Escolar Documentos
Profissional Documentos
Cultura Documentos
Sobre Viola Quebrada PDF
Sobre Viola Quebrada PDF
∗
Joyce Elaine de Almeida é professora do Departamento de Letras Vernáculas e
Clássicas da Universidade Estadual de Londrina. Atua na área de Linguagem e
Educação na linha Ensino/Aprendizagem de Língua Portuguesa, no programa de
pós-graduação em Estudos da Linguagem.
91
the peculiar simplicity to country life. The research was based
upon the theoretical presuppositions from Sociolinguistics and
Historic Linguistics to analyze the data. At first the conceptions of
language, Portuguese language and Brazilian norm are
commented. Later the conception of linguistic variation is studied
and finally the Mario de Andrade’s composition is analyzed.
Linguistic resources such as figures of speech and linguistic
variations which turn the text into a record of rural life are
identified.
KEY WORDS: Linguistic Variation. Country Song. Rural Dialect.
92
a) uma forma pura, definida independentemente de sua
realização social e de sua manifestação material;
b) uma forma material, definida por uma dada realização
social, mas ainda independente do detalhe da manifestação;
c) um simples conjunto de hábitos adotados numa dada
sociedade e definidos pelas manifestações observadas.
93
Percebe-se, então, a existência de várias normas no
Brasil, que caminham ao lado da norma culta, numa relação de
conflito com esta, a qual diz respeito à
94
O prestígio da cultura francesa em Portugal
permitiu a influência, em território luso, dos novos padrões
civilizados, que, como marcas de distinção de classe,
encontraram condições favoráveis de propagação devido à
estrutura do estado português, controlado por um reduzido
grupo vinculado à monarquia. (VITRAL, 2001, p. 307)
95
língua portuguesa utilizada no Brasil. Tal fato constitui a variação
lingüística.
2. Variação Lingüística
96
mesmo objeto; ou o morfossintático, como a distribuição regional
do emprego do pronome “tu/você”.
Há também as alterações na linguagem resultantes dos
diferentes estratos sócio-culturais, denominadas diastráticas e
que podem ser comprovadas com estudos comparativos entre
falantes alfabetizados e analfabetos, por exemplo.
Finalmente existem as variações diafásicas, que, segundo
o estudioso, são as distinções entre os diversos tipos de
modalidade expressiva. Para o autor, “as variedades lingüísticas
que caracterizam – no mesmo estrato social – os grupos
‘biológicos’ (homens, mulheres, crianças, jovens) e os grupos
profissionais podem ser consideradas como ‘diafásicas’.”
(COSERIU, 1980, p. 110-111). Cabe ressaltar, que, diferentemente
deste autor, Camacho (1988) inclui na variação diastrática as
resultante dos fatores idade e sexo.
Depois desse breve sobrevôo teórico sobre a variação
lingüística, apresenta-se o corpus empírico desta pesquisa, a
canção composta por Mário de Andrade, “Viola quebrada”.
Viola quebrada
97
14. Pru causa dela eu sou rapaz muito capaz de trabaiá
15. Os dia inteiro e as noite inteira capinar
16. Eu sei carpir pruquê minh’arma ta arada e loteada
17. Capinada co’as foiçada dessa luz do teu oiá
3. Análise do corpus
98
No decorrer da história apresentada na canção, ocorre uma
transformação do fadista, que passa a trabalhar. Isto se verifica
nos últimos versos: “Eu sei carpir pruquê minh’arma ta arada e
loteada/ Capinada co’as foiçada dessa luz do teu oiá” (linhas 16 e
17). Neste trecho identifica-se uma mistura de figuras
relacionadas ao campo (arada, loteada, capinada, foiçada) e ao
amor: minh’alma, luz do teu oiá (linha 17). Desta forma, fundem-
se temas relacionados ao amor e ao trabalho no campo, havendo
uma ambigüidade proposital, por parte do autor, em relação à
transformação ocorrida com o camponês apresentado no texto.
Na canção, a partir de processos lingüísticos peculiares
ao falar rural, o autor reporta a variação diastrática unida à
diatópica, pois diz respeito à linguagem de pessoas não
escolarizadas e residentes na zona rural. Isto de dá nos níveis
fonéticos, lexicais e sintáticos. Apresentam-se, a seguir, os
processos identificados:
Processos fonéticos
99
continuam existindo no sistema fonético funcionante.
(NASCENTES, 1953, p. 54-55)
100
Aguilera (1999) trata desse processo, apresentando o
parecer de pesquisadores, como Nascentes (1953), Penha (1972),
Câmara Júnior (1979 e 1981), Elia (1979), Jota (1981) e Melo
(1981) e constata não haver consenso quanto à nomeação do
processo, pois, enquanto alguns autores o consideram uma
despalatalização, outros o conceituam como uma iotização. Para
Aguilera, o que ocorre é uma iotização ou uma semivocalização (e
não uma vocalização, pois o yode é uma semivogal), descartando a
possilidade de uma despalatalização, pois o yode é palatal
também. No decorrer de seu estudo, a autora afirma que esse
processo é “um traço predominante na fala rural ou inculta que se
expande por todas as regiões brasileiras como se pode
documentar pelos Atlas já publicados” (AGUILERA, 1999, p. 158).
Nascentes (1953, p.49) comenta as razões de ordem
etnográfica que resultaram na dificuldade da pronúncia do lh pela
classe inculta: “A dita classe era composta em sua maioria de
índios e africanos que não possuíam este fonema em suas
línguas; tiveram de aprendê-lo, aprenderam estropiadamente e
deste modo o transmitiram aos seus descendentes.”
Mendonça (1935, p. 112) afirma ocorrer esse processo
devido a uma influência africana. Já para Melo (1981), essa
transformação pode ser uma influência românica ou africana.
Apesar de apontar as duas hipóteses, o autor dá preferência à
segunda:
101
cestías (cestilhas, intrumentos para caçar pássaros), abêia,
borraio, joeieira, ajoeiar (ajoelhar)”. (BOLÉO, 1943, p. 47).
Processos lexicais
102
Processos sintáticos
4. Considerações finais
Referências Bibliográficas:
103
BOLÉO, Manuel de Paiva. Brasileirismos: problemas de método.
Coimbra: Coimbra, 1943.
CALVET, Louis-Jean. Sociolingüística: uma introdução crítica.
São Paulo: Parábola, 2002.
CAMACHO, Roberto G. A variação lingüística. In: Subsídios à
proposta curricular de língua portuguesa para o 1o e 2o graus. São
Paulo, SE/CENP. 1988, 3.v.
COSERIU, Eugenio. Lições de lingüística geral. Rio de Janeiro: Ao
Livro Técnico, 1980
CARUSO, Pedro. A iotização do /-lh-/ segundo o Atlas Prévio dos
Falares Baianos. ALFA, São Paulo, v. 27, 1983, p. 47-52.
CASTILHO, Ataliba Teixeira de. O Português do Brasil. In: ILARI,
Rodolfo. Lingüística românica. São Paulo: Ática, 1992.
COUTINHO, Ismael de Lima. Pontos de Gramática Histórica. Rio
de Janeiro: Livraria Acadêmica, 1958.
DELGADO, Manuel Joaquim. A linguagem popular do Baixo
Alentejo. s. l: s. e., 1951.
FARACO, Carlos Alberto. Norma padrão brasileira:
desembaraçando alguns nós. In: BAGNO, Marcos. Lingüística da
norma. São Paulo: Loyola, 2002. p. 37-63.
FERREIRA, Aurélio Buarque de Holanda. Novo Dicionário da
Língua Portuguesa. 2. ed. R de Janeiro: Nova Fronteira, 1986.
HAUGEN, E. Dialect, Language, Nation. In: PRIDE, J.; HOLMES,
J. Sociolinguistics. Selected Readings. Great Britains: Penguin
Books, 1972.
HEAD, Brian F. O destino de palavras proparoxítonas na
linguagem popular. Anais do Encontro de Variação Lingüística e
Bilingüismo Na Região Sul, 4, Porto Alegre: UFRGS, 1986, p. 38-
56.
HEAD, Brian F. O “dialecto brasileiro” segundo Leite de
Vasconcellos. In: Variação lingüística no espaço, no tempo e na
sociedade. Actas do Encontro Regional da Associação Portuguesa
de Lingüística. Lisboa: Associação Portuguesa de Lingüística/Ed.
Colibri, 1994.
HJEMSLEV, L. Língua e fala. In: HJEMSLEV, L. Ensaios
lingüísticos. São Paulo: Perspectivas, 1943. (Série Debates)
HOUAISS, Antônio e VILLAR, Mauro de Salles. Dicionário Houaiss
da Língua Portuguesa. Rio de Janeiro: Objetiva, 2001.
104
LABOV, William. Sociolinguistic patterns. Philadelphia: University
of Pennsylvania Press, 1972.
MATTOS e SILVA, R. V. Ensaios para uma sócio-história do
português brasileiro. São Paulo: Parábola, 2004.
MATTOS e SILVA, R. V. De fontes sócio-históricas para a história
social lingüística do Brasil: em busca de indícios. In: MATTOS e
SILVA, R.V. Para a história do português brasileiro. V. II: Primeiros
estudos. Tomo II. São Paulo: Humanitas/FFLCH/ USP/FAPESP,
2001.
MATTOS e SILVA, R. V. Português brasileiro: raízes e trajetórias.
Revista Ciência Hoje, v. 15, n. 86, 1992. p.76-81
MELO, Gladstone Chaves de. A língua do Brasil. 4..ed. Rio de
Janeiro: Padrão, 1981.
MENDONÇA, Renato. A origem africana no português do Brasil.
2. ed. São Paulo: Companhia Editorial Nacional, 1935.
NASCENTES, Antenor. O linguajar carioca. 2. ed. Rio de Janeiro:
Organização Simões, 1953.
VITRAL, Lorenzo. Língua geral versus língua portuguesa: a
influência do “processo civilizatório”. In: MATTOS e SILVA, R. V.
Para a história do português brasileiro. v.II: Primeiros estudos.
Tomo II. São Paulo: Humanitas/FFLCH/ USP/FAPESP, 2001. p.
303-315.
WILLIAMS, Edwin B. Do latim ao português: fonologia e morfologia
históricas da língua portuguesa. 3. ed. Rio de Janeiro: Tempo
Brasileiro, 1975.
105