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FEDERAL
MANDADO DE SEGURANÇA
em face do Exmo. Sr. Presidente da República Jair Messias Bolsonaro, por ato ilegal consistente
na determinação às Forças Armadas de comemoração do dia 31 de março de 1964, nos termos a
seguir expostos:
1. Breve síntese dos fatos
Tal determinação foi divulgada pelo porta-voz oficial da Presidência da República, Sr. Otávio
Rêgo Barros, em coletiva de imprensa transmitida pela TV Nacional do Brasil (NBR), veículo de
comunicação oficial do Governo Federal brasileiro.
Na sequência da entrevista, questionado por alguns repórteres sobre o que seriam “devidas
comemorações ao dia 31 de março de 2019”, assim respondeu o porta-voz: “Aquilo que os
comandantes acharem, dentro das suas respectivas guarnições, e dentro do contexto que devam
ser feitas”.
Desde então, ações populares e ações civis públicas foram propostas com o objetivo de barrar
tais comemorações.
Em 26.3.2019, a Procuradoria Federal dos Direitos dos Cidadãos emitiu nota com o título “É
incompatível com o Estado Democrático de Direito festejar um golpe de Estado e um regime que
adotou políticas de violações sistemáticas aos direitos humanos e cometeu crimes
internacionais” (doc.).
Além disso, também em 26.3.2019, a Defensoria Pública da União ingressou com Ação Civil
Pública em face da União, distribuída perante a Seção Judiciária do Distrito Federal, pedindo que
fosse determinada a proibição da realização de festividades em qualquer evento de comemoração
ao Golpe Militar de 1964 (doc. )
Sem prejuízo, por tal ato ser ilegal e afrontar direito líquido e certo dos impetrantes, passível de
conhecimento direto e imediato pelo Supremo Tribunal Federal, é que se intenta o presente
mandado de segurança.
3. O ato ilegal
O ato ilegal objeto deste mandado de segurança é a determinação exarada pelo Presidente da
República Jair Bolsonaro, ora impetrado, dirigida às Forças Armadas, para “comemoração” do
dia 31 de março de 1964.
Esta determinação foi levada a público pelo porta-voz da Presidência da República, cargo cuja
função é falar em nome do Presidente da República e tão somente aquilo autorizado e orientado
pelo Presidente da República.
Tal ato está revestido de oficialidade e concretude suficientes a representar lesão ou ameaça de
lesão a direito. A oficialização de tal determinação de comemoração está representada não só
pela comunicação feita pelo porta-voz da Presidência da República, como pela reprodução de tal
conteúdo pela TV Nacional do Brasil e no sítio eletrônico da Presidência da República.
Não bastasse, o próprio Presidente da República, em sua conta oficial no Twitter, no próprio dia
25 de março de 2019, às 17h14min, reproduziu o inteiro teor da comunicação do porta-voz,
corroborando, tácita e evidentemente, todos os seus termos: “O porta-voz da Presidência da
República, General Rêgo Barros, resume alguns dos muitos pontos positivos internos externos
das últimas duas semana do governo Bolsonaro. Assista: [referindo-se à vídeo anexado à
mensagem, com a íntegra da comunicação]”.
A comunicação da Presidência da República menciona, ainda, uma ordem do dia sobre tais
comemorações que teria sido aprovada pelo Presidente da República no mesmo sentido, não
havendo, entretanto, sua publicação em qualquer canal oficial de governo.
Está-se diante, portanto, de ato ilegal exarado pelo Presidente da República através de seu
porta-voz, representando grave lesão à direito líquido e certo dos impetrantes.
Em 24.11.2010, a Corte Interamericana considerou que, além de ter sido responsável pelo
massacre, o Brasil ainda deixou de dar cumprimento ao dever de investigar e julgar os
responsáveis pelo massacre ao promulgar a Lei da Anistia (Lei Federal nº 6.683/79), o que
representa violação aos arts. 4º (direito à vida), 5º (direito à integridade pessoal), art. 7º (direito à
liberdade pessoal), art. 8º (garantias judiciais), art. 13 (liberdade de pensamento e de expressão) e
art. 25 (proteção judicial) da Convenção Interamericana de Direitos Humanos.
No que toca ao direito à verdade e à memória, ponderou a Corte Interamericana que é dever do
Brasil tomar medidas para que eventos como o massacre não mais ocorram. Dentre tais
obrigações, está a educação das próprias Forças armadas a respeito das graves violações de
direitos humanos que o evento representou:
Nesse sentido, a Corte observa que não foi senão no final do ano de 2007 que o Estado
finalmente divulgou a verdade extrajudicial dos fatos, com a publicação do relatório da
Comissão Especial de Mortos e Desaparecidos Políticos. Até esse ano, as instituições do
Estado – em especial o exército – sustentaram uma versão dos fatos cuja falsidade havia
sido estabelecida judicialmente desde 1978, quando foi emitida a sentença da Ação
Declaratória (par. 132 a 134 supra). A Corte também constata que os familiares das
vítimas conseguiram, em 2013, uma retificação da causa mortis no atestado de óbito de
Vladimir Herzog. Isso implica que foram necessários 15 anos desde o reconhecimento da
competência contenciosa da Corte para que os familiares do senhor Herzog deixassem de
suportar – ainda que formalmente – manifestações do poder público que negavam a
verdade dos fatos e, pior ainda, forjavam uma falsidade.
Em ambos foi reconhecido e reafirmado o dever do Estado brasileiro em garantir o direito à
memória e à verdade e a tomar providências para que os crimes cometidos por agentes do Estado
durante a ditadura não fossem esquecidos e para que eles não se repetissem.
Para além destas ilegalidades, o ato combatido viola direito líquido e certo dos impetrantes à
memória e à verdade, como a seguir será demonstrado.
JANAÍNA DE ALMEIDA TELES e EDSON TELES são filhos de César Augusto Teles,
militante político, preso em dezembro de 1972. Foi torturado, além dos danos psíquicos sofridos
foi obrigado a efetuar transplante de pele em razão das queimaduras que sofreu. Ambos foram
obrigados a assistir às sessões de tortura do pai e da mãe, MARIA AMÉLIA DE ALMEIDA
TELES, militante política, presa em dezembro de 1972. Foi torturada por um agente da
Operação Bandeirantes, tendo sofrido violência sexual, física e psicológica, além de ter sido
separada dos filhos pequenos, Janaína Teles, que tinha 5 anos e Edson Teles, que tinha 4 anos,
no momento da prisão.
INSTITUTO VLADIMIR HERZOG foi criado em junho de 2009 por amigos e familiares
em memória de Vladimir Herzog, jornalista, foi preso e assassinado nas instalações do
DOI-CODI, em 1975, em São Paulo.
Todos estão reconhecidos como vítimas da Ditadura Militar brasileira ou são familiares de
vítimas, conforme relatório da Comissão Nacional da Verdade, disponível em projeto digital
chamado de Memórias Reveladas: http://cnv.memoriasreveladas.gov.br.
Tais decisões judiciais lidam com o direito à memória e à verdade em diversos aspectos: na
necessidade de se promover uma investigação criminal sobre as graves violações a direitos
humanos, identificando fatos e partícipes; no acesso a documentos antes classificados como
sigilosos; na declaração civil de nexo de causalidade entre a atuação de agentes do Estado e
danos sofridos pelas famílias e vítimas de violações de direitos humanos na Ditadura
civil-militar; na retificação de certidões de óbito, como no emblemático caso Herzog.
(...)
(...)
(...)
Sua postura ironiza vítimas da ditadura, desrespeitando suas memórias da violência vivida. Ao
celebrar o golpe que desembocou na ditadura militar brasileira que durou 21 anos (1964-1985),
o presidente coloca em cheque as provas inquestionáveis de tortura, homicídios, suicídios
forjados e desaparecimentos relatadas por sobreviventes e seus familiares em documentos como
a Comissão Nacional da Verdade (CNV), questionando a memória e a verdade dessas histórias
trágicas que ainda são feridas abertas neste país.
Memória e verdade estas que, repita-se, são direitos que se revestem de liquidez e certeza e que
impõem ao Estado brasileiro o dever de agir de forma a preservá-los, garanti-los e respeitá-los.
Inadmissível porque desconstrói os fundamentos que fizeram nosso país retornar à democracia;
intoleráveis porque violam direitos líquidos e certos dos impetrantes; ilegais e inconstitucionais
porque desprezam todo o regime jurídico inaugurado pela Constituição Federal de 1988 que
obriga, sem espaço para incertezas, o Estado a adotar medidas de reconhecimento das violações
perpetradas, de reparação das vítimas e de garantias de não-repetição.
5. Liminar
Estão presentes os requisitos legais para concessão da ordem liminar para que a autoridade
coatora não determine ou, se tiver determinado, suspenda a ordem de realização de
comemorações no dia 31 de março de 2019 relacionadas ao Golpe Militar de 1964.
A demonstração do perigo na demora está no seguinte: (i) a data em que as comemorações seria
no domingo próximo, dia 31.3.2019 ou mesmo em data anterior; (ii) há declaração pública,
constante no site da Presidência da República, por parte do porta-voz da presidência,
confirmando que a autoridade coatora deu a ordem, in verbis, “o nosso presidente já determinou
ao Ministério da Defesa que faça as comemorações devidas com relação a 31 de março de 1964,
incluindo uma ordem do dia patrocinada pelo Ministério da Defesa que já foi aprovada pelo
nosso presidente” . (doc. )
A demonstração da fumaça do bom direito está vastamente demonstrada: (i) na evidente
ilegalidade em ordem de comemoração de regime de exceção, rechaçado pela Constituição, pelas
leis e por decisões internacionais baseadas em tratados internacionais do qual o país faz parte,
por promover graves violações de direitos humanos no Brasil; (ii) no direito dos impetrantes em
verem respeitado o seu direito subjetivo, líquido e certo, à verdade e à memória em relação aos
fatos ocorridos durante o regime de exceção que a autoridade coatora pretende, agora,
comemorar e dos quais foram vítimas.
6. Pedidos
a) Liminarmente, inaudita altera pars, requer-se seja expedida ordem para que a
determinação do Presidente da República Jair Bolsonaro, ora autoridade coatora,
oficializada em pronunciamento de seu porta-voz, reproduzida pela TV NBR e pela
página oficial do governo, dirigido às Forças Armadas, para que sejam adotadas as
providências para comemoração do Golpe Militar (dia 31 de março de 1964) seja
imediatamente suspensa, nos termos do artigo 7º, III da Lei 12.016 de 2009;
b) Ainda em sede liminar, inaudita altera pars, determinar que a autoridade coatora se
abstenha de editar qualquer ordem no sentido de quaisquer órgãos públicos federais
realizarem comemorações ou atos que violem o direito à memória e à verdade dos
impetrantes no dia 31.3.2019 ou qualquer outra data, em razão do aniversário do Golpe
Militar de 1964 ou, se já o tiver feito, que sejam cassados os efeitos da ordem para que
ela não seja cumprida no dia 31.3.2019 ou em qualquer outra data, nos termos do artigo
7º, III da Lei 12.016 de 2009;
c) A notificação da autoridade coatora, o Exmo. Sr. Presidente da república Jair Bolsonaro,
para prestar informações, nos termos do artigo 7º, I da Lei 12.016 de 2009.
d) Ao final, seja confirmada a ordem, garantindo-se o direito dos impetrantes à memória e à
verdade e impedindo a realização de festividades em razão do aniversário do Golpe
Militar de 1964.
e) A intimação do Ministério Público Federal para intervir no processo como fiscal da lei.
f) A intimação da Advocacia Geral da União para que atue no processo e a intimação da
autoridade coatora para que preste informações no prazo de 48 horas.
OAB SP 201.790
Bruna Angotti
OAB SP 317.688
André Ferreira
OAB SP 346.619
Luciana Gross Cunha
RG 21.516.301-1
Nathalie Fragoso
OAB SP 338.929
OAB SP 389.211