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Eridan Passos
construir novos conceitos que dêem conta do mesmo. A outra questão investiga a
sujeito?
Por agora, cabe reter que a análise aqui desenvolvida tem um visar
sua incansável fuga para a frente, simbolizada na idéia de progresso, a sua busca
absolutamente atual.
Mas entendemos, como colocado por Luis Carlos Fridman, que estão
indicando “de que lado estamos”, devemos logo de início colocar duas premissas
a história não nas condições que querem mas nas condições que lhe são dadas,
por certo pretende pôr limites ao voluntarismo inconseqüente. Mas não elimina a
Santos, deixamos claro que estamos falando de/para sujeitos orientados para
portanto uma linha de pensamento que se despede – não sem algumas lágrimas
de sofrimento – dos “grandes relatos”, entre os quais aquele que foi apropriado
pelo marxismo – que tornava inexorável o caminho para o socialismo. A crise final
pensável, o que virá depois dele terá que ser construído. O futuro, sendo uma
Mas ao se definir por um pensamento que não pode mais submeter-se aos
“grandes relatos” ,não exclui de dentro de si “um sonho de futuro”. Como conciliar
concreto e um “sonho de futuro” que nos lança para fora do que existe?
que nada se transforma por força da ação humana sem um projeto de futuro. Mas
Propugnamos uma prática política que, a cada momento, se pergunte pela sua
mesmo processo. As estruturas não mudam sem que os homens mudem mas os
homens não mudam sem que as estruturas mudem. É uma falsa questão priorizar
um dos pólos.
apenas no campo da cidadania, das relações dos indivíduos com o Estado, mas
deles. O conteúdo dessa prática não está dado, seus contornos são inimagináveis
a priori. Por isso é uma prática em permanente construção e sem solução final.
Como diz Boaventura de Souza Santos, no último parágrafo de seu livro, A Critica
da razão Indolente, “não é uma tarefa fácil nem uma tarefa que alguma vez possa
GLOBALIZAÇÃO
2
Santos, Boaventura de Souza Santos. A Critica da Razão indolente: contra o desperdício da experiência. São
Paulo, Cortez Editora, 2000, pág. 383
Partimos da análise da globalização porque ela é uma palavra-fetiche da
atualidade. Por isso mesmo tem seu lado perverso, porque mais esconde que
sociedade.
com todos os “efes” e “erres” que a era do globalismo ainda é a era do capital: “da
3
Melllo, Alex Fiuza. Marx e a Globalização.São Paulo, Boitempo Editorial, 1999 , pág 255
todas as raças, credos e nações, em todo o globo, a um mesmo e único senhor.
Uma era em que o capital em geral- como uma gigantesca força social de
para produzir o que quer – assume, com uma força sem precedentes , uma
texto acima, formulada a partir da leitura de Marx, é que o globalismo (termo que
verdade é que o mundo em que vivemos é cada vez mais dominado pelo capital e
pela lógica da mercadoria, o que faz com que, longe da ilusão do pós-capitalismo (
“fim da história”, uma idéia cara a certo tipo de pensamento que pretende
demonstrar que a história da luta de classes, ainda que sob novas roupagens,
cuja dinâmica define determinações mas também abre possibilidades? Não seria o
caso de se perguntar se seu conceito não deveria ser mais sensível às suas
6
Idem, ibidem, pág 197/198
7
Idem, ibidem, pág. 265
8
Idem , ibidem pág 259/260
Valemo-nos aqui da análise feita por Boaventura de Souza Santos 9.
processo pelo qual determinada condição ou entidade local estende sua influência
outra condição social ou entidade real” 10. Partindo dessa definição de globalização
contribuem decisivamente para uma cultura mundial da droga, mas eles próprios
lugares exóticos hoje têm de vincar seu caráter exótico e tradicional para serem
globalização passa a ser diferentes conjuntos de relações sociais que dão origem
9
Santos, Boaventura de Souza .As tensões da modernidade(cópia xerox) Texto publicado no site do Forum
Social Mundial, realizado em Porto Alegre, em janeiro/2001.
10
Idem, ibidem, pág 4
11
Idem, ibidem, pág 5
Para Boaventura de Souza Santos há quatro modos de produção da
imperativos transnacionais nas condições locais, as quais são por essa via
maciça dos recursos naturais para pagamento da divida externa; uso turístico de
sem dúvida, torna o conceito mais complexo. Mas, ao mesmo tempo, nos faz ver a
que se somos “do mundo”, não vivemos “no mundo”. Quando acordamos, não
Iorque ( alguns poucos têm essa vivência de compressão de tempo e espaço, mas
participamos do dia a dia local, por mais ligados que estejamos na Internet.
Portanto é aqui -e não lá ou acolá – que vivemos. É aqui e não lá ou acolá que
numa luta concreta aqui? O que nos interessa, por exemplo, pertencer ao
para o nosso ambiente? Portanto, em meu entender, a globalização não nos faz
outros seres humanos distantes. Mas pode trazer também, e esse parece ser o
verdades oraculares, elas têm de ser criadas – e o respeito pelas diferenças, por
outro pode gerar e aumentar o nível de insegurança. Nem a abertura para o outro
é uma conseqüência automática do acesso a outras experiências. Como diz
inteligíveis umas para as outras, sem o que o resultado pode ser não a partilha e
do nosso corpo àqueles que administram nossas mentes e bens. Na verdade não
utilizamos, sem que sejamos capazes de qualquer visão crítica sobre o mesmo. A
globalização é uma visão mais clara dos grandes implicações do processo atual,
preciso dirigir nosso olhar atento para o que ocorre no âmbito da infra-estrutura
econômica e não nos deixar iludir pelas miragens das “novidades” . Se queremos
chamar a atenção para o fato de que qualquer transformação só ocorrerá quando
o capitalismo desaparecer da face da terra – não temos por que nos contrapor, em
explica” e portanto tende a ser vista como determinada, não há como estender
este olhar para o presente e muito menos para o futuro. Esse tipo de argumento
sociais e, como tal, tem uma dinâmica que resulta do próprio fazer histórico do
Nessa perspectiva, dizer que o fundamento último é a economia pouco diz sobre a
ação. Até porque , numa escala mínima, há de se pensar, numa prática política
imaginar que as leis tendenciais que apontam para o fim do capitalismo são leis
instaurou-se a incerteza.
atualidade , mudanças essas que têm sido objeto do chamado pensamento pós-
PÓS-MODERNIDADE
discussões inócuas – num conceito tão amplo cabe qualquer coisa 12, não basta
construção de teorias que os iluminem ? Luis Carlos Fridman cita alguns desses
quem diga que ainda estamos em plena discussão da modernidade. Que seja.
pensamento, gerado na crise da modernidade, que quer dar conta das novas
vida humana ( mesmo na sua face esquerda, a marxista, que na sua utopia do
coisas).
13
Fridman, Luis Carlos. Op. cit. pág. 14
14
este entendimento da Modernidade se baseia na análise feita por Boaventura de Souza Santos, no seu livro
Crítica da Razão Indolente: contra o desperdício da Experiência, principalmente na Introdução à Parte I
técnico-instrumental da ciência e da tecnologia; da racionalidade moral prática da
ela não foi capaz de cumprir suas promessas ( sejam as promessas de igualdade,
modernidade.Há pois que aceitar o que existe. Mas haveria uma outra vertente do
15
Idem, ibidem, págs 29 e 37
16
Fridman, luis carlos. Vertigens Pós-Modernas: Configurações Institucionais Contemporâneas.Rio de
Janeiro, relume dumará, 2000.
produção de narrativas midiáticas cria uma “realidade à parte” e constitui o
outras coisas além daquelas que puderam ser lidas através de O Capital. Elas não
economia num processo que não ocorria antes e pessoas talentosas criam
antes não colonizadas pelo universo das mercadorias. Vendem-se estilos de vida,
modos de existir ou estar no mundo e não apenas produtos. Além de seu papel no
histórico.
pela administração da vida coletiva em dimensões cada vez mais amplas. É uma
insegurança.
laços permanentes. Ao lado desses e cada vez maior, o mundo dos “excluídos”
lúmpem, pessoas sem lugar na sociedade, oriundas das mais diversas classes.
Este refugo global está em toda parte ( há um “Sul”no Norte, tanto quanto há um
Norte no Sul).
de experiências e sensações” ·.
dos indivíduos? Até que ponto essas novas configurações apontam para um
“outro lugar” das lutas políticas, que agora já não se efetivam através do
parte do texto.
17
Idem, ibidem. Pág 20
Quais as possibilidades de uma prática política contra-hegemônica e quais
os agentes sociais que podem realizar essa prática? Embora saibamos que
entendemos que o futuro – do qual pouco, ou nada, sabemos - virá, mas não
nada e gozar o prazer do momento. Essa razão indolente está presente no mundo
por se sentir inerme perante a necessidade ( que ela imagina que lhe é totalmente
exterior, e não fruto de sua própria história, construída por ela mesma e portanto
passível de ser transformada também por ela); e a razão displicente, que não
começar algo novo e conseqüentemente não nos colocamos ao lado daqueles que
reprodução funcional não possa ser garantida a priori ou para sempre. Pelo
18
Santos, Boaventura de Souza Santos. A crítica da Razão indolente: contra o desperdício da experiência. Pág
262. Boaventura define seis espaços estruturais( o doméstico, o da produção, o de mercado, o da cidadania, o
da comunidade e o espaço mundial) autônomos e articulados, cada um gerando suas formas específicas de
poder, direito e de conhecimento e constelações jurídicas, políticas e epistemológicas que caracterizam a
sociedade como um todo.
19
Santos, Boaventura de Souza . A crítica da Razão indolente: contra o desperdício da experiência. Pág
308/309
capitalistas do sistema mundial são constituídas por seis espaços estruturais, seis
minimalista, uma ordem tolerante para com o caos, um princípio ordenador que
criatividade.”20
não muito diferente , senão ainda mais confuso, se apresenta quando se pretende
Esta questão nos parece relevante na medida em que através dela se discute o
lugar das práticas políticas contemporâneas: se ele passou para o plano mundial,
20
idem, ibidem, pág 325
Iniciando a discussão e sem pretender esgotar o tema, apresentamos aqui
o pensamento de Antonio Negri e Michael Hardt que, em livro de sua autoria, com
Global. O livro foi resenhado pela revista Mais (Folha de São Paulo, em
24.09.2000) que também apresenta uma entrevista com os autores e dois artigos
sentidos: no sentido espacial, nada está fora de seu domínio; no sentido temporal,
havia uma luta entre estados- Nação europeus, cada um pretendendo estender o
seu domínio sobre outras nações e territórios. O Império atual é único e não tem
Estados Unidos tem um papel privilegiado, seguido do grupo dos G-7. Vêm depois
êxodo é a única via de liberação que o Império nos deixou. Êxodo, resistência e
trabalhadores intelectuais. Diz Negri: “Não creio que existam propostas que a
esses sujeitos, a essa multidão, possam ser feitas. Pode-se no máximo pedir a
Império. Diz ele que a primeira é não tentar girar para trás a roda da história . Para
mundo da vida, pode gerar formas de contrapoder que são alternativas ao vazio
de sentido produzido e reproduzido pelo capital. Uma vez que o poder constituinte
comunista é andar por aí como um São Francisco redivivo. Não é por acaso que
os autores evocam um santo da Idade Média. Não se deve esquecer que por ser
reencontrar nele uma nova fé. A forma que terá o Contra-Império nascerá da
21
Folha de São Paulo, Revista MAIS, 24.09.2000
O outro artigo é de Slavoj Zizek. Considera o livro como pré-marxista porque não
qualquer observador mais atento. Entendo essa configuração mais como uma
análise de uma ordem “geopolítica” mundial do que uma tentativa bem sucedida
transformando-a indevidamente num quadro conceitual? Por outro lado, sua visão
questões da contemporaneidade.
passa pela maior autonomia dos indivíduos, liberto dos entraves das tradições e
quadro.
que só faz destruir as estruturas tradicionais sem oferecer em troca para a maioria
para dois terços da humanidade como uma longa e tortuosa travessia, sem luz ao
formas de consciência social que vão sendo forjadas também elas em escala
modernidade, erosão essa que levaria à submissão dos estados a uma estratégia
nós, faz mais sentido uma análise que privilegie não a erosão mas a tensão entre
vencedor e vencido nem esta batalha teve ainda um fim nem mesmo se sabe qual
será. Faz mais sentido falar, como Boaventura de Souza Santos, de espaço
mundial como “ matriz organizadora dos efeitos pertinentes das condições e das
tenta se revestir de uma conotação de política mundial. Mas, pergunta com muita
22
Mello, Alex Fiuza. Ibidem. Pág 263/265
23
Santos, Boaventura Souza . A crítica da Razão indolente: contra o desperdício da experiência. Pág 278
conseqüentemente “local”, no sentido de que pensar a cultura é pensar a
Mesmo uma análise mais restrita do jogo político entre Nações, o que se
Estado” que regionalizam o poder para fortalecer-se. É claro que se pode dizer
os entraves à exploração capitalista que hoje, sem dúvida, invade todo o globo.
24
Ele dá uma resposta a este dilema no texto As tensões da modernidade, já indicados em nota anterior. O que
nos interessa aqui é mostrar como ele aponta nào para uma eliminação do estado-Nação mas par uma tensãp
entre os dois polos: estad0-naçào e sistema mundial
Um exemplo recente e muito badalado me ocorre agora: a recepção
Porto Alegre, que pretendeu aglutinar interesses contra a globalização tal qual
afirmativa poderia nos levar a concluir que realmente estaria surgindo o “agente de
muito esclarecedora: disse ele que sua postura era de defesa de todos os
uma prática local - porque conclui ele, assim como os agricultores franceses
devem proteger sua produção, cada um dos países deve fazer o mesmo. Usando
locais) com uma prática política local. O direito abstrato pode ser geral – direito de
uma amplitude nunca antes vista, não podemos falar de um Estado Mundial,
mundial, até mesmo uma conformação geopolítica, mas muito longe ainda de
para essa direção. Mas ainda estamos muito longe da mundialização da política.
do outro a maioria dominada dos proletários, tal como imaginado por Marx, com a
momento – a essa radicalização. Muito pelo contrário, o que se viu foi de um lado
lúmpen, de uma massa de excluídos que já não tem mais lugar em nenhuma
Apenas a destruição. Ele não tem futuro e sua única opção política é continuar
vida pelo capitalismo, que invade todas as dimensões da vida social e das
25
Fernando Haddad, cientista político, em entrevista concedida ao grupo teatral Companhia do Latão,
transcrita na revista Vintém, publicada pelo mesmo grupo, número IV, indica três classes de não-proprietários:
classe do proletariado tradicional, o lúmpem moderno e a classe dos trabalhadores intelectuais, contratados
pelo capital não para produzir mas para criar, inovar, pesquisar. Dependendo da questão em jogo, esses grupos
fazem alianças pontuais com a burguesia. A tarefa política é costurar politicamente um discurso qeu consiga
responder a interesses emancipatórios dessas três classes .E conclui, já que tem uma visão otimista de uma
prática política transformadora: “O papel daqueles que se dedicam à política e querem mudar o mundo pela
política é olhar para a ação dos que não têm propriedade, observar o que eles criam de novo, nos mutirões, nas
cooperativas, onde quer que seja, e tentar orquestrar a universalização, quando possível, daquilo que parece
particular”( Revista Vintém , pág.19)
Há assim, também do lado das classes sociais, uma fragmentação, uma
neste mundo global que não o é? Como, num mundo globalizado, mas
polarizado entre culturas “intraduzíveis” umas nas outras, podemos falar em lutas
concretas globais, a não ser pontualmente, caso a caso, desde que sejamos
certamente pouco terá a ver com o universal Iluminista, mas um universal plural,
ou,para usar um slogan zapatista, “um mundo onde caibam vários mundos”.
tempo-espaço. São pessoas cuja casa é “o mundo”. Mas esses não estão
maiores beneficários da situação atual. É certo também que há outros que “como
cidadãos do mundo” têm uma visão crítica. Penso num Sebastião Salgado, esse
excluídos. Seu papel certamente é dar visibilidade ao mundo “tal qual é”. Mas o
mundo tal qual deve ser (o que quer que isso signifique) não pode ser produzido
ponto de chegada.
26
Santos, Boaventura de Souza. A Crítica da Razão Indolente: contra o desperdício da experiência. Ver
principalmente o capítulo 1
Para ele, deve-se trabalhar pela superação da crise epistemológica atual-
reconhecimento da intersubjetividade
Mas quem promoveria a mudança? Aqui entra o segundo pilar da
seja, ele habita os lugares onde ainda é possível “escavar” o que a modernidade
homem barroco, que vive na suspensão da ordem e dos cânones; no aqui e agora
insuportáveis da liberdade. Por outro lado, por não haver um lugar privilegiado da
política – todo poder é uma constelação de poderes - ele aponta para múltiplos
agentes de transformação.
Subjetividades rebeldes constroem práticas emancipatórias concretas,
práticas de outras estruturas, de modo que se possa criar “um novo senso
produzir uma nova familiaridade com o mundo. Para ele, não há emancipação.
retórica, que não trabalha com a mera persuasão – preocupada com a adesão
tudo – e por isso essa época se tornou tão fértil de deuses e deusas, em cuja
não porque o homem é o senhor do Universo, mas porque afinal descobriu que
tecnologia
Não terá chegado a hora de não mais esperar a crise final do capitalismo -
que não sabemos como ou quando virá – e tentar construir a cada momento uma
Boaventura de Souza Santos, um outro lugar, mas um “aqui”, uma utopia que seja
Há uma certa desolação no ar. Hoje o que mais se diz é: “é assim mesmo, o
que se há de fazer?” Porque não se tem certeza do que virá ou o que virá parece
pior do que o que existe, abdicamos de agir. Não temos mais esperança.
sonhou que seria possível surgir o paraíso na terra. E inútil para aqueles que
pensam que o futuro virá, seja ele qual for. Para os primeiros, talvez seja a hora de
pensar pequeno mesmo, pensar no que está próximo, naquilo que está a seu lado,
e, sem perder o contato com o “sonho do futuro” ,criar o futuro, aqui e agora. Para