b je tiv a ç ã o c a p ita lís tic o refere-se a um certo
processo de p ro d u ç ã o de s u b je tiv id a d e que se to rn o u he g e m ô n ico ta n to em países
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d ito s ca p ita lis ta s co m o naqueles cham ados de com unistas; países d e senvolvid os ou
sub desen volvidos. Tal processo caracteriza -se pela p ro d u ç ã o de su b je tivid a d e s se-
rializadas e submissas.
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19. A ideia de d ire ito s hum anos é um a c o n stru çã o que surge a p a rtir de d e te rm in a
das práticas sociais em d e te rm in a d o m o m e n to histó rico. Estes direitos, presentes
em declarações e revoluções burguesas, são, ta m b é m , a afirm a çã o de d e term in ada s
con cepçõe s de “ hu m a n o ” para d e te rm in a d o s g ru p o s de pessoas. “ Os m a rg in a liza
dos de to d a o rdem nunca fizeram p a rte desse g ru p o que, ao long o dos séculos XIX,
XX e XXI, tiv e ra m e co n tin u a m te n d o sua h u m anid ade e seus d ire ito s g a ra n tid o s ” .
(COIM BRA, C.;LOBO, L.; NASCIMENTO, M., 2 0 0 8 , p. 92). Em nossa pesquisa, c o m
preend ere m os d ire ito s hum anos co m o os d ire ito s a d ife re n te s m o dos de existência.
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20. Esta poesia fo i e s p ecialm e nte escrita para a in tro d u ç ã o de nosso livro.
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21. R eferência à canção “ B icho de sete cab eças” (G eraldo A zevedo, Zé Ram alho e
Renato Rocha).
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24. “ O vôo TAM J J 3 0 5 4 era o p e ra d o pela c o m panh ia brasileira TAM Linhas Aéreas,
u tiliz a n d o um a aeronave de passageiros A irb u s A 3 2 0 -2 3 3 , pre fixo PR-MBK, que em
um vo o em 17 de ju lh o de 2007, en tre as cidades de P o rto A le g re e São Paulo, u ltra
passou o fina l da pista d u rante o pouso, v in d o a cho car-se c o n tra um d e p ó s ito de
cargas da p ró p ria TAM s itu a d o nas pro x im id a d e s da cabeceira da pista, no lado o p o s
to da avenida qu e d e lim ita o a e ro p o rto . Estavam no aparelho 187 pessoas; não houve
sob reviven tes. H ouve ainda ou tras 12 m o rtes no solo. O vô o 3 0 5 4 fo i o p io r a cide nte
aéreo da história da A m é ric a Latina p o r 22 meses, até o V ôo A ir France 44 7 em 31
de m aio de 2 0 0 9 . A investig ação apurou que a causa do acid e n te fo i o p o sicio n a
m e nto in c o rre to dos m anetes que c o n tro la m os m o to re s da aeronave, sem co n clu ir
d e fin itiv a m e n te se houve um a falha hum ana ou d o e q u ip a m e n to ” (W IK IP ÉD IA , 2010).
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25. Foi criad a em 2 0 0 4 pelo M inisté rio da Ju stiça te n d o p o r o b je tiv o atu ar nos E sta
dos em situa ção em ergencial. Ela é c o m p o s ta p o r po licia is e bo m b e iro s dos diversos
E stados d o País. Os so ld a d o s passam p o r um tre in a m e n to de duas sem anas e re to r
nam para seus Estados. No en tanto , os m esm os ficam de p ro n tid ã o a espera de um a
possível convocação (TERRA NOTÍCIAIS, 2010a).
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26. D esde o dia 0 7 /0 8 /0 7 , não é mais possível acessar o b lo g “A V erd ade d o Pan
2 0 0 7 ” nem “A V erd ade da Copa 2014” . A m b o s co o rd e n a d o s p o r um a pessoa com
o p s e udôn im o Diana. Há um a queixa de calúnia, injúria e difa m a çã o im p e tra d a pelo
p residen te do C o m itê O lím p ico B rasileiro (C O B ) e do C o m itê O rg a n iz a d o r dos jo g o s
P an-am ericanos no Rio de Jan eiro (C O -R io), Carlos A rth u r Nuzm an, c o n tra a “ D iana” .
Este processo está sendo in ve stig a d o pela D elegacia de Repressão aos C rim es de In
fo rm á tic a “ C idade Nova “ Rio de Janeiro. M esm o indisp oníve l para acesso, consegui
visualiza r no vam en te o m aterial p u b lic a d o no re fe rid o b lo g acessando < h ttp ://w e b .
a rc h iv e .o rg /c o lle c tio n s /w e b .h tm l> e neste c o lo c a n d o o a n tig o endereço do “ V erdade
do Pan” .
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31. Ver, p o r exem plo, as revistas Veja (a no de 2007, edições 2 0 0 9 e 2015) e Época
(ano de 2007, edições 476 e 477).
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32. R etira do d o R elató rio da S ocieda de Civil para o R elator Especial das Nações
Unidas para E xecuções Sumárias, A rb itrá ria s e E x traju diciais (2 0 0 7 ).
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34. Neste sen tido, ao sair da U niversidade do E stado d o Rio de Jan eiro (U E R J) às
22 horas, no s e g u n d o sem estre de 2 0 0 8 , p e rto da saída prin cip a l desta pu de o u v ir
um ta x is ta re cla m ar com um p o licia l sob re a presença de m eninos de rua p e d in d o
esm ola e ve n d e n d o balas no local. O ta x is ta disse: “ p o r que vocês não predem esses
m o le q u e s” ? O po licia l, então, respondeu: “ Se a g e n te prende (os m eninos) o co m a n
d a n te nos dá um esporro! Ele não qu er que a g e n te prenda, ele qu er a g e n te mate.
O co m a n d a n te q u e r sangue. E se a g e n te pega os m oleques e dá um a dura, vem o
pessoal e reclam a...” N aquela n o ite estava havendo um a festa de m úsica e le trônica
no a n fite a tro da UERJ e, p o r isso, havia p o licia is faze ndo ro nda ao re d o r da U niversi
d a de - coisa rara haver p o lic ia m e n to à n o ite naquela região.
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aquilo que não tem vergonha e nunca terá, que não faz sentido,
que não tem pé nem cabeça é, também, aquilo que não deve ser
aceito, engolido.
Em julho de 2007 um conjunto de peritos forenses35, desig
nados pela Secretaria Especial de Direitos Humanos da Presidên
cia da República, produziu relatório técnico sobre a operação no
Complexo do Alemão (2007). O objetivo do documento foi “prestar
cooperação técnica a órgãos do Poder Executivo do Estado do Rio
de Janeiro nas investigações sobre eventuais excessos cometidos
na morte de civis, durante operação policial-militar no denominado
Complexo do Alemão” (2007, p.1).
O relatório dos peritos foi construído a partir da análise de ma
terial “ laudos, fotografias, prontuários, etc. “ recolhido junto a ins
tituições como: Instituto Médico-Legal “Afrânio Peixoto” (IMLAP);
Instituto de Criminalística “Carlos Éboli” (ICCE); “Extra” Informa
ção (Infoglobo Comunicações Ltda.); Jornal “O Dia”; Hospital Geral
de Bonsucesso - HGB; Hospital Estadual Getúlio Vargas - HEGV.
No entanto, as informações e materiais solicitados à Secretaria
de Segurança Pública do Estado do Rio de Janeiro não puderam
ser utilizadas no relatório, pois aquela entregou os dados a Comis
são Permanente de Combate à Tortura e à Violência Institucional
“em data posterior ao encerramento das discussões deste trabalho,
sendo objeto de análise em separado, e não foram utilizados neste
documento”. (2007, p. 4).
Os laudos cadavéricos (exames necroscópicos) produzidos
pelo Instituto Médico-Legal “Afrânio Peixoto” (IMLAP), mostram
que havia várias lesões nos corpos dos supostos “traficantes” mor
tos pela polícia, sendo que “os óbitos teriam acontecido no dia
27.06.2007, entre 10h00 e 16h00” (2007, p. 5). A análise de tais
documentos, feita pelos peritos citados, prova que, em dois casos,
há fortes evidências de execução. Segundo o relatório (2007, p. 6),
35. Os pe rito s foram : Prof. Dr. J o rg e P aulete Vanrell, D ébora Maria Vargas de Lim a e
J a d ir A ta íd e dos Santos.
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qual a vida das populações das comunidades pobres não seja tor
nada descartável.
O documento “Manifesto público contra a megaoperação no
Alemão” critica a política de segurança pública alicerçada no con
fronto e afirma que a mesma, além de produzir dor e morte, produz
medo engendrando “o fim da socialibilidade nas comunidades”.
Além, é claro, do desrespeito flagrante aos direitos humanos.
Outro documento, “Manifesto pela apuração das violações de
direitos humanos cometidas na operação Complexo do Alemão”,
afirma que a megaoperação do dia 27 de junho de 2007 contou
com a participação de 1.350 policiais, a utilização de 1.080 fuzis,
180.000 balas e teve a duração aproximada de 8 horas. Além disso,
foram oficialmente apreendidas 14 armas, 50 explosivos e munição
de 2.000 balas.
O documento faz menção ao relatório independente encomen
dado pela Comissão de Direitos Humanos da OAB e realizado pelo
perito Odoroilton Larocca Quinto que apontou, a partir da análise
dos ângulos dos disparos, que algumas vítimas estavam sentadas
ou ajoelhadas. O manifesto aponta ainda que o número de armas
apreendidas (14) foi inferior ao número de suspeitos mortos pela
policia (19). Segundo o relatório esta pode ter sido “a operação
policial m ais cruel dos últim os anos (Grifo nosso) ”
O “Manifesto contra as políticas de extermínio” critica dura
mente as declarações do governador Sergio Cabral Filho que afir
mou que as favelas eram “fábricas de produzir marginais” (PORTAL
G1, 2007) e também, as declarações do secretário de segurança pú
blica do Rio de Janeiro, José Mariano Beltrame, que afirmou que
“tiro em Copacabana é uma coisa e tiro no Complexo do Alemão ou
na favela da Coréia é outra” (FOLHA ONLINE, 2007a).
Já para o manifesto “Chega de massacres”, o cerco policial ao
Conjunto de Favelas do Complexo do Alemão protagonizou “a po
lítica de extermínio de uma população desarmada”. Segundo o do
cumento, assinado por mais de 500 pessoas e entidades nacionais
e internacionais, se tratasse mesmo de uma “guerra”, como os o
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1) Investimento em Infra-Estrutura;
2) Estímulo ao Crédito e ao Financiamento;
3) Melhora do Ambiente de Investimento;
4) Desoneração e Aperfeiçoamento do Sistema Tributário;
5) Medidas Fiscais de Longo Prazo;
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37. O T e rritó rio da Paz faz p a rte do P rogram a N acional de Segurança Pública e C ida
dania (P ronasci), d o M inisté rio da Justiça e reúne cerca de 2 0 p ro je to s de segurança
e de ação social.
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Renato Rocha).
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está aqui. A inda m ais dentro de um camburão. Como é que eles vão
fazer u m a coisa dessas? Mas aceitei porque é força bruta e já tinham
m e dito que se fosse a outra polícia ele ia estar morto. E assim nós
vam os vivendo” (CAPPELA, 2007). .
Lucia Cabral, umas das “apresentadoras” do documentário
“Elas da Favela”, diz: “às vezes você sabe que vai ter algum a coisa
quando vê aquele movimento, agitação. A í as crianças m esm o falam
assim : ‘m ãe eu não quero ir pra escola hoje n ã o ’. ‘Tá’ muito esquisi
to. ‘Eu não quero ir pra escola’. Meu filho tem um bocado de falta na
escola porque se vocês ‘escuta’ fogos você logo já identifica que não
‘tá ’ legal p ra você ‘tá ’ liberando seu filho” (CAPPELA, 2007).
"Eu tenho um filho d e 10 anos. Ele outro dia, eu ‘tava’ na rua, e
teve um tiroteio e (o menino) ficou encolhido dentro de um banheiro
e ninguém conseguia tirar. Ficou d a hora que com eçou até a hora
que acabou (o confronto entre policiais e soldados do varejo local de
drogas). Hoje em dia no Rio de Janeiro a segurança virou inseguran
ça. Se você vê um policial você logo fica com medo. É sinal de m edo
e não deveria ser assim. E polícia n a com unidade é sinal de guerra.
E a gente sabe que algum a vida nesse dia vai ser tirada. Inocente ou
não vai ser tirada” (CAPPELA, 2007).
“Gosto daqui. Quarenta anos num lugar e já criei um vínculo.
Meus filhos gostam daqui. Eles só se assustam quando tem opera
ção. Se tivesse um a solução de continuar todo m undo na com unida
d e na p az era a m elhor coisa” (CAPPELA, 2007).
“A sociedade fora, a zo n a sul, é diferente. Eles têm um a visão
que a polícia tem que entrar m esm o, tem que m atar m esm o, tem que
exterm inar com tudo que tá aqui dentro. Só o que acontece é que
as pessoas não vêm que dentro de uma com unidade com o essa tem
m orador que trabalha, tem criança que estuda... (CAPPELA, 2007)”.
“A nossa vida fica interrompida: você quer trabalhar, a criança
quer ir pra escola estudar, que é o direito dela, e esse direito é p o d a
do. Ele é molestado. Eu acho que estas investidas ‘violenta’ deveria
ser proibida porque qual o resultado que teve? Mortes e mortes. Não
m uda em nada. As crianças vêm o ‘caveirão’ com o um monstro.
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Passei duas vezes por eles, e não vi nada. Como detesto armas, não
lamentei minha distração.
Ao chegar à escola pública onde Sônia trabalha fui com esta
a sala dos professores. Naquele horário não havia aulas na escola.
Apresentado a diretora da instituição, a mesma se apressou em me
dizer que a Favela Nova Brasília era um lugar “tranquilo” e que a
Favela Vila do Cruzeiro (também incluída na região que compreen
de o Complexo do Alemão) era onde costumavam ocorrer confron
tos entre policiais e traficantes. Depois, voltando para casa, lembrei
do assassinato de “Tota” e da quebra do “novo Caveirão” e me
perguntei se seria aquela a “tranquilidade” que a diretora se referia.
A diretora saiu e continuei conversando com os professores.
Segundo um deles, muitas vezes, quando está prestes a ocorrer um
confronto entre policiais e traficantes, estes entram em contanto
com a escola e avisam do perigo iminente. Assim, as aulas são sus
pensas e os professores, alunos e funcionários deixam a escola ou
nem sequer vão até a mesma - no pior dos casos, ficam na própria
escola esperando o confronto terminar.
Dois professores comentaram que uma vez o Caveirão entrou
na Favela e passando em frente a escola um aluno resolveu abrir
uma janela e olhar a operação do BOPE. Como resultado levou um
tiro! Uma professora comentou que a culpa foi dele, afinal, quem
mandou não ficar quieto e inventar de abrir a janela! Uma profes
sora me confidenciou que há professores que torcem para que haja
confronto na Favela, pois assim as aulas são suspensas e eles não
precisam ir trabalhar!
No dia seguinte de minha visita a Nova Brasília, entrei na in
ternet e pesquisei por “Favela Nova Brasília” no indexador do Goo-
gle. Em 0, 45 segundos o indexador encontrou aproximadamente
512.000 resultados para minha pesquisa. Dos sites que abri e dos
textos que li, a maioria falava sobre violência, tráfico de drogas,
polícia e mortes.
Na pesquisa que fiz uma questão, em especial, chamou minha
atenção. Segundo documentos que tive acesso, houve, nos anos de
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A) A Sociedade de Soberania.
Na sociedade chamada de Soberania o exercício de poder gi
rava em torno da figura do rei ou do príncipe. Na teoria do direito
soberano, a mecânica do poder se efetivava numa relação de forças
assimétricas: de um lado o soberano e de outro os súditos. O poder
45. R eferência à canção “ Tropa de E lite (E gyp cio , Pg, Román , Baía, Leo, J o n n y )” .
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B) A sociedade disciplinar
De acordo com Michel Foucault (2003, 2005), a partir da época
clássica, nasce no Ocidente um novo tipo de poder. Trata-se da in
venção de uma mecânica de poder que é bastante distinta daquela
da soberania e que se caracteriza, agora, muito mais pela produção,
majoração, fortalecimento das forças produtivas dos corpos do que
por sua subtração e diminuição. Entre em cena, uma “microfísica
do poder” (MACHADO, 1999) que se exerce de modo capilar por
todo o corpo social.
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do’, não quer dizer que ela seja absurda e incoerente. Ao contrário,
(... ) deve poder ser analisada em seus menores detalhes, mas se
gundo a inteligibilidade das lutas, das estratégias, das táticas.”
Por este viés, o papel da genealogia, para Foucault (2005), é o
de promover a insurreição dos saberes que são, convenientes e es
trategicamente, sujeitados. É fazer aparecer na trama da história às
lutas, os combates, os micropoderes que determinam a emergência
de certos discursos e o silêncio de outros. Tais poderes produzem
determinados domínios de objetos e determinadas subjetividades.
A questão para Foucault é “Des-sujeitar” os saberes históricos para
que, assim, eles sejam capazes de fazer oposição e luta contra os
efeitos de poder de um discurso unitário, centralizador e uniforme,
isto é, do discurso cientifico. Assim, a genealogia visa à utilização
desses saberes históricos nas táticas atuais.
Desse modo, com o desenvolvimento do capitalismo, o ritmo
acelerado da industrialização e a consequente explosão populacio
nal nos centros urbanos, o poder de soberania se tornara ineficiente
para reger esta nova organização social que acabava de nascer. En
tão, uma nova forma de controle social se fez necessário. Na ver
dade, segundo Foucault (2005), foi preciso que o poder se reorgani
zasse em torno de duas acomodações: a) uma acomodação voltada
para a recuperação do detalhe, a um investimento individualizante
do corpo feito pelos mecanismos de poder, preocupados com o seu
treinamento e vigilância; b) uma segunda acomodação, mais com
plexa do que esta primeira e que se deu sobre os fenômenos globais
da população; seus processos biológicos.
Este poder sobre a vida, que se desenvolve a partir do século
XVIII, tem duas formas principais que não se contrapõem, mas se
completam e surgem com certa defasagem histórica: A) uma aná-
tomo-política do corpo humano, caracterizada pelas disciplinas e
centrada no corpo máquina: “no seu adestramento, na ampliação
de suas aptidões, na extorsão de suas forças, no crescimento pa
ralelo de sua utilidade e docilidade, na sua integração em sistema
de controles eficazes e econôm icos” (FOUCAULT, 2003, p.131); B)
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C) O Racismo
Na última aula de seu curso “Em defesa d a sociedade”, realiza
do de janeiro a março do ano de 1976, Foucault discute a questão
do racismo de Estado. Como é de seu estilo característico, o au
tor expõe as peças, os personagens, seleciona as ferramentas, bem
como, os locais e as épocas. Coloca os pontos em que sua análise se
sustentará e àqueles sobre as quais ela tentará dissolver. No recorte
que operamos aqui, em nosso trabalho, interessa-nos, sobretudo, a
tese sustentada por Foucault em sua última aula daquele ano, qual
seja: o racismo é o dispositivo sobre o qual os Estados modernos
devem se apoiar se quiserem, por conseguinte, valer-se de seu anti
go direito de gládio (direito de fazer morrer).
Durante o pequeno percurso de nossa exposição em que discu
timos a emergência dessa nova tecnologia de poder que toma como
objeto e alvo de seu exercício a vida, bem como, os processos de exis
tência, frisamos a distinção entre o biopoder, voltado para a gestão da
vida, e o poder soberano, caracterizado pelo gládio, isto é, a morte.
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47. Um exem plo é o estadunidense Charles M urray que, durante o período do governo
Reagan, escreveu um livro que “serviu com o bíblia para a cruzada con tra o Estado-
providência (W ACQUANT, 2001, p.2 4)” . O cientista defendia que a ajuda aos pobres
era a razão da crescente pobreza nos Estados Unidos. Em outra op ortu n id a d e , Murray,
em parceria com o psicólo go de Harvard Richard H errnstein, escreveu um livro que é
“ um a u tentico tra ta d o de racism o e ru d ito ” (W ACQUANT, 2001, p.24): “ sustenta que
as desigualdades raciais e de classe na A m érica refletem as diferenças individuais de
‘capacidade c o g n itiv a ” . (W ACQUANT, 2OO1, p. 24-5). Em a rtig o pu b lica d o na Ingla
terra, M urray escreveu: “ os hom ens negros são essencialm ente bárbaros, para quem o
casam ento é um a força civiliz a d o ra ” ; “ m ulheres negras se deixam engravidar, porque
sexo é bom e os bebês são um a gracinha” (W ACQUANT, 2 0 0 8 , p. 48).
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D) A sociedade de Controle
A nossa atualidade é marcada pelo surgimento de novas tec
nologias de poder que integram e completam as relações de poder
da sociedade disciplinar. Por isso, torna-se fundamental o debate a
respeito das novas configurações do diagrama de poder de controle.
Pois, de uma forma ou de outra, os novos mecanismos de poder
incidem e provocam mudanças tanto nos regimes das prisões, no
regime das escolas e das demais instituições, como provocam efei
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Cena IV: “Vocês que fazem parte dessa massa, que passa nos
projetos, do futuro51”: refugo humano e vida nua.
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d o s ” é que estes “são o re fugo de um m u ndo que se de dica ao se rviço dos tu ris ta s ” .
Trata-se de co n ce ito s que nos ajudam a pensar co m o a lógica ca p ita lista p ro d u z a
d ic o to m iz a ç ã o dos seres hum anos a p a rtir do en ga ja m e n to destes na co n d içã o de
co n sum ido res perm anentes.
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54. Q ua ndo d is c u tim o s a ideia de s o cied ade d is c ip lin a r em F o ucau lt vim o s que o
p o d e r d is c ip lin a r investe sob re os co rp o s te n d o p o r alvo p ro d u z ir um c o rp o que seja
e c o n o m ic a m e n te ú til (c o rp o -m á q u in a ) ao fu n c io n a m e n to do sistem a e p o litic a m e n te
subm isso (c o rp o d ó cil).
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55. Música lançada em 1949. S egundo o jo rn a lis ta Franklin M artins (2010): “ Esta m a r
chinha, que fe z g ra n d e sucesso em 1949, to rn o u -s e um clássico do carnaval carioca. O
re cado da c rític a social é claro: o p e dreiro V aldem ar e os tra b a lh a d o re s de um m o do
geral, qu e fazem tu d o na sociedade, não usu frue m dos benefícios do seu tra b a lh o ” .
D e a co rdo com C arva lho (2010), com o E stado N o v o c rio u -s e o “D e p a rta m e n to de
Im p ren sa e P rop agan da (D IP )” , responsável pela censura às artes e espetáculos. Para
o autor, “ a c rític a social, porém , conseguia d rib la r a censura nas m archinhas de c a r
naval co m o em “ P edreiro V a ld e m a r” , de W ils o n B atista, ta lv e z a mais expressiva e
p u n g e n te denúncia da alienação d o tra b a lh a d o r em relação ao fru to de seu tra balho ,
fe ita p o r m eio da m úsica p o p u la r” .
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Por outro lado, o termo “bíos” era usado para se referir à vida
entendida enquanto forma ou maneira de viver de um indivíduo ou
de um determinado grupo. Diferentemente da zoé, que representava
o simples fato de viver, a bíos implica numa vida que possui relevân
cia política; numa vida marcada pela linguagem, pela racionalização.
Agamben usará do obscuro conceito de “homo sacer”, retirado
do antigo direito criminal romano, para pensar na inscrição da vida
nua (termo retirado da obra de Walter Benjamin) nas relações de po
der dos Estados modernos Ocidentais. O conceito de homo sacer traz
um paradoxo: é uma vida insacrificável e, ao mesmo tempo, matável.
Assim sendo, o homo sacer representa, duplamente, uma vida
que não pode ser levada a morte dentro dos meios sancionados
pelo rito, mas que, contraditoriamente, sendo impunemente exter
minada por qualquer um sua morte não representa um crime, mui
to menos um sacrilégio.
A vida do homo sacer, mera vida matável, localiza-se numa “zona
de indiferenciação” entre o sacrifício e o homicídio, entre o sagrado e
o profano, sendo que sua inclusão no espaço político se dá pela sua
exclusão do mesmo, isto é, por sua morte. Trata-se de uma vida que
“vive continuamente sob o signo da ambivalência: a impunidade de
sua morte e o veto do sacrifício. (CARVALHO, 2010, p. 11-12).
Para Agamben, a cisão constitutiva da política ocidental, que
consisti na inclusão da vida nua através de sua exclusão, já esta
ria calcada na estrutura grega. Para o autor, “a vida nua tem, na
política ocidental, este singular privilégio de ser aquilo sobre cuja
exclusão se funda a cidade dos hom ens” (2007, P. 15).
A vida nua, ou zoé, será inscrita na estrutura de fundamenta
ção do Estado-nação moderno representando, assim, “o local em
que se efetua a passagem da soberania régia de origem divina à
soberania nacional” (AGAMBEN, 2007, P. 135).
A passagem da soberania régia à soberania nacional está ali
cerçada principalmente no conceito moderno de direitos humanos.
Pois, para Agamben, é através do mesmo que a vida nua é inscrita
no interior dos Estados modernos.
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Karl Marx em sua obra. Contudo, isto não quer dizer que o autor
francês não considere que o modo de produção capitalista ou que
as relações de classe estejam implicadas na produção dos discursos.
Foucault parte de outro ponto de vista no qual o que importa não
é o que o discurso possa esconder, mas o que ele enquanto prática
produz, isto é, que verdades ele fabrica.
Dessa maneira, o discurso é um efeito das relações de poder e,
ao mesmo tempo, um modo de exercício destas. O mesmo produz
verdades - estas, assim como os discursos, são produzidas a partir
das relações de poder - e processos de subjetivação. Assim, quando
nos referimos aos discursos da mídia, estamos pensando os mes
mos como práticas que produzem efeitos de verdade no mundo.
A mídia é um dos principais equipamentos sociais de produção de
modos de subjetivação. Segundo Coimbra (2001, p. 29), a mídia pro
duz “esquemas dominantes de significação e interpretação do mundo
e que os meios de comunicação, ‘falam pelos e para os indivíduos”.
Como escreve Guatarri (1992, p. 11), os fatores subjetivos “fo
ram assumidos pelos mass médias de alcance mundial”, tornando-se
ainda mais importantes na econômica política das relações de poder.
No mercado globalizado das notícias, os discursos midiáticos
produzem certos processos de subjetivação. Vimos no primeiro ca
pítulo de nosso trabalho que inúmeros meios de comunicação pro
duziram, no primeiro semestre de 2007, discursos que “falavam”
para seus leitores do perigo da realização dos jogos Pan Americanos
na cidade do Rio de Janeiro. Tais discursos cooperaram para a pro
dução de um clima de medo e insegurança na cidade. Obviamente,
existem outros fatores implicados na produção do medo.
Segundo Batista (2003), a difusão do medo do caos no Brasil
possui um papel estratégico no controle e disciplinamento das mas
sas. Neste contexto, o papel desempenhando pelos discursos midi-
áticos não é de coadjuvante. A mídia é protagonista de espetáculos
nos quais são encenadas peças que a mesma ajudou a escrever.
A narrativa midiática oferece ao público uma versão da histó
ria, uma determinada interpretação dos fatos que, contudo, é ven
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cidade: o mercado se vê refletido por uma mídia que, por sua vez,
dá visibilidade aos eventos que reforçam a estrutura de mercado”.
Os meios de comunicação, segundo Chauí (2006, p. 73), são em
presas privadas e representam “uma indústria (a indústria cultural)
regida pelos imperativos do capital”. E que tipo de mercadorias as
corporações de mídia vendem? Obviamente, vendem notícias e a pro
dução destas segue a lógica do capital: o que importa é o lucro. Como
escreve Galeano (2002, p. 16): “os fabricantes de armas precisam de
guerras como os fabricantes de abrigos precisam de invernos”.
E de que precisam os “fabricantes de notícia”? Ou melhor, não
importa se as notícias são verdadeiras, pois, sendo a verdade algo
que é produzido, importa que elas sejam lucrativas. Então, mudemos
a pergunta para: e onde está o lucro dos “fabricantes de notícias”?
Por um lado, numa perspectiva de mercado, o seu lucro está na
vendagem de jornais, revistas, no acesso a sites, na audiência nos
programas da TV, na conquista de anunciantes etc. Por outro lado,
politicamente, a lucratividade das “fábricas de notícias” refere-se
à capacidade destas em produzir determinados modos de subjeti
vação: uma determinada maneira de pensar a política; um jeito de
torcer e assistir aos jogos da seleção brasileira de futebol; um modo
de perceber a favela, o morador de rua etc.
Vimos brevemente neste capítulo, como a produção de subje-
tividades é de suma importância para a produção capitalista. Tam
bém vimos que os discursos da mídia são produtores de verdades
e, ao mesmo tempo, de processos de subjetivação. Diante deste
contexto, caberia perguntar se as corporações de mídia trabalham
a favor da democracia ou a favor dos interesses do mercado? Nossa
resposta favorita foi dada por Wacquant (2003, p. 157): “hoje, as
grandes mídias não são um instrumento do debate democrático,
mas um obstáculo a ser contornado para poder engajá-lo”.
O compromisso das grandes empresas midiáticas é com o ca
pital. Será que os discursos que destoam da política de verdade
instituída nas redações dos grandes jornais têm lugar nas páginas
dos mesmos? Será que há espaço para vozes dissonantes?
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Época (2007, Ed. 477) cita quatro motivos para que o Estado
não “deixe o Alemão”. O primeiro, e “mais importante”, é “vencer o
com bate”. Segundo a revista, para que a “vitória” do Estado contra
o tráfico no Alemão se consolide, é preciso que o primeiro não deixe
de marcar sua presença, “com energia e determinação” nas Favelas
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"A perícia revelou que uma das vítimas, David Souza Lima,
de 14 anos, levou cinco tiros nas costas. Outras 16 pessoas
foram atingidas por trás. Três foram baleadas na nuca e cinco
levaram tiros à queima-roupa. "Existem elementos típicos de
execução, mas não podemos dizer que houve execução nem
que não houve”, diz o deputado Alessandro Molon, presidente
da Comissão de Direitos Humanos da Alerj. "Temos de conti
nuar investigando para que não reste dúvida.” Uma equipe de
peritos da Secretaria Nacional de Segurança fará laudos inde
pendentes, que serão confrontados com os do Estado”.
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Cena III: “Eu não tenho papa na língua e nem conversa fiada.
Respeito ao sambista do morro deixem de palhaçada64”:
A Revista Veja e “o ataque a cidadela do tráfico”.
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67. “ Talvez seja, talvez, mas eu in c lin o -m e a pensar que, pelo con trário , m uitas revo
luções se perderam p o r dem asiada paciência. O bvia m ente, nada te n h o de pessoal
c o n tra a esperança, mas p re firo a im paciência. Já é te m p o de que ela se no te no
m u ndo para que algum a coisa ap rend am aqueles que preferem que nos alim e ntem os
de esperanças. Ou de u to p ia s ” (SARAM AGO , 2010).
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68. B e rto ld B rech t (2010): Nós vos p e dim os com insistência: / N unca dig a m - Isso
é natural / D iante dos a co n te c im e n to s de cada dia, / Numa ép oca em que corre o
sangue / Em que o a rb itrá rio te m fo rç a de lei, / Em que a h u m anid ade se desum aniza
/ Não dig a m nunca: Isso é natural / A fim de que nada passe p o r im utável.
69. Galeano falo u da u to p ia num a mesa com o e s c rito r José S aram ago no A u d itó
rio A ra ú jo V ianna num painel do Fórum Social M undial em P o rto A legre, em 29 de
ja n e iro de 2 0 0 5 .
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"Era uma tarde de sol. Maicon tinha dois anos e seis me
ses. A favela estava na maior tranqüilidade e as crianças
brincavam de correr umas atrás das outras. O Maicon era o
menorzinho e corria sorrindo atrás do irmão e dos amigui-
nhos. Enquanto brincavam, eu costurava e o pai concertava a
bicicleta” (SORARES, MOURA e AFONSO, 2009, p.19).
"De repente, policiais do 9° BPM entraram atirando sem dire
ção. Só se ouviam os gritos das crianças. E os gritos passavam
medo. O pai de Maicon sentiu uma dor e correu na direção
dos tiros. Deparou-se com o filho estirado, ensangüentado, e
gritou: ‘Maicon! Não! Não ! Não! Não posso acreditar no que
vejo!’. Ao ouvir os gritos de José, corri também e perguntei:
‘Cadê o Maicon?’. ‘Olha lá’, berrou ele. Corri desesperadamen
te, tirei meu filho do chão, abracei-o e percebi que meu filho
moreninho estava vermelho. O sangue lavava seu pequeno
71. S egu ndo E duardo Galeano (2 0 0 2 , p.15), o a rgelino A h m e d Bem Bella disse: “ este
sistem a, que já enlo uqu eceu as vacas, está e n lo u q u e c e n d o os ho m ens” .
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corpo e eu, abraçada com ele, gritava: ‘Socorro, meu filho está
morrendo!" (SORARES, MOURA, AFONSO, 2009, p.19-20)
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"Eu convivi com meu filho por 15 anos. Foi uma coisa ma
ravilhosa. E desde o dia em que aconteceu esta tragédia na
minha vida, na vida do p ai dele, dos irmãos, da minha so
gra, tudo mudou muito. Eu já tinha problema de saúde, a í
dobrou. Eu choro todas as noites. Tem dia em que eu estou
calma, mas tem dia em que estou com os nervos à fo r da
pele” (SOARES, MOURA, AFONSO, 2009, p. 46).
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76. Neste sen tido, c o rro b o ra o excelente tra b a lh o realizado pe lo C om itê P opular da
C opa no Rio de Janeiro. Para c on hecer o C o m itê Rio: < h ttp ://c o m ite p o p u la rio .w o r-
d p re s s .c o m />
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77. R eferência a poesia “ m ar p o rtu g u ê s ” (F ern ando Pessoa); à canção “ Pais e filh o s ”
(D a d o V ila -lob os, Marcelo Bonfá e Renato Russo); à canção “ pra não d ize r que não
falei das flo re s ” (G eraldo Vandré).
78. R eferencia à canção “ Marcha da q u a rta -fe ira de cinzas” (V inícius de Moraes e
Carlos Lyra).
80. R eferência à canção “ Minha m issão” (Jo ão N ogu eira e Paulo César P inheiro).
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Referências
A ) LIVROS
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BATISTA, Vera Malaguti O globo da morte. Em: Rauter, C.; Passos, E.; Bene
vides, R. (Orgs.) Clínica e Política. Subjetividade e violação dos Direitos
Humanos. Rio de Janeiro: Equipe Clínico-Grupal, Grupo Tortura Nunca
Mais - RJ, Instituto Franco Basaglia/Editora Te Corá, 2002. p. 59 - 64.
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169
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__________ Prisões e revoltas nas prisões. MOTTA, Manuel Barros da. (org.)
Ditos e escritos IV: Estratégia, Poder-Saber. Rio de Janeiro: Forense Uni
versitária, 2006b. p.61 - 68.
__________ Entre vista sobre a prisão: o livro e o seu método. MOTTA, Ma
nuel Barros da. (org.) Ditos e escritos IV: Estratégia, Poder-Saber. Rio de
Janeiro: Forense Universitária, 2006f. p. 159 - 174.
17 0
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MARCONDES FILHO, Ciro. O capital da notícia. São Paulo: Editora Ática, 1989.
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MOTTA, Manuel Barros da. Apresentação. In: MOTTA, Manuel Barros da.
Ditos e Escritos IV: Estratégia, Poder-saber. Rio de Janeiro: Forense Uni
versitária, 2006.
PELBART, Peter Pal. Eu(reka!) Em: A vertigem por um fio. São Paulo:
Editora Iluminuras, 2000.
172
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B) ARTIGOS
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COIMBRA, Cecília. LOBO, Lília. NACIMENTO, Maria Lívia. Por uma in
venção ética para os direitos Humanos. Revista Psicologia Clínica, Rio de
Janeiro, Vol. 20, N. 2, p. 89 - 102, 2008. Disponível em: < http://www.
scielo.br/pdf/pc/v20n2/a07v20n2.pdf> Acesso em dezembro de 2008.
C) REVISTAS
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D) RELATÓRIOS E MANIFESTOS
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E) SITES
BBC BRASIL: Violência no Rio aum enta temor p elo PAN, diz jornal argen
tino. Junho de 2007a. Disponível em: < http://
www.bbc.co.uk/portuguese/reporterbbc/story/2007/06/070628pressre-
view2.shtml > Acesso em julho de 2007.
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ESTADÃO ONLINE: Cabral diz que vai à Colômbia para aprender a re
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67d8ab4f4c10bf22aa353e27879133c&codcolunista=39> Acesso em 11 de
junho de 2010.
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O GLOBO ONLINE: Comandante do 16° BPM afirma que 2007 será 'um
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Este livro foi composto em IT C Slimbach pela
Editora M ultifoco e impresso em papel offset 75 g/m2.