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UNIVERSIDADE VEIGA DE ALMEIDA

Maria Beatriz de Souza Rangel

HISTERIA E FEMINILIDADE

Rio de Janeiro

2008
Maria Beatriz de Souza Rangel

HISTERIA E FEMINILIDADE

Dissertação apresentada ao Mestrado


Profissional em Psicanálise, Saúde e
Sociedade da Universidade Veiga de
Almeida como requisito para obtenção do
Título de Mestre em Psicanálise. Área de
concentração: Psicanálise e Saúde. Linha
de pesquisa: Prática Psicanalítica.

Orientadora: Gloria Sadala

Rio de Janeiro

2008
UNIVERSIDADE VEIGA DE ALMEIDA
SISTEMA DE BIBLIOTECAS
Rua Ibituruna, 108 – Maracanã
20271-020 – Rio de Janeiro – RJ
Tel.: (21) 2574-8845 Fax.: (21) 2574-8891

FICHA CATALOGRÁFICA

R196h Rangel, Maria Beatriz de Souza

Histeria e feminilidade / Maria Beatriz de Souza Rangel,


2008

102p. ; 30 cm.

Dissertação (Mestrado) – Universidade Veiga de Almeida,


Mestrado Profissional em Psicanálise, Saúde e Sociedade, Rio
de Janeiro, 2008.

Orientação: Glória Sadala


1. Psicanálise. 2. Histeria. 3. Feminilidade. 4. Mulheres e
Psicanálise. I. Sadala, Glória. II. Universidade Veiga
de Almeida, Mestrado Profissional em Psicanálise,
Saúde e Sociedade. III. Título.
CDD – 150.195

Ficha Catalográfica elaborada pela Biblioteca Setorial Tijucal/UVA


Maria Beatriz de Souza Rangel

HISTERIA E FEMINILIDADE

Dissertação apresentada ao Mestrado


Profissional em Psicanálise, Saúde e
Sociedade da Universidade Veiga de
Almeida como requisito para obtenção do
Título de Mestre em Psicanálise. Área de
concentração: Psicanálise e Saúde. Linha
de pesquisa: Prática Psicanalítica.

Aprovada em 20 de Outubro de 2008.

BANCA EXAMINADORA

_______________________________________________________________
Gloria Sadala (Doutora/UFRJ) - orientadora

_______________________________________________________________
Maria Anita Carneiro Ribeiro (Pós-doutora/PUC-Rio) - UVA

_______________________________________________________________
Malvine Zalcberg (Doutora/PUC-Rio) - UERJ
Aos meus pais, minhas irmãs e meus sobrinhos, pelos anos de incentivo
e amor.
À Glória Sadala, por supervisionar a minha prática clínica e orientar este
trabalho aqui apresentado, sempre com tanto cuidado.
À minha analista Sara Leibovici.
Aos professores neste curso: Maria Anita Carneiro Ribeiro, Vera Pollo
Flores e Antonio Quinet pelos ensinamentos.
Às companheiras de estudo neste Mestrado.
Aos amigos e amigas, que tanto me incentivaram.
E especialmente, às minhas pacientes mulheres, que sem elas este
trabalho não seria realizado.
RESUMO

Instigada pela prática clínica com mulheres histéricas em meu


consultório particular, desenvolvo esta pesquisa que pretende investigar
feminilidade e histeria. Segundo Freud, há um mistério que circunda a mulher,
expresso através da pergunta “O que quer uma mulher?”.
São muitas as questões que se colocam frente ao enigma da
feminilidade e, dentre elas, destacamos aquelas relacionadas às dificuldades
da mulher histérica em seu acesso à feminilidade. Nesta pesquisa,
privilegiamos as formulações freudianas e lacanianas a respeito da sexualidade
feminina e da histeria.
Concluímos que a histeria é uma resistência à posição feminina, posição
esta na qual a mulher suporta ser objeto, reconhecendo a castração. A
histérica se furta deste lugar, pois não suporta a sua castração. Por isso ela
aponta no Outro a castração.

Palavras-chave: feminilidade, histeria, psicanálise.


ABSTRACT

The practice with hysterical women in my office has led me to develop


this research so as to investigate femininity and hysteria. According to Freud,
there is a mystery that surrounds women, as he pointed out thorough the
question: "What does a woman want?”. In order to carry on with this research
we have decided to follow Freud’s and Lacan’s theories as regards the feminine
sexuality and hysteria.
We know that there are many questions which are posed before the
enigma of femininity, especially the ones concerning the difficulties hysterical
women have in dealing with their own access to femininity itself.
That being so, we have come to the conclusion that hysteria is a
resistance to the feminine position once this would mean that the woman should
be able to bear ‘to be’ the object, and, consequently, should also be able to
recognize her own castration. However, the hysterical woman does not bear
such a position once she cannot bear her own castration and that is why she
denounces it in the Other.

Keywords: femininity, hysteria, psychoanalysis


SUMÁRIO

1. INTRODUÇÃO, p. 9
2. CAMINHOS DA FEMINILIDADE, p. 13
2.1 O QUE FREUD NOS DIZ SOBRE A FEMINILIDADE?, p. 13
2.2 A FEMINILIDADE NO ENSINO LACANIANO, p. 26
2.2.1 SOBRE O GOZO DA MULHER, p. 32
2.3 A IMPORTÂNCIA DA RELAÇÃO MÃE-FILHA PARA A MULHER, p. 34
3. A MULHER E SUAS MÁSCARAS, p. 43
3.1 UMA BREVE PASSAGEM PELAS CONTRIBUIÇÕES DE ALGUNS AUTORES AO
DESENVOLVIMENTO SEXUAL DA MULHER NOS ANOS 20, p. 43
3.2 A MASCARADA FEMININA, p. 49
3.3 A FALTA DO SIGNIFICANTE “FALA” NA CLÍNICA DA MULHER, p. 55
4. HISTERIA, p. 58
4.1 UMA ABORDAGEM HISTÓRICA: ANTECEDENTES DA PSICANÁLISE, p. 58
4.1.1 DE CHARCOT A FREUD, p. 61
4.2 NASCEDOURO DA PSICANÁLISE: FREUD E SEUS ESTUDOS SOBRE A
HISTERIA, p. 73
4.3 COM LACAN, p. 76
5. HISTERIA E FEMINILIDADE, p. 80
5.1 CLÍNICA DIFERENCIAL: A HISTÉRICA E A MULHER, p. 80
5.1.1 A PSICANÁLISE, O INCONSCIENTE, A LINGUAGEM E O SONHO, p. 80
5.1.2 A BELA AÇOUGUEIRA, p. 86
5.1.3 POSIÇÃO HISTÉRICA E POSIÇÃO FEMININA, p. 89
5.2 POR FIM... O CASO DORA, p. 93
6. CONSIDERAÇÕES FINAIS, p. 97
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS, p. 101
APÊNDICE, p. 106
1. INTRODUÇÃO

O interesse sobre o assunto a ser trabalhado no Mestrado Profissional

em Psicanálise, Saúde e Sociedade da Universidade Veiga de Almeida surgiu

da prática clínica exercida especialmente com mulheres e também dos estudos

teóricos realizados na graduação, na Especialização e nas Formações Clínicas

do Campo Lacaniano - Rio.

O tema a ser pesquisado, Histeria e Feminilidade, teve seu início no

Curso de Especialização em Psicanálise da Universidade Santa Úrsula,

quando foi desenvolvido como trabalho final: A relação mãe e filha e suas

vicissitudes.

Nessa época, chamou atenção no discurso de pacientes algo em

comum: a presença, a princípio velada, da mãe e uma hostilidade direcionada

a esta. Queixas relacionadas aos maridos, namorados, pai, amantes, colegas,

sogras, encobriam, de uma forma geral, resquícios da relação com a mãe.

Cada vez mais ficava clara a importância de se investigar a relação primária

dessas pacientes com a figura materna.

O que é ser uma mulher? Essa é a questão sobre a feminilidade, que

representa o mistério que circunda a mulher. A mulher busca, através do olhar

de um homem, da relação com a mãe e as outras mulheres, a chave do

enigma.

Em suas queixas encontram-se sentimentos de inferioridade e de

injustiça. A necessidade de ser amada aparece como conseqüência de seu

sofrimento. Daí resultam suas indagações: O que é ser mulher para um

homem? O que é uma mulher na fantasia de um homem? De um modo geral, a

mulher busca no parceiro algo que preencha a sua falta, o seu vazio.
Muitas vezes, a busca da mulher pela análise ocorre devido ao fracasso

em uma relação amorosa. Sua angústia é de se perder, de não ser amada. Sua

infinita demanda de amor existe com o objetivo de sanar o desamparo, a falta

de algo que a represente. Cada mulher deve, portanto, encontrar uma saída

para a problemática da falta de um significante do sexo feminino. Isso constitui

a dor de existir própria da mulher.

Ao criar a psicanálise, Freud dá lugar à fala de mulheres que

denunciavam algo além da sintomatologia orgânica. Ele aprende com as

histéricas e percebe que suas queixas representam no corpo aquilo que é

impossível de dizer.

Durante seu percurso, Freud percebe que todas as mulheres possuem

uma queixa em comum, um ponto de apoio que as permita reconhecer seus

desejos: o que é uma mulher? Ele se cala diante da tarefa de responder essa

questão. A feminilidade é definida como uma conquista a ser realizada pela

menina: tornar–se mulher. Eis o cerne da questão freudiana sobre a

feminilidade. Esta é vista por Freud como um enigma. Ele se refere à mulher

como um continente negro e numa aproximação do feminino com a poesia,

deposita nos poetas a esperança de saber mais a respeito da mulher.

Freud, entre suas descobertas, afirma, em 1932, que o vínculo inicial da

menina com a mãe (relação pré–edípica) está especialmente relacionada à

etiologia da histeria.

Nesse mesmo texto Freud tenta responder o que ele chama de “enigma

da mulher”. Já Lacan, nos anos 70, chama esse enigma de “enigma do gozo

feminino”.

Freud aborda em 1932 de forma indireta a questão do gozo. Sua


hipótese é a de que a questão feminina passa pelo falo. Entretanto, Lacan

pensa que a mulher tem algo mais para além do falo: um gozo enigmático. Não

tendo o falo, a mulher se faz de falo e se oferece para ser amada por um

homem.

Para Freud, a castração é um obstáculo com o qual a mulher se depara.

Para Lacan a castração aponta para um mais além de si mesma.

Toda a obra freudiana é atravessada pelo mistério do desejo feminino.

Freud, ao fazer uma equivalência entre tornar–se mulher e tornar–se mãe,

interrompe sua elaboração teórica a respeito da feminilidade. O ensino de

Lacan vem sugerir um novo modo de abordar a questão do desejo feminino. O

desejo feminino não é obturado pelo desejo de filho como no texto freudiano.

Lacan possibilita ampliar a questão da sexualidade feminina,

trabalhando a partir da dialética do amor, do desejo e do gozo.

A histérica provoca o desejo no Outro para sustentar seu desejo

insatisfeito, recusa para manter-se em falta, como veremos no caso da Bela

Açougueira. Ela cria um desejo não realizado pedindo a seu marido que a prive

daquilo que mais gosta: o caviar, seu prato predileto. A inteligente paciente

desafia a teoria de Freud de que o sonho é a realização de desejo ao afirmar

que seus desejos não foram realizados. A mulher histérica procura um mestre

que queira saber sobre seu mistério, mas, acaba por castrar o mestre de seu

saber mostrando-o impotente para dar conta dela. Colocar-se como objeto de

desejo na fantasia de um homem lhe é difícil. Ela se furta deste lugar de objeto,

não tolera a posição feminina.

Com este estudo pretende-se investigar, especialmente, a histeria e o

caminho da feminilidade. Supõe-se uma peculiaridade na neurose histérica no


caminho em direção à feminilidade. Sugere-se aqui algumas questões: Como

podemos articular a estratégia da neurose histérica frente ao desejo com a

recusa da feminilidade? O que provoca a dificuldade de acesso à feminilidade

na histeria? Por que a histeria presta-se a confusão com a feminilidade?

Escolhemos, então, estudar em Freud e Lacan suas contribuições sobre

a feminilidade, e pensar a questão da neurose histérica colocada por Freud

como uma das saídas frente à castração.

A relevância desta pesquisa consiste na possibilidade de fornecer

subsídios para profissionais que trabalhem com mulheres na área da

ginecologia, obstetrícia, psicologia, psicanálise, entre outros. Com o resultado

deste trabalho pretendemos contribuir para elaboração de Programas dirigidos

à mulher em instituições, postos de saúde e clínicas, além de permitir que a

prática clínica psicanalítica com mulheres histéricas se desenvolva. Propõe-se

também a criação de um curso para psicólogos e médicos onde trabalharemos

a clínica diferencial. O objetivo deste é esclarecer a confusão clínica

concernida à histeria expondo o que é da ordem da neurose histérica e o que é

da ordem da mulher.
2. CAMINHOS DA FEMINILIDADE

2.1 O QUE FREUD NOS DIZ SOBRE A FEMINILIDADE?

Através da história, as pessoas têm quebrado a cabeça com o enigma da natureza da

feminilidade.

(FREUD, (1933[1932]), 1996, p. 114)

Falar em feminilidade é falar de uma conquista realizada pela menina,

de um tornar–se mulher, visto que ela, menina, não nasce como tal. É preciso

percorrer um caminho para que possa escolher ou não o caminho da

feminilidade. Veremos que Freud credita à mulher uma natureza pulsional

passiva que encontraria na maternidade a melhor solução para a inveja do

pênis.

O que é a mulher? Essa questão se coloca para todo sujeito, porque

todos, um dia, se defrontaram com uma mulher e seu desejo. Portanto, para a

clínica psicanalítica, o tema da feminilidade é da maior importância,

impulsionando–nos a efetuar uma investigação teórica.

Acompanhando a evolução dos fundamentos de Freud sobre a

sexualidade, assim como a construção do conceito do complexo de Édipo na

obra freudiana, verificamos, simultaneamente, as sucessivas aproximações de

Freud a respeito da feminilidade.

No texto Três ensaios sobre a teoria da sexualidade (1905), Freud, na

segunda parte deste trabalho intitulado a sexualidade infantil, aborda o descaso

para com a sexualidade da criança. As atividades sexuais precoces em

crianças pequenas são citadas por outros autores, segundo Freud, como

fazendo parte de processos excepcionais; não há o reconhecimento da pulsão

sexual na infância. Freud, a partir de suas investigações nos adultos faz


afirmações sobre as manifestações sexuais da infância. A sexualidade não

começa na puberdade, mas sim é despertada muito cedo após o nascimento.

Ele destaca a idéia de uma perversidade polimorfa da criança, instituída na

própria base da sexualidade “dita” normal. A sexualidade da criança é desta

maneira necessariamente perversa. A mesma disposição polimorfa encontrada

na criança é também vista nas prostitutas no exercício de sua profissão.

(FREUD, (1905), 1996, p. 180).

Na reflexão freudiana de 1905: “[...] a sexualidade perversa é, [...],

menos uma marginalização do processo sexual que o próprio fundamento da

sexualidade normal como disposição inevitável no desenvolvimento

psicossexual de todo sujeito.” (KAUFMANN, 1996, p. 416).

A criança quando pequena é desprovida de vergonha, asco e possui

satisfação em desnudar seu corpo, dando ênfase às partes sexuais. Há a

curiosidade de ver a genitália de outras pessoas. As crianças atraídas,

geralmente pela masturbação, costumam desenvolver um forte interesse pelos

genitais de seus colegas.

Em 1908, Freud escreve sobre as teorias sexuais infantis. A primeira

delas surge do não conhecimento das diferenças entre os sexos. A criança

pequena não faz uma articulação direta entre diferença sexual anatômica e

gênero. A todos, incluindo as mulheres, é atribuído a posse de um pênis.

Uma outra teoria gira em torno do nascimento, a origem dos bebês. A

ignorância da existência da vagina permite que a criança acredite que se o

bebê se desenvolve no corpo da mãe, ele só pode ser retirado através da

passagem anal. Ele será expelido como excremento em uma evacuação.

A terceira das teorias sexuais surge quando a criança testemunha a


relação sexual entre os pais. Ela encara a relação sexual como um ato violento

imposto pelo participante mais forte (o pai) ao mais fraco (a mãe), adotando o

que poderia chamar de uma concepção sádica do coito. Segundo Freud, se a

criança se deparar com as manchas de sangue na cama dos pais, ela irá

considerar o fato como uma confirmação de sua concepção. Isso servirá como

prova de que o pai agrediu a mãe. Diante de tal conexão podemos explicar o

grande horror ao sangue dos neuróticos.

Em 1923, Freud volta a abordar a teoria da sexualidade e escreve que a

principal característica da organização genital infantil está no fato de que, tanto

para o menino quanto para menina, apenas um órgão genital é considerado, e

esse é o masculino. É em torno do modelo masculino que Freud elabora

primeiramente sua teoria da sexualidade. A primazia do falo, e não dos órgãos

genitais, é que está presente.

Dando continuidade a elaboração dessa pesquisa, a criança passa da

crença da universalidade do pênis para a descoberta de que “... o pênis não é

uma possessão, comum a todas as criaturas que a ela se assemelham”.

(FREUD, (1923), 1996, p. 159). A falta é considerada como conseqüência da

castração. Assim, a criança se depara com um trabalho psíquico a ser feito em

relação à castração.

É justamente a teoria da castração que leva Freud a romper com a

simetria entre o Édipo do menino e o da menina. Freud, ao articular o complexo

de Édipo com o de castração, coloca este primeiro na dimensão de conceito

fundador, conceito que organiza o ser humano em torno das diferenças dos

sexos.

Segundo Kaufmann, o complexo de castração possibilita o acesso à


cultura pela submissão e a identificação com o pai portador da lei que regula o

jogo de desejo ao produzir a interiorização da interdição oposta aos dois

desejos edipianos: o incesto materno e o assassinato do pai. (KAUFMANN,

1996, p. 135).

Todo ser humano se encontra diante da tarefa de superar o complexo de

Édipo. Este, como fenômeno central do período sexual da primeira infância,

nos revela sua importância. Podemos considerar a questão do Édipo como um

conceito fundamental da teoria freudiana, como o momento decisivo quando

culmina a sexualidade infantil.

O fato do complexo de Édipo ser construído em torno do conceito de

castração e da figura paterna nos leva ao enigma do feminino. A feminilidade é

vista por Freud como um obstáculo para psicanálise, um continente negro.

Freud, em seu artigo A dissolução do Complexo de Édipo de 1924,

enfatiza o curso diferente tomado pelo desenvolvimento da sexualidade em

meninos e meninas. A partir da observação analítica, Freud inicialmente

focaliza o desenvolvimento sexual do menino e questiona: “Como se realiza o

desenvolvimento correspondente nas meninas?” (FREUD, (1924), 1996, p.

197).

Inicialmente, o clitóris para a menina é visto como um pênis. Porém,

quando ela o compara com o órgão sexual do menino, percebe que “se saiu

mal”, ou seja, sente como uma injustiça feita a ela, justificativa para sua

inferioridade. Seu consolo está na expectativa de um dia ainda possuir um

órgão tão grande quanto o do menino.

A menina não compreende a ausência do pênis como sendo um caráter

sexual. Pensa que anteriormente possuíra um órgão também grande e


perdera–o por castração: “Dá–se assim a diferença essencial de que a menina

aceita a castração como um fato consumado, ao passo que o menino teme a

possibilidade de sua ocorrência”. (FREUD, (1924), 1996, p. 198).

Constatamos que o complexo de castração se dá na menina de maneira

diferente. Há indicação de uma particularidade na constituição do supereu, já

que o temor da castração não é aplicável no caso dela. Além disso, a castração

fica sendo representada na mulher como o medo da perda de amor, ou seja, a

ameaça está no medo de não ser amada. Freud, em 1914, escreve: “Sua

necessidade não se acha na direção de amar, mas de ser amada”. (FREUD,

(1914), 1996, p. 95).

Neste mesmo artigo de 1914 intitulado Sobre o narcisismo: uma

introdução, Freud faz uma comparação entre os sexos masculino e feminino e

indica que entre eles há uma diferença referente ao tipo de escolha objetal,

sublinhando que tal diferença naturalmente não é universal.

Ao homem é reservado o amor objetal do tipo de ligação ou analítico.

Tal escolha está referenciada ao Édipo. O homem exibe uma supervalorização

sexual que tem sua origem no narcisismo original da criança.

Quanto ao sexo feminino, a ele está reservado um tipo de escolha

objetal que deve ser denominado narcisista. As mulheres, especialmente

aquelas que são belas, desenvolvem um certo autocontentamento que faz

compensar as restrições que lhes são impostas pela sociedade. Estas amam

somente a si mesmas. Como já dissemos, elas querem é ser amadas. Nessa

posição recuperam o que de seu narcisismo se escoou pela posição de

amante. “Amar em si, na medida em que envolva anelo e privação, reduz a

auto-estima, ao passo que ser amado, ser correspondido no amor, e possuir o


objeto amado, eleva-a mais uma vez”. (FREUD, (1914), 1996, p. 106).

Segundo Freud, tais mulheres exercem o fascínio sobre os homens, não só por

causa da bela estética, mas também por uma questão de combinação; o sujeito

narcísico atrai aqueles que renunciam parte de seu próprio narcisismo em

busca do amor objetal.

No menino, a ameaça de castração é vista como um poderoso motivo

para o estabelecimento de um supereu rígido. A menina, por sua vez, encontra

a castração não pelo viés de uma ameaça que não lhe diz respeito e sim pela

comparação de seu sexo com o dos meninos e, conseqüentemente, possui um

supereu, podemos considerar, mais flexível, demonstrando ser, segundo

Freud, mais influenciada pelos sentimentos de afeição. Entendemos então que

as mulheres estariam mais sujeitas ao desejo de serem amadas: já que não

tenho (o pênis), então me ame. O apelo ao amor pode ser interpretado como

conseqüente do medo de perder-se de si própria.

Pode–se até pensar, de início, que o complexo de Édipo na menina é

mais simples que no menino, por implicar em assumir o lugar da mãe e ter o

pai como objeto de amor. Entretanto, seguindo o desenvolvimento acerca da

feminilidade vemos que não foi essa a conclusão de Freud.

Segundo Freud, a menina passa a desejar receber do pai um bebê como

presente. Tal formulação é possível graças a equivalência entre falo e bebê. O

desejo de um filho corresponde, portanto, ao desejo de possuir o falo. O desejo

de possuir um pênis e um filho ficam catexizados no inconsciente, dando uma

diretriz no trajeto da feminilidade pela via da maternidade.

Em Algumas Conseqüências Psíquicas da Distinção Anatômica entre os

Sexos (1925), Freud destaca a importância do período mais remoto da infância


nas análises dos neuróticos. Ele escreve que somente podemos avaliar as

forças que levaram o sujeito à neurose, a partir do exame das primeiras

manifestações da constituição do sujeito e os efeitos de suas primeiras

experiências.

Nesse artigo ele questiona como a menina abandona a mãe, seu objeto

original, e toma o pai como seu novo objeto de amor. Investigando a partir

dessa idéia, Freud chega à formulação da conhecida relação pré–edípica. No

caso da menina é a relação que corresponde à pré–história do Édipo.

Freud, insatisfeito com sua teoria, irá, neste artigo de 1925, apresentar

uma nova descrição de Édipo feminino, ou seja, propor uma nova teoria sobre

a sexualidade feminina, não mais calcada no modelo masculino. Ele amplia e

modifica sua concepção acerca do complexo de Édipo feminino. É observado

que na menina o complexo de Édipo possui uma longa pré–história e o

confronto com a castração é determinante na constituição edipiana. Já nos

meninos, o declínio do complexo de Édipo se inicia a partir do complexo de

castração.

A menina, ao fazer a descoberta do pênis em relação ao sexo oposto, o

identifica como algo superior ao seu pequeno órgão. Ao perceber isto, torna–se

presente na menina a inveja do pênis.

O desejo do pênis proporciona, na evolução da sexualidade feminina,

muitas conseqüências. Entre elas encontramos o afrouxamento da relação

afetuosa da menina com mãe. A mãe é a responsável pela falta do pênis. Outro

efeito é a intensa corrente de sentimentos contra a masturbação clitoriana.

Segundo Freud: “[...] seu sentimento narcísico de humilhação ligado à inveja do

pênis, [...] é um ponto no qual ela não pode competir com os meninos, e que
assim seria melhor para ela abandonar a idéia de fazê–lo.” (FREUD, (1925),

1996, p. 284).

Um outro deslocamento realizado pela menina com o objetivo de seu

ingresso no complexo edípico trata–se de um deslizamento para uma nova

posição ao longo da linha da “equação pênis – criança”. A menina, então,

transfere o desejo de um pênis para o desejo de um filho, tomando o pai como

objeto de amor e a mãe como objeto de seu ciúme.

Temos assim duas tarefas que a menina vê–se obrigada a cumprir na

realização do seu complexo edípico: troca da zona erógena (do clitóris para

vagina) e do objeto de amor (da mãe para o pai).

Em 1931, em artigo intitulado A Sexualidade Feminina, Freud amplia

alguns aspectos das descobertas enunciadas seis anos antes. Ele irá expor a

importância da fase pré–edípica nas mulheres. Entre suas descobertas, esta

fase está especialmente relacionada à etiologia da histeria:

[...] o que não é de surpreender quando refletimos que tanto a fase


quanto a neurose são caracteristicamente femininas, e, ademais, que
nessa dependência da mãe encontramos o germe da paranóia
posterior nas mulheres, pois esse germe parece ser o surpreendente,
embora regular, temor de ser morta (devorada?) pela mãe. É
plausível presumir que esse temor corresponde a uma hostilidade
que se desenvolve na criança, em relação à mãe, em conseqüência
das múltiplas restrições impostas por esta no decorrer do treinamento
e do cuidado corporal, e que o mecanismo de proteção é favorável
pela idade precoce da organização psíquica da criança. (FREUD,
(1931), 1996, p. 235).

Segundo Freud, para a menina, são apresentados três caminhos em

função da sua situação em relação à castração. No primeiro, a menina,

assustada pela comparação com os meninos e insatisfeita com seu clitóris,

abre mão de sua atividade fálica, de sua sexualidade em geral. Esta via a

conduz a inibição sexual, ou à neurose. Já no segundo caminho, ela possui a

esperança de conseguir um pênis. O complexo de masculinidade nas mulheres


poderá levá–las a uma escolha de objeto homossexual manifesta. A terceira

possibilidade consiste no caminho da maternidade, no qual o pai é tomado

como objeto, alcançando o complexo de Édipo feminino, ou seja, a conduz à

feminilidade.

Freud, baseando–se na importância da fase de ligação exclusiva à mãe,

afirmará que muitos fenômenos da vida sexual feminina podem ser explicados

a partir dessa fase:

[...] observamos que muitas mulheres que escolheram o marido


conforme o modelo do pai, ou o colocaram em lugar do pai, não
obstante repetem para ele, em sua vida conjugal, seus maus
relacionamentos com as mães. O marido de tal mulher destinava–se
a ser o herdeiro de seu relacionamento com o pai, mas, na realidade,
tornou–se o herdeiro do relacionamento dela com a mãe. (FREUD,
(1931), 1996, p. 239).

Da mesma forma em que a construção da ligação com o pai foi realizada

a partir do relacionamento original da menina com a mãe, no casamento esse

relacionamento poderá emergir, visto que o conteúdo principal de seu

desenvolvimento para o estado de mulher está situado na transferência de

suas ligações objetais afetivas da mãe para o pai.

A proibição da masturbação faz com que a menina se afaste da mãe,

entretanto também torna–se motivo para que ela se revolte contra a pessoa

que a proíbe, ou seja, a própria mãe. Da mesma maneira em que o

ressentimento da menina, pelo fato de ser impedida de uma atividade sexual

livre, é o grande causador do desligamento da mãe, mais tarde, após a

puberdade, esse ressentimento entrará em funcionamento quando a mãe

assumir seu papel de guardiã da filha.

Diante da insuficiência dos vários motivos fornecidos por Freud para

justificar o afastamento da mãe e a hostilidade final da menina, ele irá propor

que a ligação à mãe está destinada a ser semelhante aos primeiros


casamentos de mulheres jovens, considerando seu lugar de primeira relação

amorosa assim como a intensidade de tal relação. Diz Freud:

[...] ela falhou em fornecer à menina o único ou órgão genital correto,


que não a amamentou o suficiente, que a compeliu a partilhar o amor
da mãe com outros, que nunca atendeu às expectativas de amor da
menina e, finalmente, que primeiro despertou a sua atividade sexual e
depois a proibiu [...]. (FREUD, (1931), 1996, p. 242).

A ambivalência é claramente observada nas primeiras fases da vida

erótica. Assim podemos concluir que os sentimentos de amor e ódio também

existem na intensa ligação da menina com a mãe.

Os objetivos sexuais da menina são tanto ativos quanto passivos em

relação à mãe. Há uma oscilação entre passividade e atividade que ocorre de

forma diferente em cada criança. Podemos concluir que o comportamento de

uma criança dependerá da intensidade de masculinidade e feminilidade que ela

apresenta em sua sexualidade.

Quando nos referimos ao par passividade – atividade podemos tomar

como ilustração o brincar, tal como Freud o fez em seu artigo Mais além do

princípio do prazer de 1920. É observado que a criança tende a produzir uma

reação ativa quando recebe uma impressão passiva. O brinquedo utilizado tem

a função de contribuir para elaborar uma experiência passiva através de um

comportamento ativo. Do mesmo modo que o médico a examina, essa criança

irá brincar de ser médico, enquanto seu irmão menor será o alvo indefeso. Há

uma reação contra a passividade e, conseqüentemente, uma preferência pelo

papel ativo.

As primeiras experiências sexuais da criança com a mãe são passivas.

Ela é amamentada, limpa, ensinada. Parte de sua libido mantém–se ligada a

essas experiências e outra tenta transformar–se em atividade. A preferência da


menina por brincar de boneca é vista como um lado ativo da feminilidade, é a

prova de sua ligação exclusiva à mãe.

Freud observou em suas pacientes que aquelas que demonstravam uma

intensa ligação com a mãe costumavam apresentar maior resistência e

reagiam com medo e gritos de raiva quando suas mães aplicavam lavagens

retais. Uma observação feita por Ruth Mack Brunswick o fez compreender o

motivo de tal comportamento. Esta compara este sentimento de raiva com o

orgasmo que se segue à excitação genital: “A ansiedade acompanhante,

pensava ela, deveria ser interpretada como uma transformação do desejo de

agressão que fora despertado”. (FREUD, (1931), 1996, p. 246).

Em relação aos impulsos passivos da fase fálica, Freud escreve que é

comum às meninas acusarem suas mães de seduzi–las; visto que suas

primeiras sensações genitais ocorrem quando estão sendo limpas pela mãe ou

babá. Para ele, isto poderá justificar o fato de, posteriormente, nas fantasias o

pai aparecer como o sedutor sexual.

Segundo Freud, o afastamento da mãe é um passo bastante importante

no desenvolvimento da menina, ultrapassa uma simples mudança de objeto.

Observa–se uma grande diminuição dos impulsos sexuais ativos e um aumento

dos impulsos passivos. As frustrações afetam intensamente as tendências

ativas. Com esse afastamento, a masturbação clitoriana, na maioria das vezes,

cessa, e boa parte de suas tendências sexuais fica danificada quando a

menina reprime sua masculinidade prévia. As tendências passivas auxiliam a

transição para o objeto paterno. Como Freud, afirmamos que: “O caminho para

o desenvolvimento da feminilidade está agora aberto à menina, até onde não

se ache restrito pelos remanescentes da ligação pré–edípica à mãe, ligação


que superou.” (FREUD, (1931), 1996, p. 247).

Freud, depois de um ano, retorna ao tema da sexualidade feminina em

seu último trabalho sobre o assunto na conferência A Feminilidade. Esse texto

baseia–se principalmente em dois artigos anteriores: um de 1925–Algumas

Conseqüências Psíquicas da Distinção Anatômica entre os Sexos e outro de

1931–Sexualidade Feminina.

Freud, diante da dificuldade de encontrar uma significação psicológica

para masculino e feminino, afirma a incapacidade da psicologia para solucionar

o enigma da feminilidade. Ele relata: “[...] a psicanálise não tenta descrever o

que é a mulher..., mas se empenha em indagar como é que a mulher se forma,

como a mulher se desenvolve desde a criança dotada de disposição bissexual.”

(FREUD, (1933[1932]), 1996, p. 117).

Nesse texto, Freud revê a equivalência proposta por ele anteriormente

entre: feminino = passivo e masculino = ativo, e passa a examinar o complexo

de Édipo e o de castração.

Freud, ao comparar o desenvolvimento de uma menina em mulher com

o que ocorre com os meninos, observa que aquele é mais difícil e complexo, ao

contrário do que pensava em 1924, pois inclui justamente duas tarefas extras.

Aqui ele retoma as duas tarefas que a mulher tem que realizar no decorrer do

seu desenvolvimento: mudança de zona erógena e de objeto, ao contrário do

menino que mantém ambos.

Freud, no trabalho analítico, encontra algumas características psíquicas

da feminilidade. É atribuída à feminilidade maior quantidade de narcisismo. Isso

tem influência na escolha objetal da mulher, pois para ela ser amada é mais

necessário que amar. A inveja do pênis produz efeitos, visto que a mulher
tende a valorizar seus encantos como forma de compensar a sua inferioridade

sexual original.

Freud, no final do artigo de 1932, volta a abordar a importância da fase

pré–edípica:

A hostilidade que ficou para trás segue na trilha da vinculação


positiva e se alastra ao novo objeto. O marido da mulher, inicialmente
herdado, por ela, do pai, após algum tempo se torna também herdeiro
da mãe. Assim, facilmente pode acontecer que a segunda metade da
vida da mulher venha ser preenchida pela luta contra seu marido, do
mesmo modo como a primeira metade, mais breve, fora preenchida
pela rebelião contra a mãe. (FREUD, (1933[1932]), 1996, p. 132).

Ele finaliza seu trabalho sobre a Feminilidade expondo duas camadas

distinguidas a partir da identificação de uma mulher com sua mãe. Primeiro

vem a pré–edípica, onde se apóia a vinculação afetuosa com a mãe, sendo

esta tomada como modelo. Já a camada a seguir surge do complexo de Édipo,

e nesta a menina procura eliminar a mãe e tomar seu lugar junto ao pai.

Acrescenta ainda que tanto a camada pré–edípica quanto a edípica subsistem

no futuro e nenhuma das duas é adequadamente superada.

Freud então conclui que a fase de ligação afetuosa pré–edípica é

importante para a aquisição das características que exercerão mais tarde o

papel na função sexual e nas suas tarefas sociais.

Freud escreve, no final dessa conferência, ter sido incompleto ao

abordar a feminilidade e sugere que recorramos aos poetas em busca de

respostas. Como, muito bem, nos diz Dunker: “A feminilidade é uma questão

que resiste a se inscrever sob forma de um saber.” (DUNKER apud PRATES,

2001, p. 9).

Como vimos, as formulações de Freud acerca da construção da

sexualidade feminina acabaram por possuir um caráter enigmático.

Se desejarem saber mais a respeito da feminilidade, indaguem da


própria experiência de vida dos senhores, ou consultem os poetas, ou
aguardem até que a ciência possa dar-lhes informações mais
profundas e mais coerentes. (FREUD, (1933[1932]), 1996, p. 134).

2.2 A FEMINILIDADE NO ENSINO LACANIANO

A relação pré-edípica constitui-se como a referência freudiana, por

excelência, nas formulações sobre a feminilidade. Para Lacan, é a lógica do

não todo que permite ampliar a análise da feminilidade, em seus aspectos

específicos que englobam o gozo suplementar e a dialética entre ser e ter.

Freud propõe uma partilha dos sexos a partir do falo - ter ou não ter o

falo - e coloca o desejo feminino como o desejo de ter um filho, fazendo

equivaler, portanto, a mãe à mulher como vimos no item anterior (2.1).

O ensino de Lacan tem como proposta dar continuidade ao texto

freudiano e nos apresenta algumas contribuições importantes sobre o enigma

da sexualidade. A mãe, modelo de mulher para Freud, deixa de sê-lo na ótica

de Lacan. Ele expõe que, em vez de investigarmos a questão freudiana do que

quer “a” mulher, indaguemos o que quer “uma” mulher. Ele nos diz: “Agora, o

outro lado. O que eu abordo este ano é o que Freud deixou expressamente de

lado, o Was will das Weib? O que quer uma mulher?” (LACAN, (1972-73),

1985, p. 108).

Lacan, portanto, vai além do ponto deixado por Freud. A mulher

lacaniana depara–se com a questão de ser o falo, justamente por não tê–lo. “É

pelo que ela não é que ela pretende ser desejada ao mesmo tempo que

amada. Mas ela encontra o significante de seu próprio desejo no corpo daquele

a quem sua demanda de amor é endereçada.” (LACAN, (1958), 1998, p. 701).

É preciso ocupar o lugar de “ser o falo” para se tornar objeto causa de desejo.

Para isso, ela na posição feminina terá que rejeitar uma parcela essencial da
feminilidade, se apresentar com o sinal de menos, como “objeto a” na relação

com o homem. Enfim, estar marcada pela castração, castração esta que a

histérica não suporta e por isso se esquiva da posição feminina. Trabalharemos

mais essa questão no capítulo 5, quando articularemos a histeria e a

feminilidade.

Soler (2005), ao tratar do livro de Léon Bloy La femme pauvre, escreve

que a verdadeira mulher só existe “sob a condição de existir sem pão, sem

pouso, sem amigos, sem marido e sem filhos”, (BLOY apud SOLER, 2005, p.

22), de outra maneira, ela envolve algo que se articula ao sacrifício do ter,

quando tem consentido com a modalidade própria da sua castração. A

verdadeira mulher só existe de verdade quando se apresenta como menos,

com o sinal de menos, como escrito acima, rejeitando nomeadamente todos os

seus atributos na mascarada. (LACAN, (1958), 1998, p. 701).

Lacan formula a respeito da verdadeira mulher ao separar a condição de

mulher da de mãe. A seu ver, a verdadeira mulher é aquela que escolhe ser

mais mulher do que mãe, ou melhor, é aquela que coloca em segundo plano

sua condição materna. Carneiro Ribeiro em seu artigo “Ela anda em beleza,

como a noite” ressalta: “Lacan nos diz que a verdadeira mulher só está

presente no ato [...] quando cai fora do significante, lançando-se neste espaço

indeterminado em que o sujeito é abolido.” (CARNEIRO RIBEIRO, 1995, p. 97).

Lacan convoca a figura de Medéia para abordar a verdadeira mulher.

Essa é uma das figuras míticas dos grandes romances que sacrifica tudo para

obter o amor de um homem. A personagem não tem dúvida ao sacrificar a vida

de seus filhos com o intuito de atingir Jasão, o qual a abandonara como

mulher. Mais nada, além do amor de Jasão, interessa Medéia.


“Ser o falo” é uma invenção lacaniana que amplia a questão da

sexualidade feminina trabalhando-a a partir da dialética do amor, do desejo e

do gozo.

O que é o falo? Lacan, em A significação do falo ((1958), 1998, p. 693)1,

aponta que para a mulher a relação ao falo é especialmente difícil – espinhosa

- levando em conta que a menina se considera, nem que seja por um

momento, castrada, privada de falo. Escreve também que o falo é um

significante, significante do desejo do Outro, ou seja, é “o nome do desejo” e,

portanto, pronunciável. (FINK, 1998, p. 129).

Tendo em vista que o desejo sempre está relacionado com a falta,

dizemos então que o falo é um significante da falta, da perda primordial à qual

a castração está referida. A visão dos órgãos genitais do outro sexo dá início

ao complexo de castração para menina. (ver página 14, item 2.1). A menina ao

se deparar com tal diferença sucumbe à inveja do pênis (Penisneid), o que

Lacan chama de a nostalgia da falta-a-ser, de algo que nunca tivera.

A partir da operação da metáfora paterna, o falo, enquanto significante

da falta e, portanto do desejo, se inscreve no Outro. Nessa operação, o Nome-

do-Pai deve substituir o desejo da mãe. A função paterna sustenta a lei do

desejo para o sujeito. É o pai quem garante uma relação simbólica com o

desejo, ou seja, é a referência de um pai que barra o Outro primordialmente

materno. Como a mãe é o primeiro objeto de investimento sexual da criança, o

sujeito só pode buscar investimentos externos ao âmbito familiar a partir da

interdição do Nome-do-Pai que barra o desejo materno.

Ao contrário de Freud, Lacan acredita que a castração indica para um

1
Conferência proferida em 9 de Maio de 1958 em Munique.
mais além dela própria. O falo não é uma fantasia, um objeto e nem tão pouco

um órgão (LACAN, (1958), 1998, p. 696).

Quanto à função do falo, Lacan nos diz que o falo é um significante que

determina como se constituem as relações entre os sexos. Essas relações irão

girar em torno de um ser e de um ter, que por estarem remetidas a um

significante, o falo, têm como efeito dar realidade ao sujeito e tornar

impossíveis as relações sexuais: devido a “intervenção de um parecer que

substitui o ter, para, de um lado, protegê-lo e, de outro mascarar sua falta no

outro, ...”. (LACAN, (1958), 1998, p. 701). Pela via do significante, a relação

sexual é uma relação de fazer semblante, na qual a mulher está no registro do

ser e o homem no do ter. Este último, na verdade, não é possuidor do falo. Ele

possui um pênis que é investido de valor fálico. A relação com o falo irá

desempenhar um papel para o homem e para a mulher a partir do

reconhecimento da castração da mãe. Então, enquanto o homem faz máscara

de ter para proteger o que possui, a mulher faz máscara de ser para encobrir o

que não tem, fazendo-se assim de falo. Como já dissemos, é exatamente pelo

que ela não é que a mulher deseja ser desejada e amada.

Em Diretrizes para um Congresso sobre a sexualidade feminina (1958)2,

Lacan nos sugere que, na partilha dos sexos, o homem possui a forma

fetichista de amor e a mulher a forma erotomaníaca; e nos afirma que um

“homem serve... de conector para que a mulher se torne esse Outro para ela

mesma, como o é para ele”. (LACAN, (1958), 1998, p. 741). Quinet em 1995

nos esclarece essa afirmativa, a partir da lógica do não-todo, ao responder que:

2
Congresso que teve sob o nome de Colóquio Internacional de Psicanálise de 5 a 9 de
Setembro de 1960 em Amsterdam.
A mulher utiliza o homem como traço distintivo da função fálica [...]
por um lado, ela é igual ao homem podendo se espelhar nele a partir
deste traço distintivo do falo inserindo-se na ordem fálica; por outro
lado, tem algo totalmente diferente, para-além do falo. Essa divisão a
constitui como um Outro para si mesma. (QUINET, 1995, p. 17).

Freud, em 1914, coloca a cura pelo amor como sendo uma forma da

mulher retornar ao narcisismo. Aquele que ama perde parte do narcisismo e

para compensar é preciso colocar-se como sendo amado. Enquanto as cargas

libidinais estão dirigidas para os objetos, o eu se empobrece. O eu somente se

enriquece se as cargas estiverem dirigidas para si. As satisfações devem ser

conseguidas através dos objetos. Se a necessidade da mulher se acha na

direção de ser amada e não de amar, é através do amor erotômano pelo

homem que ela se ama.

A forma erotomaníaca de amor da mulher difere da erotomania como

forma de delírio psicótico, o qual se encontra marcado pela certeza. A mulher

como neurótica duvida: será que ele me ama? A mulher, desta forma, pergunta

para suas companheiras se o homem através de olhares ou palavras deixou

algum sinal.

Como sabemos, a condição do desejo é a falta. Para que um homem ou

uma mulher deseje o(a) seu(ua) parceiro(a) é preciso que este se apresente

como faltoso. Para a mulher, em sua forma de amor erotomaníaca, essa falta é

necessária para que o homem possa ser desejado por ela.

Lacan, na forma de amar da mulher, propõe um jogo de cena onde

existe um homem na frente do véu (castração), e outro por trás. Na frente há o

parceiro sexual, aquele que possui o pênis, e atrás aparecem os efeitos da

castração no homem, ou seja, o amante castrado, o homem morto, as

figurações que Lacan denomina íncubo ideal.


O termo íncubo no Novo Dicionário Aurélio da Língua Portuguesa (2004)

significa um tipo de “demônio masculino que, segundo velha crença popular,

vem à noite copular com uma mulher, perturbando-lhe o sono e causando-lhe

pesadelos” (2004, p. 1092). Lacan toma emprestado esse termo da

demonologia para dizer que o desejo feminino visa o parceiro sexual, aquele

que está diante do véu. O amor, por sua vez, encontra-se por trás do véu,

dirigido para o íncubo ideal. O objeto de adoração da mulher é a figura de

homem submetido à castração.

O íncubo ideal “é uma figuração do pai morto como guardião do gozo,

instaurador da lei e do desejo, sendo também o agente da

castração”.(QUINET,1995, p. 19).

Véu
amante castrado
parceiro sexual homem morto – Cristo

desejo sexual amor

recalque (QUINET, 1995, p. 18)

Esse esquema nos faz visualizar a duplicidade da sexualidade feminina

entre o parceiro sexual e o íncubo ideal, a duplicidade representada entre o

desejo na mulher e o amor. Isso irá fazer com que Lacan, nos anos 70,
proponha o desdobramento da sexualidade feminina como vinculada ao gozo

fálico e ao gozo enigmático (feminino, suplementar), louco, que não tem

significante para conter em um universo. Como já esboçamos neste item, a

mulher se encontra não apenas no gozo fálico.

2.2.1 Sobre o gozo da mulher

O conceito de gozo foi introduzido por Lacan. Sua definição refere-se à

concepção jurídica do termo. Para ele, a noção de gozo, se trata de gozar de, o

que é diferente de gozar. A noção de gozo no Direito se refere à noção de

usufruto, que é o gozo da coisa enquanto objeto de apropriação. Segundo

Pommier: “Em Psicanálise, esse termo é útil porque permite falar simplesmente

da meta da libido.” (POMMIER, 1992, p. 209).

Acompanhando os desenvolvimentos teóricos da psicanálise, o conceito

de gozo sofreu diversas modificações. O ponto que nos interessa aqui é o que

Lacan desenvolveu no Seminário 20, onde ele aborda os problemas do amor,

clareando as questões propriamente femininas.

Lacan defende a tese de que o gozo feminino, apesar de estar

relacionado à função fálica, se trata de um outro gozo que não o gozo fálico.

A inexistência da angústia de castração na mulher torna-a não-toda, ou

seja, a mulher não se situa totalmente na norma fálica. E isso que daí escapa,

permitiu Lacan formular suas idéias a respeito do gozo suplementar.

O gozo suplementar feminino é abordado, de forma indireta, por Freud

em 1932 na Conferência XXXIII – Feminilidade, através, podemos pensar, da

expressão: enigma da mulher. A hipótese é de que a questão feminina passa

pelo falo e o ultrapassa, ou seja, não está reduzido a ele.


É a existência do gozo fálico que nos leva a crer na existência do gozo

suplementar. Lacan relata:

[...] ela tem, em relação ao que designa de gozo a função fálica, um


gozo suplementar. Mais adiante continua: Vocês notarão que eu
disse suplementar. Se estivesse dito complementar, aonde é que
estaríamos! Recairíamos no todo. (LACAN, (1972-73), 1985, p. 99).

Esse gozo suplementar também pode ser nomeado de indescritível

devido ao fato de se situar fora da cadeia significante; tal gozo escapa ao

domínio do significante. Somente parte do gozo feminino é possível de ser dito,

aquela parte do gozo sexual, fálico: determinado pelo significante.

Algumas questões relativas à posição feminina serão esclarecidas pela

hipótese da existência do gozo suplementar.

Na partilha dos sexos, Lacan define que a mulher está na posição de

não-toda, não-toda submetida à função fálica. A falta da identidade feminina é

uma das conseqüências do fato da mulher se encontrar nessa posição.

A posição feminina consiste em fazer de conta de objeto, fazer

semblante, fato que abordaremos no próximo capítulo sobre a mascarada.

Então, o gozo da mulher é dividido, ela é não-toda na ordem fálica. A

mulher possui um gozo que escapa à ordem do ter e do ser. Uma mulher sente

que parte dela está presa no gozo fálico, e a outra parte situa-se no gozo do

Outro, ou gozo do corpo, gozo do qual nada se sabe... só se pode supô-lo; está

fora-de-linguagem, fora-do-simbólico. (CARNEIRO RIBEIRO, 1995, p. 94).

Trata-se de um gozo sem regulação fálica, podendo ser qualificado de “louco”

por não estar submetido ao significante do Nome-do-Pai.


2.3 A IMPORTÂNCIA DA RELAÇÃO MÃE-FILHA PARA A

MULHER

De início, Freud não se deu conta da importância da mãe no destino da

mulher. Sua descoberta foi se revelando na medida em que seus estudos

sobre a sexualidade feminina avançavam. A leitura psicanalítica dessa relação

trouxe para a dinâmica feminina uma nova compreensão.

O lugar ocupado pela mãe enquanto mulher é fundamental no processo

de constituição de uma identificação feminina da filha. Ao voltar–se para a mãe,

a menina ainda possui a esperança de receber desta um significante do sexo

feminino, entretanto terá que se deparar com a mãe destituída desse

significante específico de feminilidade. Em um momento posterior, a filha vendo

que à mãe falta um símbolo específico de seu sexo, busca nesta um modo que

lhe permita criar uma identificação feminina. À outra mulher e ao homem

também será dirigida a interrogação sobre o que é ser mulher.

Entretanto, a transmissão da feminilidade não é possível. Cabe a cada

uma, tanto mãe quanto filha, passar pelo luto da separação no que diz respeito

à questão da feminilidade.

À mãe cabe renunciar a relação que elas mantiveram na infância e, em

um processo de compensação da filha pela falta de identificação feminina, criar

artifícios que possibilitem o acolhimento desta, ou seja, ajudá–la a suportar a

falta dessa identificação que nunca poderá ser preenchida. Mas que artifícios

seriam esses? Podemos pensar nas roupas, jóias, pinturas, perfumes,

acessórios que a enfeite e que facilitem serem desejadas pelos homens, assim

como a mãe é pelo pai. Desta forma, a mãe estaria traçando um percurso de

feminilidade para que a filha o utilize mais tarde. Essa seria a porta para o
caminho da filha no processo de tornar–se mulher para si mesma.

No caso da filha, esta deverá libertar–se da mãe, não prejudicando seu

percurso no desenvolvimento do tornar–se mulher. Desta forma, é preciso

aceitar a perda.

Em nossas clínicas observamos o quanto esse processo é difícil. A

menina entra no Édipo em busca de obter do pai o que não tem e, no seu caso

irá manter–se no decorrer da vida, um resto da relação com a mãe. Ou seja, a

relação da filha com o pai não fará desaparecer a relação primária desta com a

mãe. Estamos aqui falando de um resto, em nível de Édipo, que não pode ser

simbolizado.

Muitas mulheres possuem a dificuldade de separar–se da mãe para

entrar em uma relação com um homem. A seguir apresentaremos um

fragmento de caso de nossa clínica no qual observamos tal complexidade.

Uma paciente, no percurso de sua análise, relata que a mãe é aquela

que “lhe atrasa”, “lhe sufoca”, “atrapalha seu trabalho”, “tira sua privacidade a

ponto de não poder transar com o marido”. Sua apnéia (fato que a trouxe para

análise) expressa claramente a relação mal resolvida com a mãe. Seu discurso

queixoso que no início da análise estava voltado para uma possível traição do

marido, volta–se em dado momento para a mãe, cheio de ressentimentos.

Outras mulheres buscam em seus companheiros ou companheiras uma

mãe substituta. Esta última irá surgir sempre de diversas formas no discurso de

nossas pacientes em algum momento da análise: através do(a)

companheiro(a), da sogra, da Outra mulher, do pai. Nossa clínica nos

demonstra tal fato:

Outra paciente de aproximadamente 49 anos, homossexual, na primeira


entrevista relata: “Busco geralmente ter relação com mulheres mais velhas...

procuro nelas a mãe que não tive”.

Apresentaremos dois casos de Freud onde podemos observar a busca

de uma mãe substituta.

O primeiro caso clínico (1915) consiste em uma jovem de 30 anos que

por muitos anos trabalhara em uma firma comercial. Segundo o relato de

Freud, esta nunca havia procurado casos amorosos com homens, vivendo

tranqüilamente com a mãe. Era filha única e o pai morrera anos atrás. A jovem

(que primeiramente consultou um advogado) queixava–se “das investidas de

um homem que a arrastava para uma aventura amorosa”. (FREUD, (1915),

1996, p. 271). Para Freud, a jovem transformara o amante em um perseguidor,

defendendo–se contra o amor por um homem.

Certa vez, a conversa de sua chefe idosa (por ela descrita da seguinte

forma: “Ela tem cabelos brancos como minha mãe”) com o jovem amante

despertou sua desconfiança. Achou que este último falara com a “dama de

cabelos brancos” sobre sua aventura amorosa.

Freud conclui que a chefe era uma substituta da mãe e que esta primeira

ao saber da relação amorosa da moça, desaprovou–a:

Seu amor pela mãe se tornara o porta–voz de todas as tendências


que, desempenhando o papel de uma consciência, procuram
embargar o primeiro passo de uma moça na nova estrada que leva à
satisfação sexual normal – sob muitos aspectos perigosa -, e na
realidade conseguiu perturbar sua relação com homens. (FREUD,
[1924 (1915)], 1996, p. 275).

Podemos então supor que a poderosa ligação emocional com a mãe a

colocou afastada de homens até seus 30 anos. O amor não é pela mãe que

hoje se apresenta e sim pela imagem mais antiga desta.

Voltamos aqui à idéia que Freud desenvolveu mais tarde (1931), a de


que a mulher com dificuldade de separar–se da mãe pode determinar

dificuldades para abraçar uma relação com um homem.

Observamos na clínica o intenso vínculo da mulher com a figura materna

e suas conseqüentes questões sobre sua posição enquanto sujeito desejante.

A dificuldade de separar–se da mãe e aceder à feminilidade expressa–se com

freqüência na relação da mulher com um homem.

No caso da jovem homossexual (1920), Freud retoma o complexo

materno ao estudar a questão da ligação da menina com a mãe. Esse caso

podemos dizer que representa um marco no pensamento freudiano: para além

do pai há a relação da filha com a mãe a ser considerada.

A jovem é levada à consulta a Freud pelos pais, preocupados com o

amor da filha por uma senhora de “má reputação”.

Como vimos no item 2.1 do presente trabalho, o Édipo, para toda

menina, se baseia na promessa de receber do pai uma criança. A jovem, ainda

elaborando este processo, é surpreendida pela gravidez da mãe. A mãe é

então a prova de ser a destinatária do dom paterno de uma criança. “Não foi

ela quem teve o filho, mas sua rival inconscientemente odiada, a mãe”.

(FREUD, (1920), 1996, p. 169).

Decepcionada e amargurada, a jovem se afasta do pai e dos homens,

procurando outro objetivo para sua libido. O desejo de um filho, o amor dos

homens e o papel feminino em geral são repudiados inteiramente, e

conseqüentemente a moça se transforma em homem e toma a mãe como

objeto de seu amor. “[...] dessa transformação de sentimentos nasceu a busca

de uma mãe substituta, a quem poderia ligar–se apaixonadamente”. (FREUD,

(1920), 1996, p. 170). A análise da jovem para Freud revelou que a amada
dama era uma substituta da mãe.

Freud escreve: “A jovem, tornando–se homossexual e deixando os

homens para mãe [...], poderia afastar algo que até então fora parcialmente

responsável pela antipatia da mãe”. (FREUD, (1920), 1996, 170). Cabe

ressaltar que a mãe, ainda jovem, via a filha, de acordo com Freud, como uma

“competidora inconveniente”. Ela ficava atenta a qualquer aproximação entre a

filha e o pai, e demonstrava preferência pelos filhos homens.

Nos dois casos de Freud acima apresentados, observamos a busca de

uma mãe substituta: a dama de cabelos brancos e a mulher do mundo.

É muito importante sabermos sobre a existência da fase pré–edípica,

pois a partir dela uma série de questões surgem. Quantas vezes já escutamos:

a culpa é sempre da mãe. Essa afirmação ressentida nos faz pensar na

necessidade de um corte, ou melhor, de uma separação no contexto da relação

mãe–filha.

Evoquemos aqui outro caso clínico:

Uma moça de 21 anos, em análise há aproximadamente um ano,

descreve o olhar raivoso de sua mãe: “Quando eu era pequena minha mãe,

nas horas de briga, ficava por cima de mim com os olhos inquietos, feito uma

cobra, e esbugalhados de ódio... parecia que queria me esmigalhar”. Em

seguida relata: “Teve uma vez, também em uma briga, minha mãe virou para

mim e disse que meu pai teria que escolher entre eu e ela”. Ainda questiona:

será que sou homossexual? Suas associações apontam a idealização do pai,

seu desejo incestuoso. Ser homossexual, nesse caso, surge como defesa ao

desejo pelo pai. Diante do desejo, ela retorna à relação com a mãe. Podemos

observar que a própria briga com a mãe nos sugere uma relação incestuosa
também com a mãe.

Propomos tecer neste ponto algumas considerações sobre a

devastação. Esse termo pode se referir ao que uma mãe representa para a

filha ou o que um homem representa para uma mulher. A devastação na

relação mãe-filha tem referência ao laço pré-edípico. Esse laço que é

conservado pelas meninas às suas mães é designado por Freud, em 1931,

com o termo catástrofe. (FREUD, (1931), 1996, p. 247). Enquanto Freud se

refere à relação mãe-filha como catástrofe, Lacan fala em devastação.

Quando falamos de devastação estamos nos referindo ao sentido da

destruição de um lugar ou de um espaço vindo do Outro, do invasor. (SOLER,

1995, p. 127).

Lacan utiliza esse termo reforçando o alheamento da relação para

acentuar o domínio do Outro sobre o sujeito, para indicar que o desejo do

Outro importa mais que o desejo do sujeito. A “devastação” designa um sujeito

que está à mercê da vontade do Outro.

A elaboração da idéia de devastação correlaciona-se ao gozo

suplementar formulado por Lacan ao tratar da feminilidade. A devastação é

conseqüente da ligação entre dois sujeitos situados não-todos na norma fálica,

o que determina a circulação de um gozo sem a regulação fálica.

A mãe é quem primeiro ocupa o lugar de Outro na demanda de amor.

Ela é o primeiro Outro da demanda incondicional do amor e, portanto, virá dela

a primeira decepção. A mãe está encarregada de introduzir a criança nas

primeiras exigências do discurso, exigências relacionadas com o corpo:

limpeza, nutrição, sono, excreção. Por fazer a criança entrar no discurso, a

mãe, para Lacan, tem efeitos de inconsciente.


É o pai quem pode resgatar a criança dessa mãe voraz, propondo outras

maneiras de lidar com a falta da mãe, de maneira menos prejudicial. A função

do pai é de dizer que o objeto que satisfaz à mãe não é a criança, e sim o falo.

Diante dessa ação do pai, a criança poderá deixar de acreditar ser esse objeto

satisfatório.

Segundo Zalcberg (2003), a resolução da devastação na relação mãe-

filha está em poder separar seu próprio corpo do corpo da mãe e do corpo da

outra mulher.

Uma jovem em análise descreve tal dificuldade: “Não sei dizer onde

começo... Não tenho noção de espaço entre mim e minha mãe... Quem eu

sou? O que eu desejo? O que eu quero?”.

O olhar da mãe leva à construção de uma imagem importante para

menina, tem um papel estruturante que é sustentado pelo seu desejo. A

menina depende da cobertura imaginária para um corpo para o qual falta um

significante. O olhar da mãe, em muitos casos, fará com que a filha se separe e

torne-se mulher. “É preciso que o olhar ou sorriso de sua mãe digam, de

alguma maneira, à criança: ei-la”. (ZALCBERG, 2003, p. 155).

Na relação mãe e filha observamos claramente, em muitos casos, a

necessidade de se efetuar tal separação e ascender a feminilidade. O medo de

perder o amor da mãe e conseqüentemente se perder pode vir a impedir a filha

de se separar dela.

Lacan, no Seminário, livro 11: Os quatro conceitos fundamentais da

psicanálise, formula as duas operações de causação do sujeito derivadas da

lógica formal: alienação e separação.

A articulação entre a alienação e a separação na mulher é ainda mais


complicada, levando em conta que a ligação da filha com a mãe permite que

ela continue mais facilmente alienada a esse desejo, o que dificulta a filha

erguer-se diante de seu próprio desejo.

Essa ligação tão íntima, pelo risco de se tornar mortífera, não pode durar

para sempre. Isso vale tanto para mãe quanto para filha. A mãe precisa ter

outros objetos e a criança necessita sair da posição de objeto.

Enquanto a alienação é um destino ligado à fala e se faz necessária

para constituição do sujeito, a separação exige que o sujeito deseje separar-se

da cadeia significante à qual está petrificado. “A separação supõe uma vontade

de sair, uma vontade de saber o que se é para além daquilo que o Outro possa

dizer, para além daquilo inscrito no Outro”. (SOLER, 1997, p. 62/63). O Outro

da separação (A) não é o Outro da alienação (A). Ao primeiro falta alguma

coisa, enquanto que o segundo Outro é cheio de significantes.

A presença do desejo sinaliza a existência de algo que na fala falta. Para

Lacan, o desejo é impossível de capturar, é metonímia, desliza na fala, na

cadeia significante. A condição da separação está no encontro com a falta.

(SOLER, 1997, p. 64).

O sujeito na separação busca ser. Para compreender a vontade como

busca é necessária a falta. O sujeito histérico é aquele que demonstra a busca

do ser. Ele sofre, tem um forte sentimento de ser um vazio, de ser nada.

Evoquemos um fragmento de nossa clínica:

A paciente é uma histérica e, como tal, não tolera sua posição feminina.

Diz não à posição de objeto de desejo na fantasia de um homem, colocando-se

na posição subjetiva de “ser nada”, o que de certa forma aponta para falta de

um significante referente à mulher. A paciente, frente ao homem, se coloca


como “nada”, como uma “ameba”. Toma aversão quando este somente se

interessa pelo seu corpo e não por sua inteligência. Desta forma, se furta do

lugar de objeto, causa de desejo para um homem, permanecendo segundo ela,

como um mero pedaço de carne do qual o homem goza. Tomada de angústia

como “mulher não suficientemente boa” prefere ficar sozinha a sofrer. Tentando

mostrar sua inteligência, declara revanche aos homens mostrando como eles

são um “lixo”. Paula é aquela que trabalha, ganha dinheiro, banca a casa.

Sente-se injustiçada perante o não reconhecimento de todo seu apoio. Eis a

prevalência do significante “batalhadora”, significante que não a faz mulher.

A busca de mulheres histéricas pela análise ocorre devido, muitas

vezes, ao fracasso em uma relação amorosa ou à perda de um ser amado.

Soler (1997) nos coloca que isso ocorre porque um sujeito histérico se

posiciona no nível da separação, ou seja, no nível do questionamento do

desejo do Outro. A angústia do sujeito histérico talvez seja devido ao fato de

duvidar de haver lugar para ele no Outro. É por isso que tenta sempre tornar o

Outro incompleto. Apesar do histérico e do obsessivo compartilharem a falta no

Outro, o sujeito obsessivo fica angustiado com a falta no Outro e foge do

desejo deste.
3. A MULHER E SUAS MÁSCARAS
[...] Lacan aponta que, no que tange à feminilidade, a melhor saída está do lado do ser... Para

isso, lança mão de máscaras. Máscaras da feminilidade.

(MAIA, 1999, p. 52)

3.1 UMA BREVE PASSAGEM PELAS CONTRIBUIÇÕES DE

ALGUNS AUTORES AO DESENVOLVIMENTO SEXUAL DA

MULHER NOS ANOS 20

Nos anos 20, vários psicanalistas escreveram artigos sobre a questão do

desenvolvimento sexual da mulher frente à premissa fálica. Observamos,

nesse contexto, os primeiros desvios teóricos em relação à teoria freudiana da

sexualidade feminina. A teoria freudiana, que se encontra no postulado da

primazia do falo no complexo de castração de ambos os sexos e no

desconhecimento original da vagina, despertou grande polêmica no movimento

psicanalítico. Entre alguns autores destacamos: Abraham, Horney, Deutsch,

Jones e Klein.

Karl Abraham, psiquiatra e psicanalista alemão, inaugura, em 1922, um

grande debate ao estudar o “complexo de castração” na mulher. Seu

argumento está pautado na existência de um grande número de mulheres que

se encontram descontentes com sua condição feminina ao manifestarem,

diante da visão do órgão sexual masculino, um desejo de ser homem.

A constatação, por parte da menina, das diferenças sexuais estaria

representando uma injustiça a seu narcisismo. Para ele, o sentimento de

inferioridade frente ao fato de não possuir um pênis se articularia ao medo da

perda do amor dos pais. Desta forma, a expectativa em possuir uma criança

compensaria para mulher seu “defeito físico”.


Karen Horney, que havia sido analisanda de Abraham, faz críticas, por

sua vez, ao complexo de castração como sendo esse uma fase normal do

desenvolvimento feminino.

Em 1924, frente à formulação de Abraham sobre o sentimento de

desvantagem da mulher em relação aos seus órgãos genitais, ela promove

uma grande discussão em um artigo onde aborda a gênese do complexo de

castração na mulher.

Na visão dessa psicanalista, o desejo de ser homem por parte de

algumas mulheres seria manifestação de uma identificação paterna forte e,

portanto, uma fase secundária do desenvolvimento. Ao sublinhar a importância

da estrutura anatômica feminina para seu desenvolvimento, Horney discorda

da assertiva de que a inveja do pênis é fruto da insatisfação da mulher com seu

sexo, fazendo dessa inveja uma manifestação da neurose na mulher. Ela

atribui fatores culturais e não constitucionais à existência desse fenômeno na

clínica.

Dentro desse contexto, Horney foi a primeira a discordar da tese

freudiana sobre a feminilidade, justificando que tais idéias estavam sendo

abordadas por um enfoque essencialmente masculino. Por que a mulher,

constituída fisiologicamente para desempenhar funções tipicamente femininas,

era caracterizada pelo desejo de ter atributos do outro sexo?

Em sua opinião, a menina, desde muito cedo, apresenta sensações

vaginais, ou seja, já sabe da existência da vagina. Essa idéia também era

compartilhada por Josine Muller. Ambas acreditavam que, em uma fase

posterior haveria a negação da vagina, sendo esta uma defesa aos ataques

inconscientes contra a mãe, rival neste momento da menina.


Horney pensava, ao contrário de Freud, que a fase fálica seria, na

menina, secundária, e não desembocaria na inveja do pênis. A etiologia dos

sintomas neuróticos das mulheres, para ela, não é desencadeada por tal

inveja.

Outra contribuição foi de Hélène Deutsch, psiquiatra e psicanalista

americana contemporânea de Freud, e por muitos chamada de filha querida

deste. Esta, em 1925, adianta alguns pontos abordados posteriormente nos

texto de Freud em 19313 e 19334 sobre a sexualidade feminina.

Deutsch concorda com Freud ao considerar a existência da fase fálica

para ambos os sexos. Segundo ela, enquanto o menino faz a descoberta da

vagina pela via de sua apropriação sádica, a menina, em seu próprio corpo,

percebe a existência desta submetendo-se de maneira masoquista ao pênis. A

menina deve renunciar à fase fálica, em dado momento, e deslocar sua zona

erógena do clitóris para vagina.

Por outro lado, Deutsch faz uma crítica a Freud ao não acreditar no fato

de que os conflitos neuróticos femininos e as manifestações psíquicas das

mulheres sejam atribuídos à falta de pênis. Na formação dos conflitos

femininos, a inveja do pênis é, considerada por ela, um fator secundário. A

inveja é, de modo geral, uma tendência comum a todas as crianças, ainda mais

quando um irmão menor nasce. A inveja do pênis dependeria da influência do

meio, da maneira como os pais lidam com os conflitos ocorridos durante o

desenvolvimento da menina.

Enquanto Deutsch acredita no masoquismo e na passividade como

características femininas organicamente condicionadas e provenientes do lugar

3
Sexualidade feminina, volume 21 das Obras Psicológicas Completas de Sigmund Freud.
4
Feminilidade, volume 22 das Obras Psicológicas Completas de Sigmund Freud.
que a mulher ocupa na cultura, e respaldados na diferença anatômica entre os

sexos, Horney considera, como vimos, a sensibilidade vaginal como algo

primariamente feminino. Hèlène Deutsch, nesse caso, não abre mão de que o

descobrimento da vagina é secundário, pois a passividade e o masoquismo

seriam primários e constitutivos da feminilidade.

Sobre a importância dada à passividade feminina e ao masoquismo,

Deutsch enfoca a relação da mulher com a mãe, afirmando que esta é da

ordem de uma dependência passiva. Tanto no caso da menina, quanto no do

menino, ambos, neste aspecto, teriam que lutar para adquirir atividade e

independência diante da mãe. No entanto, na mulher a atividade somente seria

atingida na maternidade. A mulher encontrar-se-ia, a seu ver, biologicamente

mais receptiva e passiva que o homem.

A hipótese de que a passividade feminina é constitucional é baseada por

Deutsch na hipótese filogenética. Para explicar tal hipótese, ela faz referências

às fêmeas animais e também à hegemonia de seu comportamento passivo.

Quanto ao masoquismo, a psicanalista fundamenta-o em dois aspectos

da feminilidade: o do individualismo e o da espécie. O masoquismo feminino

teria como função a adaptação à realidade. Dois destinos são dados à

sexualidade feminina: a obtenção de prazer e a dor implicada na função

reprodutora. A dor, tanto no ato sexual quanto no parto, teria que ser suportada

pela mulher para que ela alcance seus objetivos.

Ernest Jones, em 1927, inicia-se nesse debate com uma questão: a

angústia de castração do homem corresponderia a da mulher? Para ele, a

castração teria impossibilitado a visão do conflito fundamental que está em jogo

na mulher. Seu texto, O desenvolvimento inicial da sexualidade feminina, serve


de referência para muitos psicanalistas, inclusive Jacques Lacan.

Ele introduz o conceito de aphanisis5 para explicar a extinção de prazer

sexual do homem frente ao medo da castração. Esse medo em ambos os

sexos seria exatamente a mesma coisa, a aphanisis.

Entre os sexos, a diferença psíquica e comportamental, seria

determinada pela ordem biológica. Neste caso, o mecanismo da aphanisis teria

que ser diferente. Enquanto no homem está em jogo a forma ativa da

castração, na mulher a separação é seu medo primitivo. A mãe como rival se

coloca entre a filha e o pai. Desta forma, a mulher estaria mais dependente de

seus pais querendo ter gratificação e aceitação por parte destes.

O termo privação é introduzido por Jones para abordar esse horror à

aphanisis. Esse conceito é, a seu ver, a origem do sentimento de culpa e da

formação do superego. Uma fórmula é proposta: privação = frustração. A

primeira defesa formada contra a ameaça de privação dos desejos sexuais é a

construção do superego.

Sobre a inveja do pênis, Jones acredita que a vagina é um órgão

receptivo, assim como a boca e o ânus. A inveja do pênis e o desejo do pênis

do pai, assim, precisam ser distinguidos. Ao desejo do pênis do pai refere-se a

fantasia de ser penetrada por ele no coito. A não realização dessa fantasia

despertaria na mulher o desejo de ter um pênis. Diante de tal fato, dois

destinos existiriam: a menina teria que sacrificar sua feminilidade, e daí

teríamos o complexo peniano, ou abrir mão de sua ligação erótica com o pai e

desenvolver uma atitude vaginal positiva. Então, tal inveja seria uma regressão

e uma defesa por não ter obtido um pênis do pai.

5
Que significa desaparecimento.
Em 1928, o debate se torna ainda mais intenso com Melanie Klein,

quando esta declara suas hipóteses. Para ela, o complexo de Édipo atua na

vida psíquica da criança desde o desmame. No caso da menina, o sofrimento

ocorrido pelo desmame provocaria o deslocamento da libido, que antes era

direcionado à mãe, para o pai. As tendências genitais seriam reforçadas tanto

pelo desmame quanto pelas frustrações de seus impulsos anais.

Enquanto essa psicanalista coloca a privação do peito como sendo a

causa da aproximação do pai, Freud, ao contrário, pensa que é a ausência do

pênis que irá promover tal distanciamento da mãe e conseqüentemente, a

aproximação do pai. Para Klein, a menina deseja incorporar o pênis paterno

como objeto de gratificação oral e não possuir um pênis para si. Tal desejo é, a

seu ver, expressão das tendências edípicas e não produto de seu complexo de

castração.

Outro ponto de discordância entre Melanie Klein e Freud é quanto ao

superego feminino. Segundo ela, esse é tão ou mais exacerbado que o

superego masculino. Isso ocorre por causa da complexidade das identificações

primitivas da menina com sua mãe e depois com o pai, e também devido ao

sadismo característico nessas relações desde as primeiras fases do

desenvolvimento libidinal.

De acordo com Horney, Klein acredita que o reconhecimento

inconsciente e consciente da vagina seria provocado pelo surgimento dos

impulsos edípicos. Quanto a Deutsch, o ponto de encontro entre elas reside na

idéia de que o desenvolvimento da feminilidade seria completado pelo

deslocamento da libido oral a genital.

Sobre a preocupação das mulheres com a beleza e também quanto a


maior susceptibilidade à histeria de conversão, Klein expõe dois motivos: o fato

dos seus órgãos genitais serem internos, dificultando verificar as fantasias de

retaliação por parte da mãe; e o fato do desejo de maternidade da menina não

poder ser concretizado até a fase adulta.

Daremos continuidade a esse cenário conturbado dos anos 20 no

próximo item deste capítulo com a contribuição original de outra psicanalista

chamada Joan Rivière. Esta aborda a feminilidade como disfarce.

3.2 A MASCARADA FEMININA

A sexualidade feminina ganha um novo estatuto com o conceito de

mascarada, representando um maior entendimento da feminilidade.

Para abordarmos a questão da mascarada faz-se necessário

retornarmos, primeiramente, ao que Lacan nos ensina no final dos anos 50,

quando ele faz referência à mascarada em sua relação com o feminino. A

mulher para encobrir, camuflar, esconder a sua falta se mascara de ser, ser o

falo.

Como já sabemos, a fórmula freudiana, diante da divisão que a

castração produz, envolve o ter/não ter o falo. A mulher freudiana está do lado

da falta-a-ter e retomando a idéia freudiana, três respostas são viáveis: a

escolha pela neurose, o complexo de masculinidade e a maternidade.

Entretanto, nas idéias lacanianas há um desdobramento do ter para ser o falo.

Através da mascarada, a mulher faz algo com sua falta com o objetivo

de despertar o desejo do homem. Por essa via podemos pensar em uma

possível resposta para a pergunta: o que quer uma mulher? Ela quer que sua

própria existência seja metáfora do desejo do Outro. (ZALCBERG, 2007, p. 73).


Muitas mulheres mudam, com extrema facilidade e rapidez sua

aparência de forma camaleônica. A mulher mascarada é aquela que “abre

mão” de parte de seus atributos femininos, de todos os seus atributos na

mascarada para ser o falo. (LACAN, (1958), 1998). Na posição de não-toda,

não totalmente referida à função fálica, ela recorre às máscaras frente à não

posse de uma identidade feminina. Caldas Ribeiro escreve: “De um lado, elas

se valem do semblante de forma inevitável, porém do outro, estão diretamente

vinculadas à falta de um significante em que possam se ancorar numa

identidade”. (CALDAS RIBEIRO, 1995, p. 37).

Segundo Lacan, a mascarada equivale ao conjunto de meios aos quais

as mulheres recorrem para, de maneira enganosa, dissimular a falta de uma

identidade especificamente feminina. É, ao mesmo tempo, máscara e véu do

que não se tem. Um verdadeiro arsenal é evocado para sustentar a ausência

do significante que lhe diria quem é como mulher.

Para Zalcberg (2007), a mascarada representa não só uma solução,

mas também constitui um problema.

A solução implica em um saber fazer com a falta que existe em todo

sujeito feminino: a mascarada deixa claro que cabe à mulher fazer-se mulher,

da mesma forma que deve o homem mostrar-se homem (ZALCBERG, 2007, p.

66). Cada mulher irá inventar, de uma maneira criativa e subjetiva, o que fazer

com a falta-a-ser. Freud acredita que a mulher não nasce mulher e sim se torna

uma.

No caso do problema, a mascarada leva a mulher ao campo da

significação fálica, ou seja, pretende ter para esconder. Isso irá fazer com que

ela se distancie do eixo através do qual poderá caminhar em direção à


feminilidade.

Podemos observar que uma mulher, quando se coloca do lado da falta-

a-ter e faz semblante de que tem, está na mesma posição de um homem que

vai em busca de um complemento que venha suturar a fratura produzida pela

castração.

No texto Diretrizes para um Congresso sobre a sexualidade feminina

(1960), Lacan aprofunda o aspecto da contradição referente aos dois destinos

do corpo da mulher. Primeiro, a identificação ao padrão fálico, e segundo a

aptidão para um destino mais feminino. A mulher quanto mais identificada ao

falo, mais se afasta da especificidade da sua sexualidade, que envolve um

gozo que lhe é particular, gozo suplementar.

Voltemos aqui ao que Lacan citou no seu texto A significação do falo:

[...] é para ser o falo, isto é, o significante do desejo do Outro, que a


mulher vai rejeitar uma parcela essencial da feminilidade,
nomeadamente todos os seus atributos na mascarada. É pelo que ela
não é que ela pretende ser desejada, ao mesmo tempo que amada.
(LACAN, (1958), 1998, p. 701).

Nessa citação, Lacan faz uma referência implícita a um texto de Joan

Rivière. Lacan utiliza-se de Rivière no que ela aborda sobre a mascarada

feminina e afirma que esta não deixa de ser uma construção do feminino. Para

ele não existe uma essência feminina. Ao contrário, a seu ver, o feminino se

constrói.

No curto artigo La femineidad como máscara6 de 1929, respaldada pela

sua clínica, Rivière traz contribuições originais e interessantes à questão da

feminilidade, e defende que a feminilidade não passa de uma máscara: uma

mulher é sempre uma mascarada. Sobre a equivalência entre a mascarada e a

6
Este texto precede duas grandes contribuições freudianas: A sexualidade feminina (1931) e
Feminilidade (1932).
verdadeira feminilidade, ela escreve: “O leitor pode perguntar-se como posso

distinguir a feminilidade verdadeira do disfarce. De fato não defendo que tal

diferença exista. A feminilidade, seja fundamental, seja superficial, é sempre a

mesma coisa.” (RIVIÈRE, 1929, p. 15-16).

Sobre tal equivalência exposta acima, Joan Rivière aposta que a única

diferença estaria na maneira como a feminilidade é utilizada: não como um

modo de gozo primário e sim como uma forma de defesa contra a angústia

promovida pelos conflitos edípicos.

A tese de Rivière é: “Aquelas mulheres que desejam a masculinidade

podem revestir-se da máscara da feminilidade para afastar a angústia e a

vingança dos homens”. (RIVIÈRE, 1929, p. 12). Ou seja, a mulher, na tentativa

de evitar a angústia, coloca-se na posição de mascarada.

A autora ilustra a sua tese relatando um caso da sua clínica. Trata-se de

uma mulher casada, com filhos, excelente dona-de-casa, intelectual, engajada

em uma carreira de propagandista militante que sofre de um sintoma toda vez

que é obrigada (e isto ocorre com freqüência) a escrever e falar em público.

Tal mulher, tomada por uma forte angústia, teme ter cometido um erro:

ter dito algo inapropriado, inconveniente; e sente a necessidade de se fazer

reassegurar de que nada lhe aconteceria. Isso a leva atrair as investidas dos

homens na saída das reuniões onde desempenhará o papel principal.

Apresentando-se como não possuidora do falo, procura seduzir os homens.

Desses homens ela espera mais a manifestação de um desejo sexual do que

um cumprimento quanto ao valor de seu desempenho. Quer dizer, ela

esperava, por trás de um reconhecimento de seu trabalho, a manifestação de

um desejo sexual. Sobre a estratégia de tal paciente, Caldas Ribeiro escreve:


[...], a função da máscara é a de causar desejo justamente porque
não mostra e assim leva a supor que há algo quando, na verdade não
há. [...] Lacan ressalta, no texto de J. Rivière, a sutileza do
deslizamento do ter para o ser o falo. (CALDAS RIBEIRO, 1995, p.
38).

A paciente dirige-se a um tipo específico de homem, este substituto da

figura do pai: um intelectual que tinha sido escritor antes de escolher a carreira

política. Ao mesmo tempo em que essa jovem mulher se encontra identificada

ao pai pelo significante escritor, ela rivaliza com ele como detentora do falo que

se apresenta em suas conferências.

Rivière explica que sua paciente exibe o falo que teria roubado do pai e

se oferece a ele no plano sexual para não ser punida, disfarçando-se de mulher

castrada. A feminilidade é portada, portanto, como uma máscara com o

objetivo de disfarçar sua masculinidade e evitar uma vingança por parte dos

homens que se sentiriam roubados de seus atributos: “como ladrão que mostra

seus bolsos e exige que nós o revistemos para provar que ele não detém os

objetos roubados”. (RIVIÈRE, 1929, p. 15). De forma cômica, Joan compara

assim a feminilidade à situação de alguém tomado como ladrão.

Joan Rivière nos fornece uma grande contribuição para o estudo da

sexualidade feminina, e tem também um ponto em comum com Lacan. Lacan

destaca que, na partilha dos sexos, a inscrição do sujeito não está baseada em

uma diferença anatômica, como também acredita Rivière. O pênis surge como

máscara de falo, ou seja, o pênis encarna a máscara da falta-a-ser. Da mesma

maneira, a mulher recobre seu corpo com máscaras. Ela pode ser para o

homem o falo. Ele, homem, a mascara de falo ao tê-la como objeto de desejo

de sua fantasia. Sobre o desejo, Soler, em seu livro O que Lacan dizia das

mulheres (2005), aponta que não podemos padronizar as condições


imaginárias da fantasia do desejo masculino. A psicanálise nos revela que

condições imaginárias particulares existem para cada sujeito.

Para Rivière, a mulher castrada é aquela que se deixa ser admirada pelo

homem. Observamos aqui uma certa proximidade com Lacan, pois este postula

que a mulher histérica se recusa a sustentar-se como objeto causa de desejo,

no lugar de objeto a, para o homem. Para ser admirada, portanto, a mulher tem

que aceitar sua castração, seu sinal de menos, seu lugar de objeto a.

O fascínio da mulher para o homem reside no “não ter” da mulher, que

se apresenta sob o signo de uma falta. Soler nos diz: “Ela só é objeto sob a

condição de encarnar para o parceiro a significação da castração, e se

apresentar sob o sinal do menos”. (2005, p. 34). Isto equivale ao que Lacan

nos ensina no texto Subversão do sujeito e dialética do desejo no inconsciente

freudiano: “é a ausência do pênis que faz dela o falo, objeto do desejo”.

(LACAN, (1960), 1998, p. 840).

Gallano em La alteridad femenina (2000) retorna ao enigma insolúvel da

feminilidade tratado por Freud abordando a mascarada:

Pode, por um lado, encontrar sua identidade na pseudo identidade de


semblante, a mascarada [...] E por outro lado, pode tornar-se mãe,
ser tomada como mãe e tamponar o campo ignorado de seu gozo
com valor fálico do objeto bebê. (GALLANO, 2000, p. 61).

Uma reportagem do Jornal O Globo7 no Caderno Ciência e Saúde (p.

50) nos aponta que para as mulheres a preservação da beleza é uma

afirmação da sexualidade. O investimento no corpo ocorre em todas as faixas

etárias apesar de se manifestar de forma diferente. Uma pesquisadora8 da

PUC-Rio, em um levantamento realizado em 2007, verifica que as mulheres

estão mais preocupadas em impressionar as outras do que em chamar atenção


7
28 de Outubro de 2007.
8
Joana Novas.
dos homens. Confirma-se, assim, na contemporaneidade, algumas premissas

da psicanálise sobre a feminilidade: a falta de um significante essencialmente

feminino, a função da mascarada e a importância de outra mulher. Podemos

considerar que, na sociedade contemporânea, os recursos da medicina

estética como as cirurgias plásticas, botox, silicone, correspondem aos apelos

do culto ao corpo característico de nossa época, mas também atendem ao que

a mulher busca como mascarada no caminho de sua feminilidade.

3.3 A FALTA DO SIGNIFICANTE “FALA” NA CLÍNICA DA

MULHER

Proponho aqui retornarmos à questão da falta do significante de uma

identidade feminina. Apesar de não existir um significante da mulher, ela insiste

que o Outro lhe responda: O que é uma mulher? A falta do significante está no

centro da problemática da mulher. Zalcberg escreve:

As queixas femininas são freqüentes e numerosas. ... Se as mulheres


queixam-se mais facilmente, é porque a confissão de suas fraquezas
de ser, de sua tristeza, de sua dor, de seu desamparo,..., é mais
compatível com as imagens conhecidas da feminilidade do que com
os ideais da virilidade. (ZALCBERG, 2007, p. 77).

Evoquemos a prática clínica:

Uma analisanda vem sofrendo com o término do namoro. Após um ano

de relacionamento, o namorado diz que não a ama mais. Desesperada, liga

para a analista, chora ao telefone, diz que quer morrer e afirma: Estou

atrapalhando o seu final de semana... Está aí curtindo o seu companheiro. Para

ela, a analista tem neste momento o que ela não tem: um namorado, tem o

segredo de como manter um homem ao seu lado. Como mulher, a paciente

está dilacerada, sente–se um lixo: feia e gorda. O que precisa fazer para tê-lo
de volta? Na analista fica depositada a resposta de como ser mulher, de como

ser mulher para um homem.

Outra jovem analisanda, queixa-se do namorado. Segundo conta, ele é

frio, não lhe faz carinho e passa o dia sem beijá-la. Já o traiu várias vezes: “já

que não tenho isso com ele, vou procurar em outros”. Como mulher sente-se

infeliz, não tem nem mais vontade de se arrumar para sair com o namorado.

Pensa que o namorado só a vê como uma simples companheira e não como

uma mulher desejada. Como mesmo diz, seu valor como mulher está

totalmente atrelado ao namorado. Relata também que sempre abre mão de sua

vida para ver o namorado feliz.

Nesses dois casos verificamos a dor de todo desamparo. Elas dizem:

faço tudo por nada. Abdicam de sua própria vida querendo que o outro lhes dê

sempre mais e mais.

Nessa clínica escutamos a articulação do discurso do amor com a falta

do Outro. Ao Outro ela pergunta: você me ama? Na posição histérica, a mulher

faz seu ser depender, em grande parte, do amor. Através do amor, ela busca

uma sustentação para seu ser, ou melhor, ela visa obter uma harmonia para

sua indefinição. É no encontro com o desejo do homem que dela se faz uma

mulher amada. Se, para uma mulher, a prova essencial do desejo do Outro

falha: “um buraco se abre sobre seus pés pelo qual ela escorregará facilmente

para uma passagem ao ato ou ao desespero”. (ZALCBERG, 2007, p. 74).

No caso do homem, na maioria das vezes, o problema, ao contrário da

mulher, não passa pelo amor. Sua preocupação gira em torno da dúvida, em

conseguir escolher uma mulher: qual seria a melhor parceira?

Exponho aqui outro caso da nossa clínica:


Uma jovem em análise ilustra muito bem em seu relato aquilo que

considera que como mulher deveria ter para ser desejada e refere-se a uma

atriz da Globo que é invejada por muitas mulheres. Ela diz: Gostaria de ser

como essa atriz... Não pelo corpo escultural e os seios de silicone, mas sim

pela forma que os homens a vêem... Eles babam por ela... Adoraria ser olhada

de mesma forma.

Pommier escreve (1987): “[...] sua feminilidade lhe é estranha, ela

venera, através do seu próprio corpo, o mistério da Outra mulher, que detém o

segredo daquilo que ela é”. (p. 35). Segundo ele, não é apenas através do

olhar de um homem que a mulher assimila uma feminilidade. Nesse mesmo

livro Pommier relata que é através de um jogo de múltiplas identificações,

iniciado com a mãe e perpetuado nas relações com as outras mulheres, que a

mulher se constitui em relação ao seu sexo. Parece haver uma reedição da

relação da filha com a mãe na relação de uma mulher com outra. O que está

em jogo para mulher é o fato da Outra ter ou não o falo.


4. HISTERIA
A Psicanálise deve grande parte de suas descobertas às histéricas... Se Freud deve às

histéricas a descoberta da transferência, estas devem o dar-lhes, através de sua escuta, uma

possibilidade de se reencontrarem com seu próprio desejo alienado no sintoma.

(LIBÓRIO, 1991)

4.1 UMA ABORDAGEM HISTÓRICA: ANTECEDENTES DA

PSICANÁLISE

Antes de Freud a história da etiologia da histeria se divide em vários

grandes períodos: Antiguidade, Idade Média, Renascimento.

Em sua origem, a histeria encontra sua definição na própria palavra:

doença do hystera, ou seja, do útero (ou matriz). A histeria é uma questão de

mulheres, ou melhor, das parteiras. Estas acumulam o saber sobre a arte de

colocar no mundo crianças, sobre os mistérios da infância, sobre o sexo da

mulher e as doenças que o acometem. Desta forma, duas características eram

associadas: déficit funcional de um órgão sexual e déficit relativo às mulheres.

Na Antiguidade e em Hipócrates, a histeria era considerada uma doença

orgânica de origem uterina e, portanto, feminina, que afetava o corpo em sua

totalidade, por sufocações da matriz, sufocação que vem da migração de baixo

para cima do útero.

A idéia de que o útero é um organismo vivo semelhante a um animal

dotado de certa autonomia e de uma possibilidade de deslocamento vem

desde a Antiguidade, cerca de 2000 anos antes de Cristo. Desde a medicina

egípcia, com o papiro Kahoun, um grande número de perturbações era

explicado devido às migrações do útero para a parte superior do corpo. O


remédio utilizado era fazer o útero voltar ao seu lugar supostamente natural,

fazer descer esse estranho animal. Relações sexuais, gestações e trabalhos

manuais ajudariam a acalmá-lo. Eis o que Hipócrates diz a esse respeito: “Esta

afecção sobrevém sobretudo às mulheres que não tem relações sexuais e às

mulheres de uma certa idade, mais do que às jovens; [...]”. (TRILLAT, 1991, p.

19). Platão, contemporâneo e amigo de Hipócrates, dizia que o que chamamos

de matriz ou de útero nas mulheres é nelas um ser vivo tomado de desejo de

fazer filho. O útero se irrita, agita-se em todos os sentidos dentro do corpo

quando elas permanecem estéreis durante muito tempo, impedindo-as de

respirar e ocasionando outras séries de doenças. (KAUFMANN, 1996). Platão,

ao retomar a tese hipocrática, destaca que a mulher, diferente do homem,

trazia em seu seio um animal sem alma. Tal crença deu suporte às teorias da

histeria até o começo da era cristã.

O cristianismo, a partir de Santo Agostinho, foi contrário a essa etiologia

– o gozo do sexo não podia ser um remédio devido ao fato da natureza não ser

um princípio de ordem. A natureza é desordenada e enganosa por causa do

mal introduzido por maus espíritos e demônios. Os sintomas são

conseqüências da vitória das forças do mal. Houve, nesse período, a recusa da

abordagem médica e a palavra “histeria” quase deixou de ser empregada. O

que antes era chamado de histeria ganha o nome de possessão diabólica,

possessão que se manifesta sobre o corpo enfeitiçado por influência de uma

ordem erótica: visões e carícias. As convulsões e as sufocações da matriz

eram a expressão de um prazer sexual, de um pecado.

As neuroses então, na Idade Média, apareceram sob a forma de

epidemias, conseqüência do contágio psíquico, e encontravam–se na base da


história da possessão e da feitiçaria. Em conseqüência de um pacto com o

demônio, a feitiçaria tinha o poder sobre o corpo daquele a quem quer fazer

mal, poder esse de enfeitiçar, lançando uma praga. Os exorcistas curavam,

com suas palavras expulsando o demônio. Ao poder político cabia a execução

da condenação. A alma estaria salva se tivesse havido confissão, caso

contrário, ao inferno estaria condenada. Em relação à sua sintomatologia,

documentos daquela época (século XV) nos mostram que não houve

modificação9.

Um retorno da Antiguidade ocorreu com o Renascimento. Esse

movimento cultural teve início no século XIV na Itália e no século XVI no norte

da Europa. A caça às bruxas fez inúmeras vítimas, mesmo que a opinião

médica tentasse resistir à concepção demoníaca da possessão. O médico

alemão Jean Wier (1515-1588) foi contra o poder da Igreja e defendeu as

“possuídas” destacando que elas não eram responsáveis por seus atos. Era

necessário considerar toda sorte de convulsivas como doentes mentais. Na

verdade foi Mesmer que contribuiu para a passagem da concepção demoníaca

da histeria (da loucura) para uma concepção científica. Assim, a histeria

escapou da religião, transformando-se numa doença dos nervos.

Nesse período ocorreram transformações sociais, científicas, culturais,

religiosas e políticas. A histeria foi caracterizada como uma doença que

depende de causas internas e naturais. Desta forma, houve o nascimento de

uma ciência teórica e terapêutica.

Três correntes distintas se formam a partir do século XVII na busca de

9
Freud concluiu em 1893, Charcot, que a teoria de uma divisão (splitting) da consciência já
estava presente na Idade Média, quando a possessão demoníaca era vista como causa dos
fenômenos histéricos. Era preciso somente trocar a terminologia religiosa daquela época
obscura e supersticiosa pela linguagem científica.
uma etiologia da histeria. A primeira, uma corrente organicista na Grã-

Bretanha. A teoria uterina de Hipócrates foi contestada em nome da neurologia.

Esse período é marcado pelo abandono da teoria uterina que reinava desde

Hipócrates e Platão. Um distúrbio nervoso do cérebro é a causa da histeria.

Com a segunda corrente (Sydenha na Grã-Betanha e Pinel na França),

a histeria recebe pela primeira vez um fundamento psíquico; é conseqüência

de uma desordem das paixões e não está ligada a uma doença orgânica do

cérebro. A histeria era tida como uma alienação mental, uma afecção do

espírito, que exigia um tratamento moral ou psíquico.

A terceira via surge a partir do século XVIII, com Mesmer na França,

Braid na Grã-Betanha e Charcot em Salpêtrière. Eles mostram o poder da

hipnose sobre os sintomas histéricos. Os sintomas formaram um quadro clínico

do ponto de vista de Charcot. A histeria para ele tinha sua etiologia na

hereditariedade, na degenerescência.

4.1.1 De Charcot a Freud

Sigmund Freud inicia sua carreira universitária no curso de medicina em

Viena aos dezessete anos, e na primavera de 1881, já com 25 anos de idade,

tira seu diploma de médico. Sua imensa curiosidade e preocupação com a

pesquisa impedem-no de se formar no prazo usual de cinco anos do curso.

Dedica-se inicialmente, segundo conta, aos temas humanísticos

(filosofia), que apesar de não terem relação direta com sua futura profissão,

não são inúteis a ele.

Ainda estudante, Freud, em 1876, vai trabalhar no laboratório de

fisiologia de Ernst Brücke, sob cuja direção efetua pesquisas de histologia


nervosa. Depois de formado, ingressa no serviço do grande psiquiatra Theodor

Meynert, dedicando-se, por essa época, a estudos de neuroanatomia.

Resolve partir para clínica particular por causa da questão financeira.

Essa será a via para obter o considerável rendimento necessário para montar o

lar de classe média em que ele e sua futura esposa insistem. Freud, até então,

não havia adquirido experiência clínica com pacientes, coisa que nunca obteria

fazendo experiências em laboratório e ouvindo conferências.

Em 1884, ele se interessa pela pesquisa sobre a cocaína e pela

descoberta de suas propriedades analgésicas. Ele está pensando em

experimentar seus possíveis usos para aliviar problemas cardíacos e casos de

esgotamento nervoso. Em torno dessa pesquisa há todo um interesse pessoal.

Ele espera que a cocaína possa ajudar seu colega Ernst von Fleischl-Marxom,

que está sofrendo as dolorosas conseqüências de uma infecção, a largar seu

vício em morfina, que estivera tomando como anestésico.

Nos anos 1880, continua com suas pesquisas em anatomia,

especialmente cerebral, e inicia sua dedicação à psiquiatria. Relata que a

anatomia do cérebro não foi nenhum avanço em relação à fisiologia. O ramo do

estudo de doenças nervosas em Viena pouco é praticado.

Freud, em 1885, obtém da Universidade de Viena uma bolsa de estudos

para continuar suas pesquisas sobre neuropatologia em Paris, no Hospice de

La Salpêtrière. Vários fatores contribuem para sua escolha, entre eles, o

grande acervo de material clínico que, em Viena, não é de fácil acesso, e a

possibilidade de acesso à experiência do renomado psiquiatra J.-M. Charcot

que, por dezessete anos, já trabalhava e lecionava em Salpêtrière.

Freud afirma que nada de novo poderia esperar aprender numa


universidade alemã, e acrescenta que a escola francesa de neuropatologia

parecia a ele prometer algo diferente. Cientistas franceses ingressam em novas

áreas da neuropatologia que são abordadas de formas parecidas pelos

cientistas da Áustria e da Alemanha. As descobertas dos médicos franceses

sobre o hipnotismo e a histeria, segundo Freud, são recebidas em seu país

com dúvidas, sem reconhecimento e crédito.

Inicialmente, quando chega em Paris, seu tema de estudo é a anatomia

do sistema nervoso, ou melhor, o estudo das atrofias e degenerações

secundárias que seguem às afecções do cérebro nas crianças. Entretanto, no

principio de dezembro do mesmo ano, ele dá às costas à neurologia e se volta

para psicopatologia, quando termina seu trabalho no laboratório de patologia.

Sua mente está povoada com os problemas da histeria e do hipnotismo após

obter a permissão de Charcot para ver pacientes no laboratório experimental

da histeria.

A grande influência pessoal de Freud é Jean-Martin Charcot (1825-

1893), cujo campo de estudo é a neurologia, tendo sido nomeado médico do

Salpêtrière (hospital de mulheres) em 1862. Charcot, anos antes (1856),

quando ainda é médico recém-formado, percebe a necessidade de fazer das

doenças nervosas crônicas e de sua base anatomopatológica, um tema de

estudo constante e exclusivo.

Charcot se dedica à histeria a partir de 1870, sendo responsável pela

direção do pavilhão dos “epiléticos simples”, e abandona a neurologia. Freud

relata sobre Charcot e sua relação com a histeria:

Ele declarou que a teoria das doenças nervosas orgânicas estava


então bastante completa e começou a voltar sua atenção quase
exclusivamente para a histeria, que assim se tornou de imediato o
foco do interesse geral. Esta, a mais enigmática de todas as doenças
nervosas, para cuja avaliação a medicina ainda não achara nenhum
ângulo de enfoque aproveitável, acabara então de cair no mais
completo descrédito, e esse descrédito se estendia não só aos
pacientes, mas também aos médicos que se interessassem pela
neurose. (FREUD, (1893), 1996, p.28).

Charcot e seus discípulos se dedicam a investigar as diferentes formas

de perturbações da sensibilidade da pele e dos tecidos mais profundos, e do

comportamento dos órgãos dos sentidos, estudando–os por intermédio tanto

das peculiaridades das paralisias e contraturas histéricas quanto das zonas

histerógenas (fazendo a relação destas com os ataques) – pontos ou placas

super sensíveis do corpo suscetíveis de desencadear ataques e distúrbios do

campo motor e visual. Tais áreas são encontradas com mais freqüência no

tronco do que nos membros e têm preferência por determinados locais que nas

mulheres equivalem a uma área da parede abdominal correspondente aos

ovários, na região coronária do crânio e na região inframamária; e nos homens

nos testículos e no cordão espermático. É descoberto que a histeria nos

homens, especialmente nos da classe trabalhadora, é bastante freqüente.

Desta maneira, graças a Charcot, há a recuperação e a retomada da histeria.

Em 1878, Charcot inicia o estudo e a prática do hipnotismo, mostrando o

poder da hipnose sobre os sintomas histéricos. Esse procedimento, até então

reservado a charlatões, desperta o interesse da comunidade científica. Seu

aluno Paul Richer (1849-1933) reúne o resultado de suas pesquisas em uma

obra sobre o grande histérico, levando a público na Academia de Ciências em

1882 e desencadeando o interesse científico pela hipnose. (CHARCOT, 2003).

Jean-Martin Charcot descreve três estados hipnóticos. No cataléptico e

no letárgico, o sujeito é inapto à sugestão. Já no sonambúlico, a submissão do

sujeito é total aos caprichos do hipnotizador. O conteúdo é introduzido

facilmente pelos procedimentos habituais de sugestão magnetizadores.


Segundo o aluno Richer, “o sonâmbulo nada mais é que uma simples máquina.

É escravo da vontade de um outro, o verdadeiro sujeito do operador. Seu

automatismo é feito de servidão e obediência”. (CHARCOT, 2003, p. 9).

Freud escreve sobre a característica “não teórica” de Charcot:

Não era Charcot um homem dado a reflexões excessivas, um


pensador: tinha, antes, a natureza de um artista — era, como ele
mesmo dizia, um “visuel”, um homem que vê. Eis o que nos falou
sobre seu método de trabalho. Costumava olhar repetidamente as
coisas que não compreendia, para aprofundar sua impressão delas
dia-a-dia, até que subitamente a compreensão raiava nele. Em sua
visão mental, o aparente caos apresentado pela repetição contínua
dos mesmos sintomas cedia então lugar à ordem: os novos quadros
nosológicos emergiam, caracterizados pela combinação constante de
certos grupos de sintomas. (FREUD, (1893), 1996, p. 21-22).

Essa postura de pesquisador de Charcot afirma a autenticidade e a

objetividade dos fenômenos histéricos, dando dignidade à histeria e indo contra

os preconceitos e a suposição de que esses fenômenos eram somente uma

simulação dos doentes. Em séculos anteriores, os histéricos tinham sido

lançados à fogueira ou exorcizados; seu estado era tido como indigno de

observação clínica.

Durante doze anos, Charcot dá aulas de clínica como professor

voluntário e, em 1881, ocupa a cátedra de Neuropatologia em Salpêtrière.

Funda uma seção clínica, na qual eram internados para tratamento pacientes

tanto masculinos quanto femininos, selecionados a partir das consultas

semanais realizadas num departamento de pacientes de ambulatório. Sua

concepção “neurológica”, considerada científica e séria, possibilita a

generalização da histeria para os dois sexos. É atribuída à histeria masculina

uma causa traumática, como os acidentes ferroviários, por exemplo. As

massas trabalhadoras eram chamadas de histéricas quando entravam em

greve.
Charcot tem à sua disposição um estúdio de fotografia, um serviço de

oftalmologia e de otorrinolaringologia, um instituto de eletricidade e hidropatia;

e até um museu de patologia com moldes em gesso de paralisias e

contraturas. Esse serviço no hospital de Salpétrière adquiriu fama internacional,

atraindo Freud e outros médicos de diversas nacionalidades. Charcot, em seu

trabalho, rompe com a tradicional visita médica ao leito dos doentes, fazendo

com que os pacientes viessem ao seu gabinete para serem examinados e os

apresenta a uma audiência mais ampla nas terças-feiras. O jovem Freud

assiste a essas aulas públicas durante seu estágio de outubro de 1885 a

fevereiro de 1886 e assim descreve sua experiência:

Tive, assim, oportunidade de ver um grande número de pacientes, de


examiná-los e de ouvir a opinião de Charcot a respeito deles. O que
me parece ter tido maior valor do que essa efetiva aquisição de
experiência foi, no entanto, o estímulo que recebi, durante os cincos
meses que passei em Paris, do meu constante contato científico e
pessoal com o Professor Charcot”. [...] a clínica era acessível a
qualquer médico que se apresentasse, e o trabalho do Professor era
executado abertamente, cercado de todos os jovens que atuavam
como seus assistentes, [...]. Parecia que ele, por assim dizer,
trabalhava conosco, pensava em voz alta e esperava que os
discípulos lhe apresentassem objeções. [...] A informalidade que
prevalecia no relacionamento e a maneira como cada um era tratado,
com cortesia e em condições de igualdade [...], facilitavam a situação,
de modo que até os mais tímidos tinham a mais viva participação nos
exames de Charcot. (FREUD, (1956[1886]), 1996, p. 43-44).

“Uma vez derrubadas suas teorias e desaparecidos os quadros por ele

descritos, Charcot não caiu em total ostracismo e esquecimento graças a

Freud, que o vinculou ao nascimento da história da psicanálise”. (QUINET,

2005, p. 80). A importância de Charcot para história da histeria e para

constituição da psicanálise é reconhecida e enfatizada por Freud em diversos

momentos da sua vida.

A admiração por Charcot não impossibilitou Freud de fazer críticas à

concepção do mestre sobre a histeria. Ele, de qualquer forma, facilita Freud o


acesso ao material para sua pesquisa em neuroanatomia patológica.

Charcot jamais postula uma causalidade psíquica para a histeria. Seu

interesse é descritivo e nosológico, e não etiológico e terapêutico. Ele utiliza a

hipnose para mostrar a solidez de fundamento de suas hipóteses, e não para

curar ou tratar seus doentes. Ele trata a histeria como sendo um tópico da

neuropatologia, fornecendo uma descrição de seus fenômenos e mostrando

como reconhecer os sintomas que possibilitam fazer o diagnóstico de histeria.

Os fundamentos para o diagnóstico da histeria não eram jamais


estabelecidos pela etiologia ou pelo mecanismo de formação dos
sintomas, mas unicamente relacionados ao tipo previamente
estabelecido e descrito [...] Embora Freud tenha relatado que ouviu
de Charcot a afirmação, [...], de que a histeria c’est toujours la chose
génitale!, seria necessário esperar que o próprio Freud, ao teorizar a
etiologia sexual da histeria e fundar a psicanálise, pudesse comprová-
la. (CHARCOT, 2003, p. 11).

Freud em seu relatório sobre os estudos em Paris e Berlim, escrito em

1886 e publicado setenta anos mais tarde, resume o que Charcot realiza no

estudo clínico da histeria. Até aquele momento, a palavra histeria não tem um

significado bem definido.

Inicialmente, afirma que o estado mórbido da histeria caracteriza-se

cientificamente apenas por sinais negativos. Havia a suposição de que a

histeria dependeria de irritação genital; não era atribuída à doença histérica

uma sintomatologia definida – qualquer combinação de sintomas poderia

ocorrer; e como já dissemos, existia a suspeita de simulação no quadro clínico

da histeria.

Freud, no departamento de laboratório em Berlim, observa que sinais

somáticos da histeria são praticamente desconhecidos, e que no diagnóstico

de histeria não parece haver interesse em obter informações a mais sobre o

paciente.
Segundo ele, Charcot, posteriormente, reduz a conexão entre a neurose

e o sistema genital, demonstrando a freqüência dos casos de histeria

masculina e de histeria traumática. Com esses casos, Charcot se depara com

vários sinais somáticos que viabilizavam estabelecer com firmeza o diagnóstico

de histeria, com base em indicações, ao contrário, positivas. Com o estudo

científico do hipnotismo Charcot chega à “teoria da sintomatologia histérica” e

reconhece tais sintomas – a natureza do ataque, a anestesia, os distúrbios de

visão, os pontos histerógenos – como sendo reais.

Graças a esse estudo, a histeria é excluída do caos das neuroses e

diferenciada de outros estados semelhantes, além de a ela ser atribuída uma

sintomatologia multiforme que afirma imperar nela uma lei e uma ordem.

Freud afirma não ter visto nenhum sinal de que Charcot tentasse

explorar o material observado para fins místicos. Ao contrário, o hipnotismo é

considerado uma área de fenômenos que Charcot submete à descrição

científica, da mesma forma que fizera com a esclerose múltipla ou com a atrofia

muscular progressiva anos antes. Freud escreve que Charcot “não consegue

descansar enquanto não descreve e classifica corretamente algum fenômeno

que o interesse, mas dorme tranqüilamente sem ter chegado à explicação

fisiológica do fenômeno em questão”. (FREUD, (1956[1886]), 1996, p. 47).

Segundo Freud, em 1888, a histeria é uma neurose que está baseada

em modificações fisiológicas do sistema nervoso, levando em conta as

condições de excitabilidade nas diferentes partes do sistema nervoso.

Na opinião sustentada por Charcot, a histeria é um quadro clínico

circunscrito e bem definido, que pode ser reconhecido nos casos extremos de

“Grande Hystérie” (Grande Histeria) ou histeroepilepsia – casos graves de


histeria que incluíam em seus ataques uma fase epileptóide.

A sintomatologia da “grande histeria” é composta por uma série de

sintomas, entre eles: ataques convulsivos, zonas histerógenas, distúrbios de

sensibilidade, distúrbios da atividade sensorial, paralisias, contraturas. Em

relação ao tratamento direto da histeria, Freud escreve que consiste na

remoção das fontes psíquicas que estimulam os sintomas, ou seja, “consiste

em dar ao paciente sob hipnose uma sugestão que contém a eliminação do

distúrbio em causa”. (FREUD, 1888, p. 93). Segundo relata, uma tussis

nervosa hysterica seria curada fazendo pressão sobre a laringe do paciente

hipnotizado, removendo o estímulo que o faz tossir. Quanto ao maior sucesso

do resultado, Freud afirma:

O efeito até se torna maior se adotarmos um método posto em


prática, pela primeira vez, por Joseph Breuer, em Viena, e fizermos o
paciente, sob hipnose, remontar à pré-história psíquica da doença,
compelindo-o a reconhecer a ocasião psíquica em que se originou o
referido distúrbio. Esse método de tratamento é novo, mas produz
curas bem-sucedidas, que, por outros meios, não são alcançadas. É
o método mais apropriado para a histeria, justamente porque imita o
mecanismo da origem e da cessação desses distúrbios histéricos. [...]
O tratamento psíquico direto dos sintomas histéricos ainda será
considerado o melhor no dia em que o entendimento da sugestão
tiver penetrado mais profundamente nos círculos médicos [...].
Atualmente, não se pode decidir com certeza até que ponto a
influência psíquica desempenha um papel em alguns outros
tratamentos aparentemente físicos. (FREUD, (1888), 1996, p. 93).

Depois que retorna para Viena, em 1886, Freud tem sua atenção voltada

para o estudo do hipnotismo e da sugestão. Como especialista em doenças

nervosas em Viena, ele tenta vários métodos então corretamente

recomendados: eletroterapia, hidroterapia, massagens e a cura pelo repouso,

de Weir Mitchell, mas acaba recaindo na hipnose quando esses métodos se

revelam insatisfatórios. Na carta para Fliess, em 28 de Dezembro de 1887,

Freud escreve: “atirei-me à hipnose e logrei toda espécie de sucessos

pequeninos, mas dignos de nota”. (Carta 2 ref. FREUD, (1893-1895), 1996, p.


15).

Freud resume, em 1888, que a histeria é uma anomalia do sistema

nervoso que se baseia na diferente distribuição das excitações e,

provavelmente, é acompanhada de excesso de estímulos – distribuídos por

meio de idéias conscientes e inconscientes – no órgão da mente.

A amnésia, característica encontrada em pacientes histéricos, como é o

exemplo de Anna O. – paciente tratada por Josef Breuer (1942-1925) entre

1880 e 1882 – nos levou a compreensão de que a mente do paciente possui

por trás uma parte inconsciente. O problema não estava em investigar os

processos mentais conscientes através de métodos empregados na vida

cotidiana, e sim os processos mentais inconscientes utilizando a sugestão

hipnótica com a finalidade de persuadir o paciente a produzir material

proveniente da região inconsciente da mente. Segundo Freud, o verdadeiro

valor terapêutico da hipnose está nas sugestões que são feitas. Sob hipnose,

as lembranças da época em que os sintomas surgiram pela primeira vez

emergiam e eram cessados. Tornava–se claro demonstrar a conexão causal

entre o evento desencadeador (trauma psíquico) e o fenômeno patológico

(sintoma). Com Anna O.10, bastava Breuer ouvi-la sem interrompê-la para que

o material proveniente de seu inconsciente fosse produzido. Esta apresentava

uma série de perturbações físicas datadas da época em que seu pai estava

doente. Anna, nos primeiros meses da doença do pai, dedicou sua energia a

cuidar dele e pouco a pouco sua saúde foi-se deteriorando de forma

acentuada.

Freud encontra obstáculos em adaptar-se ao uso do método hipnótico. O

10
Ela inventou a “cura pela conversa”, talking cure, que de forma jocosa chamava de limpeza
de chaminé.
caso clínico da Sra. Emmy von N. ilustra tais dificuldades. Parece ter sido esse

o primeiro caso a ser tratado por Freud pelo método catártico11. Sobre a

eficácia terapêutica de tal método, Freud e Breuer explicam que o sintoma

desapareceria, ou seja, a força que mantivera o sintoma deixaria de atuar, se a

experiência original traumática junto com seu afeto pudesse ser introduzida na

consciência. (FREUD, (1893-1895), 1996).

Nos anos que se seguiram aos Estudos sobre a histeria, Freud vai

pouco a pouco deixando de lado a sugestão deliberada e passa a confiar mais

no fluxo de associações livres do paciente. Não basta remeter o paciente ao

seu passado de modo que ele próprio encontrasse o fato traumático

produzindo a liberação da carga de afeto. É preciso fazer com que o paciente

vá além da repetição da idéia intolerável. O objetivo não é mais produzir a ab-

reação do afeto, mas tornar consciente as idéias patogênicas possibilitando

sua elaboração.

O abandono do hipnotismo faz Freud ampliar sua compreensão sobre os

processos mentais e revela mais um obstáculo, a “resistência” ao tratamento

pelos pacientes. A opção de Freud por investigar tal relutância leva–o a

explorar o mundo desconhecido pelo resto de sua obra. Sem utilizar a hipnose

Freud verifica que novas lembranças aparecem e que é possível trazer à luz

por mera insistência. Tal insistência exige esforços da parte de Freud; é

necessário superar a resistência, superar uma força psíquica nos pacientes

que se opõe a que as representações patogênicas se tornem conscientes,

lembradas. O processo hipnótico é o maior obstáculo ao processo de defesa,

noção que Freud depois dá o nome de recalcamento: um dos pilares da sua

11
Freud já gozava da confiança de Breuer e tinha tomado conhecimento do seu método antes
de 1885 quando foi para Paris.
teoria (FREUD, (1914), 1996). Na histeria, a conversão é o seu modo de

defesa.

Apesar de abandonar cedo a hipnose como método de tratamento, a

partir do momento em que verifica que apesar de todos os esforços não

consegue hipnotizar muitos pacientes, ele nunca deixa de expressar sua

admiração por ela. Freud dá origem aos desenvolvimentos técnicos,

juntamente com os conceitos teóricos de resistência, recalcamento e

conversão; e afirma que o material recalcado como insignificante pelo paciente

representa para o psicanalista o minério de onde com a interpretação há de

extrair o metal precioso. (FREUD, (1910[1909]), 1996).

Freud teoriza a etiologia da histeria como sendo sexual, criando desta

forma um novo saber: a psicanálise.

A divergência entre Freud e Breuer surge de uma questão relativa ao

mecanismo psíquico da histeria. Para Freud, a divisão mental é conseqüência

de processo de “defesa”. Quanto a Breuer, a divisão mental nos histéricos é

explicada devido à ausência de comunicação entre vários estados mentais –

“estado de consciência”. Ele constrói a teoria dos “estados hipnóides”. A teoria

de “defesa” de Freud passa então a se opor à teoria “hipnóide” de Breuer.

O rompimento entre eles é causado pela crença de Freud de que o

elemento de sexualidade está presente no caso de Anna O. “Breuer disse de

sua primeira e famosa paciente que o elemento de sexualidade estava

surpreendentemente não desenvolvido nela”. (FREUD, (1914), 1996, p. 22).

Anna O., ao longo do tratamento, vem melhorando. No final de dois anos de

trabalho, Breuer resolve atender ao pedido da sua esposa enciumada e

comunica à paciente a interrupção do tratamento. No mesmo dia da


comunicação, Anna tem uma grave crise histérica na qual simulava um parto

de um filho de Breuer. Desta forma, a paciente expressa seu amor erotizado

pelo médico. Este resolve definitivamente sair de cena e partir em viagem com

sua esposa. Freud, ao chamar atenção da sexualidade na etiologia das

neuroses, provoca em Breuer uma reação de desagrado e repúdio.

Charcot, que também não leva adiante a importância do componente

sexual nos sintomas histéricos, coloca as histéricas em cena, desfazendo seus

sintomas por meio da hipnose. Algumas delas demonstram–se apaixonadas

transferencialmente e se tornam vedetes de Salpêtrière.

Tanto Breuer quanto Charcot “passam longe” do que Freud quer

destacar: a transferência. De qualquer forma, a hipótese da etiologia sexual

das neuroses já está presente em ambos, assim como também pensada pelo

ginecologista vienense Chrobak, cuja prescrição médica em latim é: Penis

normalis dosim repetatur. Este último comentara com Freud sobre uma

paciente ainda virgem após dezoito anos de casamento.

4.2 NASCEDOURO DA PSICANÁLISE: FREUD E SEUS

ESTUDOS SOBRE A HISTERIA

Freud lança mão da figura da histérica para demonstrar como a teoria e

a clínica se articulam. O nascimento da Psicanálise foi permitido pelo

deslocamento realizado de um olhar sobre os sintomas, como fazia Charcot,

para a escuta de um dizer. Freud, indo além da histeria como patologia,

identifica várias características dos histéricos, principalmente no que diz

respeito à sexualidade. Ele aborda a histeria tirando-a do foco da patologia e


aproximando-a do dito “normal”.

No início da sua obra, Freud defende a origem da histeria como vestígio

de um trauma. O histérico haveria sofrido, na sua infância, uma experiência

traumática. A criança, apanhada desprevenida, fora a vítima de uma sedução

sexual.

No percorrer de suas pesquisas Freud reelabora sua teoria. Suas

correspondências com Fliess nos mostram suas descobertas. Na carta 52,

datada de 6 de dezembro de 1896, Freud faz as primeiras referências às zonas

erógenas. Exatamente quatro meses depois (carta 59) escreve: “[...] O que

tenho em mente são as fantasias histéricas, que, habitualmente, segundo me

parece, remontam a coisas ouvidas pelas crianças em tenra idade e

compreendidas somente mais tarde. [...]”. (FREUD, 6/4/1897). Enfim, em

setembro do mesmo ano na carta 69 ele afirma: “[...] Não acredito mais em

minha neurótica [...]”. (FREUD, 21/9/1897).

A partir de 1900, Freud, portanto, modifica sua teoria colocando a origem

da histeria em uma fantasia inconsciente. É preciso verificar o desenvolvimento

do corpo pulsional e entender que uma experiência vivida enquanto criança

tem valor de trauma.

O que de início era explicado pela ação perversa de um adulto sobre

uma criança passiva, passa a ter o próprio corpo erógeno da criança como

produtor de eventos psíquicos. Esse corpo é sede do desejo, o foco de uma

sexualidade fervilhante.

A partir da segunda teoria freudiana – a teoria da fantasia – o analista

passa a investigar o trauma de uma fantasia angustiante e não mais procurar

por trás do sintoma um acontecimento real.


A fantasia, então, ganha não só força sobre a realidade, mas também

uma dimensão de causalidade na etiologia da histeria e das neuroses em geral.

A etiologia das neuroses passa a ser baseada nas experiências sexuais da

infância devido a vida sexual da criança e não em função de uma experiência

real de sedução.

Na concepção freudiana, a histeria é uma defesa contra a recordação

(idéia) de um evento traumático de natureza sexual ocorrido na infância: “Freud

descreve duas características sexuais da histeria: o desprazer e a contradição

interna de sua sexualidade”. (QUINET, 2005, p. 104). O sujeito ainda criança,

diante de uma experiência sexual, cuja carga de afeto foi insuportável à

consciência, recalca tal idéia (experiência inconciliável) deixando-a ativa no

inconsciente. Já na fase adulta, esse mesmo sujeito, despertado por algum

acontecimento, recorda tal fato e converte em um sintoma corporal.

A etiologia sexual da histeria nos leva à descoberta da natureza sexual

do inconsciente. As leis que regem a histeria são as mesmas que comandam a

formação do sonho: metáfora (condensação) e metonímia (deslocamento).

Como nos diz Carneiro Ribeiro em seu livro A Neurose Obsessiva:

Na histeria, por exemplo, o sujeito pode condensar numa parte do


corpo todo o investimento libidinal. É o caso de uma paciente de
Freud que fez uma paralisia no braço que se encostava na cama do
pai enfermo, do qual cuidava. O braço paralítico era então a metáfora
de sua história de amor edipiano proibido.” (CARNEIRO RIBEIRO,
2003, p. 12).

A significação do sintoma é sexual, apresenta valor simbólico, e

expressa a realização de um desejo. Lembremos que o evento traumático não

necessariamente é vivido e sim fantasiado, mantendo de qualquer forma sua

carga traumática.
Dora12, a jovem paciente de Freud, nos ilustra tal processo. Após a cena

do beijo em que o Sr. K lhe dá estreitando subitamente a moça contra si, Dora

evita ficar a sós com ele recusando–se a acompanhar os K e apresenta três

sintomas: repugnância, sensação de pressão na parte inferior do corpo e evita

conversas afetuosas com os homens. Em sua análise do caso Dora, Freud

afirma:

Eu tomaria por histérica, sem hesitação, qualquer pessoa em quem


uma oportunidade de excitação sexual despertasse sentimentos
preponderante ou exclusivamente desprazerosos, fosse ela ou não
capaz de produzir sintomas somáticos. (FREUD, (1905[1901]), 1996,
p.37).

Freud observa o caráter sexual subjacente aos sofrimentos histéricos de

suas pacientes nos quatro casos que narra nos Estudos sobre a histeria: Sra.

Emmy Von N., Miss Lucy R., Katharina e Srta. Elisabeth Von R.. Sobre esta

última ele escreve:

Ela recalcou uma idéia erótica fora da consciência e transformou a


carga de seu afeto em sensações físicas de dor. (p. 187). Suas [...]
dores sempre se irradiavam daquela região específica da coxa direita
e atingiam ali sua intensidade: era nesse lugar que seu pai
costumava apoiar a perna todas as manhãs, enquanto ela renovava a
atadura em torno dela [...]. (FREUD, (1893-1895), 1996, p. 172).

4.3 COM LACAN

Para Lacan, o sujeito histérico é aquele que se queixa da desordem do

mundo e sustenta um desejo insatisfeito. Há uma recusa para manter-se em

falta, desejante. De uma maneira geral, a histeria está caracterizada também

pela recusa ao sexo. É errado pensar que a histérica quer sexo e que estaria

curada se ficasse satisfeita sexualmente, como fez Chrobak, amigo de Freud e

ginecologista vienense, ao prescrever às histéricas: pênis normalis, dosim

repetatur, como foi apontado no item 4.1.1.

12
Sobre quem falaremos mais no capítulo 5.
Enquanto insatisfeito, o histérico está protegido do perigo de viver a

satisfação de um gozo máximo, gozo que se ele vivesse enlouqueceria,

desapareceria. O problema está em evitar, de qualquer forma, uma experiência

que venha fazer emergir um estado de plena satisfação. O centro da vida

psíquica do neurótico histérico é ocupado pela necessidade de pedir ao Outro

que lhe dê o ser e pela recusa de tornar-se objeto de gozo do Outro.

A conotação de desprazer conferida ao gozo sexual da histérica

encontra-se desde o rascunho K (1896) da correspondência de Freud com

Fliess. Nesse rascunho, anexado à carta 39, Freud busca diferenciar histeria,

neurose obsessiva e paranóia a partir da modalidade de gozo vivida no

primeiro encontro com o sexo. No caso da histeria ele escreve:

[...] pressupõe necessariamente uma experiência primária de


desprazer – isto é, de natureza passiva. A passividade sexual natural
das mulheres explica o fato de elas serem mais propensas à histeria.
Nos casos em que encontrei em histeria em homens, pude
comprovar, em suas anamneses, a presença de acentuada
passividade sexual. (FREUD, (1896), 1996, p. 275).

A mulher histérica procura um mestre que queira saber sobre o mistério

que ela guarda segredo e coloca–se como enigma a ser decifrado. Entretanto,

ela acaba por castrar o mestre de seu saber mostrando–o impotente para dar

conta dela. A Bela Açougueira, paciente de Freud, nos ilustra tal mecanismo

quando lhe propõe contar um sonho:

O senhor sempre me diz... que o sonho é um desejo realizado. Pois


bem, vou lhe contar um sonho cujo tema foi exatamente o oposto –
um sonho em que um de meu desejo não foi realizado. Como o
senhor enquadra isso em sua teoria? (FREUD, (1900), 1996, p. 180).

O sujeito histérico, desta forma, se oferece como objeto de pesquisa

para justamente desbancar o saber do mestre e reinar, sublinhando as falhas

de sua mestria. Ele desmascara a função do senhor fazendo greve.

Tanto na histeria masculina quando na feminina, o Outro aparece como


detentor do saber sobre o que é ser macho, o que é ser mulher. A presença do

Outro e o questionamento: sou mulher ou homem são fundamentais no

diagnóstico da histeria. A histérica se furta como objeto e dirige à outra mulher

um suposto saber sobre o que é ser mulher. É essa outra mulher que sabe ser

objeto para um homem. Ela detém a chave do enigma a ser decifrado. A

histeria é uma resistência à posição feminina, ou seja, posição de objeto e a

histérica não tolera ser objeto causa de desejo do Outro.13

A histeria é um tipo clínico de neurose, é uma maneira de lidar com a

castração, diferente da neurose obsessiva. A menina, assustada pela

comparação com os meninos e insatisfeita com seu clitóris, abre mão de sua

atividade fálica, de sua sexualidade em geral.

Com referência às neuroses, estas nos revelam a relação do sujeito com

o desejo. Se o desejo é o inferno, como o neurótico escapa desse inferno?14

No caso da neurose obsessiva, o desejo coloca-se como impossível. Já na

histeria, ele se torna insatisfeito, como podemos observar no caso da Bela

Açougueira: esta cria um desejo não realizado pedindo a seu marido que a

prive daquilo de que mais gosta. A histeria sustenta esse desejo confundindo–o

com a demanda e enche o Outro de queixas e insatisfações.

Lacan em Subversão do sujeito e dialética do desejo no inconsciente

freudiano (1960) escreve que o neurótico é aquele que identifica a falta do

Outro com sua demanda:

[...] no obsessivo, na medida em que ele nega o desejo do Outro,


formando sua fantasia para acentuar a impossibilidade do
esvaecimento do sujeito, e outro no histérico, na medida em que nele
o desejo só se mantém pela insatisfação que lhe é trazida ao se furtar

13
Aula da Prof. Maria Anita C. Ribeiro ministrada em 8/12/2006 – disciplina: Conceitos
Fundamentais de Psicanálise. Mestrado em Psicanálise, Saúde e Sociedade/UVA).
14
Pergunta instigante formulada na aula da Prof. Maria Anita C. Ribeiro ministrada no dia
17/11/2006 – disciplina: Conceitos Fundamentais de Psicanálise. Mestrado em Psicanálise,
Saúde e Sociedade/UVA.
ali como objeto. Esses traços confirmam-se pela necessidade,
fundamental, que tem o obsessivo de se colocar como caucionador
do Outro, e também pelo aspecto Sem-Fé da intriga histérica.
(LACAN, (1960), 1998, p. 838).

A histeria inspirou Lacan a nomear uma das formas de laço social como

discurso histérico, discurso esse caracterizado pelo fazer desejar. Tomando a

teoria dos discursos de Lacan, encontramos quatro tipos de discursos: do

mestre, da universidade, do analista e histérico.

Quinet, em seu livro Psicose e Laço Social (2006), na apresentação que

faz dessa teoria, refere-se ao trabalho de Freud O Mal-Estar na Civilização

(1930[1929]). Afirma que o mal-estar dos laços sociais é o mal-estar na

civilização. Esses laços, nos diz Quinet, aparecem nos atos de governar e ser

governado, educar e ser educado e, também, como ele mostrou, tanto no

vínculo entre analista e analisante, quando no ato de fazer desejar, como as

histéricas ensinaram. (QUINET, 2006, p.17). Mais adiante, o autor ressalta que

a histeria, aqui, não se refere à neurose do mesmo nome, e sim a uma maneira

de relacionamento humano.

Lacan, por sua vez, estabelece uma analogia entre discurso e cultura

denominando de discursos essas quatro formas das pessoas se relacionarem:

governar, educar, psicanalisar e fazer desejar, visto que tais laços são

entrelaçados e estruturados pela linguagem.

Quinet, então, descreve sobre as quatro modalidades de laço social:

discurso do mestre (governar), da universidade (educar), do analista

(psicanalisar) e do histérico (fazer desejar). Quanto a este último ele afirma:

“quando o médico se vê impulsionado a se deter, a estudar e a escrever para

produzir um saber provocado pelo caso do paciente, estamos no discurso

histérico”. (QUINET, 2006, p. 19).


5. HISTERIA E FEMINILIDADE
Sofremos de uma confusão clínica concernindo à histeria. De fato, qualquer mulher que se

apresente é suposta histérica, a não ser que pensemos que seja louca. Isso é um erro clínico.

A histeria é uma coisa muito preciosa...

(SOLER, 1998, p. 223)

5.1 CLÍNICA DIFERENCIAL: A HISTÉRICA E A MULHER

Primeiramente perguntemos: Por que a histeria presta-se à confusão

com a feminilidade? Para isso propomos agora abordar a estrutura da

linguagem a partir dos sonhos, mostrando que a condição como sujeitos

falantes é estarmos submetidos ao significante, e em seguida trabalhar a

histeria a partir do exemplo da Bela Açougueira.

5.1.1 A psicanálise, o inconsciente, a linguagem e o sonho

Em Radiofonia (1970) Lacan afirma: “[...] a histérica é o sujeito dividido,

ou, em outras palavras, é o inconsciente em exercício, que põe o mestre contra

a parede de produzir um saber” (p. 436). Podemos observar com essa

definição que em todo sujeito há histeria, e revigorar a idéia do núcleo histérico

da neurose – em que o sintoma histérico mostra a estrutura de uma linguagem.

Lacan faz referência a esse núcleo ou corpo histérico, em 1953, no

trabalho Função e campo da fala e da linguagem, abordando-o como lugar

privilegiado para recuperar a verdade do discurso inconsciente. Ele nomeia

esse núcleo de “monumento” situando-o em uma série de lembranças da

infância a evolução semântica da língua. Sobre isso Pollo nos diz: “Lacan
emprega a expressão freudiana hieróglifos da histeria para se referir à

possibilidade de deciframento do sintoma por parte daquele que sabe ler”.

(2003, p. 99).

É fato que Freud funda a Psicanálise com a descoberta do inconsciente

que tem como manifestação tudo que é da ordem da linguagem. Em seu artigo,

A Interpretação dos Sonhos (1900), podemos verificar o aforismo lacaniano – o

inconsciente é estruturado como uma linguagem - e a produção dos sonhos

como submetida às leis de condensação e deslocamento (organizadores da

linguagem onírica), que na leitura lacaniana é renomeada lingüisticamente de

metáfora e metonímia respectivamente. O sonho é considerado a via régia para

se investigar o funcionamento e a lógica do inconsciente.

Na metáfora, uma significação é substituída por outra a partir de uma

relação de semelhança, ou seja, está associada à semelhança de sentidos,

consiste em uma comparação condensada, resumida: como por exemplo, a

primavera da vida ou a mulher é uma rosa. A metáfora é, como podemos

observar, uma superposição de significantes. A metonímia está associada à

contigüidade e consiste em tomar a parte pelo todo: dizer vela em vez de

barco. Há uma articulação significante: a vela se articula com o barco. A

metonímia faz a palavra deslizar de uma parte do objeto para outra, havendo

um deslizamento de sentido que pode fazer emergir sentidos e associações.

Para construir uma teoria sobre a relação entre o inconsciente e a

linguagem, Lacan desenvolve a lógica do significante. O significante, para

Lacan, é a imagem acústica do signo lingüístico, tomando-se como base as

formulações do lingüista Ferdinand Saussure. É uma unidade mínima do

simbólico que nunca aparece isolado, mas sim articulado com outros
significantes. É preciso pelo menos dois significantes para que se crie um

sentido. O significante é o que representa um sujeito para outro significante.

Essa definição implica precisamente a inclusão do sujeito do inconsciente.

O sujeito do inconsciente emerge entre dois significantes e desta forma,

só pode ser representado no intervalo de um significante para o outro (S1, S2).

O sujeito do inconsciente é incompleto, é intervalar, é barrado na medida em

que nenhum significante, nem S1, nem S2, basta para representá–lo

integralmente.

A fundação da psicanálise, portanto, tem uma ligação íntima com a

linguagem e, além disso, uma parceria importante com as pacientes histéricas

de Freud. Como vimos no capítulo 4, estas fazem fracassar a hipnose (que

tinha como função, pela via da sugestão, remeter o paciente ao seu passado

produzindo a liberação da carga de afeto que estava ligada à experiência

traumática) e fundam o lugar do analista, a própria psicanálise, ao fazer Freud

mudar sua técnica para associação livre. Somente com o abandono da técnica

da hipnose, Freud tem acesso ao fenômeno de defesa. O procedimento até

então utilizado era o maior obstáculo ao fenômeno do recalque – um dos

pilares da teoria psicanalítica. A história da psicanálise propriamente dita só

começa com a nova técnica que dispensa a hipnose.

Freud verifica que os pacientes tinham um tipo de fala lacunar,

utilizavam uma sintaxe na qual faltavam palavras devido à impossibilidade de

dizer sobre seu desejo, desejo este que é a metonímia da falta, que desliza de

significante em significante, que está no próprio deslizamento do significante

que busca se realizar de significante em significante. (QUINET, 2003, p. 33).

Em outras palavras, o desejo é o que circula na fala, desliza nos significantes


da demanda e não é possível de capturar. O desejo como vetor é inarticulável.

Está para além da demanda: o que ela quer naquilo que ela disse? O problema

não é tanto saber o que o sujeito quer nos dizer, mas o que quer esse sujeito

que diz: Que é que isso quer?.

O desejo é o resto da operação de subtração da demanda à

necessidade. (N – D = d). A necessidade tem um objeto que a satisfaz (como o

alimento para fome) e por isso está do lado do animal. Já a demanda, é a

cadeia de significantes que se dirige ao Outro, de onde virá a resposta ao

sujeito de forma invertida. Desta forma, o analisante, ao situar o analista no

lugar do Outro, aguarda receber a interpretação que fale sobre o sentido do

que está dizendo. Cito: “[...] o desejo, [...], só é capturado na interpretação”, diz

Lacan. (LACAN, (1958), 1998, p. 629).

É também fato que o sonho, via régia do inconsciente, é realização de

desejo inconsciente e, por ser muitas vezes contraditório e enigmático, clama

por investigação e decifração por parte do sonhador. O sonho é uma metáfora

que torna presente a dimensão do desejo. Os sonhos não são absurdos e

possuem um sentido. Segundo Freud, “o sonho, [...], toma o lugar de diversos

pensamentos que derivam de nossa vida cotidiana e formam uma seqüência

completamente lógica”. (FREUD, (1900), 1996, p. 619).

A função da interpretação é produzir a inteligibilidade do sentido oculto

do sonho. É neste sentido que a psicanálise se articula com a linguagem, pois

é no nível da linguagem que o trabalho de interpretação será realizado, e não

no nível das imagens oníricas recordadas pelo paciente. Encontramos o

sentido do sonho ao percorrermos o caminho que nos leva do conteúdo

manifesto (transcrição dos pensamentos oníricos latentes cuja sintaxe é dada


pelo Inconsciente) aos pensamentos latentes (material oculto, inconsciente). As

distorções dos pensamentos oníricos latentes nos servirão de via para

chegarmos à sintaxe do Inconsciente. Garcia-Roza escreve:

Para Freud, a questão do sentido do sonho prende–se aos vários


elementos oníricos que funcionam como significante e que, uma vez
estruturados, fornecerão o sentido do sonho. (GARCIA-ROZA, 1996,
p. 64).

É a rede de significantes, através de suas relações de oposição, que irá

constituir a significação do sonho. Lacan, em A instância da letra no

inconsciente ou a razão desde Freud, nos diz que:

[...] o sonho se parece com o jogo de salão em que se deve, estando


na berlinda, levar os espectadores a adivinharem um enunciado
conhecido, ou uma variação dele, unicamente por meio de uma
encenação muda (mímica). (LACAN, (1957), 1998, p.515).

No trabalho do sonho, em seu efeito de distorção, observamos o

deslizamento do significado sob o significante. Essa distorção é produzida

pelos mecanismos básicos, anteriormente citados neste trabalho, de

deslocamento e de condensação. Tais mecanismos desempenham, no sonho,

uma função homóloga à da metáfora e metonímia no discurso.

Nós encontramos em funcionamento os processos metafóricos e

metonímicos em todas as chamadas formações do inconsciente. Eles são

responsáveis por uma das mais importantes características da linguagem: o

seu duplo sentido; ou seja, o fato de ela dizer outra coisa.

Retornemos ao sentido do sonho. Convém lembrarmos que ele é

inesgotável em uma única interpretação. Isso porque todo sonho é

sobredeterminado, tem múltiplas determinações. Um mesmo elemento do

sonho manifesto pode nos remeter a um série de pensamentos latentes

inteiramente diferentes. O conteúdo latente não tem limite, está sempre se


remetendo a outros significantes. A sobredeterminação é uma característica

não só dos sonhos, mas também de qualquer formação do inconsciente:

chistes, atos falhos, lapsos, sintomas.

Em análise, com a associação livre, o sujeito desliza na cadeia

significante fazendo surgir os significados, e cabe ao analista escutar os

significantes da história de seu paciente, significantes que o representam. É

importante ressaltar que nessa escuta, o analista não deve significar. A análise

deve trabalhar na lógica do significante e não pela via da hermenêutica, da

decodificação. No caso do significado, ele vem a posteriori. Só há sentido

depois, quando termina, quando é colocado um ponto final. De acordo com

Lacan, o analisando, ao contrário do sujeito petrificado no significante que não

faz perguntas sobre si, é aquele que se questiona, escolhe o sentido, enfim,

luta pela causa dos seus sintomas e se desindentifica dos significantes que

regem a sua vida.

A linguagem – cadeia simbólica – determina o homem desde antes do

seu nascimento. Ao vir ao mundo, a criança é marcada por um discurso, no

qual as fantasias dos pais, a cultura, são inscritas. É no campo do Outro que o

sujeito se forma, ou seja, é na operação de alienação que o sujeito irá se

constituir. Observamos claramente na clínica com adolescentes essa operação,

onde o jovem sujeito se encontra muitas vezes alienado aos pais, e é no

processo de análise que isso será trabalhado no sentido de promover a

separação. Daremos, pela via da análise, voz a esse sujeito fazendo emergir

os desdobramentos do seu próprio desejo.


5.1.2 A Bela Açougueira

O sonho da Bela Açougueira é um belo exemplo de estrutura de

linguagem. Lacan no capítulo V de A direção do tratamento e os princípios de

seu poder (1958) comenta:

É preciso tomar o desejo ao pé da letra. [...], e acrescenta mais


adiante: [...] O desejo do sonho da histérica, [...], resume o que o livro
inteiro explica sobre os chamados mecanismos inconscientes,
condensação (metáfora), deslizamento (metonímia) etc., atestando
sua estrutura [...] a relação do desejo com essa marca da linguagem,
que especifica o inconsciente freudiano e descentra nossa concepção
do sujeito. (LACAN, (1958), 1998, p. 626 e 627).

Comentemos o caso da Bela Açougueira, paciente de Freud, cujo sonho

foi relatado em: A Interpretação dos Sonhos (1900), no capítulo IV sobre a

distorção nos sonhos.

A inteligente paciente, antes de contar seu sonho, desafia a teoria de

“que o sonho é um desejo realizado” afirmando que os seus desejos não foram

realizados. Citemos então o sonho:

Eu queria oferecer uma ceia, mas não tinha nada em casa além de
um pequeno salmão defumado. Pensei em sair e comprar alguma
coisa, mas então me lembrei que era domingo à tarde e que todas as
lojas estariam fechadas. Em seguida, tentei telefonar para alguns
fornecedores, mas o telefone estava com defeito. Assim, tive de
abandonar meu desejo de oferecer uma ceia. (FREUD, (1900), 1996,
p. 181).

Freud solicita suas associações. Primeiramente conta sobre seu honesto

e competente marido, um açougueiro atacadista. Este, no dia anterior, lhe

dissera que estava engordando, que queria iniciar um regime e propunha–se

acordar cedo, praticar exercícios físicos e recusar os convites para jantar. Ela

relatou, rindo, que o marido conhecera um pintor que pedira para pintar seu

retrato. Seu marido, entretanto, sugeriu que ele pintasse parte do traseiro de

uma bonita garota.

A esposa, por sua vez, implorara que o marido não lhe desse caviar, seu
prato predileto. Ela se encontrava apaixonada pelo marido e zombava muito

dele. (FREUD, (1900), 1996, p. 181).

Freud, intrigado com o que falara sobre o caviar, pergunta-lhe o que

significava. Ela contou que há muito tempo, todas as manhãs, desejava comer

sanduíche de caviar e que relutara em ter tal despesa.

Freud observa de imediato que tal sonho representava a criação de um

desejo não realizado na vida real e que significava a renuncia posta em prática.

Apesar da resistência da paciente, outras associações surgiram.

Confessava ter ciúmes de uma amiga por causa dos elogios constantes de seu

marido sobre esta. Tal amiga era ossuda e magra e, felizmente o marido da

paciente apreciava formas mais cheinhas. Essa amiga perguntara

recentemente quando a paciente iria oferecer outro jantar e elogiou seus dotes

culinários. Freud então interpreta:

É como se, quando ela fez essa sugestão, a senhora tivesse dito a si
mesma: ‘Pois sim! Vou convidá-la para comer em minha casa só para
que você possa engordar e atrair meu marido ainda mais! Prefiro
nunca mais oferecer um jantar.’ O que o sonho lhe disse foi que a
senhora não podia oferecer nenhuma ceia, e assim estava realizando
seu desejo de não ajudar sua amiga a ficar mais cheinha. O fato de
que o que as pessoas comem nas festas as engorda lhe fora
lembrado pela decisão de seu marido de não mais aceitar convites
para jantar, em benefício de seu plano de emagrecer. (FREUD,
(1900), 1996, p. 182).

E sobre o salmão que aparece no enunciado do sonho? A paciente

exclamou: “salmão defumado é o prato predileto da minha amiga!”. (FREUD,

(1900), 1996, p. 182).

Esse sonho nos serve de exemplo do mecanismo de deformação dos

sonhos por meio da identificação histérica. O desejo renunciado (pelo

sanduíche de caviar) na vida real corresponde a um sintoma que delata a

identificação histérica com a amiga. Sua amiga, da mesma forma, expressara


um desejo – de engordar – e a paciente sonhou que o desejo da amiga não

fora realizado, pois seu desejo era o de que sua amiga, que desejava engordar,

não se realizasse. A pessoa indicada no sonho da Bela Açougueira não era ela

mesma, e sim sua amiga. O salmão defumado que aparece no sonho, diz

Freud, é uma alusão à amiga que afirma desejar salmão e proibir-se de comê-

lo. A paciente de Freud colocara-se no lugar da amiga, ou seja, se identificara

com esta última.

Lacan coloca a tese freudiana num matema, escreve-a na estrutura

significante/significado. O desejo de caviar é o significante (S) cujo significado

(s) é o desejo de um desejo insatisfeito. Assim temos:

S “desejo de caviar”
s “desejo de um desejo insatisfeito”

Entretanto, sabemos que no sonho o “caviar” não aparece. O que

aparece é o “salmão”. Este último vem substituir o caviar por efeito metafórico,

de substituição.

Quanto à metonímia no sonho, Lacan nos diz que o desejo é expresso

como insatisfeito pelo significante “caviar”, entretanto, a partir do momento em

que o desejo desliza como desejo no caviar, o desejo de caviar é sua

metonímia, tornada necessária pela falta-a-ser a que ele se atém. (LACAN,

(1958), 1998, p. 628).

Esse caso nos mostra que o desejo inconsciente é o desejo do Outro,

cujo tipo no caso da histérica, como já dissemos anteriormente, é a não-

satisfação. O salmão defumado surge no lugar do desejo do Outro, da amiga, e

não é satisfeito, representando assim o desejo de um desejo insatisfeito. O

sonho assim configura uma realização de desejo, o desejo de que o desejo da


amiga não fosse satisfeito.

Lacan, ao fazer a interpretação do sonho da paciente de Freud, a Bela

Açougueira, passa pela distinção prévia de três identificações. A primeira

consiste em uma identificação com a conduta, com a amiga: ambas recusam

aquilo que dizem querer. A paciente, o caviar e a amiga, o salmão. A segunda

identificação passa pelo eixo simbólico, é uma identificação com o desejo do

homem. Será que a Bela Açougueira olha sua amiga do ponto de vista do

Outro, no caso o marido? Isso nos leva a pensar o sujeito histérico e a questão

sobre o desejo. Já a terceira é com o significante do desejo: ser o falo.

Destacaremos a segunda identificação. Apesar do marido da paciente

gostar de mulheres carnudas, e ela preenche a sua demanda sendo cheinha, a

amiga magrela apresenta-se como enigma por causa do interesse discreto que

seu marido mantém por esta. Lacan nos diz:

Mas, como pode uma outra ser amada (não basta, para que a
paciente pense nisso, que seu marido a considere?) por um homem
que não pode se satisfazer com ela [...]? Eis a questão esclarecida,
que é, em termos muito gerais, a da identificação histérica. (LACAN,
(1958), 1998, p. 632).

A Bela Açougueira, do ponto de vista do homem, interroga o agalma da

amiga, o mistério da sua sedução. Essa questão compromete o seu ser, ser o

falo, nem que seja um falo meio magrelo. (LACAN, (1958), 1998, p. 633).

5.1.3 Posição histérica e posição feminina

Uma mulher assume sua feminilidade a partir do momento que concorda

em instalar-se na posição de objeto na fantasia de um homem, no lugar de

complemento do desejo masculino. Para isso, ela deve não se sentir ameaçada

por retornar à posição de objeto do desejo e de gozo que foi um dia para mãe:
receio de ser reabsorvida nas malhas devastadoras da mãe.15 Faz-se

necessário, portanto, que a mulher ultrapasse o horizonte da devastação

estrutural da relação mãe-filha e alcance um além do amor ao pai. Nesse

processo de tornar-se, a filha, enquanto mulher, depara-se com uma maneira

de fazer alguma coisa com o nada que marca sua condição feminina.

Há, por parte da mulher, uma esperança (e isso é uma ilusão) de que o

amor venha lhe dar a sustentação para o seu ser, de que ela consiga de

alguma maneira resolver a questão da não consistência que lhe é peculiar e

com a qual deve se confrontar. O amor e a existência estão intimamente

ligados. Quando ela sofre uma desilusão amorosa é o seu ser que oscila, ou

seja, vacila. O amor a identifica como mulher, daí a angústia de perda do amor.

Na posição feminina, a mulher faz o seu ser depender quase exclusivamente

do amor.

Na relação que os sexos estabelecem é preciso que a mulher se deixe

desejar e o homem deseje. Querer gozar e fazer gozar corresponde ao aceitar-

se na posição de objeto a na fantasia de um homem: posição feminina. A

mulher aí quer gozar tanto quanto o homem deseja.

Ou seja, é preciso, como vimos anteriormente, a mulher assumir o lugar

de “ser o falo” para, desta forma, se tornar objeto causa de desejo. Ela, na

posição feminina, rejeitará uma parcela essencial da feminilidade, se

apresentando com o sinal de menos, se fazendo de “objeto a” na relação com o

homem e, portanto estando marcada pela castração.

Podemos diferenciar uma solução feminina de uma histérica com a

aceitação ou recusa de uma mulher em colocar-se no lugar de ser objeto de

15
Como vimos no capítulo 1: a devastação pode ser a mãe para filha ou o homem para a
mulher.
desejo de um homem.

Para aquela mulher que ocupa a posição histérica, ocupar o lugar de

objeto lhe é difícil. Podemos justificar tal fato com as condições vividas com a

mãe: qualquer posição de objeto pode trazer à lembrança um temor de

reabsorção. Na relação que uma mulher, na condição de objeto, estabelece

com um homem encontramos parte da experiência com a mãe. Na clínica com

mulheres verificamos que por trás da relação com o marido existe a relação

com a mãe. Freud, em 1931, observa que o marido herda aspectos do

relacionamento da mulher tanto com a mãe quanto com o pai.

Uma mulher em posição histérica não quer ser um objeto de gozo para o

Outro e nem quer satisfazer o gozo do Outro. Sua questão passa por outros

caminhos: se quer provocar o desejo do Outro, não é com o objetivo de

satisfazê-lo.

Então, o que quer ela afinal? Ela que ser, quer gozar de ser o objeto

causa de insatisfação. A histérica, em sua estratégia, insatisfaz o gozo do

Outro. Nessa posição a mulher exige ser qualquer coisa para o Outro que não

seja objeto de gozo. Ela quer ser o objeto agalmático, precioso que sustenta o

desejo do homem. Daí encontra seu interesse pelo desejo do Outro. Ela

pergunta ao homem: Diz para mim o que sou para ti? Essa é a maior questão

da histérica. Sua vocação está em fazer o Outro dizer o que é para ele o objeto

mais precioso.

A mulher histérica, na contramão de sua natureza feminina, entra em

contato com a função viril justamente por não poder tolerar a posição de objeto.

Uma questão surge: sou homem ou sou mulher? Essa resposta a histérica irá

buscar na figura de um terceiro.


Como já abordamos no capítulo 4, a histérica tem como objetivo inspirar

no homem o desejo de saber. A busca pela produção de um saber – saber que

é sempre um não-saber – é um meio de gozo. Sua interminável queixa é

promovida pela não obtenção dessa resposta, e aí temos a histérica que

denuncia o homem pela sua suposta falha. Tal queixa nos fala de seu lugar de

vítima, lugar no qual se encontra privada.

Estamos falando aqui do gozo feminino da privação, que pode ser o

nome da castração numa mulher. A histérica goza de estar privada. Não é de

seu interesse o gozo sexual, pois ela se esquiva enquanto objeto de gozo na

fantasia do homem. Sua estratégia é ficar longe do gozo da mulher, gozo da

sexualidade feminina que a mulher abraça ao aceitar a posição de objeto

diante do desejo masculino, e exaltar a feminilidade da Outra mulher para fazer

existir A Mulher que falta no homem.

Encontramos, portanto, na histérica, o interesse pela posição da Outra

mulher no lugar de objeto-causa do desejo de um homem. Evoquemos aqui

Dora, paciente histérica de Freud. Lacan, em Intervenção sobre a transferência

(1951), faz a releitura do caso dessa jovem e esclarece a relação entre ela e a

Sra. K., relatando “o valor real do objeto que é a Sra. K para Dora. Isto é, não o

de um indivíduo, mas o de um mistério, o mistério de sua própria feminilidade,

quer dizer, de sua feminilidade corporal.” (LACAN, (1951), 1998, p. 220).

Uma mulher encontra–se atrelada à figura da Outra mulher, a quem

atribui o saber sobre o que é ser mulher. A Outra detém a chave do enigma a

ser decifrado.
5.2 POR FIM... O CASO DORA

No caso Dora, observamos todos os traços de uma estrutura histérica.

Destacaremos os traços que assinalam a abordagem histérica da questão da

feminilidade, especialmente a função que Dora atribui à Sra. K.. Para ela, a

Sra. K. é a encarnação da própria feminilidade, pois aparece como suplemento

de feminilidade da qual Dora se sente em falta.

Dora é levada a consultar Freud, aos 18 anos, por intermédio de seu pai.

Filha e pai mantêm um relacionamento de amizade com o casal K.. Este último

vive em uma espécie de relação a quatro com o par formado pelo pai e a filha.

A Sra. K. cuidara do pai de Dora, atingido por uma grave doença quando esta

ainda era pequena. Em seguida, tornara-se sua amante, embora fosse

impotente. Dora se encontrara, por outro lado, oferecida aos avanços do

marido da Sra. K.. Este sempre se mostrou muito amável para com ela,

levando-a para passear e dando-lhe pequenos presentes. O pai de Dora

“fechara os olhos” para tal fato.

A situação complica-se mais por ocasião das férias em que Dora se

ocupa com grande solicitude das duas crianças do casal K., ocupando de fato o

lugar da mãe delas, como Lacan aponta em Intervenção sobre a transferência

(1951).

Na realidade, cada um é cúmplice do outro casal. O pai abre caminho

para o Sr. K. se aproximar de Dora, tanto que esta concebe a idéia de um

pacto no qual ela, Dora, seria objeto de troca entre os dois homens. Freud

afirma:

[...] imponha-se a ela a concepção de ter sido entregue ao Sr. K.


como prêmio pela tolerância dele para com as relações entre sua
mulher e o pai de Dora; e por trás da ternura desta pelo pai podia-se
pressentir sua fúria por ser usada dessa maneira. [...] Naturalmente,
os dois homens nunca haviam firmado um pacto formal de que ela
fosse tratada como objeto de troca, tanto mais que seu pai teria
recusado horrorizado ante tal insinuação. (FREUD, (1905[1901]),
1996, p. 42).
Dora, por outro lado, é protetora das relações do pai com a Sra. K., até

ocupando-se dos filhos desta para que não perturbassem o casal. A paciente

declara a Freud que sempre soubera da existência dessa ligação.

Quando Dora defronta-se com propostas mais concretas do Sr. K., tal

harmonia é rompida. Dora esbofeteia o Sr. K. e exige que seu pai rompa

relações com o casal K.. Como seu pai não cede ao seu pedido, Dora vai

deixando elementos para se pensar que cometeria o suicídio. Nesse momento

o pai decide levá-la a Freud.

Freud, ao acrescentar uma nota ao caso em relação à interrupção do

tratamento, afirma ter errado ao subestimar a corrente de amor homossexual

de Dora pela Sra. K.: verdadeira significação do estabelecimento da posição

primitiva de Dora, e, também, de sua crise.

Quando mais me vou afastando no tempo do término desta análise,


mais provável me parece que meu erro técnico tenha consistido na
seguinte omissão: deixei de descobrir a tempo e de comunicar à
doente que a moção amorosa homossexual (ginecofílica) pela Sra. K.
era a mais forte das correntes inconscientes de sua vida anímica. [...]
Antes de reconhecer a importância da corrente homossexual nos
psiconeuróticos, fiquei muitas vezes atrapalhado ou completamente
desnorteado no tratamento de certos casos. (FREUD, (1905[1901]),
1996, p. 114).

No posfácio do caso, Freud sublinha a importância da predisposição à

bissexualidade na histeria. ((1905[1901]), 1996, p. 109).

Relembremos o que Lacan nos diz em 1951: para Dora a Sra. K.

encarna o mistério da sua feminilidade. A jovem, ao admirar a brancura do

corpo da Sra. K., prevê uma possibilidade de ter acesso ao enigma de sua

feminilidade. Desta maneira, Dora visa na Outra mulher, na Sra. K., retornar ao

questionamento sobre seu ser. Esse aspecto não deve ser confundido com

homossexualismo.
Lacan enfatiza as palavras do Sr. K. na cena do lago como sendo elas

as responsáveis pela reação agressiva de Dora. Ela toma partido da Sra. K.,

quando o Sr. K. diz: minha mulher não está no circuito.16 O Sr. K. só tinha valor

para Dora na medida em que estivesse desejando a Sra. K.: era preciso que

Dora acreditasse que o Sr. K. amava nela um para-além, a Sra. K. Desta

forma, a paciente acreditaria que seu pai amava na Sra. K. um para-além

desta, Dora - como o suplemento de feminilidade da qual ela mesma se sente

em falta. Lacan nos diz:

Dora não pode tolerar que ele não se interesse por ela senão na
medida em que ele só se interesse por ela. [...] Se o Sr. K. só se
interessa por ela, é porque seu pai só se interessa pela Sra. K., e a
partir daí ela não pode mais tolerá-lo. (LACAN, (1956-57), 1995, p.
146).

A partir dessa cena podemos pensar na identificação histérica de Dora,

cuja polaridade se coloca enquanto identificação masculina por um lado, na

medida em que ela se identifica à posição do Sr. K. ou à de seu pai para

contemplar a Sra. K.; e identificação feminina, por outro lado, na medida em

que desejaria ser amada pelo Sr. K. e por seu pai à maneira pela qual a Sra. K.

é amada por seu pai. A histeria se coloca na dupla polaridade das

identificações para interrogar a feminilidade.

Assim como em todas as mulheres, e por razões que estão no próprio


fundamento das mais elementares trocas sociais [...], o problema de
sua condição está, no fundo, em se aceitar como objeto do desejo do
homem, e é esse o mistério, para Dora, que motiva sua idolatria pela
Sra. K.,[...]. (LACAN, (1951), 1998, p. 221).

Dora, ao tomar o lugar de um homem (seu pai), quer verificar a medida

do desejo que esse homem pode manter em relação a uma mulher. Ao marcar

a posição da Sra. K. do ponto de vista do homem, Dora conclui que gostaria de

16
“Ele não diz que sua mulher nada é para ele, e sim que, pelo lado de sua mulher, não há
nada [...]”. (LACAN, (1956-57), 1995, p. 146).
ser amada por um homem, ou seja, por seu pai, como a Sra. K. é amada por

ele. Através da Sra. K., Dora encontra o amor de seu pai.

Então, a identificação histérica expressa o desejo de se colocar no lugar

da outra mulher, ser amada, admirada como ela, “ser como” ela em alguns

aspectos, de forma que a mulher, ao se identificar com os atributos de uma

outra, possa se apropriar também de um saber sobre a feminilidade e de como

uma mulher deseja. Ou seja, a identificação histérica é utilizada pela mulher

como forma de obter um saber sobre a feminilidade. Sobre Dora, Lacan

questiona: “Que diz Dora através de sua neurose? Que diz a histérica –

mulher? Sua questão é a seguinte: o que é ser uma mulher?”. (LACAN, (1955-

56), 2002, p.200).


6. CONSIDERAÇÕES FINAIS

A fundação da psicanálise tem uma parceria importante com as

pacientes histéricas de Freud. Essas fazem fracassar a hipnose e fundam o

lugar do analista, a própria psicanálise, ao levar Freud a mudar sua técnica

para associação livre. Somente assim Freud teve acesso ao fenômeno da

defesa.

O feminino se inscreve na psicanálise por meio da histeria com a

questão: o que é uma mulher? Nas histéricas, Freud percebe a repetição de

um discurso onde há uma queixa constante de insatisfação. Hoje em dia, com

o ensinamento lacaniano, podemos falar sobre tal insatisfação como sendo a

ausência de um registro psíquico referente à mulher.

O caminho da feminilidade aponta para um permanente tornar-se e é

tarefa de cada mulher, em cada momento da vida, escolher o que lhe é

possível.

No que concerne à primeira parte deste trabalho, trouxemos as

contribuições freudianas sobre a feminilidade. Apesar da psicanálise não

pretender descrever o que é uma mulher, Freud não se eximiu de investigar

como uma menina transforma-se em mulher. Percorrendo seus artigos, vimos

que, para ele, é preciso que a menina realize uma série de mudanças em sua

sexualidade para escolher o caminho que trilhará ao se confrontar com a

castração. Sob a ótica freudiana, são indicados três possíveis caminhos: um

conduz à inibição, ou neurose, o outro à modificação do caráter no sentido de

um complexo de masculinidade, e por fim, à maternidade. No tornar-se mulher,

a via da feminilidade é uma escolha a ser feita. Ele destaca o percurso do

Édipo na menina mostrando a não simetria ao complexo de Édipo. Nos anos


30, Freud expõe a importância da fase pré-edípica. Essa fase é muito

importante na compreensão do psiquismo das crianças e, em especial, das

mulheres. Freud também faz equivaler o tornar-se mulher com o tornar-se mãe,

e propõe a partilha dos sexos a partir do ter ou não o falo. Freud não consegue

encontrar outra resposta senão a de ter um filho. A construção freudiana

acerca da sexualidade feminina acaba por possuir um caráter enigmático, ou

seja, a teoria freudiana sobre o vir-a-ser feminino permanece incompleta.

Freud, assim, indica os poetas para se tratar sobre o impossível de dizer.

O ensino de Lacan nos é de grande valor, pois esse deixou importantes

contribuições para que a psicanálise pudesse avançar no estudo da

feminilidade. Diante do desafio de abordar a sexualidade feminina, vai mais

além. O feminino ultrapassa a maternidade. A mulher lacaniana depara-se com

a questão de ser o falo por não tê-lo. Para isso é preciso que o homem a tome

como falo, significante do desejo do Outro. A mulher irá ocupar a posição

daquela que finge ser o que não é: o falo. Ao se fazer de falo para um homem,

ela se mascara. Enquanto que para Freud a questão da menina está

centralizada em ter ou não ter o falo, para Lacan a dialética está entre o ser ou

ter o falo. Lacan, para abordar a verdadeira mulher, convoca a figura da

Medéia, aquela que sacrifica a vida dos filhos, colocando a condição de mãe

em segundo plano, para obter o amor de um homem, Jasão. Ele propõe o

desdobramento da sexualidade feminina como articulada ao gozo fálico e ao

gozo Outro, feminino, suplementar. Esse gozo Outro está além do falo e marca

a posição não-toda das mulheres na norma fálica. Dizer que uma mulher é não-

toda equivale dizer que as palavras não a descrevem inteiramente. É o

desdobramento do gozo que irá caracterizar para Lacan a feminilidade da


mulher.

Destacamos a importância da mãe no processo de constituição de uma

identificação feminina da filha. É do olhar da mãe que a filha retirará o que

precisa para no futuro se constituir mulher. A leitura psicanalítica da relação

mãe-filha nos forneceu uma nova compreensão para a dinâmica feminina,

principalmente, no que se refere à problemática da identidade feminina.

Em relação ao histórico da histeria, verificamos que tal palavra,

morfologicamente, vem do grego hystera e significa útero. Somente no século

XIX essa enfermidade é considerada própria de ambos os sexos.

Na Antiguidade existia a crença de que a causa dessa patologia era a

ausência de relações sexuais. Já a partir da Idade Média, quando a Igreja era

considerada centralizadora do poder, há uma modificação dessa patologia. O

que antes era chamado de histeria, não é mais uma doença, mas sim um

enfeitiçamento. Assim, a ciência teológica toma lugar e permite decidir se sua

causa é divina ou demoníaca.

Com a evolução histórica, a histeria, a partir do século XVII, é assumida

como patologia. O saber médico agora supera o saber teológico. Estigmas

vindos de possessões demoníacas são, na verdade, sintomas de uma doença

histérica.

Com a psicanálise foi visto que a causa da histeria não podia ser

explicada com base apenas no funcional. Haveria, portanto, a importância dos

afetos: causa esta que viria estabelecer uma nova teoria da neurose histérica.

Ressaltamos que a histeria pressupõe necessariamente uma experiência de

desprazer, de natureza passiva.

Observamos, portanto, que o emprego da palavra histeria apresenta


diferentes significados em diversos contextos. Percebemos, nesta pesquisa, o

conhecimento de que desde o início da teoria psicanalítica a histeria vem

sendo tratada como objeto de estudo.

Retornemos à pergunta: Por que a histeria presta-se a confusão com a

feminilidade? A distinção entre feminilidade e histeria está presente na ênfase

que uma dá ao fazer gozar e a outra ao fazer desejar. Apresentemos uma

fórmula, sugerida por Soler em 1998, que opõe a mulher e a histérica: uma

mulher quer gozar, uma histérica quer ser. Cada qual tem uma forma de

defrontar-se com a questão de ser objeto de desejo de um homem. Enquanto

uma mulher aceita ser objeto de desejo e pela mediação do homem se torna

Outra para si mesma, a histérica se furta desse lugar e encarna o lugar da

Outra na outra mulher e não em si mesma. Temos aí o exemplo da jovem

histérica de Freud, Dora, na relação com a Sra. K..

Enfim, a histeria é uma resistência à posição feminina, posição esta em

que a mulher suporta ser objeto e na qual reconhece a castração nela mesma.

A mulher, nesse lugar, quer gozar e satisfazer o desejo do Outro. No entanto, a

histérica se furta desse lugar, pois não suporta a sua castração. Por isso ela

aponta no Outro a castração.


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APÊNDICE

Produto da Dissertação

Curso: Sexualidade Feminina e neurose histérica.

1. Introdução

Como produto da Dissertação, intitulada Histeria e Feminilidade, desenvolvida

no Mestrado Profissional em Psicanálise, Saúde e Sociedade da Universidade

Veiga de Almeida, apresento a proposta de um curso sobre Sexualidade

Feminina e neurose histérica.

2. Objetivo

Face às tantas questões trazidas pelas mulheres, em especial as histéricas,

sobre a feminilidade, este curso terá como objetivo fornecer subsídios teóricos

e práticos, a partir do enfoque psicanalítico, para profissionais da saúde:

obstetras, pediatras, ginecologistas, psicólogos, entre outros.

3. Público-alvo

Profissionais e alunos da área das ciências da saúde.

4. Metodologia

Aulas expositivas e discussões de casos clínicos.

5. Carga-horária
8 encontros distribuídos em 1 encontro semanal de 3 horas/cada.

6. Conteúdo programático

Módulo I – Contribuições teóricas sobre a sexualidade feminina:

A feminilidade em Freud.

A feminilidade no ensino lacaniano.

A importância da relação mãe-filha.

Modulo II – A histeria:

A neurose histérica e a psicanálise: de Charcot à clínica atual.

Modulo III – A clínica psicanalítica:

O caso Dora e a Bela Açougueira.

Modulo IV – Histeria e Feminilidade:

A mulher em posição feminina e em posição histérica.

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