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Artigos dossier / Dossier 270: O 27 de Maio de 1977 em Angola / As duas revoluções de

Sita Valles

As duas revoluções de Sita Valles


A sua curta vida apresenta todos os ingredientes de uma tragédia grega. A militante que se
entregou sem rodeios às revoluções portuguesa e angolana foi devorada por esta última. Pior
ainda, o seu nome tornou-se maldito em ambos países. Nenhum argumento pode justificar
que se lhe retire o direito à memória. Recordemo-la, pois. Por Luis Leiria.

22 de Maio, 2017 - 15:57h

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Sita Valles tem direito a ser recordada

Sita Valles viveu duas revoluções com a intensidade e a entrega que só as convicções muito
fortes podem proporcionar. Em pleno “Verão Quente” de 1975, trocou a portuguesa pela
angolana, porque achava que era no seu país natal que mais falta fazia. As revoluções, porém,
são cruéis, pois frequentemente devoram os seus próprios filhos. Numa data indeterminada,
entre julho e agosto de 1977, Sita foi fuzilada em Angola por ordem daqueles que pouco
tempo antes chamava de “camaradas”. Tinha apenas 25 anos.

A sua curta vida tem todos os ingredientes de uma tragédia clássica. Nesta, o herói
experimenta uma mudança de fortuna, passando da felicidade ao infortúnio, e essa reviravolta
leva-o à destruição não por ser vil, mas por cometer algum grave erro. Um erro que se explica
pela dificuldade de enfrentar enigmas cujo duplo sentido fica por decifrar. Estas características
da tragédia grega, estabelecidas por Aristóteles, estão todas presentes na história de Sita
Valles, que tinha nome de deusa hindu (Sita) mas teve o destino dos filhos de Cronos,
devorados pelo pai.

O autor desta reportagem passou os dois últimos meses a tentar decifrar alguns enigmas na
vida de uma militante que todos concordam em dizer que era determinada, apaixonada,
generosa. Mas para decifrar o enigma Sita é preciso compreender as entranhas do episódio
ocorrido a 27 de Maio de 1977 em Angola. Depois de ouvir o testemunho de muitas pessoas,
ler milhares de páginas de textos e livros, e até localizar documentos praticamente inéditos, ou
pelo menos pouco conhecidos, a minha visão é diferente da que tinha à partida e, acredito,
mais próxima da verdade.

Uma convicção, porém, não foi abalada. A de que Sita Valles tem direito à memória. Que o seu
nome tem de deixar de ser tabu no partido que ela escolheu para expressar o seu
inconformismo. O mesmo partido que, na “hora H”, não mexeu um dedo para defendê-la.
Passaram-se 40 anos. O modelo de sociedade pelo qual Sita, Nito Alves e José Van Dunem
lutavam, desmoronou com o muro de Berlim. A Guerra Fria deixou de existir, por mais que os
saudosistas tentem hoje recriar, de forma caricatural, a mesma bipolaridade daqueles tempos.
Não há táticas, não há interesses estratégicos que justifiquem o tabu sobre o nome maldito.

Infância confortável
Sita Valles adolescente: campeã de natação

Sita Maria Valles nasceu em 23 de agosto de 1951 em Cabinda, enclave de Angola situado a
norte do território angolano. Os pais, o engenheiro agrónomo Edgar Francisco e a tradutora e
professora Lúcia, tinham chegado de Goa, recém-casados, em 1949. Edgar Francisco,
funcionário público muito dinâmico, ocupava-se da organização do território de culturas, do
controlo de pragas, de planos de irrigação, deixando sempre a sua marca por onde passava.
Em Cabinda nascera no ano anterior o irmão mais velho de Sita, Ademar, e o irmão mais novo,
Edgar, já nasceria, em 1953, em Silva Porto (atual Cuíto), na província do Bié, destino seguinte
da família Valles.

O casal e os três filhos passariam ainda dois anos em Benguela, antes de se estabelecerem em
Luanda, onde foram viver numa moradia situada em pleno parque agrícola dos Serviços de
Agricultura e Florestais, a que os Valles chamavam “a floresta”.

Os irmãos Valles tiveram uma vida confortável, típica da classe média colonizadora, embora o
pai fosse muito rigoroso e austero. Apesar de morarem perto de um colégio particular
frequentado pelos filhos da elite luandense, os três irmãos Valles cursaram o ensino público,
passando pelo Liceu Salvador Correia, e Ademar e Sita tornaram-se grandes nadadores no
Clube Desportivo Nun’Álvares, situado na ilha de Luanda.

A ilha, uma estreita língua de terra com sete quilómetros de comprimento que separa a cidade
de Luanda do Oceano Atlântico, criando a Baía de Luanda, era também o lugar favorito para
frequentar a praia. Já adolescente, Sita passeava no barco do seu primeiro namorado,
acompanhada de amigas, mergulhando no mar ao largo. Era muito bonita, e no liceu partia os
corações dos rapazes.

Universidade de Luanda
No liceu, partia os corações dos rapazes

Terminado o ensino secundário, chegou a momento de escolher o curso universitário. Ademar


optou por engenharia eletrotécnica, Sita preferiu medicina e Edgar, direito. Os dois primeiros
matricularam-se na Universidade de Angola, que começara a funcionar apenas em 1962; antes
disso, quem queria frequentar um curso superior tinha de ir para a metrópole. O ensino
superior angolano nasceu como Estudos Gerais Universitários de Angola, com cursos nas
cidades de Luanda, Nova Lisboa (hoje Huambo) e Sá da Bandeira (Lubango). Só em 1968 os
estudos gerais passaram a Universidade de Luanda. Nesse mesmo ano, Sita começa a estudar
na Faculdade de Medicina. Dizem as estatísticas que, nesse ano, estavam matriculados nos
três pólos da Universidade 1.252 estudantes, o que mostra bem até que ponto “o acesso ao
ensino superior destinava-se somente a quem integrava as camadas superiores da hierarquia
social”1.

Mas, em 1970, o irmão mais novo Edgar foi para Lisboa estudar Direito (não existia esse curso
em Luanda) e Sita decidiu acompanhá-lo, até porque o colega de curso e namorado José
Camisão já tinha resolvido prosseguir os estudos na metrópole. Foi fácil convencer os pais,
argumentando com a melhor qualidade do ensino em Lisboa. Assim, Sita Valles chegou a
Lisboa no segundo semestre de 1971. Na rapariga de 20 anos, essa mudança marcaria uma
viragem decisiva na vida: a jovem despreocupada, alegre e namoradeira, transformar-se-ia
numa militante irredutível e apaixonada.

Na luta estudantil

A universidade de Lisboa fervilhava de atividade política nesses anos. Morto Salazar, já todos
tinham claro que a possibilidade de uma Primavera Marcelista que desbloqueasse a sociedade
portuguesa estava comprometida pela intransigência do presidente do Conselho em relação à
guerra colonial. Um conflito bem presente em todos os jovens estudantes que tinham a
garantia de serem mobilizados se reprovassem na faculdade ou logo que terminassem o curso.

“Foi um período extraordinariamente revolucionário, no sentido de que se aproximavam


transformações, não se sabia bem como, mas isso estava no ar, quer pela guerra colonial, quer
pela luta estudantil, pelas liberdades, pelo direito de associação, pela liberdade de expressão.
Estava no ar que qualquer coisa havia de suceder”, recorda ao Esquerda.net o hoje advogado e
escritor Domingos Lopes. Ele mesmo foi produto dessa situação: a chegada a Lisboa no mesmo
ano que Sita Valles foi motivada pela expulsão da Universidade de Coimbra – onde fora
dirigente da Associação Académica – depois de ter sido preso.

“O irmão da Sita”

A chegada de Sita foi como um furacão. O irmão Edgar recorda que entrou de imediato, ao
chegar a Lisboa, na atividade associativa e partidária, esta última na União dos Estudantes
Comunistas (UEC). “Quando a Sita chegou no ano seguinte, para cursar medicina, ela era a
irmã do Edgar. Mas passados três ou quatro meses, eu era o irmão da Sita!”

Lista para a AE de Medicina 72/73: Sita Valles era candidata ao Conselho Fiscal; João Semedo
está na lista para a direção, em baixo à direita

A politização da jovem estudante começara ainda em Luanda, onde chegara a fazer reuniões
com um grupo maoísta. Mas a atividade não passara de grupos de discussão e pouco mais.
Entretanto, conhecera o também estudante de medicina José Manuel Jara, que a trouxe para a
lista que os unitários, o nome da corrente estudantil animada pela UEC, estava a apresentar
para as eleições da direção da Associação da Faculdade de Medicina. Recorde-se que nesta
época as organizações clandestinas que atuavam no movimento estudantil faziam-no através
de correntes que eram consideradas “semilegais”. Não se podia mencionar, mesmo nas
reuniões do movimento, o nome de partidos clandestinos, sob pena de se ser imediatamente
acusado de “provocador”.

Não se podia mencionar, mesmo nas reuniões do movimento, o nome de partidos


clandestinos, sob pena de se ser imediatamente acusado de “provocador”.
A lista venceu as eleições, e Sita mergulhou de cabeça na atividade associativa de uma das
mais poderosas associações de estudantes do país, e também na militância político-partidária,
deixando para trás os textos de Mao Tsetung e adotando a União Soviética como o seu modelo
de sociedade.

“A Sita tinha de facto carisma. Isso via-se nas reuniões de estudantes que se faziam na época.
Ela distinguia-se pela capacidade organizativa e de liderança, e além disso era bonita. Por tudo
isto, dava muito nas vistas”, orgulha-se o irmão Edgar.

Foram tempos de muita agitação e ação. Os debates políticos faziam-se nos meetings,
reuniões convocadas para debater questões como a guerra colonial, a luta pelas liberdades
democráticas ou mesmo as propostas para derrubar o regime ditatorial. Algumas palavras-
chave eram decisivas para quem queria identificar as posições ideológicas por trás dos
discursos. “Revolução democrática e nacional”, por exemplo, era o mote do PCP, “Revolução
Democrática-Popular” a proposta dos maoístas, e “Revolução socialista” a dos trotskistas, que
só tinham começado a organizar-se depois da greve estudantil de Coimbra de 1969, inspirados
pelo Maio de 1968 em França.

Anos rebeldes

O maior ativismo, porém, era na luta contra o salazarismo-marcelismo dentro das


Universidades. E o ano de 1972 foi particularmente agitado: exames em Direito boicotados,
greves na Faculdade de Agronomia e no Instituto Comercial, encerramento da associação de
estudantes de Direito e da Pró-Associação de Letras, boicote aos exames no Instituto Superior
Técnico, que acabou fechado e cercado pela polícia. Em maio, uma concentração no Técnico
foi reprimida por cerca de 200 polícias de choque com metralhadoras e cães, e a polícia
invadiu Económicas onde se realizava uma reunião de estudantes para decidir o que fazer.
Fechadas também as associações do Técnico e de Económicas, a de Medicina permaneceu
com um dos baluartes.

Foi também o ano da introdução dos “gorilas” nas Faculdades, contínuos-vigilantes antigos
pára-quedistas, fuzileiros navais, comandos, ‘pides’, todos corpulentos tipo ‘três metros de
altura por um de largura’ e com a função exclusiva de policiar a faculdade.
Funeral de
Ribeiro Santos

E foi sobretudo o ano do assassinato do estudante José António Ribeiro dos Santos, militante
do MRPP, em Económicas, por um agente da Pide, que marcaria o movimento estudantil até o
25 de abril.

No meio desta agitação, Sita Valles firmou-se como dirigente associativa e política.

“Era uma pessoa brilhante, apaixonada, convicta das suas ideias. Era uma dirigente
incontornável para todos os estudantes do movimento estudantil. Era uma dirigente capaz,
conhecedora dos temas, corajosa, que se entregava à causa em que acreditava e lutava por
ela”, afirma Domingos Lopes, que conviveu com ela cerca de quatro anos.

Já em 1973, nas idas e vindas das mobilizações estudantis, chegou a vez de a Polícia invadir a
associação da Faculdade de Medicina, e a sua “secção de folhas”, uma enorme tipografia
responsável por imprimir as “sebentas”, isto é, os apontamentos que os docentes distribuíam
aos seus alunos. Quando a polícia chegou, de noite, um estudante barricou-se no interior e
enquanto os polícias eram forçados a abrir a porta blindada com um maçarico, o jovem
queimava todo o material clandestino que se encontrava no interior. Em represália, a polícia
não encontrou melhor coisa a fazer do que emparedar, com tijolos e cimento, o acesso à
associação.

"A Sita era mesmo assim, não fugia nos momentos difíceis, pelo contrário, onde era difícil,
onde era arriscado, lá estava ela", recorda João Semedo.

O médico João Semedo – hoje dirigente do Bloco de Esquerda, depois de 31 anos de militância
no PCP – recorda bem esse episódio. Ele era colega da Sita na Faculdade de Medicina e
também fazia parte da direção da AE: “Tínhamos convocado uma RGA e a ideia era deitar
abaixo o muro que a polícia levantara. A Sita andava a ser seguida pela PIDE mas apesar disso
insistiu em participar na RGA. A Sita era mesmo assim, não fugia nos momentos difíceis, pelo
contrário, onde era difícil, onde era arriscado, lá estava ela. E assim foi, lembro-me porque
nesse dia calhou-me a mim ajudá-la a entrar no hospital sem que a polícia nos barrasse a
passagem. Ao lado da Sita, tudo parecia possível e até seguro. E foi mesmo.”

Este episódio – que foi testemunhado também pelo autor desta reportagem, então estudante
do secundário – está bem vivo na memória da hoje professora do ensino secundário Eugénia
Varela Gomes: “Já não me lembro de onde apareceram as picaretas. Talvez tenham vindo de
uma obra ali perto. Aquela parede foi posta abaixo e o que é certo é que a associação ficou
aberta. Até o 25 de abril nunca mais voltaram a fechá-la.”

Maria Eugénia, na época dirigente da UEC, responsável pelo trabalho político no ensino
secundário, e hoje ainda militante do PCP, ressalva a pouca importância que Sita Valles dava
aos cuidados conspiratórios, algo que “certamente lhe fez falta, depois, em Angola”. “Ela, mais
que audaciosa, era temerária”, diz Maria Eugénia, “não ligava para esses pormenores”.
Eugénia recorda uma ocasião em que Sita, João Franklin e ela própria fizeram uma intervenção
na faculdade de medicina que funcionava no Instituto de Medicina Tropical. “Fomos lá,
falámos aos estudantes e saímos no carro da Sita, a única de nós que tinha um”. Mas a Polícia
fora chamada e esperava-os. Obrigou os três jovens a irem para a esquadra de Alcântara, “com
o pretexto de que quem ia a conduzir não era a dona do carro, que ia ao lado; o João Franklin,
que ia ao volante, tinha carta de condução mas não dispunha de um documento assinado pela
dona a autorizá-lo a conduzir!” Ao chegarem, a primeira coisa que a PSP fez foi revistar o
veículo. “E o porta-bagagens estava carregado de livros do Congresso da Oposição
Democrática. Ficámos logo ali.”
Capa da lista onde
concorria Sita Valles à direção da Associação de Estudantes de Medicina, ano 72/73

Algo muito parecido já acontecera antes: o carro do namorado de Sita estava repleto de
Avantes sem que a cunhada, Ana Simões, que lhe pedira o carro emprestado, soubesse. Mas
quando foi devolver o carro, Sita dirigiu-se ao porta-bagagens, para tirar o material e foi nesse
momento que um pide que a seguia interveio. Ainda conseguiu escapulir-se, mas a Ana
Simões, que estava dentro do carro, não foi a tempo. Foi presa.

Primeira revolução

Há coincidências difíceis de acreditar. Onde estava Sita Valles no 25 de Abril? Em Moscovo.


Tinha sido enviada por Zita Seabra, que, segundo a biógrafa de Sita, Leonor Figueiredo,
raciocinou desta forma: “Era de longe o melhor quadro e merecia ir” representar a UEC ao
congresso das juventudes comunistas, o Komsomol. Por outro lado, Zita sabia que a viagem a
“queimava” diante da Pide. Mas “queimada” já ela estava. Queimada por queimada, dava-lhe
essa alegria. A contrapartida, porém, seria a despromoção por razões de segurança: deixaria
de “controlar” a Cidade Universitária.
Mas com o 25 de Abril, não só não houve despromoção, como o comprometimento de Sita
aumentou: passou a dedicar-se à atividade partidária a tempo inteiro, tornando-se funcionária
do partido. A temeridade de estar sempre a testar os limites da segurança ficara para trás. A
Pide estava desmantelada, as Forças Armadas em polvorosa e o secretário-geral do PCP era
ministro sem pasta do governo provisório. A luta agora era outra.

Maria da Graça Marques Pinto, a Magaça, saiu nessa altura da clandestinidade, para onde
tinha se recolhido em fevereiro de 1973. Presa em 71 num grupo de sete onde estava também
o escritor Mário de Carvalho, foi acusada de ser da organização estudantil do PCP. Libertada no
final do ano, ainda chegou a frequentar a faculdade de Direito, mas foi forçada a esconder-se.
“Por isso, só conheci a Sita quando saí do aparelho clandestino.” As duas faziam parte da
executiva da UEC, e nessa altura Sita Valles já era responsável por todo o trabalho político no
Ensino Superior.

“A Sita era muito apaixonada pelo que fazia, determinada, voluntariosa. Mas muito obediente,
passe a expressão, às orientações partidárias. Tinha uma grande empatia com as pessoas com
quem lidava”, assevera Maria da Graça, hoje professora em Viseu e militante do Bloco de
Esquerda.

“Era muito humana, de um dinamismo fantástico, era difícil recusar qualquer atividade que ela
nos propusesse."

Testemunha dessa empatia dá-nos Fernanda Marques Pinto, irmã de Magaça, na altura
militante de base da UEC e da célula dos estudantes do Serviço Cívico. “A Sita era a nossa
controleira, com quem estávamos duas ou três vezes por semana.” Passados mais de 40 anos,
ainda se nota o tom entusiasmado quando a hoje professora reformada e ativista ambiental
no Alentejo fala de Sita Valles. “Era muito humana, de um dinamismo fantástico, era difícil
recusar qualquer atividade que ela nos propusesse. De facto, ela tinha uma proximidade
connosco que não encontrei em mais ninguém da UEC com quem tivesse trabalhado na
altura.” O grupo dos “cívicos” ficou muito unido e os seus integrantes andavam sempre juntos
e sempre prontos para qualquer atividade do partido. “De tal forma que uma vez a Zita Seabra
nos criticou – e à Sita – por formarmos um grupo à parte nas atividades gerais.”

Para Fernanda Marques Pinto, a Sita era uma congregadora de esforços: “conseguia que
abraçássemos as causas e estivéssemos sempre prontos para fazer tudo. Quando reunia
connosco e explicava o sentido que o PCP dava à revolução, nós entendíamos, porque utilizava
uma linguagem muito fácil e respondia às questões que a gente punha, ao contrário de muitos
controleiros que fui apanhando, que, de facto, recusavam o diálogo.”

À procura da segunda revolução


Cartaz do PCP em apoio ao
MPLA

Um dia, porém, com a mesma teimosia com que abraçara a causa do PCP em Portugal, Sita
Valles decidiu regressar a Angola. Estranha opção: ainda se vivia a revolução portuguesa em
pleno, o “Verão Quente” estava a começar... sair de Portugal porquê?

“Ela estava muito preocupada com os ecos de corrupção que chegavam de lá”, arrisca Maria
da Graça Marques Pinto. “Eu julgo que o motivo seria esse”.

“Estas circunstâncias são indecifráveis a não ser para o portador do dilema: ‘para que lado
bate o meu coração’? E entre a Luanda, onde nascera e vivera durante 20 anos, e Lisboa, ela
escolheu Angola”, opina Domingos Lopes.

Para o irmão, Edgar Valles, porém, a decisão teve um fundamento mais pragmático: “Quando
ocorreram as eleições [do 25 de Abril de 1975] para a Assembleia Constituinte, o PCP tinha a
ideia de que iria ter uma grande votação. E o resultado foi uma enorme desilusão”, recorda. O
PCP ficou em terceiro lugar, com 13% dos votos. “A Sita convenceu-se de que em Portugal não
havia nada a fazer. Que a revolução estava comprometida. E deixou-se iludir por Angola”.

Eugénia Varela Gomes dá mais pistas:


“A decisão de ir para Angola em pleno PREC não foi tomada só pela Sita, quase todos os
estudantes angolanos e moçambicanos decidiram fazer o mesmo. Em Medicina havia muitos, a
Sita, a Joana Campina, o João Franklin… em Direito o Sérgio Costa”. O próprio Edgar Valles
também voltaria mais tarde, acompanhado da mulher.

A decisão não foi saudada pela direção partidária. Zita Seabra fez todos os esforços para fazê-
la mudar de ideias. Pediu a Carlos Brito para lhe falar. Como última cartada, promoveu uma
reunião com o secretário-geral. Álvaro Cunhal desaconselhou igualmente a viagem. E
esclareceu que, se fosse, tinha de sair do PCP.

Mas onde fica o internacionalismo? Não seria normal uma militante internacionalista usar os
seus esforços e a sua experiência para contribuir com a luta do MPLA, um partido irmão?
Ainda para mais, sendo ela própria angolana?

“Era garantido: se ia para Angola, saía do partido. Porque ia para outro país, e Angola estava
também num processo conturbado.

Não era, porém, esse o raciocínio que os dois partidos faziam. “Era garantido: se ia para
Angola, saía do partido. Porque ia para outro país, e Angola, como tu sabes, estava também
num processo conturbado. Penso que as relações do PCP com o MPLA nunca foram muito
próximas, muito boas, e por isso para o partido era mesmo uma questão de separar águas, não
haver confusões”, esclarece Eugénia Varela Gomes.

Mas, neste caso, não seria uma forma encoberta de o PCP influir no MPLA? Não, garante
Domingos Lopes. “Se o Álvaro Cunhal pensava que era um partido irmão, não fazia sentido
mandar alguém para construir um partido, ou infiltrar-se no partido irmão. O Álvaro Cunhal
tinha muita estima pelo Agostinho Neto. Havia setores do MPLA que podiam desconfiar. Mas
não estou a ver o Álvaro Cunhal a querer infiltrar-se no MPLA”, conclui.

João Semedo recorda com melancolia a partida da camarada. “No meio da agitação em que
todos vivíamos, na intensidade dos dias do PREC, a notícia que a Sita ia regressar a Angola foi
circulando, foi-se espalhando, deixando um rasto de tristeza e frustração entre nós, embora
todos soubéssemos que a Sita não era pessoa para resistir ao apelo revolucionário que vinha
de Angola. Para ela, esse apelo era mais forte do que tudo, a sua partida era a mais natural das
suas escolhas.”

Sita Valles chegou a Luanda em julho de 1975, quando estava ao rubro a batalha de Luanda,
que terminaria com a vitória do MPLA e a expulsão de UNITA e FNLA da capital angolana. A
decisão de procurar a segunda revolução ser-lhe-ia fatal. Mas isso ela não sabia. Pelo
contrário, podemos imaginar a esperança, o entusiasmo (e a ilusão) que levava consigo ao
desembarcar no país que era o seu.

A grande ilusão

“Olhando para trás, ela não devia ter ido para lá”, opina o irmão. Mas não era o apelo da sua
terra que falava mais alto? Ela não se sentia angolana? “Nós naquela altura tínhamos o
sentimento do internacionalismo proletário”, atalha Edgar Valles. “Hoje, olhando para trás,
vemos que, quer se queira quer não, os africanos encaram os não africanos de outra forma.
Encaram-nos quase como, no tempo dos Filipes, os portugueses encaravam os espanhóis.
Acho que aquilo tudo foi uma grande ilusão”, lamenta.
Mas Sita e Edgar, apesar de não parecerem, eram africanos. Tinham nascido em Cabinda e
Cuíto, Angola. Porém, não eram negros. Eram, por isso, vistos como portugueses? Pelo menos
é isso que se retira de um episódio que ocorreria mais à frente. Mas não nos antecipemos.

Sita Valles desembarca em Luanda e em breve faz valer a sua experiência de organizadora,
adquirida no PCP. É desafiada por Nito Alves que, por essa altura, era uma estrela em ascensão
no MPLA, para dinamizar o Comité de Ação dos Intelectuais Revolucionários, que organizava os
professores e intelectuais, os alunos do secundário e das universidades. O Comité, por seu
lado, fazia parte do Departamento de Organização de Massas (DOM).

“Quando chega o 25 de Abril”, recorda Edgar Valles, “o MPLA estava de rastos, do ponto de
vista militar, diferente do PAIGC e da FRELIMO. Mas entre os jovens estudantes e
trabalhadores de Luanda, fica com uma pujança enorme.” Organizativamente, porém, tinham
muitas debilidades. “De maneira que a Sita, nesse aspecto, ajudou muito, porque vinha
também com a experiência de Portugal.”

Nito Alves, o homem que viria a ser acusado de “fraccionismo” ao serviço dos inimigos de
Angola, era naquela altura um dos mais dinâmicos dirigentes recém-eleitos para o Comité
Central do MPLA. Agostinho Neto promovera-o depois do papel importante que
desempenhara no Primeiro Congresso do MPLA, realizado em Lusaka em agosto de 1974, um
congresso que não chegou a terminar. A facção de Agostinho Neto simplesmente abandonara-
o, por não ter maioria. A Revolta Ativa fora a segunda corrente a ir-se embora, deixando
apenas os militantes ligados a Chipenda. Este ainda tinha ensaiado proclamar-se presidente do
MPLA, mas acabara por desistir, por falta de apoios internacionais, e entrara na FNLA. Desta
forma, quase quatro meses depois do 25 de Abril, num momento em que o MPLA vivia o seu
melhor momento em termos de adesão de base, a sua estrutura de quadros encontrava-se
totalmente dividida. Milhares de simpatizantes do MPLA organizavam comités de ação em
Luanda e outras cidades, mas a direção no exterior engalfinhava-se em duros confrontos.

Num momento em que o MPLA vivia o seu melhor momento em termos de adesão de base, a
sua estrutura de quadros encontrava-se totalmente dividida.

Nito Alves aparecera de surpresa no congresso, representando a Primeira Região Militar, a que
ficava perto de Luanda e se mantivera anos isolada do resto da estrutura do MPLA; mas
mesmo em circunstâncias precárias, nunca deixara de combater e de resistir às tropas
coloniais. Ao discursar no Congresso, o guerrilheiro chegado da mata surpreendeu pela
acutilância da oratória e pela violência com que atacou Revolta do Leste e Revolta Ativa,
colocando-se ao lado de Agostinho Neto.
Resoluções da Conferência Inter-regional do MPLA, que foi o verdadeiro Congresso

Neto em troca promovera-o para o Comité Central (CC) na Conferência Inter-Regional,


organizada no mês seguinte e a primeira em território de Angola, em Lindoje, distrito de
Moxico. Apesar do nome, esse seria o verdadeiro congresso do MPLA. Para o novo CC entrara
também outro militante, José Van Dunem, o mais jovem daquele organismo. Se Nito vinha da
mata, Van Dunem vinha da prisão, onde fora confinado em 1971 até o 25 de Abril por, tendo
feito o serviço militar nas tropas coloniais portuguesas, passar informações ao MPLA.

Angola independente

Na declaração da Independência, em 11 de novembro de 1975, Sita Valles já compareceu ao


lado de José Van Dunem, com quem se casaria e teria o único filho, João Ernesto, o Che.
Sita com o filho João Ernesto, o "Che".

No primeiro governo da República Popular de Angola, Nito Alves foi nomeado ministro da
Administração Interna (cujas competências eram os assuntos de administração do território,
não tendo a supervisão das polícias e da segurança, como acontece em Portugal). A sua
prioridade passou a ser a organização do poder popular que se disseminara através da auto-
organização de estudantes e trabalhadores por todo o país, mas principalmente em Luanda.

José Van Dunem foi nomeado Comissário Político das Forças Armadas Populares de Angola
(Fapla).

Nito Alves estava como peixe na água entre o povo. Era um orador eloquente, capaz de
comunicar e empolgar. O contraste com Agostinho Neto era chocante.

“A imagem que as pessoas têm do Agostinho Neto é a de um homem muito passivo. Quando
começava a falar, parecia que já tinha morrido. Cansado” opina Edgar Valles. Em
contrapartida, “o Nito era uma bomba. Arrebatava.”

Nito tinha de instrução apenas a quarta classe, mas era um autodidata. Mesmo ministro,
matriculara-se na Faculdade de Economia e ia às aulas, estudava. Durante os tempos na mata,
conhecera o marxismo pela única fonte de que dispunha, “Os Fundamentos do marxismo-
leninismo” de F. V. Konstantinov. Isto é, aprendera os rudimentos do marxismo por uma
vulgata com mais semelhança a um catecismo do que aos escritos de Karl Marx e de Lenine. E
gostava muito de fazer citações a torto e a direito. Mas queria aprender e, agora saído da
mata, tinha ânsia de leitura.

Sita Valles estava no 5º ano de medicina e militava no grupo de ação, uma espécie de célula do
MPLA. Foi lá que encontrou José Reis, hoje bancário reformado em Lisboa, então estudante
também de medicina, do 2º ano. Os dois tinham-se conhecido ainda em Lisboa, onde José Reis
fora, aproveitando uma licença graciosa da mãe – todos os funcionários públicos portugueses
em Angola tinham direito a essa licença de quatro em quatro anos. Depois reviram-se muitas
vezes em Angola. “A Sita Valles foi indigitada pelo Nito Alves para organizar o setor da
educação e intelectuais. O trabalho que ela fez foi à luz dos estatutos do MPLA, com
autorização, não foi um trabalho à parte, ‘fraccionista’. Criava os grupos de ação, a estrutura-
base do movimento MPLA, mas uma estrutura já com feições partidárias”, recorda José Reis,
que foi preso logo a seguir ao 27 de maio, escapando por um triz à morte e sendo libertado ao
fim de quase três anos de prisão e trabalhos forçados.

É nessa época que Nito Alves discursa contra os “esquerdistas”, chamando à sua delação. Os
“esquerdistas” eram os militantes e ativistas dos Comités Amílcar Cabral, os Cac’s, com muita
influência na base estudantil e trabalhadora, que viriam a formar a OCA, Organização
Comunista de Angola, de tendência maoista. Tanto os ativistas da Revolta Ativa que voltavam
a Angola quanto os militantes da OCA começaram a ser presos.

Na opinião de Jorge Fernandes, hoje engenheiro civil em Oeiras, Nito Alves foi duas vezes
usado por Agostinho Neto: “a primeira foi no Congresso de Lusaka, para combater a Revolta
Ativa e a fração Chipenda; a segunda foi já pós-independência, sendo o ‘miúdo’ do Neto”.
Sempre que queria desmantelar as outras organizações ou comités, utilizava o Nito Alves para
transmitir à população as suas decisões, garante. “Nunca era o Agostinho Neto a transmitir as
grandes decisões de combater a oposição ao MPLA. Era o Nito Alves que o fazia, embora ele,
nos discursos, sempre dissesse que estava a transmitir as diretrizes do Bureau Político. E a
seguir chamava a combater os ‘intelectuais burgueses’ da Revolta Ativa, ou os maoistas, a
OCA, etc. E às vezes excedia-se e apelava até à delação”, reconhece Jorge Fernandes,
igualmente um sobrevivente do 27 de maio, tendo ficado dois anos e meio na prisão e num
campo de trabalhos forçados. “Essa parte suja era o Nito que fazia, o Neto aproveitava o
‘miúdo’ para isso. E, claro, depois vinha a polícia, do Ministério da Segurança, e prendia-os.”

No final de fevereiro de 1976, realizou-se em Moscovo o XXV Congresso do Partido Comunista


da União Soviética, e o MPLA enviou uma delegação composta por Nito Alves e José Van
Dunem. Nito voltou impressionado com o que vira, falando sobre “o milagre da URSS”.

A luta contra o “fraccionismo”

Quando é que Agostinho Neto começou a pensar que a “bola da vez” seria o próprio Nito
Alves? Quando começou o presidente de Angola a preparar-se para acusar Nito e os seus
companheiros de “fraccionismo”?

Um documento dos arquivos de Cuba recentemente tornado público mostra-nos que apenas
sete meses depois da independência, em julho de 1976, Neto já dizia que Nito tendia a “criar
uma fração dentro do MPLA”, afirmava não saber se “Nito é uma pessoa recuperável”, e
acusava-o de se ter rodeado de “pessoas que se dizem membros do Partido Comunista de
Portugal, mas que na verdade são pessoas que nunca fizeram nada pela revolução no seu
país.” A referência a Sita Valles parece mais que evidente.

Na mesma conversa, Agostinho Neto afirma ter posto Nito sob vigilância. (Veja, neste dossier,
o artigo “Neto mandou vigiar Nito 10 meses antes do 27 de Maio”). Mas as medidas contra a
corrente que seguia Nito já haviam começado antes, em março de 1976.

A primeira fora despromover José Van Dunem, que deixou de ser o Comissário Político
nacional das FAPLA para ocupar o posto de Comissário Político da Frente Leste, longe de
Luanda.
A segunda medida atingira diretamente Sita Valles. É José Reis que relata o episódio: “A Sita
tinha de pagar as favas, portanto foi expulsa, primeiro, por ser portuguesa. Mas enganaram-se,
porque ela não era portuguesa, nasceu em Cabinda, portanto o pretexto não serviu. Então
deram a volta e resolveram expulsar todos os militantes do MPLA que tinham militado noutros
partidos.” Edgar Valles enfatiza: “Nem era uma questão de estarem a militar noutras
organizações, no presente; era que já tivessem militado. E só aplicaram isso à Sita. Também
não se referiam a outras organizações que fossem hostis ao MPLA. Não podia ter militado em
qualquer organização.” E acusa: “havia aqui pessoas que tinham militado no MRPP e que
continuaram no MPLA. Foi uma atitude completamente orientada à Sita”.

No Huambo

Foi por essa altura que Sita Valles foi enviada para o Huambo, num grupo de estudantes de
medicina quase finalistas que foram dar apoio à primeira equipa de médicos cubanos chegada
a Angola. José Reis participou nessa missão, apesar de ser do 2º ano de medicina, com funções
políticas e por ser natural do Huambo, conhecendo assim a região muito bem.

“Ficámos lá um mês, depois fui para o Bié. Nesse mês tive oportunidade de viver perto da Sita.
Vivemos na mesma casa, tomávamos o pequeno-almoço juntos, almoçávamos juntos, e isso
foi muito agradável, porque conheci-lhe a outra face. A Sita generosa.” E dá um exemplo:
“enquanto trabalhadores da medicina, tínhamos como missão pôr o hospital a funcionar
independentemente dos doentes que lá estavam terem sido da Unita, ou do quer que fosse.
Eram seres humanos que precisavam ser cuidados. Foi a primeira vez que eu vi a Sita atuar.”
Ambos fizeram uma revista às enfermarias para retirar, a todos os doentes acamados, tudo o
que pudesse identificá-los como militares: “um cinturão, umas botas, uma camisa militar
escondida debaixo da cama. Por quê? Porque quando a DISA (polícia política) passasse, essa
gente ia dali para o cemitério. Se isto é um gesto patriótico, não sei, mas é um gesto humano.”

No contacto do dia a dia, José Reis pôde perceber que “aquela agressividade, aquela pujança
que ela tinha na luta política, depois no recato mudava para uma meiguice, uma doçura
incrível.” José Reis recorda ter conhecido José Van Dunem nessa altura: “quando ele foi
nomeado para o Leste passou lá por casa. Acho que o vi mais uma ou duas vezes na vida.”

José Reis recorda ainda outro episódio que evoca a tal temeridade de Sita Valles nos tempos
da ditadura: “Na casa onde vivíamos no Huambo éramos quatro, e íamos comer a um hotel na
baixa. Uma noite, chegamos a casa e sentimos que havia gente dentro. A casa estava a ser
assaltada – por militares das Fapla, claro, já não havia Unita ali. Era extremamente perigoso,
porque nós os quatro éramos brancos e eles estavam armados. E a Sita correu com eles quase
a pontapé. Arrancou por ali fora, nós a dizer aos berros ‘sai daí, está quieta!’, mas ela foi fazer
comício para o quintal. Chamou-os, deu-lhes um raspanete enorme, disse que aquilo não era
maneira de se portarem como militares das Fapla. E os tipos meteram o rabo entre as pernas e
foram-se embora em vez de lhe dar dois tiros, como podia ter acontecido.”

Um terceiro episódio recordado por José Reis teve a ver com descoberta dos cadáveres de um
membro do Comité Central do MPLA e de outros militantes, um dos quais fora colega de
escola de Reis, Fadário Faustino Muteca, todos mortos pela Unita. “Houve um funeral
nacional, e de Luanda vieram o Lara, o Nito, o Ndunduma [Costa Andrade, diretor do Jornal de
Angola]. Nós fizemos a nossa campanha no hospital: pintámos cartazes e faixas, convocámos
os trabalhadores para estarem presentes no minuto de silêncio que se fez. Eu e a Sita
hasteámos a bandeira da República Popular de Angola pela primeira vez no hospital, com os
cubanos a protestarem porque não sabíamos como se tratava uma bandeira. Eu deixei-a cair
no chão para atar uma das pontas, e os cubanos em pânico, que a bandeira nunca podia tocar
o chão. Há uma fotografia, mas não se reconhecem as pessoas. Ela está de bata, eu estou com
a minha velha t-shirt, os dois a içar a bandeira. É claro que toda essa documentação que
afixávamos nos corredores, quando virávamos as costas, desaparecia. Porque os funcionários
todos do hospital eram da Unita. Mas a Sita não se importava: punha outros cartazes outra
vez.”

As “lagartixas fraccionistas”

A guerra aberta de Agostinho Neto contra Nito e Van Dunem foi despoletada na 3ª Reunião
Plenária do Comité Central do MPLA, nos dias 23 a 29 de outubro de 1976. Ambos são
acusados formalmente de “fraccionismo”. Por proposta de Van Dunem, foi então formada
uma comissão de inquérito, sob a presidência de José Eduardo dos Santos, para investigar a
existência de fraccionismo no interior do MPLA. Mas as medidas contra os “nitistas” não
esperaram pelo inquérito. A mais importante de todas foi a extinção do Ministério da
Administração Interna, o que significava afastar Nito Alves do governo e retirar-lhe o poder de
que dispunha. Foi decidido igualmente fechar o jornal Diário de Luanda e o programa
radiofónico Kudibanguela, que seguiam a orientação “nitista”.

A acusação de “fracionismo” contra os dois dirigentes não foi tornada pública, mas um
documento aprovado na reunião, “Resolução sobre a unidade no seio do MPLA”, conclamava
os militantes a agirem contra as “correntes desagregadoras”: “Tendo considerado a ação
perniciosa de sectores ligados à reação interna e externa, e grupos esquerdistas que tentam,
alimentando correntes desagregadoras e utilizando o nome de Dirigentes, provocar a confusão
ideológica, perturbar a coesão das estruturas do Movimento e dividir os militantes, decide […]
condenar energicamente esses atos; [...] exortar os Militantes do MPLA para que, sob a
direção incontestável do camarada Presidente, combatam o divisionismo, o sectarismo e o
oportunismo […] sancionar com firmeza todos os membros do MPLA que contribuam para a
divulgação de noticias tendenciosas que atentem contra a unidade no seio do MPLA”.

A partir dessa data, o tom da campanha contra os “fraccionistas” não parou de subir.

“Estava convencida de que a coisa lhes ia correr bem”

Cerca de um mês depois, em novembro de 1976, Eugénia Varela Gomes, de visita aos pais,
voltou a encontrar Sita Valles em Luanda. “A Sita sabia que eu vinha e passou lá na casa dos
meus pais, ficou um bocadinho. Estava com a impetuosidade, o entusiasmo do costume, e
estava convencida de que a coisa lhes ia correr bem. Disse até esperar o apoio dos cubanos”,
recorda. Mas o que seria exatamente correr bem? “Era afastarem da direção do MPLA aqueles
que, na opinião deles, não estavam pela verdadeira revolução e independência. Era muito
clara a opinião deles que quem estava na direção do MPLA, a começar pelo Agostinho Neto,
não estava interessado em criar o socialismo em Angola”, explica Eugénia, insistindo que a
opinião que ouviu em relação ao presidente de Angola não era de grande apreço, tanto da
parte da Sita quanto dos pais.

João Varela Gomes fora para Angola com a ideia de poder lutar nas Fapla pela independência.
“Mas nunca conseguiu. Nunca. Foi sempre mais ou menos colocado na prateleira. Isso
aconteceu com praticamente todos os militares que foram para lá. Houve sempre
desconfiança em relação aos portugueses, sempre.” Eugénia lembra-se de ouvir a mãe falar
que “a coisa estava muito complicada, que a campanha era muito grande, que a Sita estava em
perigo, e que se ela aparecesse lá em casa a pedir ajuda, eles dariam sem hesitar.”
A sorte de João Varela Gomes (ou o instinto dado pela experiência, seria melhor dizer) fez com
que se antecipasse e negociasse a ida para Moçambique antes do 27 de maio. “Como o meu
pai se sentia inútil em Angola, começou a tratar das coisas para ir para Moçambique, onde
estava o Ramiro Correia, que era muito amigo dele e que estava a ser útil. E os de
Moçambique vieram buscá-lo. Se não tivessem vindo, se calhar não tinha saído.” O casal
Varela Gomes ainda estava em Angola quando ocorreu o 27 de Maio, mas os moçambicanos
vieram buscá-lo dias depois.

Mas retomemos o fio à meada dos acontecimentos. Em fevereiro de 1977, Nito Alves começou
a distribuir as suas “13 Teses em Minha Defesa”, argumentando que o tempo para que a
comissão de inquérito sobre o fraccionismo no MPLA chegasse a alguma conclusão estava a
chegar ao fim sem que ele próprio tivesse sido ouvido, e por isso, ele próprio assumia a sua
defesa. As 13 teses são esse documento de defesa – e também de contra-ataque. O autor
anuncia que o seu objetivo é denunciar, desmascarar e combater energicamente a natureza
reacionária da aliança de direita e dos maoístas no seio do MPLA, aliança que, segundo ele,
representaria uma séria e verdadeira ameaça ao desenvolvimento do nosso processo
revolucionário e um ótimo serviço às forças do imperialismo mundial. E passa ao contra-
ataque: acusa alguns dos mais destacados dirigentes do MPLA de serem os verdadeiros
fraccionistas, de serem elitistas, paternalistas e dirigistas, de sanearem sistematicamente
militantes de esquerda, de truncarem e substituírem deliberações tomadas. E a acusação mais
grave: afirma que o Bureau Político estava infiltrado pela CIA, na pessoa de um militar e que o
Ministério da Defesa era uma central do tráfico de diamantes.

Em 20 e 21 de maio, o Comité Central expulsa do organismo Nito Alves e José Van Dunem. No
próprio dia 21, Agostinho Neto preside uma assembleia de militantes na Cidadela Desportiva,
em Luanda, onde anuncia a decisão do Comité Central, defende os dirigentes atacados por
Nito Alves, particularmente Lúcio Lara, e conclama a uma verdadeira “caçada” aos nitistas.

“Disseram-me que o Nito e o Zé foram avisados por alguém da DISA que havia um plano para
os assassinar na rua. O aviso foi uns dias antes do 27 de maio.

No dia seguinte, o Jornal de Angola informa a decisão com uma manchete a toda a largura da
primeira página: “Liquidar o fraccionismo!” O editorial dessa edição afirmava: “Saberemos
dizer e demonstrar que o fraccionismo não passará, vindo que seja de qualquer horizonte.”

Mas será que nem nessa altura Sita Valles se deu conta do perigo que corria? Diz Edgar Valles:
“Disseram-me que o Nito e o Zé foram avisados por alguém da DISA que havia um plano para
os assassinar na rua. O aviso foi uns dias antes do 27 de maio. A interpretação que eu faço,
pondo as pedras no puzzle, é que eles concluíram uns dias antes que de facto iam ser
eliminados fisicamente. E acharam que deviam pôr a população na rua.”

Onde estava Sita no 27 de Maio?

Onde estaria Sita Valles na madrugada do 27 de Maio? Em casa, alheia aos acontecimentos?
Por tudo o que dissemos antes, essa parece uma impossibilidade. Num posto de comando do
“golpe”? No bairro de Sambizanga, ao lado do companheiro, a mobilizar o povo para se
manifestar contra a corrupção no governo e a favor de Nito e Van Dunem? Noutro lado?

Provavelmente, nunca saberemos. Aliás, o que aconteceu no 27 de Maio? Um golpe de Estado


fracassado, como afirmou posteriormente o governo e a DISA? Uma sublevação desarmada
que teria obtido os resultados esperados pelos seus promotores se não tivesse ocorrido a
intervenção dos cubanos?

A discussão existe há 40 anos, e as respostas estão em pelo menos dois documentos fechados
no Arquivo de Cuba. Trata-se de ‘‘Síntesis sobre nuestra participación en los sucesos del
27.5.77 en la República Popular de Angola”, do coronel Jesús Bermúdez Cutiño, de 31 de maio,
e um memorando de Jorge Risquet (o chefe da missão civil cubana em Angola) a Fidel Castro
datado do próprio dia 27 de maio. Ambos são mencionados pelo professor de Relações
Internacionais Piero Gleijeses, do Paul H. Nitze School of Advanced International Studies dos
Estados Unidos, mas não foram até hoje tornados públicos.

O que houve, objetivamente foram algumas, poucas, ações militares e uma manifestação
popular desarmada. Durante a madrugada houve ações de pequenos grupos armados de
“nitistas” para prender membros do governo ou chefes da DISA. Há pelo menos um
testemunho do ataque ao apartamento de um membro da DISA particularmente odiado,
Carlos Jorge, que aliás falhou porque ele não dormira em casa, e a mulher, militar das Fapla,
respondeu a tiro. É verosímil que tenham ocorrido mais operações como esta. Ainda de
madrugada, o destacamento feminino da 9ª Brigada, liderado pela Comandante Elvira da
Conceição (Virinha) e pela Comissária política Fernanda Delfino (Nandy), que estava grávida,
atacou a cadeia de São Paulo usando um blindado soviético BRDM2. Depois de um duro
combate que se prolongou por horas com baixas dos dois lados, as tropas atacantes saíram
vitoriosas. Como consequência do assalto, foram libertados os presos “nitistas”, entre eles
Pedro Santos, do Conselho da Revolução e Comissário Político, e Galiano da Silva, do
Comissariado Político das FAPLA. Porém, houve presos ligados à Organização Comunista de
Angola (OCA) que, desconfiados, recusaram-se a sair.

A Rádio Nacional foi tomada, com o apoio de militares da 9ª brigada, e voltou a transmitir o
programa radiofónico Kudibanguela, alternando músicas com pronunciamentos. O locutor
informou a mudança na rádio, e anunciou que os “camaradas revolucionários, injustamente
acusados de traição e de fraccionismo, foram libertados por faplas e pelo povo”. Também
disse que “um novo processo revolucionário marxista-leninista se iniciou, que ministros
corruptos foram presos, e que o conluio dos sociais-democratas e maoistas chegou ao fim”. Ao
mesmo tempo, convocou uma manifestação para a frente do Palácio presidencial de Angola,
apelo que, diante da ameaça de tanques cubanos que barravam o acesso ao palácio, foi
mudado para a frente da Rádio Nacional.

“Se não foi golpe, devia ter sido”

“A interpretação que eu faço, pondo as pedras no puzzle, é que eles acharam que deviam pôr
a população na rua. Fizeram uma grande manifestação”, opina Edgar Valles.
Edgar Valles: "Se não foi golpe, devia ter sido"

Mas terá havido mesmo um planeamento para uma tentativa de golpe de Estado? “Essa é a
grande dúvida”, considera Edgar Valles. “Eu hoje concluo que se não houve foi uma pena.
Porque pôr as pessoas na rua, sujeitá-las a uma chacina – porque os cubanos foram
impiedosos – sem ter um plano, foi um enorme erro.”

Edgar Valles está convencido de que os soviéticos terão garantido a Nito que os cubanos se
manteriam neutros. “Havia contactos com a embaixada da União Soviética e os soviéticos
passaram a mensagem de que se as pessoas fossem para a rua, numa grande manifestação, os
cubanos não iriam intervir. E as pessoas vão para a rua numa grande manifestação, mas o Neto
telefona ao Fidel a pedir ajuda, o Fidel diz que sim, e os cubanos vêm e matam as pessoas na
rua. Metralharam mesmo. Depois foram ao Sambizanga. Havia também angolanos, mas a base
das tropas foram os cubanos.”

Símbolo da importância decisiva da intervenção cubana é a retomada pelas forças fiéis ao


presidente da Rádio Nacional, transmitida em direto pela antena. E a voz que se houve, em
castelhano, a invadir os estúdios e tomar conta da rádio, expulsando o locutor, é a do coronel
cubano Rafael Moracén Limonta a anunciar que “la emisora va a ser puesta en manos de los
revolucionarios, con Agostinho Neto.”Assim, em castelhano.

Para Edgar Valles, os cubanos não estavam em sintonia com os soviéticos. “E o Fidel
considerava Neto um grande aliado. Havia entre os cubanos pessoas que estavam ligadas ao
nosso grupo, mas a maioria deve ter começado a pensar que o grupo era esquerdista, era a
extrema-esquerda e queriam derrubar o Neto. Suponho que foi isso”, diz o irmão de Sita, que
conclui: “A intenção não era derrubar o Neto, era criar uma nova relação de forças, eu estou
convencido disso. Um plano de golpe de Estado não é uma manifestação de rua.”

Edgar Valles escapou à morte certa porque regressou a Lisboa em dezembro de 1976. “Eu vim
porque se não matavam-me. Tinha a noção disso. Eu escrevia na Seara Nova, lá colaborava
com o Diário de Luanda e dava aulas na Faculdade de Direito; e então, achavam que eu era um
dos teóricos do ‘nitismo’. E que fazia os discursos do Nito Alves, o que é mentira, eu não tinha
influência nenhuma, porque eu nem sequer estava no MPLA. Fui de Portugal para lá em
fevereiro de 1976. Pedi para entrar no MPLA, mas nunca deram seguimento ao meu pedido.
Por causa do nome, acharam que eu tinha uma grande influência. E quando veio o 27 de Maio
e andaram a prender pessoas houve quem perguntasse onde é que eu estava.”

O fim e a caça às bruxas


Apelos ao ódio no "Jornal de Angola"
Quando a 9ª Brigada, a principal unidade militar de Luanda, simpática a Nito, se rendeu, por
não ter capacidade para enfrentar os tanques e blindados cubanos, o destino de Sita Valles
estava traçado. Mas sabemos muito pouco sobre o que lhe aconteceu. Sabemos que fugiu com
o companheiro e que ambos foram capturados três semanas depois na aldeia de Kaleba,
porque uma mensagem enviada por eles terá sido interceptada. Mas há muita controvérsia
sobre os destinatários e o conteúdo da mensagem. O que é certo é que o Jornal de Angola de
19 de junho anunciava a prisão de ambos. E uma mensagem da embaixada de Portugal para
Lisboa datada de 8 de julho anunciava que ambos tinham sido fuzilados naquela data. A
biógrafa, Leonor Figueiredo, situa o fuzilamento mais tarde: no dia 1 de agosto. A essa altura já
tinham ocorrido centenas de fuzilamentos e milhares de prisões. Um discurso de Agostinho
Neto no dia 28 de maio, quando foi encontrada uma ambulância incendiada que tinha dentro
sete corpos de ministros, militares e pessoas ligadas ao governo, foi à televisão anunciar que
“certamente, não vamos perder muito tempo com julgamentos. Nós vamos ditar uma
sentença.” Com isso, deu rédea solta ao processo de caça às bruxas. As rádios emitiam spots
conclamando a população a denunciar os “fraccionistas” fugidos, o Jornal de Angola publicava
manchetes como “Amarrem-nos aonde forem encontrados”, ou “Todos os fraccionistas
pagarão pelos seus crimes”. A orgia de sangue durou talvez dois anos e provocou a morte,
segundo cálculos da Amnistia Internacional, de 30 mil pessoas, que tecnicamente se
encontram desaparecidas, porque o Estado angolano não admitiu essas mortes nem forneceu
certidões de óbito e não se sabem onde estão os seus restos mortais.

O silêncio do PCP

Quando começaram a circular os rumores de que Sita Valles tinha sido fuzilada, houve entre os
militantes do PCP uma enorme consternação e uma incompreensão pelo silêncio do partido
diante do sucedido. “Houve até um plenário da UEC no edifício que hoje é o museu do Fado,
onde funcionava o centro de trabalho de Alfama do partido e tinha o maior auditório. Aí foi
possível falar abertamente, e foi dito com toda a clareza que independentemente do que se
sentisse ou não se sentisse pela Sita Valles e o que ela representava, o objetivo do partido era
preservar as relações com o MPLA. E portanto publicamente não iria tomar posição nenhuma”,
recorda Eugénia Varela Gomes.

“Depois da morte dela o silêncio imposto foi brutal. Não se podia sequer mencionar o nome!”
afirma Maria da Graça Marques Pinto. “Todos nós procurávamos saber: o que é que aconteceu
à Sita? E a resposta era que o assunto era tabu. A Zita Seabra, que mais tarde veio a terreiro
falar da Sita, naquela altura não permitia sequer que se falasse – se alguém mencionasse o
tema ela acabava a conversa, dizia que aquilo não interessava nada. Muita gente nessa altura
saiu, bateu as portas da UEC por causa disso.”

Foi o caso da irmã Fernanda. “Quando o partido publicou a declaração do Bureau Político do
MPLA sobre o 27 de Maio, responsabilizando a Sita por muito do que tinha acontecido, decidi
abandonar o PCP”, recorda. “Era impressionante como é que uma militante cinco estrelas
como ela, a seguir era uma traidora. Sem nenhuma explicação. Os controleiros só diziam que
era um assunto para não ser falado. Pedia-se que os militantes fossem autómatos, fizessem o
que lhes era pedido, sem questionar. Esse tipo de respostas para mim não servia, e abandonei
a militância no PCP”, explica Fernanda Marques Pinto.

A ruptura de Edgar Valles foi um episódio à parte. “Eu pertencia à célula de jornalistas, e o
controleiro era um funcionário chamado Pedro Serra. Chamou-me ao hotel Vitória no Verão de
77 e disse-me que os esquerdistas, nomeadamente o PRP-BR, que tinham um jornal, o Página
1, estavam a atacar muito o PC dizendo que havia ligação entre o PC e os acontecimentos do
27 de maio, e que o partido achava que eu não devia aparecer nas sedes para evitar esses
ataques. Pediram-me para ficar durante uns meses afastado e que depois voltariam a
contactar. Eu perguntei se havia alguma falta de confiança em mim e ele disse que não, que
tinham toda a confiança em mim, que era apenas uma precaução. Nunca mais voltaram a
contactar-me, nem eu a eles. Fiz o corte.” Entretanto, um livro sobre o apartheid da autoria de
Edgar Valles e que fora editado pela Seara Nova e estava impresso e pronto para a
distribuição, foi mandado destruir pelos próprios editores.

Na época, Edgar Valles trabalhava no semanário Extra, onde era colega de Francisco Vale, atual
dono da editora Relógio D’Água. “Ele, que é trotskista e tem uma formação muito vasta,
demonstrou-me que isto no fundo era uma prática estalinista. Ajudou-me a desmontar a
questão em termos ideológicos. Porque eu não estava a perceber a reação do PCP. E ele falou
comigo, pacientemente, sobre o que é que tinha acontecido na Revolução Russa e disse-me
que aquilo não era novo. Ele foi muito importante para mim, porque em termos ideológicos
ajudou-me a fazer o corte. Porque a pior coisa que há é a pessoa continuar na área do PC e
não compreender o que se passou.”

Direito à memória

Eugénia Varela Gomes acha importante que Sita Valles não seja esquecida. “Porque não tenho
dúvida nenhuma de que a Sita estava genuinamente convicta de que, na perspetiva dela, como
revolucionária que se considerava, era necessário correr com aqueles dirigentes. Até ao fim,
ela foi absolutamente convicta do que fez. A Sita nunca foi pessoa para ficar a ver as coisas
passarem sem ter um papel ativo. E teve-o, ao mais alto nível.”

Este texto é uma contribuição para que a memória de Sita Valles, fuzilada aos 25 anos, depois
de uma vida política intensa em duas revoluções, seja preservada.

Fontes consultadas:

“Purga em Angola – Nito Alves, Sita Valles, Zé Van Dunem – o 27 de Maio de 1977”, Dalila
Cabrita Mateus e Álvaro Mateus

“Sita Valles, Revolucionária, Comunista até à Morte (1951-1977)”, Leonor Figueiredo

“‘Golpe Nito Alves’ e Outros Momentos da História de Angola Vistos do Kremlin”, José
Milhazes

“Angola: A Tentativa de Golpe de Estado de 27 de Maio de 77 – Informação do Bureau Político


do MPLA”, edições Avante

“Estamos Juntos” – O MPLA e a Luta Anticolonial (1961-1974). Tese de doutoramento de


Marcelo Bittencourt na Universidade Federal Fluminense

“Memórias de um golpe: o 27 de maio de 1977 em Angola(link is external) (link is external)”,


de Inácio Luiz Guimarães Marques, Dissertação apresentada ao Programa de Pós-Graduação
em História, da Universidade Federal Fluminense, como requisito para obtenção do grau de
Mestre.

“O 27 de Maio angolano visto de baixo(link is external) (link is external)”, Lara Pawson, Revista
do Instituto Português de Relações Internacionais, junho de 2007
“Post-Modern Patrimonialism in Africa: the Genesis and Development of the Angolan Political
System (1961-1987)(link is external) (link is external)”, Nuno Carlos de Fragoso Vidal,
dissertação apresentada à Universidade de Londres para obtenção de grau de doutor, 2002

“Ascensão e queda violenta do Nitismo(link is external) (link is external)”, de Pedro Sousa


Ferreira, dossier especial Dias da Independência – “Telegramas de Angola: Verdes anos, a
guerra civil, a repressão e os milhares de retornados(link is external) (link is external)” da
Agência Lusa.

1Paulo de Carvalho, “Evolução e Crescimento do Ensino Superior em Angola”, Universidade


Agostinho Neto (Luanda, Angola) e Centro de Investigação e Estudos de Sociologia do ISCTE-
IUL

Dossier:

Dossier 270: O 27 de Maio de 1977 em Angola

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