Você está na página 1de 14

Intercom

– Sociedade Brasileira de Estudos Interdisciplinares da Comunicação


XVIII Congresso de Ciências da Comunicação na Região Nordeste – Caruaru - PE – 07 a 09/07/2016

Sistemas audiovisuais inteligentes: um levantamento das práticas que apontam a


dinâmica da narrativa responsiva e generativa1

Rafael Moura TOSCANO2


Valdecir BECKER3
Universidade Federal da Paraíba, João Pessoa, PB

RESUMO

Este artigo faz um levantamento de práticas potencias que evidenciam as narrativas, por meio
da resposta generativa de sistemas audiovisuais inteligentes ao usuário, seja por escolhas,
histórico ou manipulação técnica. Para elencar as potencialidades, a pesquisa realiza um
levantamento teórico atrelado a estudos de caso de produções experimentais que evidenciam o
desenvolvimento de novas formas narrativas. As análises incluem historicidade,
responsividade, colaboração, campo exploratório, construção generativa e posicionamento de
usuários. Dessa forma, a pesquisa contribui para uma análise sobre novas práticas narrativas,
que geram desafios comunicacionais para compreender tanto a produção, quanto a fruição dos
conteúdos

PALAVRAS-CHAVE: sistemas audiovisuais; narrativa; interface; interação; usuário;

1. INTRODUÇÃO

Este trabalho analisa as apropriações de interface e estética pela narrativa audiovisual e suas
diversas formas de significação para a construção de sistemas audiovisuais inteligentes. De
forma a dialogar com pesquisas já realizadas por meio de um estudo exploratório, este
artigo aponta práticas potenciais para o processo de criação, distribuição e consumo de um
produto, ou sistema, audiovisual contemporâneo. De modo geral, é possível identificar
processos de migração dos dispositivos, das interfaces que buscam entender o cenário de
exposição do conteúdo, das imagens que englobam cada vez mais dados, e por isso são
escalonáveis, e principalmente do espectador, que cada vez mais se configura como usuário
interator e co-autor da narrativa.

Dessa forma, torna-se pertinente analisar como os novos recursos, baseados em uma
postura mais ativa do expectador, afetam a extensão do universo narrativo.
Tradicionalmente, histórias são contadas por diretores e produtores usando recursos

1
Trabalho apresentado no DT 4 – Comunicação Audiovisual do XVIII Congresso de Ciências da Comunicação na Região
Nordeste realizado de 07 a 09 de julho de 2016.
2
Pesquisador LAVID-UFPB e-mail: rafaelmtoscano@gmail.com
3
Doutor em Ciências, professor dos Programas de Pós-graduação em Jornalismo (PPJ) e Pós-graduação em Computação,
Comunicação e Artes (PPGCCA), da UFPB. e-mail: valdecir@ci.ufpb.br

1
Intercom – Sociedade Brasileira de Estudos Interdisciplinares da Comunicação
XVIII Congresso de Ciências da Comunicação na Região Nordeste – Caruaru - PE – 07 a 09/07/2016

técnicos e estéticos baseadas na sala escura, e, em menor escala, em sistemas de


transmissão televisiva. Com a disseminação da internet e outros recursos interativos ocorreu
uma reestruturação inicial da organização da narrativa, que pode ser completada nestes
ambientes digitais (JENKINS, 2008). Dessa forma, abrem-se potenciais narrativos que
podem individualizar parte da experiência fílmica.

A inclusão de novos recursos, como sistemas inteligentes que moldam os produtos


audiovisuais à experiência prévia do expectador, fazendo uso de bancos de dados e
oferecendo interfaces de manipulação direta dos elementos narrativos, permite expandir
ainda mais a individualização da experiência fílmica. A presente pesquisa analisa essa
expansão, a partir de exemplos que fazem uso de diferentes recursos narrativos.

2. Mídias digitais e os limites da narrativa

O estado da arte da narrativa contemporânea mostra uma condição de estreitamento dos


formatos cinema, TV, vídeo, internet e infográfico. De forma a evitar o impasse acerca da
natureza de um produto e avançar no entendimento das práticas potenciais, o presente
trabalho usa uma nomenclatura mais abrangente do que tradicionalmente é praticado na
literatura. O termo audiovisual, de acordo com (AUMONT; MARIE, 2003, p.25), se refere
a “Obras que mobilizam a um só tempo, imagens e sons”. A definição segundo o próprio
autor, é vaga e não engloba as novas apropriações. Ao acrescentar novos elementos como
interface, bancos de dados e automação, este trabalho reconhece estas produções como
sistemas audiovisuais inteligentes.

Desde a concepção inicial de cinema, que surge como apropriação de um dispositivo e


depois engloba o elemento narrativo, diversos recursos tecnológicos e comunicacionais
passaram a ocupar espaços de transmissão de informação e contação de histórias. As novas
mídias, Internet, computadores e dispositivos móveis (BIEGING; BUSARELLO, 2013)
tem sido coeficientes de mutação do formato tradicional do cinema. Formato este que pode
ser definido como integração de filme (narrativa visual), espectador, instituição (dinâmica
cultural e econômica), e dispositivo Dubois (2013). Esse entendimento do cinema também
pode ser obtido por outra classificação: arquitetônica (condições de projeção de imagens);
tecnológica (produção, distribuição das imagens); e discursiva Maciel (2009). O paralelo
entre os autores é extremamente válido para o avanço desse entendimento do que se tornou
o cinema de culto à imagem, e a forma cinema. Maciel (2009) avança a discussão propondo

2
Intercom – Sociedade Brasileira de Estudos Interdisciplinares da Comunicação
XVIII Congresso de Ciências da Comunicação na Região Nordeste – Caruaru - PE – 07 a 09/07/2016

que “Não devemos, portanto, permitir que a (forma cinema) se imponha como um dado
natural, uma realidade incontornável” (ibdem, 2009, p.5). Prosseguindo o pensamento,
Dubois (2013) elenca uma nova configuração de cinema que marca toda evolução, ruptura e
correlação ao modelo tradicional. A este fenômeno o autor atribui o termo pós-cinema.
Outro elemento que aponta essa transferência de espaço, e dispositivo, é a própria
fragilidade do ideal de cinema. Considerando que o ambiente ideal de projeção (sala escura,
silêncio, equipamento de projeção e de áudio adequados) muitas vezes está ausente, e que
nem sempre a narrativa é clássica, com uma história estruturada, muitos filmes são
atracionais, abstratos ou experimentais Maciel (2009).

Filmes nativos da internet ou filmes digitais são apontados como “Filmes que não utilizam
o meio apenas como método de distribuição, mas incorporam sua flexibilidade” (PERCY
apud BERNARDES, 2015, p.14). A partir deste conceito, damos início a discussão acerca
dos fatores que descrevem a natureza digital dos filmes.

O período/etapa do cinema apontado pelos autores como digital é a base para a construção
do percurso a seguir. A possibilidade de uma representação numérica comum, possibilita ao
vídeo, que antes era uma experiência de fluxo, se relacionar como um sistema de arquivos
flexíveis e manuseáveis. Essa dinâmica de narrativas fluídas e adaptativas trazem novos
caminhos de fruição Cirino (2010). De acordo com Manovich (2001), as características
identificadoras das novas mídias são: representação numérica, automação, modularidade,
variabilidade e transcodificação. Um pequeno aprofundamento nesses conceitos é
importante para a identificação de apropriações estéticas que fogem da construção
tradicional. Cirino (2010) relaciona as definições propostas por Manovich (2001) e
exemplifica no trecho a seguir.

As possibilidades das novas mídias permitem-nos tratar o filme como um


conjunto de blocos narrativos (modularidade), manuseáveis
(variabilidade), que podem ser vistos tanto no computador como em
quaisquer outras mídias digitais (representação numérica). Esses blocos
podem inclusive serem gerados aleatoriamente [...] (automação) e podem
apresentar interfaces para que o usuário escolha que parte deseja ver do
filme (transcodificação). (CIRINO, 2010, p.268)

A partir da análise da literatura será reconhecido por esse trabalho que, além da significação
inicial, o sistema audiovisual tem como atributo a justaposição de blocos informacionais

3
Intercom – Sociedade Brasileira de Estudos Interdisciplinares da Comunicação
XVIII Congresso de Ciências da Comunicação na Região Nordeste – Caruaru - PE – 07 a 09/07/2016

contendo cenas, ou pequenas unidades dramáticas, que podem ser conectadas entre si. A
construção do coeficiente de adaptação, ou melhor, da responsividade (seção 4.2), é o que
confere ao sistema a perspectiva de expandir os limites da narrativa.

2.1. A relação entre usuário e universo narrativo

Sobre a dimensão do segundo sujeito da narrativa (o usuário) Cannito (2010) afirma que o
espectador não busca apenas a superfície da história, ele quer entrar na imagem. Esse
posicionamento do público é definido por Jenkins (2008) como cultura participativa. A
partir desse entendimento ativo do usuário Cirino (2012b) classifica a participação do
público em três níveis: 1) Interpretativo; 2) Transmídia; 3) interativo; com base nessa
classificação podemos expandir o entendimento dessa presença.

Sobre o modo interpretativo, “Um receptor de informação, a menos que esteja morto, nunca
é passivo” (LÉVY, 2010, p.79). O caráter interpretativo também é definido por
(SANTIAGO JÚNIOR, 2004, p.4). “O espectador bordwelliano não é, porém, um leitor
ideal, mas uma entidade hipotética executora de operações relevantes para construir uma
estória fora da representação do filme”. A estrutura fílmica independente da presença ou
não da interação compõem um acervo de símbolos e signos que serão organizados e
processados pelo espectador.

A respeito do modo transmídia Cirino (2012b) relaciona a busca do espectador por


conteúdo não somente a narrativa fílmica, mas a todo um universo ficcional desenvolvido
em mídias complementares que possibilitam o aprofundamento da história contada. Acerca
dessa busca por um universo narrativo (JENKINS, 2008, p.161-162) destaca “O universo é
maior do que o filme, maior até do que a franquia – já que as especulações e elaborações
dos fãs também expandem os universos em várias direções”.

Em relação ao terceiro modo, a participação interativa (CIRINO, 2012b, p.18) destaca


“qualquer interferência do espectador no conteúdo do filme, que passa a ser, portanto
clicável, manipulado através do botões, sons e/ou movimentos”. Santaella (2005) relaciona
essa participação produtiva como resultado da cultura das mídias. Com base neste
levantamento teórico, é possível identificar o primeiro elemento de expansão da interação.
Essa relação entre usuário-universo pode ocorrer em diversas proporções, seja pela escolha

4
Intercom – Sociedade Brasileira de Estudos Interdisciplinares da Comunicação
XVIII Congresso de Ciências da Comunicação na Região Nordeste – Caruaru - PE – 07 a 09/07/2016

ou expansão narrativa através de alternativas, seja pelo consentimento de dados, pelos


rastros de navegação ou pela manipulação estética da estrutura visual.

3. Interface e estética da narrativa audiovisual

Analisando a estrutura visual, “A forma como dispomos os elementos em relação aos


outros, constituirá, portanto, a primeira preocupação discursiva, e estética, na criação de
uma imagem cinematográfica” (NOGUEIRA, 2010, p.48-49). Na estrutura de cinema
tradicional, a construção do quadro se dá pelo recorte visual da cena. Com a integração as
novas mídias, o conceito de interface gráfica (GUI-Graphical User Interface) passa a
ocupar um lugar de importância. “Se a interface é o lugar comum da interatividade entre
homem e máquina, faz-se necessário estudá-la como o veículo para a fruição das
narrativas” (CIRINO, 2010, p.270). A interface ocupa não apenas a função de mediar, ou
traduzir visualmente a relação entre usuário e estrutura narrativa fílmica tradicional, mas em
muitos casos ela também integra o coeficiente narrativo. Sobre o conceito de composição
desta estrutura:

Ela pode ser considerada segundo o eixo da sucessão ou da


simultaneidade: Formas de encadeamento por continuidade, rupturas,
fusões etc, por um lado; relações entre os elementos co-presentes em um
dado momento do filme, por outro (contrastes, encobrimentos parciais ou
completos, contrapontos etc). (AUMONT; MARIE, 2003, p.58)

Podemos considerar ainda a abordagem relacionada por Cirino (2010), em que o interator
está diante de dois modos de fruir o filme: através da visibilidade ou da fantasmagoria.
Sobre a ausência de interface, ou fantasmagoria, o autor considera tal prática como uma
capacidade ilusória de imersão Cirino (2012b). Uma vez que na ausência de mediadores
gráficos o posicionamento do usuário pela interatividade se volta para metáforas e
multicritérios visuais Morais et al. (2012).

A possibilidade de orientação à deriva (SILVA JR. e JONHSON apud CIRINO, 2012b)


compreende que o hipertexto e a interface podem ter percursos bem definidos, porém
também existe a possibilidade de uma fruição mais livre, não regrada por caminhos pré-
estabelecidos. Dialogando com essa ausência de mediação gráfica Gosciola (2008) destaca
a construção de metáforas visuais que ajudam o usuário a compreender a natureza
expandida da interação de forma coerente com a estrutura dramática do filme. Posto isto é

5
Intercom – Sociedade Brasileira de Estudos Interdisciplinares da Comunicação
XVIII Congresso de Ciências da Comunicação na Região Nordeste – Caruaru - PE – 07 a 09/07/2016

possível identificar que além da historicidade, a construção de estruturas narrativas com


metáforas visuais ou orientação a deriva modificam a percepção reativa do usuário sobre a
estrutura narrativa.

4. Práticas potenciais

A ruptura com o valor de culto a imagem, trouxe à tona o valor do manuseio técnico e
discursivo. Atrelado a um posicionamento ativo dos usuários, novas dinâmicas foram
surgindo, como o cinema digital, o cinema expandido, o cinema expandido digitalmente, o
cinema interativo, o cinema quântico/neurocinema e, finalmente, o live cinema Maciel
(2009), Aly (2012). De modo a dialogar com os estudos desenvolvidos e apresentados, este
trabalho relaciona dinâmicas de apropriação de estética e interface, de forma a contribuir
com o levantamento já documentado.

A seleção de obras/conceitos para a presente pesquisa se dá pela configuração de três


grupos: 1) práticas oriundas do empoderamento do usuário; 2) Sistemas narrativos
inteligentes; 3) Convergências e apropriações estéticas; cada conceito ou apropriação
técnica/estética que será aprofundado, fará uso de um exemplo, todavia esse agrupamento
não exclui os objetos experimentais de se enquadrar em mais de uma prática potencial. Os
itens para análise são: Colaboração/crowdsourcing, historicidade/responsividade,
construção generativa e campo exploratório.

4.1 Colaboração para mineração de dados

O primeiro objeto de análise é o experimento realizado por pesquisadores franceses da


Universidade de Toulouse em parceria com a Universidade Nacional de Singapura. Este
trabalho apresenta uma aplicação para o posicionamento ativo dos consumidores, que ao se
deparar com vídeos de altíssima resolução (4k, 8k, 16k) em seus dispositivos móveis estão
diante de uma perda de compreensão dos detalhes da imagem, e por isso fazem uso do
escalonamento como subsidio ao consumo narrativo. Essa prática pode ser denominada de
campo exploratório e, por questões de organização do trabalho, será abordada em seções
seguintes.

A pesquisa propõe a criação de um vídeo com base na construção colaborativa de pontos de


vista recomendados por usuários. A indicação de cada etapa da coleta de informações de
feedback dos usuários é denominada pelo autor como Crowdsourcing Carlier et al. (2011).

6
Intercom – Sociedade Brasileira de Estudos Interdisciplinares da Comunicação
XVIII Congresso de Ciências da Comunicação na Região Nordeste – Caruaru - PE – 07 a 09/07/2016

O processo é construído a partir de um mapa de importâncias, predefinidos pela equipe de


pesquisa e somados a um mapa de interesses com base na experiência de uso de um grupo
de consumidores

Essa prática de construção colaborativa em vídeo é o resultado proposto para solucionar


alguns problemas de experiência de consumo e produção, como por exemplo, o
acompanhamento de objetos em movimento, uma vez que na expansão da imagem (zoom)
o usuário teria que modificar a todo instante o posicionamento visual para acompanhar seu
objeto de interesse, caso ele não ocupasse mais a região selecionada. Embora exista a opção
de automatizar esse processo, a equipe do projeto optou por realizar este procedimento de
forma “manual”, no qual cada movimento realizado em teste pelos voluntários é computado
e inserido no sistema, como uma forma de biblioteca de interesses por perfil e gênero
narrativo.

A compreensão do usuário acerca das possibilidades de pontos de vista durante o consumo


da narrativa, se dá pela inserção de uma interface gráfica que aponta o campo de
possibilidades. Muito além da utilização da interface gráfica, este experimento aplica a
narrativa como campo gerador de novas interfaces, uma vez que cada usuário, ao demarcar
novos posicionamentos (escalonamentos), também computa um recorte e sugere um novo
ponto de vista. Este processo é similar ao trabalho de Morais et al. (2012), em que a
simplificação ou redução da interface dá espaço a multicritérios de elementos visuais. O uso
de sistema aberto a inputs possibilita uma dinâmica nova para compreensão narrativa. Além
disso o experimento dialoga com as características das novas mídias de Manovich (2001),
como automação, variabilidade e transcodificação.

A solução proposta nesse experimento apresenta grande potencial para aplicação em


produtos audiovisuais de caráter colaborativo. A mineração dos dados de navegação dos
usuários, como ciclo de ressignificação e finalização do conteúdo, é um workflow potencial
para esquemas de produção de sistemas narrativos inteligentes. A validação de “interesse”
de pontos de vista recomendados sobre a trama é fundamental, uma vez que existem
diversos níveis de engajamento por parte de usuários. Sendo assim, o agrupamento
narrativo deve ser capaz de oferecer a melhor experiência de consumo para cada perfil, seja
ele de espectador ou usuário.

4.2 Historicidade a narrativa responsiva

7
Intercom – Sociedade Brasileira de Estudos Interdisciplinares da Comunicação
XVIII Congresso de Ciências da Comunicação na Região Nordeste – Caruaru - PE – 07 a 09/07/2016

O segundo elemento potencial se enquadra no grupo dois, Sistemas narrativos inteligentes.


A relação estabelecida por Cirino (2012a) da análise da construção do cinema interativo
feitas por Rafaelli (1998) e Manovich (2001) permite interpretar o sistema audiovisual
como um agrupamento de módulos organizáveis a partir da intervenção direta do
espectador. O enfoque da historicidade está na compreensão apresentada por Maciel (2009)
em que a construção do storytelling se dá pela relação com o campo de possibilidades,
obtendo, assim, uma abertura do universo narrativo. Cirino (2010) aponta a possibilidade de
integração destes módulos por meio de uma nova dinâmica de produção, que ao invés de
uma divisão em cenas, busca um agrupamento com foco na responsividade de suas
ligações.

O levantamento da obra de (RAFAELLI apud CIRINO, 2012a) aponta a consideração de


um caráter comunicacional a partir da historicidade incorporada as escolhas em detrimento
do ideal de conversacionalidade. (ibdem, 2012) defini historicidade como a capacidade de
sistemas em incorporar o histórico de ocorrências ou escolhas como fator de expansão e
personalização do processo do percurso dramático.

Deste modo, se faz necessário um paralelo com as seguintes questões:

"A relação entre representação e realidade representada, uma vez que a


obra digital já não é mais a marca de um sujeito (O autor, que dá sentido à
obra), posto que ela é realizada por outro: o leitor usuário. Nesses termos,
o espaço se configuraria como um campo de possíveis, em que o sujeito-
enunciador fornece elementos e o sujeito-atualizador realiza a parte de
suas possibilidades, podendo o usuário ser encarado como coautor de uma
obra digital já que contribui, de maneira efetiva, para sua formação. Nesse
caso, não há um sentido preexistente à apreensão do usuário, pois é a
própria experiência que constrói o sentido" (MACIEL, 2009, p.43)

Em concordância com a fala anterior (ECO apud CIRINO, 2012b) afirma que essas
estruturas dão novo significado a relação entre conteúdo e usuário. “Uma mais articulada
noção do conceito de forma, a forma como um campo de possibilidades”. Sendo assim é
possível reconhecer a historicidade ou responsividade como um atributo da narrativa
interativa que busca expandir o campo reativo e gerar um valor narrativo complexo para o
processo.

De forma a exemplificar o potencial dos conceitos apresentados, é destacado o case The

8
Intercom – Sociedade Brasileira de Estudos Interdisciplinares da Comunicação
XVIII Congresso de Ciências da Comunicação na Região Nordeste – Caruaru - PE – 07 a 09/07/2016

sound of energy4, um vídeo interativo agrupado em blocos (modularidade) e manuseável


pelo usuário através de uma interface gráfica em overlay ao vídeo. O sistema tem a
capacidade de processar a historicidade de forma dinâmica e estabelecer a responsividade
dos blocos de maneira a criar um clipe personalizado para cada execução do usuário. Outro
atributo é a capacidade de variabilidade do produto por parte do usuário, uma vez que suas
escolhas resultam em novas composições narrativas e estéticas de enquadramento, edição
de sons e imagem.

A interface desempenha o campo de interação no período de exibição do vídeo e no pós-


vídeo, apresenta o trajeto de escolhas que o usuário realizou. Além do gráfico indicador das
escolhas feitas, é possível rever o vídeo gerado (automação) sem a interface de criação e
compartilhá-lo em mídias sociais. A aplicação do conceito de historicidade e
responsividade representa um potencial para estruturas audiovisuais em que a relação com o
processo de construção é fundamental. “O propósito do histórico é mostrar ao usuário
quanto ele explorou [...] num vídeo educativo, faria muito sentido mostrar ao aluno onde ele
está e o que há de vir” (MORAIS et al., 2012, p.10).

4.3 Construção generativa

O termo construção generativa foi utilizado neste trabalho para representar sistemas
audiovisuais inteligentes que fazem uso de dados do usuário, ou do dispositivo de
reprodução, para construir relações narrativas. A capacidade de um software gerar
agrupamentos narrativos que se relacionam com a estrutura de módulos de forma
responsiva é apresentada por Manovich (2001) como o princípio da automação. Com o
intuito de ilustrar essa dinâmica foi escolhido o projeto Bear 71 5desenvolvido pela National
Film Board.

O sistema audiovisual Bear 71, é uma aplicação audiovisual interativa e colaborativa que
apresenta a história do Parque Nacional de Banff, com foco na conscientização da relação
do homem e espaço (fauna e flora). A premissa inicial do projeto é acompanhar o trajeto de
um urso que foi identificado pelo rastreador de número 71. A partir desta apresentação, o
usuário se depara com um ambiente virtual que representa toda a extensão geográfica do
parque. Esta interface é extremamente rica em dados, como: câmeras de monitoramento,

4
Disponível no site: http://www.shell.com.au/aboutshell/lets-go-tpkg/sound-of-energy.html
5
Disponível no site: http://bear71.nfb.ca/#/bear71

9
Intercom – Sociedade Brasileira de Estudos Interdisciplinares da Comunicação
XVIII Congresso de Ciências da Comunicação na Região Nordeste – Caruaru - PE – 07 a 09/07/2016

rastros de movimento do urso 71 e de outros animais, pequenos módulos de vídeos


explicativos e instâncias de input de dados como áudio e vídeo. Ao contrário dos
experimentos já apresentados, o bear 71 foi desenvolvido na direção de uma experiência de
vídeo jogo, e visualização de dados para a colaboração de múltiplos usuários em tempo real
no universos narrativo. A experiência exploratória é inicialmente limitada a 20 minutos por
acesso, contudo este tempo aumenta à medida que o usuário/interator dialoga com as
funcionalidades do filme.

Uma segunda significação pode ser atribuída ao termo construção generativa, relacionada à
aplicação da estrutura de módulos narrativos para construir uma interface por meio da
visualização dos dados. O Bear 71 aplica essa dinâmica de modo a reforçar a espacialidade
do parque. Pequenos módulos de vídeo são distribuídos pela superfície de acordo com seu
posicionamento geográfico e pela composição da premissa narrativa do autor e dos
usuários.

Estruturas audiovisuais com base nos dados do usuário são práticas potencias para geração
de conteúdo personalizado. Outra aplicação dessa dinâmica são as ações do facebook6, que
através de um algoritmo constrói vídeos personalizados para cada um dos usuários com
base nas atividades e interações na plataforma. De forma geral, essas aplicações são válidas
para relacionar os rastros de navegação afim de retomar a historicidade do usuário e
promover uma relação com a marca, ou simplesmente, com o universo temático narrativo
em questão. Outro case que ilustra bem o potencial desta dinâmica é o documentário
interativo Limbo7. O filme coleta dados de email, mídias sociais, câmera e microfone, para
inserir as informações na estrutura narrativa como mecanismo de validar o argumento do
filme, mantendo um memorial coletivo e digital construído, que normalmente se perde ao
longo dos anos.

4.4 Campo exploratório

A relação entre mundo real e mundo da tela se dá pelo recorte visual escolhido pelo diretor,
logo pontos de interesse do usuário podem ficar de fora Block (2010). “Desse modo
elementos do extraquadro são desconsiderados como parte consumível. [...]. No entanto, há
cenários em que os elementos tanto do extraquadro quanto do intra quadro possuem

6
Disponível no site: http://newsroom.fb.com/news/2016/02/friends-day/
7
Disponível no site: http://inlimbo.tv/en/documentary

10
Intercom – Sociedade Brasileira de Estudos Interdisciplinares da Comunicação
XVIII Congresso de Ciências da Comunicação na Região Nordeste – Caruaru - PE – 07 a 09/07/2016

relevância” (TOSCANO; BECKER, 2015, p.1). Somado a essa questão dois fenômenos
enriquecem a discussão: 1) Evolução constante das resoluções em vídeo (4K,8K,16K); 2)
Crescimento do consumo de vídeo por dispositivos móveis; sobre esta relação,

Com os recentes sistemas de captura de vídeo UHD, novos tipos de


experiências de mídia são possíveis, onde os usuários finais têm a
possibilidade de escolher o seu nível de direção, de visualização e zoom
[...] por exemplo, no setor de entretenimento, soluções de aplicativos para
celular e web streaming estão disponíveis para cobertura de eventos com
uma câmera de vídeo de 360 graus. (REDI; D’ACUNTO; NIAMUT,
2015,p.2, tradução nossa)8

Essa relação de transferência da responsabilidade, retratada como campo exploratório por


Redi; D’acunto; Niamut, (2015) é uma dinâmica de expansão da narrativa visual por meio
da relação com a interface. Ainda sobre o papel das imagens em altíssimas resoluções a
produção da escalabilidade é uma das motivações principais Almeida (2014).

O empoderamento do usuário em direcionar o recorte visual de um registro, ou seja, sua


capacidade de priorizar novos elementos, gera questionamento sobre as formas de consumo
do universo temático. Dialogando com essa questão, Manovich (2014) apresenta uma
resposta que relaciona a divisão de superfície Block (2010) como estratégia de manter a
dimensão macro e micro ao mesmo tempo Almeida (2014). “Em outras palavras, como
você continua a ver a imagem inteira enquanto examina os detalhes, o sentido de contexto
em que cada detalhe se encaixa permanece” (MANOVICH, 2014, p.112).

Como exemplo dessa dinâmica, podemos citar o Instituto Fraunhofer, que desenvolveu um
experimento objetivando a criação de imagens panorâmicas de altíssima resolução para
eventos ao vivo, através de 5 câmeras 2K. O agrupamento das câmeras de forma a originar
uma imagem super wide com uma deformação óptica possibilita ao usuário que se depara
com a imagem escalável em um dispositivo móvel uma experiência diferenciada. É possível
definir essa nova percepção através da aplicação de dois conceitos básicos do audiovisual:
deformação óptica e movimento relativo, em que o usuário tem a percepção de
espacialidade e profundidade do movimento. Ao invés dos experimentos tradicionais de
zoom que simulam unicamente o deslocamento de uma máscara virtual nos eixos X e Y da

8
With recent capturing systems for UHD video, new types of media experiences are possible where end users have the
possibility to choose their viewing direction and zoom- ing level. Different examples of such interactive region-of- interest
(ROI) video streaming have been demonstrated or deployed. For example, in the entertainment sector, web streaming and
mobile app solutions are available that cover events with a 360-degree video camera.

11
Intercom – Sociedade Brasileira de Estudos Interdisciplinares da Comunicação
XVIII Congresso de Ciências da Comunicação na Região Nordeste – Caruaru - PE – 07 a 09/07/2016

imagem, o experimento do instituto apresenta uma dinâmica de captura, processamento,


distribuição e interação viabilizadas totalmente pela rede de internet. Nesse experimento,
para evitar o tráfego de informação altíssimo, no qual cinco câmeras 2K emitem sinal ao
mesmo tempo, foi desenvolvido um sistema de processamento apenas dos dados em quadro
e um pré carregamento das áreas mais próximas. Solução semelhante ao experimento
apresentado por (REDI; D’ACUNTO; NIAMUT, 2015) que nomeia essa divisão de
visualização por Tiled Streaming.

Este conceito de campo exploratório apresenta grande potencial para a relação entre vídeos
de altíssimas resoluções e dispositivos móveis, redirecionamento de pontos de interesse e
relação ativa do usuário. Como vimos, outras aplicações que expandem este conceito são a
integração com a colaboração de usuários, vídeo 360 graus e realidade virtual.

5. Conclusão

O presente estudo sistematizou práticas que indicam potencialidades para a narrativa


audiovisual contemporânea. A junção de diferentes recursos, configurações e agrupamento
de formatos de interface e estética podem gerar sistemas audiovisuais inteligentes,
viabilizando uma infinidade de recursos narrativos. Toda essa atribuição de significados na
relação entre interface e narrativa atua como elemento integrador e catalizador da fruição e
expansão do conteúdo. Os experimentos audiovisuais discutidos tornam-se, paulatinamente
sistemas complexos. Em comum, possuem três características chave: 1) O posicionamento
ativo do usuário; 2) A capacidade de manipular, adaptar e reordenar a estrutura de acordo
com ações de seu contexto de consumo; 3) A convergência de novos elementos e
apropriações estéticas.

Analisando possíveis evoluções da narrativa audiovisual, algumas características podem ser


identificadas. A colaboração, tanto para consumo quanto para o fluxo de criação de
narrativa, é um elemento central no desenvolvimento de novas práticas estéticas e
narrativas. Além disso, a capacidade dos sistemas em dialogar com a historicidade do
usuário, e deste modo, ofertar um conteúdo personalizado através da relação construída na
plataforma e pelos rastros de navegação do usuário na internet tende a gerar uma
quantidade significativa de novos produtos audiovisuais. A experiência sensorial e
imagética da percepção fílmica se individualiza, criando obras esteticamente diferentes a
cada visualização. Neste ponto, pode-se inclusive questionar conceitos consolidados na

12
Intercom – Sociedade Brasileira de Estudos Interdisciplinares da Comunicação
XVIII Congresso de Ciências da Comunicação na Região Nordeste – Caruaru - PE – 07 a 09/07/2016

teoria cinematográfica. Temas centrais, como filme e cinema, carecem de releituras


analíticas no âmbito das novas tecnologias e do pós-cinema.

Finalmente, a capacidade do manuseio da imagem e do som, de modo a valorizar a interface


exploratória da narrativa, altera processos de consumo e compreensão no usuário. Dessa
forma, as potencialidades identificadas no presente trabalho expandem a capacidade de
contar histórias (e compreendê-las) quando ofertadas em paralelo, podendo ainda agregar
valor se somadas a campos de atuação como realidade virtual, neurocinema ou cinema
quântico e internet das coisas. Os impactos destes elementos a cargo de estudos futuros, na
continuação desta pesquisa.

REFERÊNCIAS

ALMEIDA, J. DE. Dossiê escalabilidade. Revista Trama interdiciplinar, v. 5, n. 1, p. 32–


37, 2014.

ALY, N. desdobramentos contemporâneos do cinema experimental. Teccogs, v. 6, p. 61–


92, 2012.

AUMONT, J.; MARIE, M. Dicionário teórico e crítico de cinema. Traducao Eloisa


Araújo Ribeiro. Papirus ed. campinas ,SP, 2003.

BERNARDES, F. Webdocumentário e as funções para a interação no gênero


emergente: Anáise de Fort McMoney e Bear 71. Porto Alegre: Pontificia Universidade
Católica do Rio Grande do Sul - PUCRS, 2015.

BIEGING, P.; BUSARELLO, R. I. Experiências de consumo contemporâneo pesquisas


sobre mídia e convergência, 2013.

BLOCK, B. A narrativa visual: criando a estrutura visual para cinema, TV e mídias


digitais. Traducao Cláudia Mello Belhassof. São Paulo: Elsevier, 2010.

CANNITO, N. G. A televisão na era digital: Interatividade, convergência e novos


modelos de negócio. Elsevier ed. São Paulo: [s.n.].

CARLIER, A. et al. Combining content-based analysis and crowdsourcing to improve user


interaction with zoomable video. Proceedings of the 19th ACM international conference
on Multimedia - MM ’11, p. 43, 2011.

CIRINO, N. N. A interface do filme interativo e sua usabilidade narrativaII seminário


Histórias de roteiristas: Artes e comunicação na Era dos roteiristas. Anais...São Paulo:
seminário Histórias de roteiristas, 2010

CIRINO, N. N. As Fronteiras da Interatividade no Cinema. Revista Eletrônica do

13
Intercom – Sociedade Brasileira de Estudos Interdisciplinares da Comunicação
XVIII Congresso de Ciências da Comunicação na Região Nordeste – Caruaru - PE – 07 a 09/07/2016

Programa de Pós Gradação da Faculdade Cásper Líbero, v. 4, n. 1, p. 10, 2012a.

CIRINO, N. N. CINEMA INTERATIVO : Problematizações de linguagem e


roteirização. Recife: Universidade Federal de Pernambuco, 2012b.

DUBOIS, P. Aula Magna com Philippe Dubois. Disponível em:


<https://www.youtube.com/watch?v=bq8nYh6DWhA>. Acesso em: 23 fev. 2016.

GOSCIOLA, V. Roteiro para as novas mídias - Do cinema às mídias interativas. 2. ed.


São Paulo: Senac - SP, 2008.

JENKINS, Henry. Cultura da convergência. Aleph, 2008.

SANTIAGO JÚNIOR, F. DAS C. F. David Bordwell : sobre a narrativa cinematográfica. X


Simpósio de Pesquisa em Comunicação da Região Sudeste - SIPEC, n. 2000, p. 12,
2004.

LÉVY, P. Cibercultura. Traducao Calos Irineu Da Costa. 34. ed. São Paulo: [s.n.]. v. 3

MACIEL, K. A Forma Cinema: Variações e Rupturas. In: Transcinemas. Contra cap ed.
Rio de janeiro: p. 431,2009.

MANOVICH, L. Efeitos de escala. Revista Trama interdiciplinar, v. 5, n. 1, p. 107–114,


2014.

MANOVICH, Lev. The language of new media. MIT press, 2001.

MORAIS, C. M. DE et al. Linguagem Interativa Gestual (LIG): Hipertexto e Vídeos


Interativos. Intercom, n. Ix, p. 1–15, 2012.

NOGUEIRA, LUÍS. Manual de cinema: Planificação e Montag(ALY, 2012)em. Beira


Interior - Portugual: LabCom Books, 2010. 191 p.

RAFAELI, Sheizaf. “In teractivity: from n ew media to commun ication ”. In : Sage


annual
review of communication research: advan cin g commun ication scien ce.
Beverly Hills: Sage, 1988. p. 112-134.

REDI, J.; D’ACUNTO, L.; NIAMUT, O. Interactive UHDTV at the Commonwealth


GamesProceedings of the ACM International Conference on Interactive Experiences for
TV and Online Video - TVX ’15. Anais...2015Disponível em:
<http://dl.acm.org/citation.cfm?doid=2745197.2745203>

SANTAELLA, L. Por que as comunicações e as artes estão convergindo? Coleção Qu


ed. São Paulo: [s.n.].

TOSCANO, R.; BECKER, V. Potenciais narrativos de interatividade para vídeos de


altíssimas resoluções no campo da videocolaboração2015

14

Você também pode gostar