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Resumo
Viktor Frankl, psicoterapeuta que escreveu no ramo da filosofia, parte do existencialismo, humanismo
e do personalismo, e desenvolve uma nova teoria que se chama logoterapia, ou, numa linguagem
filosófica, fenomenologia existencial, análise existencial, que difere do existencialismo. Esta análise
existencial sustenta que o homem, sendo um ser essencialmente espiritual, marcado pela sede de sentido
da vida, a sua existência se dá como liberdade. É nesta dimensão da liberdade em que se deve
desenvolver a educação. Esta (educação) deve responder a sede de sentido da vida que é a textura do
ser humano. Uma educação que ajuda o homem a encontrar o sentido para a sua vida terá como base a
liberdade e a responsabilidade. Em Moçambique, a sede de sentido manifesta-se como vazio ético e
crise de identidade, por isso se deve educar para a liberdade e responsabilidade.
Introdução
Neste artigo, a partir dos conceitos de liberdade e responsabilidade presentes na análise
fenomenológica de Viktor Frankl (1905-1997), oferecemos uma abordagem da educação para
o sentido em Moçambique. Viktor Frankl é o fundador da chamada terceira escola vienense de
psicologia - a logoterapia ou cura através do sentido. A base da apresentação do artigo é
filosófico-educacional.
1
Mestrado em Educação/Ensino de Filosofia (FCSF - UP), Licenciado em Filosofia (Universidade S. Tomás de
Moçambique) e Bacharel em Teologia (Pontifícia Universidade Urbaniana de Roma).
imerso no vazio existencial, pelos caminhos do trabalho, experiência de relacionamento ou
vivência amorosa, enfrentando o sofrimento. O homem é um existente que busca um sentido
para a sua vida. A vida do homem clama por um sentido. No entanto, “esta procura de sentido
que é tão distintiva do homem não foi considerada seriamente em seu valor absoluto. Se não
existir algum sentido para o seu viver, uma pessoa tende a tirar-se a vida e está pronta fazê-
lo mesmo que todas as suas necessidades sob qualquer aspecto estejam satisfeitas” (FRANKL,
1989:14).
O homem é um ser que se interroga pelo sentido e procura viver uma vida plena de
sentido. O problema existencial de dar um sentido para a vida e a procura existencial de um
sentido de vida são preocupações que hoje estão presentes em todas as sociedades e em todas
as faixas etárias. Frankl analisa a vida do homem, chega a conclusão de que a vida do homem
contemporâneo (ou pós-moderno) é extremamente complexa e imprevisível, dinâmica, pois o
desenvolvimento tecnológico, traduzido no incremento das vias de comunicação,
aglomerações nas cidades e várias outras tecnologias, não corresponde ao desenvolvimento dos
valores morais, humanos e espirituais.
O problema da nossa época é o vazio existencial, o aborrecimento face à posse de tantos
bens, a ausência de uma realização pessoal mesmo quando se tem todo o sexo e o poder que se
poderia ter. Esta sede de sentido, este sentimento de vacuidade existencial, verificamos de
forma explícita na nossa época, “o vazio existencial cresce cada vez mais, nos últimos dois ou
três anos. Mesmo em África aumentou e, precisamente, entre a juventude universitária”.
(FRANKL, 2002a:15).
Segundo Frankl (2002a), a sede de sentido é um sentimento intrínseco ao homem, o ser
humano tem sempre esta sede de sentido, visto que o vazio existencial trespassa, sem
permissão, os limites da ordem social, tanto capitalista como socialista.
Na perspectiva de Frankl (1977), a busca do sentido é uma categoria transcendental,
posto que o homem crê num sentido desde que começa a respirar. A busca do sentido pelo
homem é uma motivação primária na sua vida, não é uma racionalização secundária.
Frankl está convencido de que o sentido é “a mais humana de todas as necessidades
humanas” (FRANKL, 2002a:17), por isso o centro noético da vida humana deve ser a vontade
do sentido. Na sociedade hodierna, esta sede de sentido é evidente. O vazio existencial é o que
caracteriza a sociedade do nosso tempo, visto que na actualidade a preocupação já não é o
instinto sexual reprimido (Freud), nem o sentimento de inferioridade (Adler); mas o sentimento
de futilidade, de carência de sentido e vazio de existência.
Portanto, nas sociedades contemporâneas de consumo e bem-estar, “parte significativa
da população dispõe do mais do que necessário para satisfazer as suas necessidades, mas não
encontra um sentido para a sua existência” (FRANKL, 2003: 23). Ademais, o vazio
existencial cresce hoje no homem contemporâneo porque “diversamente do homem de outros
tempos, não lhe vem imposto o que deveria fazer por tradições e valores tradicionais. Não
existindo tais imperativos, o homem talvez não saiba mais o que quer fazer” (FRANKL, 1989:
15).
Etiologicamente, a falta de sentido vem principalmente desta falta de paradigmas, o
homem da era da informação compreende-se a partir de si próprio, da sua subjectividade. Esta
orientação foi inaugurada pelo cogito cartesiano e levada para a frente pelo Iluminismo, que
punha o homem como medida de todas as coisas (ideia já presente no pensamento do sofista
Protágoras). Afirma-se pela reivindicação da emancipação do homem e um sentido de
progresso ilimitado e irreversível em ordem a um futuro radioso; e que muitas vezes cai num
vazio existencial, numa futilidade perante a vida. Se a etiologia é fundamentada pela ausência
de paradigmas nos quais o homem pode apoiar a sua existência, a sintomatologia da falta de
sentido se manifesta na depressão, agressão e a toxicodependência que assolam cada vez mais
as sociedades de consumo.
O sentido de que fala Frankl é um sentido pessoal, individual, diferente daqueles do
homem revoltado de Albert Camus, talvez mais próximo de Miguel de Unamuno2 pois para
este filósofo o que mais conta é o homem concreto atormentado pela morte: “ni lo humano ni
la humanidad, ni el adjetivo simple, ni el sustantivado, sino el sustantivo concreto: el
hombre. El hombre de carne y hueso, el que nace, sufre y muere - sobre todo muere”.
(UNAMUNO, 1912: 1) Este sentido individual e pessoal, a que se refere Frankl, é possível em
todas as circunstâncias da existência humana. Visto que “tudo depende do homem, devemos
agregar: depende de cada indivíduo”. (FRANKL, 2002a: 92).
Frankl fala explicitamente deste sentido quando, na obra “Um Sentido Para a Vida”, ou
se quisermos na versão original: The Unheard Cry for Meaning, fala da possibilidade de
conseguir o sentido deste modo: “quanto à inegável transitoriedade da vida, a logoterapia
afirma que isto realmente só se aplica com relação às possibilidades de dar um sentido, às
oportunidades de criar, de experimentar, de sofrer com pleno sentido”. (FRANKL, 1989: 95).
2
A ideia fundamental de Unamuno é a ideia existencialista típica, reflectir sobre o homem concreto, e não se
concentrar nos seres humanos em geral, ou na Humanidade abstracta.
O homem pode encontrar sentido em todas as circunstâncias, porque, por natureza, ele
é um ser que decide sempre, “e ele decide sempre de novo o que é, o que será no próximo
momento. Nele existem as possibilidades de ser anjo e de ser diabo”. (FRANKL, 2002a: 90)
Ele não está a dizer coisas teóricas, mas algo que experienciou na sua vida, nas condições mais
trágicas, nos campos de concentração nazis, ele encontrou um sentido para a sua vida.
Frankl foi durante muito tempo prisioneiro nos campos de concentração. Ali, ele se viu
reduzido aos limites entre o ser e não-ser, recorrendo a linguagem de Kierkegaard. Perdeu toda
a sua família e tudo o que ele tinha. Porém, o que surpreende o mundo é que foi nestas
condições infra-humanas de total ameaça à existência que Frankl chegou a conclusão de que
valia a pena viver, que a vida tem um sentido e que sempre se pode realizar este sentido sejam
quais forem as circunstâncias. Acerca disso, Gordon W. Allport, no prefácio da edição norte-
americana de 1984 da obra-prima de Frankl (2004): “Em Busca de Sentido”, questiona-se como
Frankl conseguiu encarar a vida como algo que valia preservar mesmo tendo perdido tudo o
que era seu, ver os seus valores destruídos e esperando a cada momento a exterminação final.
A experiência de Viktor Frankl e a sua filosofia de vida fazem-nos chegar a conclusões
indubitáveis, o homem busca um sentido de vida e pode encontrar este sentido em qualquer
circunstância. O homem, sendo um ser espiritual (não se confunde com a concepção cristã,
refere-se a inteligência a que Frankl chama nous), não apenas biológico e psicológico, anela
por um sentido que fundamente a sua vida. Pois, Frankl entende que é possível dizer sim à vida
apesar de tudo. Assim, Frankl distancia-se sobretudo dos existencialistas ateus, como Albert
Camus (1913-1960), em “O Mito de Sísifo” ou Le Mythe De Sisyphe, que podemos exprimir
nestas termos:
o suicídio é apenas a confissão de que a existência não vale a pena (...) Morrer voluntariamente
implica reconhecermos, mesmo instintivamente, o carácter irrisório desse hábito, a ausência de
qualquer razão profunda de viver, o carácter insensato dessa agitação quotidiana e a inutilidade
do sofrimento (CAMUS, 2002:15).
“Después de que en el marco de una entrevista se me apostrofó que como Profesor de Neurología
y Psiquiatría debería estar informado sobre los condicionamientos biológicos, psicológicos y
sociológicos del hombre invité a reflexionar en el hecho de que no solamente era profesor en dos
especialidades, sino también sobreviviente de cuatro campos de concentración y, como tal, testigo
de la capacidad del hombre de resistir aún a las peores condiciones. Y si Sigmund Freud dijo una
vez: trátese de exponer al hambre a un grupo de personas diversas y con el aumento de la
necesidad apremiante de alimentos, todas las diferencias individuales se borrarán y, en su lugar,
aparecerán las manifestaciones uniformes de este instinto no gratificado, lo que sucedió en
realidad fue más bien todo lo contrario. En el campo de concentración la gente se volvió más
diferenciada aún. Los cerdos se desenmascararon. Y también los santos. El hambre los descubrió.
Esse hambre era el mismo en un caso y otro. Sin embargo, la gente se diferencia”. (FRANKL,
2002: 150s)
A citação anterior remete-nos a entendermos que a conduta do homem não se dita pelas
condições que ele encontra ou enfrenta, senão pelas decisões que toma, ele decide se resiste ou
se submete a elas (condições). Podemos dizer que todas as decisões têm uma causa, mas são
causadas por aquele que as toma. Assim, percebemos que a liberdade do homem, em Frankl, é
uma liberdade de consciência, de escolher entre duas possibilidades: “a de ouvir a consciência
ou fazer-lhe ouvidos de mercador” (FRANKL, 1986: 80). Liberdade de tomar uma posição
frente aos condicionalismos. Diferentemente de outros pensadores, como Camus, que falam
apenas da liberdade de escolha; ele fala da liberdade para realização de valores, uma liberdade
que apela a responsabilidade.
A liberdade de que fala Frankl é uma liberdade de decidir perante uma situação
concreta. Por isso, o homem emerge como um ser que decide o que é, que decide o que quer
ser. Trata-se do homem como ser de vontade e do homem como vontade de ser. Posto que a
liberdade é uma atitude pessoal que se deve adotar frente ao destino, para decidir o seu próprio
caminho.
Consciente desta liberdade, Frankl (2004) defende que o homem pode conservar um
reduto de liberdade espiritual, de independência mental, inclusive naqueles estados cruéis de
tensão e de indigência.
Isto significa que cada homem, mesmo sob condições tão adversas, guarda a liberdade
interior de decidir quem quer ser espiritual e mentalmente. Deste modo, a liberdade é uma
atitude espiritual que se manifesta na escolha de uma dada atitude, em detrimento de outra.
Podemos ilustrar isto com base na sua obra, mais conhecida, na sua versão espanhola, El
hombre en busca de sentido:
“cada hombre, aun bajo unas condiciones tan trágicas, guarda la libertad interior de decidir
quién quiere ser- espiritual y mentalmente -, porque incluso en esas circunstancias es capaz de
conservar la dignidad de seguir sintiendo como un ser humano. Y es precisamente esta libertad
interior la que nadie puede arrebatar. La que confiere a la existência una intención y un sentido”.
(FRANKL, 2004: 91)
Podemos afirmar que a nossa liberdade é limitada. Com isso, queremos dizer que nunca
estamos completamente livres das circunstâncias, sejam elas de ordem biológica, psicológica
ou sociológica. Porém, a liberdade plena está sempre ao nosso alcance, isto é, a liberdade de
enfrentar quaisquer condições adversas. O modo como reagimos às condições impostas é uma
decisão nossa. Em outras palavras, se não pudermos mudar a situação, ainda resta-nos a
liberdade de mudar nossa atitude frente à situação.
O ser humano sempre se encontra envolvido em situações que não escolheu. Sempre já
nos encontramos num determinado ambiente sócio-cultural, já apresentamos caracteres
corporais específicos, já vivemos num determinado ponto espaço-temporal, etc. E são
justamente tais limitações que nos permitem agir livremente, pois somente há liberdade frente
a um destino ou frente a vínculos. Não somos livres de nossas limitações, todavia temos
liberdade para nos posicionar diante delas. Somos livres para algo e não de algo.
Se o homem não está livre de condicionalismos, mas pode tomar uma atitude, então ele
é autodeterminante. Porque é ele quem determina se resiste ou não a esses condicionamentos.
Isso envolve escolhas que o ser humano, obrigatoriamente, faz; ainda que actue como se não
fosse livre para decidir ou não tivesse possibilidades para escolher.
O homem é livre pelo que ele não se limita a existir, senão que decide como será sua
existência, em que se converterá no minuto seguinte; por isso o ser humano é um ser
autotranscendente. Deste modo, a liberdade é uma atitude interior perante uma circunstância,
mas também uma liberdade para a responsabilidade. Por isso, Frankl disse: “a liberdade não é
a última palavra. A liberdade é uma parte da história e a metade da verdade. A liberdade é a
cara negativa de qualquer fenómeno humano, cuja cara positiva é a responsabilidade. De
facto, a liberdade se encontra em perigo de degenerar em mera arbitrariedade salvo se se
exerce em termo de responsabilidade”. (FRANKL, 2004: 151).
O homem é livre porque responsável nas suas atitudes perante a sua própria vida que
clama por sentido, e também perante os outros, Deus e o mundo. Sustenta esta tese o que Frankl
(2004) experimentou nos campos de concentração que no meio daquele sofrimento, alguns
prisioneiros que, reprimindo a irritação e superando a apatia, passavam de barracão em
barracão e pelos lugares de revista para dar uma palavra ou um pedaço de pão. Estes homens
são testemunhas vivas da liberdade humana, são exemplo real de que nem a prisão injusta
converte-nos em algo que não queremos ser.
Em Frankl, é indubitável que a liberdade esteja vinculada ao sentido de
responsabilidade do homem; a liberdade é sempre acompanhada de responsabilidade. A
liberdade e a responsabilidade definem o ser humano em Frankl. Na sua acepção, o homem
não é apenas um ser que decide o que deve ser, mas um ser responsável. Por isso, na obra El
Hombre En Busca Del Sentido Último, Frankl escreveu: “La humanidad del hombre se basa
en su sentido de responsabilidad. El hombre es el responsable de darle sentido a su vida. Ser
humano significa responder ante situaciones de la vida, contestar a las perguntas que la vida
nos hace”. (FRANKL, 2010: 156s).
Frankl assevera que o homem pode agir livremente, apesar das circunstâncias (seja o
caso da prisão, tortura ou maus tratos). Portanto, na linha de Frankl, em todas as circunstâncias,
chama-se o homem à responsabilidade. Pois, ele tem sempre em si o poder de decisão. E a
liberdade, em Frankl, é o poder de tomar decisão. Este nunca desaparece no homem. Pois, o
homem é um ser que decide sempre, mesmo coagido pode tomar uma decisão livre.
Na concepção antropológica de Frankl, a liberdade é um existencial importante. O
homem, mesmo que condicionado pelas suas características biológicas e psicológicas, ou ainda
pelas condições externas, pode escolher o seu destino e o seu próprio caminho.
3
Ideias superiores ou essências.
O ser humano partilha com os outros animais as dimensões biológica, psicológica e
social, mas se difere deles porque faz parte do seu ser a dimensão noética. A essência da sua
existência está na dimensão espiritual. O ser humano, como os animais irracionais, possui um
corpo sensível, a dimensão psicológica, no entanto o que lhe caracteriza essencialmente é a
dimensão noética. Daí que a existência propriamente humana é a existência espiritual, a
dimensão noética é considerada superior às demais.
Deste modo, percebemos que a dimensão noética seria uma dimensão não-determinada,
mas determinante; a dimensão da unicidade, da identidade mais profunda do ser humano,
implicando também a transcendência livre, criativa e responsável das limitações. Frankl
assinala que ela é necessariamente, pois impulsiona a pessoa para fora e para além de si mesmo,
onde a consciência do “eu” deixa de existir e todo o interesse se volta para o outro. A dimensão
noética pode se manifestar de várias formas - no trabalho e no amor altruístas, na intuição
verdadeira e na experiência religiosa. Essencialmente, devemos dizer que é pela dimensão
noética que o homem descobre um sentido de vida no mundo; visto que ele é fundamentalmente
um ser-no-mundo, e o mundo existe para ser descoberto pelo ser humano.
É na dimensão noética onde se realiza a educação. Por isso, a educação deverá ajudar
o educando a aprofundar a liberdade; isto é, a ser mais livre e consciente do seu ser pessoa
espiritual. Aliás, como escreveu o próprio Frankl: “educación pressupone siempre libertad, es
decir la libertad de cambiar y tomar nuestro destino en nuestras manos, aun el destino social
o histórico (FRANKL, 2002: 95).
A educação pressupõe sempre a liberdade, pois ela é um processo de crescimento e
amadurecimento pessoal, isso exige envolvimento da própria pessoa como sujeito do processo
educativo. Deste modo, educar para liberdade significa oferecer uma educação reflexiva,
crítica, ou melhor é dotar o aluno de instrumentos que lhe possam ajudar a fazer uma leitura
crítica do mundo e da vida. Pois, para Frankl: “por cuanto ser hombre significa ser en el mundo,
el mundo incluye un mundo de sentidos y valores” (FRANKL, 2002: 156).
Uma vez que o homem é um ser num mundo de sentidos e valores, a educação tem a
missão de enriquecer a liberdade do educando de modo a escolher os sentidos e os valores nos
quais deve assentar a sua existência. Esta educação faz com que a vida seja plena de sentido.
Visto que insta o aluno a saber escolher os valores vivenciais, a procurar um propósito de vida.
O homem não encontra sentido fechando-se em si, mas ele encontra sentido fora dele,
pela autotranscendência. A educação para liberdade deve dar a possibilidade de o educando ir
além dele mesmo, dando-lhe ferramentas para fazer escolhas que lhe conduzem a fazer o bem.
Educar para o sentido é chamar o educando a viver a autotranscendência. A educação deve
levar o estudante a buscar a autotranscendência realizando um trabalho ou obra (valor criativo),
vivendo para alguém ou amando alguém (valor vivencial) e a encontrar sentido no sofrimento.
A educação para liberdade forma o educando para as decisões cruciais da existência
humana; dado que o homem é um ser que decide sempre o que quer ser, o homem não está
preso a um ser-assim, ele é um ser cheio de possibilidades. Decide o que é, o que será no
próximo momento. Assim, a educação para liberdade é educação para o questionamento, para
a pergunta (CURY, 2008).
É através da pergunta que atendemos aos sinais do mundo, buscando respostas e
sentidos para as coisas da vida. Esta forma de entender a educação já estava presente em
Sócrates. Este filósofo “andava por Atenas questionando seus cidadãos, particularmente os
sofistas, (...), e via a si mesmo como alguém que levava as pessoas a pensarem” (OZMON;
CRAVER, 2004:27).
Sócrates achava que a pergunta faz a pessoa chegar ao conhecimento. Portanto, a razão
do uso da pergunta é que através dela o educando aprende a percorrer o caminho do saber,
interroga-se não apenas sobre as coisas do mundo exterior, mas também sobre aquelas do
mundo interior, é através da pergunta que o aluno pode encontrar sentido para a sua vida.
O estudante deve ser ensinado a questionar o mundo exterior, mas também o seu próprio
mundo. Paulo Freire entendeu bem isto, por isso recusou a educação bancária, que considerava
o aluno como um “depósito” para o qual o professor devia atirar o conhecimento. Para afrontar
a educação bancária, Freire defende a educação libertadora. Pois, “a educação libertadora,
problematizadora, já não pode ser acto de depositar, ou de narrar, ou de transferir, ou
transmitir conhecimentos e valores aos educandos, meros pacientes, à maneira da educação
bancária, mas um acto congnoscente” (FREIRE, 1977: 78).
A educação para liberdade é educação para o questionamento, para a expansão da
capacidade reflexiva do educando. Com este tipo de educação, o educando atende os sinais do
mundo, busca respostas e sentidos para as coisas da vida e para a sua própria vida.
A educação para liberdade usa-se do diálogo como ferramenta principal. Pois, como
dizia Freire,“o diálogo é a essência da educação e é o meio de superação da contradição entre
o educador e o educando” (FREIRE, 1977: 22). O diálogo constrói a liberdade porque respeita
a curiosidade e o questionamento do educando em relação ao mundo, às pessoas, ao seu sentido
de vida. O diálogo é fundamental na educação, porque no fundo ninguém educa ninguém, os
homens se educam entre si, mediatizados pelo mundo. Por isso, a dialogicidade deve ser base
da educação. Pois, dentro da educação mediada pelo diálogo, acontece aquele contacto
profundo inter-humano; na qual, para Buber, se dá a confirmação da pessoa; ou melhor
confirma-se que o aluno é um parceiro na busca do conhecimento.
O diálogo possibilita a participação activa do aluno na busca do saber. Por isso,
“ensinar não é transferir conhecimento, mas criar as possibilidades para a sua própria
produção ou sua construção” (FREIRE, 1999: 52).
A dialogicidade, para usar a expressão de Freire, ajuda o professor a reconhecer a
unicidade e as potencialidades do educando, para se tornar pessoa única. Aliás, para pedagogia
existencialista, o sujeito (neste caso o educando), como centro de referimento, no diálogo,
descobre a sua real capacidade de auto-afirmação, como via de buscar a autenticidade.
Não se pode compreender a educação sem o diálogo, pois “a educação é, por
excelência, o lugar do diálogo, portanto, o lugar da palavra e da reflexão, que ultrapassa a
apropriação dos conhecimentos para nos conduzir à formação pessoal. Desde que podemos
dizer a palavra, estamos em constante conversação com o mundo, instaurando a própria
possibilidade de educar” (HERMANN, 2003: 95).
Assim, o diálogo, no sentido socrático, assume o encontro com o estranho e o diferente,
possibilitando à educação construir-se por si mesma. Dito de outro modo, a educação passa a
operar não mais pela abstracção das teóricas, mas pela produção interactiva dos sujeitos
capazes de interpretação e transformação, acompanhando o movimento que o sujeito faz de si
no reconhecimento do outro. Aliás, como escreveu Moreno “a vida é um diálogo permanente.
Não existe vida sem diálogo, uma vez que a vida é fundamentalmente diálogo” (MORENO,
2005: 183).
Ademais, a experiência do diálogo é sempre a experiência da alteridade. Neste sentido,
é mister fazer uma referência à Levinas, “o discurso e, mais exactamente, a resposta ou a
responsabilidade, é que é esta relação autêntica” (LEVINAS, 2000: 79). Este pensamento de
Levinas leva-nos a dizer que só o diálogo cria uma relação autêntica com o outro. Nessa
experiência, a linguagem, a vivência do outro, acompanha o educando a desenvolver seu
projecto de vida com liberdade e responsabilidade. Deste modo, urge criar no educando a
necessária tensão entre o ser e o ser-de-outra-maneira do próprio educando, para fazê-lo
participante e implicado no ofício da sua liberdade e responsabilidade.
Na antropologia de Viktor Frankl, o homem é um ser livre, mas para ser responsável.
No ser humano, a liberdade não tem última palavra; mas sim, é a responsabilidade que goza da
última palavra. Por isso, Frankl afirmou:
“la persona es existencial: con esto se significa que no es fáctica ni pertence a la facticidad. El
hombre, como persona, no es um ser fáctico sino um ser facultativo; el existe de acuerdo a su
propria possibilidad para la cual o contra cual puede decidirse. Ser hombre es ante todo, y como
siempre vuelvo a decir, ser profunda y fianlmente responsable” (FRANKL, 2002: 111).
4
O autor usa esta expressão para se referir ao enriquecimento conseguido através de meios ilícitos como usura,
roubo, assassinatos, violências, e menos trabalho justo.
5
Emmanuel Levinas defende a ideia de que no rosto (o que não se pode transformar num conteúdo, que o nosso
pensamento abarcaria, é o incontável, leva-nos além) há um acesso a ideia de Infinito, Deus. Por isso, devemos
respeitá-lo.
ser humano tem um valor absoluto, como escreveu Adela Cortina6 (2007: 134), “hay seres para
los que es impossible encontrar un equivalente, porque no tienen valor de uso y, por tanto,
tampoco valor de cambio. Esos seres valen por sí mismos y, en consecuencia, no pueden
intercambiar-se por otros ni por un precio”.
A educação nunca deixará de fora a necessidade de chamar o educando ao respeito do
valor intrínseco do ser humano, ele não pode ser trocado nem pelo outro, nem por nenhum
preço. Ele é um fim em si mesmo. É necessário educar ao respeito da dignidade. Pois, segundo
a reflexão de Gonçalves (2011), o não reconhecimento do outro, fomenta a intolerância para
com quem pensa diferente e os mais variados preconceitos.
A educação em Moçambique deverá demonstrar que a dignidade humana é um valor
fundamental. Com razão, para Frankl, a dignidade humana se funda no ser do homem, enquanto
ser, no que ele é, não no que ele tem. Assim, o estudante não verá a diferença como algo a
combater mas a respeitar, porque essencialmente todos os seres humanos são iguais em
dignidade. Uma educação que sublinha dignidade como valor, é um combate contra uma visão
etnocentrista ou a consideração duma raça como superior às outras (SERRA, 2000), que de
uma forma imperceptível, vão minando a moçambicanidade.
O educando deve ser educado a respeitar a dignidade humana, visto ser uma instância
ética fundamental para a convivência humana, dado que apela a reciprocidade; deve-se ensina-
lhe a tratar o outro como ele próprio quer ser tratado. Na linha de Frankl, diríamos que o homem
é livre porque responsável nas suas atitudes perante o outro. Todo o ser humano é sujeito de
respeito incondicional. A reciprocidade da qual brota a regra de ouro, o direito, a justiça e o
bem-estar são valores comuns a todas as culturas e civilizações (HOFFE, 2004 apud
GONÇALVES, 2011), para os quais devem ser educados os jovens em Moçambique.
Num mundo globalizado, a educação apostará na introdução de valores resultantes da
multi(inter)culturalidade que se fundamentam na ética global (CASTIANO, 2005), assim o
mito do Ocidente como paradigma da existência pode ser superado por uma escolha
responsável daqueles valores que estão presentes em todas as culturas.
Na interculturalidade, a africanidade, para os moçambicanos, apresenta-se como um
dos principais valores, esta é entendida como uma “forma própria de existência, de
pensamento e de agir dos africanos na sua condição periférica e neocolonial” (NGOENHA,
2004 apud CASTIANO, 2005: 85).
6
Valenciana catedrática de ética e filosofia política. Tem várias obras no campo da ética.
Por outro lado, a nossa educação é chamada a ter em conta a tradição moçambicana e a
modernidade ocidental, não basta só formar tecnicamente a que integrar os valores
moçambicanos e os da modernidade (NGOENHA, 2000: 200).
Conclusão
O homem é, em Frankl, um ser com sede de sentido; ele, na sua liberdade, busca
responsavelmente realizar esse sentido. Dado que a liberdade e a responsabilidade são os meios
de realização do sentido, o nosso objectivo foi analisar a concepção da liberdade e
responsabilidade no pensamento de Frankl.
Este objectivo foi cumprido, pois chegámos a conclusão de que o homem é
essencialmente livre, ele decide o que ele quer ser, escolhendo responsavelmente os valores
que devem plasmar a sua vida, sem esquecer que ele é o primeiro valor. Ora, esta análise
conduziu-nos ao campo de educação. Esta deve ter em conta que ser homem é viver num estado
de permanente tensão entre ser-assim e ser-de-outro-modo. A educação se dá na dimensão
propriamente humana do espiritual, pois nela acontece a liberdade e responsabilidade. Deste
modo, educar para a liberdade e responsabilidade significa educar para o sentido.
A educação para liberdade é conduzir o aluno à autenticidade, criatividade, a ter uma
visão crítica de si mesmo, do mundo e dos outros, através do diálogo e da reflexão. Educar para
liberdade é formar o educando para o questionamento, é ajudar a tomar decisões cruciais para
a sua existência humana.
No entanto, a liberdade é um convite à responsabilidade. Por isso, ao proceder a
educação à liberdade deve ser acompanhada duma educação para responsabilidade. A educação
deve ajudar os educandos a fazerem escolhas responsáveis. Deve-se educar o jovem a saber
distinguir o que é essencial, quais os valores (criativos, vivenciais e de atitudes) que devem
nortear as suas escolhas, no entanto, ele próprio se descobre primeiro como valor, daí a
necessidade de respeitar a dignidade humana.
O estudante deverá assumir o empenho ético diante diversas situações da vida, sabendo
que todos os actos da sua consciência devem responder ao seu projecto de vida. Nesta
educação, nunca se deve perder de vista que o ser humano é um ser-de-relações, um ser
vinculado com a sua história pessoal e colectiva.
Colocando a liberdade e a responsabilidade como fundamentos da educação,
observámos que toda educação deve ser sensível à questão do sentido, educando para um
sentido de vida; visto que o homem não é um ser estático, está em constante movimento em
busca do sentido para a sua vida, envolvendo-se no universo cultural e abrindo-se a alteridade.
O pensamento de Frankl convida-nos a defender uma educação para o sentido da vida,
alicerçada na liberdade e na responsabilidade. Analisando a situação da educação em
Moçambique, considerando que a crise de sentido, neste país, manifesta-se como crise de
identidade e ética, por isso recomendamos:
A) Que a educação nunca perca de vista o que é específico do ser humano, a dimensão
noética, o ser espiritual, com a sua motivação básica, que é a busca de sentido para vida,
e a tensão que existe no homem entre o ser-assim e ser-de-outro-modo;
B) Que se proceda a uma educação fundada na liberdade, que transmita o
conhecimento de modo criativo; seguindo uma pedagogia da dialogicidade e do
questionamento, que leve os educando a uma consciência crítica, a auto-reflexão e a
serem sujeitos na busca do conhecimento;
C) Que se eduque os estudantes à responsabilidade. Educar a responsabilidade
significará, neste contexto, formar a consciência moral dos educando, de modo a
respeitar a dignidade humana, a buscarem os valores presentes em todas as civilizações,
como é o caso do direito, justiça e bem-estar
D) Que se integre na educação, de modo decisivo, os valores da moçambicanidade,
africanidade e os valores universais.