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CAMPOS,R.H.deF.(org.). Psicologia Social Comunitária: da solidariedade à autonomia. 9ª edição.

Petrópolis, RJ: Vozes, 2003.

Síntese: Prof. Gerson Heidrich – psicopiq@usp.br

Introdução - ( p.9-34)

Comunidade: lugar em que grande parte da vida cotidiana é vivida.

- Anos 60: a utilização de teorias e métodos da psicologia em trabalhos em comunidades de baixa renda
foi denominada “Psicologia Comunitária” ou “Psicologia na comunidade”. Visava deselitizar a psicologia
e melhor as condições de vida da população trabalhadora (favelas, associações bairro, bairros populares
etc.)

-Anos 70: reação à opressão política e dominação econômica e ideológica do período militar.(Silvia
Lane)

-Anos 80 e 90: a psicologia na comunidade passa à psicologia da comunidade, tomando como unidade
de análise o grupo comunitário, e a psicologia comunitária, que toma como objeto de análise o sujeito
construído sócio-historicamente.

- A busca do desenvolvimento da consciência crítica, da ética da solidariedade e de práticas cooperativas


ou mesmo autogestionárias, a partir da análise dos problemas cotidianos da comunidade, marca a
produção teórica e prática da psicologia social comunitária.

- Enfatiza:

a) em termos teóricos: o conhecimento se produz na interação entre o profissional e os sujeitos da


investigação;

b) em termos de metodologia: utiliza a metodologia da pesquisa participante. Pesquisador e os sujeitos


da pesquisa trabalham juntos em todo o processo.

c) em termos de valores: enfatiza-se a ética da solidariedade, os direitos humanos e a busca da


melhoria de vida da população. Compromisso ético político: ético, no sentido de estabelecer condições
apropriadas para o exercício da cidadania, da democracia e da igualdade entre os pares; político, ao
questionar todas as formas de opressão e de dominação.

Definição de Psicologia Comunitária (Góis, 1993)

Uma área da psicologia social que estuda a atividade do psiquismo decorrente do modo de vida do
lugar/comunidade; estuda o sistema de relações e representações, identidades, níveis de consciência
identificação e pertinência dos indivíduos ao lugar/comunidade e aos grupos comunitários. Visa o
desenvolvimento da consciência dos moradores como sujeitos históricos e comunitários, através de
um esforço interdisciplinar que perpassa o desenvolvimento dos grupos e da comunidade. (...) Seu
problemas central é a transformação do indivíduo em sujeito.

-Estratégias de Ação:

1- reunião com os morados das comunidades para análise das necessidades e possíveis soluções;

2- formar sujeitos capazes de desenvolver e dar continuidade aos projetos, mediante envolvimento
afetivo com os objetivos e programas propostos;
3- psicólogo como mediador/facilitador da definição pela própria comunidade das prioridades;

Um CUIDADO:

“[...] a existência de trabalhos comunitários que, por sua origem paternalista e objetivos
assistenciais, levam à manutenção de consciências fragmentadas pelo idealismo e
individualismo, e, de fato, impedindo qualquer avanço tanto na ação como na consciência
(p.28).

- Em busca de uma sistematização teórico-prática:

Experiências comunitárias apontam para a importância do grupo como condição para


conhecimento da realidade comum, para a auto-reflexão e para a ação conjunta organizada.
Consciência e atividade como categorias fundamentais do psiquismo humano, sistematizando
o que se sabe sobre comportamento, aprendizagem e cognição.

Quando se procura resgatar a subjetividade, esta implica em identidade, categoria que leva ao
conhecimento da singularidade do indivíduo que se exprime em termos afetivos,
motivacionais, através das relações com os outros – ou seja, na vida grupal. (p.31)

A análise das três categorias fundamentais – atividade, consciência e identidade – só se faz


pelo registro de mediações com a linguagem (e o pensamento).

Atividade: Concebida como o meio que favorece a apropriação dos significados culturais pelo
homem. Isso significa dizer que o homem, ao atuar na sociedade, constrói o seu mundo
interno ao mesmo tempo em que transforma o mundo no qual está inserido.

Consciência: Também construída a partir da relação com o outro, norteia a relação do homem
frente às experiências da vida cotidiana. Produto das relações sociais, depende do mundo
externo para se desenvolver, ou seja, das condições externas como o trabalho, a vida social e a
linguagem.

Identidade: “[…] representações e sentimentos que o indivíduo desenvolve a respeito de si


próprio, a partir do conjunto de suas vivências. […] é a síntese pessoal sobre o si-mesmo”.
(Bock,2005,p.145).

Para Silvia Lane,

Sintetizando, o psicólogo na comunidade trabalha fundamentalmente com a linguagem e


representações, com relações grupais – vínculo essencial entre o indivíduo e a sociedade – e
com as emoções e afetos próprios da subjetividade, para exercer sua ação a nível da
consciência, da atividade e da identidade dos indivíduos que irão, algum dia, viver em
verdadeira comunidade.(p.31)
Citando, novamente, Góis (1990):

Fazer psicologia comunitária é estudar as condições (internas e externas) ao homem que o


impedem de ser sujeito e as condições que o fazem sujeito numa comunidade, ao mesmo
tempo que, no ato de compreender, trabalhar com esse homem a partir dessas condições, na
construção de sua personalidade, de sua individualidade crítica, da consciência de si
(identidade) e de uma nova realidade social.(p.32)

Grupos:

[...] seja como recurso de pesquisa participante, seja como referência teórica, são os espaços
privilegiados para uma análise teórico-prática dos avanços das consciências individuais
envolvidas no processo.

É no contexto grupal que nos identificamos com o outro e é nele também que nos
diferenciamos deste, e assim construímos a nossa identidade, sendo o grupo condição para a
sua manutenção ou metamorfose.

Porém, é também nas relações grupais que sentimos a ação do poder, o qual tanto pode negar
a nossa identidade como redefini-la. Há o poder do ‘bom falante’ – aquele que entende de
tudo, e assim, impõe o seu pensamento aos demais, como uma verdade absoluta. Neste jogo, o
participante ‘expressionista’ se sente perdido pois ‘ele (o outro) é estudado’, ‘ele sabe falar
bem’, e ‘precisamos de um líder’. E a conclusão acaba sendo: ‘deixa ele decidir...’ Desta forma
cristalizamos a nossa identidade, nos submetendo a um poder autoritário e espúrio,
esquecendo que em um grupo, por princípio, somos todos iguais em direitos e deveres. (p.33)

COMUNIDADE: A APROPRIAÇÃO CIENTÍFICA DE UM CONCEITO TÃO ANTIGO QUANTO A


HUMANIDADE – Bader Burihan Sawaia (p.35-53)

Conceito de comunidade aparece no Brasil nos anos 70, quando um ramo da psicologia social
se autoqualificou de comunitária.

Comunidade tornou-se conceito de abarcar qualquer perspectiva de prática profissional,


realizada fora de consultórios e instituições, permitindo o uso demagógico no discurso político
neoliberal.

Comunidade aparece como utopia para enfrentar o processo de globalização. Porém,


saudosista, em vez de orientar ações voltadas para o futuro.

Comunidade como utopia que remete ao futuro

A sociedade, na teoria de Marx, não é harmoniosa, mas conflitiva, sendo que o harmonioso e o
conflito não são determinados pela presença ou ausência de valores comunitários, mas por
problemas nas relações de produção. O individualismo, inimigo das relações comunitárias, é
fruto do “fetiche” da mercadoria, do trabalho alienado e produtor de mais valia.

Marx também se rendeu ao comunitarismo, enquanto ética da vida social e digna e justa.
Porém, sua idéia de comunidade não se refere à volta ao passado perdido no sentido de
superar o individualismo. Acredita na vasta associação de nações na comunidade transnacional
e encontra na classe trabalhadora a estrutura para a redenção ética da humanidade:
“Proletariado de todos os países, uni-vos”.

-Comunidade no Corpo Teórico da Psicologia

Antes dos anos 70, comunidade aparece em alguns estudos como sinônimo de sociedade.

Wundt, em 1904, coloca comunidade como sinônimo de interação coletiva.

Freud também aponta caráter homogeneizador da comunidade, ressaltando sua dimensão


negativa e injusta de considerar todos os homens iguais em desejos e necessidades. A natureza
humana dificilmente se dobra a qualquer espécie de comunidade social e viver em
comunidade é ‘trocar uma parte da felicidade pessoal por uma parte de segurança, através de
mecanismos que facilitam essa má troca’.(Freud,1976)

Comunidade entrou na psicologia no seio de um corpo teórico orientado pelo condutivismo e


pelo método experimental, com o objetivo de integrar indivíduos e grupos a partir da
transformação de atitudes, inspirado nos estudos picossociais de grupo.

O corpo teórico da psicologia comunitária começou a superar a cisão entre subjetividade e


objetividade, mas não alterou sua intencionalidade prática que continuava voltada à
integração social mais que à exclusão.

Anos 70 a psicologia comunitária apresentou-se como área do conhecimento científico não


elitista, a serviço do povo, para superar a exploração e a dominação.

O psicólogo, que na fase anterior se confundia com o educador social, com o assistente social e
com o clínico fora do consultório, agora se tornou ‘militante’ com o objetivo de promover a
passagem da consciência de classe em si à consciência de classe para si, favorecendo a
‘tomada de consciência’ (expressão fundamental da psicologia comunitária) da exploração e
da alienação e a organização da população em movimentos de resistência e de reivindicação.

Comunidade passou a ser entendida como lugar que reúne pares da classe trabalhadora,
considerada o agente social capaz de realizar a intencionalidade prática da teoria crítica, isto é,
a negação da exclusão no capitalismo mantida pela exploração da mais-valia e pela alienação
do homem do produto de seu trabalho.

Se comunidade contém individualidade, não pode ser trabalhada como unidade consensual,
sujeito único. Só a ação conjunta não a caracteriza, ao contrário, a homogeneização pode
negá-la, pois ela deve oferecer um espaço total de atitudes particulares. Isso não significa abrir
mão de idéias comuns, mas de consenso fechado e conseguido às custas da ditadura das
necessidades (Heller:1992), incentivando o exercício da comunicação livre, onde todos
participam com igual poder e competência argumentativa no processo de ressignificação da
vida social.
Os valores comunitários devem ser interiorizados como projeto individual para se transformar
em ação. Devem ser pensados e sentidos como necessidade.

Para Nisbet (1974:48), balizando as ideias fundamentais à comunidade:

“Comunidade abrange todas as formas de relacionamento caracterizado por um grau


elevado de intimidade pessoal, profundeza emocional, engajamento moral (...) e continuado
no tempo. Ela encontra seu fundamento no homem visto em sua totalidade e não neste ou
naquele papel que possa desempenhar na ordem social. Sua força psicológica deriva duma
motivação profunda e realiza-se na fusão das vontades individuais, o que seria impossível
numa união que se fundasse na mera conveniência ou em elementos de racionalidade. A
comunidade é a fusão do sentimento e do pensamento, da tradição e da ligação intencional,
da participação e da volição”. O elemento que lhe dá vida e movimento é a dialética da
individualidade e da coletividade. (p.50)

A psicologia social, ao se qualificar de comunitária, delimita seu campo de competência na luta


contra a exclusão de qualquer espécie.

Psicologia na comunidade, psicologia da comunidade e psicologia (social) comunitária:


(Maria de Fátima Quintal de Freitas – p.54-80).

Um pouco de história

a. “trabalho em comunidade” era expressão dos anos 40/50. Mudanças do modelo produtivo
de agropecuário para agroindustrial. Necessidade de mão de obra especializada no sistema
fabril (atendiam aos interesses das elites econômicas). Década de 50 Brasília é construída e JK
adota a filosofia de “crescer 50 anos em 5 anos”. Crescem a inflação, desemprego, pobreza...

b. Nos anos 60, O Brasil e vários países da América Latina enfrentam período de graves
confrontos entre, de um lado, o Estado e as forças Capitalistas, e de outro, as necessidades
básicas da população e a participação da sociedade civil nas discussões políticas e societárias;

c. Instaurado o regime militar (março/64), regime de terror político e cultural. Crescem os


cinturões de pobreza e miséria, ao lado dos pólos industriais e dos centros de riquezas;

d. Em 27 de Agosto de 1962, dá-se o reconhecimento oficial da profissão de psicólogo no


Brasil;

e. Nas comunidades, o Psicólogo trabalhava de maneira voluntaria, não remunerado, convicto


do seu papel político e social;
f. Anos 70, como os trabalhos em comunidade via de regra eram voluntários, os profissionais
normalmente desenvolviam outras atividades remuneradas, principalmente ligadas à
academia. Isso permitiu que a discussão sobre as condições de inserção nessa realidade
fossem levadas para dentro da universidade;

g. Anos 80, com a expectativa da democracia, a denominação psicologia comunitária passa a


ser um termo mais consagrado e adotado por vários profissionais. É criada a ABRAPSO -
Associação Brasileira de Psicologia Social (julho de 1980 – UERJ-RJ);

h. Anos 90, a denominação psicologia da comunidade torna-se mais frequente. Práticas do


psicólogo nos postos de saúde, na secretaria do bem-estar-social, em órgãos ligados à família e
aos menores e instituições penais, contribuindo para que a psicologia passasse a ser vista
como, fundamentalmente, uma profissão da saúde;

ALGUMAS DIFERENÇAS.

A psicologia NA comunidade surgiu em uma época de crise da psicologia em relação aos


modelos importados e alheios à realidade brasileira. Assumiu a proposta de deselitizar e de se
tornar mais ligada às condições de vida da população. Deixa de ser exclusividade dos
consultórios e escolas, por exemplo, e passa a ser desenvolvida na comunidade.(anos 60/70)

A psicologia DA comunidade (anos 90) tornou-se uso frequente. Passou a se referir às práticas
ligadas às questões da saúde, que envolviam atividades que se realizam através da mediação
de algum órgão prestador de serviços no qual o psicólogo trabalhava.

Defendiam o desenvolvimento de uma psicologia menos acadêmica, menos intelectualizada e


mais identificada com a população, permitindo que ela tivesse acesso aos serviços de saúde
que o profissional psicólogo poderia e deveria prestar, visto que isto é um direito de qualquer
cidadão.

A psicologia Comunitária (na América Latina chamada de Psicologia Social-comunitária)-


busca estabelecer uma diferenciação com a prática assistencialista ligada aos serviços de
saúde, presentes nos modelos dos Estados Unidos. A psicologia (social) comunitária utiliza-se
do enquadre teórico da psicologia social, privilegiando o trabalho com os grupos, colaborando
para a construção de uma identidade social e individual orientadas por preceitos eticamente
humanos.

-Algumas considerações sobre a prática do psicólogo fora dos ambientes tradicionais de


trabalho (clínica, escola, empresas):

a. os trabalhos desenvolvidos em comunidade perderam seu caráter de clandestinidade


presentes nos anos 60 e 70;
b. Houve aumento significativo dos apelos do Estado, para maior participação da psicologia
junto à sociedade e suas problemáticas;

c. Institucionalizou-se o espaço para a atuação do psicólogo junto aos diversos setores e


segmentos da população. Entretanto, verifica-se que os modelos teóricos e a preparação
profissional do futuro psicólogo desenvolvidos nos cursos de psicologia, pouco diferem da
preparação das décadas anteriores. Cristalização, mantendo o distanciamento do estudante de
psicologia da realidade vivida pela população a ser atendida.

d. Transposição dos modelos de atuação tradicionais para a prática em comunidade;

e. Alguns trabalhos empregam modelos a partir do referencial teórico e metodológico de uma


psicologia social crítica, fundamentada na concepção histórico-dialética. Tentativa de construir
um novo paradigma para a compreensão dos fenômenos psicossociais. O que requer atentar
para especificidades do trabalho (das práticas psicológicas), eliminando-se posturas
reducionistas, psicologizantes e a-históricas sobre os processos psicossociais.

-Relações comunitárias relações de dominação – Pedrinho A. Guareschi (p.81-99)

“Relação é uma coisa que não pode ser ela mesma, se não houver outra”.

A percepção da relação é uma percepção dialética, percepção de que algumas coisas


“necessitam” de outras para serem elas mesmas. (p.83)

Ex.: O conflito, a exclusão, são relações, pois ninguém pode brigar sozinho, e se há exclusão, há
alguém que exclui, e alguém que é excluído.

Grupo: o que constitui um grupo é a existência (ou não) de relações. É preciso ter algo em
comum entre as pessoas. Para transformar um grupo é preciso transformar as relações
existentes no grupo.

Relação vem da palavra “relativo” (que é contrário de absoluto, completo, fechado). Assim, o
grupo visto a partir das relações pressupõe um processo de relações dinâmicas, mutáveis.

Conceituar o grupo a partir de uma visão estática e fotográfica (visão funcionalista-positivista


de grupo) pressupõe “estratificações”, com posições e desempenho de papeis definidos.

Multidão (massa) – existência de um grande número de pessoas que estejam num mesmo
lugar. Amontoado de gente que não chega a se conhecer. Há um objetivo, mas não há relação
entre as pessoas além do fato de estarem no mesmo local. A certeza da impunidade (ninguém
sabe quem fez o quê) aumenta a irresponsabilidade (campo de futebol).

Público também são multidões, mas sem contato físico, A única ligação é o fato de estarem
sintonizados (rádio, televisão, leitores mesmo jornal etc.). Não se conhecem, não se
relacionam. As relações são unilaterais/unidirecionais. Ex. Os meios de comunicação de massa
que detêm grande possibilidade de manipular e condicionar as pessoas.
Tipos de relações

Relações de Dominação:

Poder- capacidade de uma pessoa ou grupo para executar uma ação. Tem o poder na medida
que “pode” fazer alguma coisa.

Dominação: definida como uma “relação” entre pessoas (entre grupos), através da qual uma
das partes “rouba”, se apodera do poder (capacidade) de outros. É uma relação assimétrica,
desigual, injusta...

Origem da dominação

Ideologia: uso de formas simbólicas (significados, sentidos) para criar, sustentar e reproduzir
determinados tipos de relação. É o que vai dar sentido / significado às coisas (tem sempre
uma conotação de valor, positivo ou negativo). Pode servir para sustentar relações justas/
éticas, como para criar e sustentar relações assimétricas, desiguais, injustas... relações de
dominação.

Estereótipos negativos, preconceitos, juízos de valor (etc.) criam e sustentam as relações de


dominação.

Diferentes Formas de Dominação

Dominação Econômica – é a forma mais geral. Acontece sempre que alguém rouba, expropria,
a capacidade (poder) de trabalho de outras pessoas. O trabalho humano é a fonte única de
riqueza das nações. É só trabalho que pode ser explorado.

Dominação política – no sentido mais amplo, política é o conjunto de relações que se


estabelecem entre pessoas e grupos, na sociedade em geral. São as relações que se dão entre
o Estado, o governo e os cidadãos. Todas as ações humanas são políticas. Há uma dominação
política quando as relações entre as pessoas e grupos, entre grupos, entre as pessoas, grupos,
governo e Estado não forem justas, democráticas, desrespeitando os direitos dos diversos
sujeitos.

Dominação Cultural (mais difícil de se detectar) – Cultura é todo agir humano. É um conjunto
de relações entre pessoas, entre grupos, que se sedimentaram (cristalizaram), de tal modo que
passam a ser pensadas e tratadas como parte da própria natureza das pessoas e das coisas.
Geralmente essas relações cristalizadas são assimétricas, desiguais. Possui várias formas:

a. O racismo – tem sua origem na criação de estereótipos e discriminação negativos de


um grupo racial sobre o outro;

b. O patriarcalismo – estabelecimento de assimetrias com base nas relações de gênero.


Distingue-se entre a dimensão biológica (todos temos um sexo) e a dimensão cultural
(o gênero, masculino ou feminino). Essa dimensão cultural é construída pelos usos e
costumes humanos, resultado das relações estabelecidas entre os diferentes gêneros.
c. O institucionalismo – colocar uma instituição (igreja) como a única verdadeira. Com
isso, legitimam representações e ações injustas contras as pessoas pertencentes às
demais instituições.

Outras formas de dominação: religiosa, profissional etc.

Comunidade por MARX

Um tipo de vida em sociedade ‘onde todos são chamados pelo nome’. O que significa
uma vivência em sociedade onde a pessoa, além de possuir um nome próprio (manter
sua identidade e singularidade), tem possibilidade de participar, de dizer sua opinião,
de manifestar seu pensamento, de ser alguém. (p.95)

Supera duas distorções reducionistas e inibidoras do pleno desenvolvimento humano:

1ª – o individualismo fundamentado na filosofia liberal (pressupõe ser humano


isolado, auto-suficiente, sempre em competição para sobreviver);

2ª – pressuposto de um ser humano como ‘peça de uma máquina’, parte de um todo,


colocado a serviço do Estado ou instituições burocráticas, anulado em sua
subjetividade.

Vivendo em comunidade, as pessoas têm possibilidade de superar esses extremos,


mantendo sua singularidade, mas necessitando dos outros para sua plena realização.

As relações comunitárias são igualitárias, pessoas com iguais direitos e deveres.


Todos podem (e devem) ter voz, além de serem reconhecidos em sua singularidade,
em suas diferenças. As relações comunitárias implicam a existência de uma
dimensão afetiva, implicam que as pessoas sejam amadas, estimadas, benquistas.
(p.96-97)

O trabalho comunitário:

a. Respeito pelo “saber” dos outros. Prestar atenção no que as pessoas dizem e
fazem. Pede-se licença para entrar, conviver, compartilhar;

b. O projeto deve incluir, além do diálogo e a partilha de saberes, a garantia de


autonomia e autogestão das próprias comunidades como ápice das relações
genuinamente democráticas.

A Instituição como via de acesso à Comunidade (Jacyara Nasciutti – p.100-126)

Qualidade de Vida e Habitação (Naumi Vasconcelos – p.127-163)


Psicologia Comunitária, Cultura e Consciência (Regina Campos – p.164-177)

 STREY,Marlene Neves | et al. |. Psicologia Social Contemporânea. 6ª edição.


Petrópolis, RJ: Vozes, 2002. -

GÊNERO (Marlene Strey – p.181-198)

Sexo e Gênero

Sexo não é gênero.

SEXO diz respeito à procriação, à reprodução biológica. O sexo biológico (características


anátomo-fisiológicas das pessoas) já vem determinada.

As diferenças sexuais são encontradas em todos os mamíferos.

Os humanos interpretam e dão nova dimensão a seu ambiente físico e social através da
simbolização.

Humanos são animais auto reflexivos e criadores de cultura.

Ser uma fêmea não significa ser uma mulher e ser um macho não significa ser um homem.

Enquanto as diferenças sexuais são físicas as de gênero são socialmente construídas.

O gênero depende de como a sociedade vê a relação que transforma um macho em um


homem e uma fêmea em uma mulher.

A construção cultural do gênero é evidente quando se verifica que ser homem ou ser mulher
nem sempre supõe o mesmo em diferentes sociedades ou em diferentes épocas.

Na Europa (1972) Ann Oakley apontou para a necessidade de diferenciação entre macho e
fêmea e Gênero, na classificação social de masculino e feminino. Aprofundando o tema, além
de contar como um modo de produção, toda a sociedade possui um sistema de gênero:
conjunto de arranjos através dos quais a sociedade transforma a biologia sexual em
produtos da atividade humana e nos quais essas necessidades transformadas são satisfeitas.
Inclui componentes como a divisão sexual do trabalho e definições sociais para os gêneros e
os mundos sociais que estes conformam.(p.183-184)

A visão de gênero como construção cultural e histórica implica tratar com categorias
simbólicas, cujas características principais são dar prioridade à interpretação construída em
uma dialética entre o dado concreto e o esquema explicativo.
Através da capacidade humana de criar e manipular símbolos, os sistemas simbólicos vêm a ser
condição e consequência da interação social. No entanto, é necessário lembrar que esta
capacidade simbólica, tanto de produzir como de interpretar, de ler a realidade e de
significar, tem sido e ainda de certa forma é, unilateral e excludente, posto que se faz
prioritariamente desde o ângulo masculino. (p.184)

A questão da hierarquia de gênero

O poder e o controle social sobre o trabalho, os recursos e os produtos, são associados à


masculinidade. O patriarcado é uma forma de hierarquia, em que os homens detêm o poder e
as mulheres são subordinadas (papéis sociais).

Atualmente, nas culturas ocidentais, o poder social é identificado com atributos considerados
como masculinos. Pessoas do sexo masculino ou feminino podem desempenhar papéis,
através dos quais o poder pode ser exercitado, mas eles permanecem como papéis
masculinos. (p.186).

Todas as sociedades explicam as hierarquias sociais através de origens divinas, de costumes


ou naturais... [...] A tendência prevalecente nas civilizações ocidentais contemporâneas é
propor razões naturais para a ordem social existente.

Exemplo: [...] crenças disseminadas de que os recursos têm sido escassos desde a aurora da
existência humana; que a inteligência é herdada e pode ser medida acuradamente; e que,
embora a discriminação racial e sexual possa ser objetivada, ela está baseada em
inferioridade e superioridade naturais.

Essas noções têm um paralelo nas religiões que apresentam razões de ordem divina para a
existência da desigualdade de raça e sexo. (p.186)

Se a subordinação política e econômica é um fenômeno cultural, nossa tarefa é buscar uma


explicação histórica ou cultural para a situação das mulheres e dos homens em todas as
sociedades. [...] a posição de gênero é um dos eixos essenciais para a manutenção do poder
na hierarquia social, que é essencialmente masculina no seu topo e tem estratégias de
fragmentação (por classes, por idades, por grupos ou culturas minoritárias). (186)

Relações antagônicas (rivalidades entre jovens e idosos, pobres e ricos, negros e brancos
etc.) estruturam a dependência e a submissão.

Variações em gênero através das culturas

Estudos transculturais mostram dois aspectos universais sobre o gênero:

a) O gênero não é idêntico a sexo


b) O gênero fornece a base para divisão sexual do trabalho em todas as sociedades

Não existe um conteúdo universal para os papéis de gênero.

O que é subordinação e como se expressa?

Subordinação pode ser definida como uma relativa falta de poder.

Subordinação de gênero: quando as mulheres não estão no controle das instituições que
determinam as políticas que afetam as mulheres. Ex.: direitos reprodutivos.

Subordinação envolve dependência sistemática, sendo o grupo subordinado ativo ou não em


tarefas produtivas.

Simbolicamente, a subordinação é frequentemente expressa como uma relação de


complementaridade: ‘Os trabalhadores precisam de patrões, assim como os patrões
precisam dos empregados e afirmações do estilo. O aspecto de poder na relação é negado.

A subordinação como um processo histórico

No mundo ocidental capitalista, a experiência de gênero e o ‘status’ das mulheres advém da


vida em uma sociedade estratificada por classes com uma economia capitalista. Nem todas
as sociedades têm essa característica atualmente e, no passado, existiram sociedades
estratificadas por classe com economias muito diferentes da capitalista, como a Europa
feudal, as civilizações greco-romanas, baseadas no trabalho escravo.

Assim, o modo de produção, em si mesmo, não pode ser invocado como a base da
subordinação feminina. (p.192)

Desde que a hierarquia de gênero emerge com a formação de classe e do estado, pode-se
perguntar: se a biologia não é destino, então por que são as mulheres e não os homens que
se tornaram subordinadas?

Na formação do Estado, tanto as mulheres da elite quanto as das classes produtoras tiveram
sua autoridade diminuída. Na medida em que o estado vai se formando e a distância entre
as classes produtoras vai aumentando, torna-se cada vez mais necessário que os grupos de
parentesco das sociedades iniciais deixem de ser autônomos, pois necessitam providenciar
produtos e serviços para o suporte da elite não produtiva. A reprodução nesse sentido geral
de continuidade, se torna cada vez mais politizada. Nessa espécie de crise da reprodução
social é que está a origem da hierarquia de gênero (Gailey,1987). (p.192-193).
As religiões sustentadas pelo Estado, os militares e outras instituições não baseadas no
parentesco, atuavam de diferentes modos para promover a reprodução das relações
hierárquicas através de noções de obediência, aceitação, controle da sexualidade e linhas de
parentesco sancionadas pelo próprio estado.

O controle sobre o trabalho e, através do trabalho, dos produtos, é o principal item político
na formação do Estado. A existência de uma esfera de tributação da produção destinada
para as autoridades civis e a continuação parcial da produção através das linhas de
parentesco, inicia a fragmentação da divisão do trabalho pelos integrantes dos grupos de
parentesco. A divisão entre as esferas pública/civil e parentesco/doméstica também abala
unidade da identidade social por parentesco. [...] A esfera civil cria a situação na qual as
pessoas podem ser consideradas somente em termos de seu sexo (identidades abstratas: um
homem adulto, uma mulher adulta), independentemente de seus papéis familiares (pai, mãe,
filha). (p.193).

A razão pela qual as mulheres recebem extrema sujeição ideológica está relacionada com a
abstração na divisão civil do trabalho e supressão da autonomia dos grupos de parentesco
na reprodução. As mulheres (pobres) são capazes de trabalhar e de produzir outros
trabalhadores pertencentes à classe trabalhadora, tornando-se foco principal do controle
estatal. (p.194)

As mulheres da elite tinham para seu reconhecimento somente sua capacidade biológica de
reprodução, já que eram tão improdutivas quanto os homens de sua classe. Assim, sua
sexualidade e alianças maritais eram ainda mais supervisionadas que as da classe
trabalhadora. Fertilidade fora de lugar poderia causar tumulto político.

Mantinham bastante poder e autoridade social. Essa fase na formação do Estado é


frequentemente confundida pelos pesquisadores como ‘matriarcado’. Tinham considerável
poder político, mas nunca estavam sozinhas no poder. (p.194)

Com a transposição das relações de parentesco para a esfera doméstica, o poder político das
mulheres dentro da elite declina e com o tempo as mulheres em geral são vistas
abstratamente de uma maneira que as relaciona com a reprodução biológica, afastada da
cultura e basicamente ligada à natureza.(194)

O Gênero na Psicologia

As pesquisas transculturais revelam que, de uma maneira geral, os homens são vistos como
mais ativos, com mais necessidade de realização, de domínio, de autonomia, sendo também
mais agressivos. Já as mulheres seriam vistas como mais fracas, menos ativas, mais
preocupadas com suas necessidades afiliativas de afeto. Os pesquisadores e pesquisadoras
admitem que é necessário cautela na generalização desses resultados, já que existe uma
grande variabilidade, lado a lado com semelhanças através da cultura. (p.196).

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