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Inês Pedrosa, jornalista e escritora, nascida em Coimbra, em agosto de

1962 é um dos nomes mais importantes da literatura contemporânea


portuguesa e ainda encontra tempo para ser a Diretora da Casa
Fernando Pessoa. Fazes-me falta foi lançado originalmente em 2002 e
tornou-se sucesso de público e crítica em Portugal onde vendeu mais de
cem mil exemplares, apesar de não ter as características normalmente
encontradas em um best seller, muito pelo contrário.

O romance é estruturado na troca de monólogos entre um homem e uma


mulher que relembram, cada um a seu modo e conforme o próprio
entendimento, o relacionamento passado à partir de um evento
marcante: a morte inesperada da mulher. Na verdade, ela tem certa
vantagem na narrativa porque consegue observar todo o tempo o
comportamento do antigo parceiro mesmo depois de sua própria morte,
como na excelente passagem: "De quem é esta morte encenada em
caixão? De onde vem esta febre fria que me sela a boca? Luto para fugir
desta caixa onde me expõem e me lamentam. Se ao menos soubessem
rezar. Pai Nosso, eu não quero já o céu. Aos vivos, incomoda-os o cheiro
dos mortos. Por isso o sufocam em flores, incenso, velas, tudo o que
possa manter esse cheiro longe do corpo concreto, ainda carne, ainda
quente. No lugar dos mortos, é o medo que enjoa e entontece. O medo
que os vivos têm de mim agora, do futuro que lhes anuncio, vestida para
enterrar. Esse medo cria ondas de calor, ondas enevoadas, que a luz das
velas, a baba dos sussurros amplia.".

O relacionamento dos protagonistas com todos os acertos, enganos,


encontros e desencontros, tem uma particularidade: não vive da paixão e
do desejo, mas sim da amizade. No entanto, mesmo a amizade parece
nada significar quando ela não consegue seguir a sua "morte" e ele não
entende mais a sua "vida" sem ela. Inês Pedrosa descreve com perfeição
este sentimento no seguinte trecho de um dos monólogos da mulher: "Tu
eras tão mulher como eu, eu era tão homem como tu — e cada um de
nós tinha sexo, claro, tudo entre nós era sexo, sexo sublime, sem ranger
de molas, desgaste de corpos, sem o melancólico ritual do frenesi e do
repouso que reduz a paixão a cinzas.".

O mais surpreendente nesta original alternância da narrativa ente o


homem e a mulher é a forma como Inês Pedrosa dá credibilidade à fala
masculina ou feminina. Assim é que a mesma ideia da amizade sem
paixão é descrita, desta vez pelo homem, na seguinte passagem:
"Enroscaste-te em mim e começaste a coçar-me as costas, muito
devagar. Dormimos muitas e muitas vezes assim — e nunca, nem por
um segundo, pensamos em fazer aquilo a que os inocentes chamam
sexo. Falávamos muito disso, sim — desse ato a que as pessoas vão
chamando sexo ou amor consoante as conveniências e as
circunstâncias. Esse ato que as pessoas vão repetindo até à mais
exaustiva solidão.".

Inês Pedrosa conseguiu, com muita poesia, escrever um romance sobre


perda e solidão que é difícil de se esquecer e que, certamente, irá te
pegar desprevinido(a) quando descobrir o quanto de igual existe nesta
relação de paixão e amizade entre um homem e uma mulher.

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