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DIVERSIDADE SEXUAL E DE GÊNERO: A CONSTRUÇÃO DO SUJEITO SOCIAL

SEXUAL DIVERSITY AND GENDER: THE SOCIAL CONSTRUCTION OF THE


SUBJECT

ARTIGO
Ariana Kelly Leandra Silva da Silva
Universidade Federal do Pará (UFPA)

Resumo
O artigo discute a Diversidade Sexual e de Gênero enquanto possibilidade
de construção de sujeitos sociais críticos, que reproduzam em sociedade
uma nova mentalidade em relação à orientação sexual, dirimir o
preconceito e encontrar mecanismos para que a violência de gênero seja
mitigada. O objetivo é ponderar sobre a construção do sujeito crítico e
participante em sociedade. O método de pesquisa é a análise qualitativa
sobre o tema. Os resultados apontam à reflexão filosófica sobre estigmas da
sexualidade humana. Concluímos informando que a educação de gênero e
diversidade é um caminho eficaz para suscitar debates em torno da
negatividade do preconceito sexual e que relações de poder em sociedade
possam ser reexaminadas como decorrência de um país mais harmonioso
socialmente.

Palavras-
Palavras-chave: diversidade; sexualidade; gênero; construção social.

Abstract
The article discusses the Sexual and Gender Diversity as a possibility of
building critical social subjects, which reproduce a new mentality in society
in relation to sexual orientation, dispel prejudice and find ways that gender
violence is mitigated. The goal is to ponder the construction of critical
subject and participant in society. The research method is qualitative
analysis on the subject. The results point to the stigma of philosophical
reflection on human sexuality. He concluded by stating that education and
gender diversity is an effective way to provoke discussion around the
negativity of sexism and power relations in society can be reviewed as a
result of a more socially harmonious.

Keywords:
Keywords diversity; sexuality; gender; social construction.

Resumen
El artículo aborda la diversidad sexual y de género como una posibilidad de
la construcción de sujetos sociales críticos, que reproducen una nueva
mentalidad en la sociedad en relación con la orientación sexual, disipar
prejuicios y encontrar mecanismos de la violencia de género se mitiga. El
objetivo es reflexionar sobre la construcción de sujetos y participante
fundamental en la sociedad. El método de investigación es un análisis

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cualitativo sobre el tema. Los resultados apuntan a la reflexión filosófica


sobre los estigmas de la sexualidad humana. Concluimos afirmando que la
educación y la diversidad de género es una forma eficaz de aumentar los
debates sobre la negatividad del sexismo y relaciones de poder en la
sociedad puede ser revisado como consecuencia de un país socialmente
más armonioso.

Palabras clave
clave:
lave: diversidad; sexualidad; género; construcción social.

1. Introdução (Simmel, 2006) – que, a priori, fazem parte de


uma construção social (GDE, Mod. 2, Un. 1,
A tutela da diversidade das culturas1 Texto 4) que lida com todas as formas de
(Lévi-Strauss, 2006) em nossa comportamento em sociedade: gestos,
contemporaneidade confere aos processos de práticas culturais, estilos de vida,
convivência social uma atitude reflexiva do religiosidades, ética, ritos, crenças, valores
que entendemos ou interpretamos, morais e etc., além de discursos sobre
necessariamente, a guisa da “diversidade”, sexualidade, educação, saúde – individual e
qual seja: social, cultural, política, sexual, coletiva –, gênero e cultura em geral.
econômica, jurídica, estrutural, ambiental, A compreensão da sexualidade
biológica, de gênero, de gostos, de raças, (Foucault, 2003) – que é diversa – e suas
etnias, credos e assim sucessivamente. relações sociais da atualidade requerem a
O âmbito da discussão engloba variados discussão de par em par de abordagens
aspectos da vida social – de sociabilidades2 educativas com o intuito de contextualizar
simbologias, técnicas, experiências e
representações sociais que envolvam a
1 Escola, a Família, o Estado, as Políticas
“[...] a noção da diversidade das culturas humanas
não deve ser concebida de maneira estática. Esta
Públicas, os campos Jurídico e da Saúde,
diversidade não é a mesma dada por um corte de assim como as articulações e organizações da
amostras inerte ou por um catálogo dissecado. É Sociedade Civil no que tange aos Direitos
indubitável que os homens elaboraram culturas Humanos, Direitos Sexuais, Preconceitos e
diferentes em virtude do seu afastamento geográfico, Discriminações – muitas vezes veladas –,
das propriedades particulares do meio e da ignorância
em que se encontravam em relação ao resto da
como também regulamentações através de
humanidade, mas isso só seria rigorosamente Leis, Normas e padrões de comportamento
verdadeiro se cada cultura ou cada sociedade estivesse que impõem regras sociais e relações de
ligada e se estivesse desenvolvido no isolamento de poder que, por vezes, contribuem para a
todas as outras. Ora isso nunca aconteceu [...]. Por reprodução de violências e deturpação da
conseguinte, a diversidade das culturas humanas não
nos deve induzir a uma observação fragmentária ou
realidade social, especialmente nos casos de
fragmentada. Ela é menos função do isolamento dos agressões físicas e emocionais a alguns grupos
grupos, que das relações que os unem”. (Lévi-Strauss, como de mulheres, homossexuais,
Raça e História, 2006, p. 15-16). afrodescendentes, indígenas, entre outros.
2
“[...] Kant estabeleceu como princípio do direito que
cada qual deveria ter sua medida de liberdade na maneira o princípio da sociabilidade: cada indivíduo
coexistência com a liberdade do outro. Quando nos deve garantir ao outro aquele máximo de valores
atemos ao impulso sociável como fonte ou também sociáveis (alegria, liberação, vivacidade) compatível
como substância da sociabilidade, vemos que o com o máximo de valores recebidos por esse indivíduo.
princípio segundo o qual ela se constitui é: cada qual Assim como a lei kantiana é inteiramente democrática,
deve satisfazer esse impulso à medida que for esse princípio também mostra a estrutura democrática
compatível com a satisfação do mesmo impulso nos de toda sociabilidade”. (Simmel, G. Questões
outros. Expressando esse princípio a partir do êxito, e fundamentais da sociologia, 2006, p. 68-69).
não do impulso, torna-se possível formular da seguinte

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As relações de gênero3 (Scott 2009; longo do processo de formação da criança,


GDE, Mod. 2, Texto 2, 2009) moldam os como provavelmente muitos de nós nos
sujeitos sociais que compõem o cenário da deparamos na infância.
diversidade sexual (França, 2005) e são No tocante ao espaço educacional, os
categorias de análise que devem ser levados "papéis" continuam a se reproduzir,
aos diversos espaços públicos a fim de principalmente nos acontecimentos "lúdicos"
fomentar discussões e debates a respeito dos de dança, teatro, esportes e outras
mesmos, no qual a Escola é o lugar sui generis manifestações que ocorrem na Instituição
de estabelecimento de uma retórica que seja Escola. As "territorialidades" são
pensada a partir da própria diversidade, exemplificadas através de atividades para
repleta de nuances e classificações que "meninos" e "meninas" como regras sociais,
devem acompanhar fatos, cotidianos, escalas com códigos e significados que indicam
econômicas, aspectos socioculturais e a "feminilidade" e "masculinidade" – no sentido
vivência de alunos e alunas das redes públicas estrito –, de "normalidade" (GDE, Mod. 3,
e privadas. Texto 1, 2009), de funções sociais
As anunciadas diferenças – em sentido previamente determinadas e
literal – entre meninos e meninas na categoricamente indiscutíveis, logo,
sociedade são evidenciadas desde o culturalmente impostas. Se uma menina se
nascimento: meninas usam roupas "rosas"; inscreve no time de futebol ou um menino no
meninos, "azuis"... Durante o grupo de dança a "normalidade" é vista de
desenvolvimento cognitivo, ambos são forma pejorativa, "instintivamente"
educados a brincar de "boneca" ou de preconceituosa, ferindo de maneira ampla a
"carrinho"; de "panelinha" ou de "futebol", "feminilidade" e a "masculinidade" indicada
demarcando a “delimitação do espaço" de como regra e a partir desse juízo de valor – e
cada um, ou seja, a "boneca" (personificação de outros –, criam-se estigmas, fofocas,
de um bebê de colo, do ato da maternidade) rótulos, dúvidas, depreciações e julgamentos
e a "panelinha" (a “cozinha”) assim como o sem precedentes.
"carrinho" ("homem" ao volante) e o "futebol" O preconceito sexual – que se estimula
(esporte "de homem") influenciam e reforçam – através de "piadinhas", "brincadeiras" e
a ideologia que reproduz a "submissão" várias maneiras de bullying4 surge como que
feminina e a sobreposição masculina no automatizado e, muitas vezes, encontra-se
status quo que designa a decodificação dos estereotipado à luz do comportamento
"papéis sociais" e as atitudes "inconscientes", conservador que ainda está presente em
finalizando na inculcação do "modo de vida" diversos "Aparelhos Ideológicos do Estado"
das relações de gênero dispostas (Althusser, 2007) como nas Escolas, nas
tradicionalmente, apenas para Igrejas, na própria Família, etc. Sobre o
exemplificarmos as situações que ocorrem ao preconceito, a segregação e o estigma é fato
que precisamos "descongelar" as atitudes que
3 “Sexualidade e gênero são dimensões diferentes que causam violências e inferiorizações na
integram a identidade pessoal de cada indivíduo. sociedade e congelar, combater, impedir a
Ambos surgem, são afetados e se transformam
conforme os valores sociais vigentes em uma dada
4
época. São partes, assim, da cultura, construídas em Bullying é o uso do poder ou da força para intimidar
determinado período histórico, ajudando a organizar a ou perseguir os outros na escola (school place bullying)
vida individual e coletiva das pessoas. Em síntese, é a ou no trabalho (work place bullying). As vítimas dessa
cultura que constrói o gênero, simbolizando as intimidação repetida e recorrente são normalmente
atividades como masculinas e femininas” (GDE, Mod. 2, pessoas que sem defesas são incapazes de motivar
Gênero, Um. 1 Texto 2, Gênero e outras formas de outras para agir em seu apoio. Site:
classificação, p. 3, Ministério da Educação, UFPA, http://www.observatoriodainfancia.com.br/rubrique.p
2009). hp3?id_rubrique=19

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intolerância de tal forma que possamos de poder que perpetuam violências e regras
orientar a capacidade cognitiva e formativa sociais específicas, como os padrões culturais
do ser humano para que, finalmente, seja um “heterossexuais”, a saber: o Casamento, a
indivíduo eminentemente humano. Reitero Família Tradicional, o sexo “apenas” entre
dizendo que o ser humano precisa se pessoas de gêneros opostos e demais formas
“humanizar”, conhecer direitos, desenvolver de padronização de comportamentos sexuais
aspectos sociais da vida cidadã, manifestar e sociais.
suas inquietudes e conquistar referências de Ressignificar valores como a ética, o
respeito mútuo, especialmente entre as respeito mútuo e atitudes práticas de
chamadas minorias sociais5. combate às delimitações e estereótipos de
É inconcebível que no Sistema "masculinidade" e "feminilidade", são
Educacional não façamos tamanha discussão. possibilidades educacionais necessárias para
A própria Escola enquanto Instituição precisa que os comportamentos citados sejam
aprimorar conhecimentos e compreender que revistos e (re) avaliados na vida social e
a sociedade é dinâmica, que caminha em cultural, e, finalmente, as rotulações e as
constante transformação histórica e que os imposições ideológicas e simbólicas entrem
aclamados processos educacionais baseados em debate. O aprendizado da liberdade
na Teoria da Educação necessitam de práxis humana "está dentro da cabeça” 6, como diria
social – sem "pragmatismos" forçados – para o poeta. Não vamos longe: não é à toa que
que ações concretas, eficazes, de diálogos e Marta7, no “país do futebol” masculino – leia-
reconhecimentos de que podemos – e se Brasil – é a melhor jogadora de futebol do
devemos – transmutar o desnivelamento Planeta, pelo quinto ano consecutivo,
social, cultural e simbólico que ainda "habita" quebrando um "paradigma", confundindo a
o ensino brasileiro (assim como o todo social) regra da coerção dos fatos sociais de
sejam de fato, fatos. "normalidade" apenas com o seu "talento
Nesse contexto, o processo que deve natural" e, a partir de fatos como esse, como
ser iniciado começa por mudanças de valores num “ponta pé”, é urgente que a abertura de
sociais que se mostrem conservadores, com a discussões seja analisada em torno das
“quebra” de paradigmas que reproduzam relações de gênero e dos preconceitos
preconceitos e que devem ser conquistados velados – e anunciados – na Sociedade
através de modificações profundas das Brasileira.
estruturas estruturantes, como diria Bourdieu
(2003), englobando a sociedade em longo 2. Preconceito
Preconceito enquanto dinâmica social
prazo, sendo inegável o sintoma das relações
O entendimento sobre preconceito é
algo dinâmico, pois envolve relações de poder
5 “Numa sociedade global uma minoria é uma
em diversas instâncias: sociais, políticas,
sociedade particular caracterizada por aspirar a um
modo de viver próprio que a distingue do conjunto e econômicas, culturais, simbólicas e também o
que, de certo modo, a põe à parte. Uma minoria não que aprendemos a conceituar por "raça" ou
está necessariamente afastada ou isolada da sociedade
nacional. É por isso que nem sempre se identifica com
um grupo marginal e não é necessariamente objeto de 6 Música: “Liberdade Pra Dentro Da Cabeça” – Grupo:
segregação. Uma minoria constitui-se como Natiruts - Composição: Alexandre Carlo. Letra:
coletividade ou comunidade particular na base da raça, “Liberdade Prá dentro da cabeça... Desigualdades que a
da língua, da religião ou de um gênero de vida e de luta, A fim de encontrar, A liberdade e a paz, Que a
cultura muito diferentes do resto do país ou conjunto. alma precisa ter...”.
7
Deste modo se criam ligações afetivas e afinidades que Marta Vieira da Silva, mais conhecida como Marta
tendem a afastar este grupo do resto da população (Dois Riachos, 19 de fevereiro de 1986), é uma
ainda que ele se encontre disperso” (Dicionário de futebolista brasileira que joga como atacante. Hoje,
Ciências Sociais Alain Birou, Publ. D. Quixote, nº5, atua na Suécia. Melhor jogadora do mundo pela FIFA:
Lisboa 1982). 2006, 2007, 2008, 2009 e 2010.

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"etnia", “cor”, “classe”, “gênero”, que deflagram o ambiente da civilização


“diversidade”, etc. No entanto, todas essas ocidental, no entanto, é necessário que
relações sociais que resultam em inúmeros possamos não estigmatizar a realidade do
"preconceitos" são, antes de tudo, ausências contexto social e histórico dos casamentos no
de respeito à diversidade sexual – e cultural – Islã ou de outras formas de rituais de
entre os homens/mulheres de sociedades casamento em culturas diversas.
diferentes, que entraram em contato e A pedofilia é crime e é um fato. O que
obtiveram trocas sociais desde o princípio do devemos nos perguntar é: até que ponto é
processo de transformação cronológica e válido interferir na cultura "do outro" sem
tecnológica da humanidade, entre parecermos "salvadores do mundo" e da
conquistadores e conquistados, colonizadores cultura alheia? Pedofilias e espancamentos
e colonizados, estabelecidos e não- existem no Brasil. Inúmeros. Incontáveis.
estabelecidos (Elias e Scotson, 2000) e que Diários. E não é necessário existir "contrato
atualmente moldam a chamada social" para isso. Dentro de infinitas casas e
"diversidade": sexual, de gênero, cor, religião, famílias brasileiras crianças são molestadas
cultural, social e etc. O respeito e a tolerância sem precisar assinar papel algum. Logo, não
– à La Freire8 – à diversidade devem ser dados devemos "condenar" uma cultura em
a passos largos para que os preconceitos detrimento de outra. Direitos humanos em
possam ser discutidos por todos a fim de sua todos os lugares do mundo deve ser a palavra
supressão em sociedade. de ordem do dia, da semana, do momento,
Muito se ouve falar acerca da pedofilia em todos os instantes e com cautela. O crime
– espécie de perversão ou atração sexual que de pedofilia deve ser banido em qualquer
envolve crianças ou adolescentes classificada parte da sociedade, todavia, comecemos por
como uma desordem mental e de nossos lares, estabelecimentos de ensino e
personalidade do adulto – inclusive em sites creches brasileiras e que, por fim, suscitem a
divulgados na Internet de caráter duvidoso, discussão da sexualidade dentro e fora da
como a famigerada “Pedofilia do Hamas”9, escola.
entre outros sites que lucram com o abuso e a A discriminação contra homossexuais,
exploração sexual de menores. Pergunta-se: negros, indígenas, meninas e meninos tímidos
de qual cultura estamos falando em relação à ou recatados, mulheres lésbicas, transexuais,
pedofilia? Da cultura Ocidental? Da do bissexuais e outras formas de orientação
Oriente Médio? Não corremos o risco de sexual é latente, manifestada através de
sermos etnocêntricos ao “denunciarmos” o piadas, brincadeiras de mau gosto, olhares,
casamento entre os Islâmicos de forma tão gestos e atitudes preconceituosas que
enfática? Sendo sensacionalismo ou não, o precisam ser seriamente discutidas na Escola.
fato é que notícias desse modo são Diariamente acontecem situações
amplamente divulgadas na rede mundial de desagradáveis em sala de aula contra alunos e
computadores e, muitas vezes, crianças e alunas homossexuais, com anedotas
adolescentes são os principais alvos da machistas, palavras de baixo calão,
violência sexual. É óbvio que qualquer tipo de estereótipos ofensivos, deboches e atitudes
violência contra menores de idade é aparentemente "inofensivas", mas que
inadmissível e inaceitável pela própria servem como estigma (Elias e Scotson, 2000)
condição humana e cultural, além dos tabus ao homossexual e às diversas maneiras de
home erotismo ou homo afetividade.
8
Freire, Paulo. Pedagogia da Tolerância. Ed. UNESP, O "papel social” do professor e da
São Paulo, 2004. professora é discorrer sobre o preconceito,
9
Blog:
falar abertamente, sem medos. Falar com
http://www.pulpitocristao.com/2009/09/pedofilia-do-
hamas.html, visita: 12/10/2010, entre outros sites e sutileza, sem ofender os que cometem o
endereços eletrônicos via Google. crime da intolerância. Com afetividade e boa

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argumentação conseguimos barrar não educador é estimular a construção social


apenas o preconceito, como também, daqueles sujeitos, para que sejam
fazemos as pessoas que cometem verdadeiramente inseridos na sociedade de
hostilidades perceberem o quanto são direitos a fim de aprimorar novas visões de
ingênuas ou ideologicamente conduzidas ao mundo.
reproduzir o que a própria sociedade Diversos sistemas de classificação
reproduz e a partir dai sensibilizar o alunado envolvem categorias que, entre outros,
ao caminho da tolerância e do respeito compreendem a sociedade em geral: o
mútuo. contrato social (Rousseau, 2008), a família,
A diversidade sexual é um tema atual regras e relações de poder – a serem
que necessita, de fato, de uma ampla cumpridos –, relações sociais e de parentesco,
discussão. Afirmar que o preconceito sexual é o tabu do incesto, a "infantilização" da criança
"sinônimo" de discriminação é simplificar o no compasso da Modernidade, a apropriação
contexto do preconceito e da discriminação, de conceitos escolares como medida de
sendo que um leva ao outro ou vice-versa, Controle Social, a violência/abuso sexual
logo, não podemos considerá-los como contra crianças e adolescentes, a prostituição
atitudes com o mesmo sentido semântico, no infantil (exploração sexual), os transtornos
entanto, envolvem conotações similares e mentais sexuais (adultos), a erotização e a
que, dependendo do significado e da ação em banalização do sexo no
que ambos ocorrem, podemos classificá-los "Ocidente" (especialmente a partir do Século
como intolerâncias que devem ser discutidas XVIII) entendido como "perda de valores
e contestadas. Discriminar alguém por sua sociais", o crime sexual – a pedofilia –, a
classe social, cor, religião ou orientação sexual necessidade de proteção através da criação
leva ao preconceito contra o "pobre", o de leis e punições, os "papéis" do Estado e do
"preto", o "macumbeiro", a “entendida”, a "indivíduo", os simbolismos e imaginários em
“mulher da vida” e o "gay", todos sinônimos práticas de sedução infantil, e, finalmente,
de estigmas sociais (Goffman, 1980) que relações culturais que são dinâmicas, sendo
estão cercados de relações que envolvem não que, à medida que a História escreve os seus
apenas aspectos econômicos ou de "raça", "capítulos", os processos sociais que antes
entre "ricos" e "pobres", entre "heteros" ou eram menos complexos, hoje estabelecem
"homos", como também situações históricas situações limites e que, necessariamente,
de segregação e desrespeito com o precisam ser avaliados a partir do cotidiano
"diferente", fora dos "padrões tradicionais" da social para que os critérios de sexualidade e
Sociedade Ocidental. diversidade possam ser compreendidos à luz
Os movimentos sociais da cena política de nossa contemporaneidade (Mota, 2009).
brasileira envolvem mulheres, negros, A inquietude reside justamente em
prostitutas, homossexuais, religiões de matriz tentar elucidar, através da crítica social, a
africana ou afrodescendente, sem-terra, sem- idéia inculcada da violência vista com
teto e demais "minorias" que formatam as normalidade em sala de aula e também na
lutas cotidianas de busca por cidadania e própria sociedade, em frases aleatórias como:
participação democrática. No tocante, são "Isso é até normal!", ou "Acontece todo dia",
exemplos de resistências sociais que precisam ou ainda, "A violência não tem mais jeito" e
ser ouvidos e estabelecidos no corpo social e outras reproduções derivadas de uma
educacional não como parcelas de uma "natureza" da banalização e do conformismo,
sociedade à margem, mas sim como sujeitos assim como se reproduzem as normalidades
sociais que constroem identidades e da corrupção e da falta de ética, da alienação
inscrevem a própria história, a história do social, das relações de poder e de agravantes
Brasil, que devem ser discutidos em sala de semelhantes – comportamentos intolerantes
aula e, a partir de novas idéias, a tarefa do e sem precedentes –, sendo que o resultado

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de todas as observações e estranhamentos seja tratada como uma prática social pela
sociais, partindo do pressuposto que a Instituição Escola.
interpretação dos modos de ser e de agir As relações de gênero, de separações
sociais é dinâmica, deve suscitar o históricas entre "meninos" e "meninas" e que
pensamento crítico, englobando atitudes ainda hoje causam polêmicas dentro das
coerentes para que mais e mais violências escolas são atitudes conservadoras que
sejam evitadas. refletem a quase inexistência de um debate
Existem variadas formas de ver o que problematize determinados
"Outro10", de compartilhar experiências comportamentos que são incompreensíveis
culturais diferentes, de compreender na Pós-Modernidade. O que mais maltrata o
universos sociais, sexuais, políticos e ser humano que sofre alguma forma de
econômicos baseados em relações humanas opressão é a "naturalização" de determinadas
de tolerância, respeito, amizade, "marcas" – estigmas – que deixam profundas
solidariedade e cidadania no que tange ao cicatrizes sociais, causando transtornos na
pleno reconhecimento de que é preciso saúde mental – emocional/sentimental – do
conquistar a igualdade partindo da garantia indivíduo afetado, e por essa razão
de “ter direito” à diferença, de ser diferente, precisamos debater diuturnamente as
de introduzir um diálogo amplo, sincero, relações sociais apontadas para que
aberto, amoroso, concreto e sem estigmas, consigamos naturalizar, entre todos e todas, o
que normalmente estão baseados em respeito, a dignidade e a tolerância humana.
preconceitos absolutamente intolerantes, ou Quando falamos em Direitos
como diria Vera Candau (2008: 5): “É Humanos12, Sexualidade, Preconceito,
necessário garantir a igualdade a partir do Discriminação, "Normalidade",
reconhecimento da diferença e, "Anormalidade", o que é ou não é natural
consequentemente, do respeito a ela”. Desse entre duas pessoas na sua vida amorosa ou
modo, a pedofilia, a homofobia11, as inúmeras afetiva, nos remetemos a complexas formas
violências no espaço escolar, o preconceito de apropriação da sexualidade. No entanto,
social e outras formas latentes de "relações discutir a Sexualidade implica também discutir
anômicas" na sociedade, de rompimento com sexo, amor, respeito, tabu, IST's – Infecções
o que é eminentemente "humano", de perda Sexualmente Transmissíveis –, gravidez,
de identidades sociais que contribuem para a preservativo e uma série de conceitos que
guetização das ditas "minorias", são assuntos tem um caráter multitransversal e que,
que devem ser abordados em sala de aula de lamentavelmente, a grade curricular do
forma interdisciplinar para que a diversidade Sistema de Ensino Brasileiro caminha a passos
lentos na consolidação dos mesmos, ou por
10
A concepção Geertziana a respeito do Outro, falta de programas adequados ou porque
significa o modo de pensar o mundo do nativo, daquilo
talvez não encontre "necessidade" para os
que Clifford Geertz (2000: 87) chamou de “experiência
próxima”, qual seja, a vivência peculiar de um grupo assuntos em questão, afinal, são situações
local. O antropólogo norte americano também que podem trazer à tona a "orientação
convocava os sujeitos sociais a conhecerem a si sexual" dos sujeitos sociais in loco e que, por
mesmos antes de estranharem o Outro: o preconceitos diversos, permanecem
comportamento cultural de diversos povos nas
"secretos" no obscurantismo da
inúmeras sociedades humanas.
11
A homofobia (homo= igual, fobia=do Grego φόβος
12
"medo"), é um termo utilizado para identificar o ódio, a Os Direitos Humanos são os direitos e liberdades
aversão ou a discriminação de uma pessoa contra básicos de todos os seres humanos. Normalmente o
homossexuais e, consequentemente, contra a conceito de direitos humanos tem a idéia também de
homossexualidade, e que pode incluir formas sutis, liberdade de pensamento e de expressão, e a
silenciosas e insidiosas de preconceito e discriminação igualdade perante a lei. Fonte:
contra homossexuais. Fonte: http://portal.mj.gov.br/sedh/ct/legis_intern/ddh_bib_i
http://pt.wikipedia.org/wiki/Homofobia nter_universal.htm

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discriminação. Para tanto, a formação da fatores que envolvem – ou pelo menos


cidadania deve começar por discussões como deveriam envolver – a condição sexual,
a Sexualidade, com aprendizagem mútua e a sentimental, religiosa, social, econômica,
busca de informações, para que as temáticas cultural e educacional que perpassam,
sejam adotadas em sala de aula. também, pelo debate da Sexualidade.
Orientar a Educação Sexual13 de
3. Orientação Sexual, Sexualidade e Construção crianças e jovens requer uma consolidação de
Social competências didáticas, debates constantes,
abertura de fóruns, criação de blogs na
A sociedade brasileira tem buscado própria escola, desmistificação de
encontrar formas de inserir discussões sobre discriminações, preconceitos, estereótipos e
Sexualidade na Estrutura Educacional "padrões sexuais", construir a disseminação
(Parâmetros Curriculares Nacionais – PCN's, do respeito entre os alunos e professores
palestras, debates, etc.) que, muitas vezes, assim como entre alunos e alunas, indicar o
soam longe, sem que seu eco seja percebido que vem a ser tolerância, diversidades,
consistentemente. Essa nuance sobre o que conceitos de "homo", "hetero", "trans",
vem a ser Sexualidade está posta "bissexuais" e demais orientações sexuais (ou
implicitamente, ainda dominada por padrões "condição", "desejo", "escolha afetiva"),
de comportamento que envolve dogmas até traduzir para a contemporaneidade o "vir a
mesmo de um "puritanismo" que engessa a ser", o ser, o querer, o escolher, o fazer, o
realidade sobre o problema em questão, esperar e outros anunciados eventos que
todavia, é preciso que a Escola, através da certamente irão fomentar caminhos
representação Estado, protagonize a questão saudáveis e plenos de cidadania na Escola, na
e suas variantes para que inúmeros conceitos comunidade, no bairro e na vida de todos os
e pré-conceitos sejam esclarecidos, como, por que participarem efetivamente das
exemplo: dúvidas sobre prevenção de IST's, discussões. Não falamos de Sexualidade, mas
tabus sobre homossexualidade, gravidez na de Sexualidades, no plural, assim como
adolescência, amor, paixão, o conhecimento "plural" é a Diversidade na Escola e em nossa
do próprio corpo e do corpo do Outro, sociedade.
namoro, casamento, paquera (ou na O ECA – Estatuto da Criança e do
linguagem atual, o "ficar"), HIV/AIDS, métodos Adolescente –, a Constituição Federal, a Lei
anticonceptivos, respeito, combate à Maria da Penha – proteção de violência
discriminação homofóbica, discussões sobre contra a mulher –, os PCN's e outras Leis que
preconceito sexual, planejamento familiar e ordenam a vida social também precisam ser
social, cultura machista, padrões de conhecidos e colocados em debate. Muitos
comportamento, etc.
A mulher, na sua condição de mulher, 13
A educação sexual busca ensinar e esclarecer
trabalhadora, intelectual, mãe, esposa, filha, questões relacionadas ao sexo, livre de preconceito e
professora, psicóloga, enfermeira, guardiã, tabus. Antigamente e ainda hoje, falar sobre sexo
"exemplo a ser seguido", referência feminina provoca certos constrangimentos em algumas pessoas,
e uma infinidade de conceitos atribuídos ao mas o tema é de extrema importância, pois esclarece
dúvidas sobre preservativos, DST’s, organismo
reconhecimento da força-de-trabalho e
masculino e feminino, anticoncepcionais e gravidez. O
sociabilidades que adquirimos na vida social, objetivo principal da educação sexual é preparar os
também necessita entrar em debate a fim de adolescentes para a vida sexual de forma segura,
esclarecer o combate à violência sexual e chamando-os à responsabilidade de cuidar de seu
doméstica, o respeito e o direito de escolhas próprio corpo para que não ocorram situações futuras
indesejadas, como a contração de uma doença ou uma
com o seu corpo, a proteção integral,
gravidez precoce e indesejada. Site:
valorização, afetuosidade, carinho, tolerância, http://www.brasilescola.com/sexualidade/educacao-
enfim, diversos "conhecimentos", inúmeros sexual.htm

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cidadãos não as conhecem e mesmo para nossas teorias, monografias, textos, artigos e
uma faixa etária inicial, é necessário discutir, sem medo, todos os aspectos da
contextualizar o discurso e demonstrar a elas Sexualidade e assim contribuir para a
e eles que a Orientação Sexual e a disseminação do respeito, do amor mútuo e
Sexualidade são garantias de todo cidadão e com a diminuição das violências na Escola e
que a busca da Cidadania, da Sexualidade e também dos espaços que estão fora de seus
do Respeito implica a discussão dos mesmos. muros.
A sexualidade é uma reflexão que ainda Joan Scott (2009) reflete a realidade
é uma espécie de "tabu" e que remete muito social que, ao longo do processo de
mais o lado "reprodutivo", do "papel da constatação humana da categoria "gênero",
procriação", dos métodos anticoncepcionais, amadurece a discussão em torno do conceito,
do combate à natalidade, do que antes visto como sinônimo de "mulheres",
propriamente ao exercício de "feminismo", "marxismo", mas que, na
autoconhecimento, do respeito ao outro e da verdade, formulam construções de sujeitos
"significação" do que vem a ser "sexo", sociais que simbolizam, significam e
"sexualidade", "prazer", "HIV", "hetero ou contextualizam categorias que legitimam as
homo", "orientação sexual" (conforme reza o relações de gênero que hoje conhecemos:
PCN), assim como uma infinidade de
conceitos que fazem parte do cenário do que A linguagem é o centro da teoria
lacaniana; é a chave do acesso da criança
conhecemos por "Sexualidade", de maneira
à ordem simbólica. Através da linguagem
ampla. a identidade de gênero é construída.
Discutir a sexualidade é discutir a vida Segundo Lacan, o fato é o significante
(direito fundamental do ser humano central da diferença sexual, mas o sentido
garantido por Lei). É discutir o preconceito do falo tem que ser lido de forma
metafórica [...]. O princípio de
sexual, a violência contra a orientação sexual
masculinidade baseia-se na repressão
"homo", a discriminação, a exclusão de necessária dos aspectos femininos – do
grupos ditos "minoritários" (e que, na potencial bissexual do sujeito; e introduz
verdade, compostos por um sem número de o conflito na oposição entre o masculino
pessoas) e, especialmente, é discutir o amor e o feminino. Desejos reprimidos estão
presentes na unidade e subvertendo sua
ao outro, o respeito, o ser tolerante e,
necessidade de segurança. Ademais, as
sobretudo, conviver em harmonia com todos idéias conscientes do masculino e do
os grupos e sujeitos sociais que compõe a feminino não são fixas, já que elas variam
grande massa de cidadãos-trabalhadores que segundo os usos do contexto [...]. Essa
foram culturalmente "educados" sob a pecha interpretação implica também que o
sujeito se encontra num processo
do machismo, do behaviorismo e de nuances
constante de construção e oferece um
que, ao contrário de combater o ódio social meio sistemático de interpretar o desejo
contra o que a sociedade intitula de consciente e inconsciente, referindo-se à
"diferente" ou "anormal", aprofunda ainda linguagem como um lugar adequado para
mais a reprodução do preconceito e da falta a análise. Enquanto tal, considero-a
de informação que condiciona o "padrão" instrutiva (Scott, 2009, p. 10-11).
coercitivo que culminam nos fatos da
discriminação social e da negligência A desconstrução do preconceito contra
intelectual e política e que na, verdade, mulheres, negros e negras, homossexuais,
precisam de uma "libertação social" que tanto pobres, indígenas, sem-terra e despossuídos é
buscamos e que, por vezes, nos acomodamos um fato a ser construído. A exclusão social
por motivos diversos. atinge, especialmente, o gênero "mulher" que
O exercício do conhecimento começa ainda grita por condições de "igualdade"
através da socialização do mesmo. Devemos sociopolítica e humana. O contexto social da
por em prática o nosso aprendizado, as Educação é uma das vias de acesso ao

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conhecimento crítico da realidade reprodução do preconceito e da


sociocultural que fazemos parte e que discriminação de um aspecto que é privado, o
compreende etapas, como: Capital versus "modo de ser de cada um de nós" (que deve,
Sociedade Excludente versus Relações de para o "padrão heterossexual", ser
Poder, e a partir do entendimento dos "eminentemente homem macho" e "mulher
processos citados devemos nos encaminhar fêmea" em "papéis sociais pré-
na construção uma história diferente, a nossa determinados") como, por exemplo, no jogo
própria história. de futebol feminino, na celeuma que afirma:
"O "goleiro" não é menina" e, numa atitude
4. Dimensão simbólica
simbólica da sexualidade estapafúrdia, grupos de pessoas duvidam da
identidade biológica de uma jogadora que, ao
As noções conceituais de "homem" e de querer exercitar o seu "direito" ao lazer
"mulher" na sociedade brasileira abrigam o (direito de todo cidadão e de toda cidadã),
que, a partir da categoria "Gênero", culmina na marginalização da "pessoa
entendemos por "masculino" e "feminino" no individualizada" em seu caráter privado na
entorno da sexualidade, por assim dizer. No humilhação de "ter que provar publicamente"
entanto, a dimensão simbólica dos termos que é "mulher", como acontece
engloba, a priori, aspectos da vida social que rotineiramente em escolas, olimpíadas, copas,
compõem percepções de caráter público e campeonatos e outros eventos esportivos.
privado em sua totalidade e que, na medida O corpo, tanto do homem quanto da
do possível, precisam ser esclarecidos e mulher, possui diversos significados:
interpretados de acordo com o contexto simbólicos, sociais, culturais, psicológicos,
social em que estão inseridos. emocionais, etc. e é dotado de desejos,
O caráter privado da sexualidade prazeres, valores, sentimentos, identidades
humana compreende escolhas (com quem sexuais, direitos públicos e privados e,
devemos nos relacionar sexualmente, principalmente, engloba dimensões que são
sentimentalmente, intimamente, etc.), construídas ao logo do tempo histórico (que é
parcerias de casamentos, namoros ou dinâmico, mutável, pós-moderno) e que,
companheirismo, identidades sexuais da simbolicamente, resguardam para cada ser
"pessoa" ou do "indivíduo" (para usar termos humano, a possibilidade de um
sociológicos) e o direito à liberdade de reconhecimento coletivo da liberdade de ir e
expressão garantida por Lei (CF), adentrando vir e da convivência social harmônica, do
no caráter público (da sexualidade e da desenvolvimento de habilidades culturais e da
cidadania), que, entre outros prevê a compreensão da realidade social que
proteção integral contra qualquer tipo de compreende o mundo como diverso,
discriminação de cor, credo, manifestação diversidade que precisa envolver a Escola e
política e, finalmente, sexual; que ecoa por que através de "modelos de conduta" que
todos os cantos a necessidade de viver deixam transparecer "efeitos de verdade",
dignamente sem preconceitos e que, aqueles deve-se ressignificar histórias pessoais através
direitos sexuais (como a luta contra a do olhar reflexivo do combate à violência da
Homofobia) sejam, de fato, reiterados e discriminação sexual.
seguidos pelos aparelhos ideológicos de A sexualidade é, sem dúvida, uma
Estado (sendo Althusseriana) e, entre eles, a construção. Construção de valores
Escola. "modernos", de condutas éticas, de um
Os estereótipos de "masculinidade" e processo contínuo da percepção de quem
"feminilidade" que a sociedade impõe a somos em condições históricas, culturais e de
determinados sujeitos, "gays" e "lésbicas", inter-relações humanas específicas, portanto,
como o "homem afeminado" e a "mulher contextualizadas localmente (como diria
masculinizada", contribuem para a Geertz, 2000), sendo que o simbolismo da

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vida sexual – e humana –está coadunado com estatais, na formulação da lei, nas
a conformação familiar, escolar, pessoal, hegemonias sociais (1993, p. 88-89).
pública, privada, de abstração da realidade e
da concretização de atitudes de combate à Desse modo, a construção da
discriminação, como atua o Movimento LGBT sexualidade é diária. Constante. Contra todas
Brasileiro que luta pelo direito à livre as formas de poder, de discriminação, de
expressão e por Direitos Humanos, assim preconceitos, de (i) legitimidade sexual e de
como da idéia do que vem a ser sexo (prática imposições culturais, que devem ser
sexual), o sexo do corpo (gênero e fisiologia), analisadas na Escola (e na sociedade) de
a identidade de gênero (quem eu sou na maneira clara, objetiva, madura, rotineira,
sociedade), a orientação sexual (condição sem medos ou valores tradicionais para que
biossocial), e também, o significado cultural e possamos por em prática todo o conteúdo
político de visibilidade dessa construção de teórico que adotamos como significante da
sujeitos históricos, logo, sujeitos políticos e vida social e, assim, ter alunos e alunas,
comprometidos com a dinâmica social, que cidadãos e cidadãs, realmente livres de toda
deve ser exercitada também, na Escola (assim forma de discriminação.
como em toda a construção da vida
cotidiana), que levante a bandeira contra toda 5. Direitos Humanos e Sexuais na Diversidade:
Diversidade:
forma de dominação ideológica e hegemônica Considerações Finais
de poder, como diria Michel Foucault (1993)
em "História da Sexualidade I: A Vontade de A regulação da sexualidade através de
Saber": normas jurídicas, de políticas de cuidado com
a saúde, com programas juvenis de
Dizendo poder, não quero significar 'o aconselhamento familiar para mães e pais
poder', como um conjunto de instituições jovens, a realidade de Infecções Sexualmente
e aparelhos garantidores da sujeição dos Transmissíveis (IST's e AIDS) e a deflagração
cidadãos em um estado determinado. de direitos reprodutivos e sexuais demarcam
Também não entendo poder como um
modo de sujeição que, por oposição à
sobremaneira o que a sociedade brasileira
violência, tenha a forma de regra. Enfim, adotou como "regulamentação" a fim de
não o entendo como um sistema geral de estabelecer linhas de ação nas políticas
dominação exercida por um elemento ou públicas na área da saúde (Lei do SUS -
grupo sobre o outro e cujos efeitos, por 8080/90) e na área jurídica (Direitos
derivações sucessivas, atravessem o
corpo social inteiro. A análise em termos
Humanos).
de poder não deve postular, como dados A sexualidade juvenil é uma questão
iniciais, a soberania do Estado, a forma da que necessita de discussão acerca do
lei ou a unidade global de uma contexto social em que jovens das diversas
dominação; estas são apenas e, antes de classes sociais estão inseridos, através de
mais nada, suas formas terminais. Parece-
me que se deve compreender o poder,
fatos, valores morais e éticos, práticas
primeiro, como a multiplicidade de culturais, visões de mundo locais e globais,
correlações de forças imanentes ao grupos de pertença e construção de
domínio onde se exercem as constitutivas personalidades que possam vir a identificar o
de sua organização; o jogo que, através "homem" e a "mulher" em torno da garantia
de lutas e afrontamentos incessantes as
transforma, reforça, inverte; os apoios
de sua própria vida sexual, que é diversa, qual
que tais correlações de força encontram seja: hetero, homo, bi ou transexual.
umas nas outras, formando cadeias ou Muitas práticas sociais que violam
sistemas ou ao contrário, as defasagens e direitos humanos podem ter indícios nos
contradições que as isolam entre si; processos de segregação social em que
enfim, as estratégias em que se originam
e cujo esboço geral ou cristalização
homens e mulheres com menor poder
institucional toma corpo nos aparelhos aquisitivo (e de poder) estão sujeitos e são

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submetidos a todo tipo de violência: hostilizados e que comprometem o


simbólica, física, social, cultural e humana. A rendimento escolar e trajetórias de vida,
homossexualidade – para tomarmos um marginalizando o (a) cidadão (ã) a uma
exemplo – é alvo de "noções herdadas" de espécie de "morte ou invisibilidade social" e
algo que, de acordo com Pierre Bourdieu de negação de sexualidades diversas, como
(2007), seria uma espécie de "dominação pelo agressões físicas a transexuais – que
capital cultural" e que, entretanto, expõe à culminam no abandono escolar e prostituição
margem da cidadania diversos grupos sociais futura, entre outras consequências, como a
que deveriam ter, por Lei e pela própria morte – são alguns pontos que devem servir a
constituição democrática de "liberdade", seus reflexões das estruturas sociais.
"direitos" sociais, políticos, jurídicos, sexuais e Direitos humanos, sexuais e de
o "direito a ter direito" garantidos, o que, reprodução são normas jurídicas que
lamentavelmente, não vem ocorrendo. necessitam de uma abordagem,
Apesar disso, a luta engajada de impreterivelmente, de afirmação de papéis
movimentos sociais – década de 70 até hoje – sociais, de afirmação da diversidade sexual,
como o Feminista e o LGBT – Lésbicas, Gays, de avanços, lutas e conquistas cotidianas.
Bissexuais, Travestis, Transexuais e Como afirma Rios (2006), em seu texto "Para
Transgêneros –, ao longo de processos de um direito democrático da sexualidade", é na
revisões de concepções obsoletas (mudanças) sistematização e organização de normas e
nos campos biomédico, jurídico, político e condutas éticas de Direitos Reprodutivos,
social tem, na medida do possível, avançado Democracia, Cidadania, Direitos Humanos e
no debate, porém, o preconceito persiste e Sexuais, numa concepção que o autor
ainda convivemos com uma espécie de conceitua como "direito democrático da
desvalorização da diversidade sexual, além da sexualidade" que, entre outros avanços,
de cor, classe, raça, etnia, gênero, etc.; grupos constam a ampliação de direitos sociais,
fadados a toda forma de exclusão social, políticos, econômicos e humanos em seu
classificados como "os fora da ordem" e que sentido universal.
"não se adaptam às normas" – aos padrões A gravidez na adolescência possui uma
culturais hetero – e, a partir da reprodução simbologia de valorização social da
social – que acontece, inclusive, na própria maternidade, como um "rito de passagem"
escola através de agressões silenciosas – que transforma a "menina" em "mulher", que
contribui para que a produção da "distinção refaz o caminho da perpetuação do "papel da
social" de gostos, de classes, de estilos de vida mulher como reprodutora" e que, no
e de poder: aquisitivo, de prestígio, contexto social de jovens de classes menos
acadêmico, coletivo – estimulem o apego a abastadas, a atitude de ser mãe representa a
normas e convenções arbitrárias de constituição da vida familiar feliz e segura que
sexualidade. não encontra dentro da própria família,
O direito reprodutivo – e discriminado – carregada de incertezas e descontentamentos
de mães com HIV, a homofobia – estigma do de toda sorte e que, no entanto, pouco está
preconceito homossexual –, a reprodução relacionado ao "direito reprodutivo"
simbólica da violência dentro da própria propriamente dito, pois reflete justamente
escola – com mensagens normatizadoras, um comportamento baseado em limitações
silenciosas e de consentimento da violência de relações de poder estruturantes e que
sexual, como hierarquia, caricaturas, estabelecem regras de desigualdades sociais
desigualdades, insultos, ofensas e acentuadas.
mecanismos de exclusão –, o controle de O engendramento de abordagens
conduta e a adaptação a regras de gênero educativas é fundamental, que trabalhe o
dominantes – sexismo –, que reproduzem a contexto social e cultural de jovens para que
inferiorização da pessoa humana, com alunos possam discutir o papel da maternidade, da

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Nota sobre a autora


autora

Ariana Kelly Leandra Silva da Silva: Bacharel e


Graduada em Ciências Sociais, Ênfase em
Ciência Política – Universidade Federal do
Pará (UFPA). Especialista em Sociologia e
Educação Ambiental. Mestre em
Antropologia/Bioantropologia – Programa de
Pós-Graduação em Antropologia/PPGA-UFPA.
E-mail: arianabelem@gmail.com.

Recebido em: 11/05/2013


Aceito em: 31/07/2013

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