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ESTUDO 2 - UMA ESPIRITUALIDADE MENOS


RELIGIOSA E MAIS QUEBRANTADA

Texto base: Lucas 15.1-3;11-32

A espiritualidade está em alta. Livros de espiritualidade estão sempre entre os


mais vendidos nos últimos anos. No IBGE, vemos um avanço de pessoas que se
dizem evangélicas. Até mesmo entre os que se dizem “sem religião”, vemos em
muitos uma postura de acreditar em diversas forças ou energias, buscando
leituras sobre o assunto ou até visitando diferentes locais de expressões religiosas
para se sentir bem.
No entanto, ainda que vejamos esse interesse pela espiritualidade, não
vemos mudanças produzidas a partir disso. No Brasil, a corrupção avança cada
vez mais. A violência só aumenta. Saúde e educação estão cada vez piores.
Tudo isso, mesmo com uma bancada evangélica cada vez maior.
Esse fato mostra que a vivência da espiritualidade hoje está muito dissociada
da vida cotidiana. Como foi falado no último estudo, é uma espiritualidade quase
sempre com bastante misticismo, mas pouca prática.
Nessa espiritualidade podemos ver muita gente satisfeita em realizar certos
rituais. Ir a cultos, participar de campanhas de oração, ou até mesmo trabalhar
na igreja. Muitas vezes com uma forma diferente de falar, se vestir e até agir, não
que mostre uma mudança significativa, mas mais criando uma “cultura
evangélica”. A partir disso, há uma sensação de que algumas regras foram
cumpridas, reforçando para outros que a espiritualidade cristã se resume ao
cumprimento de algumas regras, rituais e vivência dessa cultura evangélica.
Esse tipo de confiança em regras e rituais estava presente das pessoas há 2
mil anos atrás. No texto que lemos, os primeiros três versículos descrevem “fariseus
e escribas”, que eram pessoas que representavam a espiritualidade da época.
Eles chegam a Jesus para questioná-lo sobre seu relacionamento com um grupo
dos “publicanos e pecadores” que eram de pessoas que supostamente não
viviam a espiritualidade.
Nesse contexto, Jesus conta “esta parábola”. São três histórias (ovelha
perdida, dracma perdida, filho pródigo), porém as três são apenas uma
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parábola. Todas se unem a mesma reflexão que Jesus propõe. Devido ao tempo,
vamos nos restringir apenas à chamada parábola do Filho Pródigo (Lucas 15.11-
32).
Dizemos chamada porque talvez não expresse realmente a ideia do texto. O
versículo 11 diz a respeito de um homem que tinha dois filhos. O texto trata sobre
a postura desses dois filhos. São duas maneiras diferentes de se relacionar com o
Pai. Podemos pensar até mesmo em dois tipos de espiritualidade.
O filho mais novo pede sua parte na herança e vai para uma terra distante
onde vive satisfazendo seus desejos. Existe um tipo de espiritualidade assim.
Pessoas que até tem algum tipo de contato com o Pai. Consideram-se filhos.
Contudo, têm uma postura de vida carregada por satisfazer suas vontades. Tem o
Pai como mais uma pessoa que pode ajudá-los a ter o que querem, mais
interessados no que o Pai pode fornecer a eles, nas suas bênçãos.
Pessoas assim até julgam os chamados “religiosos”, porque estes teriam uma
mente fechada, apenas ligada a regras. Contudo, confiam igualmente naquilo
que fazem, pois entendem que Deus se agrada de uma postura mais aberta da
vida, afinal “Deus é amor”. Podemos dizer que esta é também uma postura
religiosa.
Do outro lado, próximo ao Pai, está o irmão mais velho. Ele faz exatamente o
que acha que o Pai gostaria que fizesse. “Religiosamente” cumpre todas as
funções necessárias para que os negócios do Pai prosperem. Ele sabe que, no
final, vai receber uma boa recompensa disso tudo. Afinal, diferente do irmão mais
novo, ele foi fiel ao Pai e permaneceu junto, cuidando de tudo.
Não é à toa que, ao saber que seu Pai acolhe e festeja com seu irmão mais
novo, não goste. Depois de tudo o que fez, Ele se sente traído pelo Pai. Ele sente
que tem direitos sobre o Pai por ter tido um bom comportamento. O irmão mais
velho também está perdido. E está perdido não apesar do seu bom
comportamento, mas justamente por causa do seu bom comportamento.
Tim Keller apresenta algumas características no irmão mais velho nesse texto:
1) Raiva diante das decepções: Ele fez tudo pelo Pai. Ele não pode ser
decepcionado “pelo Pai”, afinal, Ele nunca decepcionou seu Pai. Será que
quando as coisas não saem como nós esperamos, não nos iramos com Deus? 2)
Obediência mecânica e sem alegria: Ele busca fazer o melhor pro Pai, mas isso
não está motivado no amor pelo Pai, mas pela obrigação, para que um dia
possa exigir do Pai seus bens e desfrutar deles, tal como o irmão mais novo. Será
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que muitas vezes não nos aproximamos do Pai em oração apenas para pedir o
que precisamos? A marca do salvo pela graça é a adoração. Não obedecemos
por quem nós somos, mas por quem Deus é. 3) Desdém pelo irmão mais novo: O
irmão mais velho sente-se moralmente superior ao irmão mais novo, por isso
merece mais do que ele. Temos uma tendência de nos sentirmos moralmente
melhores. Mas o evangelho não tem a ver com recompensa devido a uma alta
capacidade moral. Evangelho é salvação pela graça! O evangelho nos leva a
uma espiritualidade humilde. 4) Incapacidade de perdoar: O Pai já perdoou, mas
o irmão mais velho não. E a incapacidade de perdoar vem da falta de
humildade, de sentir-se incapaz de agir como o irmão mais novo, afinal, “ele é
um imoral”. Foca-se apenas em si e, por isso, não há compaixão pelo outro.
Assim, irmãos mais velhos são péssimos evangelistas.
Precisamos refletir que ambas as posturas, seja no relativismo, seja o
moralismo religioso, estão errando o alvo. A espiritualidade cristã sadia, baseada
no evangelho, é um caminho completamente diferente.
Não se defende aqui a postura do irmão mais novo. Ele se propõe para ir
para longe do Pai. Porém, ele não é o único perdido. São dois filhos perdidos. O
filho mais novo estava perdido longe da casa do Pai. O filho mais velho estava
perdido dentro da casa do Pai. Não podemos esquecer que a parábola foi
contada para os religiosos da época.
Porém Jesus não conta essa parábola simplesmente para confrontá-los. Ele
também os ama. O Pai corre para abraçar o filho mais novo no caminho. Porém
Ele também sai da festa para chamar o filho mais velho para entrar na festa. A
história acaba sem contar se o filho mais velho entrou ou não, pois o convite para
os religiosos está em aberto.
O que diferencia o irmão mais novo entrar para a festa, em vez do filho mais
velho, não é a postura moral, mas especialmente a consciência do “Pequei
contra os céus e contra ti”. Deus nos chama hoje para entrar para a festa. Ele
espera uma espiritualidade menos religiosa e mais quebrantada de coração.

Lic. Valter Matheus

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