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Camões liríco- Rimas

Lírica camoniana

Medida Velha:
-De influência da poesia tradicional portuguesa nomeadamente da trovadoresca e palaciana.
-Algumas composições poéticas: cantigas, vilacentes, esparças, endechas…
-redondilha menor (cinco sílabas métricas) e maior (sete sílabas métricas).

-Temas tradicionais e populares da medida velha:


-a menina que vai à fonte;
-o verde dos campos e dos olhos;
-o amor simples e natural;
-a saudade e o sofrimento;
-a dor e a mágoa;
-o ambiente cortesão com as suas “cousas de folgar” e as futilidades;
-a exaltação da beleza de uma mulher de condição servil, de olhos pretos e tez morena (a “Barbara,
escrava”);
-a infelicidade presente e a felicidade passada.

Medida Nova:
-Poesia de influência renascentista nomeadamente de Dante e Petrarca.
-Algumas composições poéticas: sonetos, odes, canções, éclogas…
-decassílabos.
-O amor surge, à maneira petrarquista, como fonte de contradições, entre a vida e a morte, a água e o fogo, a
esperança e o desengano;
-A conceção da mulher, outro tema essencial da lírica camoniana, em íntima ligação com a temática amorosa
e com o tratamento dado à Natureza (“locus amenus”), oscila igualmente entre o pólo platónico (ideal de
beleza física, espelho da beleza interior), representado pelo modelo de Laura e o modelo renascentista de
Vénus.

Principais Temáticas Camonianas (medida velha e nova):


-saudade
-a mulher idealizada e a mulher de influência africana e asiática
-natureza
-mudança
-desconcerto pessoal
-desconcerto do mundo
-o amor platónico e o amor baixo e rude.

Recursos Estilísticos

Anáfora: Repetição intensional de uma palavra ou palavras no início de frases ou versos seguintes, para
destacar o que se repete.

Antítese: Consiste no contraste entre dois elementos ou ideias.

Comparação: Consiste em estabelecer uma relação de semelhança através de uma palavra, ou expressão
comparativa, ou de verbos a ela equivalentes.

Enumeração: Consiste na apresentação sucessiva de vários elementos (frequentemente da mesma classe


gramatical)

Eufemismo: Consiste em transmitir de forma atenuada uma ideia ou realidade que é desagradável
Hipérbole: Consiste no emprego de uma expressão que exagera o pensamento para dar mais ênfase ao
discurso.

Ironia: Consiste em atribuir às palavras um significado diferente daquele que na realidade têm.

Metáfora: Consiste em designar um objeto ou uma ideia por uma palavra (ou palavras) de outro campo
semântico, associando-as por analogia. Se, no contexto, essa analogia é por vezes fácil de identificar, outras
vezes permite interpretações diversificadas...

Paradoxo: Expressa uma contradição, através da simultaneidade de elementos contrários.

Perífrase: Consiste em dizer por várias palavras o que poderia ser dito por algumas ou apenas uma.

Personificação: Consiste na atribuição de propriedades humanas a animais irracionais ou a seres


inanimados.

Os Lusíadas – Luís de Camões

Poema épico de Luís Vaz de Camões, Os Lusíadas, que, à imitação de Homero e Virgílio, traduz em verso
toda a história do povo português e suas grandes conquistas, tomando, como motivo central, a descoberta do
caminho marítimo para as Índias por Vasco da Gama em 1497/99.

Para cantar a história do povo português, em Os Lusíadas, Camões foi buscar na antiguidade clássica a forma
adequada: o poema épico, gênero poético narrativo e grandiloquente, desenvolvido pelos poetas da
antiguidade para cantar a história de todo um povo.

A Ilíada e a Odisseia, atribuídas a Homero (Século VIII a. C), através da narração de episódios da Guerra de
Troia, contam as lendas e a história heroica do povo grego. Já a Eneida, de Virgílio (71 a 19 a.C.), através das
aventuras do herói Enéas, apresenta a história da fundação de Roma e as origens do povo romano.

Ao compor o maior monumento poético da Língua Portuguesa, Os Lusíadas, publicado em 1572, Camões
copia a estrutura narrativa da Odisseia de Homero, assim como versos da Eneida de Virgílio. Utiliza a
estrofação em Oitava Rima, inventada pelo italiano Ariosto, que consiste em estrofes de oito versos, rimadas
sempre da mesma forma: abababcc. A epopeia se compõe de 1102 dessas estrofes, ou 8816 versos, todos
decassílabos, divididos em 10 cantos.

RESUMO DA OBRA
Os Lusíadas se organiza tradicionalmente em cinco partes:

1. Proposição (Canto I, Estrofes 1 a 3) Apresentação da matéria a ser cantada: os feitos dos navegadores
portugueses, em especial os da esquadra de Vasco da Gama e a história do povo português.

2. Invocação (Canto I, Estrofes 4 e 5) O poeta invoca o auxílio das musas do rio Tejo, as Tágides, que irão
inspirá-lo na composição da obra.

3. Dedicatória (Canto I, Estrofes 6 a 18) O poema é dedicado ao rei Dom Sebastião, visto como a esperança
de propagação da fé católica e continuação das grandes conquistas portuguesas por todo o mundo.

4. Narração (Canto I, Estrofe 19 a Canto X, Estrofe 144) A matéria do poema em si. A viagem de Vasco da
Gama e as glórias da história heroica portuguesa.
A narração de Os Lusíadas consiste, portanto, na maior parte do poema. Inicia-se “In Media Res”, ou seja,
em plena ação. Vasco da Gama e sua frota se dirigem para o Cabo da Boa Esperança, com o intuito de
alcançarem a Índia pelo mar.

Auxiliados pelos deuses Vênus e Marte e perseguidos por Baco e Netuno, os heróis lusitanos passam por
diversas aventuras, sempre comprovando seu valor e fazendo prevalecer sua fé cristã. Ao pararem em
Melinde, ao atingirem Calicute, ou mesmo durante a viagem, os portugueses vão contando a história dos
feitos heroicos de seu povo.

Completada a viagem, são recompensados por Vênus com um momento de descanso e prazer na Ilha dos
Amores, verdadeiro paraíso natural que em muito lembra a imagem que então se fazia do recém descoberto
Brasil.

5. Epílogo (Canto X, Estrofes 145 a 156 – Final da epopeia) Grande lamento do poeta, que reclama o fato de
sua “voz rouca” não ser ouvida com mais atenção. O tom épico do poema é deixado de lado e Camões
passa a lamentar a situação de Portugal, depois de tantos
grandes feitos.

ESTRUTURA NARRATIVA
O poema se estrutura através de uma narrativa principal, que apresenta a viagem da armada de Vasco da
Gama. A esse fio narrativo condutor é incorporada inicialmente a narração feita por Vasco da Gama ao rei de
Melinde, em que conta a história de Portugal até a sua própria viagem.

Na voz do Gama, ouvem-se os feitos dos heróis portugueses anteriores a ele, como Dom Nuno Álvares
Pereira, o caso de amor trágico de Inês de Castro, o relato de sua própria partida, com o irado e premonitório
discurso do Velho do Restelo e o episódio do Gigante Adamastor, representação mítica do Cabo da Boa
Esperança. Em seguida são acrescentadas as narrativas feitas aos seus companheiros pelo marinheiro Veloso,
que relata o episódio dos Doze da Inglaterra.

Por fim, já na Índia, Paulo da Gama, irmão de Vasco, conta ainda outros feitos heroicos portugueses ao
Catual de Calicute. A estrutura narrativa de Os Lusíadas é composta, portanto, por três narrativas remetendo
à história de Portugal, interligadas pela narração da viagem de Vasco da Gama.

ECLETISMO RELIGIOSO
Os Lusíadas apresenta um ecletismo religioso bastante curioso. Mescla a mitologia greco-romana a um
catolicismo fervoroso. Protegidos pelos deuses, os portugueses procuram impor aos infiéis mouros sua fé
cristã.

O português é visto por Camões como representante de toda a cultura ocidental, batendo-se contra o inimigo
oriental, o árabe não-cristão. Todo esse fervor religioso não impede a utilização pelo poeta do erotismo de
cunho pagão, como no episódio da Ilha dos Amores e seus defensores lusitanos são protegidos, ao longo de
todo o poema, por uma deusa pagã, Vênus.

É curioso notar que a imagem clássica do deus romano Baco (o Dioniso dos gregos), amigo do vinho e do
desregramento, inimigo maior dos portugueses, é a de um ser de chifres e rabo. A mesma que foi utilizada
pela igreja católica para representar o demônio.
EPISÓDIOS PRINCIPAIS
Diversos são os episódios célebres de Os Lusíadas que merecem um olhar mais atento. Um deles é o da ilha
dos Amores, (Canto IX, estrofes 68 a 95) em que a “Máquina do Mundo”, com suas inúmeras profecias, é
apresentada aos portugueses.

Nessa passagem do final do poema o plano mítico – dos deuses – e o histórico – dos homens – encontram-se:
os portugueses são elevados simbolicamente à condição de deuses, pois só aos últimos é permitido
contemplar a “Máquina do Mundo”. Foi o episódio da ilha dos Amores que inspirou o poeta brasileiro Carlos
Drummond de Andrade a compor seu poema “A Máquina do Mundo”.

Outro é o do Gigante Adamastor, (Canto V, estrofes 37 a 60), representação figurada do Cabo da Boa
Esperança, que simboliza os perigos e tormentas enfrentados pelos navegadores lusitanos no caminho da
Índia.

Adamastor é o próprio Cabo, que foi transformado em rocha pelo deus Peleu, como vingança por ter
seduzido sua esposa, a ninfa Tétis.

História trágico-marítimo

Padre António Vieira, Sermão de Santo António Aos Peixes

Imaginação, habilidade oratória e poder satírico do Padre António Vieira, que toma vários peixes (o
roncador, o pegador, o voador e o polvo) como símbolos dos vícios daqueles colonos. Com uma construção
literária e argumentativa notável, o sermão tem como objectivo louvar algumas virtudes humanas e,
principalmente, censurar com severidade alguns vícios dos colonos. Este sermão foi pregado três dias antes
de Padre António Vieira embarcar ocultamente para Portugal, onde pretendia obter uma legislação mais justa
para os índios, projudicando assim os interesses dos colonos europeus. Pode-se especular que a sua saída
precipitada do Brasil se devia, pelo menos em parte, ao receio de represálias por parte dos colonos.

Capítulo V – repreensão em particular

dos roncadores: embora tão pequenos, roncam bastante, simbolizando assim os arrogantes (É possível
que sendo vós uns peixinhos tão pequenos, haveis de ser as roncas do mar?);

dos pegadores: sendo pequenos, pregam-se nos maiores, não os largando mais e simbolizando os
oportunistas e os parasitas (Pegadores se chamam estes de que agora falo, e com grande propriedade,
porque sendo pequenos não só se chegam a outros maiores, mas de tal sorte se lhe pegam aos costados,
que jamais os desferram);

dos voadores: sendo peixes, também se metem a ser aves, simbolizando os vaidosos [Dizei-me, voadores,
não vos fez Deus para peixes? Pois porque vos metei a ser aves? (...) Contentai-vos com o mar e com
nadar, e não queirais voar, pois sois peixes];

dos polvos: tem uma aparência de santo e manso e um ar inofensivo, mas na essência é traiçoeiro,
maldoso e hipócrita e faz-se de amigo dos outros e no fim, representando assim os traidores e os hipócritas
“abraça-os” [E debaixo desta aparência tão modesta, ou desta hipocrisia tão santa (...) o dito polvo é o
maior traidor do mar].
Peroração: o orador retoma os pregadores de que falava no conceito predicável, servindo-se dele próprio
como exemplo alegando que não estava a cumprir a sua função. Alega também que ele (homens) e os
peixes, nunca vão chegar ao sacrifício final, uma vez que os peixes já vão mortos e os homens vão mortos
de espírito. Padre António Vieira diz que a irracionalidade, a inconsciência e o instinto dos peixes, são
melhores do que a racionalidade, o livre arbítrio, a consciência, o entendimento e a vontade do homem.

Conclui-se assim, fazendo um apelo aos ouvintes e louvando-se a Deus, tornando esta última parte do
sermão um pouco mais familiar, para que se estabeleça de novo a proximidade entre os ouvintes e o
orador.

Recursos estilísticos predominantes

O Sermão de Santo António aos peixes é uma alegoria, na medida em que os peixes são a personificação
dos homens. O Padre António Vieira toma como ponto de partida uma frase bíblica irrefutavelmente
aplicável às condições políticas e sociais da sua época. A pessoa gramatical privilegiada é, obviamente, a
segunda, visto que o seu objectivo é persuadir e contar com a adesão dos ouvintes.

Este sermão teve como ouvintes os colonos do Maranhão e tem grande coesão e coerência textual graças à
utilização de recursos estilísticos, nomeadamente: a anadiplose, a antítese, a apóstrofe, a comparação, o
paralelismo, a anáfora, a enumeração, a exclamação retórica, a gradação crescente, a interrogação retórica,
a ironia, a metáfora, o paradoxo, o quiasmo e o trocadilho.

Conclusão

Em suma, o sermão seiscentista obedece à máxima ensinar, deleitar e mover, e o Sermão de Santo António
aos Peixes, sendo um dos mesmos, também obedece à sua estrutura.

Almeida Garrett, Frei Luís de Sousa

Eça de Queirós, Os Maias

A acção de "Os Maias" passa-se em Lisboa, na segunda metade do séc. XIX. Conta-nos a história de três
gerações da família Maia.
A acção inicia-se no Outono de 1875, altura em que Afonso da Maia, nobre e rico proprietário, se instala no
Ramalhete. O seu único filho – Pedro da Maia – de carácter fraco, resultante de um educação extremamente
religiosa e proteccionista à portuguesa, casa-se, contra a vontade do
pai, com a filha de um antigo negreiro, Maria Monforte, de quem tem dois filhos – um menino e uma
menina. Mas a esposa após conhecer Tancredo, um príncipe italiano que Pedro alvejara acidentalmente
enquanto caçava, acabaria por o abandonar para fugir com o Napolitano, levando consigo a filha, de quem
nunca mais se soube o paradeiro. O filho – Carlos da Maia – viria a ser entregue aos cuidados do avô
(Afonso da Maia), após o suicídio de Pedro da Maia, devido ao desgosto da fuga da mulher que tanto amava.
Carlos passa a infância com o avô, recebendo uma educação rígida. Principalmente direccionada à educação
e só depois à religião. Forma-se depois, em Medicina,
em Coimbra. Carlos regressa a Lisboa, ao Ramalhete, após a formatura, onde se vai rodear de alguns amigos,
como o João da Ega, Alencar, Damaso Salcede, Palma de Cavalão, Euzébiozinho, o maestro Cruges, entre
outros.
Seguindo os hábitos dos que o rodeavam, Carlos envolve-se com a Condessa de Gouvarinho, que depois irá
abandonar. Um dia fica deslumbrado aoconhecer Maria Eduarda, que julgava ser mulher do brasileiro Castro
Gomes. Carlos segue-a algum tempo sem êxito, mas acaba por conseguir uma aproximação quando é
chamado por ela, para visitar, como médico, a sua governanta que
adoecera. Começam então os seus encontros com Maria
Eduarda, visto que Castro Gomes estava ausente. Carlos chega mesmo a comprar uma casa onde instala a
amante. Castro Gomes descobre o sucedido e procura Carlos, dizendo que Maria Eduarda não era sua
mulher, mas sim sua amante e que, portanto, podia ficar com ela. Entretanto, chega de Paris um emigrante,
que diz ter conhecido a mãe de Maria Eduarda e que a procura para
lhe entregar um cofre desta que, segundo ela lhe dissera, continha documentos que identificariam e
garantiriam para a filha uma boa herança. Essa mulher era Maria Monforte – a mãe de Maria Eduarda era,
portanto, também a mães
de Carlos. Os amantes eram irmãos. Contudo, Carlos não aceita este facto e mantém abertamente, a relação –
incestuosa – com a irmã, sem
que esta saiba que são irmãos. Afonso da Maia, o velho avô, ao descobrir que Carlos, mesmo sabendo que
Maria Eduarda é sua irmã, continua com a relação, morre de desgosto. Ao tomar conhecimento, Maria
Eduarda, agora rica, parte para o estrangeiro; e Carlos, para se distrair, vai correr o mundo.
O romance termina com o regresso de Carlos a Lisboa, passados 10 anos, e o seu reencontro com Portugal e
com Ega, que lhe diz: - "Falhámos a vida, menino!".

Carlos da Maia

Caracterização Física:

Carlos era um belo e magnífico rapaz. Era alto, bem constituído, de ombros largos, olhos negros, pele
branca, cabelos negros e ondulados. Tinha barba fina, castanha escura, pequena e aguçada no queixo. O
bigode era arqueado aos cantos da boca. Como diz Eça, ele tinha uma fisionomia de "belo cavaleiro da
Renascença".

Caracterização Psicológica:
Carlos era culto, bem educado, de gostos requintados
. Ao contrário do seu pai, é fruto de uma educação à Inglesa
. É corajoso e frontal. Amigo do seu amigo e generoso. Destaca-se na sua personalidade o cosmopolitismo, a
sensualidade, o gosto pelo luxo, e diletantismo (incapacidade de se fixar num projecto sério e de o
concretizar). Todavia, apesar da educação, Carlos fracassou. Não foi devido a esta mas falhou, em parte, por
causa do meio onde se instalou – uma sociedade parasita, ociosa,
fútil e sem estímulos. Mas também devido a aspectos hereditários – a fraqueza e a cobardia do pai, o
egoísmo, o futilidade e o espírito boémio da mãe. Eça quis personificar em Carlos a idade da sua juventude,
a que fez a Questão Coimbrã e as Conferências do Casino e que acabou no grupo dos Vencidos da Vida, de
que Carlos é um bom exemplo.

Fernando Pessoa, no Livro do Desassossego (BERNARDO SOARES) escreveu:

“Vivo numa época anterior àquela em que vivo; gozo de sentir-me coevo de Cesário Verde, e tenho em mim,
não outros versos como os dele, mas a substância igual à dos versos que foram dele.”
É um semi-heterónimo de Fernando Pessoa porque - como afirma o seu próprio criador - "não sendo a
personalidade a minha, é, não diferente da minha, mas uma simples mutilação dela. Sou eu menos o
raciocínio e afetividade."

Desde 1914 que Pessoa ia escrevendo fragmentos de cariz confessional, diarístico e memorialista aos quais,
já a partir dessa data, deu o título de Livro do Desassossego - obra que o ocupou até ao fim. Há aspetos
"biográficos" que o aproximam de Pessoa: é ajudante de guarda livros em Lisboa e trabalha em escritórios
modestos na Baixa pombalina.

Se pelo carácter deambulatório se aproxima de Cesário Verde, se a sua prosa (tantas vezes poética), recheada
de pensamento e de preocupações metafísicas, o irmana de Pessoa-Campos, se a sua escrita propriamente
fragmentária e de tom diarístico, labiríntica e lúcida face à consciência de si e do Mistério (presente até no
que há de mais insignificante) faz pensar no Húmus de Raul Brandão, podemos então olhar o Livro do
Desassossego como um dos pilares da prosa moderna portuguesa.

Por sua vez, Maria Alzira Seixo, na Introdução que faz ao Livro do Desassossego (Editorial Comunicação,
Lisboa), insiste sobre o caráter onírico do Livro - «Entre o sonho e o duplo, entre a alienação e as
ambiguidades, entre o 'alheamento' e o 'intervalo' se formula o essencial do Livro do Desassossego». A
mesma autora acrescenta: «o Livro do Desassossego apresenta-se-nos, no seu conjunto, como a descrição
consistente e desdobrada de um estado de alma, traçada a pinceladas obsessivas e desconexas, movida pela
observação atenta mas logo desfigurada do seu conteúdo que se delineia em sucessivas e fragmentárias vagas
de expressão sentimental ou de reflexão racionalizante»

Por outro lado, parece existir neste livro um fascínio pelo concreto da cidade, dos matizes que as
variantes meteorológicas põem nas ruas, nas casas e nas pessoas, a lembrar muito o Cesário Verde de Num
bairro moderno ou do Sentimento de um Ocidental. Só que é uma cidade admiravelmente descrita, mas que
não vale por si, remetendo para estados de alma em que Soares se desdobra, «novos mergulhos no ser e no
desassossego que o altera» (Mª Alzira Seixo, op.cit)

Cesário Verde:

O campo é um espaço de vitalidade, alegria, beleza, vida saudável… Na cidade, o ambiente físico, cheio de
contrastes, apresenta ruas macadamizadas/esburacadas, casas apalaçadas (habitadas pelos burgueses e pelos
ociosos)/quintalórios velhos, edifícios cinzentos e sujos… O ambiente humano é caracterizado pelos
calceteiros, cuja coluna nunca se endireita, pelos padeiros cobertos de farinha, pelas vendedeiras enfezadas,
pelas engomadeiras tísicas, pelas burguesinhas… É neste sentido que podemos reconhecer a capacidade de
Cesário Verde em trazer para a poesia o real quotidiano do homem citadino.

Ao ler-se o poema "De Tarde", pertencente a "Em Petiz", é visível o tom irónico em relação aos citadinos,
mas onde o tom eufórico também sobressai, ao percorrer os lugares campestres ao lado da sua
"companheira". A preferência do poeta pelo campo está expressa nos poemas "De Verão" e "Nós" (o mais
longo), onde desaparecem a aspereza e a doença ligadas à vida citadina e surge o elogio ao ambiente
campesino. A arte de Cesário Verde é, pois, reveladora de uma preocupação social e intervém criticamente. O
campo oferece ao poeta uma lição de vida multifacetada (por exemplo, os camponeses são retratados no seu
trabalho diário) que ele transmite com objectividade e realismo. Trata-se, pois, de uma visão concreta do
campo e não da abstracção da Natureza.
A força inspiradora de Cesário é a terra-mãe, sendo nela que Cesário encontra os seus temas. É por isto que,
habitualmente, se associa o poeta ao mito de Anteu.

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