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GAFOS, A. I. A grammar of gestural coordination.

Natural language and linguistic


theory, v. 20 (2), p. 269–337, 2002.

Referências relevantes

Bloomfield, Leonard. 1933. Language, Holt, Rinehart and Winston, New York. [Fala
sobre “abertura vocálica”, seu nome para vogal intrusiva]
Browman, Catherine P. 1994. ‘Lip Aperture and Consonant Releases’, in Patricia Keating
(ed.), Phonological Structure and Phonetic Form, Papers in Laboratory Phonology
III, Cambridge University Press, Cambridge, pp. 331-353.
Browman, Catherine P. and Louis Goldstein. 2001. ‘Competing Constraints on
Intergestural Coordination and Self-Organization of Phonological Structures’, Les
Cahiers de l'ICP, Bulletin de la Communication Parlée 5, 25-34.
Catford, John S. 1988. A Practical Introduction to Phonetics, Clarendon Press, Oxford.
[Na página 118, define transição aberta e fechada]
Gafos, Adamantios I. and Linda Lombardi. 1999. ‘Consonant Transparency and Vowel
Echo’, in P. Tamanji, M. Hirotani, and N. Hall (eds.), Proceedings of NELS 29, GLSA,
University of Massachusetts, Amherst, pp. 81-96.
Anotações

- Falar: “orquestrar diferentes órgãos da fala no trato vocal conforme seus movimentos se
desdobram no espaço e no tempo” (p. 269).

- Modelos tradicionais concebem a fala como uma sequência linear de segmentos, em que
cada unidade ocupa um slot temporal próprio.

- Propõe-se a necessidade de mudança de autossegmentos estáticos para gestos


dinamicamente definidos. Entenda-se como dinamicidade a propriedade capaz de fazer
com que algo se modifique com o tempo.

- Conforme um gesto se desdobra no tempo, é possível observar certos pontos de


referência (landmarks), que constituem as estruturas temporais internas de um gesto e a
partir das quais os gestos estabelecem relações temporais entre si. Assim, o offset de um
gesto pode estar coordenado com o onset de outro, por exemplo.

- Principal argumento do trabalho: “a representação fonológica inclui informação a


respeito da orquestração temporal dos gestos que constituem consoantes e vogais”
(p. 270). Ou: “princípios ou restrições na gramática referem-se às relações
temporais entre os gestos”.
- O conjunto de landmarks compõe a estrutura interna de um gesto. A organização
temporal é composta por relações de coordenação entre os gestos.

- Página 271:

- P. 272: para que uma sequência de consoantes homorgânicas tenha soltura, ou seja, VI,
é necessário que o alinhamento dos gestos seja offset release = onset, a fim de que um
gesto termine plenamente antes do próximo começar. Se a combinação for center-C =
onset, a organização clássica para que ocorra VI, o segundo gesto já estará no alvo no
onset, o que fará com que o articulador se mantenha no lugar e nenhuma soltura seja
percebida. Dessa forma, é possível atestar que a sobreposição de gestos idênticos é
evitada, uma atualização do Princípio do Contorno Obrigatório (OCP).

- A organização em d), na página 271, expressa onsets complexos em línguas como o


inglês, em que a presença de VIs não é atestada. Bloomfield (1933) classifica esses casos
como transições fechadas. Não há, neles, espaço entre as consoantes para a percepção de
elementos vocálicos intrusivos.

- P. 275: o gesto é definido espacial, temporal e dinamicamente. O aspecto espacial diz


respeito ao alvo articulatório necessário para a produção de um som. Os diferentes gestos
contrastam quanto às variáveis do trato, que são organizadas segundo o local da
constrição (CL) e o grau da constrição (CD). O aspecto temporal diz respeito ao
desenvolvimento do gesto ao longo do eixo do tempo. Pode ser caracterizado pela
formação de um início do movimento, seguido por um estágio de obtenção da constrição
máxima e, após um período de manutenção dessa articulação, um estágio de soltura. O
aspecto dinâmico refere-se ao modelo matemático utilizado para gerar o movimento de
um gesto. Trata-se de uma teoria que dá conta dos sistemas que mudam ao longo do
tempo. Do ponto de vista dinâmico, pode-se dizer que, independente das condições
iniciais do sistema, ele é capaz de atingir os valores alvo, propriedade conhecida como
equifinalidade. Os gestos, assim, são autorreguláveis, ou seja, são capazes de corrigirem
rotas e superar obstáculos a fim de atingir a forma alvo, conforme explica [AUTOR DA
TEORIA DINÂMICA].

- p. 277: Aspecto importante na proposta de Browman e Goldstein: “as relações temporais


entre os gestos são explícitas na representação”. Essas relações são representadas em
pautas gestuais, modelos que simulam a magnitude e a extensão de cada gesto envolvido
em uma determinada produção, ressaltando, acima de tudo, a relação temporal entre esses
gestos.

- P. 278: a coordenação gestual é dada pela organização das diferentes landmarks entre
si.

- Na proposta de gramática realizada neste trabalho, as landmarks, ou pontos de


referência, têm papel fundamental, porque é a partir delas que será possível propor uma
coordenação entre diferentes gestos. Propõe-se, dessa feita, que dois gestos se encontrem
em uma relação de coordenação quando haja sincronia entre uma landmark do gesto 1 e
outra landmark do gesto 2. Para tanto, o autor se utiliza das restrições de alinhamento
propostas por McCarthy e Prince (1993), as quais, previamente utilizadas para dar conta
de parâmetros espaciais, passam a dar conta de parâmetros temporais.

- p. 279: O alinhamento entre os gestos pode adotar parâmetros categóricos ou gradientes.


Os categóricos atribuem informações de alinhado/não alinhado, enquanto os gradientes
utilizam-se de graus de alinhamento, fornecidos por distâncias entre as landmarks.

Capítulo 3: Restrições de coordenação na fonologia do MCA (árabe marroquino


coloquial)

- Objetivo do capítulo: “propor a forma de uma gramática de coordenação gestual e os


tipos de fenômenos linguísticos que essa gramática subjaz” (p. 282).

- Para propor essa teoria, o autor se utiliza dos dados do árabe marroquino, conforme
descrito por Heath (1987). São analisados os casos de formação templática de palavras,
focalizando as relações de coordenação entre consoantes no final e no meio de palavras,
bem como em contexto intervocálico.

- No MCA, uma sequência consonantal no final de palavra é produzida com um elemento


vocálico em seu interior, de natureza do tipo schwa. Apesar de presente tanto em
sequências hetero quanto homorgânicas, o autor afirma haver diferenças
comportamentais entre os dois casos, o que geraria também diferenças na gramática das
línguas.

* Sequências heterorgânicas

- Assim como verificado pela maior parte dos autores, a emergência do elemento vocálico
não ocorre em taxas altas de elocução no MCA (p. 283).

- Transição aberta: segundo Catford (1988), ocorre quando a constrição da primeira


consoante é desfeita antes do início da segunda, gerando um período sem constrição no
trato oral (p. 283).

- A coordenação, segundo o autor, se dá apenas entre os gestos orais. Os gestos vélico e


laríngeo são coordenados apenas com o gesto oral do mesmo segmento.

- Definição formal de coordenação intersegmental:


- Gafos (2002) fornece uma possível explicação para o desaparecimento do elemento
vocálico em taxas de elocução altas.

Podemos hipotetizar que, além de um certo nível de taxa de elocução, a


constrição referente ao gesto do segundo C é atingida rápido demais a ponto
de haver um curto ou nenhum período de tempo no trecho em que nenhuma
constrição está ocorrendo no trato. Isso equivaleria à ausência de schwa (p.
286).

- Tal hipótese foi testada no GEST, modelo computacional desenvolvido no Haskins


Laboratories, por meio do aumento dos valores da rigidez (stiffness), o que gera um
aumento na taxa de elocução do programa. Observou-se o desaparecimento do período
de soltura após um período crítico de rigidez.

- Página 287: uma relação de coordenação pode ser entendida como uma invariância
relacional entre dois gestos, que podem ter consequências acústicas diversas, como a
presença de um elemento vocálico. [Pergunta: esse conceito não se aproxima daquele que
pretendo usar a respeito de segmento? Um segmento, naquela perspectiva, poderia ser
entendido como uma relação estável entre um conjunto de gestos. Como ficam os
segmentos compostos por um único gesto?]

- Essas consequências acústicas dependem de alguns fatores: se o encontro consonantal


for homorgânico, não haverá liberação acústica, ao contrário de encontros heterorgânicos,
em que tal liberação será constatada. Em altas taxas de elocução, mesmo encontros
heterorgânicos serão desprovidos de liberação [no MCA].

- Análises do fenômeno interpretando o elemento vocálico como uma vogal plena


encontram dificuldades ao explicar o motivo pelo qual esses elementos somem em altas
velocidades de fala. Regras que se apliquem apenas nesses ambientes parecem não
atestadas nas línguas do mundo.

* Sequências homorgânicas

- No MCA, sequências de consoantes homorgânicas também mostram a soltura de um


elemento vocálico, assim como sequências heterorgânicas. Sua organização gestual,
entretanto, não pode ser c), uma vez que, nesse caso, no momento de ativação do onset
do segundo gesto, o articulador já estaria na posição alvo, já que essa coincidiria com o
centro-c do primeiro gesto. Dessa forma, a coordenação entre esses dois gestos entra em
conflito com o Princípio de Contorno Obrigatório (OCP).
- Na versão gestual de OCP, a sobreposição de gestos orais de segmentos com sonoridades
iguais é proibida. Na versão autossegmental, a proibição recaía sobre elementos
adjacentes, e não sobrepostos.

- Importante expor que, de acordo com proposta Browman (1994), tão importante quanto
definir dinamicamente o movimento do gesto em direção ao alvo, é defini-lo em
afastamento alvo, com a tendência natural de retornar à posição de repouso.

- Controle de regime ativo do gesto: intervalo entre as landmarks de onset e release offset.
Após o offset, é possível que ainda haja movimentos motivados pela inércia biomecânica
ou por outros gestos contíguos. “Entretanto, esses movimentos não são parte do objetivo
linguisticamente significativo do gesto associado” (p. 292).

- Identidade gestual: dois gestos serão considerados idênticos se eles empregam o mesmo
articulador e têm os mesmos valores para CL (constrition location) e CD (constrition
degree).

- Nos dados do MCA, observa-se que gestos orais possibilitam uma coordenação
segmento-segmento, o que evidencia o fato de que não apenas gestos são coordenados,
mas também segmentos. Nos casos em que OCP bloqueia uma dada sobreposição de
gestos orais, por exemplo, observa-se que os gestos velares e glotais que compõem aquele
segmento acompanham o deslocamento do gesto oral, o que parece revelar a existência
de uma organização estável entre os diferentes gestos que compõem o segmento. Essa
visão vai ao encontro do autor citado por Hall, que define o segmento como um conjunto
temporalmente estável de gestos.

- Em suma, OCP atua, do ponto de vista gestual, evitando a sobreposição – e não a


sequência, como na fonologia autossegmental – de gestos orais idênticos. A solução para
tal evitação muitas vezes é o deslocamento do segundo gesto, criando um período de
soltura entre as duas consoantes. Os gestos velar e glotal, quando ativos, acompanham o
deslocamento do gesto oral, revelando o caráter estável dos gestos que compõem o
segmento.

Sequências com soâncias diferentes (mas com gestos orais iguais)

- Exemplos: /dn/, /dl/, /sl/, /rt/, /nt/, /tl/

- No MCA, diferentemente do que ocorre nas sequências de igual soância, em que os


elementos vocálicos transicionais são sempre verificados, nas sequências com soâncias
diferentes, tais elementos são passíveis de desaparecimento em altas taxas de elocução,
apesar de igualmente serem verificados em taxas mais baixas. Ou seja, segmentos com
gestos orais iguais mas soâncias diferentes não demonstram evitação em sobrepor-se.

- O autor remete a Browman e Goldstein (1989, pp. 235-242) e Bird (1995, p. 125) para
dar conta do conceito de soância [sonorant] sob um ponto de vista gestual. Pode ser útil
para explicar porque combinações de soantes com plosivas são mais verificadas nas
línguas.

* Satisfação dos templates

- O autor argumenta que a estrutura de preenchimento de templates no MCA obedece a


restrições de sensibilidade a uma gramática de coordenação gestual. Ou seja, a
coordenação gestual faz parte da gramática da língua, como o comprovam as restrições
de preenchimento de certos templates, que são sensíveis ao ordenamento gestual.

- O autor atesta que uma gramática de coordenação gestual prediz adequadamente a


ocorrência de vogais mediais copiadas para satisfazer o template. Para tanto, compara
essa abordagem com abordagens não-temporais, buscando atestar a melhor explicação
dos fatos por meio das abordagens temporais.

- P. 304: O conjunto de restrições temporais estabelecido por Gafos é capaz de explicar,


com um único ordenamento, a regra default e a exceção, o que não pode ser estabelecido
pelas propostas atemporais.

*Inseparabilidade das geminadas

- Geminadas são conhecidas por sua integridade, ou, em outras palavras, por sua
inseparabilidade. Na formação de palavras templática, entretanto, a geminação foi pouco
estudada; no MCA, por exemplo, geminadas são separáveis nesse processo.

- Tanto no caso da falha de consoantes finais se duplicarem na formação templática de


palavras quanto no caso da não divisão de geminadas em sequências CC finais, a
explicação é a mesma: um final [CəC] é evitado porque necessita de uma relação temporal
diferente da de CC-coord.

* Abordagens alternativas

- Modelos atemporais explicam que a presença do schwa em CCs finais não constitui um
fenômeno fonológico profundo, mas, antes, uma regra de epêntese tardia. Por meio dessa
explicação, segundo o autor, não seria possível explicar a formação de diminutivos
adjetivais, pois o preenchimento dos templates, regra precoce, necessitaria de
informações a respeito de restrições provocadas pela regra de inserção do schwa, tardia.
Assim, o modelo atemporal falharia em dar conta desse fenômeno (p. 315).

- A explicação do autor para a falta de transição no interior de uma geminada recai sobre
o fato de que essa não é constituída por dois segmentos, mas por um único, longo. Dessa
forma, pressupor um elemento vocálico no interior de uma geminada equivaleria a
pressupô-lo no interior de um segmento simples.

* Clusters iniciais

- Recapitulando o fato básico que deu início ao artigo: clusters pós-vocálicos nos
templates são realizados com um schwa transicional. Em posição pré-vocálica, entretanto,
tais schwas não são verificados. O autor busca mostrar que essa assimetria “é uma
consequência da otimização dos conjuntos gestuais sob o conjunto de relações
coordenativas anteriormente apresentadas” (p. 316).

P. 316:

- C1 e C2 estabelecem uma relação de coordenação CV com o gesto vocálico. Nas


consoantes pós-vocálicas, apenas C3 apresenta a mesma relação. Essa é uma importante
hipótese de Browman e Goldstein (1988), segundo Gafos.

- Essas informações convergem com os apontamentos de Browman e Goldstein de que


os gestos de consoantes em onset demonstram menos variabilidade do que aqueles em
coda. A relação da vogal nuclear com o centro-c das consoantes em coda, por exemplo,
não é verificada de maneira estável, ao contrário do que o é com as consoantes de onset.
Assim, pode-se inferir que, enquanto no onset as duas CC são coordenadas entre si e com
o gesto vocálico, na coda a coordenação com a vogal se dá apenas pela primeira C e a
relação entre CC é mais fraca do que em onset.
- Essa aparentemente – não entendi perfeitamente – seria a explicação para a emergência
da transição vocálica apenas em coda, no MCA. A atração de C3 pela vogal faz com que
haja uma menor coordenação de C3 com C4, resultando na maior abertura entre elas
[REVER!] pp. 317-318.

* Clusters intervocálicos

- Observação de clusters intervocálicos em templates do MCA revelam não haver schwa


transicional entre eles em contextos hetero ou homorgânicos.

- Em uma sequência CVVC, há um certo grau de sobreposição entre as duas vogais.

- Trabalhos como o de Smith (1991, 1993) demonstram que as línguas parecem assumir
diferentes topologias de relações VV. No italiano, por exemplo, independentemente do
número de consoantes entre duas vogais (VCV ou VCCV), a temporalidade das vogais é
a mesma. Diferentemente, no japonês, o autor verificou que o número de consoantes afeta
a temporalidade das vogais.

* Recapitulando o argumento principal

- P. 327: “o mais importante precursor da orquestração temporal em fonologia é a noção


de linhas de associação na fonologia autossegmental (...). Nas palavras de Sagey, ‘linhas
de associação implicam algum grau de coordenação no tempo’”.

- A proposta de Gafos é a de que a temporalidade não é meramente uma implementação


fonética, como era proposto na fonologia autossegmental, mas, pelo contrário, faz parte
da gramática e da própria cognição linguística.

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