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AVALIANDO AS RAZÕES DA PRIMEIRA TURMA DO STF NO HC 124.

306 PELA
DESCRIMINALIZAÇÃO DO ABORTO NO PRIMEIRO TRIMESTRE DE
GRAVIDEZ1
R. M. S. Ribeiro2

No dia 29 de novembro de 2016, a Primeira Turma do Supremo Tribunal Federal


concedeu de ofício uma ordem de habeas corpus (HC 124.306/RJ) em favor de duas pessoas
presas em flagrante pelos crimes de formação de quadrilha (art. 288, CP) e de provocar
aborto com consentimento da gestante (art. 126, CP). O Ministro Luís Roberto Barroso,
redator do acórdão, argumentou em seu voto que estavam ausentes os requisitos para
decretação de prisão preventiva, oferecendo como uma das razões sua tese de que a
tipificação do aborto como interrupção voluntária da gestação no primeiro trimestre não foi
recebida pela Constituição de 1988; em suma, que, à luz da Constituição Federal, o
abortamento voluntário no primeiro trimestre não deve ser considerado crime. Os Ministros
Edson Fachin e Rosa Weber lançaram votos seguindo o Ministro Barroso e acrescentando
suas próprias razões.

Em que pesem as muitas considerações que poderiam ser feitas sobre o julgamento
em questão e sobre os debates em torno do aborto em geral, minha intenção neste artigo é tão
somente analisar os argumentos que os Ministros apresentaram em favor da
descriminalização do aborto. Inicio pelo voto do redator, Ministro Luís Roberto Barroso,
passando a seguir para o da Ministra Weber e termino a apreciação dos votos tratando da
“nota a latere” do Ministro Fachin, oportunidade em que comento sobre o papel que tem sido
atribuído à religião no debate sobre o aborto. Concluo o artigo chamando atenção a uma
importante questão subjacente aos argumentos contidos nos votos dos Ministros e fazendo
algumas pontuações finais.

O voto do Redator, Ministro Luís Roberto Barroso

1
Esta não é a versão final do artigo. Qualquer leitor concorda tacitamente em se abster de reproduzi-lo no todo
ou em parte sem prévia autorização expressa do autor.
2
rmsribeiro[at]ufrgs.br
O Ministro considera (§11)3 que há três requisitos para que a criminalização de uma
conduta seja compatível com a Constituição: que tal criminalização proteja um bem jurídico
relevante; que o comportamento incriminado não constitua exercício legítimo de direito
fundamental; e que haja proporcionalidade entre a ação praticada e a reação estatal.

O Ministro Barroso nega que os dois últimos requisitos estejam presentes (§12) –
sobre os quais logo tratarei – por ora, no entanto, cumpre analisar o que o Ministro Redator
tem a dizer sobre o primeiro.

O bem jurídico em questão: a vida do feto humano

Nas palavras do Ministro, o bem a que a lei que criminaliza o aborto voluntário visa
proteger é a “vida potencial do feto”, bem jurídico que considera “evidentemente relevante”
(§12). Mais adiante, o Ministro Barroso distingue duas posições sobre o estatuto jurídico do
embrião no início da gestação (§21): uma que sustenta que “existe vida desde a concepção”;
outra, segundo a qual, “antes da formação do sistema nervoso central e da presença de
rudimentos de consciência – o que geralmente se dá após o terceiro mês da gestação – não é
possível ainda falar-se em vida em sentido pleno”. Frente a esta dicotomia, afirma:

Não há solução jurídica para esta controvérsia. Ela dependerá sempre de uma
escolha religiosa ou filosófica de cada um a respeito da vida. Porém, exista
ou não vida a ser protegida, o que é fora de dúvida é que não há qualquer
possibilidade de o embrião subsistir fora do útero materno nesta fase de sua
formação. Ou seja: ele dependerá integralmente do corpo da mulher. Esta
premissa, factualmente incontestável, está subjacente às ideias que se
seguem. (§22)

O Ministro Barroso nega, portanto, que haja solução jurídica para a controvérsia e
afirma que ela depende de uma “escolha religiosa ou filosófica” individual. A opção de
palavras por parte do Ministro parece indicar a presença de certa subjetividade na decisão do
impasse, como se, não havendo solução aparente, tampouco esperança próxima de alcançá-
la, coubesse a cada um assentir à tese que mais lhe agradasse (segundo suas convicções
particulares), sem que pudesse ter a pretensão de impô-la a outros como verdadeira.

3
Ao analisar o voto do Ministro Luís Roberto Barroso, cito-o a partir da numeração de parágrafos que ele
próprio utiliza ao organizar seu texto.
Qual seja o sentido exato da expressão “escolha religiosa ou filosófica”4, certamente
é preciso admitir que há campo racional (ou como quisermos nomeá-lo) para argumentar
sobre o estatuto moral e jurídico do feto humano e, enfim, para argumentar em favor ou
contra a moralidade do aborto em geral, bem como se e como deve ser punido. O mero fato
de haver discordância e possíveis argumentos para ambos lados não basta para considerar a
questão insolúvel ou dependente de meras escolhas subjetivas. De fato, já não faz tanto tempo
que se negavam a certos membros da espécie humana alguns de seus direitos naturais,
tomando por certo que não desfrutavam do mesmo estatuto moral que os demais seres
humanos.

Em Dred Scott v. Sandford (60 U.S. 393, 1857), a Suprema Corte dos Estados Unidos
da América decidiu que “um negro da raça africana, cujos ancestrais foram importados [aos
Estados Unidos] e vendidos como escravos”, fosse escravo ou livre, não poderia ser
considerado um cidadão americano; e que seria injusto privar um dono de escravos de sua
propriedade (no caso, de seu escravo), mesmo que este escravo no momento se encontrasse
em um território onde não havia escravidão.

Ora, o fato de ter existido controvérsia (a ponto de gerar tal decisão por parte da
Suprema Corte) não deveria nos persuadir a pensar que o estatuto moral de pessoas negras
ou de quaisquer outros membros da espécie humana depende apenas de uma escolha
subjetiva, seja religiosa ou filosófica. Pelo contrário, é possível oferecer razões
inegavelmente fortes em favor de uma igualdade essencial de direitos entre todos seres
humanos – razões cuja negação hoje nos soa aliás uma enorme torpeza. O mesmo deve valer,
argumento, no caso nos seres humanos em estágio embrionário ou fetal.

Neste ponto, é preciso fazer um breve excurso biológico e esclarecer um equívoco


comum que aparentemente também está presente no voto do Ministro Barroso. Não é ponto
controvertido o fato de que o feto ou embrião humano é um ser vivo. Não se pode falar em
“vida potencial do feto” (§12), se com isso se quiser dizer que ele meramente está próximo a

4
Em todo caso, é difícil conceber como argumentos sobre viabilidade, sobre o desenvolvimento cerebral do
feto, etc., tais como aqueles utilizados pelo Ministro ao longo de seu voto não sejam “filosóficos”. Do
componente “religioso” do debate, por sua vez, comento ao tratar do voto do Ministro Fachin.
viver, mas ainda não vive. Não há debate sobre esta questão nem na literatura especializada
sobre o aborto, nem na sobre a embriologia.5

O desenvolvimento humano é um processo contínuo que se inicia quando


um oócito (óvulo) de origem feminina é fecundado por um espermatozoide,
de origem masculina. (Moore, Persaud, Torchia, 2016b, p. 1. Meu destaque.)

O desenvolvimento humano começa na fecundação, quando um


espermatozoide penetra um oócito para formar o zigoto. [...] O zigoto se
divide muitas vezes e é progressivamente transformado em um ser humano
multicelular [...] (Moore, Persaud, Torchia, 2016a, p. 21)

Com efeito, alguns mais dos notórios defensores do aborto (Peter Singer, Michael
Tooley, Ronald Dworkin, Mary Anne Warren e outros) admitem com clareza que o feto não
é apenas um ser vivo, mas um ser humano vivo6:

É possível dar a “ser humano” um significado preciso. Podemos utilizá-lo


como equivalente a “membro da espécie homo sapiens”. O fato de um ser
[vivo] ser membro de certa espécie é algo que pode ser determinado
cientificamente, pelo exame da natureza dos cromossomos nas células dos
organismos vivos. Nesse sentido, não há dúvida que desde os primeiros
instantes de sua existência o embrião concebido a partir de espermatozoides
e óvulos humanos é um ser humano. (Singer, 2000, p. 127)

Aborto, que significa deliberadamente matar um embrião humano em


desenvolvimento, e eutanásia [...] ambos são escolhas pela morte. (Dworkin,
1994, p. 3)

A maior parte dos argumentos "pró-vida" parece se resumir à quarta e última


tese – a de que o feto desenvolvendo dentro de uma mãe humana é um
membro [da espécie] homo sapiens, e essa característica lhe confere o direito
à vida. A primeira parte da tese é incontroversa. Um feto em
desenvolvimento dentro de uma mãe humana é certamente um organismo
pertencente à [espécie] homo sapiens. Aquilo que é incorreto é a ideia de que
pertencer uma espécie biológica em particular por si dá a um organismo o
direito à vida. (Purd e Tooley, 1974, pp. 139-40)

Ser um feto não é mais que estar em um dos estágios de desenvolvimento pelos quais
todo membro da espécie humana que chega à vida adulta passa. Todo ser humano em estágio
adulto, já foi um ser humano em estágio fetal, como já foi um ser humano em estágio infantil,

5
Além dos excertos a seguir, tome-se nota de como livros de embriologia, em seus sumários, introduções, e em
seu conteúdo propriamente dito, sempre tratam o desenvolvimento humano em continuidade desde a
fecundação sem que haja pontos de ruptura ou de descontinuidade. Cf. Moore, Persaud, Torchia, 2016a; Moore,
Persaud, Torchia, 2016b; Sadler, 2013.
6
As referências para as citações foram retiradas de Kaczor (2011, pp. 7, 8 e 15). As traduções presentes neste
artigo são de minha autoria.
como já foi um ser humano em estágio adolescente. A distinção feita por muitos defensores
do aborto é aquela segundo a qual nem todo ser humano é pessoa, nem todo ser humano tem
direito à vida, apenas pessoas teriam prima facie direito à vida7. A tese ética que defende
esta distinção é chamada personismo.

É, pois, um fato biológico incontroverso que embriões e fetos humanos são seres
humanos vivos, que tendem a se desenvolver continuamente em direção à vida adulta (como
tendem um recém-nascido e um adolescente). Os argumentos padrões de defesa do aborto
hoje se sustentam, portanto, não negando que o embrião o ou feto sejam um ser humano, mas
sim afirmando que meramente existir como um ser vivo da espécie humana não basta para
ter direito à vida, é preciso ser, além de humano, pessoa. Agora, a definição de pessoa (por
acréscimo à de humano) varia tanto quanto o número de autores que defendem o personismo.
Tooley (1972, p. 62) afirma que é preciso que o organismo tenha um conceito de si mesmo
como um sujeito contínuo de experiências; Singer (1994, p. 218) define pessoa como um ser
com consciência da sua própria existência, e com a capacidade de ter desejos e planos para o
futuro; e assim outros.8

Pelo que fica claro também que o debate não se distingue propriamente em duas
posições diferentes (a saber, “desde a fecundação” e “após primeiro trimestre” (§21)), mas
em inúmeras.9 Todas, no entanto, estão sujeitas ao crivo da racionalidade, sendo-nos possível
oferecer razões para aceitá-las e recusá-las.

7
Além disso, a noção de “direito” deve ser entendida de modo bastante atenuado, uma vez que muitos dos
defensores do aborto são consequencialistas, isto é, negam a existência de direitos propriamente ditos,
afirmando que a moralidade ou imoralidade de uma ação depende apenas das consequências que ela gera. Para
entender as implicações do consequencialismo unido ao personismo, tome-se nota da tese levantada por Jeff
McMahan (2002, pp. 359-60), referida por C. Kaczor (2011, p. 36), segundo a qual é moralmente permissível
matar uma criança órfã saudável para usar seus órgãos para salvar vidas de outros seres humanos. Para um
tratamento crítico do consequencialismo, veja-se David Oderberg (2000).
8
São estas definições que levam tais autores a defender não apenas o aborto, mas o infanticídio. Veja-se Kaczor
(2011, p. 17).
9
Tome-se nota, por exemplo, dos diversos limites gestacionais dentro dos quais o aborto é permitido em
diferentes países: em termos de janeiro de 2018, nos Estados Unidos da América, alguns Estados permitem
aborto em qualquer momento antes do parto; no Canadá, o limite gestacional varia de acordo com as províncias
entre 10 e 22 semanas (isto é, varia abaixo e acima do limiar do primeiro trimestre); no Reino Unido o limite é
de 24 semanas, isto é, seis meses, que é o dobro do limite gestacional na França (12 semanas), que por sua vez
é diferente do da Suécia (18 semanas).
Voltemo-nos, pois, à análise das razões apontadas pelo Ministro para justificar sua
posição.

O Ministro Redator parece propor um argumento cumulativo em favor da


permissibilidade do aborto no primeiro trimestre, isto é, ao invés de apresentar uma única
razão probante e indisputável para “traçar a linha” do direito à vida no final do primeiro
trimestre, o Ministro Barroso elenca uma série de razões prováveis, a partir de cuja união
deseja obter um caso sólido para sua tese. Pude identificar as seguintes10:

“[A]ntes do primeiro trimestre ainda não se formou o sistema nervoso central e não
há presença de rudimentos de consciência não se podendo falar em vida em sentido
pleno” (§12);

“[N]ão há qualquer possibilidade de o embrião subsistir fora do útero materno nesta


fase de sua formação” (§13);

Quase todas as democracias desenvolvidas permitem o aborto voluntário pelo menos


no primeiro trimestre (§20 e §46);

“[O] papel adequado do Estado não é tomar partido e impor uma visão, mas permitir
que as mulheres façam sua escolha de forma autônoma” (§38); e

“[O] peso concreto do direito à vida do nascituro varia de acordo com o estágio de
seu desenvolvimento na gestação. O grau de proteção constitucional ao feto é, assim,
ampliado na medida em que a gestação avança e que o feto adquire viabilidade
extrauterina, adquirindo progressivamente maior peso concreto” (§45).

A intenção do Ministro com estes argumentos é, uma vez enfraquecido o caso pelo
estatuto moral do feto humano no primeiro trimestre, abrir caminho para considerar a
proibição do aborto voluntário uma violação de direitos da mulher e, consequentemente, uma
injusta desproporção entre a ação do indivíduo e reação estatal. Tratarei a seguir, por
primeiro, de cada um dos argumentos que dizem respeito ao estatuto moral do feto.

O argumento do desenvolvimento cerebral

10
O Ministro também afirma em §47 que “o córtex cerebral - que permite que o feto desenvolva sentimentos e
racionalidade - ainda não foi formado, nem há qualquer potencialidade de vida fora do útero materno”. Parece-
me se tratar de razões muito próximas das expressas nos parágrafos §§12 e 13 e a resposta aos argumentos
contidos nestes parágrafos servirá também para elas.
Afirma o Ministro que, “antes do primeiro trimestre ainda não se formou o sistema
nervoso central e não há presença de rudimentos de consciência não se podendo falar em
vida em sentido pleno” (§12).

É difícil conceber qual a relevância moral ou jurídica de meramente haver iniciado a


formação do sistema nervoso central e de meramente haver presença de rudimentos de
consciência. Muitos animais possuem sistema nervoso (alguns inclusive mais desenvolvidos
do que de fetos e recém-nascidos), e possuem muito mais consciência (se a entendermos em
termos de capacidade de sentir dor, de agir autonomamente, de ter consciência das próprias
ações, etc.) do que bebês recém-nascidos ou prestes a nascer, mas nem por isso defendemos
que tais animais possuem direito à vida como os seres humanos possuem. Diversos
defensores do aborto reconhecem o mesmo (cf. Kaczor, 2011, p. 211):

Em qualquer comparação justa de características moralmente relevantes,


como racionalidade, autoconsciência, consciência, autonomia, prazer e dor,
etc., o bezerro, o porco e a muito escarnecida galinha estão muito à frente do
feto em qualquer estágio da gravidez. (Singer, 1993, p. 151)

[N]os aspectos relevantes, um feto, mesmo um totalmente desenvolvido, é


consideravelmente menos parecido com uma pessoa que o mamífero médio,
até mesmo do que o peixe médio. (Warren, 1973, pp. 264-265)

Alguém pode argumentar, por outro lado, que não se trata da mera existência de um
sistema nervoso e de rudimentos de consciência, mas sim o fato de ser ao fim do primeiro
trimestre que se pode identificar o início de uma série causal que culminará em um cérebro
adulto que tornará possível a existência de todas características e o desempenho de todas as
atividades próprias de um ser humano adulto típico, como elaborar conceitos abstratos,
planejar seu futuro, etc.

O primeiro problema com esta posição é que, contrariamente ao que ela afirma, a
embriologia nos diz que as “primeiras indicações do desenvolvimento do sistema nervoso
aparecem durante a terceira semana” (Moore, Persaud, Torchia, 2016b, p. 379), que “o
encéfalo começa a se desenvolver durante a terceira semana” (Moore, Persaud, Torchia,
2016b, p. 392); ou seja, se alguma linha que tomasse por base o desenvolvimento do sistema
nervoso propriamente dito houvesse de ser traçada, haveria de sê-lo muito antes do final do
primeiro trimestre (antes inclusive de boa parte das mulheres sequer perceber que está
grávida).
Em todo caso, o raciocínio por detrás da posição baseada no desenvolvimento
cerebral na verdade endossa a imoralidade do aborto ainda que feito a qualquer tempo no
primeiro trimestre. Um embrião de seis dias é tão racional, tão atualmente capaz de formar
conceitos, de “raciocinar”, quanto um de quatro meses11, porque nenhum dos dois é
atualmente racional ou capaz de formar conceitos. Ambos são pontos em uma linha contínua
de desenvolvimento que começa na concepção. É verdade, um feto de quatro meses estará
mais próximo de um exemplar adulto de humano do que um de um mês, mas do mesmo
modo uma criança de dois anos está mais próxima de um adulto do que está um bebê recém-
nascido ou prestes a nascer. Por acaso devemos afirmar que a vida do bebê recém-nascido
ou que está prestes a nascer vale menos que a da criança de dois anos?12

Para que o argumento pelo desenvolvimento do cérebro justificasse a moralidade e


legalidade do aborto no primeiro trimestre, seu defensor teria de mostrar que no limiar dos
três meses acontece alguma espécie de ruptura, de descontinuidade, de maneira que o
embrião da espécie de humana que existia antes não tinha direito à vida, mas depois passou
a ter. Mas não há essa descontinuidade, o desenvolvimento das estruturas cerebrais está
codificado desde que o feto possui seus cromossomos e todo desenvolvimento posterior é
contínuo. Ao fim do primeiro trimestre, este desenvolvimento está em nível um pouco mais
avançado, mas é apenas mais um ponto em uma linha contínua que de si ainda está muito
longe de bastar para ser sustento das funções superiores humanas adultas típicas.

O argumento da viabilidade e a gradação do valor da vida humana

Mais adiante, o Ministro Barroso escreve:

É preciso reconhecer, porém, que o peso concreto do direito à vida do


nascituro varia de acordo com o estágio de seu desenvolvimento na gestação.
O grau de proteção constitucional ao feto é, assim, ampliado na medida em
que a gestação avança e que o feto adquire viabilidade extrauterina,
adquirindo progressivamente maior peso concreto. (§45)

11
Isto é, a frente do limiar do primeiro trimestre.
12
Demonstrando sua coerência, o defensor do aborto Peter Singer considera como “ficção conveniente” tentar
definir o início da vida humana em termos de desenvolvimento cerebral, e escreve: “[a]o invés de aceitar tais
ficções, deveríamos reconhecer que o fato de um indivíduo ser humano, e [estar] vivo, de si não basta para dizer
que seria errado tirar a vida deste indivíduo. ” (Singer, 1994, p. 105 in Kaczor, 2011, p. 81)
A viabilidade extrauterina seria, portanto, o parâmetro a partir do qual podemos
determinar o valor intrínseco que deve ser atribuído a um ser humano. Quanto mais distante
de tal viabilidade estiver um ser humano, menos sua vida vale; quando mais próximo, mais
ela vale.

A primeira pergunta a se fazer ao avaliar a força deste argumento é, por quê? Por que
a viabilidade é relevante para a determinação do estatuto moral do feto humano? O motivo
parece ser que “é fora de dúvida é que não há qualquer possibilidade de o embrião subsistir
fora do útero materno nesta fase de sua formação. Ou seja: ele dependerá integralmente do
corpo da mulher” (§22). Seguindo raciocínio do Ministro, o argumento da viabilidade se
radicaria na dependência que o feto humano tem para com sua mãe (e o consequente fardo
na mãe que esta dependência causa) 13. Mais dependência, menor o estatuto moral, menos
dependência, maior o estatuto moral.

Há pelo menos dois graves problemas com essa tese, que a tornam insustentável:

Em primeiro lugar, viabilidade não diz respeito a algo intrínseco ao feto, mas sim ao
estado da arte da tecnologia médica do lugar onde ele se encontra. Um feto de 25 semanas
talvez não seja “viável” se sua mãe viver às margens do alto Xingu, longe de toda medicina
moderna; mas talvez seja em Cuiabá, ou ao menos em São Paulo. Se a mãe decidir viajar até
à capital podemos concluir que o valor da vida do nascituro aumenta conforme a mãe se
aproxime do alcance de uma UTI neonatal na capital? E ao retornar, a vida do nascituro vai
diminuindo de valor conforme ele se afasta de uma? Do mesmo modo, um feto menos
desenvolvido será “mais viável” se tiver acesso a uma UTI neonatal do que um feto mais
desenvolvido que não tenha. A menos que aceitemos a estranha tese de que o direito à vida
de um membro da espécie humana varie de acordo com o acesso à tecnologia que ele pode
ter, temos de rejeitar o argumento pela viabilidade.14

13
Para entender a importância que o fardo causado à mãe tem para o argumento, suponhamos que um feto seja
concebido e gestado em um útero artificial, sem estar vinculado umbilicalmente a nenhuma mulher (e, portanto,
sem oferecer fardos a nenhuma), e haja uma fila de pais esperando para adotar o filho uma vez que ele nasça
(como hoje ocorre), parece que nesse caso a viabilidade não seria um argumento a ser invocado para interromper
esta gestação.
14
Peter Singer (1994, p. 102) recusa a validade do argumento pela viabilidade pelo mesmo motivo.
Em segundo lugar, uma vez que o fundamento principal da relevância moral da
viabilidade é a dependência do feto para com a mãe e o consequente fardo imposto por aquele
a esta, então a própria noção de viabilidade extrauterina não é relevante, porque mesmo
depois de “viável extrauterinamente” o feto continua extremamente dependente da mãe e
impondo-lhe fardos, e assim também depois de recém-nascido, e assim por boa parte da
infância. Quando o Ministro argumenta em §13 que “não há qualquer possibilidade de o
embrião subsistir fora do útero materno nesta fase de sua formação”, devemos nos lembrar
que nenhuma criança pequena consegue sobreviver se deixada à própria sorte, tendo de
procurar alimento e abrigo por conta própria. É evidente que mesmo crianças pequenas não
“são viáveis”, dependem da mãe e impõe diariamente a ela grandes fardos mesmo para
meramente sobreviverem.

Ou pensemos então em uma pessoa mais velha, que não consegue cuidar de si sozinha
e necessita da ajuda dos filhos para tudo, inclusive para ser levada ao hospital em que precisa
fazer hemodiálise a cada dois dias, sem a qual não é capaz de sobreviver. Ora, “não há a
qualquer possibilidade de que essa pessoa subsista” sem o cuidado de seus filhos (aos quais
impõe grande fardo) e sem o auxílio do equipamento de hemodiálise. Seria certo afirmar que,
dadas suas dependências e fardo que impõe aos filhos, poderiam estes tirar-lhe a vida para
aproveitarem seu tempo e dinheiro de modo diverso? Ou pensemos ainda na criança que
nasceu saudável, mas à qual sobrevém grave problema neurológico, em virtude do qual os
pais terão de cuidar dela pelo resto da vida, etc.

Devemos pensar que a vida de crianças pequenas ou de adultos deficientes (que


precisam de cuidado às vezes ininterrupto) vale menos do que a de um adulto saudável porque
aqueles não conseguem sobreviver sozinhos e precisam de pessoas que dediquem tempo,
paciência e dinheiro a eles? Se não, então também devemos descartar qualquer razão pela
viabilidade baseada em relações de dependência.

O argumento das “democracias desenvolvidas”

Ao que tudo indica, o Ministro não pretende que o fato de que a maioria das
democracias desenvolvidas atualmente permita o aborto voluntário no primeiro trimestre seja
uma razão determinante em seu favor; em todo caso, cabe dizer uma coisa ou duas sobre essa
ideia, que é mencionada pelo Ministro e frequentemente utilizada em discussões sobre o
aborto.

A relação adequada que se pode esperar entre consenso e verdade não é a de que o
consenso gere a verdade, mas que havendo disposição honesta de chegar à verdade ela tenda
a se manifestar a todos que guardam essa disposição. No entanto, sobretudo em questões
políticas que nos impactam pessoalmente, é difícil evitar que outras motivações interfiram
em nossos juízos e na maneira como nos posicionamos publicamente. É provável que muitas
das pessoas que não se opunham publicamente à escravidão intimamente a consideravam
imoral, mas as consequências que antecipavam surgir caso começassem a defender o estatuto
moral de pessoas negras (reprovação social, por exemplo) e que não tinham que ver com a
imoralidade da escravidão, motivavam-lhes a não defender publicamente tal ideia, a qual,
ademais, talvez não lhes soasse tão importante, uma vez que não estavam diretamente
implicados.

Para efeitos do argumento, no entanto, concedamos que este não tenha sido o caso da
permissão do aborto, que motivações alheias ao cerne do debate não tenham estado presentes.
Ainda nessa hipótese, deveríamos nos voltar ao debate como aconteceu em outros países e
cortes apenas para considerar seus argumentos, não suas conclusões e julgá-los nós mesmos
se tais argumentos são de fato válidos e verdadeiros. Não é difícil encontrar, entre as nações
e povos mais ricos e desenvolvidos de cada época da história humana, defesas de práticas
grandemente torpes e tampouco parece haver motivo para considerar que europeus e norte-
americanos estejam protegidos do erro nessa matéria porque são eles hoje os considerados
desenvolvidos.

É preciso reconhecer, ademais, que a mesma existência de um consenso qualquer


nesse sentido é problemática. Nem sempre o aborto se tornou permissível por meio de decisão
popular ou de representantes eleitos, mas também por meio de decisões judiciais tomada por
pouquíssimos magistrados, estes próprios apontados para seus cargos não raro por razões
também políticas. As decisões mais importantes sobre o aborto tomadas pela Suprema Corte
dos Estados Unidos da América, Roe v. Wade e Planned Parenthood v. Casey, foram
decididas por 7 a 2 e 5 a 4, respectivamente. Não havendo, portanto, consenso nem sequer
entre os próprios juízes e quase um empate no segundo caso.15

Não apenas isso, mas o debate em torno da moralidade e legalidade do aborto


voluntário é questão ainda hoje vividamente disputada mesmo nos países em que ele é
permitido ou que se antecipa a possibilidade de sê-lo.

Em suma, não há motivos determinantes para crer que haja qualquer consenso em
favor da permissibilidade do aborto, a questão está longe de ser pacificada. E, mesmo se
houvesse, de si isto não significaria muito, cabe a nós analisar, mais que simplesmente
aceitar, o que nos dizem as “democracias desenvolvidas”, julgar seus argumentos segundo
os parâmetros de racionalidade de que nós, pertencendo a elas o não, desfrutamos.

O argumento da imposição estatal

Mais adiante (§38), lemos no voto do Ministro Redator que, “[e]m temas moralmente
divisivos, o papel adequado do Estado não é tomar partido e impor uma visão, mas permitir
que as mulheres façam sua escolha de forma autônoma.”

No entanto, todo movimento argumentativo do Ministro em seu voto e a intenção de


tornar o aborto no primeiro trimestre permissível contradiz esta tese. Aquilo que ele próprio
está fazendo em nome do Estado é tomar partido e impor uma visão. Ao decidir por não
manter o status quo e afirmar que um dispositivo legal, que existe e é aplicado
ininterruptamente há séculos no Brasil16, que passou quase trinta sem ter sua
constitucionalidade rejeitada, não deve ser mais aplicado, o Ministro está indiscutivelmente
tomando partido e impondo uma visão.

Agora, não há nada de errado em “tomar partido” ou “impor uma visão”. É condição
da existência da sociedade que mesmo em temas divisíveis partidos sejam tomados e visões
sejam impostas. As pessoas têm opiniões diferentes desde sobre o que deveria ser
considerado crime capital até a maneira como deve ser gerido orçamento municipal, mas

15
Veja-se, ademais, na nota 9, a discrepância que há entre os limiares adotados por diferentes países.
16
O primeiro Código Penal Brasileiro, o Código Criminal de 1830, traz no seu artigo 199 a proibição do aborto;
o segundo, o Código Penal de 1890, traz a proibição do aborto em seu artigo 300. O terceiro código é o
oficialmente vigente, instituído pelo Decreto-Lei nº 2.848 de 1940.
apenas algumas delas podem ser acatadas. Aquilo que deve nos preocupar são as razões
levantadas em favor de uma tese ou outra, se são justas ou não. Se há razões graves e é justo
proibir o homicídio, então o Estado não apenas poderá tomar partido, mas estará obrigado a
fazê-lo.17

Ademais, está claro que no caso do aborto, em que pelo menos aparentemente há um
conflito de direitos, qualquer opinião é uma tomada de partido e uma imposição de visão,
manter o status quo ou mudá-lo, em ambos casos alguma das partes poderá sofrer uma grande
injustiça. Em suma, tomar partido em favor de uma posição o Estado haverá de fazer, o que
importa é fazê-lo segundo as justas e apropriadas razões. Por outro lado, vimos até agora que
nenhuma das razões oferecidas em favor da permissibilidade do aborto se sustenta
satisfatoriamente, sobretudo tendo em vista todas possíveis perniciosas implicações de que
esta conduta se torne permissível.

A posição padrão

Por mais certeza que alguém possa ter quanto à permissibilidade ou


impermissibilidade do aborto, ninguém pode negar que se trata de uma questão complexa,
não apenas pelas suas implicações nas vidas das pessoas, mas pelo alto grau de abstração e
de refinamento de conceitos a que sua discussão pode chegar. Mais, sendo tão graves as
consequências de se permitir ou de se proibir o aborto, todos queremos razões determinantes
e inequívocas, dificilmente razões meramente prováveis nos bastam.

Suponhamos que o texto deste artigo até agora tenha sido suficiente, se não para que
rejeitemos as razões levantadas pelo Ministro Redator, ao menos para lançar alguma dúvida
sobre a sua validade e verdade. Suponhamos, enfim, que reconhecemos não haver argumento
probante e definitivo em favor do aborto, mesmo quando é feito no primeiro trimestre.

Ainda assim, como foi visto quando se falou do papel do Estado, algum
posicionamento sobre o assunto deve haver (uma vez que manter o status quo é tomar uma
posição). Neste caso, não proibir pode ser o mesmo que permitir grande injustiça e permitir

17
Fique claro, não é a proibição estatal em si que torna o homicídio algo moralmente errado, mas pelo fato de
o homicídio ser algo moralmente errado e grave, o Estado deve reconhecer esta grave imoralidade e,
consequentemente, proibi-la.
pode ser o mesmo que ser conivente com outra. É necessário que o Estado se manifeste. Que
deve ser feito então, frente a urgência e importância, mas ao mesmo tempo dificuldade moral
em torno da questão do aborto?

Não é preciso muito para admitir que o Estado, enquanto não chegue a razões
indisputáveis, deve adotar por posição padrão a proibição do aborto.18 Por maior fardo que
uma gravidez não planejada possa causar a uma mulher, este fardo não pode tornar
moralmente permissível provocar voluntariamente a morte de um ser humano inocente.19 De
fato, já analisamos as consequências inaceitáveis de se tentar fazer corresponder o valor da
vida de um ser humano ao fardo que ele causa em outros.

Ora, se ainda não definimos para além de dúvida o estatuto moral do membro da
espécie humana presente no útero de uma mulher e há razões para acreditar que possa ser
semelhante ou mesmo idêntico aos demais membros da espécie humana, temos o dever de
prudência de defender e guardar esta vida. Ainda que para tanto infelizmente sobrevenham
circunstâncias que não sejam as que as consideradas ideais para a mulher grávida. E não se
trata aqui, de modo algum, de desdenhar ou desconsiderar a mãe, trata-se simplesmente de
evitar maior injustiça.

Violação de direitos das mulheres

Esta consideração final sobre a “posição padrão”, nos leva de volta ao movimento
argumentativo do Ministro. Depois de tratar do estatuto moral e jurídico do nascituro, o ponto
do Ministro Barroso passar a ser o de mostrar que a criminalização do aborto é, em síntese,
uma “violação a direitos fundamentais das mulheres”, nomeadamente uma violação à
“igualdade de gênero”, à “autonomia da mulher”, à sua “integridade física e psíquica”, a seus
“direitos sexuais e reprodutivos”, além de ser, enfim, causa de “discriminação social” a
impactar sobretudo “mulheres pobres”.

Sem dúvida, negar injustamente os direitos de um inocente, violá-los abusivamente,


trate-se de homem ou mulher, jovem ou idoso, é sempre uma abjeção. A sensibilidade da

18
Sobre a questão do aborto em caso de estupro, veja-se a secção em que trato do voto da Ministra Rosa Weber.
19
Igualmente, retorno a esta questão ao tratar do voto da Ministra Rosa Weber.
nossa cultura (em parte cristã, em parte pós-cristã) nos leva a considerar ainda mais abjeta a
violação daqueles que são comparativamente mais frágeis ou mais sujeitos a abusos por parte
dos demais. Assim, um roubo nos revolta, mas que roubem um cego, nos revolta mais do que
o roubo de alguém que possua a visão sã; o homicídio de um adulto nos comove, mas o
homicídio de uma criança nos leva a repensar os rumos da humanidade; que uma esposa
agrida seu marido nos parece deplorável, mas que um marido bata em sua esposa, já nos
parece absolutamente intolerável.

Não é sem explicação, portanto, que com justiça nos comovamos quando mulheres
têm seus direitos violados, sobretudo aquelas que, por sua cor e situação econômica, tendem
a estar mais sujeitas às intempéries da vida.

No caso do aborto, no entanto, é preciso admitir que pelo menos pode haver um outro
frágil inocente que precisa ser lembrado. Se aquele ser humano que está se desenvolvendo
dentro da barriga de sua mãe for mesmo alguém com tanto direito à vida quanto os seres
humanos inocentes adultos, então nenhum dos direitos da parte da mulher levantados pelo
Ministro pode justificar que tiremos a vida de um ser humano inocente.

Um defensor do aborto provavelmente não admitirá que o ser humano que está sendo
gestado tem o mesmo valor moral daquele que chegou à vida adulta, mas ele deve ao menos
conceder que este deve ser um dos pontos focais da discussão, muito provavelmente o ponto
focal. Se o feto tiver direito à vida, então mingua a importância das questões relacionadas a
gênero e sexualidade; se não tiver, então estas questões se tornam também ociosas, já que
não é preciso recorrer a elas.

E, com efeito, desenvolvimento do voto do Ministro corrobora tudo quanto foi dito
nos parágrafos anteriores. O Ministro Barroso afirma a permissibilidade do aborto apenas no
primeiro trimestre, deixando de reconhecer tal permissibilidade depois do primeiro trimestre.
Ora, se o Ministro traçou o primeiro trimestre como linha pode ser apenas porque ele
considera que a partir do primeiro trimestre o estatuto moral e jurídico já é ou ao menos já
pode ser grande o bastante inclusive para que possamos validamente dizer que supera outros
direitos que a ele se oponham. Do contrário, se julgasse que os direitos das mulheres grávidas
fossem além, o Ministro haveria de ter estendido a permissibilidade do aborto até o fim da
gravidez.

Ademais, se se constatar que o aborto é uma conduta por meio da qual


voluntariamente se põe fim a uma vida humana inocente, então não faz sentido argumentar
que é injusto que esta prática esteja disponível a mulheres ricas, mas não às pobres, ou que
esta criminalização afeta desigualmente as mulheres em geral (uma vez que “homens não são
capazes engravidar”); como se o Estado tivesse o dever de cooperar para execução de
condutas moralmente dúbias para se certificar que todos possam executá-las com a mesma
eficácia. Tampouco pode qualquer motivo “socioeconômico” que seja, justificar. Se motivos
socioeconômicos puderem moralmente justificar que ponhamos fim a vida de seres humanos
inocentes, que impedirá a defesa eugenista o infanticídio “tardio” em famílias pobres
numerosas ou uma “eutanásia involuntária” em idosos que não têm família ou dinheiro?
Qualquer pessoa sã irá objetar que não podemos fazer isso porque estes seres humanos têm
direito à vida, têm um estatuto moral que não nos permite fazê-lo. Ora, isto apenas torna mais
patente que o importante é delimitar o estatuto moral do feto humano, que este deve ser o
foco da discussão.

É preciso, por fim, rejeitar a ideia de que a permissibilidade do aborto tenha que ver
com autonomia da mulher sobre seu corpo. Feita exceção de casos resultantes de estupro –
de que trato ao analisar o voto da Ministra Rosa Weber –, a mulher que voluntariamente
procura e obtém uma relação sexual, ainda que use métodos contraceptivos, pelo menos
assume o risco de engravidar (como o homem assume o risco de tornar-se responsável pelo
cuidado, inclusive material, da grávida e da criança). É claro que hoje essa implicação parece
ser demasiada grave, parece injusto que a satisfação de um desejo de prazer breve e fugidio
possa trazer consigo o ônus de gestar uma criança por nove meses. Mas pode-se dizer que há
alguma ingerência estatal que injustamente fere a autonomia da mulher quando este
reconhece e declara a impermissibilidade do aborto? Parece que não. Novamente, feita
exceção ao caso de estupro, ao engravidar, a mulher não teve nenhuma parte de sua
autonomia ferida, não foi obrigada a manter ou deixar de manter relação com ninguém.
Exerceu, pois, seus “direitos sexuais e reprodutivos” livremente. No entanto, o exercício de
direitos não pode se dar sem que se façam presentes os deveres correspondentes. Nosso
direito de ir e vir nos permite ter e dirigir carros e, embora não estejamos obrigados a tê-los,
reconhecemos como nossa vida pode ser melhor com eles e por isso os adquirimos, mas ter
e dirigir um carro implica assumir o risco (mesmo quando todos cuidados são tomados) de
se envolver ativamente em um acidente de trânsito pelo qual se pode ser responsabilizado
civil e penalmente pelos danos causados a outros, e não se pode tentar se eximir desta
responsabilidade invocando um constrangimento ao direito de ir e vir.

A proporcionalidade entre a conduta e a resposta estatal

Se as razões que apresentei até agora procedem, então não há que se falar em
desproporção entre a conduta (provocar aborto) e a resposta estatal (persecução penal). Uma
vez que viola a vida de um ser humano inocente – ou, se tivermos dúvidas sobre o estatuto
moral do feto, que ao menos há fundado risco de que seja isso que aconteça –, parece haver
motivos sólidos para afirmar que o aborto voluntário deve ser punido pelo Estado.

Neste ponto, convém brevemente tratar das razões pragmáticas levantada pelo
Ministro Barroso, como o alegado fato de que as taxas de aborto são semelhantes nos países
em que o procedimento é permitido ou não (§35); e que, enfim, a proibição não tem se
mostrado meio eficaz de impedir que abortos voluntários aconteçam.

De igual modo, também o gênero de argumentos de tipo “pragmático” – parte


importante, aliás, do voto da Ministra Weber – acrescenta algo à discussão apenas se
assumirmos de antemão que o feto não possui o direito à vida, algo que já vimos não ser
possível. Assim, se o aborto é imoral, ou se pelo menos há graves razões para pensar que seja
(neste caso, a ausência de razões probantes contrárias já basta), pouco importa que a lei que
o proíba não seja eficaz em evitar que aconteça, como não importa que o Código Penal falhe
em evitar que dezenas de milhares de homicídios aconteçam anualmente no Brasil apesar
dele expressamente o proibir.

Conclusão acerca do voto do Ministro Barroso

O Ministro Redator inicia seu voto reconhecendo as dificuldades em torno daquele


que julgo que deveria ser o foco do debate (o estatuto moral do feto) e, de fato, tenta avançar
alguns argumentos (viabilidade, desenvolvimento cerebral, etc.) para corroborar sua tese de
que os direitos da mulher grávida devem prevalecer nos três primeiros meses da gestação e
que, assim sendo, o Estado não poderia puni-la caso tentasse pôr fim à vida do feto.

Ao analisar o voto do Ministro, mostrei que suas razões não procedem, sobretudo não
enquanto deveriam ser boas o bastante para basear uma ideia grave como a de que nem todo
ser humano inocente tem direito à vida. Também ofereci outros argumentos pelo
reconhecimento da imoralidade do aborto e pela manutenção de sua proibição, mostrando
que toda a importância de todas outras questões (“direitos reprodutivos”, pragmatismo, etc.)
mingua diante da determinação do estatuto moral do feto. Passarei agora a analisar o voto da
Ministra Rosa Weber.

O voto da Ministra Rosa Weber

A Ministra Rosa Weber segue o voto do Ministro Luís Roberto Barroso,


acrescentando algumas razões de lavra própria. Depois de introduzir seu voto explicando o
que chama de “colisão entre dois direitos fundamentais básicos”, a Ministra passa a analisar
a “experiência comparada” a partir de decisões judiciais em favor da permissibilidade do
aborto e traz dados empíricos do que vê como consequências de sua liberação, reiterando,
em sua conclusão, a relatividade do direito à vida, sobretudo no que diz respeito aos bebês
que ainda estão sendo gestados.

De início, cumpre destacar que apesar de a Ministra Rosa Weber afirmar concordar
com o Ministro Barroso e com seu voto, há algumas importantes diferenças entre ambos os
votos. O Ministro Barroso fala em “vida potencial” do feto, aparentemente não admitindo
prima facie a existência do direito à vida do feto, apenas que se trata de um bem jurídico
“relevante”. (Vale lembrar que, a limitação que o Ministro Barroso faz a três meses e o
conteúdo do seu voto nos leva a considerar que a partir do primeiro trimestre o estatuto moral
do feto humano já é tal que se não se pode opor os direitos da grávida a ele.)

Por sua vez, a Ministra Rosa Weber parece reconhecer desde sempre o “direito à vida
como forma de tutela do nascituro”, na medida em que reconhece o conflito entre tal direito
e “o direito à liberdade e autonomia reprodutiva da mulher, como forma de realização
material do direito à igualdade de gênero”. A Ministra Rosa Weber diz que o nascituro tem
direito à vida, mas que “o direito de liberdade e autonomia reprodutiva” da mulher deve
prevalecer.

Para defender sua tese, a Ministra recorre mais à autoridade de decisões levadas a
cabo por outros tribunais do que a argumentos propriamente ditos (que foram o foco do voto
do Ministro Barroso). À parte de breves pontuações sobre neutralidade estatal, viabilidade
de fetos, e de referências aos direitos das mulheres – todas estas razões já tratadas na análise
voto do Ministro Redator –, a Ministra Rosa Weber defende, na conclusão de seu voto, certa
“relatividade” do direito à vida e que a isenção de pena para o crime de aborto quando a
gravidez resulta de estupro também corroboraria sua tese principal. De resto, a maior parte
de seu voto constitui em um apanhado de jurisprudência (“experiência comparada”) e de
estudos sobre as consequências da descriminalização do aborto (“empiria”).

A “experiência comparada”

No que diz respeito à “experiência comparada” elencada pela Ministra, isto é, ao


apanhado de decisões judiciais tomadas no seio de democracias ou por meio de órgãos
internacionais, é preciso rejeitá-la nos mesmos termos em que acima se refutou o “argumento
das ‘democracias desenvolvidas’ ”. Em suma, tais decisões devem ser consideradas no debate
não em si mesmas, mas na medida em que avançam argumentos que podemos utilizar e cuja
validade e verdade devemos julgar nós mesmos.

A Ministra menciona, por exemplo, o fundamento da decisão da Suprema Corte


americana em Roe v. Wade, que tornou o aborto legal nos Estados Unidos, o argumento pela
viabilidade.

Tanto o argumento com base em viabilidade já foi rejeitado, quanto o apelo a decisões
de “países desenvolvidos”, ambos durante a análise do voto do Ministro Redator. Em todo
caso, como aqui se mencionou uma decisão da Suprema Corte dos Estados Unidos, cabe
aproveitar a ocasião e reiterar o risco que há em endossar teses baseados em quem as
defendem e não em seus argumentos. Além do já citado caso Dred Scott, podemos nos
lembrar de Buck v. Bell (1927), no qual a mesma instituição decidiu pela constitucionalidade
da esterilização compulsória de deficientes mentais por meio da retirada das trompas de
Falópio de mulheres deficientes. Ou de Korematsu v. United States (1944), em que se decidiu
pela constitucionalidade da existência de campos de concentração de japoneses em solo
americano, inclusive de japoneses cidadãos americanos. Por mais prestígio que se queira
imputar à Suprema Corte dos Estados Unidos e a de outros países hoje ricos (ou a seus
respectivos parlamentos), nada nos indica que estas instituições enquanto tais tenham
deixado de ser falíveis, nem afasta o risco de que decisões hoje comemoradas e replicadas
amanhã sejam lembradas apenas pela sua infâmia. O valor que podemos tirar destes debates
está, portanto, na análise dos argumentos avançados e apenas nela.

É com esta mesma ideia em mente que vemos ter pouco proveito a escolha da Ministra
de acrescentar nesta parte de seu voto a decisão da Corte Interamericana e da Corte Europeia
de Direitos Humanos, apenas apontando que elas assim decidiram e mencionando as razões,
sem proceder a uma análise pormenorizada e crítica dos argumentos, sem análise de objeções.
A novidade introduzida neste ponto pela Ministra e que será retomada na conclusão é a
insistência no caráter “não absoluto” dos direitos de feto (do que igualmente falaremos
quando tratarmos da conclusão).

“Empiria”

A Ministra Rosa Weber passa então à consideração de estatísticas relacionadas à


liberação do aborto, parte destas estatísticas é resumida pela própria Ministra nos seguintes
termos:

Em resumo: em 1995, 78% dos abortos ocorreram em países em


desenvolvimento, sendo que em 2008 esse percentual elevou-se para 86%,
fator que implicou a conclusão firmada no estudo foi no sentido de que a
taxa de aborto foi menor nas regiões onde as mulheres possuem
regulamentação jurídica do direito ao aborto, com sua liberalização no
primeiro trimestre da gestação.

A conclusão endossada pela Ministra e constante no final da citação pretende


estabelecer que a “taxa de aborto foi menor nas regiões onde as mulheres possuem
regulamentação jurídica do direito ao aborto”. Esta passagem me parece sugerir que a ideia
de que uma legislação mais permissiva com relação ao aborto traz consigo o benefício de
reduzir o número de abortos. Se for esta de fato a sugestão da passagem, ela está amparada
sobre premissas equivocadas.
Como os Ministros deixam claro nos seus votos, muitas mulheres abortam pelos
problemas econômicos e emocionais cujo surgimento anteveem caso decidam continuar a
gestação. Ao mesmo tempo, é evidente que será mais fácil lidar com esses problemas (e,
portanto, haverá menos motivos para abortar) se a mulher morar na Noruega do que se morar
em um país pobre da América Latina. É cristalino que o menor percentual de abortos
voluntários em países classificados como desenvolvidos não advém do fato destes países
terem leis mais liberais no que diz respeito ao aborto, mas sobretudo do fato de possuírem
menos pobreza. Se a mãe, em virtude de morar em um país rico, não vislumbra problemas
econômicos (e tem outros meios de lidar com problemas emocionais), ela terá muito menos
motivos para se submeter a um procedimento perigoso e deletério como é o aborto. O mesmo
não se pode dizer de uma mulher que more em um país pobre, a qual, ademais, provavelmente
terá menos acesso a métodos contraceptivos o que, consequentemente, aumentará o número
de gravidezes não planejadas e, assim, o de abortos.

Corroboram esta ideia os dados presentes na Pesquisa Nacional de Aborto 2016


(Diniz, Medeiros, Madeiro, 2016), segundo a qual o percentual de mulheres que moram na
região Nordeste do Brasil que disseram já ter abortado, 18%, é triplo do percentual das
mulheres que moram no Sul (6%) e bem maior do que o percentual das mulheres que moram
no Sudeste (11%), estas últimas sendo regiões de indicadores sociais e econômicos melhores
do que a região Nordeste. Uma vez que todas estas mulheres estão sujeitas à mesma
legislação, não há outro modo de explicar tal discrepância senão admitindo que há fatores
determinantes que não a legislação a serem levados em consideração.

Em todo caso, este e os demais dados levantados pela Ministra na secção “Empiria
sobre o aborto”, todos apenas fazem sentido assumindo de antemão a permissibilidade do
aborto e por este mesmo motivo não podem constituir argumento em seu favor.

Como insisti ao tratar do voto do ministro Barroso, se o aborto é imoral, ou se pelo


menos há graves razões para pensar que seja (neste caso, a ausência de razões probantes
contrárias já basta), é evidente que o Estado não está obrigado a fornecer meios para que ele
seja mais eficazmente levado a cabo e acarrete menos riscos para os ativamente envolvidos,
nem faz sentido concluir que a dificuldade do Estado em coibir uma conduta impermissível
seja por si argumento para legalizá-la. Aceitar esta ideia seria capitular no combate à
corrupção, ao homicídio, ao tráfico de entorpecentes, etc.

O “direito absoluto” à vida, a moralidade do aborto e a pena de morte

A conclusão da Ministra volta a insistir no entendimento da Corte (firmado em ADPF


54 e ADI 3.510), de que “o direito à vida não é absoluto”, acrescentando que esta opinião é
“referendada pela própria Constituição Federal, cujo artigo 5º, inciso XLVII, admite a pena
de morte em caso de guerra declarada na forma do artigo 84, inciso XIX”.

Por questões de brevidade, embora julgue que diversos argumentos podem ser
levantados contra as decisões na ADPF 54 e na ADI 3.510 (tendo tratado de alguns no
presente artigo), dirigirei minha atenção para a menção que a Ministra faz à previsão
constitucional da pena de morte.

O caráter absoluto ou relativo do direito à vida, por si, nada diz sobre a imoralidade
ou moralidade do aborto. Assim como o caráter absoluto ou relativo do direito à liberdade,
por si, nada diz sobre a moralidade ou imoralidade da privação de liberdade – que poderá ser,
a depender da circunstância, um crime (sequestro, cárcere privado) ou a aplicação da justiça
(pena imposta por juiz competente).

A partir do momento que cometemos um crime grave, perdemos – ao menos


temporariamente – o direito à liberdade. Isto não muda, no entanto, que todos os seres
humanos inocentes, aqueles que não foram moral e legalmente responsáveis por mal algum,
não podem ter seu direito à liberdade arbitrariamente tolhido.

Assim, mesmo se julgarmos que criminosos de guerra culpados de traição (art.


355)20, favorecimento do inimigo de guerra (art. 356), espionagem (art. 366), genocídio (art.
401), etc., perdem o direito à vida e podem ser mortos por fuzilamento, isto não significa que
tenhamos abandonado o direito à vida que todos seres humanos prima facie possuem. Não
há como concluir que um inocente pode ter sua vida “relativizada” porque um criminoso de
guerra pode ter a sua. Não haver direitos absolutos nada tem que ver com permitir que

20
Os artigos referidos neste parágrafo pertencem ao Código Penal Militar (Decreto Lei nº 1.001, de 21 de
outubro de 1969).
inocentes tenham suas vidas culposa e intencionalmente retiradas. Se há um motivo para que
exista um sistema judiciário, é a proteção daquele que é inocente; se há uma conduta que
atenta contra a existência de leis e tribunais é a punição injusta de alguém que se sabe ser
inocente.

De maneira que a questão, uma vez mais, volta a ser a do estatuto moral do feto.

Uma nota sobre o “aborto humanitário”

Mais adiante, a Ministra cita a previsão no Código Penal Brasileiro que isenta de pena
o aborto no caso de gravidez decorrente de estupro, escreve:

Corrobora esse entendimento o fato de o Código Penal prever, como causa


excludente de ilicitude ou antijuridicidade, o denominado aborto ético ou
humanitário - quando o feto, mesmo sadio, seja resultado de estupro. Ao
sopesar os direitos do nascituro e os direitos da mulher violentada, o
legislador houve por bem priorizar estes em detrimento daquele - previsão
legislativa que não teve constitucionalidade questionada.

Chama à atenção a conclusão da Ministra acerca das motivações do legislador,


segundo ela, o legislador teria “sopesado os direitos do nascituro e da mulher violentada”,
preferindo um e preterindo outro. Mas pode isso ser realmente auferido a partir do texto
legal? Vejamos:

Art. 128 - Não se pune o aborto praticado por médico: [...]

II - se a gravidez resulta de estupro e o aborto é precedido de consentimento


da gestante ou, quando incapaz, de seu representante legal.

Tome-se nota que o conteúdo do artigo não contém nenhum elemento que nos leve
diretamente à conclusão da Ministra. O termo utilizado pelo legislador é não se punirá, o que
me parece indicar que outra interpretação é mais adequada. Há imoralidades, por graves que
sejam, que envolvem circunstâncias de si tão extraordinárias que podem mitigar ou mesmo
excluir a punibilidade do ato, mas que não o destituem de sua imoralidade.

Aquele que mata outra pessoa por causa de um resultado de jogo de futebol,
queimando-a e sem permitir que ela se defenda, comete ato grandemente torpe, que merece
uma igualmente alta fixação de pena. Mas e quanto àquele que mata o estuprador de uma de
suas filhas depois de grave e fundada ameaça de que o mesmo estuprador em breve violasse
as demais? Pode-se dizer que o pai comete um ato imoral, mas é este ato tão culpável quanto
o anterior? Merecerá a mesma pena?

O próprio Código Penal prescreve que, em homicídios culposos, “o juiz poderá deixar
de aplicar a pena, se as conseqüências da infração atingirem o próprio agente de forma tão
grave que a sanção penal se torne desnecessária” (Art., 121, §5º). Assim, no caso de um pai
que algo imprudentemente engata a marcha ré e começa a deslocar seu carro sem perceber
que seu filho pequeno está sentado logo atrás do carro, a possibilidade jurídica de que um
juiz não lhe penalize não tem que ver com um “sopesamento de direitos” entre o pai que
atropela e o filho atropelado, mas com a reprovabilidade da conduta e as condições de seu
autor.

Parece ser seguro dizer que aquilo que o legislador fez ao manter o aborto no rol de
crimes contra a vida, mas isentar de pena as mulheres que o cometem por sua gravidez ter
resultado de estupro, não é dizer que a vida do feto vale menos nesses casos, mas que não se
deve punir a mãe nessa circunstância atroz muito específica. A justiça desta escolha por parte
do legislador pode ser debatida, mas o ponto aqui é simplesmente mostrar que a concessão
do legislador não vem de um “sopesamento de direitos”, mas da consideração de uma
circunstância muito específica que lhe fez diminuir não a imoralidade do ato, mas a sua
punibilidade. De modo análogo, ninguém dirá que atropelar o próprio filho não é imoral ou
reprovável, mas muitos enxergarão circunstâncias em que a punição ao pai que fazê-lo pode
ser minorada ou mesmo eximida.

Como se aborta?

Antes de passar ao voto do Ministro Fachin é preciso lidar com uma questão
subjacente aos votos de ambos Ministros Barroso e Rosa Weber, mas que não foi
especificamente trazida à tona por eles e que parece ser ainda mais importante no caso do
voto da Ministra Weber, uma vez que ela reconhece desde sempre que há um conflito de
direitos entre o direito à vida do nascituro e os direitos à autonomia da mulher grávida.

Ao tratar de quais penas podem ser legitimamente aplicadas em território nacional, a


Constituição Federal rejeita que se possam infligir penas cruéis (Art. 5º, XLVII, alínea “e”);
do mesmo modo, ao longo de todo Código Penal encontram-se exemplos de agravantes e
majorantes que advêm do emprego de violência ou crueldade.21 Estes parecem ser casos de
como o tipo de ação empregado para levar a cabo determinado resultado pode qualificar uma
conduta, inclusive transformando-a de aceitável em inaceitável. A maioria das pessoas
concorda que pais podem censurar condutas erradas de seus filhos por meio de palavras e
castigos, boa parte inclusive com alguma repreensão física leve, mas poucos concordam que
espancar os filhos é uma opção corriqueira aceitável. Neste caso, o excesso de violência torna
uma conduta que de si não é apenas permissível, mas por vezes obrigatória (que pais
censurem condutas erradas de seus filhos) em algo abjeto e inaceitável. Ou pensemos no caso
de uma criança pequena ou em um idoso com demência que entre em nossa casa sem ter sido
convidado e se recuse a sair, podemos insistir verbalmente, podemos falar com impaciência,
podemos talvez até usar de força moderada para conduzi-los para fora, mas poderíamos
agredi-los? Poderíamos matá-los? É evidente que estas duas ações, por sua natureza, colocam
uma conduta legítima (resguardar a própria propriedade) em algo entre o moralmente
duvidoso e o criminoso.

Permitir o aborto no primeiro trimestre implicaria em permitir condutas que exigem


ações crudelíssimas para serem levadas a cabo.22 Abortar é mais que “desligar” o feto. No
primeiro trimestre, comumente se aborta por meios químicos, que envenenam o feto, como
a administração de mifepristona; ou por meio de curetagem e sucção (seccionar cabeça,
membros do feto para mais facilmente aspirá-lo para fora do útero).

É preciso ter em conta, portanto, que o debate não é simplesmente entre o feto “deixar
de viver” e a mulher não precisar passar pelo fardo da gravidez; mas entre ativamente causar
a morte do feto (por meios cruéis) e a mulher não precisar passar pelo fardo da gravidez tendo
de lidar com o fardo do aborto23. A própria imoralidade dos atos que levam a cabo ativamente
a morte do feto, já depõe em muito contra a permissibilidade do aborto.

21
Por exemplo, Art. 61, II, alínea “d” e Art. 121, §2, III.
22
Não importa se feto é capaz ou não de sentir dor à época do aborto. Por analogia, um psicopata que ministre
sedativos para suas vítimas antes de esquartejá-las não isenta sua conduta de crueldade.
23
Infelizmente, os debates sobre o aborto ainda negligenciam tratar de todas as consequências físicas e
psicológicas ruins que sobrevém à mãe que aborta mesmo em locais especializados na prática. Para uma longa
lista de estudos, veja-se Kaczor, 2011, pp. 175-6.
Agrava ainda mais a situação levar a consideração a relação especial que a mãe
grávida guarda para com o filho que está gestando, os deveres de cuidado que ela
naturalmente tem para com ele. Se um homem e uma mulher concordam em ter uma relação
sexual que acaba por resultar em gravidez (ainda que tenham usado métodos
anticoncepcionais), ambos assumiram tacitamente a responsabilidade de cuidar do possível
filho que ali poderia vir a ser gerado. Assentir ao contrário implicaria aceitar, entre outras
coisas, que o pai não tem deveres para com seu filho e para com a mulher que engravidou
antes de expressamente reconhecer a existência de tais deveres, não podendo ser constrangido
a pagar pensão-alimentícia, por exemplo – especialmente se usou um método
anticoncepcional.

É preciso reiterar, por fim, que feto não é um intruso, alguém que deliberadamente
escolheu estar onde não deveria estar, violando direitos de outra pessoa. Não podemos
equivaler sua condição a de um invasor que se recusa a sair, o qual poderíamos expulsar à
força, inclusive letal. Pode ser lícito atirar contra um ladrão que entre em nossa propriedade
querendo nos roubar ou coisa pior e nela tente permanecer mesmo depois ser alertado para
sair, mas e quanto a um idoso com demência que sem querer entre em nossa propriedade e
comece a gerar incômodos? Se matá-lo for o único modo de expulsá-lo, isto seria lícito?24

E é com este ponto que termino a análise do voto da Ministra Rosa Weber e passo à
consideração do voto do Ministro Luiz Edson Fachin e do papel da religião no debate sobre
o aborto.

A nota a latere do Ministro Fachin e o papel desempenhado pela religião no debate


sobre o aborto

Em seu breve voto, o Ministro Fachin comenta a Carta Apostólica “Misericordia et


Misera” do Papa Francisco, na qual, segundo o Ministro, “se acentuou a possibilidade de
absolvição sinalizada pelo Pontífice jesuíta, que alcança mulheres e profissionais da saúde
que porventura tenham alguma participação na interrupção de uma gravidez após a

24
Exemplo inspirado em Kaczor, 2011, p. 164.
confissão”. Ainda segundo o Ministro, esta pontuação iria ao encontro da “dimensão” trazida
pelo voto do Ministro Redator, Luís Roberto Barroso.

Apesar de o próprio Ministro Fachin insistir que não pretende fazer deste ponto parte
da fundamentação do seu voto, aproveitarei a menção feita ao menos para mostrar que a
referência feita pelo Ministro Fachin não vai ao encontro do voto do Ministro Barroso.
Depois, passarei à questão sobre o papel desempenhado pela religião no debate sobre o aborto
em geral.

Leiamos a parte da Carta Apostólica que contém o texto referido pelo Ministro:

[P]ara que nenhum obstáculo exista entre o pedido de reconciliação e o


perdão de Deus, concedo a partir de agora a todos os sacerdotes, em virtude
do seu ministério, a faculdade de absolver a todas as pessoas que incorreram
no pecado do aborto. Aquilo que eu concedera de forma limitada ao período
jubilar fica agora alargado no tempo, não obstante qualquer disposição em
contrário. Quero reiterar com todas as minhas forças que o aborto é um
grave pecado, porque põe fim a uma vida inocente; mas, com igual força,
posso e devo afirmar que não existe algum pecado que a misericórdia de
Deus não possa alcançar e destruir, quando encontra um coração
arrependido que pede para se reconciliar com o Pai. Portanto, cada
sacerdote faça-se guia, apoio e conforto no acompanhamento dos penitentes
neste caminho de especial reconciliação. (Meu destaque.)

Estaria o Papa de alguma maneira diminuindo o rigor da disciplina da Igreja Católica


quanto ao aborto? Um breve excurso nos mostrará que este não é o caso.

O Código de Direito Canônico ([1983], p. 343), em seu cânon 1398, prescreve que
aquele que causa efetivamente um aborto incorre em excomunhão latae sententiae, isto é,
está imediatamente separado da Igreja Católica, sem que haja necessidade de ser prolatada
sentença, e pode ser reconciliado apenas por meio do sacramento da Confissão. No caso de
excomunhões latae sentitae, tão graves são considerados os delitos que as originam que o
mesmo Código (cânon 1356) prescreve como regra geral que apenas ao Ordinário do lugar
(em geral, o Bispo) é dada autoridade para reconciliar o penitente ([1983], p. 334).

Como parece ter se tornado expressivo o número de mulheres que abortam (e, pela
aparente motivação do Papa, das que se arrependem e buscam o perdão), não é de todo o
estranho que o Papa queira facilitar o acesso à confissão e absolvição, para que as mulheres
arrependidas possam o quanto antes voltar a receber os sacramentos e a desfrutar do estado
de graça. No entanto, trata-se apenas de um modo de facilitar que as pessoas arrependidas
possam se reconciliar, de maneira alguma um relaxamento quanto à gravidade do ato do qual
se arrependem, aliás reiterada pelo Papa em sua Carta. A busca do perdão e absolvição por
meio da confissão pressupõe o reconhecimento da imoralidade do ato. Pelo que fica claro
que o desejo do Papa, como ele próprio deixa claro, não é abrandar a disciplina, mas facilitar
os meios daqueles sinceramente arrependidos do que consideram ser uma grande imoralidade
de voltarem ao seio da Igreja.

O papel desempenhado pela religião no debate sobre o aborto

Cumpre aproveitar a menção feita pelo Ministro Fachin à Igreja Católica para fazer
um comentário sobre a legitimidade do papel desempenhado pela religião no debate sobre o
aborto em geral. Com efeito, todos Ministros que lançaram voto próprio e se pronunciaram
pela permissibilidade do aborto fizeram alguma referência à religião. Além da nota do
Ministro Fachin; o Ministro Barroso afirma que “a história da humanidade é a história da
afirmação do indivíduo em face do poder político, do poder econômico e do poder religioso,
sendo que este último procura conformar a moral social dominante”(§14), e também que
“não há solução jurídica para esta controvérsia. Ela dependerá sempre de uma escolha
religiosa ou filosófica” (§22); por sua vez, a Ministra Weber menciona em seu voto as
“sensibilidades de ordem ética, moral e religiosa, notadamente desta última”25.

Ainda assim, os Ministros, com justiça, evitaram argumentar com base nas
motivações religiosas daqueles que se opõem aborto. Por outro lado, no debate público sobre
aborto como acontece no Brasil, é recorrente que se trate a existência de tal motivação
religiosa como se ela por si mesma desmerecesse o caso pela impermissibilidade do aborto.
É a esta questão que desejo trazer o foco da presente secção.

O argumento mais comum contra a legitimidade de motivações religiosas neste tipo


de debate é que se o Estado brasileiro é laico, há de se evitar que opiniões religiosas
interfiram na esfera pública comum. Ao que se deve responder distinguindo motivações de
razões. Se aquilo que nos interessa é decidir tão somente acerca da permissibilidade moral
do aborto, então pouco importam nossas motivações com relação a nossas razões. Alguém

25
Os destaques são meus.
que intimamente não se importa com o meio ambiente pode publicamente patrocinar causas
“ambientalistas” apenas pelo respeito e prestígio humano que supõe que irá receber em troca,
mas suas questionáveis motivações não tornam a preocupação com o meio ambiente menos
legítima, ela pode ser defendida com base em razões corretas que independem das
motivações. Do mesmo modo, por mais que indivíduos possam ter em suas crenças e opiniões
pessoais parte de suas motivações de serem contra o aborto, ou contra ou a favor do que quer
que seja, aquilo que é preciso avaliar são suas razões, os argumentos que oferecem para
avançar sua tese, novamente, qualquer que seja ela.

E, com efeito, para mostrar a improcedência de argumentos a favor do aborto


levantados pelos Ministros ou defender sua imoralidade em geral não é preciso apelar de
modo algum a razão religiosas26, as quais, aliás, não foram invocadas em nenhum momento
neste artigo. Em todo caso, a título de conclusão e de exemplos, consideremos alguns pontos
de indiscutível grandeza e progresso moral que foram resultado direto também de motivações
religiosas.

Contrariamente ao que se tornou comum acreditar, o movimento abolicionista


começou no Reino Unido não por motivação econômica, mas por motivação religiosa. Foi
William Wilberforce (1759-1833) que, depois de se converter e tendo afirmado que “Deus
Todo-Poderoso colocou diante de mim dois grandes objetivos: a supressão do comércio de
escravos e a reforma dos costumes” (Pollock, 1977, p. 69), encabeçou o movimento pelo fim
da escravidão. Séculos antes, o Papa Paulo III, por meio da bula Sublimis Deus (1547),
condenava a captura e comércio de escravos indígenas, declarando que a ideia de reduzir tais
povos a escravidão não era apenas imoral, mas diabólica. 27 E se é sabido por alguns que o

26
Não que tais razões não possam ser legítimas, ao contrário, aqui trata-se de apenas de mostrar que mesmo
prescindindo-se destas razões o caso contra a permissibilidade do aborto permanece decisivamente forte.
27
Eis seu excerto mais célebre: “O inimigo da raça humana, que se opõe a todas as boas ações para levar os
homens à destruição (...) inventou um modo nunca visto antes de evitar a pregação da palavra de Deus para a
salvação dos povos: ele inspirou seus servos, os quais, para agradá-lo, não hesitaram em propagar a ideia de
que os índios do Ocidente e do Sul, e outros povos sobre os quais tomamos conhecimento recentemente,
deveriam ser tratados como brutos incapazes de razão, criados para nosso serviço, supostamente incapazes de
receber a fé católica. Nós [o Papa], que, embora indignos, exercemos na Terra o poder de Nosso Senhor e
buscamos com todas as nossas forças trazer para a nossa proteção as ovelhas do rebanho do Senhor que estão
fora dele, consideramos, no entanto, que os índios são verdadeiramente homens e que, de acordo com o que
fomos informados, não apenas são capazes de entender a fé católica como desejam muitíssimo recebê-la.
Definimos e declaramos (...) que os ditos índios e todas as demais pessoas que possam ser descobertas mais
tarde por cristãos não devem de modo algum ser destituídas de sua liberdade ou da posse de sua propriedade,
Papa Leão XIII se dirigiu ao clero brasileiro por meio da encíclica In Plurimis (1888)
reiterando o dever de trabalhar pela abolição da escravidão; menos conhecido é que o Papa
Pio XI mandou que fosse lida em todas as igrejas da Alemanha no Domingo de Ramos de
1937 (data em que se supõe que todos os católicos estarão presentes) a encíclica Mit
Brenneder Sorge, em que condena veemente o nazismo e o racismo pangermanista, antes,
vale dizer, de qualquer outro líder mundial. Ou ainda, quando, na Declaração de
Independência dos Estados Unidos, os pais fundadores proclamaram que “todos os homens
foram criados iguais” ou, enfim, quando Martin Luther King Jr. reiterou várias e várias vezes
em seus sermões e escritos o espírito cristão que via em seu movimento e como ele cria que
os direitos pelos quais lutava estavam baseados na lei eterna, de origem divina28, alguém
negará as motivações religiosas desses indivíduos?

Acaso todos estes acontecimentos e ideias são menos merecedores de nossa


admiração por que neles estiveram presentes fortes motivações religiosas? Estavam seus
autores menos certos por que se julgavam cristãos convictos? Uma vez mais, se o que nos
interessa é saber que lado está certo, aquilo que importa considerar são as razões ambos, seus
argumentos.

Um problema final: por que três meses?

Em seus votos, os Ministros estabeleceram o primeiro trimestre como o limiar após


o qual o aborto permaneceria proibido. No entanto, em nenhum momento fica estabelecido
uma razão inequívoca para traçar a linha em três meses. O Ministro Barroso afirma que o
valor da vida de um feto humano varia de acordo com seu estágio de desenvolvimento, razão
já rejeitada e que, em si mesma, é demasiado vaga para determinação de “três meses” e,
portanto, desarrazoada para determinar algo tão grave quanto o direito à vida.29

Como é possível conceber que um feto que está há uma hora de completar três meses
de vida pode ser seccionado e sugado para fora do útero, como é comum em abortos no

mesmo que estejam fora da fé de Jesus Cristo, e que eles podem e devem, livre e legitimamente, gozar de sua
liberdade e da posse de sua propriedade, nem devem eles de maneira alguma ser escravizados; e, se acontecer
o contrário, que a ação seja anulada e não tenha efeito.”
28
Veja-se especialmente sua Letter From a Birmingham Jail.
29
Veja-se, uma vez mais, na nota 9, a discrepância que há entre os limiares adotados por diferentes países.
primeiro trimestre, mas que aquele mesmo feto uma hora e meia depois (sem que nenhuma
mudança significativa lhe sobrevenha) passa a ter direito inviolável a viver, que inclusive se
sobrepõe ao que os Ministros se referem por direitos das mulheres grávidas?

Alguém pode responder, algo desconcertantemente, que é preciso indicar um limiar


e que ainda que não saibamos determinar com exatidão (nem tenhamos parâmetro exato),
parece que este é um valor que “convém”. Opta-se então, com alguma dose de arbitrariedade,
pelo valor “arredondado” de um trimestre. Será mesmo justo basear a linha divisória entre o
que tem direito de viver e o que não tem, com base em um achismo vago, em um
“arredondamento”?

Pode-se objetar então que uma dificuldade semelhante se faz presente ao determinar,
por exemplo, a partir de que idade é legítima a imputação de penal, o pleno exercício próprio
dos direitos civis e políticos, etc. No entanto, indicar que um problema ocorre em várias
instâncias e não apenas em uma não o resolve em nenhuma delas, apenas o estende às demais.
O defensor da permissibilidade aborto ainda tem de encontrar um modo de traçar a linha que
não implique em conclusões inaceitáveis, algo que os votos dos Ministros não alcançaram
fazer – e que não parece de si possível.

Considerações finais

O percurso argumentativo dos Ministros foi claro. De um lado, diminuir o estatuto


jurídico e moral atribuído ao feto humano no seu primeiro trimestre de vida; para, de outro,
fazer notar o que julgaram ser uma violação dos direitos das mulheres grávidas; e, a partir da
contraposição entre ambos, concluir que devem prevalecer o que afirmam ser direitos das
mulheres grávidas, mesmo que para tanto seja necessário por fim à vida dos fetos.

Penso ter ficado evidente que cada um dos passos deste percurso é problemático e
que as razões apresentadas em favor de tais passos não se sustentam. Argumentos como
aqueles a partir da “viabilidade”, do “desenvolvimento cerebral”, da “neutralidade estatal”,
dos “direitos das mulheres” e, enfim, todos os sugeridos pelos Ministros, tiveram seus erros
demonstrados.
Como alguns dos problemas inerentes ao debate como conduzido pelos Ministros,
apontei a negligência na falta de considerar o abortamento no primeiro trimestre como
conduta que exige ações crudelíssimas para ser levada à cabo, e também a grave inexatidão
com que se indicou o termo limite para permissibilidade do aborto. Esta inexatidão indica a
carência de razões claras e inequívocas para determinar quem de fato terá direito a viver e
quem não terá, algo que, sem dúvida, exige mais do que o uso impreciso de razões como
viabilidade e desenvolvimento cerebral – as quais mesmo em seu uso inequívoco foram
mostradas errôneas.

Toda esta análise pôde ser feita sem que fossem invocadas quaisquer razões
“religiosas”, tendo sido ressaltado ao fim que, qualquer motivação religiosa que alguém
possa ter em se posicionar sobre este ou qualquer debate, não pode por si desacreditar as
razões de cunho moral e jurídico que possam apresentar.

REFERÊNCIAS
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