Universidade Federal do Rio de Janeiro 27-01-2016 PORTUGAL COLONIAL Nada te devo nem o sítio onde nasci
nem a morte que depois comi nem a vida
repartida p'los cães nem a notícia
curta a dizer-te que morri
nada te devo Portugal colonial
cicatriz doutra pele apertada
(David Mestre, 1972)
ESPERA Existo acento de palavra, carapinha recordação áspera de monandengue, mapa de conversas na visitação da lua, grávida luena sentada no verso da fome.
aqui esqueço África, permaneço
rente ao tiroteio dialecto das mulheres negras, pasmadas na superfície do medo que bate oblíquo no quimbo quebrado.
num gabinete da Europa, dois geógrafos
vão assinalar a estranha posição dum poeta cruzado na esperança morosa das palavras africanas aguardarem acento.
(David Mestre, 1973)
IDENTIDADES a identidade ou o voo esquivo de pássaros nocturnos em torno da lua identidade é cor de burro fugindo (Arlindo Barbeitos, 1976) O que há aqui é ter-se a justa percepção do espaço e as importantes coisas que o sustêm: o exacto norte que o temor encerra; a votiva escravidão que o mar inspira; o leste e o som remoto de uma extinta glória; o sul magnético e a festa que anuncia. (Ruy Duarte de Carvalho, Decisão da idade, 1977) o sal do sul ao sol o sol em mãos do sul e mãos de sal ao sol O sal do sul em mãos de sol e mãos de sul ao sol um sol de sal ao sul o sol ao sul o sal ao sol o sal o sol e mãos de sul sem sol nem sal Para quando enfim amor no sul ao sol uma mão cheia de sal? (Ruy Duarte de Carvalho. A Decisão da Idade. 1977) Atento, desde sempre, às falas do lugar, nada sei dos sinais se os não confirmo no encontro da memória com a matriz, quando a carência impõe esforços de equilíbrio não entre o corpo e as formas que o sustém mas entre as margens de uma paragem breve. (Ruy Duarte de Carvalho, Hábito da terra, 1988) Não há lugar achado sem lugar perdido. Casam-se além, as falas de um lugar, no encontro da memória com a matriz. A ausência, só, impõe ao corpo a urgência do equilíbrio não entre o corpo e as formas da paisagem mas entre as margens da permanência a haver. [...] Os tempos do poema são afinal parcelas da cadência de que se faz o corpo do poema De que adianta iluminar-lhe o chão? (Ruy Duarte de Carvalho, Hábito da terra, 1988) SUBPOESIA Subsarianos somos sujeitos subentendidos subespécies do submundo subalimentados somos surtos de subepidemias sumariamente submortos do subdólar somos subdesenvolvidos assuntos de um sul subserviente. (José Luís Mendonça, 1997) Semeados um pouco por todo o lado de um vasto territorio existem santuários que, como marcos geodésicos da memória, estabelecem uma especial cartografia de sinais, histórias acontecidas. Ex-votos [...] alertam para o jogo sagrado [...] Ilhas de granito, lentas como certas tardes de calor e poeira, escondem, em ninhos muito afeiçoados, os textos sobrepostos a branco, vermelho e negro, que antigas sociedades da palavra deixaram nas paredes em baixo-relevo. Labirintos do gesto enquanto enleio e, como tal, texto sagrado. (Ana Paula Tavares, 2003) ORIGENS Guardo a memória do tempo em que éramos vatwa, os dos frutos silvestres. Guardo a memória de um tempo sem tempo antes da guerra, das colheitas e das cerimónias. (Ana Paula Tavares, 2001)