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FORA DO PIS/COFINS

Decisão sobre ICMS terá "consequências


desastrosas", alerta Gilmar Mendes
18 de março de 2017, 8h35

Por Pedro Canário

Ao dizer ser inconstitucional a inclusão do ICMS na base de cálculo do PIS e da


Cofins, o Supremo Tribunal Federal cometeu um erro histórico que poderá afetar
todo o sistema tributário do Brasil. Pelo menos de acordo com o ministro Gilmar
Mendes, voto vencido na discussão, encerrada no dia 15 de março. “Tudo leva a
crer que as consequências deste julgamento serão desastrosas para o país.”

No dia 15, o Supremo definiu a tese de que o ICMS repassado por empresas a
consumidores, embora entre no caixa das companhias, não pode ser considerado
faturamento. É apenas o repasse do valor do tributo que será pago, depois, pela
companhia. Não se pode considerar, portanto, que a empresa fatura aquele valor.
Venceu a tese da relatora, ministra Cármen Lúcia, que foi acompanhada pela
ministra Rosa Weber e pelos ministros Celso de Mello, Marco Aurélio, Ricardo
Lewandowski e Luiz Fux.

Gilmar ficou vencido ao lado dos ministros Dias Toffoli, Luiz Edson Fachin e Luís
Roberto Barroso. Para eles, o ICMS repassado a consumidores deve, sim, integrar a
base de cálculo do PIS e da Cofins por significar “incremento patrimonial” no
balanço das empresas. Por mais que o dinheiro não fique na conta das companhias,
ele integra o caixa delas, ainda que momentaneamente, e faz parte dos preços que
ela pratica no mercado.

De acordo com o ministro Gilmar, a decisão foi uma demonstração de “hipertrofia


do controle judicial”. Segundo ele, o Supremo, com a tese, estendeu os limites do
conceito constitucional de faturamento para adequá-lo à tese que implique em
redução do imposto.

Gilmar afirma que não existe “um conceito pronto e acabado” de faturamento na
Constituição que possa ser aplicado ao caso para dizer, “de modo categórico”, que o
ICMS não pode fazer parte da base de cálculo do PIS e da Cofins. Ele diz que, antes
de 1998, o Supremo entendia como faturamento a “receita bruta” auferida pela
empresa. Portanto, era tudo o que de fato ficava no caixa da companhia.

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Depois da Emenda Constitucional 20/1998, no entanto, o artigo 195, inciso I, alínea


“b”, da Constituição passou a dizer que “a seguridade social será financiada por
toda a sociedade”, mas, da parte do empregador, o tributo incidirá sobre “a receita
ou o faturamento”. “Respeitado o núcleo essencial da noção de faturamento, o
legislador dispõe de uma relativa liberdade para cuidar da matéria, fixando as
margens do conceito em questão”, afirma. “É tarefa do legislador demarcar esse
conceito!”

Ele cita passagem de manifestação de Alexander Hamilton, um dos autores da


Constituição dos Estados Unidos, impressa no livro O Federalista, uma coletânea de
artigos dos autores do texto constitucional — o título original em inglês é Federalist
Papers, algo como “artigos federalistas”. Hamilton, o primeiro secretário do
Tesouro dos EUA, afirma que, num governo em que os três Poderes são separados,
“o Judiciário, pela própria natureza de suas funções, será sempre o menos perigoso
para os direitos políticos previstos na Constituição, pois será o de menor capacidade
para ofendê-los ou violá-los”.

“Destaco essa passagem para lembrar-nos da necessária autocontenção que o


exercício da jurisdição constitucional reclama”, completou Gilmar. “O Judiciário
não tem a bolsa nem a espada: seu poder repousa na autoridade e, por assim dizer,
na eficácia da própria Constituição.”

Desastre no bolso
O recurso em que o Supremo definiu a tese tinha repercussão geral reconhecida.
Isso significa que a tese vai se aplicar a todos os processos que tratam do assunto e
já estão em trâmite no Judiciário. E a todas as ações que ingressarem daqui para
frente.

De acordo com as contas da Presidência do STF, no dia do início do julgamento,


havia 10 mil processos sobrestados tratando do tema. A Fazenda afirma que houve
ingresso de novas ações em 2006, quando houve mudanças legislativas, então o
número hoje deve ser maior. O ministro Gilmar ainda prevê uma “fuga de ações”
por parte de empresas que pagaram PIS e Cofins com o ICMS na base de cálculo e
pleitearão o dinheiro de volta.

Em 2015, a Fazenda calculou que as perdas anuais com essa tese seriam de R$ 27
bilhões por ano. No projeto de Lei de Diretrizes Orçamentárias de 2017, a
Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional afirma que as perdas serão de R$ 250
bilhões. A conta é exagerada: considera que todos os que têm direito à reposição do
dinheiro irão à Justiça, ganharão e receberão o máximo possível.

No entanto, ainda segundo a Fazenda, o PIS e a Cofins, tributos usados para


financiamento da Seguridade Social, representam 21% da arrecadação total do
país. Isso significa R$ 284,3 bilhões em 2016, conforme prevê a Lei Orçamentária.

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Com a decisão, a Fazenda terá de devolver R$ 205,1 bilhões a contribuintes que


pagaram PIS e Cofins “majorados” — é o que o Direito Tributário chama de
“indébito”: tributos pagos, mas considerados inconstitucionais, que devem ser
devolvidos pelo Fisco.

Desastre sistêmico
Gilmar Mendes afirma que a decisão do Supremo “encadeia uma reforma
tributária judicial”. “Agora vai ter que sair despiolhando tudo o que tiver cobrança
de imposto sobre imposto, como ICMS, ISS, IPI, coisas que o Supremo já declarou
constitucional”, disse à ConJur. No voto, ele se refere, por exemplo, à inclusão do
ICMS na base de cálculo do ICMS. A inconstitucionalidade da incidência de imposto
sobre imposto se aplica apenas aos tributos não cumulativos, diz.

Com a decisão sobre o ICMS no PIS e na Cofins, “implode-se o sistema tributário


brasileiro tal como hoje conhecemos”. “Não tenho dúvidas em afirmar que esta
decisão servirá de grande estímulo à criação das inúmeras outras teses tributárias
a ocuparem a pauta dos tribunais nos próximos anos.”

Gilmar afirma ainda que “a história está repleta de casos de julgados com
consequências desastrosas”. Um deles é o caso Dred Scott vs. Sandford, no qual a
Suprema Corte dos EUA, em 1857, decidiu que, como os negros não estavam
protegidos pela Constituição, não podiam ser considerados cidadãos e, por isso, não
tinham direito de ingressar na Justiça Federal do país.

A decisão é histórica para discussões sobre federação. Nela, a Suprema Corte dos
EUA decidiu que o Congresso não tinha autoridade para proibir a escravidão nos
territórios federais da União, já que os escravos, assim como bens móveis e imóveis,
eram propriedade privada e não poderiam ser retirados de seus donos sem o
devido processo legal. “Há quem sustente tenha sido esta decisão uma das causas
remotas da deflagração da Guerra Civil Americana entre 1861 e 1865”, comenta
Gilmar, no voto.

Novo caso dos precatórios


O ministro Gilmar ainda comenta que a decisão sobre o ICMS é um novo erro
histórico do Supremo, capaz de se equipara ao equívoco dos precatórios. Ele se
refere à declaração de inconstitucionalidade da Emenda 62, que criou o regime
especial de pagamento de precatórios.

Na prática, a emenda dava à administração pública 15 anos para pagar suas dívidas
decorrentes de decisão judicial. E corrigia os débitos pela TR, taxa de correção que
rende abaixo da inflação. Seguindo voto do ministro Luiz Fux, o Supremo declarou
a emenda constitucional.

Logo depois, o Conselho Federal da OAB, autor da ação de inconstitucionalidade,

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pediu que o Supremo mantivesse em vigor o sistema da Emenda 62 até que a


decisão fosse modulada. O tribunal acolheu e disse que os entes públicos teriam
cinco anos para pagar seus precatórios — o prazo terminou em 2016, e os
precatórios não estão sendo pagos.

No voto, o ministro diz que o tribunal “ousou” com a matéria. Em outras ocasiões
disse que a declaração de inconstitucionalidade foi “fruto de excessiva
autoconfiança”. Nesta sexta-feira (17/3), disse à ConJur que foi “uma decisão
errada”.

Segundo o ministro, o sistema do regime especial podia não ser o ideal, mas
parcelava as dívidas e funcionava. “Era notável a incapacidade dos estados de
pagar os precatórios, tanto é que não estão pagando”, explicou. “O tribunal pegou
um sistema que estava funcionando, deitou no chão e agora pensa em voltar atrás,
mas é tarde demais.”

Gilmar lembra que o Rio de Janeiro foi usado como exemplo de bom
funcionamento de pagamento de dívidas judiciais. “Mas era uma fraude”, diz. O
que o Rio fazia, na verdade, era usar depósitos judiciais para o pagamento de
precatórios. E hoje a conta chegou: em dezembro de 2016, o Banco do Brasil, que
gerencia os depósitos no RJ, devia ter R$ 5,4 bilhões em caixa para esse fim — mas
tinha R$ 2,2 bilhões. A questão hoje está sendo discutida em ação direta de
inconstitucionalidade de relatoria do ministro Gilmar.

“Os riscos envolvidos no afazer legislativo exigem peculiar cautela de todos aqueles
que se ocupam do difícil processo de elaboração normativa. A análise não se limita
aos aspectos ditos ‘estritamente jurídicos’, colhe também variada gama de
informações sobre a matéria que deve ser regulada nos âmbitos legislativo,
doutrinário e jurisprudencial, e não pode nunca desconsiderar a repercussão
econômica, social e política”, diz o ministro em seu voto no caso do ICMS no PIS e
na Cofins.

“As mesmas considerações valem para a jurisdição constitucional. Também não


podemos deixar de lado os riscos das decisões judiciais dessa Corte Suprema, isto é,
as consequências sociais, econômicas, financeiras e jurídicas dos nossos
julgamentos.”

Clique aqui para ler o voto do ministro Gilmar Mendes


RE 574.706

Pedro Canário é editor da revista Consultor Jurídico em Brasília.

Revista Consultor Jurídico, 18 de março de 2017, 8h35

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