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Quadrinho histórico brasileiro no final da

década de 50.
Alexandre Valença Alves Barbosa - bar@terra.com.br
Professor na Faculdade de Artes e Comunicação da Universidade Santa Cecília ,
Professor na Faculdade de Comunicação Social da Universidade Monte Serrat em
Santos, Mestrando na Escola de Comunicação e Artes da Universidade de São Paulo,
Chargista e Crítico de quadrinhos do jornal “A Tribuna” de Santos durante 13 anos.

Resumo
O objetivo deste trabalho é fazer uma análise da interpretação do país e sua história através
da leitura dos roteiristas e desenhistas da revista em quadrinhos Epopéia, da editora Ebal, a
partir do fim da década de 50. O trabalho traça um comparativo com o final deste período e a
linguagem dos artistas empregada para contar a História do Brasil influenciados pelo
momento histórico que vivenciavam.
Utilizando como base de pensamento a visão de Mikhail Bakthin, Pierre Bordieu, Marc Ferro
e Joseph Luyten, traçamos uma linha que mostra a influência de diferentes culturas na forma

2
narrativa, gerando uma linguagem híbrida em contrapartida ao forte apelo ufanista dos
partidos políticos que buscavam uma unidade nacional. Juscelino Kubitschek, Jânio
Quadros, João Goulart, o golpe de 1964, resultam em um processo que modifica a forma dos
artistas em quadrinhos interpretarem o Brasil.
A análise propõe mostrar como nos expressávamos antes do Golpe Militar, para podermos
entender o posicionamento da indústria cultural a qual o quadrinho faz parte neste momento.

Palavras-chave: quadrinhos; História; golpe militar; Epopéia; linguagem híbrida.

Abstract
The goal of this paper is to have an analysis of the interpretation of the country and its history
through out the view of the scriptwriter and tracer of the comics "Epopéia", Ebal Editor, from
the end of the 50's. The paper draws a comparison between the final of this historical period
and the language used by the artists to tell Brazil's History influenced by the historical period
they were living in. Using as a base of the though the vision of Mikhail Bakthin, Pierre
Bordieu, Marc Ferro e Joseph Luyten, we draw a line that shows the influence of different
cultures on the narrative form, creating an hybrid language in opposition of the strong proud
person call of the political parties which were searching a national unit.
Juscelino Kubitschek, Jânio Quadros, João Goulart, the blow of 1964, and result in a process
that modifies the way the comics artists read Brazil. The analysis aims to show how we
express ourselves before the military blow, in order to understand the position of the cultural
industry in which the comics was part of on the moment.

Key Words: Comics; History; Military Blow; “Epopéia”; hybrid language.

3
Introdução

O
final dos anos 1950 no Brasil trouxe uma série de modificações sensíveis no
cotidiano do povo. Para começar o sonho megalomaníaco do então presidente
Juscelino Kubitschek de construir no centro do país a capital era o carro chefe de
toda esta mudança.
Em seu Programa de Metas a frase “avançar 50 anos em 5” o país acaba abraçando a
ideologia da modernidade, do progresso a todo custo. Esta forma de pensar alastra-se e vê
guarita nos estados de São Paulo e Rio de Janeiro, onde a efervescência cultural e industrial
é aparentemente maior.
A Volkswagen, a Ford, a Scania-Vabis, a Mercedes e muitas outras indústrias
instalam-se no Brasil. São US$ 2,180 bilhões de investimentos externos, onde só a indústria
automobilística construiu mais de 321 mil veículos entre 1955 e 1961, isto significaria um
aumento de 90% na meta prevista.
A palavra “novo” está em todos as bocas de norte a sul, pois ela rotula com exatidão o
espírito da época. Em 1955 o diretor Nelson Pereira dos Santos lança o filme “Rio 40 graus”,
dando partida ao “Cinema Novo”. Em São Paulo o “Manifesto Concretista”, idealizado por
Décio Pgnatari e pelos irmãos Augusto e Haroldo Campos, propõe nada menos que uma
poesia de exportação. No teatro, movimentos de renovação como os grupos Oficina e Arena
põem no palco propostas cênicas radicais. No Instituto Superior de Estudos Brasileiros
(Iseb), intelectuais formulam um programa de modernização nacional a partir de uma análise
do Brasil calcada na oposição entre a velha e a nova sociedade. Vive-se, em todos os

4
terrenos, a consciência dessa passagem, desencadeadora não só de esperanças como
também de generalizada euforia. Houve quem dissesse que naqueles anos dourados não
havia quem, conversando com amigos por telefone, não escutasse, também, o tlintlim do
gelo do copo de uísque.1
Este aspecto da sociedade brasileira deste período aliado a nova mídia que tomava
conta do país, a televisão, transformou a imagem, o apelo visual, em foco de atenção da
população. Uma linguagem diferente das décadas anteriores estava desapertando. Esta
busca de identidade atiçou questões na área sociológica e na opinião pública.
Estávamos em plena Guerra Fria, Cuba vê surgir guerra civil e a Revolução, os
Estados Unidos exportam sua cultura através dos filmes, da tv, da música e dos quadrinhos.
Os jovens são o principal foco de atenção deste conflito de ideologias.
Em meio a este turbilhão surge a editora Brasil-América Limitada, ou apenas Ebal,
fundada por Adolfo Aizen. Nascido em Juazeiro, na Bahia, em 1907, mudou-se para o Rio de
Janeiro com 15 anos de idade. Em 1945 fundou a editora com a revista O Herói.
Aizen além de publicar no Brasil personagens de quadrinhos norte-americanos, abriu espaço
para desenhistas nacionais através das séries Edições Maravilhosas (mais tarde editadas
como Clássicos Ilustrados), Grandes Figuras do Brasil, História do Brasil e Epopéia.
Estas revistas eram uma resposta de Aizen as críticas que estavam sendo feitas em
relação aos quadrinhos. Sociólogos e acadêmicos colocavam os quadrinhos como um dos
responsáveis pela delinqüência juvenil2, desta maneira o editor pretendia mostrar que era
possível participar da vida cultural do país de forma positiva.

1
“São Paulo, 110 anos de industrialização”, da Três Editorial, 1992
2
“Durante muito tempo as histórias em quadrinhos foram tidas e havidas como subliteratura prejudicial ao
desenvolvimento intelectual das crianças. Sociólogos apontavam-nas como uma das principais causas da delinqüência
juvenil.” Do livro “Bum! A explosão crítica dos quadrinhos” do professor Moacy Cirne.

5
A linguagem artística dos anos 50

C
omo citamos o Brasil vivia um momento de agitação em diversas áreas, e isto podia
ser notado de forma explícita no setor artístico e cultural. Marc Ferro nos diz que as
ferramentas para se controlar o passado e legitimar as dominações e as rebeldias
são: filmes, televisão, livros didáticos e quadrinhos.
O cinema brasileiro dava um passo importante buscando uma linguagem realista no
Cinema Novo de Nelson Pereira dos Santos. O país queria a modernidade, ou assim se
pensava nos grandes centros. Não nos cabia mais as chanchadas da Atlântida e da Vera
Cruz. Eram tempos de neo-realismo e o embrião deste pensamento foi sem dúvida este
filme. Era reflexo da intelectualidade brasileira.
Além do cinema, o teatro foi um fator muito importante para esta nova consciência de
brasilidade. Guarnieri, Oduvaldo Vianna Filho, Augusto Boal que procuravam em peças,
como por exemplo “Eles Não Usam Black-tie” , mostrar a verdade do dia a dia dos
trabalhadores. Buscar um estilo autêntico e brasileiro também era meta do teatro.
Na pintura, o grande nome era Portinari. Seus quadros refletiam aspectos da cultura
brasileira, como os bóias-frias. Na literatura, João Cabral de Melo Neto e Guimarães Rosa
davam a voz ao sertão e ao construtivismo literário. O modernismo de 1922 renasce na
virada dos anos 50 para os 60. Décio Pignatari, Haroldo e Augusto de Campos através da
poesia buscavam projeção internacional para cultura brasileira, mas antes de tudo buscavam
uma “cultura brasileira”.
Os quadrinhos, como arte de massa, não estavam longe desta participação no cenário
brasileiro. Mas como poderíamos classificar esta arte de massa? Estaria este quadrinho
agindo mesmo como arte de massa?
Segundo a definição do Papa Pio XII em sua radiomensagem de Natal de 1944, “povo
é formado por indivíduos que se movem por princípios ativos. Ele, o povo, é ativo agindo
conscientemente de acordo com determinadas idéias fundamentais, das quais decorrem
posições definidas diante das diversas situações. Já massa, ao contrário, não passa de

6
amálgama de indivíduos que não se movem, mas são movidos por paixões. A massa é
sempre, e necessariamente, passiva. Ela não age racionalmente e por sua conta, mas se
alimenta de entusiasmos e idéias não estáveis. É sempre escrava das influências instáveis
da maioria, das modas e dos caprichos que passam” 3. Os quadrinhos de Aizen queriam
mostrar outra possibilidade como arte de massa que não esta de subproduto cultural.
O professor Cirne em seu livro “Bum! A explosão criativa dos quadrinhos” nos mostra
que os quadrinhos brasileiros sempre levantaram questões significantes da cultura, da
sociedade e do comportamento.

3
Professor de História da Usp, Orlando Fedeli, presidente da Associação Cultural Monfort, citando o Papa Pio XII na
radiomensagem de Natal de 1944, no site www.monfort.org.br

7
Epopéia e seu papel no cenário dos
quadrinhos brasileiros

E
sta revista foi sem dúvida a principal ferramenta de Aizen para tentar reverter o
status cultural do quadrinho. É certo que a Ebal publicou outras séries com este
intuito, como é caso da Série Sagrada responsável pelos quadrinhos contando as
biografias de Santos da Igreja Católica. Seria uma estratégia comum em um país católico
como o nosso, por este motivo não podemos deixar de pensar que todos os lançamentos da
editora eram bem planejados.
Na revista Epopéia número 47, publicada em junho de 1956, podemos ver uma
matéria na segunda capa sobra a visita do novo Ministro da Educação Dr. Clóvis Salgado. A
matéria diz: “Em dias de março último, a Editora Brasil-América teve a satisfação de conviver
por algumas horas com o Sr. Ministro da Educação, Dr. Clóvis Salgado. Teve S. Ex. o ensejo
de visitar todas as salas de trabalho do Reino Encantado das Histórias em Quadrinhos, onde
se deteve demoradamente em palestra com inúmeros dos nossos colaboradores, colhendo
em fonte direta as informações necessárias”.
Nesta foto vemos S. Ex. quando folheava “Ciências em Quadrinhos”, uma das publicações
desta Editora para todas as idades. Nessa oportunidade, o nosso Diretor teve ocasião de
ouvir do Ministro Clóvis Salgado palavras elogiosas pela obra por nós realizada e que o
titular da Pasta do Governo do Presidente Juscelino Kubitschek considera como “de grande

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4
futuro para educação do povo.” Por este artigo podemos perceber o grau de importância
que assume este tipo de publicação, não para a editora como também para o Ministério da
Educação do Brasil, ou assim queria Adolfo Aizen que pensássemos.
Na mesma revista podemos ler outras matérias que nos dão esta indicação. Uma
delas diz: “Deputado Ranieri Mazzili almoçou em nossa companhia (título). Figura das mais
exponenciais da cultura brasileira, o Deputado Ranieri Mazzili aqui aparece quando, em um
dos dias caniculares de março último, almoçou em nossa Editora, acompanhado do Cônego
Antônio de Paula Dutra. Após o almoço que se realizou na maior intimidade, como já é de
praxe dos almoços quartaferinos desta Casa, o Deputado Ranieri Mazzili percorreu todas as
nossas instalações, congratulando-se com a Direção pelo ambiente sadio de trabalho que
aqui encontrou”. Na foto desta matéria podemos ver o Deputado, Aizen e o Cônego,
mostrando claramente uma idéia de cordialidade entre os três. Pois temos aí uma forma de
oficializar o quadrinho da Ebal, estando presentes o político e a religioso, um fator citado no
texto de Marc Ferro. O autor propõe que são os poderes dominantes, o Estado e a Igreja, os
partidos políticos ou os interesses privados que possuem ou financiam livros didáticos ou
histórias em quadrinhos, filmes e programas de televisão, forças que conseguem controlar a
história e, por conseguinte, legitimar-se.5
Mas seriamos levianos ao julgar o posicionamento de Aizen neste momento da
história, afinal o país e o mundo passavam por sérias modificações sociais, mas
principalmente ideológicas. Nos Estados Unidos, principal fornecedor deste gênero de
expressão artística, começava a “caça as bruxas” do Senador Joseph McCarthy aos artistas
comunistas. Em relação aos quadrinhos outro Senador, Robert C. Hendrickson, baseado nas
teorias do livro “the Seduction of the Innocent”, do médico alemão Frederic Wertham,
procurava censurar todas as revistas que ele julgava conter terror, violência, sexo,
preconceito e ideologias comunistas.6

4
Revista Epopéia número 47, editora Ebal, 1956.
5
Marc Ferro, “A Manipulação da História no Ensino e nos Meios de Comunicação”, editora IBRASA, 1999.
6
Román Gubern, “Literatura da Imagem”, Salvat editora, 1979.

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O editor procurava desta maneira afastar do Brasil o fantasma da censura aos
quadrinhos que estavam sofrendo os artistas norte-americanos. Podemos notar esta
preocupação apresentada também na revista Epopéia número 47, fala sobre as publicações
de quadrinhos nos Estados Unidos. O texto diz: “O que dizem as nossas outras revistas... O
herói deste mês publica em sua segunda capa a notícia de que os Estados Unidos, onde os
métodos educacionais já atingiram o máximo desenvolvimento, as histórias em quadrinhos
vêm obtendo alta receptividade nos estabelecimentos de ensino. Várias teses sobre esse
assunto foram preparadas por professores da prestigiosa Carver School, da Carolina do
Norte e uma delas recomenda as histórias em quadrinhos para o enriquecimento do currículo
escolar.” Esta, com certeza, era outra estratégia de Aizen para colocar os quadrinhos como
integrante importante na formação cultural brasileira, a divulgação direcionada de assuntos
pertinentes aos quadrinhos. Podemos perceber nestas atitudes uma manipulação da retórica.

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A apropriação da linguagem e da estética

C
omo vimos, a revista Epopéia buscava aprovação de várias maneiras. Uma
tentativa de enquadramento no modelo nacional, uma forma de referência cultural
para aqueles que buscavam a história.
As capas da revista geralmente eram pintadas a mão pelo artista Antônio Eusébio e na
contracapa sempre podia encontrar uma reprodução de algum artista brasileiro famoso ou de
importância para história da arte no país. Já o interior das revistas nem sempre era feito por
artistas nacionais, mas um deles que mais participou da produção de Epopéia e foi bem
solicitado, foi Gutemberg Monteiro. Ele, juntamente com alguns eleitos de Aizen, criou uma
escola, um estilo de quadrinho brasileiro, naquele período.
Na época muitos artistas tinham uma similaridade no traço, pois buscavam inspiração
nos trabalhos publicados nos Estados Unidos. André Le Blanc, Nico Rosso, Ivan Wash
Rodrigues, Eugênio Colonesse, formavam a linha de produção da Ebal e sofreram influência
do mercado norte-americano.
Se compararmos o trabalho publicado na revista Sargento Rock, também da Ebal,
desenhada pelo norte-americano Joe Kubert, vamos ver a similaridade nos traços de vários
brasileiros. Este artista norte-americano começou como auxiliar no estúdio de Will Eisner,
criador do personagem “Spirit”, aos 12 anos de idade. Naquela época o estúdio de Eisner
tinha um projeto de fazer histórias para o exército dos Estados Unidos, e Kubert abraçou esta
idéia também. Ele foi responsável por diversos títulos didáticos e históricos sobre as Forças

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Armadas. Kubert sofreu uma mescla de influências, de Alex Raymond criador de “Flash
Gordon” e do próprio Eisner.7
O desenho deste artista joga com as sombras e com a luz, utilizando as hachuras para
criar tramas, mas não os meio tons de cinza, esta é também uma característica de Eisner. De
Alex Raymond podemos perceber o cuidado em narrar visualmente a história, o
enquadramento cinematográfico.
Nas tomadas e ângulos utilizados na confecção de histórias como “A retirada de
Laguna” 8 publicada na Epopéia número 42 de 1956, podemos perceber um enquadramento
similar ao de Kubert, mas o traço em si, é bem diferente. Gutemberg Monteiro, responsável
por esta adaptação, procurava uma estética nacional, na busca de rostos que lembrassem
latinos, porém, em alguns instantes, seu desenho ficava um tanto quanto caricato. Isto de
forma alguma desprestigiou seu trabalho, apenas denota o esforço para marcar bem as
diferenças.
Estes trabalhos eram bem valorizados pela editora Ebal. Em cada revista que
encontrávamos um desenhista brasileiro podíamos ver: “desenhos nacionais de...”. Esta era
uma maneira de chamar atenção para os quadrinhos nacionais, pois nos trabalhos feitos por
estrangeiros geralmente não era possível encontrar os créditos.
Como podemos perceber, existia por parte dos artistas uma busca da modernidade,
com aquilo que era sucesso nos chamados países de primeiro mundo, e no caso dos
quadrinhos, os Estados Unidos era a referência. Mas e quanto à linguagem escrita, qual o
discurso? Seria este um discurso integrado a esta idéia de modernidade, assim como na
pintura, no cinema, na literatura e no teatro? Ao que tudo indica, não.
Como diz Bakthin em seu livro Marxismo e Filosofia da Linguagem: “No domínio dos
signos, isto é, na esfera ideológica, existem diferenças profundas, pois este domínio é, ao
mesmo tempo, o da representação, do símbolo religioso, da fórmula científica e da forma
jurídica, etc. Cada campo de criatividade ideológica tem seu próprio modo de orientação
7
Entrevista concedida ao brasileiro Otávio Cariello, professor na Joe Kubert School of New York, para o site
www.universohq.com.br
8
Revista Epopéia número 42, editora Ebal, 1956.

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para a realidade e refrata a realidade à sua própria maneira. Cada campo dispõe de sua
função no conjunto da vida social. É seu caráter semiótico que coloca todos os fenômenos
9
ideológicos sob a mesma definição geral”. O texto que encontramos em Epopéia não
condiz com a esfera de mudanças que pairava no campo artístico. Seu discurso é bem
integrado ao Estado, condizente apenas com a busca da estabilidade ideológica em relação
à história oficial que se buscava naquele instante.
Ainda na revista Epopéias número 42, que fala da guerra com o Paraguai, na página 4
tem o texto do 4º e 5º quadros que dizem respectivamente: “Em todas as cidades brasileiras
a revolta era a mesma” e “Uma onda de indignação galvanizou o Brasil inteiro. Não era
possível deixar sem resposta tanto insulto, tanta indignidade. E tudo se improvisou. Criaram-
se batalhões Voluntários da Pátria. Das grandes cidades do litoral às modestas vilas do
sertão, o coração brasileiro bateu num só compasso. E todos se apresentaram a atender ao
chamado da Pátria”. Na verdade o que tivemos na história foi uma participação ativa da
população do sul do país. Os outros estados forneciam soldados na forma de escravos
procurando alforria ou pessoas sem ofício que buscavam através do soldo uma promessa de
vida melhor. Muitos desertaram no meio do caminho.10
A guerra com o Paraguai foi um dos episódios históricos brasileiros que criou a idéia de
Nação. Os jornais do país trataram de colocar para todo o povo que o conflito era um
“insulto” a honra dos brasileiros, criando assim um elo entre as regiões que não existia.
O elo que existe entre esta idéia de gerar o conceito de nação vindo da guerra do
Paraguai e este período, o final da década de 50, é muito claro. Naquele instante, na guerra,
a comunicação criou um inimigo físico, já na década de 50 o inimigo era invisível, mas
presente. A idéia de nação, com aspectos culturais claros e sólidos, era a grande meta dos
artistas e intelectuais, uma batalha que foi travada com as mais diferentes armas e visões do
que seria na realidade da cultura brasileira. Uma cultura fundamentada no popular, como
explica o professor Doutor Joseph Luyten: “O Brasil é um bom exemplo histórico de

9
Mikhail Bakthin, “Marxismo e Filosofia da Linguagem”, Annablume editora, 1999.
10
“A Guerra do Paraguai” de Júlio José Chiavenato, editora Ática, 1999.

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deficiência crônica de sistemas comunicacionais: de seu descobrimento até 1808, não houve
imprensa regular no país. Boa parte dos livros existentes tinha a sua circulação dificultada.
Somente em 1808, com a vinda de D. João VI, passamos a ter jornais e impressos próprios.
A nossa universidade mais antiga, a USP, completou 50 anos em 1984. As cifras mais
otimistas colocam o analfabetismo em cerca de 20%, mas ninguém se preocupa em verificar
o teor da educação nos 80% restantes. Em suma, sempre houve uma pequena elite atuante
mas a grande parcela do povo manteve-se perenemente à margem dos acontecimentos e, o
que é pior, ficou privada dos benefícios do progresso”.11
Bakthin diz que a criatividade ideológica refrata a realidade, pois naquele instante o
necessário para o quadrinho era manter-se distante das reprovações possíveis do Estado e
da sociedade. Vale lembrar mais uma vez que o crescimento econômico e a ideologia da
modernidade faziam com que a maioria da população brasileira acreditasse nas metas do
Governo, não sobrando muito espaço para as contestações e citando ainda Pierre Bordieu:
“...o livre jogo das leis de transmissão cultural faz com que o capital cultural retorne às mãos
do capital cultural e, com isso, encontra-se reproduzida a estrutura de distribuição do capital
cultural entre as classes sociais, isto é, a estrutura de distribuição dos instrumentos de
apropriação dos bens simbólicos que uma formação social seleciona como dignos de serem
desejados e possuídos”.12 O que Adolfo Aizen queria nada mais era que legitimar sua forma
de expressão artística, assim como outros agentes da cultura brasileira.

11
“Sistemas de Comunicação Popular”, Joseph M. Luyten, editora Ática, 1988.
12
“Economia das Trocas Simbólicas”, Pierre Bordieu, editora Perspectiva, 2001.

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Bibliografia
BAKTHIN, Mikhail. Max e a Filosofia da Linguagem. São Paulo, SP. Editora Annablume.
1999.
BORDIEU, Pierre. Economia das Trocas Simbólicas. São Paulo, SP. Editora Perspectiva.
2001.
CHIAVENATO, Júlio José. A Guerra do Paraguai. São Paulo, SP. Editora Ática. 1999.
CIRNE, Moacy. Bum! A explosão criativa dos quadrinhos. Petrópolis, RJ. Editora Vozes.
1970.
FERRO, Marc. A história da manipulação no ensino e nos meios de comunicação. São
Paulo, SP. Editora IBRASA. 1999.
GURBEN, Román. Literatura da Imagem. Rio de Janeiro, RJ. Salvat Editora. 1979.
LUYTEN, Joseph Maria. Sistemas de Comunicação Popular. São Paulo, SP. 1988.

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